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CETCC- CENTRO DE ESTUDOS EM TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL LUCIANA FRANÇA CESCON ESPECIFICIDADES DO MANEJO DO LUTO POR SUICÍDIO NA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL São Paulo 2019

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CETCC- CENTRO DE ESTUDOS EM TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL

LUCIANA FRANÇA CESCON

ESPECIFICIDADES DO MANEJO DO LUTO POR SUICÍDIO NA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

São Paulo

2019

LUCIANA FRANÇA CESCON

ESPECIFICIDADES DO MANEJO DO LUTO POR SUICÍDIO

NA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Trabalho de conclusão de curso Lato Sensu

Área de concentração: Terapia Cognitivo-Comportamental

Orientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon

Coorientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins

São Paulo

2019

Cescon, Luciana França.

Especificidades do manejo do luto por suicídio na terapia cognitivo- comportamental.

Luciana França Cescon, Renata Trigueirinho Alarcon, Eliana Melcher Martins – São Paulo, 2019.

72 f. + CD-ROM

Trabalho de conclusão de curso (especialização) - Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC).

Orientadora: Profª. Drª. Renata Trigueirinho Alarcon Coorientadora: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins

1 Luto por suicídio. 2. Terapia Cognitivo Comportamental. I. Cescon, Luciana França. II. Alarcon, Renata Trigueirinho. III. Martins, Eliana Melcher.

Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde que citada a fonte.

Luciana França Cescon

Especificidades do manejo do luto por suicídio na terapia cognitivo

comportamental.

Monografia apresentada ao Centro de Estudos em

Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das

exigências para obtenção do título de Especialista

em Terapia Cognitivo-Comportamental

BANCA EXAMINADORA

Parecer:

Prof.

Parecer:

Prof.

São Paulo, de de

EPÍGRAFE

“E o assunto morte é tratado como tabu em nossa

sociedade. Ninguém quer falar sobre isso e não estamos

preparados para morrer e tampouco para perder alguém.

Confesso que fazia parte deste meio que odiava falar sobre

morte, papo chato, triste e dolorido. E quando eu me vi

frente a frente com a realidade dura e cruel de perder para

sempre alguém que eu amo, senti o quão eu sou

vulnerável e que não sou nada diante de algo tão grande.

[...] A morte muda tudo, agora eu não sou a mesma pessoa

de antes. Outro dia li que a morte é um buraco e que

depois que perdemos alguém querido, passamos a ser

carregadores de ausências. Sim, passei a viver com um

buraco. Não me tornei uma pessoa amarga, mas passei a

ver o mundo de uma forma diferente, de repente tudo ficou

cinza, não há mais cor, parece que fiquei na escuridão.

Mas estou aprendendo que o tempo do luto cada um tem o

seu e o luto por suicídio é mais complicado e ele deve e

precisa ser vivenciado e acolhido para que se possa aos

poucos encontrar uma nova forma de enxergar as cores e

a luz que outrora se via”.

- Terezinha Máximo em “A morte muda tudo”.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todas as pessoas que sofreram o impacto de

perder um ente querido por suicídio e viram-se afetadas pela dor da saudade

misturada aos questionamentos e ao desejo de voltar o relógio do tempo para

impedir este doloroso evento. Com os sobreviventes que conheci no consultório e

nos grupos de apoio tenho aprendido que a vida é mesmo muito frágil, enquanto o

amor realmente é eterno.

AGRADECIMENTOS

À minha família e aos meus amigos queridos, felizmente tantos, que não

caberia nomear todos aqui.

À Karen Scavacini, Elis Cornejo e Izabela Guedes pela parceria tão rica

no Instituto Vita Alere e pelo privilégio da convivência afetiva.

Ao CETCC, pelo aprendizado que hoje me faz uma terapeuta melhor,

especialmente às minhas orientadoras Renata Trigueirinho Alarcon, Eliana Melcher,

à minha supervisora Maria de Lourdes Gurian e aos colegas da turma EM172.

RESUMO

Este estudo teve por objetivo compreender as possibilidades da aplicação da

Terapia Cognitivo Comportamental no luto por suicídio. Dados do Ministério da

Saúde apontam que há uma média de doze mil suicídios notificados por ano no

Brasil, enquanto estudos sobre o impacto do suicídio referem que existe uma média

de seis a doze pessoas afetadas por cada morte autoprovocada. Estes resultados

indicam a importância de dedicar maior atenção aos sobreviventes enlutados, que

muitas vezes precisarão de psicoterapia como suporte durante o processo de luto.

Considerando que no Brasil há pouca literatura específica a respeito do tema,

buscou-se investigar a compreensão da abordagem sobre o comportamento suicida,

bem como uma revisão acerca das técnicas da TCC para luto e Transtorno de

Estresse Pós-Traumático (TEPT), integrando todos estes conceitos, quando

necessário, para o tratamento mais adequado no luto por suicídio.

Palavras-chave: Suicídio; Luto; Transtorno de Estresse Pós-Traumático; Terapia

Cognitivo-Comportamental.

ABSTRACT

The purpose of this study was to understand the possibilities of applying Cognitive

Behavioral Therapy in suicide mourning. Data from the Ministry of Health indicate

that there are an average of twelve thousand notified suicides per year in Brazil,

while studies on the impact of suicide refer to an average of six to twelve people

affected by each self-inflicted death. These results indicate the importance of

devoting more attention to bereaved survivors, who will often need psychotherapy as

support during the bereavement process. Considering that in Brazil there is little

specific literature on the subject, we sought to investigate the understanding of the

approach to suicidal behavior, as well as a review about the techniques of CBT for

grief and Post Traumatic Stress Disorder (PTSD), integrating all these concepts

when necessary for the most appropriate treatment in the mourning for suicide.

Keywords: Suicide; Mourning; Posttraumatic Stress Disorder; Cognitive behavioral

therapy.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08

2 OBJETIVO .............................................................................................................. 43

3 METODOLOGIA ..................................................................................................... 44

4 RESULTADOS ....................................................................................................... 45

5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 61

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 66

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1. INTRODUÇÃO

A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte.

Ela nos aterroriza por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma com a outra, e desta conversa surge a Beleza... Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois ...”

- Rubem Alves em “A morte como conselheira”

Embora seja a única certeza da vida, a morte continua sendo um tabu

nas sociedades ocidentais e pouco se fala a respeito dela. Sempre que alguém com

quem temos um vínculo significativo morre, sentimentos intensos são mobilizados e

em meio a este turbilhão de emoções procuramos uma explicação para esta perda.

Para nos protegermos do impacto que a morte traz aos que permanecem vivos,

muitas vezes passamos a fazer de conta que ela só acontece com os outros, não

conosco ou com nossos entes queridos (KOVÁCS, 1992).

Ariès (2012), em seus estudos sobre a história da morte, explica que até

a Idade Média a morte e seus rituais eram naturalizados, aceitos e integrados na

vida social dos sujeitos: “Não se morre sem se ter tido tempo de saber que se vai

morrer” (ARIÈS, 2012, p. 31). Não eram comuns os sentimentos de medo ou

desespero diante da finitude: “Sabendo de seu fim próximo, o moribundo tomava

suas providências” (ARIÈS, 2012, p. 36). O autor propõe o conceito de morte

interdita a partir da segunda metade do século XIX, quando a morte passa a ser

silenciada, compreendida como um fracasso de recursos médicos e, na maioria das

vezes, escondida dentro de hospitais: “A morte é um fenômeno técnico causado pela

parada de cuidados, [...] por decisão do médico e da equipe hospitalar” (ARIÉS,

2012, p. 86).

Na Idade Média, o luto permitia que a família expressasse sua dor sem

que fosse imposto um limite “por conveniências” (de tempo ou modo) nesta

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manifestação – era permitido ao enlutado (e até valorizado) chorar, desmaiar e

jejuar, ao mesmo tempo em que este recebia o apoio social por meio de visitas de

parentes, vizinhos e amigos (ARIÈS, 2012).

De acordo com Ariès (2012), a partir da segunda metade do século XIX,

gradualmente a atitude social diante da morte foi se modificando: as pessoas que

estão próximas do moribundo (familiares e equipe hospitalar) tendem a esconder a

gravidade do seu estado e a proximidade da morte, para poupá-lo. Assim também

as manifestações de luto sofrem uma transformação:

[...] se uma cerimônia ainda marca a partida, devem permanecer discretas e evitar a todo pretexto a uma emoção qualquer – assim, as condolências à família são agora suprimidas no final dos serviços de enterro. [...] Dentro do círculo familiar ainda se hesita em desabafar, com medo de impressionar as crianças. Só se tem o direito de chorar quando ninguém vê nem escuta (ARIÈS, 2012, p. 87).

Uma vez que a morte é interdita na sociedade ocidental, também há

dificuldade para que as pessoas possam expressar livremente os sentimentos em

relação às suas perdas. Se não se fala sobre a morte, quando se perde alguém, o

processo de luto pode ser mais difícil, pois “[...] o recalque da dor, a interdição de

sua manifestação pública e a obrigação de sofrer só e às escondidas agravam o

traumatismo devido à perda de um ente querido” (ARIÈS, 2012, p. 88).

Porém, se a morte pode ser oculta, o mesmo não ocorre com o vazio que

fica no enlutado após a perda de um ente querido.

A morte como perda nos fala em primeiro lugar de um vínculo que se rompe, de forma irreversível, sobretudo quando ocorre perda real e concreta. Nesta representação de morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é “perdida” e a outra que lamenta esta falta, um pedaço de si que se foi (KOVÁCS, 1992, p. 154).

Deste modo, o processo de luto pode ser compreendido como uma

jornada individual e necessária para a adaptação do enlutado diante da realidade da

ausência definitiva de um ente querido, na busca de equilíbrio e construção de

significados após uma perda.

Entre as perdas significativas, a morte de um ente querido figura como de considerável impacto, uma vez que estabelece uma ruptura relacional definitiva, a impossibilidade de estar com o outro e de experimentar as trocas desse encontro, o que exige um movimento de elaboração dos vínculos afetivos rompidos (SOUZA, MOURA E PEDROSO, 2010, p. 123).

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Existem fatores que podem complicar o processo de luto, entre eles as

mortes repentinas, violentas e traumáticas, como ocorre no suicídio. Para Kovács

(1992), quando a morte ocorre de maneira inesperada tem um potencial maior de

trazer desorganização, paralisação e sentimento de impotência no enlutado. Nestes

casos, muitas vezes o suporte psicológico se faz necessário.

Considerado um importante problema de saúde pública, estima-se que

aconteçam cerca de 800 mil suicídios completos e um número ainda maior de

tentativas de suicídio por ano no mundo. De acordo com Botega (2015), o número

de tentativas de suicídio deve superar o de mortes por suicídio em pelo menos dez

vezes. Segundo o Portal Saúde (BRASIL, 2018), no Brasil, apenas considerando o

período entre 2007 e 2016, foram registrados no Sistema de Informações sobre

Mortalidade (SIM) 106.374 mortes por suicídio. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 por

100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 mortes por essa causa. Diante

destes números, facilmente conseguimos estimar o impacto destas mortes para as

pessoas que perdem um ente próximo por suicídio. “Cada suicídio é uma tragédia

que afeta famílias, comunidades e países inteiros e tem efeitos duradouros sobre as

pessoas deixadas para trás” (OPAS, 2018).

A morte por suicídio é um caso especial, em que a morte é considerada desnecessária e a tendência a atribuir culpas é, consequentemente, muito maior. De um lado, a pessoa morta pode ser responsabilizada por ter abandonado deliberadamente os sobreviventes; do outro, algum dos parentes pode ser considerado responsável por ter provocado o ato [...] Com esse alto potencial de acusação e sentimento de culpa, não é de surpreender que a morte por suicídio possa deixar uma esteira tão impressionante de psicopatologia, que se estende não só aos sobreviventes imediatos, como também aos seus descendentes (BOWLBY, 2004, p. 209).

Quando o processo de luto tem um impacto e duração maiores do que o

esperado, o suporte psicológico pode ser uma ferramenta para auxiliar o enlutado a

elaborar melhor sua perda e a reorganizar sua vida.

A discussão que se pretende diz respeito às especificidades do luto por

suicídio e aos instrumentais da abordagem cognitivo-comportamental que podem

dar sustentação para uma conduta direcionada para os sobreviventes enlutados.

É importante ressaltar que acreditamos que todas as linhas teóricas do

campo da Psicologia trazem propostas eficazes de cuidado em relação ao luto e que

não há uma única abordagem que seja superior às outras, até porque o profissional

de excelência em Psicologia deve basear seu trabalho em um conjunto de fatores,

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como constante atualização de seus conhecimentos, supervisão, habilidades

específicas e atitudes como empatia, aceitação e ética. Porém, pelo fato de ter

escolhido a perspectiva teórica da Terapia Cognitivo-Comportamental como área de

especialidade, espera-se contribuir com este estudo para discutir as possibilidades

de atuação do terapeuta cognitivo-comportamental nesta demanda específica.

Basso e Wainer (2011) apontam que situações de perdas significativas

podem ativar crenças centrais disfuncionais (de desamparo, por exemplo) e

esquemas de abandono, culpa, raiva ou desespero, que por sua vez podem gerar

estratégias de enfrentamento desadaptativas, trazendo maior estresse e sofrimento

ao enlutado. Para os autores, sentimentos de incapacidade e de vulnerabilidade

podem influenciar significativamente na desorganização que frequentemente atinge

as pessoas que perderam um ente querido.

A terapia cognitivo-comportamental tem, entre outros, protocolos de

intervenção para o manejo do luto. Silva, Rangé e Nardi (2011, p. 728) afirmam que:

O atendimento no enfoque da TCC possibilita que a pessoa enlutada receba informações sobre o curso normal do luto e, se necessário, esclarecimentos quanto a seu quadro em particular. O aprendizado de novas habilidades, tanto cognitivas quanto comportamentais, é fundamental para facilitar a readaptação do sujeito ao seu ciclo de vida, considerando que reformulações de papéis serão necessárias no sistema familiar e na sociedade, de modo geral.

A introdução deste trabalho apresenta conceitos básicos acerca do luto,

do suicídio, da posvenção, do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) e da

própria terapia cognitivo-comportamental. Em seguida, são apresentados os

objetivos – geral e específicos – no capítulo 2. A metodologia do estudo será

brevemente descrita no capítulo 3. No quarto capítulo, os resultados serão

apresentados e em seguida, no capítulo 5, será apresentada a discussão, com

ênfase na abordagem cognitivo-comportamental. Por último, no capítulo 6, serão

apresentadas as considerações finais do estudo.

12

1.1. Compreendendo o luto

Mas, quando morre alguém de quem gostamos ... então posso dizer que sentimos o que isso significa e que dói muito, muito, muito. É como um fogo de artifício que se apaga de repente e tudo fica negro. Sinto-me só, doente, com dor no coração, e cada movimento me custa esforços colossais".

- Muriel Barbery em "A elegância do ouriço".

De acordo com Bowlby (2004) e o Laboratório de Estudos e Intervenções

sobre o luto – LELu (s/a), podemos compreender o processo de luto como um

conjunto de processos psicológicos mobilizados pela perda de uma pessoa amada,

quaisquer que sejam os seus resultados.

No material “Orientações sobre o luto”, desenvolvido pelo LELu (s/a, p.

05), compreende-se que durante o processo de luto podem surgir diferentes

alterações:

- No aspecto emocional: Sentimentos de tristeza, alívio, culpa, raiva, solidão,

agitação, ansiedade, fadiga ou desejo de estar com a pessoa falecida.

- No aspecto físico: choro, fraqueza muscular, falta de energia, estresse, falta de ar,

falta de cuidados com a saúde, insônia ou muito sono, dor de cabeça, etc.

- No aspecto intelectual: confusão, déficit de memória ou falta de concentração.

- No aspecto espiritual: sonhos, impressões, perda ou aumento da fé, raiva ou

revolta, questionamento de valores, sentir-se traído pelo destino.

- No aspecto social: perda da identidade, isolamento, falta de interação, perda da

habilidade para se relacionar socialmente.

No Cid-10 (2008), o luto pode ser relacionado à classificação Z63, que diz

respeito a problemas relacionados ao grupo de suporte primário, incluindo

circunstâncias familiares: o item Z63.4 classifica o desaparecimento ou morte de

membro da família como fator que pode desencadear um transtorno mental.

No entanto, entende-se que não se pode reduzir o luto a um adoecimento

emocional, sem considerar os aspectos psicossociais do processo de perder alguém

que é importante, alguém com quem temos vínculos de afeto. “Estranho” seria não

sentir nada diante da perda de um filho, de uma mãe ou de um amigo muito querido.

Ariès (2012, p. 88) observa: “Um único ser vos falta e tudo fica despovoado. Mas

não se tem mais o direito de dizê-lo em voz alta”. De acordo com Kovács (1992, p.

153):

13

A morte do outro configura-se como a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos.

