charles darwin - a origem do homem - cap v - pp 108-115

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  • 8/17/2019 Charles Darwin - A Origem Do Homem - Cap v - Pp 108-115

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    Do Livro:

    DARWIN, Charles. A Origem do Homem e a Seleção Sexual. Tradução Eugênio Amado.Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2004. – Capítulo V, PP. 108-115.

    CAPÍTULO V 

    DO DESENVOLVIMENTO DAS FACULDADES INTELECTUAIS E MORAIS DURANTE AS 

    ERAS PRIMITIVAS E A CIVILIZADA 

    O progresso dos poderes intelectuais através da seleção natural —  Im-

     portância da imitação —  faculdades sociais e morais — Seu desenvolvi-

     mento em âmbito tribal — Até que ponto a seleção natural atua nas nações

     civilizadas - Prova de que as nações civilizadas já foram bárbaras. 

    s assuntos a serem discutidos neste capítulo são do maior interesse,mas creio que os tratei de maneira imperfeita e fragmentária. Wallace,num admirável artigo ao qual já me referi !, afirma que o homem,

    após ter adquirido parte das faculdades morais e intelectuais que odistinguem dos animais inferiores, teria estado propenso a ter sua estrutura

    corporal modificada através da seleção natural, ou por qualquer outro meio, já que está capacitado, através de suas faculdades mentais, "a conservarharmonicamente seu corpo inalterado vivendo num universo em constante

    mutação". O ser humano possui grande capacidade de adaptar seus hábitos às novas

    condições de vida. Inventa armas, instrumentos e vários estratagemas paraconseguir alimento e defender-se. Quando migra para uma região de climamais frio, usa agasalhos, constrói abrigos, produz fogo, com cuja ajudacozinha alimentos que, se deixados crus, seriam indigestos. Ajuda seuscompanheiros de diversos modos e toma precauções no tocante às possíveiseventualidades. Já em eras remotas praticou algum tipo de divisão dotrabalho. Os animais inferiores, por outro lado, devem ter sua estruturacorporal modificada, a fim de sobreviverem sob condições grandementealteradas. Têm de se tornar mais fortes, ou adquirir dentes e garras maiseficazes, para defender-se de novos inimigos, ou diminuir de tamanho paraescapar dos perigos e de serem descobertos. Quando migram para climas frios,ganham pêlos mais bastos ou alteram sua constituição interna. Se nãoconseguem modificar-se, acabam por extinguir-se.

    Ocorre coisa bem diferente, como com justiça insiste Wallace, comrelação às faculdades intelectuais e morais do homem. Estas são variáveis, etemos toda razão de 

    I "Antropological Review". mai/1868. p. CLVIII. 

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    acreditar que tendem a ser hereditárias. Por conseguinte, se elas fossem outrora degrande importância para o homem primitivo e para seus ancestrais simiescos, teriamsido aperfeiçoadas ou transformadas com a ajuda da seleção natural. 

    Acerca da grande importância das faculdades intelectuais, não pode haver dúvi-da, pois o homem deve principalmente a elas sua posição preeminente no mundo.

    Podemos ver que, nos estados mais precários da sociedade, os indivíduos mais saga-zes, aqueles que inventaram e usaram as melhores armas ou armadilhas, e que forammais hábeis em se defenderem, são os que procriam em maior número. As tribos quepossuem o maior número de pessoas assim dotadas aumentam em número esuplantam as outras. Os números dependem basicamente dos meios desubsistência, que por sua vez dependem em parte das condições físicas do lugar,conquanto em grau bem menor que das técnicas aí praticadas. À medida que a triboaumenta numericamente e conquista mais vitórias, ela cresce ainda mais pelaabsorção de outras tribos A estatura e força dos homens de uma tribo também sãoimportantes para seu sucesso, e este depende em parte da natureza e quantidade doalimento que a tribo tem condições de obter. Na Europa, os homens da Idade doBronze foram suplantados por uma raça mais poderosa, e, a julgar pelos punhosde suas espadas, de mãos maiores, mas seu sucesso poderia ser devido também,ainda que em grau menor, a sua superioridade quanto á técnica. 

