chaplin e o personagem carlitos

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09/03/2012 Escola Burlesca de São Paulo http://escolaburlesca.blogspot.com.br/2012/03/chaplin-e-o-personagem-carlitos.html Chaplin e o personagem Carlitos No espetáculo Revaudeville, temos o super prazer de contracenar com o Kiury, um ator maravilhoso que resolveu dedicar boa parte de seu talento, estudo, tempo e energia fazendo cover de Carlitos, um dos personagens mais cativantes de todos os tempos.

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  • 09/03/2012 Escola Burlesca de So Paulohttp://escolaburlesca.blogspot.com.br/2012/03/chaplin-e-o-personagem-carlitos.html

    Chaplin e o personagem Carlitos

    No espetculo Revaudeville, temos o super prazer de contracenar com o Kiury, um ator maravilhoso que resolveu dedicar boa parte de seu talento, estudo, tempo e energia fazendo cover de Carlitos, um dos personagens mais cativantes de todos os tempos.

  • (Na foto acima, Kiury na pele de Chaplin - perfeito! ^_^)

    Para quem no conhece a histria desse lindo trabalho de Chaplin, vai um texto bacana sobre o assunto. E aproveitem para conhecer o trabalho do Kiury tambm, o Chaplin cover mais lindo da cidade! ^_^ Curtam a pgina dele no Facebook: http://www.facebook.com/#!/pages/Charles-Chaplin-Cover/185777701497049

    Agora, vamos ao texto:

    O personagem Carlitos

  • Texto de Edmundo Washington Lobassi

    O personagem Carlitos nasceu por acaso quando em um dos primeiros filmes protagonizados por Charles Chaplin, o curta A Estranha Aventura de Mabel (1914), o produtor pediu que ele se vestisse de um jeito engraado. Chaplin, ao pensar nos ingleses que observava em sua infncia, resolveu tom-los como modelo, com bigodinhos pretos, vesturios apertados e bengala. Comeava de forma simblica a carreira do personagem.

    Porm, em sua biografia Chaplin revela o momento da criao do personagem: "No caminho do camarim, disse para mim mesmo que iria colocar uma cala extremamente larga, um palet apertado, um chapu-coco e sapatos enormes. Acrescentei um bigodinho que me daria alguns anos a mais. No tinha a menor idia do personagem que ia representar, mas, desde o instante em que me vesti, as roupas e a maquiagem me fizeram sentir quem ele era. Quando entrei em cena, estava totalmente criado" (CHAPLIN, 1966).

  • Analisando seus curtas afirmo que o personagem Carlitos aparece pela primeira vez em A Estranha Aventura de Mabel, de 9 de fevereiro de 1914, filme que inaugurou a silhueta e os trajes de um prncipe mendigo que se tornaria lenda. Sustentou-se por muito tempo que o comediante tinha vestido o personagem pela primeira vez em Carlitos se diverte, mas esse filme precedeu o outro apenas em sua data de estreia nas salas, no na filmagem.

    A imagem de Carlitos permanece uma das mais reconhecidas do mundo basta o bigodinho e o chapu ou a silhueta de bengala, e as pessoas o identificam. A difuso em DVD e TV a cabo renovou o interesse por seus filmes e tornou-o conhecido tambm entre as novas geraes. Carlitos a caricatura sria de um homem inocente. E justamente a partir de seu ridculo e de sua alienao que se comea a refletir sobre o semelhante.

  • Muitos artistas,escritores e intelectuais, inclusive brasileiros, chegaram bem perto de decifrar a charada representada pela fora do mito de Carlitos. O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, inicia um poema nos informando que as crianas do mundo sadam o Vagabundo" e oferece uma boa pista: Chaplin criou um personagem com a lgica das crianas, como numa brincadeira, os filmes de Carlitos transformam qualquer coisa em qualquer outra coisa, sempre pela ao inesperada de seu heri.

  • H um ditado chins sobre os nascidos no ano do drago que diz era impossvel, mas o drago no sabia, e fez. Carlitos parecia viver sob o signo de drago: impossvel, mas ele no sabe, e faz. Continua em frente, mesmo sozinho. Mantm a dignidade mesmo nas condies mais precrias. Descobre a bondade onde ela no parece existir, revela a perversidade onde no esperada. Pezinhos se transformam em ps danantes, cadaros de sapato viram fios de macarro. Para tudo funcionar, existe um constante olhar de pureza, de inocncia, tpico das crianas.

