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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Ana Carolina Stefanini Leone UM ESTUDO DO GAM (Grupo de Animação Missionária) COMO INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA: SUPERANDO PENSAMENTOS ABISSAIS? Americana 2017

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Ana Carolina Stefanini Leone

UM ESTUDO DO GAM (Grupo de Animação Missionária) COMO

INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA: SUPERANDO PENSAMENTOS

ABISSAIS?

Americana

2017

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Ana Carolina Stefanini Leone

UM ESTUDO DO GAM (Grupo de Animação Missionária) COMO

INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA: SUPERANDO PENSAMENTOS

ABISSAIS?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu - Mestrado em

Educação, do Centro Universitário Salesiano de

São Paulo - UNISAL, Campus Maria

Auxiliadora, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Educação, sob a

orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luisa Amorim

Costa Bissoto.

Americana

2017

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ANA CAROLINA STEFANINI LEONE

UM ESTUDO DO GAM (Grupo de Animação Missionária) COMO INTERVENÇÃO

SOCIOCOMUNITÁRIA:SUPERANDO PENSAMENTOS ABISSAIS?

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, como

parte dos requisitos para a obtenção do

título de Mestre em Educação – área de

concentração: Educação Sociocomunitária.

Linha de pesquisa:

A intervenção educativa sociocomunitária:

linguagem, intersubjetividade e práxis.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luisa

Amorim Costa Bissoto.

A sessão pública de Defesa de Dissertação foi realizada utilizando-se da ferramenta virtual

denominada Skype, defendia e aprovada em 18 de abril de 2017, pela comissão julgadora:

_______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Luisa Amorim Costa Bissoto - Orientadora

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

_______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lívia Morais Garcia Lima – Membro interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo– UNISAL

_______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria da Conceição Pinto Antunes – Membro externo

Universidade do Minho – Braga - Portugal

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Para todos que acreditam no trabalho voluntário e missionário, que apesar de ser uma pequena

gota nas mudanças necessárias no mundo, pode desmistificar conceitos, reduzir preconceitos e

construir novos referenciais, para si e para sua coletividade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da minha vida, por caminhar comigo, por me carregar no colo quando

foi preciso. Por me fazer encontrar a face de Cristo em cada encontro de missão durante esse

tempo de trabalho.

Aos meus pais, Ana e Milton, pelo apoio em todas as minhas decisões, por serem os

maiores torcedores das minhas conquistas, por me mostrarem todo dia o significado do amor.

A toda minha família, minha base, referência dos valores mais significativos que carrego

comigo.

As minhas avós Zila e Lai pelas orações, energias positivas, pelo amor incondicional.

As professoras da banca, Conceição pelas contribuições e enriquecimento deste trabalho

e Lívia por me fazer conhecer e me encantar pela Animação Sociocultural.

A minha orientadora, Malu, a quem sou eternamente grata. Obrigada por me trazer tanta

bagagem para me tornar alguém melhor. Pelo carinho, afago, puxões de orelha, como uma mãe

zelosa, que me proporcionou o amadurecimento pessoal e intelectual. Que nossa parceria não

termine aqui, mas continue pela vida.

Aos amigos de todas as horas, aqueles que a vida me deu de presente. A Marina, pelas

partilhas de uma vida... Denise e Fifo por serem os melhores amigos e ouvintes que alguém

poderia ter , Anderson pelas inquietantes conversas filosóficas, pela empatia, por me ensinar que

o silêncio também diz muito.

Aos amigos de mestrado, Anamélia, Gisele, Wellington, Helaine, Bianca, Lilian, Ana

Cláudia, Daniele,Mara. Nos apoiamos, aprendemos uns com os outros, sonhamos juntos... A

vocês minha admiração e carinho.

A Vaníria pela atenção, amizade e paciência.

Aos participantes desta pesquisa, que junto comigo construíram um percurso reflexivo

em amor as missões e aos preceitos de Dom Bosco.

A todos os membros do GAM, que assim como eu acreditam na transformação social.

Em especial a aqueles que participaram do início de tudo e que são meus maiores exemplos de

missionários: Sandy, Soraia, Marta, Robert e Mariângela.

A Stela, por todo o material que me disponibilizou, você foi meu anjo da guarda.

A todos que estiveram na expedição missionária no Peru, em especial Sofia, Diego,

Daniel, Milagros, Renan, Jéssica, Irmão Zezo, P. Juan Pablo, Nina, Alana, Marina, William...

por viverem comigo uma das experiências mais lindas da minha vida. Gratidão.

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A Edgar Meza...que no céu esteja olhando por nós na certeza que mostrou em vida que

Deus nos colocou no mundo para os outros.

A Dani e ao Tito pela pronta amizade e disponibilidade no auxilio com o espanhol.

Aos professores Severino Antonio, Daner, Camilo e Renata, pelas sempre instigantes

colocações. Obrigada por me inquietarem sempre e me ensinarem que é preciso sempre buscar

novas perspectivas.

Aos meus ―filhos‖ de Pastoral da Universidade pela alegria que partilham comigo dia a

dia, e aos salesianos que me mostraram todo amor e respeito aos que mais precisam e o senso de

justiça e dignidade a todos como nos ensinou Dom Bosco.

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―Toda informação é válida, seja ela adquirida pelas universidades ou por experiências de vida, o

conhecimento é fruto da busca e está em constante metabolismo e crescimento, a diversidade

alimenta, o contato com outras culturas enriquece‖. (PRAVATO, 2007, p.03)

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RESUMO

A presente dissertação, pautada na filosofia e nas atividades das missões salesianas, tem como

objetivo analisar o trabalho do GAM (Grupo de Animação Missionária) e sua prática nas Ações

Missionárias Salesianas, baseadas na educação, no diálogo, na experiência de comunidade, no

amor e na religião, como sinal de esperança e da novidade sempre viva de Deus. Espera-se que o

missionário coloque à comunidade suas qualificações, por meio de grupos de trabalho, troca de

experiências, de partilha de vida, celebrações, visitas às famílias, oficinas, formações e

atividades socioeducativas. Propõe-se como problemática discutir a prática do voluntariado

salesiano e suas possíveis relações com a superação do pensamento abissal, apresentado por

Boaventura de Sousa Santos (2010), que se define como as linhas divisórias no conhecimento

considerado ―real‖ (visível), pautado pela ciência, contraposto ao conhecimento incomensurável

(invisível), das opiniões, crenças, subjetividades. A hipótese é a de que o voluntariado exercido

no GAM, por buscar promover trocas interculturais e uma sensibilização para o outro, pode

colaborar para a superação desta forma dicotômica de pensar, que tem fomentado exclusões e

marginalização social, uma vez que reifica um modo de conceber e tramar a realidade. O

objetivo, então, é analisar se as experiências de intervenção sociocomunitárias desenvolvidas no

GAM, especialmente nos anos de 2015-2016, auxiliam na superação das ―linhas abissais‖, que

delimitam e ―justificam‖ a desigualdade social. Metodologicamente, é uma pesquisa qualitativa,

na modalidade participante, que teve como instrumentos de coleta de dados: a observação

participante, registradas em diário de campo, questionários e entrevistas, realizados com os

voluntários e com a comunidade atendida. O referencial teórico se fundamenta nas obras do

sociólogo Boaventura de Sousa Santos e nas conceituações de pós-colonialismo e

desenvolvimento comunitário, bem como no conceito de animação sociocultural. Como

resultados, espera-se verificar se o trabalho do GAM constitui-se numa perspectiva

emancipatória e de transformação social, mediada pela discussão do pensamento abissal,

expondo a necessidade de – e colaborando para a sistematização de fundamentos teóricos para -

construirmos vivências que favoreçam a emersão de formas menos desiguais de vida em

sociedade, numa ecologia de saberes.

Palavras-chave: Pensamento Abissal. Desenvolvimento Comunitário. Voluntariado Missionário

Salesiano. Educação sociocomunitária.

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RESUMEN

En la presente disertación, basada en la filosofía y en las actividades de las misiones salesianas,

tienen como objetivo evaluar el trabajo del GAM (Grupo de Animación Misionera) y su práctica

en las Acciones Misioneras Salesianas, basadas en la educación, en el diálogo, en la experiencia

de comunidad, en el amor y en la religión, como señal de esperanza y de la novedad siempre

viva de Dios. Se espera que el misionario demuestre a la comunidad sus calificaciones, entre

grupos de trabajo, cambios de experiencia, compartir la vida, celebraciones, visitas a las familias,

talleres, formaciones y actividades socioeducativas. Se propone como problema la práctica del

voluntariado salesiano y sus posibles relaciones del pensamiento abismal, presentado por

Boaventura de Sousa Santos (2010), que aquel que define como las líneas divisorias en el

conocimiento inconmensurable (invisible), de las opiniones, creencias, subjetividades. La

hipótesis es la de que el voluntariado ejercido en el GAM, por buscar promover cambios

interculturales y una sensibilización para el otro, puede contribuir para la superación de esta

forma dicotómica de pensar, que tiene fomentado exclusiones y marginalización social, una vez

que rectifica un modelo de conceber y tramar la realidad. El objetivo, entonces, es evaluar si las

experiencias de intervención sociocomunitárias desarrolladas en el GAM, especialmente en los

años de 2015 – 2016, auxilian en la superación de las ―líneas abismales‖, que delimitan y

―justifican‖ la desigualdad social. Metodologicamente, es una investigación cualitativa, en la

modalidad participante, que tuvo como instrumentos de colecta de dados: la observación

participante, registradas en diario de campo, cuestionarios, entrevistas, realizados con

voluntarios y con la comunidad atendida. El referencial teórico se fundamenta en las obras del

sociólogo Boaventura de Sousa Santos y en las concepciones del pos-colonialismo y desarrollo

comunitário, así como en el concepto de animación sociocultural. Como resultados, se espera

verificar si el trabajo del GAM constituye en una perspectiva emancipatória y de tranformación

social mediada por la discusión pensamiento abismal, exponiendo la necesidad de- y

construyendo para la sistematización de fundamentos teóricos para – construimos vivencias que

favorezcan la inmersión de formas menos desiguales de vida en sociedad, en una tecnología de

saberes.

Palabras-clave: Pensamiento Abismal. Desarrollo Comunitário. Voluntariado Misionário

Salesiano. Educación sociocomunitaria.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Perspectivas da prática comunitária segundo Rothman.................................48

Quadro 2: Os GAM na Inspetoria de São Paulo..............................................................72

Quadro 3: Cronograma de atividades da missão em Jundiaí/2015..................................74

Quadro 4: Características dos respondentes dos questionários........................................94

Quadro 5: Dados demográficos dos entrevistados...........................................................95

Quadro 6: Score dos participantes do questionário sobre Qualidade de vida..................102

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mística com a temática perdão realizada em Jundiaí/2015............75

Figura 2: Visita às casas – Diálogos de portão..............................................76

Figura 3: Visita às casas – Observação da realidade.....................................77

Figura 4: Oratório – Desenhando com os menores........................................77

Figura 5: Oratório – Jogando com os jovens.................................................78

Figura 6: Boa tarde – Teatro Menina Bonita do Laço de Fita.......................79

Figura 7: Artesanato – Porta treco com pote de sorvete................................79

Figura 8: Artesanato – Enfeites de natal com lantejoula e isopor..................80

Figura 9: Celebração – Adoração ao Santíssimo............................................80

Figura 10: Celebração – Celebração eucarística.............................................81

Figuras 11, 12 e 13: Cidade de Calca – Jogos e brincadeiras.........................83

Figura 14: Atravessando os pontos de alagamento durante o percurso..........84

Figuras 15 e 16: Recepção em Quebrada Honda...........................................85

Figuras 17,18,19 e 20: Quebrada Honda........................................................86

Figura 21: Artesanato na praça de Quebrada Honda......................................88

Figuras 22 e 23: Brincadeiras com as crianças em Quebrada Honda.............88

Figuras 24 e 25: Oficinas de artesanato e culinária brasileira em uma escola

Local................................................................................................................89

Figura 26: Oficina sobre Projeto de vida – Adolescentes da escola local.......90

Figuras 27 e 28: Visitas, benção e celebração nas casas de Quebrada Honda

e comunidades vizinhas...................................................................................91

Figuras 29 e 30: Missa de encerramento do projeto Missionário em

Quebrada Honda..............................................................................................92

Figuras 31 e 32: Recordações do projeto missionário.....................................93

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 15

PARTE 1

OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS, PENSAMENTO ABISSAL E PÓS-ABISSAL -

CONCEITUAÇÕES

21

1.1 CONEXTUALIZANDO O COLONIALISMO E O PÓS-COLONIALISMO:

ALGUMAS CONCEPÇÕES INTRODUTÓRIAS..............................................................

22

1.1.1 O orientalismo de Edward Said .................................................................................. 24

1.1.2 O pensamento de Homi Bhabha .................................................................................

1.1.3 O pensamento de Gayatri Spivak ...............................................................................

1.2 PÓS-COLONIALISMO: EUROCENTRISMO, IDEOLOGIA E IDENTIDADE .......

1.3 O PENSAMENTO ABISSAL ......................................................................................

26

29

30

34

1.4 O PENSAMENTO PÓS-ABISSAL: A ECOLOGIA DE SABERES E O

MULTICULTURALISMO .................................................................................................

PARTE 2

38

DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO: OLHARES E CONCEPÇÕES ............. 42

2.1 DEFINIÇÕES DE COMUNIDADE E DESENVOLVIMENTO ................................

2.2 DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO – TRAÇANDO CONCEITUAÇÕES ..

42

46

2.3 A ESSENCIALIDADE RELACIONAL DO SER HUMANO E A QUESTÃO DAS

CAPACIDADES ................................................................................................................

50

2.4 A ÉTICA E A INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA ..................................................... 54

2.5 FUNDAMENTOS DAS INTERVENÇÕES COMUNITÁRIAS: O

EMPODERAMENTO E A SOLIDARIEDADE ................................................................

59

2.6 INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA: O PROCESSO DE ANIMAÇÃO

SOCIOCULTURAL ...........................................................................................................

PARTE 3

O TRABALHO DO GAM (GRUPO DE ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA): A

INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA COMO POSSIBILIDADE DE

SUPERAÇÃO DO PENSAMENTO ABISSAL ..............................................................

63

68

3.1 AS CONCEPÇÕES DE VOLUNTARIADO E O GAM ............................................

3.1.1 As missões Salesianas – A expedição, o GAM e seus caminhos percorridos .....

3.1.1.1 A rotina de um trabalho missionário – realidades de Jundiaí e do Peru .........

69

70

73

3.2 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA ..........................................

3.3 DA METODOLOGIA: A PESQUISA QUALITATIVA, A OBSERVAÇÃO

PARTICIPANTE, O QUESTIONÁRIO E A ENTREVISTA ..........................................

3.4 ANÁLISE DOS DADOS ..............................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................

94

96

101

118

REFERÊNCIAS.................................................................................................................

APÊNDICE A – Guião de observação participante .......................................................

APÊNDICE B – Termo de consentimento informado ...................................................

APÊNDICE C – Entrevista ..............................................................................................

ANEXO A– Questionário sobre a concepção da qualidade de vida .............................

121

128

129

130

132

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MEMORIAL

Acredito que na nossa vida tudo tem um propósito. Estudei em um colégio Salesiano desde os

meus quatro anos de idade. Na construção dos meus valores pessoais, Dom Bosco se fez presente

por meio do ensino que vivi no colégio Dom Bosco, mas, criança que era, não entendia a

significação da Amorevolezza, conceito central na salesianidade, sem tradução original, mas que

pode significar na língua portuguesa carinho, bondade.

Com 15 anos iniciei o percurso como missionária, numa equipe de alunos do ensino

médio, que junto com alguns outros, já formados, pertencentes ao GAM (Grupo de Animação

Missionária), realizava por uma semana um trabalho voluntário a cada semestre, tendo como

motivação o trabalho social e a evangelização em uma determinada comunidade. Nesse percurso

de missões a Ana tímida e silenciosa, que eu era, passou a ser uma menina mais comunicativa,

porque agora entendia que um dos fundamentos de Dom Bosco era se utilizar da alegria, que

dava mais valor às pequenas coisas da vida, entendendo que se dispor ao outro na tentativa de

poder ajudá-lo era o que ela queria como meta de vida.

Segui por outros caminhos e em 2010 iniciei uma graduação em Química na UFSCar, na

cidade de São Carlos. Sem me identificar com as aulas de cálculo e as horas de laboratório

regressei para Americana e meu caminho se cruzou novamente com os Salesianos no que se

refere ao ensino, já que mesmo distante não me desvinculei do trabalho missionário.

Depois de pensar em estudar farmácia e fisioterapia, eu fui escolhida pela pedagogia. Em

2010 ingressei direto no segundo semestre de pedagogia no Unisal em Americana e comecei a

entender o porquê diferentes caminhos tinham me levado à área da educação.

As inseguranças foram muitas já que não me via, como todos os meus amigos de sala,

lecionando para crianças. Mas quanto mais o tempo passava mais o campo da educação fazia

sentido e eu não pensava em me separar daquilo.

Também pude vivenciar o voluntariado missionário dentro de um centro universitário,

nos mesmos moldes do trabalho realizado pelo GAM, porém realizado em finais de semana.