    Tudo o que sabemos sobre os selvagens, ou que a seu respeito podemos deduzirde suas tradições e antigos monumentos, já que sua história em geral é totalmenteesquecida pelos que posteriormente passaram a viver em seus territórios, mostra que,desde os tempos mais remotos, as tribos residentes num local foram sendo suplanta-das por outras. Vestígios de tribos extintas ou esquecidas têm sido descobertos emdiversas regiões civilizadas da Terra, nas planícies selvagens da América e nas ilhasisoladas do Pacífico. Nos dias de hoje, nações civilizadas estão por toda parte su-

    plantando as bárbaras, exceto onde o clima opõe uma barreira mortal, e elas são bemsucedidas, principalmente, embora não exclusivamente, em razão de suas técnicas,que são produto do intelecto. Por conseguinte, é altamente provável que, no caso dohomem, as faculdades intelectuais tenham sido gradualmente aperfeiçoadas atravésda seleção natural, e esta conclusão é suficiente para o nosso propósito.Indubitavelmente seria bem interessante traçar o desenvolvimento de cada faculdadeisolada, desde o estado em que se encontra nos animais inferiores até aquele quechegou a atingir no homem, mas faltam-me capacidade e conhecimento para permitiressa tentativa. 

    Cabe supor que, tão logo os ancestrais do homem se tornaram sociais (o queprovavelmente deve ter ocorrido num período bem remoto), o progresso das facul- 

    2. Depois de certo tempo, as pessoas ou as tribos absorvidas por outra tribo acreditam descender dos mesmosantepassados, conforme observou Sir Henry Maine ("A Lei nos tempos antigo". 1861. p 131). 3. Morlot."Soc. Vaud. Sc Nat". 1860. p 294 

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    dades intelectuais há de ter sido ajudado e modificado de maneira marcante, da qualsomente vemos alguns vestígios nos animais inferiores, a saber: através do princípio deimitação, juntamente com a razão e a experiência. Os macacos são muito propensosa imitar, bem como os selvagens mais primitivos, e o simples fato mencionado hápouco de que, passado algum tempo, os animais param de cair no mesmo tipo de

    armadilha, mostra que eles aprendem pela experiência, sabendo imitaras precauções dos outros. Ora, se algum membro da tribo dotado de maiorsagacidade tivesse inventado uma nova armadilha, uma nova arma, ou outro meioqualquer de ataque e defesa, o simples interesse, sem ajuda de grande poder deraciocínio, levaria os outros membros do grupo a imitá-lo, e todos iriam lucrar comisso.

    A prática habitual de cada nova técnica deve igualmente, ao menos em ligeirograu, reforçar o intelecto. Se a nova invenção for importante, a tribo aumentará emnúmero, espalhar-se-á e haverá de suplantar as outras. Numa tribo que desse modose tornou mais numerosa, sempre haveria maior chance do surgimento de outros indi-víduos mais capazes e dotados de maior capacidade inventiva. Se tais indivíduos ge-rarem fílhos que herdem sua superioridade mental, a chance do nascimento de outrospor certo mais engenhosos seria ainda maior, especialmente em se tratando de umatribo pequena. Mesmo que ele não tivesse filhos, seus consangúíneos viveriam naquelatribo, e, conforme os agricultores tantas vezes já comprovaram4, bastaria isso paraque, por meio da preservação dos caracteres e dos cruzamentos dos membros daquelafamília, as características desejadas pudessem repetir-se entre seus descendentes.

    Voltemos agora a considerar as faculdades sociais e morais. A fim de que o ho-mem primitivo, ou seus ancestrais simiescos, se tivessem tomado sociais, eles devemter adquirido os mesmos sentimentos instintivos que impelem outros animais a viverem grupo, ostentando indubitavelmente a mesma disposição geral. Devem ter-se sen-

    tido inquietos quando separados de seus camaradas, por quem certamente nutriamalgum tipo de afeição; devem ter-se protegido mutuamente do perigo e se ajudado emcaso de defesa ou ataque. Tudo isso implica em algum grau de solidariedade, fidelida-de e coragem.