Parkes, em um trecho especialmente delicado no prefácio do livro

“Formação e rompimento de vínculos: o dilema das perdas na atualidade”

(FRANCO, 2010, p. 07) refere que:

Amor e luto, vínculo e perda são duas faces da mesma moeda: não se pode ter uma sem ter a outra. O luto é o custo do amor, e a única maneira de evitar a dor do luto é evitar o amor. No entanto, a maioria de nós prefere pagar esse preço a viver uma vida sem afeto.

Worden (1998, citado por MANFRINATO, 2011) refere que a perda de um

ente querido desestabiliza o mundo assim como é conhecido, fazendo com que o

luto, como um processo, seja um período para reorganização da cognição, da

emoção, do bem-estar fisiológico e do mundo sem a pessoa falecida. Ele propõe o

processo de luto como uma adaptação emocional e cognitiva que se faz necessária,

que ao mesmo tempo pode ser uma oportunidade de crescimento.

De acordo com Franco (s/a), viver o luto significa aceitar a realidade da

perda; enfrentar as emoções do pesar; adaptar-se à vida sem a pessoa; encontrar

maneiras adequadas para lembrar o falecido; reconstruir a fé e os sistemas

filosóficos abalados pela perda e reconstruir a identidade e a vida.

Para Bowlby (2004), cinco fatores principais devem ser considerados em

cada caso para que se compreenda o processo de luto: a identidade e o papel da

pessoa perdida; a idade e o sexo da pessoa enlutada; as causas e circunstâncias da

perda; as circunstâncias sociais e psicológicas que afetam a pessoa enlutada na

época da perda e depois dela; a personalidade do enlutado, com atenção especial à

sua capacidade de estabelecer vínculos e de reagir a situações estressantes.

Kubler-Ross (2008) propôs cinco estágios no processo de morte e luto,

conceitos que até hoje são referências nos estudos sobre morte:

• Primeiro estágio: negação e isolamento. A negação seria uma defesa

temporária contra o choque de uma notícia que é difícil demais para ser aceita. O

isolamento pode ser uma forma de evitar o diálogo por não se estar preparado para

falar a respeito. No caso do suicídio, por exemplo, um sobrevivente enlutado poderia

duvidar do suicídio e acreditar que na verdade houve uma morte acidental ou um

homicídio.

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• Segundo estágio: raiva. Diante da conscientização de que houve a perda,

sentimentos de raiva, revolta e inveja em relação aos que não perderam seus entes

queridos podem emergir, como: “Por que isso aconteceu comigo?”. Uma mãe

enlutada, por exemplo, poderia achar injusto que mesmo tendo pedido a Deus para

que protegesse seu filho o suicídio houvesse se consumado e revoltar-se, ainda que

temporariamente, com sua religião.

• Terceiro estágio: barganha. Depois da raiva, pode surgir a crença de que é

possível um acordo, de que será possível reverter o que já aconteceu, por mais

improvável que seja. Um marido enlutado, por exemplo, poderia procurar conforto

acreditando que sua esposa está agora em um lugar de paz, feliz, e que sempre

estará ao seu lado, abrindo mão de um novo relacionamento.

• Quarto estágio: depressão. Quando não se pode mais negar a perda, surge o

sentimento de pesar. Neste estágio, o enlutado pode sentir-se dividido entre guardar

ou doar os pertences de seu ente querido; no caso das mortes por suicídio, as

dúvidas sobre os motivos do ato e se este poderia ter sido impedido são comuns.

• Quinto estágio: aceitação. A dor não cessa, mas deixa-se de lutar contra ela.

As memórias deixam de ser tão dolorosas e passam a estar associadas

principalmente a saudades e a importância do que foi vivido com o ente querido que

faleceu.

É sempre importante lembrar que estas fases não seguem uma ordem

específica e que estas podem intercalar-se em um mesmo período. Esta oscilação

de estados emocionais, que muitas vezes é vista como uma “recaída” no processo

de luto, na verdade é esperada.

Como outra forma de compreender o luto, Worden (2013) propõe quatro

tarefas ao invés de estágios durante o processo, uma vez que acredita que o

enlutado deve agir ativamente durante seu enlutamento. As tarefas são:

i. Aceitar a realidade da perda: “encarar a realidade que a pessoa está morta,

que se foi e não voltará mais” (WORDEN, 2013, p. 21).

ii. Processar a dor do luto: é importante reconhecer o sofrimento (incluindo a dor

física que muitos sentem e o sofrimento emocional e comportamental relacionado à

perda) para poder trabalhá-lo.

iii. Ajustar-se a um mundo sem a pessoa falecida: o autor considera três tipos de

ajustamento necessários: externo – a forma como a morte afeta o funcionamento da

vida do enlutado como era até então; interno – como a perda afeta a identidade do

15

enlutado; e o espiritual – como a perda afeta as crenças e os valores do enlutado

sobre o mundo.

iv. Encontrar uma conexão duradoura com a pessoa morta em meio ao início de

uma nova vida, ou seja, levar as memórias de seu ente querido e seguir em frente.

Embora seja comum que as pessoas acreditem que exista um “prazo para

o luto” é importante dizer que não há um tempo determinado para que o processo

termine; “o luto finaliza-se quando as tarefas do luto foram cumpridas” (WORDEN,

2013, p. 50).

Já a teoria do processo dual do luto, desenvolvida por Stroebe e Schut,

defende que existem dois movimentos simultâneos: orientação para a perda e

orientação para a restauração/reparação.

Os estressores orientados para a perda focam na pessoa falecida e envolvem o trabalho de luto em questões como ansiedade de separação, avaliação do sentido da perda e a realocação da pessoa morta no mundo sem sua presença física. Os estressores orientados para a recuperação envolvem o domínio de habilidades, identificam mudanças e outras transições e transformações psicossociais (WORDEN, 2013, p. 31).

Enlutar-se é vivenciar um processo complexo que exige recursos internos

do enlutado para sua elaboração, uma vez que “o rompimento de uma relação

significativa implica a necessidade de adaptação à condição de viver sem aquela

pessoa” (BROMBERG, 1994, p. 73).

Por isso, os rituais de despedida têm uma importância fundamental:

[...] a última homenagem ao ente querido por meio dos rituais de despedida (velório, enterro ou cremação). Nesses rituais de despedida temos a oportunidade de nos amparar em nossas redes sociais (amigos, familiares, colegas de trabalho...) e de manifestarmos nosso pesar (LELu, s/a).

No entanto, em alguns casos pode haver um processo de luto mais longo

e com a exacerbação dos processos presentes, como tristeza intensa de longa

duração, no qual podem surgir, por exemplo: hiperfoco na perda e lembranças

obsessivas da pessoa morta; desejo ou anseio de reencontrar a pessoa falecida;

certa dificuldade para aceitar a morte que se prolonga por anos; dificuldade ou

desmotivação para realizar atividades do cotidiano; oscilações constantes de humor;

presença de comportamento antissocial, ideação suicida e/ou comportamentos

autodestrutivos; a sensação de que a vida não tem mais sentido (JACOBUCCI,

2015; KOVÁCS, 1992). Este tipo de luto, que já foi nomeado como luto patológico,

atualmente é reconhecido como luto complicado.

16

Freud, em 1917, já apontava as especificidades do processo de luto e

suas alterações no texto “Luto e melancolia”. O luto seria o período de desligamento

do sujeito em relação ao objeto perdido.

O desligamento envolve lembranças, expectativas vinculadas ao objeto e a realização do desinvestimento de cada uma delas, o que pode ser lento e doloroso, mas quando termina o ego permanece livre e desinibido para novas possibilidades de vínculo (KOVÁCS, 1992, p. 162).

Já na melancolia, ocorrem os mesmos processo de luto (desânimo

profundo, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de

vincular-se e diminuição do interesse por atividades externas), com o acréscimo de

um rebaixamento da autoestima, com momentos de autorrecriminação e a

expectativa de ser punido. É como se o enlutado tivesse perdido a si mesmo

(KOVÁCS, 1992).

Parkes (2009) reconheceu a influência dos transtornos de ansiedade de

separação (intensa dependência emocional) nos casos de luto crônico:

Essa é a forma mais comum de luto complicado e é caracterizada pelo desejo intensamente doloroso e prolongado de ter novamente a pessoa perdida, que continua por um longo tempo e pode estar associado à motivação suicida (PARKES, 2009, p. 264).

É importante pontuar ainda que o terapeuta deve considerar também os

aspectos psicossociais do processo de luto, de acordo com Franco (s/a):

[,,,] as representações de boa ou má morte não são questões exclusivamente psicológicas, expressas e compartilhadas por indivíduos. São maneiras de ver a morte culturalmente prescritas que servem para delinear a ordem social. O que oferecemos de cuidados à pessoa enlutada tem seu fundamento nesta proposição, mais do que na formação técnica (Bromberg, 1994, citada por FRANCO, S/A).

Uma das condições sociais que podem tornar o luto complicado surge

quando o enlutado não encontra suporte social, como acontece frequentemente nos

casos de suicídio.

Quando alguém morre dessa maneira, em particular se as circunstâncias são um tanto ambíguas e ninguém quer falar se foi suicídio ou acidente, há tendência da família e dos amigos silenciarem as questões acerca da morte. Essa conspiração do silêncio causa grande dano à pessoa sobrevivente, que tem a necessidade de se comunicar com outras pessoas para resolver seu próprio luto (WORDEN, 2013, p. 93).

Para que possamos compreender o tabu que ainda permeia o suicídio e

pode influenciar significativamente no processo de luto, será apresentada a seguir

uma contextualização do fenômeno.

17

1.2. Breve compreensão acerca do suicídio

A pessoa que pensa em suicídio ou tenta se matar está, evidentemente, sofrendo. Quando ela não encontra formas de diminuir ou compreender esse sofrimento, que se torna insuportável, o suicídio parece ser a única saída. No entanto, o sofrimento se tornará suportável se a pessoa puder contar com a ajuda de outro ser humano, um profissional especializado em sofrimento [...] (CASSORLA, 2018, p. 10).

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde (BRASIL,

2017), por ano são notificados cerca de onze mil suicídios no País, sendo esta a

quarta causa de morte na faixa etária entre 15 e 29 anos. Ainda de acordo com o

relatório, os números na população em geral têm aumentado cerca de 5% ao ano e

a mortalidade é mais prevalente em idosos com mais de 70 anos (8,9% em cada

100 mil habitantes, enquanto a faixa etária entre 05 a 19 anos é de 1,7 e de 6,8

entre pessoas de 20 a 29 anos, na mesma proporção).

A palavra “suicídio” tem origem etimológica do latim, a partir de sui – si

mesmo e caedes – ação de matar (MELEIRO E BAHLS, 2004). Segundo Werlang e

Botega (2004), as diferentes definições de suicídio trazem como ideia central o “ato

de terminar com a própria vida”, interligada com ideias subjacentes relacionadas â

motivação, intencionalidade e letalidade do ato.

É impossível falar sobre o fenômeno suicida sem citar o sociólogo

Durkheim, que em 1897 publicou o livro “O suicídio”, ainda hoje uma das principais

referências para os estudos sobre o tema. Para o autor:

[...] chama-se suicídio todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a vítima sabia dever produzir esse resultado. A tentativa de suicídio é o ato assim definido, mas interrompido antes que dele resulte a morte (DURKHEIM, 2003, p. 15).

Para Edwin Schneidman (1986, citado por MELEIROS E BAHLS, 2004),

um dos mais importantes estudiosos do comportamento suicida, o conceito de

suicídio engloba seis dimensões de significado: 1) a iniciação do ato que deflagrou a

morte; 2) o ato em si que levou à morte; 3) o desejo ou a intenção de autodestruição;

4) a perda da vontade de viver; 5) a motivação para estar morto; e 6) o

conhecimento do potencial do ato de levar à morte.

O suicídio pode ser definido como o resultado de uma complexa interação

de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais (OMS,

18

2000). Para Scavacini (2018, p. 12), “não existe ‘o suicídio’, e sim ‘os suicídios’, cada

um com sua especificidade e história”.

De acordo com Bertolote (2012) e Botega (2015), faz mais sentido

falarmos em comportamento suicida, conceito que abrange a ideação suicida, o

planejamento suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado. Porém, por se

tratar de um fenômeno complexo, para Jamison (2010, p. 39) estes conceitos não se

dividem tão facilmente na prática:

A linha entre pensamentos e ações suicidas não é tão clara quanto pode parecer. Um impulso potencialmente mortal pode ser interrompido antes de ser posto em prática, ou uma tentativa com intenção branda, mas com perigo de morte pode ser executada, na esperança de que seja descoberta com garantia de sobrevivência. Com frequência, as pessoas querem ao mesmo tempo viver e morrer; o ato suicida é saturado de ambivalência.

Embora os transtornos mentais tenham influência sobre o comportamento

suicida, não podemos resumir o comportamento suicida como um sintoma de um

quadro de depressão ou transtorno bipolar, por exemplo:

Os médicos e outros profissionais de saúde mental que consideram o ser humano para além do corpo biológico valorizam os diagnósticos psiquiátricos sem deixar de atentar para o modo como a dinâmica do funcionamento psíquico se manifesta na capacidade de pensar e vivenciar os afetos, que são fenômenos não necessariamente conscientes cujas perturbações são mais acentuadas nos indivíduos potencialmente suicidas. Os conflitos emocionais são, então, resultado da interação de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais (CASSORLA, 2018, p. 52).

Bertolote (2012, citado por CESCON, 2018, p. 25-26) e Botega (2015)

compreendem o suicídio como evento multifatorial, sendo um dos possíveis

desfechos a partir de:

- Fatores predisponentes (que fazem parte da história de vida e favorecem a

possibilidade de um comportamento suicida): como a tentativa prévia de suicídio;

transtornos psiquiátricos; alta recente de internação psiquiátrica; histórico de suicídio

na família; tendências à impulsividade e à agressividade; doenças físicas

incapacitantes e dolorosas; isolamento social; entre outros.

- Fatores precipitantes (que podem desencadear o comportamento suicida) e podem

ser: a) ambientais: como o fácil acesso a métodos de suicídio; ou b) estressores:

como uma desilusão amorosa, luto complicado, conflitos familiares e mudança de

situação financeira, por exemplo.

19

Kovács (1992, p. 179) analisa, entre outros posicionamentos, a obra “O

mito de Sísifo”, de Camus, na qual o autor sugere que:

Muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não merece ser vivida. Outros paradoxalmente se matam pelas ideias ou ilusões que lhes dão prazer de viver. Para Camus, o suicídio é um gesto preparado como uma grande obra, no silêncio do coração, é uma confissão a si mesmo de que a vida não vale a pena, é uma tragédia.

De acordo com Cassorla (2018):

A pessoa que se mata não quer necessariamente morrer, pois nem sabe o que seria isso. Ela se mata porque deseja outra forma de vida, fantasiada, na terra ou em outro mundo; essa outra forma de vida, porém, está em sua mente. Nela, a pessoa encontra amor ou proteção. Vinga-se dos inimigos, pune-se por seus pecados ou reencontra pessoas queridas (CASSORLA, 2018, p. 29).

Na contramão das motivações particulares, Durkheim (2003) defendia que

o suicídio não era um evento individual, mas sim algo que originava-se a partir de

influências sociais e culturais. “Se o suicídio ofende a consciência moral, parece

inadmissível deixar de considerá-lo como um fenômeno de patologia social” (p. 397).

Neste sentido, Cassorla (2018) observa que na sociedade

contemporânea, na qual se valoriza excessivamente a ideia de sucesso, o índice de

suicídios “por fracasso” tendem a aumentar. Para aqueles com baixo poder

aquisitivo, o fracasso social – com o desemprego, as dificuldades materiais e de

acesso aos direitos básicos, a falta de perspectiva de uma vida melhor podem levar

à desesperança, enquanto que aqueles que vivem com melhor padrão

socioeconômico podem sentir-se pressionados pela competição exacerbada, a

constante necessidade de manter e demonstrar status e poder, bem como o

consumismo desenfreado e descartável, fatores que poderiam contribuir para um

sentimento de vazio que eventualmente levaria à perda de sentido da vida.

É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o contingente dos mortos voluntários. Existe, portanto, para cada povo uma energia determinada que leva os homens a matar-se. Os movimentos que o paciente executa e que à primeira vista parecem representar exclusivamente o seu temperamento pessoal constituem, na realidade, a continuação e o prolongamento de um estado social que manifestam exteriormente (DURKHEIM, 2003, p. 327).

20

Independentemente do viés que se utiliza para compreender o fenômeno,

de forma geral pode-se dizer que haveria a existência de um intenso sofrimento

emocional no comportamento suicida.

A pessoa quase sempre olha para o suicídio como uma opção no vácuo da solução. Em outras palavras, a pessoa suicida acredita verdadeiramente que todas as outras razões para resolver o problema têm sido tentadas e falhadas. Como estas opções são removidas da lista de possibilidades, novas opções tornam-se mais e mais extremas, particularmente se há uma ideia de grande dor emocional associada com o problema (MELEIROS E BAHLS, 2004, p. 31).