No início de 2013, decidida a continuar trabalhando na área educacional, mas numa

vertente empresarial, especificamente em recursos humanos, fui convidada a trabalhar na

pastoral do Unisal.

Aqui no Unisal, que hoje considero minha segunda casa, pude também realizar a pós-

graduação em psicopedagogia, e vivenciar o trabalho pastoral, auxiliando a disseminar a

pedagogia salesiana e os valores aos professores, alunos e colaboradores.

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Em 2013, através de um convite da professora Regiane, então coordenadora do curso de

pedagogia, fui para Portugal apresentar o trabalho realizado pela Pastoral da Universidade na

Universidade do Minho, num evento organizado pelo Programa de Mestrado em Educação

Sociocomunitária, e coordenado pela professora Maria Luisa Bissoto (Malu). Lá, vivi

experiências e trocas de conhecimento que me fizeram ter a certeza que o meio acadêmico, os

estudos, aprofundar-se, era o que eu queria.

Em 2014 ingressei como aluna especial do Mestrado em Educação Sociocomunitária no

Unisal em Americana. A Malu, minha professora na graduação, entusiasta desta primeira viagem

a Portugal, realizada em 2013, e hoje minha orientadora deste trabalho, me auxiliou no processo

de construção de um projeto que englobasse minhas duas maiores paixões, o trabalho

missionário salesiano e a educação.

Como pesquisadora busco mostrar que o ajudar ao próximo, a valorização do indivíduo,

das suas bases culturais, e a percepção da busca pela justiça social devem integrar fortemente o

meio acadêmico e não ser apenas lembrado como forma rasa de assistencialismo.

Espero que essa pesquisa colabore no entendimento de que todos nós, humanos, de

diferentes formas, precisamos superar os pensamentos abissais presentes no nosso dia a dia para

a busca de um mundo melhor.

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INTRODUÇÃO

Dom Bosco, fundador da congregação Salesiana, voltou seu olhar para a expansão de

seu trabalho a partir de um sonho:

Mas o que teve real influência em sua decisão foi o sonho sobre a Patagônia, tido em

1871 ou 1872. Estava em uma grande planície, em cujas extremidades se

encontravam montanhas. Nela havia turbas de homens de aspecto feroz que a

percorriam caçando animais ou combatendo contra soldados. Vieram missionários

que tentaram, sem êxito, converter aquelas tribos. Finalmente vieram os salesianos,

precedidos por um grupo de jovenzinhos. E foram bem recebidos pelos indígenas.

Procurou conhecer quem eram os homens a quem seus missionários se dirigiam no

sonho. Foi o encontro com o cônsul argentino em Savona, Giovanni Battista

Gazzolo, que lhe esclareceu tratar-se de indígenas da Patagônia (FERREIRA, 2013).

As missões salesianas nasceram em 1875, quando São João Bosco enviou um grupo de

dez missionários para a Patagônia argentina. A filosofia de ação do missionário salesiano

volta-se à juventude, especialmente aquela desfavorecida. Fundamenta-se na educação,

pautada no diálogo, amor e religião. É necessário que os destinatários deste projeto sejam

acolhidos com afeto, com um olhar alegre e otimista da realidade, sem, no entanto, se

esquecer de uma perspectiva realista da vida e dos problemas, com constância e sensibilidade.

A denominação de Grupo de Animação Missionária (GAM) surgiu em 2001,

atualizando-se seu formato estruturante, fortalecendo-se a convivência grupal, formações

temáticas e ações missionárias em comunidades vulneráveis, ao longo do ano. Pretende-se

que o missionário, universitário e/ou graduado, coloque à comunidade suas qualificações

profissionais e pessoais; por meio de grupos de trabalho, troca de experiências, celebrações,

visitas às famílias das comunidades, oficinas e atividades socioeducativas, promovendo o

intercâmbio voluntário-comunidade, numa via de mão dupla.

Segundo Gillet (2006) o significado de animação pode delimitar-se a definição de P.

Waichman (2000) ao termo recreación enquanto sistema complementar à escola, sobretudo

enquanto atividade voluntária ou escolha na qual ―o participante gera aprendizagem de vida e

não somente aquelas que dizem respeito à sua própria atividade‖, gerando neste sentido um

processo de liberação do indivíduo ao longo de sua vida e sobre seus aspectos.

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Assim, pode-se ultimar que o GAM enquanto grupo de animação tem sua definição

intimamente ligada ao conceito de animação sociocultural como explicita Jean-Claude Gillet

(2006) ao definir que:

A animação está, portanto, integralmente vinculada à noção de participação, que

significa intervir, agir, envolver-se numa base de motivação acrescida pelo fato de

participar de um projeto, de uma ação ou mesmo de uma simples atividade. Sem um

processo participativo não existe animação. É o que explica J.V Merino Fernández

ao mencionar que a participação não se resume numa ideia, mas também numa ação

que implica uma atitude positiva e uma esperança que recusa ao fatalismo frente a

vida. (GILLET, 2006, p.27).

Mais a frente nesta dissertação se realizará uma abordagem mais profunda sobre a

temática da Animação Sociocultural explicitando o caráter prático das atividades do GAM,

grupo parte do Voluntariado Missionário Salesiano.

O Voluntariado Missionário Salesiano é fundamentado no Sistema Preventivo

Salesiano, e que parte das experiências da pedagogia do amor - como é conhecida, e diz que:

na mente de Dom Bosco e na tradição salesiana, o Sistema Preventivo tende sempre

mais a identificar-se com o espírito salesiano: é, ao mesmo tempo, pedagogia,

pastoral, espiritualidade, que associam numa única experiência dinâmica,

educadores (como indivíduos e como comunidade) e destinatários, conteúdos e

métodos, com atitudes e comportamento nitidamente caracterizados

(SCARAMUSSA;FILHO, 2003, p.03).

Propõe-se, nessa dissertação, uma discussão entre a prática do voluntariado salesiano e

o pensamento abissal, apresentado por Boaventura de Sousa Santos (2010).

A termologia abissal surge da geografia, referência a abismo, abismal, nome das

grandes profundezas dos oceanos e lagos, daquilo que constitui a parte mais profunda da

Terra, a zona abissal do oceano. Em sentido figurado, a termologia caracteriza o imenso,

descomunal.

O pensamento abissal de Santos (2010) é aquele que marca um sistema de distinções

invisíveis e visíveis na realidade social, criando ―nichos‖ excludentes. Pelo pensamento

abissal definem-se, dentre outras, linhas divisórias no que é tido como o conhecimento real

(visível), pautado pela ciência, contrapostos ao conhecimento incomensurável (invisível), das

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opiniões, crenças, subjetividades, estabelecendo territórios de exclusão por tramar a realidade

reificando alguns saberes e modos de constituição de vida, anulando outros.

A hipótese é que a prática do voluntariado salesiano, desenvolvida sob a consciência

das exclusões cotidianas por todos nós praticadas, traduzidas no conceito de pensamento

abissal, pode colaborar para a superação desse pensamento, entrelaçando culturas e realidades

distintas, numa ótica humanista. Essencial para que desenvolvamos um pensamento pós

abissal.

As atividades missionárias do GAM trazem, para o mesmo espaço, contexto e relações

pessoais de diferentes lados da realidade social: estudantes do ensino superior, no Brasil ainda

representantes da elite do país, pois somente cerca de 16% da população entre 18-24 anos

chega às universidades, segundo dados do SEMESP – Sindicato das mantenedoras do Ensino

Superior (2015), e comunidades situadas na periferia de cidades previamente escolhidas pela

Inspetoria Salesiana de São Paulo. Essa escolha busca atender solicitações de intervenções

comunitárias, efetivadas pelo GAM, por membros das comunidades nacionais e

internacionais. Dessa forma, mais do que retratar a exclusão abissal, acreditamos que a ação

missionária tenha como características a congregação de seres humanos, numa perspectiva de

justiça social, podendo ser uma forma de se transpor a dicotomização abissal.

Em um trecho do livro Pedagogia do oprimido, Paulo Freire retrata essa posição:

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em

comunhão... Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se

engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos,

superando, assim, sua convivência com o regime opressor. Se esta descoberta não

pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece

fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério

empenho de reflexão, para que seja práxis... Os oprimidos, nos vários momentos de

sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e

histórica de ser mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende,

erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem

(FREIRE,2005,p.52).

A ideia de realizar esta investigação ocorreu devido a esta pesquisadora participar da

Equipe Missionária, ainda no Ensino Médio, cursado em uma escola salesiana, desde 2004 e

ingressar no GAM no ano de 2007. Por fazer parte deste trabalho, conhecendo-o em suas

especificidades, tem-se a crença de se fazer necessário o aprofundamento teórico-reflexivo

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destas ações missionárias, visto que já se constituíram num movimento sólido dentro dos

Salesianos, e durante todo o tempo em que está sendo realizado já atingiu muitas

comunidades de todo o país, inclusive também em outros países, mas que carece de uma

análise teórica epistemológica de suas ações, com vistas a promover sua historicidade e

aperfeiçoamento.

Citando Boaventura,

Nesta forma de conhecimento conhecer é reconhecer, é progredir no sentido de

elevar o outro da condição de objeto à condição de sujeito. Esse conhecimento-

reconhecimento é o que designo por solidariedade. Estamos tão habituados a

conceber o conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os

outros que é difícil imaginar uma forma de conhecimento que funcione como

princípio de solidariedade (SANTOS, 2000).

Para que uma percepção de mundo baseada no bem comum realize sua emersão é

imprescindível que possa se fazer presente a escuta e o diálogo, como apresenta Bissoto

(2012) na definição de Educação Sociocomunitária:

A Educação Sociocomunitária, antes do que mais uma subdivisão ou uma

especialização da educação, deve ser entendida como um processo: aquele de escuta

– e assim de trazer à tona, de favorecer a emersão- das diferentes vozes que

compõem as múltiplas educações, que vão nos configurando- construindo a nossa

subjetividade- enquanto vamos sendo inseridos nas malhas de relações sociais, que

constituem o viver. A escuta atenta destas vozes, colocá-las em diálogo, levantando

a discussão de suas contradições e ideologias, é fundamental para que tenhamos uma

tessitura da realidade mais crítica e emancipatória (BISSOTO, 2012, p. 62).

O que se propõe nesta investigação é, então, analisar as ações realizadas no GAM,

eminentemente práticas, embora alicerçadas nos princípios filosóficos da salesianidade,

discutindo a natureza do seu caráter educativo, e problematizando-o no seguinte sentido:

Podem ser consideradas como incorporando uma perspectiva de intervenção e de educação

sociocomunitária, como acima citado? E, nesse caso, é possível entender que assim se

colabora para a superação do pensamento abissal?

O principal objetivo desta pesquisa é, mediante o exposto, realizar um estudo, por

meio da escuta e da observação das experiências de jovens integrantes do GAM na vivência

do Voluntariado Salesiano, e dos sujeitos das comunidades atendidas, visando verificar se as

atividades do GAM, como pretendido, se constituem como uma intervenção

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sociocomunitária, favorecedora que tanto os missionários, como os sujeitos das comunidades

visitadas, reelaborem seus contextos de vida, (re)pensando a forma como organizam seu

cotidiano a partir de diferentes referências culturais, vivenciadas durante as atividades

missionárias, incorporando saberes plurais, construindo um percurso reflexivo sobre o

perpassar as linhas de exclusão social, que tantas vezes se mostram invisíveis. Essa proposta

justifica-se pelo seu intento de sistematizar a complexidade do voluntariado, na visão de

pessoas que fizeram a escolha por se tornarem agentes missionários, verificando também se

essa proposição pode ser um caminho para a superação do pensamento abissal e,

consequentemente, para uma mudança de percepção na visão de mundo dos sujeitos, tanto dos

missionários como das comunidades visitadas, colaborando na busca pela transformação

social, por meio da defesa de que precisamos percebermo-nos como vivendo numa ecologia

de saberes.

Essa pesquisa tem caráter qualitativo, na modalidade de pesquisa participante, fazendo

uso dos seguintes instrumentos de coleta de dados: a. questionário sobre a concepção da

qualidade de vida, elaborado pela ONU (Organização das Nações Unidas) através da OMS

(Organização Mundial da Saúde), no ano de 1996, no âmbito de programas educacionais

voltados à valorização da saúde mental, aplicado às pessoas da comunidade e integrantes do

grupo missionário, que participaram das duas intervenções estudadas nesta pesquisa, em

janeiro de 2015, na cidade de Jundiaí, interior do estado de São Paulo e em janeiro de 2016,

no Peru, em um vilarejo chamado Quebrada Honda; b. entrevista com líderes comunitários,

integrantes do GAM e responsáveis pelas atividades missionárias, em nível estadual, também

participantes diretos destas ações realizadas em 2015 e 2016 e c. observação participante em

campo, por estar in loco nas duas ações aqui analisadas. Esperamos que a triangulação desses

instrumentos, tramada pelo aporte dos referenciais teóricos, favoreça construir uma análise

coesa das atividades do GAM, no sentido dos objetivos aqui pretendidos.

A dissertação se divide em três partes. A primeira parte abrange as conceituações de

pós-colonialismo, pensamento abissal e pensamento pós-abissal. Se faz pertinente

aprofundarmo-nos nestas três conceituações para que, posteriormente, se analise se a prática

do GAM pode auxiliar na superação do pensamento abissal, um dos objetivos desta pesquisa.

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Na segunda parte se definem os conceitos de desenvolvimento e comunidade, as

definições de desenvolvimento comunitário e, consequentemente, de intervenção comunitária,

empoderamento e solidariedade.

Na terceira descrevemos um histórico do GAM e suas práticas, visando mais bem

compreender o objeto de estudo. Também explicita-se todo o percurso metodológico feito

para a realização da pesquisa, juntamente com a análise dos dados colhidos nos anos de 2015

e 2016, dentro do contexto das práticas missionárias. A análise de dados foi feita pelos

pressupostos do referencial teórico baseado em Boaventura de Sousa Santos, principalmente

no que tange ao pensamento abissal e sua possibilidade de superação, nas conceituações de

educação sociocomunitária, e também nos conceitos de desenvolvimento e de intervenção

comunitária.

Como resultados esperamos contribuir para que o voluntariado missionário salesiano

possa ser um instrumento de auxílio na ruptura do pensamento abissal, representando, por

meio de sua óptica humanista numa perspectiva de intervenção e de educação

sociocomunitária, a efetivação do pensamento pós-abissal.

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PARTE 1

OS ESTUDOS PÓS–COLONIAIS, O PENSAMENTO ABISSAL E PÓS-ABISSAL -

CONCEITUAÇÕES

Nesta primeira parte, apresentamos um breve histórico e definições dos estudos pós-

coloniais, aproximando-nos do pensamento abissal, teorizado pelo sociólogo português

Boaventura de Sousa Santos. A partir destas perspectivas, abordaremos o pensamento pós-

abissal e suas possibilidades no que tange à superação do pensamento abissal.

Iniciando pela explanação do conceito do colonialismo, naquilo que se refere ao

escopo deste trabalho, trazemos as discussões sobre a teoria pós-colonial, no âmbito dos

estudos de Said, que defende que a dominação da colônia também afeta os modos de conhecer

do colonizado, de produzir e validar o conhecimento, disseminá-lo e controla-lo; de Spivak,

que aborda o silenciamento dos colonizados, em uma perspectiva de que suas vozes se

apagam ao longo do percurso construtivo histórico, deixando vazão apenas ao discurso

dominante colonizador, e Bhabha, argumentando que as fronteiras, inclusive aquelas

ideológicas, se constituem como espaço de articulação do conceito de entre-lugar, de ―meia-

existência‖. Apesar dos três pensadores formarem a matriz do pensamento pós-colonial,

também valer-se-á dos textos de Stuart Hall e do próprio Boaventura de Sousa Santos,

naturalmente, viabilizando a crítica sobre a forma com que é empregado o conceito de pós-

colonialismo.

Posteriormente, tratamos do pensamento abissal e suas definições, apresentadas por

Santos, no intuito de que diante da discussão desse conceito se possam fazer válidas as

argumentações sobre a superação deste pensamento, por meio do trabalho realizado pelo

GAM (Grupo de Animação Missionária), abordado no capítulo três, e a consequente

possibilidade de enquadramento desta prática como intervenção sociocomunitária.

Na finalização da primeira parte será abordada a descrição do próprio Boaventura

sobre o pensamento pós-abissal, ou pós-abismal, que aborda o que se faz necessário para a

superação deste.

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1.1 CONTEXTUALIZANDO O COLONIALISMO E O PÓS-COLONIALISMO:

ALGUMAS CONCEPÇÕES INTRODUTÓRIAS

Do latim colonus, pessoa instalada numa nova terra, o colonialismo é uma forma de

imposição de uma nação sobre a outra, uma forma de dominação forçada de um espaço, seja

por exploração de recursos ou povoamento de terras, ou por meio da cultura e da linguagem

de um povo sobre o outro. É também a denominação de um período, neste caso

especificamente a partir do século XVI, que foi marcado pela apropriação do mundo pelas

potências europeias e, posteriormente, pelos Estados Unidos, essencialmente por meio da

exploração econômica e do controle político/ideológico.