    Tais qualidades sociais, cuja importância fundamental para os animais inferioresnão é questionada por quem quer que seja, foram sem dúvida adquiridas pelos ances-trais do homem de maneira similar, isso é, através da seleção natural, auxiliada pelohábito adquirido. Quando duas tribos de homens primitivos, de forças equivalentes,vivendo na mesma região, batalhavam entre si, caso uma delas incluísse um númeromaior de indivíduos corajosos, solidários e fiéis, sempre prontos a alertar os compa-nheiros de algum perigo constatado e a se defender mutuamente, essa tribo tenderia aser mais bem sucedida no combate e derrotar a outra.

    É fácil imaginar qual não teria sido a importância da fidelidade e da coragem nasincessantes guerras travadas pelos selvagens! A vantagem que soldados disciplinados 

    4 Forneci vários exemplos em meu livro "Variabilidade dos animais domésticos , vol II. à p. 196. 

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    têm sobre hordas indisciplinadas provém principalmente da confiança quecada qual deposita em seus camaradas.

    A obediência, como Bagehot mostrou5, possui um valor imenso, namesma medida em que qualquer forma de governo é sempre melhor quenenhuma. Pessoas egoístas e propensas a rixas não podem coexistir juntas, e

    onde não existe coesão, nada se pode realizar. Uma tribo que possua essasqualidades em alto grau tenderá a espalhar-se e subjugar as outras, mas como decorrer do tempo deverá por seu turno, a julgar pela lição da História, sersuperada por alguma outra tribo ainda mais bem dotada do que ela. Assim,as qualidades sociais e morais tenderão lentamente a progredir e espalhar-sepelo mundo afora.

    Pode-se perguntar, porém, como é que, dentro do âmbito de uma tribo,numerosos indivíduos vieram a tornar-se dotados dessas qualidades sociais emorais, e como teria sido alcançado o padrão de excelência. É extremamenteduvidoso que os descendentes de pais mais solidários e benevolentes, oudaqueles que foram mais leais a seus camaradas, seriam mais numerosos queos dos pais egoístas e pérfidos dessa mesma tribo. Aqueles que, a trair seuscamaradas, antes não hesitariam em sacrificar a própria vida, conformetantas vezes já se constatou entre os selvagens, com freqüência morreramantes de deixar descendentes que herdassem sua natureza nobre. Os bravosque não receiam seguir para a frente de batalha ou arriscar a vida de peitoaberto correm maior risco de morrer que os outros. Por conseguinte, parecepouco possível (tendo em mente que não estamos tratando aqui da vitória deuma tribo sobre outra) que o número de homens dotados de tais virtudes, ouque o padrão de excelência do caráter individual, possa ser aumentadoatravés da seleção natural, ou seja, como resultado da sobrevivência dos

    mais aptos.Embora as circunstâncias que levam a um aumento do número de homensassim dotados sejam complexas demais para que as acompanhemosclaramente, podemos esquematízar alguns de seus prováveis passos. Emprimeiro lugar, à medida que os poderes de raciocínio e previdência dosindivíduos vão-se aperfeiçoando, cada qual irá aprender, com base em suaexperiência, que, se porventura ajudar seus companheiros, certamentehaverá de receber algum tipo de ajuda como forma de retribuição. Por essemotivo um tanto mesquinho, ele poderá adquirir o hábito de ajudar seuscompanheiros e de executar ações generosas, o que por certo haverá dereforçar seu sentimento de solidariedade, aquele que confere o primeiroimpulso às nobres ações. Ademais, quando os hábitos são seguidos durante

    muitas gerações, tendem a tornar-se hereditários.Mas há um outro estímulo que concorre ainda mais ponderavelmente

    para o desenvolvimento das virtudes sociais: o louvor ou a censura dopróximo. A satisfação sentida pela aprovação e o medo da condenação,assim como o ato de externar nosso elogio ou nossa censura, são devidosprimariamente, como vimos num capítulo 

     5 Conferir uma série de artigos «obre Física e Política na " Fortnoghtly Review", edições de nov/1867, 1/4/1868e I/7/I869. os quais foram posteriormente publicados em separatas. 