Botega (2015, p. 76) traz um conceito de Shneidman sobre isso: a

psychache. Trata-se de uma dor emocional insuportável, na qual “a combinação de

desespero e desesperança leva à necessidade de um alívio rápido: a cessação da

consciência para interromper a dor psíquica”.

Retomando os conceitos de luto e melancolia, discutidos anteriormente,

alguns teóricos afirmarão a relação entre melancolia e suicídio: “A pessoa tende a se

ver também como um objeto, e daí dirige para si a hostilidade relacionada com o

outro” (KOVÁCS, 1992, p. 163).

A avaliação do risco de suicídio deve considerar principalmente a

intencionalidade do ato, ou seja, o grau de intensidade do desejo de morte e do

quanto esta motivação é contrabalanceada pelo desejo de continuar vivendo

(BOTEGA, 2015).

A morte por suicídio foi compreendida sob diferentes aspectos ao longo

da história. De acordo com Kurcgant e Wang (2004) e Botega (2015),

resumidamente, sabe-se que na Grécia antiga havia duas concepções sobre a morte

autoinflingida: epicuristas e estóicos, por exemplo, defendiam que cabia a cada

indivíduo decidir a respeito de sua própria morte, enquanto Platão e Sócrates

concebiam que o homem, por ser um ser social, tinha responsabilidade em relação à

comunidade na qual estava inserido. Na Idade Média, o suicídio passa ser visto

como resultado tentação demoníaca ou loucura. O ato, considerado como pecado e

crime, fica sujeito a punições como confisco dos bens do falecido e castigos ao

cadáver. A partir da Revolução Industrial, o suicídio passa a ser analisado como

resultado de uma doença, da qual o suicida é uma vítima. Foi somente em meados

da década de 1990 que o suicídio passou a ser visto como problema de saúde

pública e as estatísticas têm sido divulgadas regularmente pela Organização

21

Mundial da Saúde com o objetivo de incentivar que os países criem estratégias de

prevenção (BOTEGA, 2015).

Uma parcela considerável dos materiais informativos acerca da

prevenção do suicídio ainda dão destaque aos transtornos mentais como principal

fator determinante do comportamento suicida:

[...] a maioria das pessoas que cometeu suicídio tem um transtorno mental diagnosticável. Segundo, suicídio e comportamento suicida são mais frequentes em pacientes psiquiátricos. Esses são os grupos diagnósticos, em ordem decrescente de risco de: • depressão (todas as formas); • transtorno de personalidade (antissocial e borderline com traços de impulsividade, agressividade e freqüentes alterações do humor); • alcoolismo (e/ou abuso de substância em adolescentes); • esquizofrenia; • transtorno mental orgânico (OMS, 2000, p. 05).

Netto (CFP, 2013) propõe uma reflexão acerca do adoecimento social

como determinante do comportamento suicida:

Quantas vezes faz-se com que o sujeito permaneça vivo, mas sem lhes dar qualquer condição de entender por que ele está buscando a morte, por que ele está desejando essa morte. Ele simplesmente continua suportando aquela condição por achar que é um pecado, por não querer causar um transtorno ainda maior para sua família, acaba suportando essa condição miserável de vida que lhe é imposta, sem sequer questioná-la, muitas vezes por não compreendê-la, ou não saber ou acreditar que é possível mudá-la. Junte-se a isso a medicalização da vida e teremos um bom retrato do que vem acontecendo. Mantém-se, a qualquer custo, as pessoas vivas e para que possam suportar aquela existência degradante à qual estão submetidas cotidianamente, é oferecida como solução a utilização de psicofármacos, que em absoluto transformam a realidade adoecedora em que vivemos, mas que, ao atuar em nossa química orgânica, dá-nos uma percepção distinta dessa realidade, que permanece a mesma, aquela, que até então nos fazia desejar a morte. Não se trata aqui de uma apologia contra a utilização de medicamentos, esses, quando corretamente administrados, cumprem um papel importante em nossa sociedade, contudo, esse uso “ideologizante” do medicamento apenas encobre os sintomas que se manifestam nos indivíduos, sem tocar em suas profundas raízes sociais. Atua-se nas pessoas individualmente, quando se trata de um problema social.

Resquícios das concepções sócio-históricas acerca do suicídio

permanecem até hoje no senso comum, fazendo com que frequentemente a pessoa

com comportamento suicida seja julgada como “fraca”, “sem Deus no coração”,

“louca” ou “egoísta”.

De qualquer forma, o suicídio tem sido tema de diferentes discussões ao

longo da existência humana. O peso deste estigma atinge também as pessoas que

perdem um ente querido por suicídio, como veremos a seguir.

22

1.3. Especificidades do luto por suicídio

“Todos os lutos são traumáticos, mas alguns são mais traumáticos do que os outros” (PARKES, 2009, p. 159).

Embora ainda se discuta se de fato existem diferenças significativas (de

curto, médio e longo prazo) entre o luto por suicídio em comparação aos outros tipos

de morte, parece haver um consenso entre os pesquisadores indicando que este

tende a ser mais difícil do que os demais. De acordo com Jordan (2001) e Wittouck

(2014), acredita-se que as características específicas das mortes traumáticas,

quando presentes no suicídio ou em qualquer outra perda impactante, sejam

responsáveis por grande parte da variação no desfecho do processo de luto em

comparação às causas naturais de morte. Se isso for verdade, então pode-se

considerar o suicídio como sendo uma das mortes traumáticas que provavelmente

estão associadas ao luto complicado de forma mais frequente.

De acordo com Parkes (1998, p. 160):

Os que sofreram perdas inesperadas ou precoces estão sempre envolvidos com lembranças da pessoa que morreu e, se a morte tiver sido de um tipo particularmente doloroso e testemunhado pelo enlutado, as lembranças serão dolorosas. [...] Lembranças dolorosas e persistentes parecem impedir que surjam lembranças felizes e, desta forma, interferem com o trabalho do luto. É razoável assumir que esta é uma das razões para a longa duração dessas reações traumáticas de luto.

O luto após o suicídio de um ente querido também tem sido

frequentemente relatado pelos sobreviventes como uma experiência muito diferente

das perdas de outros enlutados e de suas próprias experiências anteriores

(JORDAN, 2001).

As pessoas enlutadas por suicídio são expostas a um luto específico, de

forma geral mais complexo e frequentemente mais angustiante, intenso e duradouro

do que os demais, no qual há um risco maior de desencadear transtornos

psiquiátricos, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, ideação suicida

e propensão para comportamentos autodestrutivos, como consumo de álcool e

drogas, especialmente tratando-se de adolescentes (SANTOS E TAVARES, 2014;

FROMA E MCGOLDRICK, 1998).

23

McIntosh (1987, CITADO POR FONTENELLE, 2008, p. 142) “afirma que

as reações psicológicas de quem perde alguém para o suicídio são comparáveis às

de quem vivenciou estupro, guerra ou foi vítima de crime violento”.

A ocorrência do luto complicado envolve ainda fatores sociais, como as

situações nas quais o pesar é socialmente silenciado: por exemplo, quando é

consequente a um ato suicida, gerador de segredos quanto à causa da morte pelos

membros da família, ou quando é socialmente negado e o grupo age como se a

morte não houvesse ocorrido, assim como na ausência de rede de apoio social, que

resulta em isolamento e favorece as reações complicadas do luto (FREITAS, 2000,

citada por SOUZA, MOURA E PEDROSO, 2010, p. 124).

Linde et al (2013) observam que alguns dos sobreviventes ainda passam

pela difícil experiência de encontrar o corpo de seu ente querido após o suicídio e

que na maioria dos casos, como seria esperado, frequentemente descreveram este

como um evento muito traumático, que evoca flashbacks e pensamentos intrusivos

que podem dificultar ainda mais o processo de elaboração de sua perda.

Como foi abordado anteriormente, o estigma social do suicídio também

contribui para que em alguns casos ocorra o sentimento de vergonha e o

encobrimento das circunstâncias da morte por parte da família. Estes segredos

distorcem a comunicação familiar e podem isolar a família do apoio social, gerando

seu próprio legado destrutivo, que muitas vezes é transmitido entre gerações

(FROMA E MCGOLDRICK, 1998).

De acordo com Silva (2015), especificamente nos casos de suicídio é

comum que as crianças e os adolescentes da família não saibam que a morte de um

ente próximo foi autoprovocada, embora possam perceber falas fragmentadas e

comportamentos diferentes dos adultos que parecem sinalizar que existe algo a

mais naquela história. Os adultos, porém, na maioria das vezes não sabem como

conversar a respeito e ficam em dúvida se revelar o suicídio poderá ser ainda mais

traumático para os mais jovens, dificultando que haja um diálogo aberto. Esta falha

na comunicação pode gerar uma quebra de confiança na relação familiar e impedir

que o luto seja compartilhado entre todos os membros da família.

Para Jordan (2001), o luto na infância ou na idade adulta de qualquer

causa é um fator de risco para o aumento da probabilidade de suicídio, tanto

diretamente, como um precipitante proximal para suicídio, quanto indiretamente -

através da criação ou exacerbação de doença psiquiátrica em sobreviventes. Além

24

disso, a exposição ao suicídio, particularmente para os jovens, pode aumentar as

chances de risco de suicídio ao longo da vida na pessoa exposta pelo efeito de

modelagem de comportamento, pelo qual o suicídio passaria ser visto como uma

“solução” aceitável para os problemas.

Lee e outros (2018) fizeram um estudo de coorte que apontou que filhos

que foram expostos ao suicídio parental teriam 3,91 vezes mais probabilidade de

morrer por suicídio. Os pesquisadores concluíram que os sobreviventes de suicídio

parental experimentam dois eventos estressantes simultaneamente: a perda de um

cuidador primário e a morte por suicídio de uma pessoa significativa.

Poucos trabalhos tratam da questão da posvenção do suicídio com um

olhar voltado para crianças e adolescentes. No Brasil, Scavacini (2014) escreveu o

livro “E agora? Um livro para crianças lidando com luto por suicídio”, indicado para

tratar desta temática com o cuidado necessário.

A literatura científica têm apontado ainda outras especificidades no luto

por suicídio. Para Jamison (2010):

Aqueles que ficam para trás na esteira do suicídio são deixados para lidar com a culpa e a raiva, para separar as boas lembranças das ruins, e para tentar compreender um ato inexplicável. Na maioria, eles são deixados para sentir a falta de um pai ou filho cuja vida esteve entrelaçada com a deles desde o início, prantear um cônjuge cujo amor e confiança partilharam, ou lamentar a perda de um confidente com quem passaram longos dias e noites de amizade (JAMISON, 2010, p. 263).

Santos e Tavares (2014, p. 445) afirmam que para os sobreviventes

enlutados “o suicídio representa habitualmente o início de um percurso de

sofrimento intenso, que os enclausura numa herança aterradora e desconcertante,

quase sempre cristalizada num pacto de silêncio impenetrável, agoniante e

transformador de vida”.

Mesmo depois da aceitação de que a morte ocorreu, pode persistir por

algum tempo certa negação acerca da realidade de que houve um suicídio e atribuir-

se a causa do evento a uma morte acidental ou a um homicídio que não foi

devidamente investigado (JAMISON, 2010).

O sentimento de culpa é comum neste tipo de luto. Boa parte dos

enlutados por suicídio tendem a acreditar que poderiam ter evitado, de alguma

forma, a morte de seu ente querido (CLARK, 2007).

25

enlutados:

O sofrimento intenso pode gerar ainda um sentimento de raiva nos

A raiva funciona como disfarce para substituir uma gama de sentimentos negativos. O mais comum é direcioná-la a quem se matou, porque ao mesmo tempo em que sentimos pena e tristeza em relação a quem morreu, o que dizer daquele que tirou a vida dessa mesma pessoa? É desse indivíduo que sentimos raiva. Choramos por quem foi e temos raiva da pessoa que provocou a morte (FONTENELLE, 2008, p. 155).

É comum que surjam sentimentos de desamparo e rejeição, como se o

sobrevivente enlutado passasse a acreditar que o suicídio aconteceu porque seu

amor não era motivo suficiente para que seu ente querido permanecesse vivendo.

Jordan e McIntosh (2011, CITADO POR SANTOS E TAVARES, 2014)

destacam especificidades no luto por suicídio que não apareceriam em outros tipos

de morte; seriam, entre outros: presença de sentimentos de abandono, rejeição,

vergonha e estigma; a possível necessidade de esconder ou dissimular para as

outras pessoas a verdadeira causa da morte, como forma de proteção ou por medo

de julgamento; maior tendência a culpar outros (médico, família, amigos ou

instituições, como a escola ou local de trabalho, por exemplo) pela morte; possível

risco de ideação suicida que originam e agravam o risco de um comportamento

suicida no enlutado; culpabilização de si mesmo em relação ao que poderia ou não

ser feito para impedir o ato, muitas vezes em uma constante repetição do “e se ...?”;

raiva do falecido, de si mesmo ou de outras pessoas; choque, descrença e negação;

a constante busca por uma explicação e desejo de saber qual foi a motivação do ato

– o “porquê” do suicídio.

O desafio de sobreviver é ficar de luto sem entender; com sofrimento e mágoa, é verdade, mas com a consciência de que nunca saberemos por que fomos abandonados por aqueles que amávamos" (FINE, 2018, p. 179).

Por outro lado, algumas pesquisas com sobreviventes enlutados que

tinham um histórico de situações problemáticas com os entes que posteriormente

consumaram o suicídio (quando estes apresentavam problemas psiquiátricos

crônicos, comportamentos agressivos e tentativas anteriores de suicídio, por

exemplo) provavelmente já apresentariam um índice significativo de estresse (e

níveis elevados de sintomas de sofrimento emocional), mesmo que o suicídio não

tivesse ocorrido. Para um número considerável de famílias, a morte do ente querido

por suicídio não era completamente inesperada e já havia o desgaste de vivenciar a

26

experiência difícil de viver com uma pessoa emocionalmente instável e

autodestrutiva. Em tais casos, a morte desta pessoa pode às vezes reduzir os níveis

gerais de estresse na família, por mais dolorosa que seja a perda para os

sobreviventes. Da mesma forma, se a morte foi até certo ponto prevista (ou talvez

temida), isso pode atenuar alguns dos efeitos de choque associados a outros tipos

de mortes súbitas e traumáticas. Em resumo, poderia haver um certo sentimento de

alívio para alguns pela situação desgastante ter chegado ao final, por não ter mais

que lidar com o comportamento destrutivo do ente querido ou sentir-se em constante

ansiedade e medo de que o suicídio fosse consumado. Ainda assim, muitos dos

aspectos temáticos e qualitativos do luto suicida, como o aumento da culpa e a raiva

por ter sido abandonado podem estar presentes (JORDAN, 2001).

Carla Fine (2018), jornalista que perdeu o marido por suicídio, traduz no

livro “Sem tempo de dizer adeus” o sentimento de muitos sobreviventes enlutados:

No meu luto, eu também queria ser igual a todo mundo. Queria que minha família e meus amigos me consolassem, e não me questionassem sobre os motivos de Harry ter se matado. Eu queria sofrer a ausência do meu marido, não analisar seus motivos para morrer. Eu queria celebrar sua bondade e amizade ao longo de 21 anos de casamento, não ficar com raiva dele por me abandonar no auge de nossa vida. O suicídio de uma pessoa querida nos transforma de maneira irreversível. Nosso mundo fica em pedaços, e nunca mais seremos os mesmos. A maioria de nós se adapta, aprendendo finalmente a transitar num terreno em cuja segurança deixamos de confiar. Aceitamos, gradualmente, que nossas perguntas não serão respondidas. Tentamos evitar nos torturar por não ter conseguido prever a catástrofe iminente nem impedir que nossos entes queridos tirassem a própria vida (FINE, 2018, pp. 19-20).

Para a elaboração saudável do luto, o suporte social é essencial, como foi

mencionado anteriormente. Porém, no luto por suicídio, pode haver ainda o medo de

ser julgado pelos outros em função do estigma do suicídio.

Sobreviventes não deveriam sentir-se envergonhados, mas não forçados a se sentir assim pela sociedade, que, por vezes, os evitam, acusam ou responsabilizam, afirmando reiteradas vezes que quem se matou é doente e quem pertence àquela família também o é. Perguntas como “Você não percebeu nenhum sinal?”, “Como vocês não viram?” ou “Por que não fizeram nada?” são comuns (SILVA, 2015, p. 122).

Junto a isto, o afastamento das pessoas próximas, por não saberem lidar

como lidar com o enlutado que perdeu alguém por suicídio, pode ser um

complicador do processo de luto (SILVA, 2015; PARKES, 1998). Por isso, falaremos

sobre a importância da posvenção.