  • Chaplin fez um cinema que trata da luta de classes, fala da misria e a associa no escolha dos indivduos, mas injustia da sociedade. Os ricos ostentam maus hbitos, do egosmo ao cio; os pobres, mesmo se eventualmente apelam para a desonestidade, s o fazem pela prpria sobrevivncia ou pelo bem-estar das pessoas. O poder, representado pela polcia ou riqueza, geralmente mal usado.

  • O drama de uns motivo da gargalhada de outros. Os filmes do personagem Carlitos passam por esse caminho o tempo todo. Foram, com isso, militante desde o incio da carreira do artista. Ao longo dela, foram aos poucos se tornando conscientemente ideolgicos. Tempos Modernos (1936) pode ser em preto e branco, mas sabemos que vermelha a bandeira pela qual o Vagabundo foi preso. Industriais do mundo inteiro podem fazer negcios com os tiranos, mas o Barbeiro de O Grande Ditador (1940) nos lembra de que h algo errado com o poder, a intolerncia, a violncia.

    Para fazer isso, Chaplin precisou fazer Carlitos falar no filme o que praticamente determinou o fim de seu personagem. Nos filmes posteriores, todos falados, os melhores momentos novamente sero de pantomima, como a hilariante sequncia com a mangueira de incndio em Um Rei em Nova York (1957), para lembrar que a essncia de uma pessoa est ligada s suas aes e maneira singular como v o mundo e se comporta diante dele.

  • Segundo alguns pensadores da escola de Frankfurt, em especial Walter Benjamin e Sigfried Krakauer, os filmes de Charles Spencer Chaplin, e seu personagem Carlitos ("Charlie"), ou "Vagabundo" ("Tramp") marcaram a histria do cinema: "O cineasta certamente deve ser habilidoso, deve ter toda a sensibilidade de um artista, mas deve no final voltar tanto sua imaginao quanto suas tcnicas para o mundo fluido e interminvel, em vez de explorar seu veculo para seu prprio prazer ou em busca de um contedo objetivo" (KRAKAUER, 1960: 121).

  • Nos primeiros anos da carreira de Chaplin, o humor era sua principal preocupao, a vida miservel do personagem e as questes sociais que cercavam essa realidade, eram meros coadjuvantes para a diverso. medida que o reconhecimento do pblico crescia, Chaplin tornava-se mais preocupado em ampliar o universo de reflexes que seus filmes pudessem provocar.

  • Apesar de ser acusado de comunista nos tempos do macartismo, tendo inclusive que abandonar os Estados Unidos e voltar a morar na Inglaterra, os filmes de Chaplin no tinham esse vis ideolgico. Sua preocupao no era disseminar uma filosofia poltica, mas criticar as injustias da sociedade. Atravs do humor, Chaplin zombava do capitalismo industrial, denunciava a explorao da mo de obra e ridicularizava a sociedade burguesa. Mas seu foco no era a mobilizao contra as opresses. Em seus filmes, honrava o humanismo e a solidariedade. Apostava que a soluo para a excluso estava no prprio ser humano.

    Seu personagem Carlitos era ingnuo, divertido e amoroso. Praticava pequenos golpes, tinha um certo cinismo nas relaes com outras pessoas, mas tinha um grande corao. Em O Garoto, de 1921, por exemplo, o personagem acha uma criana que havia sido abandonada pela me, que no tinha condies de criar o filho. A princpio, Carlitos faz de tudo para se livrar do menino, mas tudo d errado. Acaba se afeioando criana e ganha um companheiro para vagar pelas ruas.

  • Carlitos capaz de atos de solidariedade at mesmo em momentos extremos. No filme Em Busca do Ouro (1925), o personagem est isolado em uma cabana do Alasca em meio a uma grande tempestade de neve junto com um desbravador que caava um jazida de ouro. Famintos, no auge do desespero, Carlitos cozinha sua bota e a divide com o companheiro de isolamento. Em uma das mais clebres sequncias da histria do cinema, a bota transforma-se em uma apetitosa refeio, dividida fraternalmente (figura 4), Carlitos passa a usar panos enrolados no lugar do sapato, como se no fizesse nenhuma diferena. o mais completo desprendimento dos bens materiais.