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    precedente, ao instinto de solidariedade, que foi sem dúvida adquiridooriginalmente, como aliás o foram todos os outros instintos, através daseleção natural. Em que período  remoto teriam os ancestrais do homem, nodecurso de seu desenvolvimento, passado a ser impelidos ou contidos peloelogio ou pela censura de seus companheiros, é coisa que ignoramos. Mas

    sabe-se que até mesmo os cães apreciam o encorajamento e o elogio, e ficamconstrangidos com a censura. Os selvagens, mesmo os mais primitivos, nutremo sentimento de glória, como o demonstram claramente pelo fato depreservarem os troféus de suas proezas, pelo costume que têm de se gabarvaidosamente, e pelo seu extremo cuidado quanto à aparência pessoal e ao usode adornos. Com efeito, tais hábitos não teriam o menor sentido, caso eles nãosentissem respeito pela opinião de seus camaradas.

    Eles certamente sentem vergonha quando quebram suas próprias regras:todavia, não há quem possa dizer qual seria a extensão de seu remorso.Surpreendeu-me não ter podido registrar qualquer evidência desse sentimentoentre os selvagens, e também Sir John Lubbock confessa não saber de nenhumexemplo passível de atestá-lo6. Não obstante, se varrermos de nossas mentestodos os casos apresentados em romances e peças teatrais, ou as confissõesem leito de morte feitas aos sacerdotes, duvido se muitos de nós já algumavez testemunhamos efetivamente um caso de remorso, embora possamosmuitas vezes sentir vergonha ou experimentar um sentimento de contrição porofensas menores. O selvagem que prefere sacrificar a vida a trair sua tribo, ouque prefere ir preso a quebrar a palavra7, será que não sentiria remorso noíntimo de seu coração, ainda que o esconda, se tivesse falhado num deverque considera sagrado?

    Podemos concluir, portanto, que o homem primitivo, num período bastante

    remoto, deve ter sido influenciado pelo elogio e censura de seuscompanheiros. É óbvio que os indivíduos da tribo aprovariam a conduta que,segundo seu entendimento, serviria ao bem de todos, reprovando a que lhesparecesse má. "Faze o bem ao próximo, assim como gostarias de que opróximo agisse com relação a ti" — eis aí a pedra basilar da moralidade. Porconseguinte, provavelmente não seria exagerado afirmar que. desde ostempos remotos, deve ter sido extremamente importante para o homem o amorao elogio e o horror à censura. Um indivíduo que tenha sacrificado sua vidapelo bem do próximo, movido não por algum sentimento profundo einstintivo, mas tão-somente pelo desejo de glória, poderia, só com seuexemplo, provocar esse mesmo desejo nos seus camaradas, levando-os a realizar

    gestos nobres em decorrência do sentimento de admiração. Desse modo, poderáele fazer a sua tribo um bem maior do que o faria pelo simples fato de gerarfilhos que talvez herdassem seu caráter heróico.

    Com o desenvolvimento da experiência e da razão, o homem passa aprever as mais remotas conseqüências de suas ações. Assim, as virtudes queproduzem satisfa- 

    6."Origem da civilização", 1870. p 2657.Wallace apresenta alguns exemplos em sua obra "Contribuições à teoria da

     seleção natural". 

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    ção pessoal, tais como a temperança, a castidade. etc., as quais, nos tempos passa-dos, como já vimos, eram inteiramente desdenhadas, passam a ser estimuladas, che-gando eventualmente a se tornar sagradas. Não preciso repetir o que já foi dito numcapítulo precedente acerca desse assunto altamente complexo, lembrando apenasque nosso senso moral ou consciência teve sua origem remota nos instintos sociais;

    mais tarde, passou a ser guiado em grande parte pela aprovação do próximo, e regidopela razão e pelo interesse pessoal, até que, em tempos mais recentes, foi condiciona-do por profundos sentimentos religiosos, e confirmado pela instrução e pelo hábito.  