27

1.4. Posvenção: o cuidado para os que sofrem o impacto de um suicídio

Um sobrevivente de um desmoronamento, por exemplo, precisa reconstruir sua casa novamente, comprar móveis, refazer planos que incluem, muitas vezes, até para onde ir. Assim é também um sobrevivente do suicídio: precisa reconstruir sua vida em cima das dúvidas que o suicida deixou, rever planos que muitas vezes o incluíam, refazer-se por dentro. São tragédias diferentes, mas que têm em comum essa resiliência interna para a reconstrução de um novo horizonte. O passado não se apaga, mas, para um sobrevivente seguir em frente, é preciso haver uma ressignificação desses sentimentos que o suicida deixou como herança.

- Padre Lício de Araújo Vale no livro “E foram deixados para trás” (2018).

De acordo com Cornejo (2018):

Durante séculos, a assistência aos sobreviventes foi negligenciada em razão do estigma e do não reconhecimento social dos impactos causados pela perda de um ente por suicídio. Os primeiros movimentos de cuidado e atenção ao luto por suicídio foram iniciados pelos próprios sobreviventes (CORNEJO, 2018, p.63-64).

Edwin Schneidman foi o primeiro teórico que voltou-se para o estudo

impacto do suicídio nas pessoas próximas, dando origem ao campo da posvenção,

termo introduzido no Brasil a partir da dissertação de Scavacini em 2011, “referindo-

se ao suporte prestado aos sobreviventes” (CORNEJO, 2018).

A história do movimento de apoio aos sobreviventes começou em 1970, na América do Norte, com a fundação do primeiro grupo de apoio ao luto por suicídio, e, em 1972, o doutor Edwin Shneidman (1973) descreveu o conceito de posvenção, como a “prevenção para futuras gerações” (tradução do Instituto Vita Alere).

O termo sobrevivente (survivor) refere-se àqueles que perderam alguém

por suicídio, cuja vida foi significativamente alterada por esse evento (BOTEGA,

2015; SANTOS E TAVARES, 2014). A palavra “sobrevivente” aparece associada à

ideia de que após um suicídio a vida nunca mais será a mesma. Bolton (1992, citado

por SILVA, 2009, p. 122) refere que o “Suicídio não é um ato solitário. A pessoa

amada pensa que está matando apenas a si mesma, mas ela também mata uma

parte de nós”.

De maneira geral, entre as ações que podem ajudar os sobreviventes

enlutados por suicídio, Clark (2007) destaca a importância de uma escuta atenta, o

estímulo à manifestação de sentimentos (inclusive aqueles considerados como

negativos, como raiva e culpa) e de comportamentos de cada pessoa. Para isso, o

28

atendimento individual e a participação em grupos de apoio podem ser atividades

desenvolvidas especificamente para os casos de luto por suicídio.

A posvenção refere-se às atividades acionadas após o acontecimento traumático com o objetivo de reduzir os efeitos adversos nos sobreviventes, facilitando o processo de luto, prevenindo tendências suicidas, ajudando a viver melhor, mais produtivamente e com menos stress” (ROTHES, 2014, p. 455).

Na psicoterapia com sobreviventes enlutados, é fundamental incentivar a

expressão de sentimentos silenciados por meio de uma escuta qualificada, trabalhar

com a psicoeducação sobre as especificidades do luto por suicídio, identificar e

clarificar experiências, crenças e distorções e auxiliar o paciente a encontrar suas

próprias respostas (SILVA, 2015).

Além da questão do impacto negativo do estigma no luto por suicídio,

Jordan (2001) aponta que também é importante perguntar como os sobreviventes do

suicídio vêem a si mesmos. Muitas vezes, ainda que as outras pessoas demonstrem

compaixão pelo enlutado, o sobrevivente pode acreditar ou temer que os outros

estejam julgando-os negativamente e, por isso, isolar-se do convívio social ou agir

de forma a inibir os esforços de apoio social de outros. Ainda segundo Jordan

(2001), esse processo foi classificado por Dunn e Morrish-Vidners (1987) como

“autoestigmatização”.

De acordo com Onja e outros autores (2004, pp. 138-139, tradução

nossa), estudos acerca de quais ações ajudariam os sobreviventes enlutados por

suicídio apontaram que:

- Tanto os familiares e amigos quanto os profissionais que perdem alguém por

suicídio precisam de apoio, inclusive fora do núcleo familiar;

- Os grupos de apoio (como os do Instituto Vita Alere e do GASS - Grupo de Apoio

aos Sobreviventes de Suicídio, do CVV – Centro de Valorização da Vida) podem ser

importantes recursos de suporte;

- Os sobreviventes precisam ser educados sobre as psicodinâmicas do luto;

- Os sobreviventes devem ser contatados pessoalmente em vez de por telefone

após o suicídio;

- Deve haver maior conscientização dos profissionais sobre as necessidades

específicas dos sobreviventes enlutados;

– As linhas de apoio (como o 188 do CVV no Brasil) e seus conselheiros precisam

de capacitação adequada e sensibilização para apoiar os sobreviventes;

29

– Os tabus sociais devem ser abordados por meio de informações responsáveis na

mídia, na escola e outros;

– Os profissionais que experienciam o suicídio de um paciente poderiam se

beneficiar ao conversar com outras pessoas fora de seu círculo familiar e com outros

profissionais fora de seu local de trabalho;

- É absolutamente necessário formar adequadamente profissionais de saúde

(especialmente psiquiatras e psicólogos), em primeiro lugar para reconhecer seus

próprios sentimentos e, em segundo lugar, para lidar com eles após a perda de seus

pacientes.

Rothes (2014) lembra que os cuidados de posvenção não se destinam

apenas para familiares enlutados, mas que atualmente profissionais de saúde,

amigos, colegas de trabalho ou escola, outros pacientes e grupos específicos (um

time, pessoas que presenciaram o suicídio público ou transmitido pelas redes sociais

de um desconhecido, fãs de um artista que completa o suicídio) também podem ser

afetados e considerados como sobreviventes, merecendo atenção.

Neste sentido, os grupos de apoio para sobreviventes enlutados por

suicídio acabam por fornecer um espaço de pertencimento e de apoio social, pois:

permitem compartilhar o luto, possibilitam superar o estigma e a vergonha, são ambientes seguros para dividir a dor, reforçam a autoestima, ensinam que se enlutar é adequado, ajudam as pessoas a saber que não estão ficando loucas, a lidar com o que poderia ter sido evitado, a chorar e expressar sentimentos (SILVA, 2015, p. 124).

De acordo com Jordan (2001), considerando o risco elevado de

comportamento suicida associado ao luto por suicídio, o manejo dos sobreviventes

deve incluir não apenas apoio a seu luto, mas também do monitoramento de seu

risco para transtornos psiquiátricos e eventuais tendências suicidas, considerando,

obviamente, os outros fatores de risco ou de proteção de cada enlutado.

Em 2002, o documento “Os Direitos dos Sobreviventes de Suicídio” foi

lançado, tendo por objetivo apresentar os princípios básicos de atenção a este tipo

de luto (ANDRIESSEN, 2004, tradução e adaptação do Instituto Vita Alere). De

acordo com este material, o sobrevivente enlutado tem o direito:

- De vivenciar o processo de luto à sua maneira e dentro do tempo que for

necessário;

- De saber a verdade sobre o suicídio; de ver o corpo do falecido, caso deseje, e de

organizar o funeral de acordo com suas próprias crenças e rituais;

30

- De compreender o suicídio como resultado de várias causas interrelacionadas que

produziram uma dor insuportável para seu ente querido falecido: o suicídio não é

simplesmente uma escolha;

- De viver da melhor forma que for possível, com alegria e tristeza, livre de estigma

ou julgamento;

- De respeitar a própria privacidade, bem como a do falecido;

- De encontrar e contar com o apoio de parentes, amigos, colegas e sobreviventes,

bem como de profissionais que têm conhecimento e discernimento acerca da

dinâmica do processo de luto, dos fatores de risco potenciais e das consequências

práticas do ato suicida;

- De ser contatado pelo clínico / profissional ou entrar em contato com o mesmo (se

houver) que tratou a pessoa falecida;

- De não ser considerado como um potencial candidato ao suicídio ou como um

paciente de saúde mental a priori;

- De colocar, caso deseje, suas experiências a serviço de outros sobreviventes,

cuidadores e todos aqueles que procuram compreender melhor o suicídio e o luto

por suicídio;

- De não ser cobrado (ou não exigir de si mesmo) a voltar a ser a pessoa que era

antes: há uma vida antes e uma vida depois do suicídio (ANDRIESSEN, 2004,

tradução e adaptação do Instituto Vita Alere).

Iniciativas coletivas para expressão do luto também podem contribuir para

o processo. A Associação Americana de Prevenção do Suicídio (AFSP) celebra

anualmente no terceiro sábado de novembro (desde 1999) o “Dia Internacional dos

Sobreviventes Enlutados por suicídio”. De acordo com a página da AFSP

(https://afsp.org/find-support/ive-lost-someone/survivor-day), o senador Harry Reid,

sobrevivente enlutado pelo suicídio do pai, apresentou uma resolução ao Senado

dos Estados Unidos que levou à criação do “Survivor Day”, um dia em que as

pessoas impactadas pelo suicídio de um ente querido podem se unir para apoiar-se

mutuamente. Foi determinado que a data cairia sempre no sábado antes do Dia de

Ação de Graças americano, um período difícil para os sobreviventes de perdas por

suicídio.

No Brasil, este evento é realizado pelo Instituto Vita Alere de Prevenção e

Posvenção do Suicídio, em parceria com a AFSP. Nestes encontros, abertos ao

público e não apenas para os sobreviventes, o objetivo é reunir sobreviventes

31

enlutados para discutir e conversar sobre o seu luto, além de aumentar a

consciência pública para o tema (VITA ALERE).

Silva (2015) destaca que o luto dos profissionais de saúde que perdem

um paciente por suicídio não é reconhecido; por isso, quase sempre os profissionais

não recebem permissão social para enlutar-se, ao mesmo tempo em que ainda

podem ser responsabilizados pelos familiares. “Também podem ser acometidos de

intenso sentimento de culpa por não terem conseguido impedir a morte do paciente,

interpretada como um fracasso profissional e pessoal, além dos sentimentos e

reações esperados diante desse tipo de perda, também passíveis de não ser

expressos” (SILVA, 2015, p. 120).

De acordo com Ratkowska e outros (2014, tradução nossa):

O suicídio de um paciente nunca cai no esquecimento; pelo contrário, deixa cicatriz e marca indelével na vida do terapeuta. Esse evento é o mais estressante no trabalho de um clínico e pode ser traumático a ponto de atender aos critérios do transtorno de estresse pós-traumático. Por exemplo, em estudos de Chemtob e colegas (1988), 57% dos psiquiatras e psicólogos e 49% dos sobreviventes de suicídio de um paciente, relataram sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, que foram considerados tão intensos quanto os experimentados por aqueles que foram prejudicados por o suicídio de um pai. Esse resultado surpreendente pode ser explicado pelas observações de Reed e Greenwald (1991). Segundo esses autores, a intensidade do vínculo entre duas pessoas (pai e filho, marido e mulher ou irmãos), e não a relação formal entre eles, determina as diferenças nas reações de luto. À luz dessa interpretação, quanto mais forte o apego entre terapeuta e paciente, mais intensa a reação à notícia do suicídio (RATKOWSKA ET AL, 2014, p. 105).

SILVA (2009) pontua que embora o luto por suicídio possa implicar a

necessidade de acolhimento especializado é importante observar que nem todos os

enlutados necessitarão de apoio profissional, destacando a importância de que o

próprio enlutado possa identificar sua demanda por ajuda.

Considerando-se que a morte por suicídio é traumática e frequentemente

inesperada, podendo ainda ser violenta e muitas vezes testemunhada pelo enlutado,

como tratamos anteriormente, observa-se em relação aos sobreviventes que muitas

vezes há o desencadeamento do Transtorno de Estresse pós-traumático (TEPT)

associado ao processo de luto (BOTEGA, 2015). Portanto, passaremos para uma

breve conceitualização deste quadro.

32

1.5. O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)

A principal característica do transtorno de estresse pós-traumático é que o

início dos sintomas característicos ocorre após a exposição a um ou mais eventos

traumáticos (APA, 2014).

Apesar de sabermos que os eventos traumáticos (de ordem natural ou

provocados) têm ocorrido desde o início da existência humana, foi apenas a partir da

segunda metade do século XIX que as teorias a respeito do impacto das

experiências traumáticas começaram a ser desenvolvidas. Porém, as conseqüências

do impacto dos traumas de guerra favoreceram para que houvesse maior atenção

para o fenômeno que associava a manifestação de determinadas características a

um evento estressor traumático anterior. A partir da década de 1980 a área da

saúde mental passa a reconhecer o estresse pós-traumático como um dos

diagnósticos psiquiátricos (KRISTENSEN, PARENTE & KASZNIAK, 2006).

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) aparece no CID-10

(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2008) como parte do F43, nas

classificações de reação a estresse grave e transtornos de ajustamento. Sabe-se

que nesta categoria incluem-se quaisquer reações agudas de estresse, traumas

importantes ou mudanças significativas na vida dos sujeitos. Nestas situações, o

fator primário e desencadeante de sofrimento emocional seria um evento de

natureza ameaçadora ou catastrófica, com impacto significativo (de curta ou longa

duração) ao qual o indivíduo não consegue responder de forma adaptativa, levando

a problemas significativos no funcionamento social e cognitivo. É importante

destacar que fatores predisponentes, como história de vida ou traços de

personalidade podem ter influência no desenvolvimento ou curso do TEPT, porém

não explicam isoladamente o quadro.

Ainda de acordo com o CID-10, os sintomas típicos do TEPT podem ter

um período de latência que varia de poucas semanas a meses e incluem flashbacks

(memórias intrusas e repetitivas) do trauma, sonhos recorrentes, sensação de

entorpecimento e embotamento emocional, isolamento, medo e evitação de lugares,

situações ou lembranças associadas ao evento traumático. Ansiedade, insônia,

sintomas de pânico ou agressividade, depressão e ideação suicida estão

comumente associadas ao TEPT. O uso excessivo de álcool e drogas pode ser um

33

importante fator de complicação do quadro (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,

2008).

Já na versão atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais – DMS-V (APA, 2014, p. 271-272), o Transtorno de Estresse Pós-

Traumático encontra-se sob a classificação 309.81, tendo por critérios diagnósticos:

A. Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual

em uma (ou mais) das seguintes formas: 1. Vivenciar diretamente o evento traumático. 2. Testemunhar pessoalmente o evento traumático ocorrido com outras pessoas

Observação da autora: No caso de suicídios públicos, pessoas que presenciam o ato podem desenvolver o TEPT, anda que não tenham vínculo com a pessoa que consumou o suicídio). 3. Saber que o evento traumático ocorreu com familiar ou amigo próximo. Nos casos de

episódio concreto ou ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento tenha sido violento ou acidental. 4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil). Observação: Este critério não se aplica à exposição por meio de mídia eletrônica, televisão, filmes ou fotografias, a menos que tal exposição esteja relacionada ao trabalho. B. Presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas intrusivos associados ao evento

traumático, começando depois de sua ocorrência: 1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático. (em crianças acima de 6 anos de idade, pode ocorrer brincadeira repetitiva na qual temas ou aspectos do evento traumático são expressos). 2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o sentimento do sonho

estão relacionados ao evento traumático (em crianças, pode haver pesadelos sem conteúdo identificável). 3. Reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente. (Essas reações podem ocorrer em um continuum, com a expressão mais extrema na forma de uma perda completa de percepção do ambiente ao redor. Em crianças, a reencenação específica do trauma pode ocorrer na brincadeira). 4. Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou

externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático. 5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizem ou se

assemelhem a algum aspecto do evento traumático. C. Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático, começando após

a ocorrência do evento, por um ou ambos dos seguintes aspectos: 1. Evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos

angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático. 2. Evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas,

atividades, objetos, situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático. D. Alterações negativas em cognições e no humor associadas ao evento traumático

começando ou piorando depois da ocorrência de tal evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 1. Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático

(geralmente devido a amnésia dissociativa, e não a outros fatores, como traumatismo craniano, álcool ou drogas). 2. Crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si

mesmo, dos outros e do mundo (p. ex., “Sou mau”, “Não se deve confiar em ninguém”, “O mundo é perigoso”. 3. Cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros.

34

4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou ergonha).

5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas.

6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros. 7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapacidade de vivenciar sentimentos de felicidade, satisfação ou amor). E. Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático,

começando ou piorando após o evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação)

geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos. 2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo. 3. Hipervigilância.

4. Resposta de sobressalto exagerada. 5. Problemas de concentração. 6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono

agitado). F. A perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um mês. G. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social,

profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex.,

medicamento, álcool) ou a outra condição médica. Pode ainda ser determinado um subtipo do TEPT com sintomas

dissociativos: neste caso, além dos sintomas mencionados anteriormente, o indivíduo apresenta ainda sintomas persistentes ou recorrentes de: 1. Despersonalização: Experiências persistentes ou recorrentes de sentir-se separado e como se fosse um observador externo dos processos mentais ou do corpo (p. ex., sensação de estar em um sonho; sensação de irrealidade de si mesmo ou do corpo ou como se estivesse em câmera lenta); e 2. Desrealização: Experiências persistentes ou recorrentes de irrealidade do ambiente ao redor (p. ex., o mundo ao redor do indivíduo é sentido como irreal, onírico, distante ou distorcido).