  • A solidariedade tambm a questo central em Luzes da Cidade (1931) quando Carlitos conhece e se apaixona por uma florista cega e faz de tudo para ajud-la. Precisa evitar que seja despejada e arranjar dinheiro para uma operao que permitiria que ela voltasse a enxergar. Consegue o dinheiro, mas preso injustamente. Quando solto, reencontra a mulher que ama. O filme acaba sem que fiquemos sabendo se os dois ficaro juntos ou no.

  • O final incerto, mas feliz, de Luzes da Cidade (1931) deixa claro que a preocupao principal do diretor no a felicidade amorosa de seu personagem. O que importa, de fato, a felicidade de Carlitos ao ver que seus esforos para ajudar a florista foram bem-sucedidos. E a surpresa dela ao descobrir que o homem que a ajudou era um sem-teto, contrariando a iluso criada por ele de que seria um milionrio.

  • Desse final, tira-se a base do pensamento do diretor Charles Chaplin: O capitalismo e a industrializao do incio do sculo XX tiravam o humanismo do centro da sociedade. O dinheiro e o status passavam a ser mais importantes que as relaes humanas. A satisfao pessoal prevalecia sobre o senso de solidariedade. A esperana no vinha dos burgueses nem das instituies, que no s eram insensveis ao sofrimento, mas injustas e discriminatrias. A esperana vinha de um personagem excludo da sociedade, vtima de preconceitos, relegado e perseguido, mas que ainda era capaz de deixar de lado suas ambies pessoais para ajudar algum que estivesse necessitado.

  • O pensamento de Charles Chaplin ficaria evidente em Tempos Modernos (1936), o ltimo filme mudo do personagem Carlitos. Tempos Modernos uma stira sobre a industrializao, a desumanizao e a luta pela sobrevivncia na sociedade moderna dos tempos da depresso; crtica, tambm, ao descaso com que so tratados os operrios e os deserdados da vida; obra-prima com cenas inesquecveis, como a da linha de montagem da fbrica, outra em que Carlitos tido como lder grevista ao pegar uma bandeira vermelha que havia cado de um caminho.

  • 1 A conscincia dos consumidores est cindida entre o gracejo regulamentar, que lhe prescreve a indstria cultural, e uma nem mesmo muito oculta dvida de seus benefcios. A idia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dvida, jamais pretendeu ser. No somente os homens caem no logro, como se diz, desde que isso lhes d uma satisfao por mais fugaz que seja, como tambm desejam essa impostura que eles prprios entrevem; esforam-se por fecharem os olhos e aprovam, numa espcie de autodesprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual sabem por que fabricado. Sem o confessar, pressentem que suas vidas se lhes tornam intolerveis to logo no mais se agarrem a satisfaes que, na realidade, no o so (ADORNO, 1986: 96).

    2 O personagem Carlitos j havia atacado anteriormente a mstica da guerra com Ombro, Armas ou Carlitos nas Trincheiras (1918), comdia preferida dos soldados americanos na Primeira Grande Guerra, em que Chaplin mostra um heri to heroico que, sozinho, obtm a vitria para os aliados.

    Na dcada de 30, Chaplin se valeu do seu prestgio e carisma para passar sua mensagem poltica para um mundo que se via compelido a limitar as liberdades do indivduo, fosse pela alienao do trabalho no sistema capitalista com o filme Tempos Modernos, fosse pela tirania de todos os regimes autoritrios que evocavam o nacionalismo tacanho com O Grande Ditador (1940).

  • A harmonia da existncia esttica de Carlitos, segundo Bazin (2006), s poderia ser apreendida atravs dos filmes por ele vividos. Todos os filmes de Chaplin mostram no comportamento de Carlitos a prpria improvisao, a imaginao sem limites diante do perigo.

  • Mas a rapidez da ameaa e, sobretudo, sua brutalidade, em contraste com o estado de esprito eufrico em meio ao qual ela surge. A cena do obus no incio do filme O Grande Ditador, mostra isso, quando como artilheiro ao disparar o canho Berta seu projtil adquire vida ao cair ao cho sem explodir movendo-se em crculos, acompanhando a interpretao de Carlitos.