    Não podemos nos esquecer de que, embora um alto padrão de moralidade forne-ça pequena ou nula vantagem a cada indivíduo e a seus filhos sobre os outros homensde uma tribo, a elevação desse padrão e o aumento do número de homens dotados decaráter nobre certamente haverão de acarretar uma enorme vantagem para essa triboem relação a outra. Não há dúvida de que uma tribo que possuísse muitos indivíduosdotados em alto grau do senso de patriotismo, de fidelidade, de obediência, de cora-gem e de solidariedade, todos sempre prontos a se ajudarem entre si e a se sacrifica-rem pelo bem comum, seria vitoriosa sobre a maior parte das outras tribos, num claroexemplo do que constituiria a seleção natural. Em todos os tempos e em todo o mun-do, tribos suplantaram tribos, e como a moralidade é um dos elementos ponderáveisdesse sucesso, um padrão de moralidade e um certo número de homens bem dotadostendem a se instalar e crescer em toda parte. Entretanto, é muito difícil encontrar aexplicação dos motivos que teriam levado uma determinada tribo, e não outra a gal-gar os degraus do sucesso e da civilização. 

    Muitos selvagens estão ainda hoje na mesma condição em que se encontravamquando de seu descobrimento, centenas de anos atrás. Como Bagehot notou, estamosacostumados a encarar o progresso como a regra geral da sociedade humana, mas aHistória não dá respaldo a tal idéia. Os antigos não pensavam assim, e o mesmo se

    pode dizer dos orientais de hoje em dia. De acordo com outra alta autoridade,Maine8, "a maioria da Humanidade jamais demonstrou a mínima partícula dedesejo de reforçar essas instituições civis ". O progresso parece depender doconcurso simultâneo de muitas condições favoráveis, demasiado complexas paraque se permita seu acompanhamento. Mas já se observou muitas vezes que um climafrio pode ser altamente favorável, senão mesmo indispensável, à implantação daindústria e ao desenvolvimento das artes. Pressionados pela necessidade, osesquimós fizeram várias invenções engenhosas, mas seu clima é rigoroso demaispara permitir um progresso contínuo. Já a vida nômade, seja através das vastasplanícies, das densas florestas dos trópicos, ou ao longo dos extensos e ermos litorais,

    tem sempre se mostrado altamente improdutiva. 

    8. Sír Henry Maine . "A Lei nos temos antigos".1861. p. 22. Para conferir as observações de Bafehot. consulte-se  a "Fortnightly Review" de 1/4/1868, p. 452. 

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    Quando estudei os selvagens da Terra do Fogo, descobri que a posse de umapropriedade, de moradia fixa e a união de várias famílias sob as ordens de um chefeeram os requisitos indispensáveis para o estabelecimento da civilização. Tais hábitosdecorrem quase sempre da prática de se cultivar o solo, e a adoção dessa prática,conforme demonstrei em outra obra, costuma resultar de acidentes fortuitos, tais como

    a queda das sementes de uma árvore frutífera num monte de detritos e a subseqüenteprodução de uma variedade excepcional. Seja como for, até o presente ainda não seencontrou a resposta para a questão relativa ao início do processo de civilização. 

     Até que ponto a seleção natural atua nas nações civilizadas  — Nestesúltimos capítulos tenho considerado o progresso alcançado pelo homem a partir deuma condição semi-humana até alcançar o estado atual dos nossos selvagens. Pensoque seria útil acrescentar a seguir algumas considerações acerca da atuação daseleção natural sobre as nações civilizadas. Esse assunto foi habilmente discutido porW. R. Greg9, e anteriormente por Wallace e Galton10. A maioria de minhasobservações foi extraída desses três autores. 