Ainda, abordando as questões conceituais, podemos entender a relação de

colonialismo e capitalismo através da definição de Ferreira:

A expansão europeia do século XVI tem o colonialismo como seu componente

central e são as relações de produção e acumulação primitiva e demais processos

históricos engendrados nesse contexto que tornaram o capitalismo possível como

"modo de produção". Por outro lado, o capitalismo estendeu as relações coloniais

sobre o espaço e as formas sociais, atualizando-o como componente estrutural de

seu próprio sistema e amplificando de forma nunca antes vista sua dimensão e

significado, tornando-o onipresente na história das diferentes sociedades

(FERREIRA,2014,p.255).

Considera-se que este período colonial, que se iniciou no século XVI, caracterizou-se

como um processo de intensa exploração das colônias, não somente no que tange à busca

desenfreada de matérias primas, como ouro, pedras preciosas, especiarias e demais recursos

minerais e agrícolas palpáveis, que trariam riquezas particularmente às nações dominantes,

como também a exploração daqueles que ali já viviam e até então eram proprietários daquele

território, por meio do monopólio do ser humano em forma de escravidão. Os colonizados

perderam sua autonomia dentro do seu próprio território e, sobretudo, ouso dizer, grande parte

de sua identidade cultural.

O processo colonizador é marcado sobretudo pelas múltiplas formas e dimensões de

colonização: econômica, social, cultural, política e ideológica. Para Santos

A modernidade ocidental foi simultaneamente um processo europeu - dotado de

mecanismos poderosos, como liberdade, igualdade, secularização, inovação

científica, direito internacional e progresso- e um processo extra-europeu - dotado de

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mecanismos não menos poderosos, como colonialismo, racismo, genocídio,

escravatura, destruição cultural, impunidade, não-ética da guerra. Um não existiria

sem o outro (SANTOS, 21/08/2006, Opinião, Folha de SP).

Afirmando essa posição, Warren (2010, p.23) expõe que:

enquanto imigrantes europeus tiveram terras, mercados para seus produtos, trabalho

e acolhimento, nos primórdios da colonização, estendendo-se em muitos casos à

contemporaneidade, negros, indígenas e seus descendentes não tiveram nem terra,

nem possibilidade concreta de trabalho livre e, menos ainda, reconhecimento social

e político, com implicações na autoestima.

Quando abordamos o conceito de pensamento abissal, apresentado por Boaventura de

Sousa Santos (2010), se faz necessário para seu entendimento a compreensão da grande

influência colonial, não apenas no campo territorial, mas, acima de tudo, no campo ideológico

e intelectual. A dominação do pensamento hegemônico, que se torna senso comum devido à

sua expansão, faz com que territórios colonizados, como o Brasil, assumam, no mais das

vezes acriticamente, as ideologias do colonizador, mesmo em um período denominado pós-

colonialismo, em que territorialmente poder-se-ia denominar ex-colônias como ―livres‖.

Originalmente, o conceito pós-colonial surgiu para nomear a época de pós-guerra, em

que se deu início a independência de espaços até então dominados pelos europeus, uma

resolução de ordem cronológica para indicar a nova realidade histórica que se desenhava.

Apenas em meados dos anos de 1970 foi que o conceito alcançou sua criticidade,

quando diferentes pensadores se utilizaram dele para discutir os efeitos reais da colonização,

com uma pluralidade de definições e pontos de vista políticos, geográficos, históricos,

culturais e subjetivos. Como afirma Stuart Hall (2003, p. 56):

[...] o ―pós-colonial‖ não sinaliza uma simples sucessão cronológica do tipo

antes/depois. O movimento que vai da colonização aos tempos pós-coloniais não

implica que os problemas do colonialismo foram resolvidos ou sucedidos por uma

época livre de conflitos. Ao contrário, o ―pós colonial‖ marca a passagem de uma

configuração ou conjuntura histórica de poder para outra. [...] No passado, eram

articuladas como relações desiguais de poder e exploração entre as sociedades

colonizadoras e as colonizadas. Atualmente, essas relações são deslocadas e

reencenadas como lutas entre forças sociais [...] no interior da sociedade

descolonizada, ou entre ela e o sistema global como um todo.

Conceitualmente, o termo pós-colonial foi se substanciando nos anos de 1980. Apesar

de não haver uma teoria única para este, o que ocorre é a construção de epistemologias, como

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as epistemologias do Sul, que abrangem diferentes paradigmas e percepções analisando nas

diversas atividades sociais a relação de poder e dominação, na tentativa de superação da

legitimação na construção do conhecimento.

Michael Payne (1996, s/p) ao se referir sobre o sentido das diferenças da categoria

pós-colonial, estrutura o seguinte pensamento:

Estructurados sobre la base de la diferencia, los estúdios post colonial es siempre

tienen la obligación, señalada por Gayatri C. Spivak y otros teóricos, de examinar

continuamente la relación entre las distintas formaciones post coloniales —y de

hacerlo sin assumir ni su coincidencia a pñorí (em el sentido de que una pueda

representar a la outra em el mundo académico) ni su discontinuidad radical apriori

(em el sentido de que sus diferencias deben ser teorizadas).

Entendendo, que apesar das particularidades históricas da realidade de cada localidade

colonizada, o significativo neste caso é entender de forma ampla as reflexões da colonização

do assim denominado, já numa perspectiva negativa de valores, ―Terceiro Mundo‖ e as

relações entre colonizados e colonizadores aí transcorridas e que ainda vigoram.

1.1.1 O orientalismo de Edward Said

O princípio da elaboração do palestino Edward Said é um elo entre a teoria crítica

ocidental e as análises anticoloniais. O autor argumenta que em um processo de colonização

não ocorre apenas a dominação territorial, mas também a do discurso de dominação, uma

violência epistêmica. Em sua obra Orientalismo (1978), determina o conceito de fomentação

no Oriente das referências de civilização e da cultura material europeia, tida como dominante

e hegemônica.

A discussão de Edward Said sobre o orientalismo reflete a proposição dos estudos pós-

coloniais, como escreve Sergio Costa (2006, p.86):

[...] O orientalismo caracteriza, assim, um modo estabelecido e institucionalizado de

produção de representações sobre uma determinada região do mundo, o qual se

alimenta, se confirma e se atualiza por meio das próprias imagens e conhecimentos

que (re)cria. O oriente do orientalismo, ainda que remeta, vagamente, a um lugar

geográfico, expressa mais propriamente uma fronteira cultural e definidora de

sentido entre um nós e um eles, no interior de uma relação que produz e reproduz o

outro como inferior, ao mesmo tempo que permite definir o nós, o si mesmo, em

oposição a este outro, ora representado como caricatura, ora como estereótipo, e

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sempre como uma síntese aglutinadora de tudo aquilo que o nós não é e nem quer

ser.

Apoia-se na conceituação de Michael Foucault e a aliança entre poder e saber, em que

o discurso não pode ser considerado verdadeiro em si, mas deve ser pensado de forma

conjunta às condições econômicas, históricas e socioculturais de um dado contexto. Foucault

afirma que a historicidade mostra a formação do ser humano por meio do poder, porque a

construção dos discursos traçados como verdadeiros e corretos advém, primeiramente, dos

poderes políticos e econômicos. Ou seja, se pensarmos na coletividade, o discurso que a

ordena são as ideias provindas da classe que domina as ideologias, como forma de controle da

sociedade. Segundo o autor:

(...) suponho que em todas as sociedades a produção do discurso é ao mesmo tempo

controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu

acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e terrível materialidade (FOUCAULT,

2010, p. 9).

A disseminação dos discursos, relata Foucault, por ocorrer de forma ágil e

indiscriminada, faz com que estes se camuflem e, posteriormente, se perpetuem, ocasionando

a influencia do comportamento humano social: ―O poder produz saber (...), não há relação de

poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não

constitua ao mesmo tempo relações de poder‖ (FOUCAULT, 2010, p.30).

Said apoia-se na conceituação de poder e saber de Foucault para defender que a

autoridade colonial se faz mantenedora de discursos geradores de generalizações e, dessa

forma, formatadores, dos pensamentos da coletividade como um todo.

No entanto, diferente de Foucault, Said diz que a dominação não é um fenômeno

arbitrário, mas consciente e intencional, advindo dos indivíduos e dos imperativos

institucionais.

Em uma busca pelo reconhecimento da valorização da dignidade humana, Said buscou

em sua teorização a eliminação da dicotomia entre Ocidente e Oriente, e, consequentemente, a

valorização das diferentes culturas, sociedades e tradições, no imperativo de ir além das

relações conflitivas e desiguais entre as culturas, que marcam uma das formas de dominação

ideológica do colonialismo.

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A visão de Said sobre o intelectual, tanto colonizador como aquele colonizado, é a de

que o posicionamento de ambos deva ser comprometido e responsável com as preocupações

de seu tempo e lugar, não ignorando a dominação e suas armadilhas. Aponta que:

Para mi el hecho principal consiste en que el intelectual es un individuo(...) cuya

tarea es (...) confrontar la ortodoxia y el dogma (envoy, de producirlos),y ser alguien

(...) cuya razón de ser es representar a todas aquellas personas y ternas que

normalmente se olvidan o sobre las cuales se corre un velo. El intelectual cumple

esta tarea apoyándose eu una conducta universalista acerca de la libertad y la justicia

contra los poderes mundanos y los de las naciones, y en el deber de declararse y

luchar valerosamente en contra de las violaciones tanto deliberadas como

indeliberadas de estas normas (SAID, 1994, p.9).

Said se preocupa essencialmente com que os colonizados e oprimidos detenham o

direito de descrever suas tradições e memórias, sua historicidade e suas experiências.

1.1.2 O pensamento de Homi Bhabha

O indiano Homi Bhabha atualizou as conceituações sobre o pós-colonial. A partir de

1983, deixando de lado as dicotomias apresentadas pelos demais pensadores até então, ele

aborda as noções de ambivalência, hibridez e imitação, na busca pela resistência à dominação.

O conceito de ambivalência apresenta como temas a ―imitação‖ e a

―ambivalência/paródia‖, significando o que o colonizado faz do colonizador, ocorrendo assim,

ao mesmo tempo, a dupla articulação entre semelhança e ameaça, ou seja, a sustentação dessa

ambivalência psíquica pode trazer ao colonizado, por um lado, o trauma relacionado ao

preconceito, por exemplo, de se ver desejando ser branco por influência do pensamento

dominante, porém, por outro lado o reconhecimento e a resistência dos discursos dominantes,

desestabilizando-os.

A imitação pode ser representada, segundo Bhabha (1998, p.87) pelo homem mímico,

conceito de Macaulay (1835) que diz: ―Ahora debemos hacer todo lo posible para crear una

clase que pueda ser intérprete entre nosotros y los millones que gobernamos; una clase de

personas, índio sensu sangre y color, pero ingleses em su gusto, opiniones, moralidad,

intelecto‖.

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A ideia da ambivalência, como o tema da imitação, também apresenta a dualidade de

que quando o colonizado é influenciado a imitar seu colonizador não é apenas um ato, eles

não podem ser considerados iguais, e, consequentemente, seguem apenas sendo uma

representação parcial, um simulacro, do colonizador. No entanto, não se refere a uma ameaça

aberta de oposição feita pelo colonizado, mas sim à concretização da ideia de que o

colonizado nem apresenta uma identidade própria, nem assume, verdadeiramente, aquela que

o faria semelhante ao colonizador. O que também remete, pela impossibilidade de viver nessa

tensão, a um redesenho das relações culturais, que pode ser um caminho para contestar

hierarquias de poder.

Bhabha vai elucidar que mesmo o dominador, que se denomina autoridade, pode ter

uma cultura hibridizada, em termos identitários, já que, segundo o autor, em sentido estrito,

toda cultura compõe e suporta identidades híbridas. Segundo o autor:

[...] O hibridismo não tem uma tal perspectiva de profundidade ou verdade para

oferecer: não é um terceiro termo que resolve a tensão entre duas culturas, ou as

duas cenas do livro, em um jogo dialético de ―reconhecimento‖. [...] O hibridismo é

uma problemática de representação e de individuação colonial que reverte os efeitos

da recusa colonialista, de modo que outros saberes ―negados‖ se infiltrem no

discurso dominante e tornem estranha a base de sua autoridade – suas regras de

reconhecimento. (BHABHA, 1998, p. 165).

As principais críticas feitas às proposições desse autor, por Costa (2006), se referem

ao fato de que, se os processos de imitação e ambivalência são involuntários e inconscientes,

como apontados por Bhabha, o colonizado não teria autonomia para buscar uma contra-

alocução, ficando impossibilitado de sair da situação de dominado, e também à maneira vaga

em que as concepções por ele teorizadas são sistematizadas.

Em sua obra ―O local da cultura‖, Homi Bhabha também inicia uma discussão sobre a

nova realidade espaço-tempo, que estamos vivenciando na contemporaneidade, diante de uma

crescente fluidez das relações sociais e do fluxo de acontecimentos, meios de comunicação,

pessoas, etc. A complexidade desta realidade está enraizada no contexto pós-colonial de

comunidades em que, ―apesar de histórias comuns de privação e discriminação, o intercâmbio

de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo

ser profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável.‖ (BHABHA, 1998, p. 20).

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O conceito de ―entre-lugar‖, estabelecido por Bhabha, está conexo ao posicionamento

dos grupos subalternos em relação ao poder e consequentemente suas táticas para efetivação

do empoderamento. Estes posicionamentos suscitam ―entre-lugares‖ nos âmbitos comunitário,

social e político.

O sujeito do ―entre-lugar‖, por se colocar em posição de fronteira entre diferentes

esferas sociais, obtém visibilidade das estruturações de poder e sabe/aprende a realizar o

realinhamento dos limites de espaço e tempo e, como aspira Bhabha, faz com que o ―além‖

seja um ―espaço de intervenção no aqui e no agora‖. Nesta narrativa do ir além, Bhabha

afirma que:

residir ―no além‖ é ainda […] ser parte de um tempo revisionário, um retorno ao

presente para redescrever nossa contemporaneidade cultural; reinscrever nossa

comunidade humana, histórica; tocar o futuro em seu lado de cá. Nesse sentido,

então, o espaço intermédio ―além‖ torna-se um espaço de intervenção no aqui e no

agora (BHABHA, 1998, p. 27).

A principal elaboração de Bhabha, quando aborda o entre-lugar, é corroborar com a

ideia de inovação de identidades, fazer entender que este espaço de construção identitária é

intersticial, e como tal colabora para um processo de transformação e transposição de

sentidos, onde o sujeito não se coloca mais no que era, de forma imutável, mas também não se

torna totalmente outra coisa:

O afastamento das singularidades de ―classe‖ ou ―gênero‖ como categorias

conceituais e organizacionais básicas resultou em uma consciência das posições do

sujeito – de raça, gênero, geração, local institucional, localidade geopolítica,

orientação sexual – que habitam qualquer pretensão à identidade no mundo

moderno. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de

passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar

aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças

culturais. Esses ―entre-lugares‖ fornecem terreno para a elaboração de estratégias de

subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e

postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de

sociedade. É na emergência dos interstícios – a sobreposição de domínios da

diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação [nationness], o

interesse comunitário ou o valor cultural são negociados. De que modo se forma

sujeitos nos ―entre-lugares‖, nos excedentes da soma das ―partes‖ da diferença

(geralmente expressas como raça/classe/gênero, etc.)? (BHABHA, 1998, p.19-20).

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1.1.3 O pensamento de Gayatri Spivak

Spivak é originária de Calcutá, na Índia. Mulher que viveu em uma nação colonizada,

que sofreu a subalternidade, busca defender a representatividade e a autonomia dos

subalternos. Diferentemente de Said e Bhabha, sua teoria está centrada no contra-discurso e

na novidade do aparecimento dos conceitos de ―sujeito feminino‖ e ―subalterna‖. Com menor

preocupação na reinterpretação do colonialismo em sua historicidade, ela prioriza a

criticidade em relação às teorias neocoloniais no mundo acadêmico atual.

Como definição de sujeito feminino a autora aborda que:

Entre o patriarcado e o imperialismo, a constituição do sujeito e a formação do

objeto, a figura da mulher desaparece, não em um vazio imaculado, mas em um

violento arremesso que é a figuração deslocada da ―mulher do Terceiro Mundo‖,

encurralada entre a tradição e a modernização (SPIVAK,2010, p.157).

E os sujeitos subalternos são definidos como: “as camadas mais baixas da sociedade

constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e

legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante” (2010,

p.14).

A ênfase do seu pensamento está em defender que o imperialismo colonial afetou os

colonizados não apenas política e economicamente, mas também na construção das

subjetividades, por meio da edificação das narrativas históricas, geográficas, de gênero e

psicológicas, que sedimentaram concepções quanto a ―inferioridade‖ dos colonizados.

Utiliza-se essencialmente do conceito de violência epistêmica. Assim, apesar de haver

definições distintas em relação a esse conceito, porém inter-relacionadas, pode-se afirmar que

o conceito de violência epistêmica no contexto pós-colonial representa o saber do colonizador

como aquele balizador das interpretações de mundo dos sujeitos, o que tem efeitos materiais

na construção da realidade, criando e sustentando um paradigma intelectual de inferioridade

do colonizado em relação ao colonizador. Exemplos desta violência são as ―comprovações

científicas‖ da inferioridade da raça negra ou indígena, da mulher, o relegar a um plano de

―fantasia‖ as filosofias presentes nos mitos criadores das culturas dominadas, substituindo-as

pela ―verdade‖ dos conhecimentos físico-matemáticos.