    1 O personagem de Chaplin na tela sofreu variaes profundas com o decorrer do tempo. Os freqentadores de retrospectivas se surpreendem, s vezes, em conhecer um Carlitos violento, mau e vulgar. [...] Ele afirma e impe seus desejos e caprichos. Apesar das aparncias, o Carlitos do futuro guardar muito desses traos, particularmente uma constante rebeldia potencial contra as convenes e presses do mundo exterior. No Carlitos clssico, a vontade de poder se dilui numa aparente submisso e a crueldade se esconde atrs de uma covardia calculada. [...] Mas a crtica, Andr Bazin em primeiro lugar, reconhece facilmente a presena dos dois Carlitos, dissociados, em O Grande Ditador. E os empreendimentos macabros de Verdoux evocam, apesar da impecvel elegncia, a distante fria do Carlitos dos primeiros tempos (EMILIO, 1982: 212).

    2 O personagem Carlitos representou o incio de um novo gnero cmico, por outro lado, no podemos associar o estilo de Chaplin a escola burlesca de Mack Sennet, por que neles no estavam envolvidos nem psicologia, nem sentimento, segundo Bazin (BAZIN, 2006: 25).

  • A montagem determinada pela persona do personagem e a afirmao dessa persona mais importante do que as consideraes usuais da montagem. Mesmo nos filmes de Charles Chaplin a montagem primitiva e, invariavelmente, as cenas transcorrem em planos gerais. Dizia Chaplin: As tomadas de vida em planos gerais so indispensveis para mim: quando interpreto, represento tanto com as pernas como com os ps ou o rosto. Sou um tipo foram do comum, por isso no preciso ser visto de ngulos esquisitos (CHAPLIN, 1983: 165).

  • Andr Bazin costumava dizer que sempre existiram duas atitudes a propsito da representao flmica, encarnadas por dois tipos de cineastas: os que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade, em outras palavras, os que identificam na plstica da imagem e nos recursos da montagem a essncia do cinema e aqueles que subordinam a imagem a uma restituio o mais fiel possvel da realidade. O cineasta Charles Chaplin um dos que acredita na imagem, no humor puramente visual e fsico, no poder da interpretao e imagem universal do personagem Carlitos que transmite ao seu pblico a capacidade de transformar simples objetos em novas formas de comunicao e expresso de ideias, os objetos perdem sua funo utilitria, parece que os objetos s aceitam ajudar Carlitos margem do sentido que a sociedade lhes atribui.

  • Quer a stira, quer o burlesco implicam uma viso mais ou menos crtica da realidade social. No entanto, o que as distingue o fato de na stira o autor incluir-se no sistema de valores da ideologia dominante criticando o que for contrrio a essa ideologia e o autor burlesco encontrar-se fora desse mesmo sistema, contrapondo um sistema de valores inversos (antivalores), os quais exalta, proclamando a sua superioridade. O burlesco torna-se mais tolervel do que a stira uma vez que o seu exagero, a distoro de sentidos, o carcter pardico, a falta de um discurso poltico ou moralizador, o tornam aparentemente mais inofensivo.

  • Carlitos segue a tradio e a tcnica do sketch do circo e do music hall ingls. A maior caracterstica do filme burlesco dessa poca de ouro o humor puramente visual e fsico, incluindo muita ao improvisada e no raro alguma violncia inofensiva, cujo repertrio variava entre chutes no traseiro, escorreges e "acidentes", trocas de identidade, pequenos furtos, situaes perigosas e s vezes ridiculamente constrangedoras. Eram essas as marcas da ingenuidade e da pureza do humor mais ligeiro e da comunicao mais direta possvel, ou seja, a gag pela gag, o filme pelo filme marcas que h muito se perderam. Sem dvida, a comdia no escapou evoluo natural do cinema e sofreu grandes variaes como percebemos no filme O Grande Ditador (1940), em que o burlesco alcana certo grau de perfeio, de maturidade, transformando este clssico em uma comdia, uma stira contra o Nazismo. As gags de Carlitos em geral so de tal modo breves que s do o tempo necessrio e suficiente para capt-las, no h pausa na narrativa que permita pensar nelas. o contrrio da tcnica imposta nos teatros para os risos da plateia (BAZIN, 2006, p.15-16).

  • Termino o artigo com o este pensamento do diretor, ator, produtor Charles Spencer Chaplin:Frequentemente, leio nos jornais ou em artigos de revistas que tive razes muito srias para fazer isto ou aquilo. Acreditem-me, as coisas so muito mais simples. Eu mais que qualquer outro, confio no meu instinto. Jamais preparo projetos complicados, e muito menos situaes complicadas. No resolvo nada por antecipao e cada coisa decidida no momento preciso. Ento, e s ento, limito-me a ver o que h de bom e o que h de ruim (CHAPLIN, 2005).

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