    Entre os selvagens, os indivíduos fracos de corpo ou de mente são logo elimina-dos, enquanto que os sobreviventes exibem geralmente uma saúde vigorosa. Já noque se refere a nós outros, homens civilizados, fazemos o possível para combater oprocesso de eliminação, construindo asilos para os deficientes mentais, os aleijados,os doentes, e instituindo leis de assistência aos pobres, sendo que nossos médicoslançam mão de todos os seus recursos para salvar as vidas de qualquer semelhanteque esteja em risco de morrer. Há razão para se acreditar que a vacinação em massatenha preservado milhares de pessoas de constituição fraca, que sem ela teriam su-cumbido à varíola. Devido a coisas como essa, os membros fracos das sociedadescivilizadas acabam por propagar seu tipo. Ninguém que tenha empreendido o cruza-mento de animais domésticos duvida de que tal atitude pode ser altamente prejudicialà raça do homem. É surpreendente como um simples descuido ou uma providênciamal tomada pode acarretar a degeneração de uma raça doméstica! Com efeito, salvono que se refere ao homem, dificilmente haveria alguém tão ignorante que incentivas-se, ou mesmo permitisse, o cruzamento de seus piores exemplares... 

    A ajuda que nos sentimos impelidos a prestar aos desassistidos decorre de maneiracasual do instinto de solidariedade, originalmente adquirido como parte dos instintossociais, mas subseqüentemente tornado, conforme mostramos, mais terno e maisamplamente difundido. Tampouco poderíamos tolher nossa solidariedade, mesmo setal atitude nos fosse ditada pela razão pura e simples, sem prejudicar a parte maisnobre de nossa natureza. O cirurgião pode sufocar seu sentimento enquanto realiza 

     9. "Fraser´s Magazine", set/1868. p353. Esse artigo parece ter impressionado várias pessoas e dado origem aosdois notáveis ensaios e uma réplica publicados no "Spectator" de 3/10 e 17/10 de 1868. Foi também discutido no"(Q. Journal of Medical Science"de 1869. à p 152; por Lawson Tait. no "Dublim Q. Journal of Medical Science" defev/1860. e por E. Ray Lankester, em sua "Longevidade comparada". 1870. p 128 Considerações semelhantes já haviam sido publicadas no "Australasian" de 11/7/1867 Vali-me de várias idéias defendidas por esses autores.10 "O gênio hereditário". 1870. pp 132 -14 0.  

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    uma operação, pois sabe que está agindo para o bem do paciente; nós, porém, senegligenciarmos intencionalmente os fracos e desvalidos, mesmo tendo em vista umbenefício eventual, sentir-nos-emos muito mal. Daí aceitarmos sem queixa osindubitavelmente maus efeitos da sobrevivência e reprodução dos fracos, o que nãonos impede de termos consciência da necessidade de criar algum tipo de obstáculo à

    sua propagação, impedindo que os membros mais débeis e inferiores da sociedade secasem de maneira tão liberada quanto os sadios. Esse obstáculo pode ir-se tornandocada vez maior, até transformar-se numa efetiva proibição ao casamento e procriaçãodos fracos de corpo ou mente, o que me parece constituir antes uma esperança queuma possibilidade real. 

    Em todos os países civilizados, o homem acumula propriedades e as lega a seusfilhos. Desse modo. os habitantes desses países não largam simultaneamente na corri-da rumo ao sucesso. Mas isso longe está de constituir um mal implacável, uma vezque, se não houvesse concentrações de capital, as artes não poderiamdesenvolver-se, e é principalmente através do seu poder que as raças civilizadasse espalham e continuam até hoje estendendo seu raio de influência, impondo-sepouco a pouco às raças inferiores. O acúmulo moderado de riquezas não interferecom o processo de seleção. Quando um pobre enriquece, seus filhos empreendemnegócios ou assumem profissões nas quais há bastante competição, de modo que osmais habilitados física e mentalmente acabam saindo-se melhor. A presença de umaplêiade de homens instruídos que não precisam trabalhar para conseguir o pão de cadadia é importante para uma nação, talvez até mesmo essencial, já que a eles compete atotalidade do trabalho intelectual, sobre o qual se assenta o progresso material, isso semmencionar outros benefícios. 

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