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Considera-se que devido ao perfil reducionista da sociedade atual, que tende ao

radicalismo de opiniões e posicionamentos ideológicos, o risco representado por essas

concepções é a de que grupos que se anunciam como defensores dos ―subalternos‖, pautados

no racismo, no sexismo, ou no radicalismo religioso, dentre outros movimentos, configurem-

se como novos mecanismos de dominação, percebendo nas lutas pela transformação social

espaços de manter a subalternidade, embora deem a ideia de que a combatam.

1.2 PÓS-COLONIALISMO: EUROCENTRISMO, IDEOLOGIA E IDENTIDADE

Segundo a definição de Boaventura, o pós-colonialismo consiste num conjunto de

correntes teóricas ―que têm em comum darem primazia teórica e política às relações desiguais

entre o Norte e o Sul na explicação ou na compreensão do mundo contemporâneo‖

(SANTOS,2004, p.08). Sendo assim, o conceito se define como relacional, no binômio

metrópole e colônia, e nas desigualdades que essa relação provocou/tem provocado.

A grande crítica que Boaventura apresenta à termologia pós-colonial é a de que, na

prática, o colonialismo ainda não está superado, mas se mantém presente em nossa realidade.

Apesar do fim do colonialismo geográfico, e, pode-se dizer, mesmo político, no que tange às

questões culturais, subjetivas e à ―conformação‖ da mentalidade dos indivíduos, ainda pode-

se perceber o modelo da influência do colonizador, em sua maior parte, de matriz europeia.

Pautada na ideia de linhas geográficas, que separavam os mundos dos colonizadores

daquele dos colonizados, o colonialismo é a representação inicial da chamada ―missão

civilizadora‖ dos primeiros sobre os segundos, constituindo-se como tarefa salvífica, mas que

se efetivou pela imposição, de longo termo, de comportamentos, formas de ser e de pensar, de

um modelo civilizatório considerado superior, sobre outro, tido como inferior. No entender de

Santos e Meneses,

O colonialismo, para além de todas as dominações por que é conhecido, foi também

uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-poder

que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e nações

colonizados, relegando muitos outros saberes para um espaço de subalternidade.

(SANTOS; MENESES, 2010, p.07).

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31

Por se tratar, majoritariamente, de um modelo civilizador de matriz europeia, judaico-

cristã, o processo colonizador deu-se numa dimensão eurocêntrica, inculcando o

eurocentrismo, que nas palavras de Amin pode ser entendido como: ―um universalismo, pois

propõe a todos a imitação do modelo ocidental como a única saída aos desafios do nosso

tempo‖ (AMIN, 1988, p. 08). Um exemplo deste eurocentrismo é o fato de que em 1914 a

Europa detinha aproximadamente 85% das regiões do planeta, mantendo-as em regime de

dependência, quer como possessões ou colônias, mostrando a endêmica relação de autoridade

e poder exercidas nas práticas sociais atuais. Ainda sobre o eurocentrismo, Amin assim se

coloca: ―As manifestações de eurocentrismo, como as de outros fenômenos sociais

dominantes, exprimem-se nos domínios mais diversos das relações cotidianas entre

indivíduos, informação e opiniões políticas, opiniões gerais sobre a sociedade e a cultura, a

ciência social‖ (AMIN, 1988, p. 72)1.

Ainda com base em Santos, esse considera que uma outra fragilidade das teorizações

do pós-colonialismo é que a sustentação do colonialismo interno e do patrimonialismo têm

permanecido em vigor. Mesmo diante dos processos de independência nacional, os países que

foram colônias seguem colonizados, nos espaços públicos e privados, na cultura e nas

mentalidades. No capítulo Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e

interidentidade, Santos(2008) escreve sobre essas questões identitárias:

Esta impregnação colonial do poder, longe de ter terminado com o colonialismo,

continuou e continua a reproduzir-se. Por outras palavras, talvez mais do que em

qualquer outro colonialismo europeu, o fim do colonialismo político não determinou

o fim do colonialismo social, nem nas ex-colônias, nem na ex-potência colonial

(SANTOS, 2008, p. 228).

Ao entender algumas das vertentes dos estudos pós-coloniais e as críticas a elas feitas

é preciso nos conscientizarmos de que é papel fundamental do pesquisador o enfoque na

criticidade, que questiona e descentraliza qualquer tipo de superioridade moral no âmbito

cultural e político, mantenedoras das relações desiguais de poder. Segundo Omar (2007,

p.225):

1 Ses manifestations [celles de l’eurocentrisme], commecelles d’autres phénomènes sociaux dominants,

s’expriment dans les domaines les plus divers:les rapports quotidiens entre individus, l’information et l’opinion

politiques, les opinions generals concernant la société et la culture, la Science sociale.

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Relacionado con esto de manera estrecha está el intento de aportar nuevas

formas de crítica cultural y radical así como una práxis liberadora con la idea de

romper con las ideologias coloniales y promover formas constructivas de

interacción y transformación cultural.

Ao abordar a questão da ideologia é preciso visualizar também seus múltiplos

significados. Segundo Boudon et. al. (1990, p. 233), ideologia pode ser definida como:

No sentido de Destutt de Tracy, seu inventor, o termo "ideologia" é praticamente

sinónimo de "psicologia" no sentido atual. Com Marx, ganha um sentido negativo e

designa as ideias falsas que os homens têm da realidade social. Mais precisamente,

designa as ideias falsas que: 1. incidem sobre o político e o social; 2. se apoiam ou

pretendem apoiar-se no raciocínio e na argumentação científicos.

Prévost (1976, p. 171-172) afirma que ―uma ideologia não é [...] somente um sistema

de ideias mas também um conjunto estruturado de imagens, de representações, de mitos,

determinando certos tipos de comportamentos, de práticas, de hábitos e funcionando [...]

como um verdadeiro inconsciente‖. (PRÉVOST, 1976, p. 171-172, apud, MATA, 2014, p.

30). A ideologia então se revela uma questão identitária, de determinação de valores que o

indivíduo relaciona com o mundo e que, consequentemente, sobrepõe a suas ações. Nas

teorias coloniais e pós-coloniais, que se baseiam na dominação eurocêntrica sobre o ―terceiro

mundo‖, o termo ideologia passou a significar a naturalização da exclusão e da opressão.

A identidade do colonizado/oprimido é o conjunto de suas distintas faces, com sua

história, seu contexto e realidade atual. Segundo Stuart Hall (2004, p. 109),

As identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histórico

com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência. Elas têm a ver,

entretanto, com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da

cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos

tornamos. Têm a ver não tanto com as questões ―quem nós somos‖ ou ―de onde nós

viemos‖, mas muito mais com as questões ―quem nós podemos nos tornar‖, ―como

nós temos sido representados‖ e ―como‖ essa representação afeta a forma como nós

podemos representar a nós próprios.

A identidade assim pode ser denominada não como conceito, mas como processo, que

dialoga com as tradições, mas que é dinâmico em reiterações e transformações. Sobre essa

dinamicidade da identidade o autor argumenta que:

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Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na

modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são,

nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e

posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a

uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e

transformação (HALL, 2000, p.108).

E, ainda sobre identidade, vai dizer que somos feitos de várias formações identitárias,

que são contraditórias e complexas, que se incorporam na formação do indivíduo.

O surgimento destas novas epistemologias coloniais e pós-coloniais, com as

discussões suscitadas, se faz extremamente necessário para a desnaturalização da exclusão e

da homogênea globalização contemporânea, dirigida pelo Ocidente, através da inserção de

diferentes precedentes racionais e culturais. O peruano Cornejo Polar afirma que ―se não o

desenvolvermos nós mesmos, será a crítica mais conservadora que manipulará algumas

categorias, como a da pluralidade, para reforçar as interpretações históricas, sociais e

culturais, que precisamente nos interessa recusar‖ (POLAR, 2000, p. 51).

Assim, discutir o pós-colonial como ideologia é desvelar, afinal, tópicos do discurso

epistemológico cujos paradigmas são marcadamente eurocêntricos, portanto, formular uma

crítica que não omite ―as suas tensões e contradições‖ e ajuda ―a esclarecer a espacialidade

das relações de poder e de dominação‖, ou seja, é percorrer os trilhos que levam a uma

geocrítica do eurocentrismo (VESENTINI, 2012, apud MATA, 2014, p.32).

Apesar de na atualidade o colonialismo ser considerado extinto, suas raízes ainda

aparecem cotidianamente nas relações sociais atuais, em uma sociedade em que o

individualismo e o consumismo parecem estar crescentemente aparecendo como referenciais

de vida. É necessário vislumbrar pensamentos e atitudes que vão contra este fluxo, na busca

pela vida em plenitude, com o desenvolvimento das potencialidades pessoais e coletivas, a

comunicação e o respeito entre aqueles que acima de tudo são seres humanos, em sua

diversidade.

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1.3 O PENSAMENTO ABISSAL

O pensamento abissal, apresentado por Boaventura de Sousa Santos, é aquele que

marca um sistema de distinções invisíveis e visíveis na realidade social, criando ―nichos‖

excludentes. Na argumentação desse autor, um ícone do pensamento abissal é aquele do

pensamento ocidental, que define linhas divisórias, baseada nas chamadas linhas cartográficas

que demarcavam o Velho e o Novo Mundo, demarcadas por uma cultura de colonização e da

exaltação do capital, que é alicerçado no conhecimento real (visível), pautado pela ciência,

filosofia e teologia, que coloca de outro lado o conhecimento incomensurável (invisível),

representado por opiniões, crenças, subjetividades, daqueles que estão ―do outro lado da

linha‖.

Atualmente, estas linhas ainda subsistem no pensamento moderno diante das ainda

excludentes relações culturais e políticas:

Do outro lado da linha não há conhecimento real; há crenças, opiniões, magia,

idolatria, percepções intuitivas ou subjetivas, o que, na maioria dos casos, pode

tornar-se objetos ou matérias-primas para a pesquisa científica. Assim, a linha

visível que separa a ciência de seus outros modelos cresce sobre uma linha invisível

abismal que coloca, de um lado, a ciência, a filosofia e a teologia e, do outro, o

conhecimento imensurável e incompreensível, por não obedecer os métodos

científicos da verdade ou do conhecimento, reconhecidos como alternativos , no

campo da filosofia e da teologia . (SANTOS,2010,p.14).

A problemática central é pelo chamado ―outro lado da linha‖ ser considerado

―inexistente‖. Segundo o autor (SANTOS, 2007, p.71) inexistência significa não existir sob

qualquer modo de ser relevante ou compreensível, gerando assim a ausência dos dois lados da

linha. O universo ―deste lado da linha‖ só prevalece na medida em que esgota o campo da

realidade relevante: para além da linha há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-

dialética.

O campo do conhecimento é aquele que detém uma das mais expressivas linhas

abissais, devido à ciência e sua universalidade, como parâmetros do que é considerado falso e

verdadeiro, mesmo quando relacionado a questões próprias do cotidiano humano, como os

afetos e os desejos.

Santos afirma que há uma ruptura entre as ciências exatas e as demais, visivelmente

demarcada, criando uma fenda que se explica pela ciência poder ser estabelecida ―em relação

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a certos tipos de objetos em determinadas circunstâncias e segundo determinados métodos‖

(SANTOS, 2007, p. 72). O que de fato permeia o outro lado da linha, ou seja, a invisibilidade,

são os conhecimentos populares, leigos, provenientes dos plebeus, dos camponeses e dos

indígenas, que apresentam conhecimentos baseados em crenças, opiniões, magia, idolatria,

entendimentos intuitivos ou subjetivos, e não são considerados sequer como merecedores de

ter alguma categorização de distinção científica, e, sim, apenas a possibilidade de ser parte de

investigações científicas.

O conceito das linhas abissais também pode ser encontrado no campo do direito. A

dicotomia entre o legal e o ilegal não permeia ambientes sem lei, fora da lei, e cria ambientes

e situações ―reconhecidos oficialmente‖. Segundo Pascal, devido à divisão de territórios no

século XVII, a justiça se limitava a ―Três graus de latitude subvertem toda a jurisprudência.

Um meridiano determina a verdade [...]. Singular justiça que um rio delimita! Verdade aquém

dos Pirineus, errado além‖ (PASCAL, 1966, apud SANTOS 2007).

A (des)apropriação e a violência tem presença constante nas linhas abissais jurídicas e

epistemológicas. O estar presente em um espaço de verdadeiro ou falso, e de legalidade e

ilegalidade, traz a condição de subumanidade moderna, a exclusão social de uma determinada

parcela da humanidade. Na modernidade, essas linhas aparecem, dentre outras, através das

discriminações raciais e sexuais, como formas de escravidão e exploração.

Através dos estudos pós-coloniais, anteriormente explicitados neste trabalho, podemos

ter a ideia de que mesmo após o processo de independência, que trouxe determinado patamar

de regulação e emancipação aos colonizados, ainda é palpável o abismo, tendencialmente

crescente, na contemporaneidade, entre colonizador e colonizado, representado por categorias

como ―terrorista‖, ―imigrante‖ indocumentado e ―refugiado‖, que sofrem a inexistência

jurídica e a exclusão social.

Nesse contexto, as linhas abissais passam a ser sinuosas, porque já não se tem a

clareza da separação entre metrópole e colônia. Os viventes que transitam nestas linhas

permutam experiências entre estes dois universos. Sobre as linhas e a modernidade:

De forma mais ampla, parece que a modernidade ocidental só poderá se expandir

globalmente na medida em que viole todos os princípios sobre os quais fez assentar

a legitimidade histórica do paradigma da regulação/emancipação deste lado da linha.

Assim, direitos humanos são violados para que possam ser defendidos, a democracia

é destruída para que se garanta sua salvaguarda e a vida é eliminada em nome da sua

preservação. Linhas abissais são traçadas tanto no sentido literal quanto no

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metafórico. No sentido literal, são linhas que demarcam fronteiras como vedações e

campos de morte; dividem cidades em zonas civilizadas (condomínios fechado sem

profusão) e zonas selvagens, e distinguem prisões como locais de detenção legal e à

margem da lei (SANTOS, 2007, p. 79).

No que se refere também à modernidade podemos pensar, segundo o autor, nas novas

formas de colonização: a ascensão do chamado fascismo social, com relações de poder

desiguais, pautadas no poder econômico, que permitem ao mais forte normatizar o modo de

vida do mais fraco, que se exemplifica de modo tripartite: a. o fascismo do apartheid social,

que cria a divisão entre zonas civilizadas e zonas selvagens, a separação, por exemplo, entre

periferias urbanas e condomínios fechados; b. o fascismo contratual, estabelecendo a

diferença nos contratos de direito civil, ou seja, de trabalho e de bens e serviços. A ocorrência

da massificação das privatizações faz com que o poder de regulação saia das mãos do Estado

para os setores privados: os mais vulneráveis, sem outra opção, se sujeitam a fazer parte de

contratos abusivos, sem a legitimação de seus direitos e o c. o fascismo territorial: a usurpação

de terras e sua privatização, como ocorrem em contextos de territórios com conflitos armados

e de camponeses sem terra.

O imperativo latente que compete o pensar das linhas abissais é identificar a

necessidade de seu reconhecimento e, por conseguinte, a busca pela justiça social sustentada

também por aquela justiça cognitiva, ou seja, não apenas a geração de novas alternativas para

superação da desigualdade, mas também um pensamento que gere novas alternativas de

tessitura da realidade.

Para amparar o surgimento de um paradigma epistemológico-sócio-político, que reflita

transformações e possibilidades além do capitalismo, é preciso entender as sociologias das

ausências e das emergências. De acordo com Santos, pode-se dizer sobre a sociologia das

ausências:

A expansão da ciência moderna como conhecimento-regulação (para o qual o ponto

de ignorância é o caos e o ponto de saber é a ordem) ensejou um processo de

destruição de muitas formas de saber e de ser, o que acabou produzindo silêncios

sociais, onde se tornaram impronunciáveis as necessidades e as aspirações de povos

ou grupos sociais que tiveram suas formas de saber, viver e sentir destruídas,

descredibilizadas ou ridicularizadas. Exemplos disso são os povos indígenas, os de

origem afrodescendente, as mulheres, os gays e lésbicas, os "loucos" ou portadores

de sofrimento psíquico permanente, os trabalhadores empobrecidos pelos processos

de industrialização, expansão capitalista, reestruturação produtiva etc. (SANTOS,

2004, p.05).

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Tais silêncios sociais ocasionaram a estes determinados grupos a ausência social ou

mesmo uma existência desqualificada. Diante disso adquire sentido tratarmos de uma

sociologia das ausências, que tem como papel fundamental identificar os marginalizados, seus

saberes e agentes, legitimando sua existência:

Trazer as ausências para serem presenças, em relação aos modos de ser, viver e

trabalhar, é uma perspectiva que pode abrir horizontes fecundos na busca de

desenhos institucionais alternativos, abertos à partilha de poder, ao mesmo tempo

em que permitam a singularização e a autoria de sujeito individual, reconhecidas nos

espaços públicos onde os atores se encontram para produzir a micropolítica da vida

cotidiana, na ação e no discurso (JOVCHELOVITCH, 2004, p.25).