As lembranças intrusivas no TEPT se aplicam a recordações angustiantes

e involuntárias e são muito comuns nos casos de suicídio, assim como os demais

critérios diagnósticos apresentados anteriormente.

Um estudo recente, apresentado no 12º Congresso Brasileiro de Saúde

Coletiva (2018) aponta que indivíduos com TEPT, em comparação com pessoas

sem este transtorno, apresentaram maior prevalência de ideação suicida,

planejamento suicida e tentativas de suicídio. Mais informações acerca do estudo

estão disponíveis em https://portugues.medscape.com/verartigo/6502702.

Considerando estes dados, reforça-se a importância da avaliação

diagnóstica cuidadosa nos casos de luto por suicídio, bem como destaca-se que a

Terapia Cognitivo-Comportamental tem apresentado altos índices de eficácia no

manejo do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (KNAPP E CAMINHA, 2003),

como será discutido em outro momento.

35

1.6. Principais conceitos da terapia cognitivo-comportamental

A forma como as pessoas se sentem emocionalmente e a forma como se comportam estão associadas a como elas interpretam e pensam a respeito da situação. A situação em si não determina diretamente como elas se sentem ou o que fazem; a sua resposta emocional é mediada pela percepção da situação. - JUDITH BECK, 2013 (p. 51).

Diante do exposto até o momento, considera-se que a Terapia Cognitivo-

Comportamental pode ser uma abordagem com efeitos eficazes para os casos de

luto por suicídio. Trata-se de uma teoria baseada em evidências, sobre a qual

diversos estudos têm comprovado os resultados no tratamento de diversos quadros

de sofrimento emocional. Neste tópico faremos uma breve apresentação desta linha

teórica.

A terapia cognitivo-comportamental foi desenvolvida por Aaron Beck no

início da década de 60, inicialmente utilizada no tratamento da depressão. Para

compreender o quadro depressivo, Beck (1997, p. 10) propôs o conceito da tríade

cognitiva:

1) Visão negativa de si mesmo: a pessoa com depressão “tende a atribuir

suas experiências desagradáveis a um defeito psicológico, moral ou físico em si

mesmo”;

2) Tendência a interpretar as experiências atuais de forma negativa: vê o

mundo “apresentando obstáculos insuperáveis para atingir suas metas de vida”;

3) Visão negativa do futuro: ao fazer “projeções a longo prazo, ela

antecipa que seu sofrimento ou dificuldades atuais continuarão indefinidamente”.

A terapia cognitivo-comportamental baseia-se na teoria “de que o afeto e

o comportamento de um indivíduo são em grande parte determinados pelo modo

como ele estrutura o mundo” (BECK ET AL, 1997, p. 05).

As origens do modelo cognitivo parecem ter base também na sabedoria

oriental, como em um pensamento do próprio Buda, citado por Pereira e Rangé

(2011, p. 20): “Nossa serenidade não depende das situações, mas de nossa reação

diante delas. Portanto, ao intervirmos no aqui e agora, torna-se possível provocar

mudanças em nosso futuro.”

Nesta abordagem, o processo psicoterapêutico é estruturado, diretivo,

quase sempre de curta duração, voltado para a solução de problemas atuais por

36

meio da modificação de pensamentos e comportamentos inadequados/disfuncionais

(BECK, 2013; BECK ET AL, 1997).

Na perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental, portanto, entende-

se que não é o evento em si que determina como a pessoa se sente, mas sim a

forma com que ela interpreta determinada situação (BECK, 2013).

O indivíduo com sofrimento psicológico tem sua capacidade de percepção de si mesmo, do ambiente e de suas perspectivas futuras prejudica pelas distorções de conteúdo de pensamento específicas de sua patologia, que acabam por determinar ‘vícios’ na forma como os fatos são interpretados (PEREIRA E RANGÉ, 2011, p. 21).

De acordo com Pereira e Rangé (2011), as diferentes abordagens

cognitivo-comportamentais partem de três pressupostos básicos: 1) a ideia de que

as interpretações influenciam diretamente nos comportamentos; 2) a ideia de que as

cognições podem ser monitoradas, avaliadas e alteradas; e 3) a ideia de que as

mudanças cognitivas podem favorecer mudanças comportamentais.

As cognições atuam em três níveis: pensamentos automáticos (o nível

mais superficial da cognição); crenças intermediárias e crenças nucleares.

Os pensamentos automáticos são pensamentos rápidos e breves, que

parecem surgir espontaneamente e costumam ser acompanhados de uma alteração

de humor, frequentemente negativa; podem ser mais facilmente identificados pelo

paciente (BECK, 2013; PEREIRA E RANGÉ, 2011).

Exemplo de pensamento automático no luto: “Ninguém nunca vai

entender a dor e a saudade que eu estou sentindo”.

Os pensamentos automáticos originam-se de fenômenos cognitivos

denominados crenças, que têm sua origem nas experiências da infância. As

crenças centrais (ou crenças nucleares) são compreensões profundas, rígidas e

supergeneralizadas, nas quais as ideias são vistas como verdades absolutas – sem

que haja um questionamento a respeito de sua validade. São as cognições mais

difíceis de serem acessadas e modificadas (BECK, 2013; PEREIRA E RANGÉ,

2011).

Exemplo de crença central que pode estar relacionada à forma com que o

paciente expressa seu luto: “Eu não sou uma boa mãe e não mereço ser amada,

pois o meu próprio filho escolheu a morte”.

37

No nível intermediário entre os pensamentos automáticos e as crenças

centrais, encontram-se as crenças intermediárias, formadas por atitudes, regras e

pressupostos que cada indivíduo utiliza como mecanismo de sobrevivência para

interpretar o mundo (BECK, 2013; PEREIRA E RANGÉ, 2011).

Alguns exemplos de crenças intermediárias em um processo de luto:

"Se a minha própria mãe foi capaz de me abandonar, então as outras

pessoas vão me abandonar também".

“Se eu tivesse chegado mais cedo em casa teria evitado o suicídio dela;

então, eu sou o culpado”.

A teoria cognitivo-comportamental compreende que as crenças

intermediárias e centrais são formadas nos primeiros estágios do desenvolvimento

de cada pessoa, influenciadas pela sua predisposição genética, em uma tentativa de

entender e organizar o ambiente que a cerca. O mais importante para o terapeuta

cognitivo-comportamental é compreender que as crenças disfuncionais podem ser

modificadas e substituídas por crenças adaptativas.

Portanto, antes de definir o plano de tratamento, o terapeuta deve fazer a

conceituação de cada paciente, através do questionamento para compreender seus

pontos positivos e suas dificuldades:

-Como o paciente desenvolveu este transtorno?

-Quais foram os eventos, as experiências e as interações significativos na sua vida? -Quais são as crenças mais nucleares do paciente sobre si mesmo, seu mundo e os outros? -Quais são os pressupostos, expectativas, regras e atitudes do paciente (crenças intermediárias)? -Que estratégias o paciente usou durante a vida para fazer frente a essas crenças negativas? -Que pensamentos automáticos, imagens e comportamentos ajudaram a manter o transtorno? -Como as crenças desenvolvidas pelo paciente interagiram com situações de vida para deixa-lo vulnerável ao transtorno? -O que está acontecendo na vida do paciente no momento atual e quais são suas percepções? (BECK, 2013, p. 64).

São elementos fundamentais de uma conceitualização:

1. Diagnóstico clínico do paciente;

2. Identificação de pensamentos automáticos, sentimentos e condutas frente a

diferentes situações do cotidiano que mobilizem afeto e que tenham um

significado importante para a pessoa;

3. Crenças nucleares e intermediárias;

38

4. Estratégias compensatórias de conduta que o indivíduo utiliza para evitar ter

acesso a suas crenças negativas;

5. Dados relevantes da história do paciente que contribuíram para a formação ou

fortalecimento destas crenças (PEREIRA E RANGÉ, 2011, p. 23).

Sem a elaboração de uma conceituação de caso bem feita, a terapia

cognitivo-comportamental se resumiria a uma simples aplicação de técnicas, sem

objetivo definido (PEREIRA E RANGÉ, 2011).

A conceituação deve ser discutida e verificada com o paciente ao longo

do processo, e cada nova informação pode confirmar, aprofundar ou descartar a

hipótese inicial do terapeuta (BECK, 2013).

Portanto, o terapeuta que atua nesta abordagem, após identificar a

queixa, procura psicoeducar o cliente para identificar possíveis distorções em

crenças cognitivas e padrões de comportamento, ajudando-o a pensar e agir de

forma mais adaptativa em relação ao mundo e a si mesmo.

O terapeuta procura produzir de várias formas uma mudança cognitiva – modificação no pensamento e no sistema de crenças do paciente – para produzir uma mudança emocional e comportamental duradoura (BECK, 2013, p. 22).

Uma característica importante desta abordagem é que por meio do

empirismo colaborativo, a interação entre terapeuta e cliente acontecem o tempo

todo.

Quanto mais o terapeuta e o paciente trabalham juntos, maior a experiência de aprendizagem para ambos. O esforço conjunto não apenas gera um espírito cooperativo, mas também um senso de exploração e descoberta. Estes fatores aumentam a motivação e ajudam a superar os muitos obstáculos inerentes à psicoterapia (BECK ET AL, 1997, p. 25).

Segundo Beck (2013), compreende-se dez princípios básicos da terapia

cognitivo-comportamental no tratamento de todos os pacientes:

1) Basear-se em uma formulação cognitiva do quadro (por exemplo, o modelo

cognitivo da depressão ou da ansiedade) junto a uma conceituação individual.

Para compreender as dificuldades relatadas, o terapeuta deve identificar o

pensamento atual e os comportamentos problemáticos do cliente; os fatores

que precipitaram o transtorno; as hipóteses iniciais acerca dos eventos-chave

do desenvolvimento (história de vida) e padrões constantes na forma de

interpretar os eventos.

39

2) O terapeuta deve construir uma aliança terapêutica sólida com o paciente,

demonstrando afeto, empatia, atenção, interesse genuíno e competência.

Também deve abrir espaço para o feedback do paciente ao final de cada

sessão.

3) Destacar a importância da colaboração e participação ativa do paciente no

processo, por exemplo, ao decidir a frequência dos atendimentos, no

estabelecimento da agenda e no planejamento dos exercícios de casa.

4) Orientar-se para objetivos específicos e focar-se nos problemas atuais. Uma

vez identificado um objetivo, terapeuta e paciente buscam identificar

pensamentos que dificultam o processo e definem experimentos

comportamentais para avaliar a validade destas crenças.

5) Enfatizar o presente. O foco está no aqui e agora, independentemente do

diagnóstico do cliente. Compreender o passado é relevante apenas para

compreender de que forma desenvolveu-se o sintoma atual e a origem das

crenças e comportamentos disfuncionais do paciente.

6) O objetivo é ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta, inclusive

preparando um trabalho de prevenção de recaída. A psicoeducação tem início

com a explicação acerca do transtorno psiquiátrico do paciente, do modelo

cognitivo-comportamental e dos recursos disponíveis para a terapia.

7) Ser delimitada no tempo, embora casos mais graves necessitem de um

tratamento de maior duração. O terapeuta deve, em uma média de quatorze

sessões, “promover o alívio dos sintomas, facilitar a remissão do transtorno,

ajudar o paciente a resolver seus problemas mais urgentes e ensinar

habilidades para evitar a recaída” (BECK, 2013, p. 29).

8) Utilizar sessões estruturadas, para maximizar a eficiência e a eficácia da

terapia. Esta estrutura conta com introdução (verificação de humor, exame da

semana, pauta colaborativa da sessão); segue para a verificação e discussão

do exercício de casa, discussão da pauta, escolha do exercício da semana e

resumo; e encerra-se com o feedback da sessão.

9) Psicoeducar o paciente para identificar, avaliar e responder aos seus

pensamentos e crenças disfuncionais, por meio de uma exploração das

evidências.

40

10) Utilizar diferentes técnicas para modificar o pensamento, o humor e o

comportamento do cliente. As técnicas são definidas após uma análise da

conceituação do paciente, do problema abordado e dos objetivos da sessão.

Segundo Wright, Basco e Thase (2008), as competências essenciais de

um terapeuta cognitivo comportamental são:

• Conhecimentos: acerca do modelo cognitivo-comportamental e seus

principais conceitos; das formulações da teoria para transtornos comuns; dos

princípios básicos da psicoeducação; princípios básicos dos métodos

comportamentais e das técnicas cognitivas; e finalmente da importância da

educação continuada em TCC.

• Habilidades: O terapeuta deve ser capaz de avaliar e conceitualizar os

pacientes sob o modelo da TCC; estabelecer e manter uma relação terapêutica

colaborativa; estruturar as sessões; empregar as técnicas da abordagem;

reconhecer seus próprios sentimentos e pensamentos acionados pela terapia; e

buscar supervisão adequada.

• Atitudes: O terapeuta deve ser empático, respeitoso, não-crítico e

colaborativo; sensível às questões socioculturais, socioeconômicas e educacionais;

e aberto ao exame de observação das sessões de tratamento (por parte de seu

supervisor) para aperfeiçoar seu trabalho.

Entre as principais técnicas utilizadas na terapia cognitivo-

comportamental, destacam-se:

• Registro de pensamentos automáticos (RPA): Formulários para registro da

situação que desencadeou a alteração de humor e os pensamentos automáticos

identificados pelo paciente. Existem vários modelos: Greenberger e Padesky (1999),

por exemplo, propõem um modelo básico com três colunas: Situação (Quem? O

quê? Quando? Onde?); Estado de Humor (O quê o paciente sentiu e a medida – de

0 a 100% do sentimento/emoção); e os Pensamentos automáticos (Quais

pensamentos e imagens surgiram na situação). Em um segundo momento, o

terapeuta pode incluir colunas sobre evidências que apoiam ou não a validade

daquele pensamento automático e ainda pensamentos alternativos a respeito da

mesma situação.

• Identificação de distorções cognitivas: De acordo com Beck (2013), há uma

tendência maior para interpretações negativas na cognição de pacientes com

41

algum tipo de transtorno emocional. Entre as principais distorções cognitivas,

podemos citar:

- Pensamento dicotômico ou “tudo ou nada”: identificar apenas os extremos de cada

situação.

- Catastrofização: fazer previsões negativas sobre as situações, descartando

qualquer resultado positivo ou provável.

- Desqualificar o positivo: considerar que as experiências positivas não contam.

- Filtro mental ou abstração seletiva: destacar um aspecto negativo da situação ao

invés de ver a situação como um todo.

- Leitura mental: acreditar que é capaz de adivinhar o que os outros estão pensando.

• Seta descendente: técnica utilizada para identificar as crenças intermediárias

do paciente a respeito dos outros e do mundo. “E se isso for verdade?” ou “O que

isso significaria a seu respeito?” (BECK, 2013).

• Autoquestionamento, questionamento socrático ou descoberta guiada:

Durante a discussão de um problema ou evento, o paciente é estimulado a recordar

e questionar os pensamentos automáticos, imagens ou crenças ativados na

situação:

Quais são as evidências para a minha conclusão? Há outras explicações? Quão séria é a perda? Quanto isso realmente subtrai da minha vida? Qual é o grau de dano para mim se um estranho pensa mal de mim? O que eu perderei se tentar ser mais assertivo? (BECK ET AL, 1997, p. 06).

• Role-play ou dramatização: “para evocar pensamentos automáticos,

desenvolver uma resposta adaptativa e modificar crenças intermediárias e

nucleares. A dramatização também é útil na aprendizagem e prática de habilidades

sociais (BECK, 2013, p. 288).

• Psicoeducação: Por meio de livros, folhetos, sites e filmes, o terapeuta pode

ensinar o paciente e sua família a compreender sua psicopatologia, esclarecer sobre

o modelo cognitivo, aprender estratégias para solução de problemas, entre outros

(SAVOIA E RUIZ, 2012). A psicoeducação eficaz instrumentaliza o paciente de

forma a reduzir o risco de recaídas (WRIGHT, BASCO E THASE, 2008).

• Técnicas de relaxamento: As técnicas de respiração diafragmática e de

relaxamento muscular são muito utilizadas na abordagem e ensinadas aos

pacientes, especialmente em casos de queixa de ansiedade e estresse

(GUIMARÃES, 2011).

42

• Torta de responsabilidades: técnica que permite que o paciente visualize

graficamente as pessoas (incluindo a si mesmo) e os aspectos que influenciaram

uma situação específica. A partir de um círculo, propõe-se que seja atribuída uma

“fatia” de responsabilidade para cada parte (BECK, 2013).

• Exposição hierárquica ou gradual: A partir da definição de um problema,

propõe-se um planejamento de tarefas em um nível gradual de dificuldade (BECK,

1997).

• Treino de habilidades: De acordo com Guimarães (2011), ter habilidade social é

ser capaz de emitir respostas adequadas para situações sociais específicas, como

ser capaz de defender os próprios direitos, ter habilidade para aceitar e fazer

elogios, conseguir desculpar-se e aceitar críticas, por exemplo. O treino destas

habilidades pode ser realizado por meio de ensaio comportamental e modelação,

entre outras técnicas.

As chamadas terapias cognitivo comportamentais da terceira geração

(Terapia de Aceitação e Compromisso e Terapia Dialética Comportamental, por

exemplo), também têm trazido importantes recursos para a intervenção do terapeuta

nos mais diversos contextos (GUIMARÃES, 2011). Destacamos, entre outros:

• Mindfulness: O termo, advindo de tradições budistas, refere-se à capacidade

de focar-se no momento presente, sem fazer julgamentos. Em psicoterapia,

“ajudamos nosso cliente a observar o surgimento e o desaparecimento de seus

pensamentos e sentimentos sem se agarrar àqueles muito valorizados e sem tentar

banir os dolorosos” (ROEMER E ORSILLO, 2010, p. 18). Segundo Beck (2013), o

mindfulness tem sido utilizada junto às intervenções de terapia cognitivo-

comportamental em diversos quadros.

• Autocompaixão: Nesta perspectiva, “o cliente é incentivado a cultivar a bondade

e o cuidado em relação à própria experiência, a ver qualquer pensamento,

sentimento e sensação que surgir como uma parte da experiência humana e não

como um sinal de sua patologia, fraqueza ou limitação” (ROEMER E ORSILLO,

2010, p. 20).

Observa-se que a terapia cognitivo-comportamental apresenta uma

variedade de técnicas para os mais diversos problemas e portanto, acredita-se que

esta abordagem pode ser um excelente recurso para o manejo específico do luto por

suicídio. Passaremos para os objetivos deste trabalho.

43

2. OBJETIVOS

Este estudo teve como objetivo geral compreender as possibilidades da

aplicação da Terapia Cognitivo-Comportamental no luto por suicídio.

Os objetivos específicos deste trabalho foram:

- Considerando que no Brasil há pouca literatura específica a respeito do tema,

trataremos a seguir da compreensão da abordagem sobre o comportamento suicida

e luto, bem como uma revisão acerca das técnicas da TCC para estas questões e

ainda para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

- Pesquisar as especificidades do luto por suicídio;

- Analisar e discutir produções científicas (nacionais e internacionais) acerca do

tema;

- Propor intervenções específicas para o manejo do luto por suicídio na abordagem

da Terapia Cognitivo-Comportamental.

44

3. METODOLOGIA

“ […] a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador” - Minayo (2001, p. 16).

O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica de publicações

impressas e disponíveis online.

De acordo com Minayo (2010), uma revisão bibliográfica deve abranger

estudos clássicos e também dados atualizados sobre o objeto de investigação,

permitindo um aprofundamento do tema.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que “trabalha com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a

um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos” (MINAYO,

2001, p. 21-22).

A pesquisa e obtenção de dados se deu por meio de revisão bibliográfica

e de artigos científicos, tanto impressos como disponíveis online. As bases dos

dados pesquisados foram: Scielo, Pubmed, Medline e Google Acadêmico.

Os critérios e seleção dos artigos e livros se deram diante das palavras-

chaves: Luto, Morte, Suicídio, Terapia Cognitivo Comportamental, mourning, death,

bereaverement, suicide e Cognitive Behavioral Therapy.

Os critérios de inclusão utilizados foram trabalhos e pesquisas que

versavam sobre a utilização da TCC para o tratamento de pessoas enlutadas.

Foram pesquisados ainda livros e artigos acadêmicos com referência

sobre o tema e após o material previamente definido, foi estabelecido um

cronograma a ser seguido.

45

4. RESULTADOS

Na introdução, abordou-se brevemente luto e suicídio. Nos resultados,

estes temas serão discutidos a partir da compreensão da abordagem da TCC.

4.1 Suicídio e luto na perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental

Para contextualizar a abordagem da terapia cognitivo-comportamental no

manejo do luto por suicídio, será apresentado um resumo da compreensão do

modelo acerca do fenômeno.

O comportamento suicida na abordagem da TCC

Para Beck et al (1997), pode-se referir um continuum do comportamento

suicida, no qual um dos extremos seria a intenção suicida mais severa, enquanto no

outro estaria o desejo de continuar vivendo.

De acordo com Wenzel, Brown e Beck (2010, p. 21-23), o comportamento

suicida na Terapia Cognitivo Comportamental é compreendido como diferentes

etapas que podem ser divididas em:

• Suicídio: morte causada danoso autoinflingido com qualquer intenção de

morrer como resultado desse comportamento.

• Tentativa de suicídio: Comportamento não fatal, autoinflingido,

potencialmente danoso, com qualquer intenção de morrer como seu resultado. Uma

tentativa de suicídio pode resultar ou não em um ferimento (ex: apertar um gatilho e

o revólver não disparar).

• Ato suicida: Comportamento autoinflingido, potencialmente danoso, com

qualquer intenção de morrer como seu resultado. Um ato suicida pode resultar ou

não em morte (suicídio) Ideação suicida: Quaisquer pensamentos, imagens,

crenças, vozes ou outras cognições relatadas pelo indivíduo sobre terminar

intencionalmente com sua própria vida.

• Comportamento preparatório (planejamento): com a intenção de se

preparar para se matar, como reunir elementos para um método específico (estocar

46

comprimidos, comprar uma arma) ou fazer preparações (doar objetos, escrever um

bilhete de suicídio).

Na abordagem da TCC, o modelo cognitivo para compreender a ideação

suicida, tentativa de suicídio ou suicídio completo pressupõe a interação entre

fatores de vulnerabilidade disposicionais, processos cognitivos associados a

transtornos associados a transtornos psiquiátricos e a atos suicidas que seriam

ativados por fatores estressores, levando ao comportamento suicida (WENZEL,

BROWN E BECK, 2010). A seguir, detalhamento breve de cada um destes

componentes:

- Como fatores de vulnerabilidade disposicionais (ou predisponentes), os

autores citam a) a desesperança (crenças negativas em relação ao futuro); b)

cognições relacionadas ao suicídio (visão em túnel e fixação atencional que fazem

com que o suicídio seja visto como única opção); c) impulsividade aumentada

(tomadas de decisão sem considerar as consequências); d) déficits na resolução de

problemas (na TCC, o comportamento suicida seria uma resposta desadaptativa

para situações de estresse); e e) perfeccionismo (desejo de atender às expectativas

reais ou imaginadas dos outros ou ainda a cobrança em relação a si mesmo para

ser perfeito, acentuando o estresse ou colocando o foco nos erros e fracassos).

- No que se refere a possíveis gatilhos para o comportamento suicida,

Wenzel, Brown e Beck (2010) citam a presença de arma de fogo ou medicamentos

letais; eventos estressores; exposição aos atos suicidas de outros; problemas de

saúde como doença crônica com dores, desconforto ou limitações funcionais (ou um

diagnóstico impactante recebido recentemente); e ainda uma perda significativa

(interpessoal, de saúde, financeira).

- Os transtornos psiquiátricos podem ativar determinados esquemas

negativos, potencializando as cognições relacionadas ao comportamento suicida.

Segundo os autores, o risco de suicídio em pacientes depressivos é 20 vezes maior

do que nas pessoas que não possuem esse quadro; no transtorno bipolar, o risco

seria 15 vezes maior, principalmente na fase depressiva ou mista; o uso e abuso de

álcool e drogas também é um facilitador do comportamento suicida; na

esquizofrenia, a depressão, a desesperança, a presença de sintomas positivos, o

isolamento social e as alucinações de comando podem influenciar o risco de

suicídio; entre os transtornos de personalidade, os autores citam os quadros de

47

borderline e de personalidade antissocial (principalmente pela impulsividade). Para

os autores:

[...] a ativação de um esquema de suicídio não garante que a pessoa irá se engajar em um ato suicida; na verdade, é a interação de cognições relacionadas ao suicídio (como o estado de desesperança, a ideação suicida) e de processos cognitivos relacionados ao suicídio (como vieses atencionais a respeito de sinais relacionados ao suicídio, fixação atencional) que aumenta a probabilidade de uma pessoa engajar-se em um ato suicida (WENZEL, BROWN e BECK, 2010, p. 69).

Jamison (2010, p. 87) afirma que:

[...] quando as pessoas são suicidas, seu pensamento fica paralisado, suas opções parecem escassas ou não existentes, seu estado de espírito é angustiante e a falta de esperança permeia todo o seu domínio mental. O futuro não pode ser separado do presente, e o presente é doloroso, acima de tudo.

Na obra “Terapia cognitiva da depressão”, Beck et al (1997) escreveram

dois capítulos acerca do comportamento suicida. No primeiro (“Técnicas específicas

para o paciente suicida”), os autores sugerem que o tema seja abordado já na

sessão inicial, para que o terapeuta possa ver o mundo na perspectiva do paciente,

como “uma porta de entrada promissora para a intervenção precoce” (BECK ET AL,

1997, p. 153).

O terapeuta deve ser capaz de perceber porque o paciente sente o impulso de matar-se e vivenciar, em algum grau, o desespero e o sofrimento do paciente. Tal entendimento e empatia não apenas capacitam o terapeuta a adaptar suas estratégias de ajuda às necessidades específicas do paciente, mas comunica-lo de que é “entendido”. [...] Então ele pode trabalhar com o paciente para descobrir as pressuposições errôneas ou a lógica deficiente que proporciona a base para o impulso suicida (BECK ET AL, 1997, p. 154).

Já no capítulo “Entrevista com um paciente deprimido suicida”, Beck et al

(1997) propõem um modelo de cinco partes para a entrevista inicial em casos de

intervenção em situações de crise suicida:

1. Questionamento para obter informações essenciais, como grau de

depressão e risco de suicídio; expectativas sobre a terapia; busca por um fator de

proteção; verificação da abertura para verificação das crenças.

2. Ampliação da perspectiva do paciente: isolar o fator precipitante do

comportamento suicida; questionar as crenças; verificar outras fontes de satisfação.

3. Terapia alternativa: o terapeuta deve procurar engajar o paciente no

processo; ampliar o pensamento tudo ou nada; buscar dados que indiquem o

48

resultado da entrevista, como mudança de humor positiva do paciente; afirmações

positivas do paciente sobre si mesmo; consenso com o paciente sobre a resolução

do problema.

4. Obter dados mais detalhados: discussão sobre técnicas terapêuticas;

verificar se o paciente faz comentários positivos espontaneamente.

5. Fechamento: reforço otimista; engajamento na solução de problemas.

A partir do modelo cognitivo-comportamental do comportamento suicida,

Wenzel, Brown e Beck no livro “Terapia cognitiva para pacientes suicidas” (2010)

propõem um protocolo de terapia em doze sessões, planejado para prevenir futuros

atos suicidas em pacientes que já tiveram uma crise suicida. Este objetivo pode ser

obtido quando o paciente: adquire estratégias de enfrentamento adaptativas;

desenvolve junto ao terapeuta algumas ferramentas cognitivas para identificar

razões para viver e promover esperança; melhora suas habilidades de resolução de

problemas; aumenta a conexão com suas redes de apoio; e tem uma melhor adesão

às demais intervenções (psiquiátrica, por exemplo).

Entre as técnicas sugeridas, destacamos o plano de segurança, que trata-

se de uma lista escrita de estratégias e recursos de enfrentamento (coping),

elaborada colaborativamente entre o terapeuta e o paciente.

Os componentes básicos do plano de segurança incluem: a) Reconhecer sinais de alerta que precedem as crises suicidas; b) Identificar estratégias de coping que podem ser utilizadas sem se contatar outras pessoas; c) Contatar amigos ou familiares e; d) Contatar profissionais ou estabelecimentos de saúde mental (WENZEL, BROWN e BECK, 2010, p. 128).

Como o comportamento suicida não é o foco do trabalho, não nos

aprofundaremos nesta questão, porém sugerimos a leitura dos livros referenciados

neste tópico para aqueles que tiverem interesse. Destacamos ainda que para os

autores, a desesperança, os transtornos psiquiátricos (como depressão, transtorno

bipolar e uso e abuso de álcool e drogas, entre outros) e os padrões cognitivos são o

principal foco das intervenções voltadas para o manejo do suicídio.

49

Intervenções da TCC para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)

Uma vez que o suicídio de um ente querido pode gerar sintomas de

estresse pós-traumático, como mencionado anteriormente, trataremos brevemente

da conduta indicada para o quadro na abordagem da terapia cognitivo-

comportamental.

De acordo com Ventura e outros (2011), antes do início do tratamento é

importante fazer uma formulação do caso, investigando quando e onde ocorreu o

evento traumático, com as respostas físicas, emocionais e comportamentais no

momento e no presente. É fundamental também compreender como o transtorno se

desenvolveu, quais foram às crenças desenvolvidas a partir deste evento a respeito

de si mesmo, dos outros e do mundo e como elas influenciam atualmente o

funcionamento do sujeito.

[O TEPT] pode ser, muitas vezes, incapacitante, gera grande sofrimento aos pacientes por ele acometido e às pessoas de sua convivência. Os sintomas são graves e intensos e levam ao comprometimento das funções ocupacionais e sociais dessas pessoas (VENTURA E OUTROS, 2011, p. 362).

O tratamento do TEPT inclui técnicas como psicoeducação,

reestruturação cognitiva e manejo da ansiedade, entre outras. Os autores trazem

como exemplo o caso de um motorista que havia desenvolvido o TEPT após ser

exposto ao suicídio de uma mulher que havia se jogado da passarela em cima do

ônibus que ele dirigia. Entre os pensamentos que o afligiam, ele referia a sensação

de que estava sendo punido por algo e a crença de que algo de ruim iria acontecer

caso voltasse a dirigir. Entre as técnicas utilizadas, optou-se por exposição

imaginária (os relatos foram gravados e ouvidos pelo paciente diariamente) e

exposição gradual ao vivo das situações que ele evitava (VENTURA E OUTROS,

2011).

Knapp e Caminha (2003) propõem o seguinte roteiro para um processo

de intervenção em casos de TEPT:

Sessões Iniciais: Certificar-se que o paciente não está mais diretamente exposto

ao agente estressor. Fazer uma aliança terapêutica com o cliente, estabelecendo

metas de como ele quer estar no futuro. Psicoeducação sobre o TEPT e o modelo

cognitivo. Avaliação por instrumentos psicométricos: escalas de ansiedade, de

50

estresse, inventários de saúde geral etc., que possam servir de fator de reavalição

pós-teste ao final do tratamento. Uso de RPDs (Registros de Pensamentos

Disfuncionais), visando a conexão entre lembrança traumáticas diretas e indiretas

com a variação das emoções.

Sessões Intermediárias: Abordagens das Crenças que o paciente possuía e possui

após o ocorrido (quantificando de 0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o nível de

crença no relatado); abordagem da culpa e da raiva inerentes ao TEPT

(quantificando de 0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o nível de crença no

relatado), como “por que fui sair justo naquela hora”; “sinto muito ódio dele”.

abordagem da (s) memória (s) traumática (s); elaboração do “Mapa de Memória

Traumática”. Ainda nas sessões intermediárias, os autores sugerem a aplicação de

escalas de estresse e ansiedade; ensino de técnicas de respiração e relaxamento,

dessensibilização sistemática (pareando memórias de diferentes valências).

Experimentos de exposição a situações ansiogênicas juntamente com o THS

(Treinamento de Habilidades Sociais).

Sessões Finais: Aliança com suporte social e prevenção de recaída.

Monson, Resick e Rizvi (2016) afirmam que formas predominantes de

tratamento para o TEPT são:

- Treinamento com inoculação de estresse: o objetivo é oferecer aos pacientes uma

sensação de domínio ao ensinar habilidades de enfrentamento.

- Técnicas de exposição: requerem que o paciente confronte ao vivo as situações

temidas, imaginem-se em uma situação que gere medo ou relembrem o evento

traumático por um longo período.

- Intervenções cognitivas: por meio do uso de diários ou tarefas de casa, os

pacientes são ensinados a identificar e questionar seus pensamentos irrealistas ou

exagerados acerca deles próprios, do mundo e de seu futuro, considerando as

probabilidades e com argumentos baseados em evidências.

- DRMO (Dessensibilização e reprogramação por movimento dos olhos) ou EMDR

(Eye Movement Desensitization and Reprocessing): técnica desenvolvida por

Shapiro, que afirmou que os movimentos laterais dos olhos facilitam o

processamento cognitivo do trauma.

Passaremos para técnicas de manejo de luto na teoria cognitivo-

comportamental.