A sociologia das emergências é caracterizada por vislumbrar as possibilidades, pistas e

tendências de futuro, analisando os sinais do presente, aqueles que por ainda não terem sido

consolidados são desacreditados, analisando questões que apesar de ainda não terem

acontecido manifestadamente, mostram-se emergindo na sociedade. Para Santos ―na

sociologia das emergências temos de fazer uma ampliação simbólica, por exemplo, de um

pequeno movimento social, uma pequena ação coletiva‖ (2007b, p.128), vislumbrando não

um futuro abstrato, mas aquele do qual temos indícios, presentificando o futuro. Embora

tenha que se ter o cuidado também para que, ao fazer a escuta desses indícios, e a partir deles

presentificar o futuro, não se irrompa em outros tantos radicalismos e exclusões. Para isso é

necessário o debate, a discussão dos indícios, o que favorece sua escuta mais atenta, mesmo

dialógica.

Diante de uma realidade latentemente mais abismal, em diferentes contextos,

principalmente no que se refere ao campo do conhecimento, é preciso com urgência

aprofundarmo-nos nesta realidade, desvelá-la e apresentar novas perspectivas e caminhos para

pensarmos novas rotas. Essa é a proposta do pensamento (pós)abissal, exposta mais

detidamente no próximo tópico.

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1.4 O PENSAMENTO PÓS-ABISSAL: A ECOLOGIA DE SABERES E O

MULTICULTURALISMO

Segundo Boaventura de Sousa Santos, o pensamento pós-abissal parte do

reconhecimento de que a exclusão social, no seu sentido mais amplo, assume diferentes

formas, conforme seja determinada por uma linha abissal ou não-abissal, e da noção de que

enquanto persistir a exclusão, definida abissalmente, não será possível qualquer alternativa da

superação dessa situação. Assim, quando refletimos a questão de justiça social, requeremos a

construção de um pensamento pós-abissal, que parte da ideia de que a diversidade do mundo é

inesgotável e continua desprovida de uma epistemologia adequada, afirmando-se que uma

epistemologia, que contemple a diversidade do mundo, está por ser construída (SANTOS,

2007,p.84).

Além do conceito de pensamento abissal, encontramos fundamentalmente o

pensamento pós-abissal, que Boaventura define: ―Como uma ecologia de saberes, o

pensamento pós abismal pressupõe a ideia de uma diversidade epistemológica do mundo,

reconhecendo a existência de uma pluralidade de conhecimentos, além do conhecimento

científico.‖ (SANTOS,2010, p.33).

O encontro e a relação entre o jovem estudante, que busca o conhecimento pautado na

ciência (visível), e a comunidade periférica, que demonstra crenças e opiniões distintas dessa

cientificidade, e que dessa maneira tende a ser considerada invisível, por afastar-se do status

quo, favorece a emersão de contradições e o reconhecimento das diferenças. Consideramos

também, que pelo trabalho de apoio realizado pelo voluntariado salesiano, percebe-se a

possibilidade de superação do abissal, motivado pela vivência de um ideal, que favoreça o

bem comum. Este pensamento, gerado na experiência missionária, pode ser denominado

como não-derivativo, pois abarca uma ruptura com as formas de pensamento e ação mais

tradicionalmente associadas à modernidade científica ocidental. Para que esse tipo de

pensamento emerja, é necessário, porém, elencar algumas condições: a. a concepção radical

de uma co-presença: desmistificar conceituações históricas, que incitam a normalidade entre

as diferenças, por exemplo, entre cristãos e judeus, europeus e selvagens, normal e deficiente,

dentre outras, ou seja, a exclusão oriunda da intolerância; b. o entendimento que o histórico

social colocou a ciência também interligada ao campo das crenças, ou seja, a ciência moderna

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tem seu pertencimento simultâneo ao campo das ideias e ao campo das crenças, se tornando

parte fundante, inclusive, das crenças populares. Assim, segundo Santos, para uma ecologia

de saberes se faz pertinente o cruzamento dos conhecimentos e também das ignorâncias. Não

existe uma unidade de conhecimento, assim como não existe uma unidade de ignorância:

Na ecologia de saberes, a busca de credibilidade para os conhecimentos não-

científicos não implica o descrédito do conhecimento científico. Implica

simplesmente a sua utilização contra-hegemônica. Trata-se, por um lado, de explorar

a pluralidade interna da ciência, isto é, as práticas científicas alternativas que têm se

tornado visíveis por meio das epistemologias feministas e pós-coloniais, e, por outro

lado, de promover a interação e a interdependência entre os saberes científicos e

outros saberes, não-científicos (SANTOS, 2007, p.87-88).

É importante ressaltar que há uma presença significativa do termo incompletude na

ecologia de saberes, entendendo que toda forma de conhecimento é incompleta, pois se deriva

de um conhecimento previamente adquirido e gera outras possíveis portas para novos

conhecimentos:

É próprio da natureza da ecologia de saberes constituir-se mediante perguntas

constantes e respostas incompletas. Aí reside sua característica de conhecimento

prudente. A ecologia de saberes nos capacita a uma visão mais abrangente tanto

daquilo que conhecemos como daquilo que desconhecemos, e também nos previne

de que aquilo que não sabemos é ignorância nossa e não ignorância em geral

(SANTOS, 2007, p.94).

É imprescindível que nesta ecologia não haja nenhum tipo de superioridade entre o

conhecimento cientifico e o conhecimento subjetivo, haja vista as tradições orais, que ainda

hoje perpetuam conhecimentos, mesmo com a ―concorrência‖ da ciência moderna. Ocorre

assim a prática da tradução intercultural.

A tradução intercultural vem enfatizar os conhecimentos advindos do ―Sul global‖

como um conjunto de dinâmicas epistemológicas, com possibilidade de comunicação entre as

diferentes culturas, possibilitando aproximações complementares e contradições até então

inultrapassáveis, já que neste novo modelo a tradução é concebida de maneira operante para

envolver conjuntos de saberes, que numa perspectiva cientificista abissal seriam considerados

disjuntos, tanto no nível linguístico como naquele das significações interpretativas vinculadas

à cultura.

Em suma, Boaventura propõe que, por meio do pensamento pós-abissal, possa ser

gerada uma mudança paradigmática, fundada numa ecologia de saberes, com alicerce no

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reconhecimento da pluralidade e da heterogeneidade, bem como da sua dinâmica e articulação

sistêmica, antes horizontalizada que verticalizada, possibilidade para se pensar na valorização

epistemológica das várias formas de saber constituídas pelos sujeitos e suas coletividades.

Condição essencial para qualquer discurso e prática emancipatória.

Neste contexto de transformações a conceituação do multiculturalismo vem a agregar

como o indicador de uma mudança social.

A etimologia da palavra cultura vem do latim colo, ―cultivar‖. Do

latim cultura, culturae, que significa ―ação de tratar‖, ―cultivar‖; originalmente a

palavra culturae se originou a partir de outro termo latino: colere, que quer dizer ―cultivar as

plantas‖ ou ―ato de plantar e desenvolver atividades agrícolas‖.

No contexto desta pesquisa, ao abordar o conceito de cultura, revemos a historicidade

do período colonial, observando que tal historicidade foi marcada pela negação da ecologia de

saberes aqui defendida, que prega o respeito e a consideração aos vários sistemas culturais, de

forma equânime.

Um dos mecanismos de controle utilizados pelo colonizador foi a imposição de sua

cultura aos dominados, repreendendo qualquer manifestação originária da tradição cultural do

colonizado. Segundo Quijano (2005, p.232) os colonizados deveriam ―aprender parcialmente

a cultura dos 63 dominadores em tudo que fosse útil para a reprodução da dominação, seja no

campo da atividade material, tecnológica, como da subjetiva, especialmente religiosa‖.

Este pensamento dominador não se extinguiu após o fim do período colonial. Ainda

hoje há uma mentalidade cultural que hierarquiza culturas, rotulando como ―inferiores‖ as

manifestações culturais dos povos denominados ―subalternos‖, havendo, dessa forma, uma

dissonância em relação à argumentação em prol da diversidade cultural, da multiculturalidade.

Stuart Hall (2000) expõe sobre esta temática os paradigmas da globalização, as redes

mundiais que ultrapassam as barreiras nacionais e culturais, desagregando culturas

tradicionais e a falta de reconhecimento existencial das minorias étnicas, tendenciando a

homogeneização dos padrões culturais globais.

Hall (2000) também aborda que as questões tangenciais do multiculturalismo como

etnicidade, cultura de massa, diáspora e identidade precisam ser entendidas dentro de um

contexto de tardia modernidade e consequentemente um fracionamento do indivíduo

moderno.

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Rompendo com a ideia de monoculturas, na busca pelo diálogo respeitoso entre as

culturas, apresenta-se a definição de Santos (1997, p.112): “O multiculturalismo, tal como eu

o entendo, é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a

competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política

contra hegemônica de direitos humanos no nosso tempo‖.

A ideia central é a de que o multiculturalismo pode coexistir em forma do

reconhecimento equânime de outra(s) cultura(s), no entanto, quando se taxa outra cultura

como inferior, ocorre apenas um assimilacionismo cultural. O multiculturalismo precisa ser,

inversamente, emancipatório. Boaventura defende assim o conceito de multiculturalismo

emancipatório:

É fundamental que o multiculturalismo emancipatório parta do pressuposto que as

culturas são todas elas diferenciadas internamente e, portanto, é tão importante

reconhecer as culturas umas entre as outras, como reconhecer diversidade dentro de

cada cultura e permitir que dentro da cultura haja resistência, haja diferença

(SANTOS, 2001, p. 13).

Para Bissoto (2013) o ser humano é resultado do seu processo de interpretar o mundo,

a partir da convivência que se mantém com os outros membros da comunidade, sempre

prevalecendo o ―sendo‖ sobre o ―é‖, com a ideia de constante transformação. Interpretações

que precisam ser discutidas, respeitando-se a diversidade de perspectivas, que caracteriza o

viver humano.

Ou seja, entender o multiculturalismo como forma de contribuição para o diálogo e o

reconhecimento da pluralidade e da consequente emancipação cultural.

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PARTE 2

DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO: OLHARES E CONCEPÇÕES

Nesta segunda parte serão apresentadas definições das terminologias comunidade e

desenvolvimento. Partindo deste princípio, discorreremos sobre concepções de

desenvolvimento comunitário ou o chamado desenvolvimento local. Também será abordada a

conceituação de Martin Buber sobre a essencialidade relacional do ser humano, em que o

indivíduo só se define como tal quando se deixa ―existenciar‖, em um processo de relação

viva com outros indivíduos.

Abranger-se-á a temática das capacidades centrais de Amartya Sen, descrevendo as

questões que tangem o desenvolvimento humano, suas necessidades específicas e os limiares

presentes em uma apreciação de dignidade humana e qualidade de vida. Também trataremos

da concepção de intervenção comunitária, para compreender a via de mão dupla entre a

compreensão e a ação na busca pelo desenvolvimento comunitário, focando-se as ideias de

empoderamento e de solidariedade, conceitos indispensáveis para o alcance de tal

desenvolvimento.

Permeando o conceito de Intervenção Comunitária o capítulo se encerrará com a

abordagem da Animação Sociocultural, a ligação da participação dentro da realidade do GAM

e seu viés prático.

2.1 DEFINIÇÕES DE COMUNIDADE E DE DESENVOLVIMENTO

Em Boudon et. al. (1990) encontra-se a seguinte definição sobre comunidade:

Primeiro considerada como uma totalidade, uma entidade substancial que F. Tönnies

(1887) opôs à sociedade, a comunidade é hoje encarada como um conjunto de

relações sociais complexas cuja natureza e orientações são examinadas em

enquadramentos específicos: religioso, econômico, científico, etc.

Em 1887, Tönnies atribuiu pioneiramente a contraposição do conceito de comunidade

àquele de sociedade, e trouxe como significação de comunidade a coesão social, baseada em

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laços de sangue, de amizade, de costume, de cuidados e responsabilidade de uns para com os

outros, e/ou da fé. Ander-Egg (2003, p.17) apresenta a seguinte significação para comunidade:

En su sentido lato, la palabra denota la cualidad de “comunitario” o bien, la posesión

de alguna cosa en común. Alude a lo que no es privativo de uno solo, sino que

pertenece a varios. Desde el punto de vista sociológico es aquella organización

social resultante de un proceso donde individuos o grupos comparten actividades

objetivas comunes que posibilitan un sentido de pertenecía a ella y que pueden o no

compartir un territorio común, caracterizada por fuertes lasos de solidaridad

cooperación y ciertas garantías de pertenencia a ella, por tiempos que pueden ir

hasta de generación en generación con el propósito de alcanzar determinados

objetivos, satisfacer necesidades, resolver problemas o desempeñar fusiones sociales

relevantes a escala local.

A comunidade pode, então, ser denominada como uma determinada identificação de

fronteiras, um agrupamento organizado de pessoas com interesses vitais comuns, com uma

proximidade geográfica – ou não, se pensarmos nos ambientes midiáticos e virtuais- que

permita sua estruturação.

A partir do conceito de saúde pública participativa de MacQueen (2001), segundo

análise de Bissoto (2014), a definição de comunidade é multifacetada, mas há elementos

centrais a essas definições, que podem colaborar para a construção desse conceito. São elas:

1. lócus: um sentido de lugar, que ocupa geograficamente um espaço, como

exemplificação o bairro, o país, o local de trabalho, a escola. Analisando este elemento de

forma isolada, pode-se estar geograficamente numa comunidade, quer se seja ou não

identificado como um membro dessa.

2. compartilhamento: interesses comuns e perspectivas, como valores, crenças,

identidade étnica, contribuindo para um sentido de comunidade como pertencimento,

fortalecimento e reconhecimento.

3. Ações conjuntas: uma fonte de coesão e identidade, ações conscientes para emergir

naturalmente uma comunidade. Exemplificação: socialização, trabalho voluntário, equipes

esportivas, atividades religiosas, desenvolver projetos em equipe.

4. Laços sociais: a fundação de uma comunidade. Laços pessoais são relações

interpessoais estabelecidas entre pessoas: nas quais podemos confiar, com quem nos sentimos

confortáveis, que cuidam umas das outras, que podemos localizar num contexto por nós

reconhecível. Podem incluir família, vizinhos, colegas de trabalho, de estudos, etc.

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5. Diversidade: a complexidade social nas comunidades, como origem étnica, status

socioeconômico, cultura, sexualidade, profissão, grupos estigmatizados, etc.

A essencialidade do conceito de comunidade remete, nessa definição, à coesão e a

responsabilidade com o bem comum, que deve vigorar nessa.

Ao debater as formas de organização social na sociedade contemporânea, Palácios

(2001, p.04) defende que alguns elementos fundamentais caracterizam uma comunidade na

atualidade: a) sentimento de pertencimento; b) sentimento de comunidade; c) permanência

(em contraposição à efemeridade); d) territorialidade (real ou simbólica); e) forma própria de

comunicação entre seus membros por meio de veículos específicos. Nas palavras do autor:

O sentimento de pertencimento, elemento fundamental para a definição de uma

Comunidade, desencaixa-se da localização: é possível pertencer à distância.

Evidentemente, isso não implica a pura e simples substituição de um tipo de relação

(face-a-face) por outro (a distância), mas possibilita a coexistência de ambas as

formas, com o sentimento de pertencimento sendo comum às duas (PALÁCIOS,

2001, p.07).

O conceito de desenvolvimento tem muitos vieses, e para tentar defini-lo se utilizará

de aproximações sucessivas, como abaixo explicitado. Ao traçar a significação de

desenvolvimento pode-se vinculá-la à análise das questões pertinentes ao problema social.

Problema social, por definição, é uma situação que afeta um número significativo de

pessoas e a noção de que esta situação traz dificuldades. Determinante a isso, os consensos de

que questões chave do que é minimamente desejável para a qualidade de vida das pessoas são

traçadas, consensos estes que se solidificaram em torno da ideia de desenvolvimento.

Em Boudon et. al. (1990) encontra-se a seguinte definição sobre desenvolvimento:

a ideia de desenvolvimento saiu em primeiro lugar de uma metáfora, que

identificava a sociedade com um organismo vivo que portanto se transforma,

segundo um processo de maturação progressiva, para atingir pouco a pouco um

estado de modernidade. Considera-se que tais mutações envolvem todos os setores

da sociedade (economia, estratificação social, ordem política). O desenvolvimento

econômico traduz-se, no plano qualitativo, pelo florescimento de uma economia de

mercado, pela passagem de uma agricultura de subsistência a uma economia de

mercado e pelos progressos da industrialização. No plano quantitativo, mede-se pelo

recurso a diferentes índices, designadamente a elevação do produto nacional bruto

(PNB). Remetendo assim para a construção da sociedade industrial, o

desenvolvimento econômico reveste também consequências sociais:

enfraquecimento dos laços de dependência tradicional, individualização das relações

sociais, progresso da divisão do trabalho social e, portanto, especialização das

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tarefas, urbanização, aparecimento de um certo nível de mobilidade social. O

conceito foi retomado em sociologia política para explicar a realização progressiva

de uma hipotética modernidade política. Tratava-se, então, de querer designar a

passagem de um regime autoritário a um regime democrático, ou de elaborar

indicadores que medissem a capacidade dos sistemas políticos (por exemplo, nos

domínios da extração, da distribuição ou da comunicação), quer de descrever as

etapas que marcam a construção de um sistema político (formação de uma

identidade nacional, de um poder legítimo, de uma burocracia eficiente, etc.), quer,

finalmente, de conceber propriedades mais ou menos abstratas, comuns a todos os

processos de mutações que devem afetar os sistemas políticos (secularização,

institucionalização, etc.). Elaboradas no fim dos anos 50, com o início da

descolonização, todas estas concepções são cada vez mais contestadas: adaptação

um pouco ingênua da ideia ocidental de progresso, avatar de um evolucionismo já

abandonado, elas assentam nos postulados inaceitáveis de uma mudança uniforme,

programada, finalizada; têm em pouca conta a diversidade das culturas, a extrema

complexidade das histórias e a imprevisibilidade das ações sociais. A essas

concepções demasiado gerais, o sociólogo prefere doravante estudos de casos que

ponham em evidência a especificidade de cada modo de desenvolvimento.