51

Compreensão do processo de luto na abordagem da TCC

O ponto de partida em qualquer relação terapêutica (e especialmente no

manejo do luto) é que o terapeuta seja capaz de expressar compreensão, gentileza

e empatia, favorecendo o desenvolvimento de uma relação de confiança com o

paciente (WRIGHT, BASCO E THASE, 2008).

De acordo com Silva, Rangé e Nardi (2011), o atendimento ao enlutado

no enfoque da TCC deve oferecer inicialmente informações sobre o curso normal do

luto e, se necessário, esclarecimentos quanto ao seu processo de luto em particular.

O desenvolvimento de novas habilidades, tanto cognitivas quanto comportamentais,

é fundamental para facilitar a adaptação do enlutado a uma nova fase de vida,

considerando que reformulações de papéis serão necessárias no sistema familiar e

na sociedade, de modo geral.

Em uma busca no Google Acadêmico, ao colocar os termos “terapia

cognitivo-comportamental” junto da palavra “luto”, foram localizados os seguintes

trabalhos:

• Detalhes de protocolo de luto e a terapia cognitivo-comportamental, de

ZwielewskiI e Sant'Ana (2016);

• A aplicação da terapia cognitivo-comportamental no tratamento do luto,

de Martins (2015);

• Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia Cognitivo-

Comportamental, de Basso e Wainer (2011);

• Terapia cognitivo-comportamental para luto pela morte súbita de

cônjuge, de Silva e Nardi (2011);

• Luto pela morte de um filho: utilização de um protocolo de terapia

cognitivo-comportamental, de Silva e Nardi (2010);

• Terapia cognitivista-comportamental para perda gestacional: resultados

da utilização de um protocolo terapêutico para luto, de Silva e Nardi

(2010).

Não foram encontrados trabalhos nacionais específicos acerca do manejo

do luto por suicídio na abordagem da Terapia Cognitivo-comportamental, inclusive

utilizando as palavras-chave em inglês, junto aos termos “Brazil” e “brazilian”.

52

Silva e Nardi (2011) referem que no protocolo de luto as técnicas

utilizadas pelo terapeuta cognitivo-comportamental são escolhidas de acordo com a

fase na qual o enlutado se encontra. Desse modo, o protocolo de atendimento pode

ser dividido em três grandes blocos, sendo cada um deles aproximadamente

equivalente a quatro sessões de terapia ou um mês de acompanhamento,

respeitando o curso natural do luto e priorizando as demandas de suas

especificidades. Através da psicoeducação, uma das bases da TCC, é feito o

esclarecimento sobre as fases do luto, assim como sobre as alterações cognitivas,

fisiológicas e comportamentais consideradas comuns durante esse período, com o

objetivo de reduzir os índices de ansiedade. É trabalhado ainda o reconhecimento

da realidade da perda, e o enlutado é estimulado a compartilhar sua experiência e

elaborar rituais de despedida. Se necessário, são utilizadas também técnicas para o

controle da ansiedade e da depressão em momentos agudos do processo. O

segundo mês apresenta como foco a resolução de problemas pendentes entre o

enlutado e o ente querido falecido, a criação ou fortalecimento de uma rede de apoio

social, a reorganização do sistema familiar e a redistribuição de papéis. Por fim, na

última etapa da terapia de luto, busca-se favorecer a readaptação do sujeito à vida

cotidiana, ao investimento em novos objetivos de vida e em novas relações, além da

prevenção de recaída e do trabalho realizado a fim de evitar um quadro de luto

complicado.

De acordo com Ghigonetto (2018), na abordagem da Terapia Cognitivo-

Comportamental compreende-se que crenças disfuncionais frequentemente são

ativadas pelo falecimento de um ente querido, determinando assim a compreensão

deste indivíduo em relação a morte, podendo dificultar o processo de luto.

Nos esquemas disfuncionais, as respostas desadaptativas são

denominadas de: 1) hipercompensação: quando eles lutam contra o esquema

pensando, agindo, sentindo como se o oposto do esquema fosse verdadeiro; 2)

evitação: os pacientes organizam suas vidas para que o esquema não seja ativado,

bloqueiam pensamentos e imagens para evitar sentimentos ativados pelo esquema;

e 3) resignação: quando os pacientes consentem o esquema, aceitam como

verdadeiro, não tentam evitar nem lutar contra ele. É através desses processos que

os esquemas continuam ativos na vida psíquica de um indivíduo (BASSO E

WAINER, 2011).

53

De acordo com Moorey (2004):

Uma das distorções mais comumente encontradas é a supergeneralização. A sensação de desamparo e desesperança, sentida como uma consequência direta de uma doença séria, perda de um ente querido, ou de algum outro desastre, pode às vezes se generalizar para o todo da vida. Ao invés de avaliar realisticamente uma perda que é séria, mas, não obstante, apenas parte da própria vida, para o indivíduo parece que tudo está perdido (MOOREY, 2004, p. 399).

Não se pode esquecer que muitos pensamentos negativos são realistas,

e não disfuncionais: “uma pessoa enlutada, que pensa continuamente que ninguém

jamais será capaz de substituir a pessoa amada, está correta” (MOOREY, 2004, p.

400). O terapeuta pode auxiliar o paciente a aceitar estes pensamentos e a

desenvolver estratégias de enfrentamento funcionais a partir deles, e não negando-

os.

De acordo com Basso e Wainer (2011), compreende-se como estratégias

terapêuticas no luto:

• Resolução de Problemas: é utilizada para avaliar como e o que o enlutado está

priorizando. Nesse momento, busca-se a melhora na habilidade de solucionar

problemas, diminuindo sua complexidade e maximizando o que está funcional. É

importante que o paciente consiga verificar a existência de distorções cognitivas

que impossibilitam a busca e a tentativa de alternativas saudáveis.

• Automonitoramento: aumentar a capacidade de reestruturação cognitiva, com

intuito de o paciente perceber como pensa e passa a ter sentimentos e

comportamentos devido às crenças. É o ato de pensar sobre o pensamento:

"Desde quando fulano faleceu, as pessoas não me procuraram mais [...]. Se esse

pensamento fosse verdade, como me sentiria?".

• Treino de Habilidades Sociais: aumentar e ensinar novas habilidades cognitivas

como o automonitoramento, habilidades verbais e, principalmente,

comportamentais, para que o enlutado consiga perceber e lidar melhor com o

ambiente. Na maioria das vezes, os pacientes enlutados encontram-se deprimidos

e tendem a antecipar sentimentos negativos, bem como avaliam erroneamente o

grau de dificuldade. Diante das situações listadas e por meio de um ensaio

comportamental, avalia-se como o paciente se comportaria em determinada

situação, e juntos, paciente e terapeuta, treinam uma resposta adaptativa.

54

• Estratégias de Enfrentamento: o conjunto das estratégias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas, ou seja, uma resposta

cognitiva e comportamental ao estresse, com objetivo de suavizar características

aversivas. Indica-se o levantamento de outros eventos adversos na vida dos

enlutados e quais estratégias foram úteis para amenizar os sintomas gerados:

"Quando você se encontrou numa situação difícil, como você lidou com ela?"; "Se

uma pessoa amiga estivesse na mesma situação na qual você se encontra, que

conselho daria a ela?".

• Restruturação Cognitiva: numa colaboração entre paciente e terapeuta,

identifica-se pensamentos irracionais e catastróficos, exame das evidências

favoráveis e contrárias aos pensamentos distorcidos, a fim de avaliar e perceber

outros pensamentos mais adaptativos. "Qual vantagem tenho em manter esse

pensamento irracional?"; "Qual seria o pensamento saudável nessa situação?".

• Prevenção e Recaída: psicoeducar o enlutado quanto ao seu funcionamento, suas

dificuldades e também sua autoeficácia. No decorrer do processo psicoterapêutico,

foi lhe orientado a utilizar estratégias e habilidades para lidar de maneira eficaz

com o problema percebido. Ao se deparar com outras situações, terá recursos para

enfrentar possíveis problemas: "Que estratégias disponíveis me auxiliariam neste

momento?".

No protocolo padrão para intervenções em situações de luto, Silva, Rangé

e Nardi (2011) propõem algumas técnicas como Registro de Atividades Diárias

(RAD), ensino de técnicas de relaxamento, Diário de Ansiedade, elaboração de

rituais de despedida e a facilitação da reorganização do sistema familiar. Os autores

apontam que:

Uma das tarefas referidas como de grande dificuldade pelos enlutados é reorganizar os espaços antes ocupados pelo ser perdido, o que significa, entre outras coisas, se desfazer de objetos que pertenciam ao morto. Essa atitude reforça a percepção de que a perda é irreversível, aumentando o pesar naquele momento. [...] O preparo do paciente para essa atividade pode ser feito no consultório (SILVA, RANGÉ E NARDI, 2011, p. 731).

Cada intervenção na cognição ou no comportamento do paciente deve ter

um objetivo claro, assim como o planejamento adequado, para sua eficácia.

55

4.2. Manejo do luto por suicídio na TCC

Silva, Rangé e Nardi (2011, p. 735) referem que o protocolo padrão para

o luto “tem características generalistas, portanto, funcionando bem para o luto

normal e diversos quadros de luto complicado. Apesar disso, para alguns tipos

específicos de luto, tais como o luto não autorizado, podem ser necessárias

adaptações, sendo recomendado protocolo diferenciado”. O tratamento do luto por

suicídio na abordagem, portanto, vai exigir uma adaptação para as especificidades

mencionadas anteriormente.

Para Jordan (2001), dar sentido ao suicídio de seu ente querido é uma

grande tarefa de recuperação para os sobreviventes. Em comparação com outras

formas de luto, os sobreviventes do suicídio normalmente gastam muito mais

energia tentando compreender as razões da morte, as motivações do falecido e a

atribuição apropriada de responsabilidade pelo suicídio.

Como foi abordado na introdução, emoções difíceis em relação à morte

traumática podem ser inibidas ou suprimidas em pessoas enlutadas pelo

suicídio ou ocultas como consequência da estigmatização e menor nível de apoio

de outras pessoas. O terapeuta cognitivo-comportamental poderá utilizar

intervenções específicas para estas questões. Por exemplo, um dos destaques da

Terapia Cognitivo-Comportamental são as tarefas de casa, ou seja, atividades “que

fazem a ligação entre as sessões e mantêm a terapia focada nas questões chave”

(WRIGHT, BASCO E THASE, 2008, p. 64). Registros de pensamento e o

preenchimento de escalas e questionários são muito utilizados durante o tratamento.

Ser convidado a escrever abertamente em um ambiente seguro sobre emoções e

pensamentos em torno do suicídio pode ter resultado em uma redução de aspectos

negativos específicos deste processo de luto. Estudos descobriram que intervenções

de escrita são eficazes na redução do sofrimento de indivíduos enlutados (LINDE ET

AL, 2017).

Zwielewski e Sant’Anna (2016) fizeram o estudo de caso de uma paciente

em processo de luto por um filho, usando como base teórica a psicologia cognitivo-

comportamental. O protocolo original apresentado por Silva (2009) tem duração de

12 sessões, com espaço de sete dias entre as sessões. Porém foi adaptado na sua

aplicação, devido à necessidade de estabilizar o humor da paciente, visto que ela se

encontrava em profundo sofrimento e sem pessoas com as quais pudesse

56

compartilhar sua dor. O novo modelo do protocolo, proposto neste artigo para o

tratamento de R., teve duração de 12 sessões, com dois encontros semanais até a

quarta semana, usando como base teórica a teoria cognitivo-comportamental.

Durante o processo foi detectado risco de suicídio, e houve, por este motivo, o

acréscimo de duas sessões para avaliar os fatores relacionados ao risco de suicídio,

totalizando 14 sessões. Além da adaptação do número de sessões e periodicidade,

foram também incluídos procedimentos como a identificação das distorções

cognitivas, psicoeducação sobre o efeito das distorções de pensamento no

emocional e o questionamento dos pensamentos disfuncionais da paciente. Foram

aplicados o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário de Depressão de

Beck (BDI) e o Inventário de Desesperança de Beck (BHS). Entre as técnicas

utilizadas, os autores referem o uso de um calendário de atividades para

organização da paciente, a escolha de uma pessoa de confiança para fornecer

suporte nos momentos difíceis e a elaboração de rituais de despedida (como

escrever uma carta ou fazer uma reunião de família no dia do aniversário do filho).

Entre as técnicas recomendadas para o paciente com comportamento

suicida, Wenzel, Brown e Beck (2010) propõem a construção do kit de esperança

(ou caixa de primeiros socorros emocional):

É um auxílio para a memória que consiste em uma coleção de itens significativos que lembram aos pacientes de razões para viver e que pode ser acessado em momentos de crise. Os pacientes muitas vezes localizam algo simples, como uma caixa de sapatos, e então armazenam itens como fotografias, cartões-postais e cartas. Os pacientes comumente incluem poemas inspiradores ou religiosos (Wenzel, Brown e Beck, 2010, p. 165).

Na prática clínica da pequisadora, esta técnica tem sido um dos

momentos mais significativos do processo terapêutico de pacientes com

comportamento suicida. Ao escolher objetos com carga afetiva, os pacientes

conseguem visualizar aspectos positivos de sua vida presente ou de projetos futuros

(por exemplo, um paciente que afirme que não consegue identificar no momento

nenhum objeto ou evento que o motive a continuar vivendo, pode escolher itens que

representem a realização de um projeto ou evento futuro - um lugar que deseja

conhecer ou uma experiência que deseja ter).

Da mesma forma, a pessoa ou família enlutada pode construir

coletivamente um livro de memórias com histórias sobre momentos vividos, com

57

cartas, fotos e desenhos feitos por cada um de seus integrantes para a pessoa

falecida (WORDEN, 2013).

Worden (2013) também cita, entre outras técnicas para o trabalho com

enlutados:

• Uso de símbolos: pedir para que o enlutado traga fotos da pessoa falecida,

por exemplo, cria um senso de proximidade com a pessoa morta e ajuda o terapeuta

ater mais clareza sobre quem o enlutado perdeu. Outros objetos pessoais do ente

falecido, como cartas, áudio ou roupas, também podem ser usados.

• Escrita: escrever uma carta para expressar algo ou se despedir da pessoa

falecida ou um diário para registrar a experiência de luto são recursos interessantes.

• Desenho: pode ser um recurso útil, especialmente com crianças enlutadas.

• Imagens dirigidas: A técnica de visualizar, com o apoio do terapeuta, o ente

querido em uma cadeira vazia e expressar o que precisa ser dito pode ser uma

técnica muito significativa para expressar sentimentos que não puderam ser ditos

antes do falecimento ou sentimentos que surgem durante o processo de luto.

Ainda de acordo com Worden (2013), a reestruturação cognitiva pode ser

indicada nos processos de luto em decorrência de possíveis pensamentos

encobertos e da fala interna que constantemente se estabelece diante de um

evento tão traumático. Ao ajudar o cliente a identificar esses pensamentos e fazer o

teste de realidade acerca de sua validade ou supergeneralização, o

terapeuta pode ajudar a diminuir os sentimentos disfóricos acionados por crenças

disfuncionais como: “Nunca mais me sentirei feliz”.

O pensamento distorcido é outra característica encontrada dentre os sobreviventes de vítimas de suicídio. Com muita frequência, em particular em crianças, têm a necessidade de ver o comportamento da vítima não como suicídio, mas como morte acidental. O que se desenvolve é um tipo de comunicação distorcida nas famílias. A família cria um mito sobre o que realmente aconteceu (WORDEN, 2013, p. 132).

Alguns autores acreditam que os sobreviventes precisam aceitar a

realidade do suicídio para que sejam capazes de trabalhá-lo. Usar palavras claras

com eles, tais como ‘se matou’ ou ‘se enforcou’ pode facilitar isso. As pessoas que

testemunharam o suicídio às vezes são atormentadas por imagens intrusivas da

cena e demonstram sofrimento e outros sinais de TEPT (CALLAHAN, 2000).

Outra tarefa importante é corrigir distorções e redefinir a imagem do

falecido, trazendo-a mais próxima da realidade. Muitos sobreviventes enlutados

58

tendem a ver a vítima ou como totalmente boa ou como totalmente má, cuja ilusão

precisa ser desafiada (WORDEN, 2013, p. 133). Neste caso, o autor sugere que o

terapeuta explore fantasias de futuro do sobrevivente enlutado acerca de como a

morte o afetará no futuro. Se houver dados de realidade nestes questionamentos,

Worden (2013) sugere que sejam explorados também os meios de lidar com essa

realidade, abordando questões que os sobreviventes têm, tais como: ‘Quando eu

tiver filhos, como vou poder contar a eles que o tio deles se matou?’

Worden (2013) aponta ainda a importância de se trabalhar sentimentos de

raiva e abandono, bem como incentivar que o sobrevivente enlutado use a frase

‘morreu por suicídio’ no lugar de ‘cometeu suicídio’, a qual conota um estigma mais

criminalizado, pois só se comete “crime ou pecado”. Também neste sentido, uma

matéria recente do Huffington Post (https://www.huffpostbrasil.com/entry/mental-

health-language-committed-suicide_l_5aeb53ffe4b0ab5c3d6344ab) defende que “o

termo ‘cometeu suicídio’ é prejudicial porque para muitas pessoas, se não a maioria,

evoca associações com ‘cometeu um crime’ ou ‘cometeu um pecado’ e faz pensar

em algo moralmente repreensível ou ilegal”, de acordo com Jacek Debiec.

Basso e Wainer (2011) reforçam que é fundamental que o terapeuta

respeite e adapte-se ao funcionamento do paciente enlutado e demonstre empatia,

evitando confrontar de forma direta as crenças do paciente para desenvolver o

processo terapêutico satisfatoriamente. É importante que já no início da terapia o

terapeuta consiga oferecer suporte e acolhimento, criando um vínculo empático no

processo. O terapeuta deve facilitar a expressão dos sentimentos associados à

perda do ente querido, observando todas as implicações que ela traz ao

paciente, considerando ainda as crenças que o paciente enlutado tenha acerca da

morte e seus pensamentos disfuncionais.

Além disso, é recomendável que possam diminuir as alterações emocionais, pois o enlutado encontra-se num estado frágil, vulnerável e desorganizado, tanto em níveis cognitivos como fisiológicos, motores e comportamentais (BASSO E WAINER, 2011, p.40).

Os serviços de apoio devem fornecer muitas oportunidades

estruturadas e informais para os sobreviventes aprenderem mais sobre o suicídio e

colocar a morte numa perspectiva mais ampla. Apresentações psicoeducacionais,

materiais de leitura e discussões com profissionais de saúde mental e outros

sobreviventes podem ser úteis neste processo. A discussão de habilidades

59

específicas de enfrentamento e estratégias interpessoais para lidar com o estigma e

a vergonha deve ser oferecida, e intervenções voltadas diretamente para a rede

social mais ampla devem ser incluídas sempre que possível. Este último pode incluir

materiais psicoeducacionais e grupos de apoio.

Em relação ao silêncio que cerca o suicídio, existem grupos de apoio criados especificamente para as famílias e amigos daqueles que se mataram. Esse tipo de grupo de apoio exerce papel particularmente importante para aquelas pessoas que não se permitiram vivenciar o conforto obtido a partir de comunicação aberta com familiares e amigos (WORDEN, 2013, p. 93).

Considerando que a maioria das técnicas encontradas no levantamento

de dados são recomendadas para o luto em geral, sugere-se que o terapeuta

cognitivo-comportamental utilize sua criatividade e sua sensibilidade para adaptá-las

à demanda do cliente em relação ao luto por suicídio.

Por meio de uma busca por artigos científicos internacionais sobre luto

por suicídio e terapia cognitivo comportamental, foram encontrados os seguintes

dados:

Linde et al (2017), em uma revisão sistemática sobre intervenções no luto

por suicídio, referem que uma das pesquisas analisadas apontou que uma

intervenção cognitivo-comportamental foi eficaz na prevenção de luto complicado,

mas apenas para um subconjunto de participantes com altos níveis de ideação

suicida no início. De acordo com o trabalho:

Uma intervenção que é baseada no conceito cognitivo-comportamental de luto complicado e contém elementos de psicoeducação, aprimoramento do processamento emocional, comunicação familiar, habilidades de resolução de problemas e consolidação de recursos de apoio parece ser um método promissor para evitar luto complicado. em um grupo de alto risco de pessoas enlutadas pelo suicídio (tradução nossa).

Wittouck et al (2014) fizeram um estudo com 83 sobreviventes enlutados

por suicídio para verificar os efeitos de uma psicoeducação baseada TCC sobre

depressão, luto complicado e fatores de risco de suicídio em sobreviventes de

suicídio. Nos resultados, os autores perceberam que embora não houvesse um

efeito significativo sobre o desenvolvimento de reações complicadas de luto,

depressão e fatores de risco de suicídio entre os sobreviventes de suicídio, a

intervenção pode, no entanto, servir como aconselhamento de apoio para os

sobreviventes de suicídio (tradução nossa).

60

Não se pode esquecer do impacto do suicídio nos profissionais:

Embora a perda de um paciente como resultado do suicídio possa representar um tipo de rito de passagem, cuja superação atesta a força do terapeuta e sua adequação para realizar o trabalho da profissão, para muitos terapeutas esse evento tem impacto a longo prazo e pode influenciar todo o seu trabalho futuro. Alguns terapeutas tendem a tentar aprofundar seus conhecimentos sobre o tema do suicídio, demonstrando mais cuidado em manter registros de seus casos e tornando-se mais atentos e capazes de identificar e tratar pacientes em risco. Outros, em vez disso, podem se inclinar a prescrever mais drogas do que o necessário, insistem na admissão de pacientes para evitar incorrer em um novo luto traumático. Para reduzir os riscos associados ao luto do terapeuta, o treinamento preparatório específico e o apoio do supervisor, colegas, família ou grupo de autoajuda são de fundamental importância. Desta forma, a busca de respostas não leva ao desespero, mas ao crescimento pessoal e profissional, talvez descobrindo um sentido mais profundo da vida (RATKOWSKA ET AL, 2014, p. 113, TRADUÇÃO NOSSA).

Por ser um tabu, o profissional também pode ter dificuldade para

encontrar um espaço para falar do seu próprio luto. De acordo com Guedes (2018,

p. 90), “há uma dificuldade de se encontrar espaços onde esses profissionais se

sintam autorizados a validar suas experiências, em que possam expressar suas

emoções e seus pensamentos ao vivenciarem a perda de um cliente por suicídio”. A

autora propõe questionamentos importantes:

O que sente um psicólogo que perdeu um cliente por suicídio? O que pensa? Que tipo de vínculo havia estabelecido com o cliente no processo terapêutico? Após a morte, o contato com a família se deu em um tom de respeito e receptividade mútua ou o sistema familiar responsabilizou o profissional pelo acontecimento? Este, por sua vez, culpa-se por não ter conseguido evitar a morte? Conseguiu ou teve vontade de participar dos rituais fúnebres? Reconhece o próprio pesar frente à perda e consegue expressá-lo para alguém? Tem medo do julgamento de seus pares? (GUEDES, 2018, p. 90-91).

Finalizando este tópico, deixamos em aberto o convite para futuros

trabalhos abordando a questão do luto do profissional quando perde um paciente por

suicídio.

Partiremos para a discussão do trabalho.

61

5. DISCUSSÃO

Ao longo deste percurso, apresentou-se e discutiu-se diferentes aspectos

relacionados às especificidades do luto por suicídio. Com base neste estudo,

acredita-se que a futura construção de um protocolo de manejo do luto por suicídio

se faz necessária. A intervenção para estes casos, de acordo com as necessidades

de cada cliente, poderia abarcar as técnicas dirigidas para o manejo de luto, bem

como a avaliação diagnóstica para TEPT, luto complicado e depressão, entre outros,

para melhor adesão e tratamento do paciente.

Para embasar nossa discussão, utilizou-se como ponto de partida os

direitos dos sobreviventes enlutados por suicídio descritos na introdução para

apresentar sugestões para este cuidado:

- Vivenciar o processo de luto à sua maneira e dentro do tempo que for

necessário. A psicoeducação deve abarcar conteúdos acerca do processo de luto e

do modelo cognitivo do suicídio, explicando ao enlutado que por este ser um evento

multideterminado, não é possível afirmar que uma única alteração fosse capaz de

impedir a perda de seu familiar. Validar a experiência única de cada enlutado e

normalizar o sofrimento durante o processo de luto de um ente querido pode ser o

início do processo. Como Parkes (2009, p. 12) propõe: "Amor é o laço psicológico

que vincula uma pessoa a outra por um longo período. Uma vez estabelecido, esse

vínculo dificilmente poderá ser afrouxado, e alguns estudiosos afirmam mesmo que

nunca poderá ser totalmente rompido [...] [...] as pessoas não são substituíveis e

cada novo relacionamento será único, por si. Por esse motivo, o valor de cada

pessoa que amamos é incalculável”.

- Saber a verdade sobre o suicídio; poder ver o corpo do falecido, caso deseje,

e de organizar o funeral de acordo com suas próprias crenças e rituais. O

TEPT (Transtorno de Estresse Pós-traumático) pode ser desencadeado a partir da

cena do suicídio; por outro lado, as fantasias sobre a causa e a concretude da morte

podem persistir quando o contato com a realidade é evitado. Os rituais fúnebres têm

a função de permitir um tempo para a aceitação da perda contando com o suporte

social. Mesmo tendo passado algum tempo da morte, o sobrevivente enlutado pode

criar rituais que favoreçam seu processo de luto. Como costuma ser explorado nos

grupos de apoio para sobreviventes, uma importante crença a ser desenvolvida é

62

compreender que o ente querido não deve ser lembrado apenas por sua morte, mas

sim com tudo o que sua vida propiciou, pelos momentos vividos e pelas memórias

que ficaram.

- Compreender o suicídio como resultado de várias causas interrelacionadas

que produziram uma dor insuportável para seu ente querido falecido: o

suicídio não é simplesmente uma escolha. O modelo cognitivo do suicídio traz a

possibilidade de explicar didaticamente ao sobrevivente enlutado toda a

multicausalidade por trás do evento.

- Viver da melhor forma que for possível, com alegria e tristeza, livre de

estigma ou julgamento. Como apresentado na introdução do trabalho, a TCC conta

com uma variedade de técnicas que podem ser aplicadas no manejo do luto. O

treino de habilidades sociais, a ativação comportamental, o questionamento

socrático, a autocompaixão, o mindfullness e as técnicas de relaxamento são

exemplos de importantes recursos utilizados na TCC que podem fazer diferença

para a reestruturação cognitiva e o cuidado do sobrevivente enlutado.

Recentemente, Videira (2018) apresentou um estudo que comprovou a eficácia da

Terapia Focada na Compaixão em grupo no cuidado para pacientes com TEPT. Um

projeto piloto a partir de um retiro de mindfullness voltado para pessoas enlutadas foi

publicado em 2019 (SCOCCO ET AL, 2019). Os autores sugerem que “o processo

de não julgamento constitui a essência de aceitar a experiência da pessoa.

Consequentemente, esse tipo de intervenção pode ser especialmente eficaz para os

sobreviventes de suicídio que são menos propensos a aceitar experiências, como a

perda de uma pessoa amada” (tradução nossa). Novas formas de intervenção

surgem para auxiliar as pessoas a lidarem com seu sofrimento.

- Respeitar a própria privacidade, bem como a do falecido. A assertividade é

uma habilidade essencial para que o sobrevivente enlutado possa falar sobre seu

ente querido quando e da forma que desejar, ao mesmo tempo em que consegue

colocar limites em falas e comportamentos de outros que julgue inadequados ou

prejudiciais ao seu processo de luto. Conseguir diferenciar atitudes passivas ou

agressivas daquelas que são essenciais para o bem-estar, com assertividade, pode

ser compreendido como uma habilidade essencial para o enlutado.

- Encontrar e contar com o apoio de parentes, amigos, colegas e

sobreviventes, bem como de profissionais que têm conhecimento e

discernimento acerca da dinâmica do processo de luto, dos fatores de risco

63

potenciais e das consequências práticas do ato suicida. O terapeuta deve

utilizar estratégias que possam auxiliar o paciente a ampliar sua rede de apoio, bem

como incentivar sua participação em grupos de apoio para sobreviventes enlutados

e ainda sugerir leituras pertinentes durante este período. Acreditamos que estas são

intervenções importantes que um terapeuta qualificado poderá fazer.

- Entrar em contato com o profissional de saúde mental (se houver) que tratou

a pessoa falecida. Caso as dúvidas acerca dos últimos atendimentos do ente

querido sejam fator de angústia, o terapeuta poderá intermediar o contato para

esclarecê-las, respeitando o sigilo e os limites do outro profissional.

- Não ser considerado como um potencial candidato ao suicídio ou como um

paciente de saúde mental a priori. Embora as pesquisas apontem que existe um

risco maior de suicídio ou de desencadear um transtorno psiquiátrico, o terapeuta

deve manter-se atento às especificidades de cada sobrevivente enlutado, sem

generalizar.

- Colocar, caso deseje, suas experiências a serviço de outros sobreviventes,

cuidadores e todos aqueles que procuram compreender melhor o suicídio e o

luto por suicídio. As atividades escritas propostas durante as sessões individuais,

por exemplo, podem ser o começo de uma nova forma de ressignificar sua

experiência. Muitos livros e blogs foram criados por sobreviventes enlutados como

forma de expressar e compartilhar seu processo de luto com outras pessoas. Livros

como “Sem tempo de dizer adeus” (FINE, 2018) e o blog Nomoblidis

(www.nomoblidis.com.br) são materiais escritos por sobreviventes que têm ajudado

a muitos outros enlutados e ainda ajudado profissionais a compreender esta questão

de forma mais aprofundada.

- Não ser cobrado (ou não exigir de si mesmo) a voltar a ser a pessoa que era

antes: há uma vida antes e uma vida depois do suicídio. Durante todo o

processo, o paciente deve compreender que uma parte significativa de suas crenças

sobre o mundo, sobre si mesmo e sobre a vida foram afetadas pelo impacto da

perda e que ressignificá-las demanda o tempo de um processo que é individual.

Dutra e outros (2018) referem que “o impacto da morte súbita em

decorrência do suicídio é um fato que provoca mudanças funcionais em um sistema

familiar, pois rompem drasticamente o seu equilíbrio sem que se possua um

entendimento concreto da situação”. Considerando que a terapia cognitivo-

comportamental também faz intervenções em casais e famílias e nos casos de luto

64

por suicídio é fundamental compreender ainda como cada membro da família

compreende os motivos do suicídio e de que forma elabora seu luto.

Finalmente, é importante frisar que o terapeuta também deve avaliar suas

próprias crenças em relação ao suicídio para não se perder em meio às suas

próprias cognições. O autocuidado, por meio da supervisão, da terapia pessoal e do

respeito aos próprios limites são aspectos fundamentais do trabalho, não somente

nos casos de luto por suicídio, mas em todos os contextos de atuação.

65

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo conhecer as possibilidades da aplicação da

Terapia Cognitivo-Comportamental no luto por suicídio, tanto no que se refere à

compreensão da abordagem sobre o comportamento suicida e luto, bem como

propôs fazer uma revisão acerca das técnicas da TCC para estas questões.

A terapia cognitivo-comportamental tem dados empíricos que comprovam

sua eficácia no tratamento de diferentes quadros de sofrimento emocional. Acredita-

se que a teoria ainda tenha muito mais a contribuir, na medida em que agrega

diferentes intervenções para cuidar de quadros complexos. Como visto, o manejo

adequado do luto por suicídio pode englobar diferentes estratégias voltadas para as

necessidades específicas do enlutado.

No que se refere ao objetivo específico de pesquisar as especificidades

do luto por suicídio, observou-se que a maioria dos estudos refere características

específicas deste tipo de perda, como um luto de duração prolongada e maior

incidência de casos de luto complicado. Os dados analisados ao longo do trabalho

apontam a importância de dedicar maior atenção aos sobreviventes enlutados, que

muitas vezes precisarão de psicoterapia como suporte durante o processo de luto.

Ao analisar e discutir produções científicas (nacionais e internacionais)

acerca do tema, como proposto para segundo objetivo específico do estudo,

observou-se que o manejo terapêutico do luto por suicídio ainda é pouco detalhado

em pesquisas.

Considerando que o terceiro objetivo específico do trabalho foi propor

intervenções específicas para o manejo do luto por suicídio na abordagem da

Terapia Cognitivo-Comportamental, apresentamos na discussão algumas sugestões

específicas para contribuir com esta discussão.

Entre os dados pesquisados, não se encontrou um amplo leque de

técnicas sugeridas especificamente para o manejo do luto por suicídio na

abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental de Beck.

Como sugestão, propõe-se que o terapeuta cognitivo-comportamental

leve em consideração as especificidades do luto por suicídio e tenha a sensibilidade

e o cuidado de investigar e aplicar as técnicas que são reconhecidas como padrão

ouro no manejo do luto, dedicando também neste processo sua empatia, gentileza e

compaixão. Outros estudos aprofundando a temática também serão bem-vindos.

66

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72

ANEXO

Termo de Responsabilidade Autoral

Eu, Luciana França Cescon, afirmo que o presente trabalho e suas devidas

partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da responsabilidade

autoral sobre seu conteúdo.

Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de

Conclusão de Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob

o título “Especificidades do manejo do luto por suicídio na terapia cognitivo-

comportamental”, isentando, mediante o presente termo, o Centro de Estudos em

Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC), meu orientador e coorientador de

quaisquer ônus consequentes de ações atentatórias à "Propriedade Intelectual",

por mim praticadas, assumindo, assim, as responsabilidades civis e criminais

decorrentes das ações realizadas para a confecção da monografia.

São Paulo, de de .

Assinatura do (a) Aluno (a)