Segundo Lebret, principal dinamizador da escola francesa de Economia e Humanismo,

desenvolvimento pode ser definido como um processo dinâmico inacabado, com critérios de

pragmatismo e economicidade, ou seja, a avaliação de seus custos e benefícios, ligado à noção

de solidariedade, globalidade e radicalismo, atingindo a raiz da estrutura social. Conceitua

também que relações de caráter mais humanas ou menos humanas estão ligada às questões de

qualidade de vida e sua ligação inversamente proporcional ao subdesenvolvimento e à

pobreza (LEBRET, 1864, apud CARMO, 2007, p.75).

Segundo o Banco Mundial, em relatório sobre o desenvolvimento mundial em 1992:

El logro de un desarrollo sostenido y equitativo sigue siendo la empresa más árdua

que enfrenta el género humano. Apesar de los avances logrados em el curso de las

últimas generaciones, todavia hay más de mil millones de personas que viven en

condiciones de pobreza y sufren de un acceso totalmente insuficiente a los recursos

y servicios de educación, salud, infraestructura, tierra e crédito que necessitarían,

para poder disfrutar de um mejor nível de vida. Proporcionar oportunidades a fin de

que estas personas – y los cientos de millones cuya situación no es mucho mejor –

puedan hacer realidad todo su potencial es la empresa esencial del desarrollo.

O Banco Mundial e o PNUD entendem que o conceito de desenvolvimento está

ligado ao acesso a recursos e serviços, que permitam desfrutar um melhor nível de vida e de

uma situação que permita aperfeiçoar o potencial humano de um dado conjunto social. Isso

não deve ser confundido, contudo, com a instrumentalização do ser humano, pois a definição

de qual seria esse ―potencial humano‖ somente poderá ser acertada com o posicionamento dos

próprios sujeitos envolvidos em um processo de desenvolvimento.

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Ainda referente ao desenvolvimento, quando tratamos de uma educação para este fim,

precisa-se pensar principalmente na questão da solidariedade, que não é apenas um dever

moral de alguns, mas indispensável para a desconstrução de uma realidade produtora de

desigualdades.

2.2. DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO – TRAÇANDO CONCEITUAÇÕES

Ao conceituar desenvolvimento comunitário encontra-se a problemática da referência

eurocêntrica, por isso se fazendo necessário o cuidado na análise de termos como progresso,

privação, e outros. A partir das definições terminológicas de comunidade e desenvolvimento,

acima expostas, passa-se a entender a abrangência do conceito de desenvolvimento

comunitário. Partimos aqui de duas definições para trabalhar o conceito de desenvolvimento

comunitário, ligadas aos conceitos previamente apresentados, sendo que seguem as

conceituações de Ander-Egg (1980) e do documento das Nações Unidas (1950) intitulado

―Progresso social através do Desenvolvimento Comunitário‖, que pode ser resumida na ideia

de que tal progresso pode ser entendido como um processo tendente a criar condições de

progresso econômico e social para toda a comunidade, com a participação ativa da sua

população e a partir da sua iniciativa (SILVA, 1962).

Para Ander-Egg, trata-se de uma técnica social de promoção do homem e de

mobilização de recursos humanos e institucionais, mediante a participação ativa e

democrática da população, no estudo, planejamento, e execução de programas ao nível de

comunidades de base, destinados a melhorar o seu nível de vida (ANDER-EGG 1980, apud

CARMO, 2007, p.84).

Carmo apresenta quatro dimensões no conceito de desenvolvimento comunitário:

uma dimensão doutrinária pela implícita filosofia personalista que defende, uma

teórica pelos pré-requisitos de análise sociológica e econômica a que se obriga,

metodológica pelos propósitos de mudança planeada que defende e a dimensão

prática pelas consequências que a sua aplicação tem no terreno, tanto pela

implicação das comunidades no processo do seu próprio desenvolvimento como pela

alteração das práticas profissionais a que obriga (CARMO, 2007, p.84-85).

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Ao longo do percurso pós segunda guerra mundial também se identificaram princípios

para a efetivação de estratégias de desenvolvimento comunitário, atuais ainda hoje. São elas:

o princípio das necessidades sentidas, em que se ouve as reais necessidades dos envolvidos e

não apenas dos técnicos, a participação, o envolvimento da população, a cooperação, a

colaboração entre setor público e privado, a auto-sustentação, por meio do equilíbrio e sem a

presença de rupturas e da universalidade, o pensamento no todo e não privilegiando

determinados subgrupos.

Os grandes modelos de atuação do desenvolvimento comunitário podem ser divididos

pela conceituação ainda em Carmo, em uma tipologia geográfica, com o inconveniente de

homogeneização artificial dos projetos, por se basear em divisões territoriais, a tipologia

conceitual, subdividida em tipo integrado – afro-asiático – escala nacional, tipo adaptado-

europeu – escala regional, tipo projeto-piloto – latino e americano – escala de intervenção

restrita, tipologia de modelos de intervenção de Rothman, subdividida em: desenvolvimento

local – interventor como facilitador, planeamento social – interventor como gestor de

programas sociais resolução de problemas concretos focado em resultados, e ação social –

interventor como ativista, aproximado do conceito de militância. (Apresentação detalhada no

Quadro 1).

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Quadro 1 :Perspectivas da prática comunitária segundo Rothman

Fonte: JACOBSEN, Michael; HEITKAMP, Thomasine. Working with comunities, in Johnson, Waine et al

(1995), The social services. An introduccion, Itasca, F.E. Publishers, p.311-324.

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Enrique Oteiza (1983, p. 311), define desenvolvimento comunitário como

proceso de cambio social basado en un esfuerzo creativo y participativo de los

propios pueblos, y en la movilización de los recursos a su disposición, con el fin

primero de eliminar la pobreza y la marginalidad, la superación de la explotación y

la dominación sociopolitica interna o externa y el continuo despliegue de la

personalidade humana a través de su expresión propia.

Seu conceito é baseado na equanimidade social e no humanismo.

Fazendo então um panorama das concepções acima expostas, considera-se que o

desenvolvimento comunitário pode se determinar como a superação de uma realidade

comunitária, possibilitando melhores condições de vida a essa, por meio da transformação

individual e do grupo, seus principais atores, que tomam consciência sobre as necessidades,

fragilidades e potencialidades, assumem e realizam ações por própria decisão. Um processo

de construção coletiva de conhecimentos e práticas.

Estendendo essas concepções para aquelas de desenvolvimento local, temos outras

discussões quanto ao que significa desenvolvimento.

Na conceituação de desenvolvimento local, local nada tem a ver com a conotação

física do termo, antes representa um conjunto de relações econômicas, sociais e culturais que

lhe conferem características individuais, diferenciando um local de outro (CAMPANHOLA;

SILVA, 2000).

A grande crítica que perpassa as conceituações de desenvolvimento comunitário diz

respeito ao conceito de evolucionismo social, no qual desenvolver-se significa alcançar um

determinado patamar de excelência, com atributos afirmados por aqueles que detêm o poder

de estabelecer normatizações. Desenvolvidos seriam, então, todos aqueles que, passando

pelos filtros impostos por tais atributos, alcançassem o mesmo patamar daqueles já intitulados

―desenvolvidos‖.

O desenvolvimento tem por imperativo analisar um território específico e suas

peculiaridades locais, e nesse processo a importância entre o global e o local passa a ser

associativa:

Outro aspecto relacionado ao desenvolvimento local é que ele implica em

articulação entre diversos atores e esferas de poder, seja a sociedade civil, as

organizações não governamentais, as instituições privadas e políticas e o próprio

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governo. Cada um dos atores tem seu papel para contribuir com o desenvolvimento

local (BUARQUE, 1999, p.66).

Entendemos que o desenvolvimento local está interligado a três bases indissociáveis:

a. o crescimento econômico, renda e condições dignas de trabalho, b. a qualidade de vida, a

preservação do meio ambiente, com participação ativa de todos, e c. o controle social sobre a

gestão pública, o fortalecimento da sociedade civil e o empoderamento dos marginalizados,

no que se refere às tomadas de decisão.

Central a essas bases está a ideia de convivialidade, de relacionamentos humanos, e

das capacidades para o desenvolvimento, temas do próximo tópico.

2.3 A ESSENCIALIDADE RELACIONAL DO SER HUMANO E A QUESTÃO

DAS CAPACIDADES

A antropologia de Martin Buber defende que o humano, enquanto ser, é

essencialmente relacional, sendo que não se vê como indivíduo apenas em relação a si

mesmo, mas ele, o indivíduo, se torna ―um fato de existência à medida que ele avança em

direção a uma relação vivida com outros indivíduos.‖ (BUBER,1977, apud CARRARA,2002,

p.82). E em Buber (1970, s/p):

No começo está a relação – como a categoria de ser, como prontidão, como uma

forma a ser preenchida, como um modelo de alma; o a priori da relação, o inato Tu.

(...) Nas relações em que vivemos, o Tu inato é manifestado no Tu que encontramos:

ou seja, compreendido como um ser nós confrontamos e aceitamos como exclusivo,

pode finalmente ser apresentado com a palavra básica, e tem seu fundamento no a

priori da relação.

Após o contexto histórico do pós-guerra, a dicotomia de individualismo e coletivismo

já não definia mais o conhecimento sobre o ser humano. Por um lado, o individualismo

distorce o conceito de solidão e de realidade social em que apenas o próprio indivíduo se

considera como tal. Já o coletivismo se confunde com as massificações de grupos, isentando o

indivíduo de suas responsabilidades e o conhecimento de si mesmo. Nas palavras de Buber

(2004, p. 237):

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Os criticismos ao método do individualismo principiam, geralmente, do ponto de

partida da tendência coletivista. Mas se o individualismo compreende somente uma

parte do homem, o coletivismo compreende o homem somente como parte: nem

avança para a completude do homem, nem para o homem como um todo. O

individualismo vê o homem somente em relação a si mesmo, mas o coletivismo não

parece ver o homem de forma alguma, somente vê ―sociedade‖. No primeiro, a face

do homem é distorcida, no último, é mascarada.

O ser humano só passa a ser reconhecido como tal quando se abre para uma possível

relação. Assim, suas relações podem se caracterizar como Eu-Tu e Eu-Isso. O Eu-Tu se define

como um caráter ontológico, natural ao ser, referindo-se ao Tu como pessoa, natureza e seres

espirituais. É uma total relação de mutualidade e reciprocidade, sem caráter experimental. O

Eu-Isso se caracteriza pela conhecida relação sujeito-Objeto, porém neste caso também

considerar o Isso pessoas, animais, objetos e Deus. O conceito se define como o relacional

apenas como conexão, sem mutualidade. A individualidade do ser humano, a primazia do

status social, da valorização pelo que se possui materialmente, são características do Eu-Isso.

Para Buber (1970), ainda se referindo ao Tu e ao Isso, o amor é a responsabilidade de

um eu para com um tu, na totalidade do ser. O ódio passa a representar a falta de relação entre

o Eu-Tu, é o estar em relação Eu-Isso, pois dizer tu a alguém é assegurá-lo em seu ser. O

amor contém a natureza dialógica, pois obriga o outro a sair de si em direção ao outro.

É inegável a existência do Eu-Isso no contexto social, e a ideia não é a realização de

sua negação, mas sim, o entendimento de sua nocividade quando é preponderante na

expressão humana.

Sobre o conceito de entre Borges Santos nos aponta que:

O sujeito é um fato da existência, só na medida em que ele se coloca em uma relação

viva com outros indivíduos. O que é peculiarmente característico do mundo humano

é, antes de tudo, que nele algo acontece entre um ser e outro. A característica

existencial do mundo humano é enraizada no voltar de um ser em direção do outro

para comunicar-se dentro de uma esfera comum, mas que ao mesmo tempo

transcende a esfera especial de cada um. Essa categoria existencial é a categoria

relacional do entre, que é estabelecida a partir da existência do homem. É essa

categoria primordial da realidade humana (SANTOS, 2005, p.02).

O conceito de entre se desdobra no conceito do dialógico, em que a reciprocidade é

fundante, uma tomada de conhecimento íntimo, o voltar-se para o outro.

A partir da contextualização da teoria de Martin Buber sobre o indivíduo como ser

relacional, entende-se seu conceito de comunidade:

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Uma conversação genuína e a realização da relação entre os homens demandam,

necessariamente, aceitação da alteridade. Tanto a vida humana como a humanidade

tornam-se ser em encontros genuínos. Neles o homem se depara não somente com a

própria finitude, parcialidade e necessidade de complementação, mas deixa também

que sua verdade seja iluminada pela relação diferente que o outro tem para com a

mesma verdade – diferença proporcionada por sua individuação que é semeada e

cresce de maneira diferente (CARRARA, 2002, p. 93).

Segundo Buber, ―Comunidade significa, aqui e agora, multiplicidade de pessoas, de

modo que sempre seja possível para qualquer um que a ela pertença estabelecer relações

autênticas, totais, sem finalidades...‖ (BUBER, 1987, p.87). Para o autor, ―comunidade e Vida

são uma só coisa‖. Continuando, Buber (1987, p.34) acrescenta:

A comunidade que imaginamos é somente uma expressão de transbordante anseio

pela Vida em sua totalidade. Toda Vida nasce de comunidades e aspira a

comunidades. A comunidade é fim e fonte de Vida. Nossos sentimentos de vida, os

que nos mostram o parentesco e a comunidade de toda a vida do mundo, não podem

ser exercitados totalmente a não ser em comunidade. E, em uma comunidade pura

nada podemos criar que não intensifique o poder, o sentido e o valor da Vida. Vida e

comunidade são os dois lados de um mesmo ser. E temos o privilégio de tomar e

oferecer a ambos de modo claro: vida por anseio à vida, comunidade por anseio à

comunidade.

A comunidade se dividiria, assim, em duas bases, as chamadas comunidades de

sangue e as comunidades de eleição. As comunidades de sangue são caracterizadas pela

relação pelos laços sanguíneos, que consequentemente trazem uma bagagem de tradições, as

chamadas antigas comunidades. Elas representam as ligações naturalmente constituídas entre

os seres humanos.

A chamada nova comunidade consiste na ideia de relações emanadas por livre escolha,

na convergência de uma identidade comum e voluntária. A convergência não precisamente

obrigatória de opiniões e necessidades se adiciona ao sentimento de pertencimento comum, a

capacidade de relacionamento na alteridade, com o contentamento individual e inter-humano.

Uma comunidade que não necessita de parentesco ou territorialidade como essência, mas a

ação do sujeito no seu caráter de eleição, portando a capacidade de significação e

reconhecimento da significação provinda de outrem.

A comunidade, então, se define como um espaço comum de ação recíproca, um lugar

que dá origem, que sustenta o caráter relacional do indivíduo, uma relação mútua e viva,

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edificada pela reciprocidade. Cada ser humano contribui para isso, ao fazer-se presente ao

outro com todo o seu ser e ao permitir que o outro se faça presente a ele, para que o outro se

torne um eu (CARRARA, 2002, p. 98).

Valendo-nos desta conceituação de essencialidade relacional, pode-se entender que

essa ação recíproca pode advir da abordagem do desenvolvimento humano intitulada

capacidades centrais, que destaca a pluralidade e a liberdade individual em uma busca

conjunta (comunitária) na promoção do desenvolvimento.

Ao teorizar a chamada abordagem do desenvolvimento humano, também intitulada de

abordagem das capacidades, principalmente quando associada à colaboração de Nussbaun

(2011), Amartya Sen (1999) relaciona tais abordagens à questão da defesa dos direitos

humanos. Ambos os autores enfatizam que ao se pensar em capacidades para o

desenvolvimento, mira-se a qualidade de vida, que é distinta qualitativamente, de cultura para

cultura, isso é, não pode haver uma delimitação ―exterior‖ valorativa quanto ao que seria

qualidade de vida, para determinada sociedade: ―(...) pontos como saúde, integridade corporal,

educação e outros aspectos da vida individual não podem ser reduzidos a uma única métrica

sem distorções. Sen, então, ressalta essa ideia de pluralidade e de não redutibilidade,

elementos-chave nessa abordagem.‖ (BISSOTO 2015).

O conceito de capacidade, segundo Sen (1999) se define por não serem consideradas

habilidades existentes dentro da pessoa, mas suas liberdades ou oportunidades criadas pela

combinação de habilidades pessoais e o contexto político, social e econômico. Entendendo a

natureza específica de cada um. Para que haja a promoção do desenvolvimento, nesse

contexto, é necessário, que haja oportunidades, primando pela garantia de direitos, a partir da

qual se pode ter a liberdade e o ensejo de escolher e agir. É diferente, por exemplo, quando

uma política pública busca promover a saúde e quando, além disso, promove também a

capacidade à busca pela saúde: essa última passa pelo conhecimento de estilo de vida e

escolhas da pessoas, ao mesmo tempo que mobiliza a coletividade por reivindicar que o

direito à saúde seja cumprido, validado.

Nussbaun (2011), argumentando que as teorias dominantes de desenvolvimento têm

gerado políticas que ignoram as mais básicas das necessidades humanas, a dignidade e o auto-

respeito, questiona, no centro de sua teorização: O que cada pessoa é capaz de fazer e ser?

Quais as reais oportunidades que estão disponíveis para que ela assim se efetive? E define 10

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capacidades que seriam centrais à vida humana, para assegurar dignidade: vida, saúde física,

integridade física, o sentir, imaginação e pensamento, emoções, razão prática, afiliação, ou

seja, ser capaz de viver em relação com o mundo da natureza, brincar e controlar o próprio

meio.

Trazendo para a realidade da pesquisa sobre o trabalho do GAM, em comunidades

denominadas pela sociedade como marginalizadas, pode-se dizer que as atividades aí

realizadas visam reavivar nas/com as pessoas dessas comunidades o desejo, o conhecimento e

a busca dessas capacidades centrais, conscientizando-as e nos conscientizando, ao mesmo

tempo, de que tal busca é uma questão de direitos de todo ser humano. Fazendo um paralelo

com o que vivenciamos nessas atividades, relatamos que a abertura ao diálogo, a capacidade

de ouvir, e momentos de celebração e partilha impulsionam o florescer das emoções, a

capacidade de sentir e pensar. O trabalhar com as oficinas nos remete a momentos de

construirmos conhecimentos sobre a saúde, a integridade física, e outras capacidades, pois

aprende-se mutuamente. Ao brincar com as crianças refletimos principalmente sobre a

capacidade do sorrir, e como essa é independente da idade. E, acreditamos que o mais

importante, seja que, por meio do entrelaçar de culturas e realidades distintas, numa ótica

humanista, trazendo para o mesmo espaço, contexto e relações pessoais diferentes, mostrando

diversos aspectos da realidade social, congregando seres humanos, em uma perspectiva de

justiça social, acercamo-nos das capacidades de Razão prática e Afiliação. Nesse movimento

perseguindo os ideais de dignidade e auto-respeito, para todos os envolvidos.

2.4 A ÉTICA E A INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA

Para iniciar o entendimento da intervenção comunitária acreditamos que a constatação

determinante do processo de intervenção social é a essencialidade da comunicação, em sua

raiz de mutualidade, pois se um dos lados acredita que sabe as necessidades e as respectivas

soluções de um determinado grupo, sem antes ouvi-las, e se o outro lado não expõe suas reais

demandas, a intervenção comunitária, que deve promover o desenvolvimento, será falha.

As proposições de intervenção precisam passar pela autocrítica, pelo conhecimento da

cultura e das especificidades da realidade em que se atuará, o ambiente da intervenção, suas

oportunidades e possíveis riscos.

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Ao analisar o trabalho do GAM, dentre as abordagens de intervenção comunitária,

pode-se dizer que sua proximidade está na concepção de abordagem interacionista do

desenvolvimento comunitário, que se liga a processos e não estruturas. Segundo definição

para a abordagem interacionista:

Ela está focada na interação, mobilização entre os cidadãos locais e os membros da

comunidade trabalhando juntos, em temas que eles decidem serem contextualmente

relevantes. Como esse processo é alimentado pelas interações, a transcendência das

divisões, os interesses particulares e as divisões locais de poder, é central à essa

abordagem (BRIDGER;BRENNAN;LULOFF,2011, p.01).

Devido ao surgimento das tecnologias, a construção de vias de acesso digitais, mas

também à facilidade cada vez maior de trânsito aéreo, terrestre e marítimo/fluvial, entre

outros, a comunidade deixa de ser estática. Atualmente, podemos pertencer a diferentes

comunidades. Diante de tal fato, a questão geográfica se tornou secundária na definição do

que é comunidade. As pessoas, todavia, ainda compartilham um território comum, por vezes,

mesmo territórios virtuais, e interagem umas com as outras, de forma relevante, mesmo se

participam de outras redes e relações sociais. Em suma, as interações sociais continuam a ser

um elemento-chave da comunidade. Por essa razão, é o foco primário da abordagem

interacional.

Através das interações sociais a comunidade é perpassada pelas ações coletivas, que

permitem que os indivíduos participem da criação, articulação e manutenção dos esforços

designados para suster e/ou transformar as estruturas sociais. Dessa perspectiva, a

participação e ação dos cidadãos, principalmente quando demostram ou são baseadas em

relações de cuidado ou de assumir responsabilidades mutuamente, são a base para o

desenvolvimento da comunidade, como um fenômeno interacional. Nesse processo, a

agregação de indivíduos cria uma entidade cujo todo é maior que a soma de suas partes

(BRIDGER;BRENNAN;LULOFF,2011, p.03).

Um dos principais objetivos do trabalho missionário salesiano é, através das

intervenções comunitárias, revelar as motivações e habilidades dos sujeitos da comunidade,

para que possam juntos trabalhar em vista dos bens comuns, impulsionando o bem-estar. É

preciso que a comunidade alimente o sentimento de pertença, e que juntos, missionários e

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comunidade, agenciem o desenvolvimento em cenários caracterizados pela diversidade e

desigualdade.

Também ao abordarmos a questão da ética nas intervenções comunitárias refletimos

que o que transparece nas relações contemporâneas, muitas vezes, é a naturalização da

violência para com o outro e para com os ambientes de convivência, e a habituação à

desvalorização individual e coletiva:

Uma das características de sociedades globalizadas, como a nossa, é o decréscimo

dos valores coletivos – e, poderíamos aqui dizer, comunitários – enquanto cada vez

mais a sociedade valorizar características individualistas, que podem, por exemplo,

ser identificadas quando é difícil para alguém que obteve êxito deixar de se

comparar com a riqueza de outros (Hobsbawm, 2000). Esses aspectos apontam para

alguns princípios que se relacionam às propostas de intervenção comunitária, no

sentido de serem criadas e fortalecidas redes mais solidárias e cooperativas entre as

pessoas e, para isso, os valores comunitários e de solidariedade constituem um eixo

central (FREITAS,2015, p.244).

As intervenções comunitárias têm que ser baseadas no respeito ao outro, entendendo-a

como uma via de mão dupla, em que se faz presente a dialogicidade, e o reconhecer e o

acolher das pessoas em sua dignidade, resguardando sua liberdade de escolher e decidir,

respeitando suas fragilidades e valorizando suas potencialidades:

A participação e o envolvimento da comunidade na resolução dos seus próprios

problemas, os princípios da interdependência e do encontro com o indivíduo no

contexto que o define e a valorização da multidimensionalidade e complexidade

humanas constituem pontos de referência da intervenção comunitária e, em nosso

entender, simultaneamente, formas de inter cuidar (ORNELAS, 2000, p.05).

As iniciativas de voluntariado, como o trabalho missionário do GAM, são

caracterizados, em sua maioria, por terem um caráter de intervenção comunitária. Sendo

assim, é de extrema importância que estes projetos vislumbrem o potencial transformador que

as pessoas, instituições e grupos apresentam. A comunidade precisa ser olhada em sua

integralidade, para que o ser humano ali inserido também seja vislumbrado integralmente,

com suas subjetividades e seu reconhecimento, dentro de um espaço comunitário.

Nestes espaços, é imperativa a preservação das diversidades apresentadas, sejam elas

geracionais, linguísticas, econômicas, sociais, tecnológicas, religiosas, culturais. A

intervenção precisa mostrar-se apta a entender as constantes mudanças presentes nas

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realidades e os consequentes desafios disso. Requer, assim, uma capacidade de organização,

instigando a comunidade ao seu próprio desenvolvimento:

A intervenção comunitária enquanto intervenção socioeducativa que procura

catalizar e rentabilizar as potencialidades e recursos das comunidades, ao empenhar-

se em fazer dos indivíduos, dos grupos e das comunidades participantes ativos do

seu processo de emancipação e desenvolvimento pessoal/coletivo, tem vindo a

afirmar-se como um meio de intervenção relevante na promoção da inclusão e

mudança de situações sociais de auto e hetero-exclusão (ANTUNES; ALVES, 2009,

p. 02).

Segundo Maritza Montero (2004), a prática em comunidades envolve as seguintes

dimensões: ontológica, epistemológica, metodológica, ética e política.

A dimensão ontológica se refere à natureza do ser, em uma relação entre os

investigadores e os indivíduos que pertencem a comunidade, os sujeitos. É preciso que os

desejos, necessidades, e expectativas desses sujeitos sejam ouvidas. A dimensão

epistemológica compete a produção do conhecimento, ―ambos, sujeto y objeto, son

considerados parte de una misma dimensión en una relación de mutua influencia. El sujeto

construye una realidad, que a su vez lo transforma, lo limita y lo impulsa‖ (MONTERO,

2004, p. 96).

A dimensão metodológica diz respeito aos meios para alcançar o conhecimento, uma

ação crítica e reflexiva de caráter coletivo, incorporada a comunidade.

A dimensão ética consiste em ―incluir o outro no processo de produção do

conhecimento no que diz respeito à sua participação efetiva na autoria e propriedade do saber

construído coletivamente. A ética reside no reconhecimento e na aceitação do outro como

sujeito cognoscente com igualdade de direitos, o que implica uma relação de reciprocidade e

respeito às diferenças individuais‖. (MONTERO, 2004, p. 96).

A comunidade tem voz própria e seus sujeitos são membros ativos, com capacidade

de tomada e execução de suas próprias decisões e, por isso, devem ser incluídos no processo

de construção do conhecimento e de ação comunitária. O desafio desta dimensão está na

construção da autonomia, princípio ético fundamental para superação das relações de

dependência e dominação. Por fim, a dimensão política relaciona-se à finalidade e

aplicabilidade do conhecimento, pertencente à esfera pública, às questões concernentes à

cidadania e ao caráter político da ação comunitária, que permite a todo sujeito expressar-se e

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fazer-se ouvir publicamente, gerando espaços de diálogo nos quais aqueles que são relegados

ao silêncio possam falar e ser escutados.

A ética do cuidado apresenta que todo ser humano possui a capacidade de cuidar, e

independente de suas singularidades, é um ser ético. O sentido de cuidar é inerente ao existir

humano, pelo fato de ―existirmos-com-o(s)- outro(s)-no-mundo. A ética do cuidar encerra um

sentido de responsabilidade e dignidades fundamentais ao ser pessoa‖ (PERDIGÃO, 2003,

p.485).

Relacionado também à ética, no que diz respeito às intervenções comunitárias, é

necessário relevar as questões relativas a valores, ―a ação prático moral, os seus efeitos sobre

a ordem humana e, mais particularmente, sobre o sentido e a qualidade ontológica do outro‖

(MATOS, 2009,p.177).

A verdadeira dimensão ética pressupõe e significa sempre, em cada escolha individual,

a escolha do outro na sua liberdade (RICŒUR, 1993). Significa, portanto, seguindo as

palavras de Martin Buber (1999), começar por si, mas não acabar por si; tomar-se como

ponto de partida, mas não por fim; conhecer-se, mas não se preocupar consigo. É a

aproximação do respeito pelo outro na sua liberdade, dignidade e diferença.

Para Boaventura de Sousa Santos, diante de toda a mentalidade colonial, que ainda

vigora na contemporaneidade, por meio do etnocentrismo, do sexismo e das segregações

econômico-sociais, ao se fazer referência à comunidade (também no âmbito de intervenções

comunitárias) requer também tratar de solidariedade e emancipação. Solidariedade não apenas

como conceito, mas irmanada à participação, expressão política da comunidade e efetivada

pela racionalidade que congrega e media as subjetividades e sensibilidades humanas.

Em sintonia com os tempos atuais, a práxis comunitária é direcionada aos movimentos

sociais, nos seus diferentes formatos, tendo como característica fundante o enfrentamento das

diferentes formas de dominação, opressão e discriminação:

Nesta via analítica ampla e ampliada da dominação e do poder, no âmbito da

civilização capitalista/ colonialista, Boaventura de Sousa Santos funda sua

perspectiva emancipatória no princípio do reconhecimento da igualdade e da

diferença: ―defender a igualdade sempre que a diferença gerar inferioridade e

defender a diferença sempre que igualdade implicar descaracterização‖. É a tensão

entre igualdade e diferença, entre a exigência de reconhecimento e o imperativo da

redistribuição, uma dialética política que não pode ser rompida. Sustenta Boaventura

Santos que necessitamos construir a emancipação a partir de uma nova relação entre

o respeito da igualdade e o princípio do reconhecimento da diferença (CARVALHO,

2009, p.08).

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Novamente, o conceito de Ecologia dos Saberes vem ecoar nesta escrita, pois

podemos, por meio dele, explicitar, dentro das diferentes práticas sociais, o diálogo de

distintos saberes. Construindo, por exemplo, pontes entre o conhecimento científico e os

conhecimentos populares e agindo para o rompimento com conformações fatalistas do ―tem

que ser assim‖, que parecem marcar tão fortemente as populações das periferias urbanas

pobres, que desloca o foco para a efetivação da emancipação social.

2.5 FUNDAMENTOS DAS INTERVENÇÕES COMUNITÁRIAS: O

EMPODERAMENTO E A SOLIDARIEDADE

O conceito de empoderamento emergiu na década de 1970, com os movimentos

sociais, que buscavam a democracia e a garantia dos direitos de cidadania. Ao analisar o

conceito de empoderamento é importante tratar da necessidade dos sujeitos ganharem maior

capacidade de intervenção sobre o seus próprios processos de vida, saindo da categoria de

assujeitamento. Para Gohn, há dois sentidos de empoderamento na sociedade brasileira:

um se refere ao processo de mobilizações e práticas que objetivam promover e

impulsionar grupos e comunidades na melhoria de suas condições de vida,

aumentando sua autonomia; e o outro se refere a ações destinadas a promover a

integração dos excluídos, carentes e demandatários de bens elementares à

sobrevivência, serviços públicos etc. em sistemas geralmente precários, que não

contribuem para organizá-los, pois os atendem individualmente através de projetos e

ações de cunho assistencial (GOHN, 2004, p.23).

Atentando-se ao primeiro sentido, as intervenções comunitárias auxiliam neste

processo, abrindo espaços e realizando ações que podem levar o indivíduo a empoderar-se,

em uma metodologia de mediação. Nesse processo, as pessoas rompem com o estado de

tutela, de dependência, de impotência, e transformam-se em sujeitos ativos, que lutam para si,

com e para os outros, por mais autonomia, numa elevação da autodeterminação, tomando a

direção da vida nas próprias mãos (HERRIGER, 2006, apud KLEBA; WENDAUSEN, 2009,

p.735).

Silva e Martinez (2004) realizam uma classificação do conceito de empoderamento

como valor, como processo situado em um contexto, e experimentado em diferentes níveis de

agregado social. Apresenta-se a definição:

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Como orientación valórica, el empoderamiento implica un tipo de intervención

comunitaria y de cambio social que se basa en las fortalezas,competências y

sistemas de apoyo social que promueven el cambio en las comunidades.Parte de su

atractivo como concepto nace de su énfasis en los aspectos positivos del

comportamiento humano,como son la identificación y fomento de las capacidades y

la promoción del bien estar más que la curación de problemas o la identificación de

factores de riesgo. Es un enfoque que analiza las influencias del contexto en vez de

culpabilizar a las víctimas (ZIMMERMAN, 2000 apud SILVA; MARTINEZ 2004,

p. 29).

A comunidade participa ativamente do seu processo de desenvolvimento e toma

decisões que influenciarão suas perspectivas de melhoria. Quando se aborda a questão do

empoderamento como processo, significa-se que os movimentos pelo empoderamento devem

situar-se numa continuidade de longo prazo, na vivência da comunidade local pautada na

reflexão crítica, construindo o respeito mútuo entre as pessoas, condição para que se tenha

acesso a um compartir mais equitativo das condições de existência:

Segundo Montero (2003) ―El proceso mediante el cual los miembros de una

comunidad (individuos interesados y grupos organizados) desarrollan conjuntamente

capacidades y recursos para controlar su situación de vida, actuando de manera

comprometida, consciente y crítica, para lograr la transformación de su entorno

según sus necesidades y aspiraciones, transformándose al mismo tiempo a sí

mismos‖ (MONTERO, 2003, apud SILVA; MARTINEZ 2004, p. 30).

É de suma importância avaliar o contexto em que a comunidade que está se

empoderando está inserida:

Trickett (1994) señala que la cultura y el contexto afectan la definición misma del

concepto de empoderamiento, vale decir que el empoderamiento cobra sentido como

tal cuando responde a la diversidad de condiciones y necesidades dadas por el

contexto local, que tiene un trasfondo histórico, sociopolítico y sociocultural. Es

decir, varían las actividades, criterios de logro, etc., que pueden ser catalogados

como empoderamiento, y aquello que es más relevante como expresión de

empoderamiento para ciertos grupos, puede no serlo para otros, por la diversidad de

metas, valores, preocupaciones, tópicos de interés y circunstancias de vida. Por lo

tanto, es fundamental atender a las condiciones del contexto local para poder hablar

de empoderamiento (TRICKETT, 1994, apud SILVA; MARTINEZ 2004, p. 32).

Ao avaliar o empoderamento como processo em um determinado contexto, o

analisamos em diferentes níveis de agregado social.

Autores como Friedmann, (1996); Stark (1996, 2006); Silva e Martínez (2004);

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Wallerstein (2006) destacam que o processo de empoderamento se divide em três níveis: a.

psicológico ou pessoal, b. político ou estrutural e c. das organizações sociais ou grupal. Esta

divisão foi inicialmente estruturada por Zimmerman (2000).

A dimensão pessoal se refere ao indivíduo e sua valoração, que fortalece suas

competências e desenvolve novas habilidades. Nessa dimensão se faz prudente o sentido de

pertencimento comunitário, para que o desenvolvimento do sujeito não caia na armadilha do

individualismo.

A dimensão grupal refere-se a organizações sociais, comunitárias ou estruturas

mediadoras (como parentesco, grupos de vizinhança, igrejas, entidades de serviços), as quais

oferecem oportunidades para que o grupo e os sujeitos adquiram novas ferramentas culturais,

desenvolver um sentido de confiança e de comunidade, e melhorar a vida comunitária

(SILVA; MARTÍNEZ, 2004). Nesta dimensão, os resultados são alcançados efetivamente em

comunhão e com a participação comunitária, e com o desenvolvimento de uma gestão

compartilhada. São necessários laços de pertencimento e identidade.

A dimensão estrutural está diretamente ligada à dimensão política, em que há uma

participação democrática dos sujeitos e o desenvolvimento de uma consciência crítica,

tomando decisões informadas sobre seu dever. A prática do empoderamento político prevê a

saída das pessoas de uma situação de resignação e impotência e sua reapropriação de poder; o

ganho de força em prol de projetos coletivos de auto-organização; o desenvolvimento de

instrumentos eficazes para o engajamento de cidadãos (HERRIGER, 2006b apud KLEBA;

WENDAUSEN, 2009, p.740).

É nessa dimensão que são especialmente aplicados os fundamentos éticos de justiça

social e da redução de iniquidades, que demandam transformações estruturais. Também é nela

que se encontra a conceituação fundante de qualidade de vida, através do capital econômico e

cultural, ecológico e simbólico.

Sintetizando, a partir de alguns autores (VASCONCELLOS, 2003; SILVA;

MARTÍNEZ, 2004; OAKLEY; CLAYTON, 2003 e WALLERSTEIN, 2002), definimos

empoderamento como um processo dinâmico, que envolve aspectos cognitivos, afetivos e

atitudinais. Significa aumento da capacidade de exercer poder, autonomia pessoal e coletiva

de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente

daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social. Dá-se num

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contexto de mudança social e desenvolvimento político, que promove equidade e qualidade de

vida através de suporte mútuo, cooperação, autogestão e participação em movimentos ou

processos sociais autônomos (KLEBA; WENDAUSEN, 2009, p.736).

O empoderamento revela também o desenvolvimento de uma consciência crítica,

fundamentando a autonomia da voz e do pensamento do indivíduo. Significa (re)tomar o

sentido de agência e de autoeficácia. Como exposto na parte um, a abordagem foucaultiana

nos aponta as relações de poder e suas formas de dominação, pelos mecanismos do chamado

―controle social‖. Para que o empoderamento possa ser uma possibilidade, no contexto do

controle social, que parece regular a vida contemporânea, a cristalização das interações

sociais, que mantêm o controle social, precisa ser rompida, e, em nosso entender, uma forma

para que isso ocorra é quando o indivíduo reconhece e desmistifica essas relações de poder. A

partir daí podendo constituir outras bases interativas, buscando torná-las mais equânimes.

Ao abordar a termologia equânime durante toda a construção do conceito de

empoderamento é cogente analisar o significado de solidariedade.

Etimologicamente, a origem da palavra "solidariedade" vem do latim "solidare", que

significa "solidificar", "confirmar". A origem é a mesma do adjetivo "sólido", significando

"que tem consistência, que não é oco, que não se deixa destruir facilmente". A palavra

solidariedade também remonta à expressão francesa solidarité, que remete à ideia de uma

responsabilidade recíproca.

Diante destas definições, a solidariedade opera no sentido de elevar o outro da

condição de objeto à condição de sujeito, ou seja, o esforço social pelo qual se reconhece e se

entende o sujeito como figura partícipe na construção de uma realidade, que é tramada pela

coletividade. Esse reconhecimento é que se designa por solidariedade.

Para tanto, há que se superar o monoculturalismo e edificar o conhecimento

multicultural ―entendendo que a solidariedade é uma forma de conhecimento enquanto

produtora de conhecimento‖ (SANTOS, 2000). Essa superação será dada pela valorização da

diferença, pelo respeito aos diversos conhecimentos, estilos de vida, crenças de vários povos e

não mais pela produção dos silêncios.

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2.6 INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA: O PROCESSO DE ANIMAÇÃO

SOCIOCULTURAL

Devido a sua denominação, Grupo de Animação Missionária, se faz pertinente nesta

pesquisa trazer um conceito bem difundido na Europa chamado Animação Sociocultural.

Quando olhamos o contexto educacional distinto em três áreas: formal, não formal e

informal, Trilla (2011), entendendo que a educação vai além do espaço escolar, nos traz que:

La educación, desde el punto de vista de sus efectos, es un proceso holístico y

sinérgico, un proceso cuya resultante no es la simple acumulación o suma de las

distintas experiencias educativas que vive el sujeto, sino una combinación mucho

más compleja en la que tales experiencias se influyen mutuamente (TRILLA, p. 188,

2011).

Assim, entende-se que a influência das experiências não se restringe ao aprendizado

escolar, mas durante toda a vida, através de seu desenvolvimento, as trocas e interações

sociais e culturais. Rodrigues (2009) diante disso apresenta que: ―A educação entendida na

perspectiva do desenvolvimento humano ao longo de todo o ciclo de vida poderá constituir a

mais valia para o desenvolvimento de uma sociedade pluralista e democrática onde todos,

independentemente da idade, possam viver e conviver.‖ (RODRIGUES, 2009, p. 273).

Neste primeiro ponto é visível a associação deste conceito de educação na perspectiva

do desenvolvimento humano com o trabalho realizado pelo GAM. Por meio da troca de

experiências e do respeito `as culturas locais se faz latente a ideia do desenvolvimento de uma

sociedade plural, que em nenhum momento se quer modificar ou moldar dentro do que o

GAM tem por percepção cotidiana de realidade, e sim agregar com um trabalho que em

primeiro lugar respeita a diversidade.

Trilla (2008) afirma que a Animação Sociocultural se estabelece como área de atuação

da educação não formal, já que:

Las características que suelen tener los programas educativos no formales son:

atención a necesidades e intereses concretos de las poblaciones receptoras, uso de

metodologías activas y participativas, escasos o nulos requerimientos académicos y

administrativos para el enrolamiento en las actividades, contenidos generalmente

muy contextualizados, escaza uniformidad en cuanto a espacios y tiempos, etc.

(TRILLA, p. 27, 2008).

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A concepção definida pela UNESCO (1977) deste conceito é a de que a toma por um

conjunto de práticas sociais que visam estimular a iniciativa e a participação das populações

no processo do seu próprio desenvolvimento, e na dinâmica global da vida sócio-política em

que estão integradas. Uma Animação assim entendida remete-nos para uma noção de

participação comprometida com o processo de transformação da sociedade, com implicações

de ordem económica, política, cultural e educativa.

Segundo Ventosa (2002, p.19-20) a palavra animação tem uma origem etimológica

com raiz dupla, podendo significar ánima, que é vida, sentido ou animus, que é o movimento

e dinamismo, ou seja, ela pode representar infusão de vida ou incitação para a ação. O autor

ressalta que no contexto de animação sociocultural a palavra animação pode ser definida por

uma tríade, os polos essenciais advindos das raízes etimológicas, vida-sentido e movimento-

dinamização, com a presença de uma alusão ao desenvolvimento de energias individuais e

uma referência a comunidade como âmbito onde essas energias encontram sentido.

Diante de um vazio vital (LIPOVETSKY,1987), em que a sociedade pós industrial se

funda em recursos como a ciência e a tecnologia, mas, no entanto, com uma escassez de

identidade e de valores, se faz necessária a busca por esses valores, que dão sentido a

existência pessoal e o protagonismo social, que favorece o ultrapassar as barreiras do

ceticismo e pela generalidade e falta de criticidade, devido à banalidade das informações

produzidas e difundidas pelos meios de comunicação de massas. Assim a animação

sociocultural surge como uma resposta a esta problemática.

Ventosa (2002, p. 24) conceitua que a animação sociocultural precisa assumir uma

perspectiva integral em que sua intencionalidade esteja ligada aos vieses cultural, social e

educativo, cuja meta será o desenvolvimento auto-organizativo, individual (auto-realização

pessoal) e coletivo (autogestão social). Quando se refere à cultural se refere à criatividade,

expressão, desenvolvimento cultural, formação artística, difusão e promoção de manifestações

culturais. Social no favorecimento e participação cidadã, sentimento de pertencimento a uma

comunidade/coletividade e integração, transformação social, protagonismo e educação cívica.

Educativo no que tangencia o desenvolvimento pessoal, transformação de atitudes,

desenvolvimento de senso crítico, responsabilidade e conscientização.

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Perante esta conceituação de Animação sociocultural pode-se entender que o trabalho

do GAM pode ser entendido como um viés da animação sociocultural, pois ele busca, com a

atenção à questão cultural (respeito à diversidade cultural da comunidade atendida,

criatividade e promoção das manifestações culturais através de sarau, teatros com uma

mensagem valorativa de boa tarde, artesanato), social (formações e visita as casas no intuito

de fomentar a autonomia da própria comunidade em vista da transformação social) e

educativa (formações e convivência que promovem o senso crítico, a responsabilidade e a

conscientização de seus direitos e deveres dentro da própria sociedade que vivem), o

protagonismo social e o fortalecimento da identidade e dos valores perdidos no processo de

massificação vivenciado na/pela sociedade contemporânea.

Pereira (2011) complementa a ideia afirmando que a cultura como instrumento de

relações sociais é a forma como as pessoas podem comunicar-se em sociedade. Também para

González,

A cultura é um elemento vivo, é fruto da comunicação, da interatividade, da criação

de representações partilhadas da realidade social e como tal um instrumento para o

encontro (...). A cultura apresenta-se como um fator essencial e constitutivo das

dinâmicas de criação, consolidação e desenvolvimento das comunidades humanas.

(GONZALÉS, p. 213, 2011).

Ainda sobre a cultura enquanto elemento vivo, Lima (2015, p. 89) escreve sobre a

diversidade cultural e o quanto ela está presente na historicidade das próprias relações humanas:

A antropologia nasce de relações historicamente constituídas entre os homens, e que

por sua natureza, buscam compreender o outro diferente de si, de seu mundo de

origem. Assim fica claro que a diversidade cultural faz parte da própria história das

relações entre as diferentes sociedades humanas, pois em diferentes épocas

sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do contato com uma

cultura diversa à sua. (...)A antropologia e a educação têm como desafios a

compreensão do mundo do outro, o entendimento de sua lógica cultural, suas

representações, valores, suas práticas e artefatos culturais. É preciso não apenas

reconhecer o outro, mas conhecê-lo e não restringir a educação apenas à sala de

aula. Assim, tanto a trajetória da antropologia como a da educação, envolvem a

aventura de se colocar no lugar do ―outro‖, de ver como o ―outro‖ vê, de

compreender um conhecimento que não é nosso. Acabam sendo diferentes maneiras

de explicar o ―outro‖.

No processo de animação sociocultural existem três componentes imprescindíveis que

configuram sua estrutura básica:

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Um sujeito agente da intervenção com uma função ativa, provocativa e catalizadora

dos processos de animação. Esta função pode tomar diferentes formas individuais (o

animador), grupos (equipe de animação) ou institucionais (associações, organizações ou

instituições socioculturais). Uma ação ou conjunto de práticas sociais, culturais e

educativas com uma função dinâmica de transformação e melhora nas mudanças de uma

determinada realidade sobre a que se incidem. Esta ação está constituída tanto por um

conjunto de atividades e meios de animação – dimensão material – como por métodos e

técnicas com que se aplicam – dimensão formal ou procedimental. Enquanto a primeira

representa uma referência externa, relativa, situacional e dependente, portanto do contexto da

intervenção, a segunda, formal, é um atributo interno e próprio da animação, e , por isso,

constitui uma referência absoluta, independentemente do contexto e do tipo de intervenção.

Esta dupla dimensão da animação sociocultural reflete em seu próprio conceito: o QUE-

FAZER (sociocultural) e o COMO-FAZER (animação). O primeiro é complemento e

caracterização do segundo. Um destinatário: o coletivo, grupo ou comunidade em que recai a

ação anteriormente descrita. Este terceiro e último componente da animação sociocultural

possui uma função reativa enquanto que o receptor da ação dirigida pelo agente, é capaz por

sua vez de responder rejeitando-a, qualificando-a ou assumindo-a. A partir daí o processo se

reinicia de modo que o objeto-destinatário se transforma em sujeito-agente, momento em que

a animação sociocultural cumpre sua meta: a de consolidar plena autonomia do coletivo

destinatário para tomar as rédeas de seu próprio desenvolvimento sociocultural (VENTOSA,

2002, p.27-28).

Igualmente, o GAM, enquanto um voluntariado social, é promotor da dimensão

humana em relações solidárias, de uma educação que ultrapassa o sentido formal e se estende

à comunidade, de uma cultura ligada ao compromisso que o ser humano tem/deve ter com

outro ser humano.

Uma educação que projete, pela via da Animação, seres humanos portadores da boa

esperança, seres que possam e devam assumir a sua voz, a sua opinião, a sua vontade e que

vivam no respeito pelas suas diferenças e semelhanças, sem temerem olhar para o lado,

homens que sejam cidadãos com cidadania e que se exprimam sem temerem os poderes

instituídos. Ser livre é assumir a liberdade de poder dizer o que se pensa de forma

responsável. Uma Animação que, através dos postulados das diferentes áreas afins da

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Animação, leve o ser humano a partilhar saberes, vivências, a interagir e estabelecer relações

interpessoais profícuas, lutando contra a incomunicabilidade, o medo e a mordaça (LOPES,

2006, p.10).

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PARTE 3

O TRABALHO DO GAM (GRUPO DE ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA): A

INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA COMO POSSIBILIDADE DE

SUPERAÇÃO DO PENSAMENTO ABISSAL

Os pressupostos gerais que sustentam nossas afirmações sobre a participação são: a.

Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos

indivíduos e grupos sociais organizados. b. Não se muda a sociedade apenas com a

participação no plano local, micro, mas é a partir do plano micro que se dá o

processo de mudança e transformação na sociedade. c. É no plano local,

especialmente num dado território, que se concentram as energias e forças sociais da

comunidade, constituindo o poder local daquela região; no local onde ocorrem as

experiências, ele é a fonte do verdadeiro capital social, aquele que nasce e se

alimenta da solidariedade como valor humano. O local gera capital social quando

gera autoconfiança nos indivíduos de uma localidade, para que superem suas

dificuldades. Gera, junto com a solidariedade, coesão social, forças emancipatórias,

fontes para mudanças e transformação social. d. É no território local que se

localizam instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as

escolas, os postos de saúde etc. Mas o poder local de uma comunidade não existe a

priori, tem que ser organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as

culturas e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade socio-

cultural e política (GOHN, 2004, p.24).

Esta última parte da pesquisa visa, em um primeiro momento, analisar de forma mais

efetiva o GAM, seus documentos, seu histórico e propósitos fundantes, para que se

compreenda sua complexidade. Também se abordarão os conceitos e perspectivas da

Intervenção Sociocomunitária, para a partir desta conceituação analisar as ações do GAM,

dentro dos objetivos dessa investigação.

Nesta parte se explicitará o contexto e os sujeitos da pesquisa, indicar-se-á a

construção do design da pesquisa, os instrumentos de coleta de dados, juntamente com toda a

base metodológica e teórica.

Metodologicamente, esta pesquisa tem caráter qualitativo, fazendo uso dos seguintes

instrumentos de coleta de dados:

a. questionário sobre a concepção da qualidade de vida, elaborado pela ONU

(Organização das Nações Unidas) através da OMS (Organização Mundial da Saúde), no ano

de 1996, no âmbito de programas educacionais voltados à valorização da saúde mental, que

foi aplicado às pessoas da comunidade e integrantes do grupo missionário, que participaram

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das duas intervenções estudadas nesta pesquisa, em janeiro de 2015, na cidade de Jundiaí,

interior do estado de São Paulo e em janeiro de 2016, no Peru, em um vilarejo chamado

Quebrada Honda; b. entrevista com líderes comunitários, integrantes do GAM e responsáveis

pelas atividades missionárias, em nível estadual, também participantes diretos destas ações

realizadas em 2015 e 2016 e c. observação participante em campo, por estar in loco nas duas

ações aqui analisadas. A triangulação desses instrumentos, tramada pelo aporte dos

referenciais teóricos, favorecerá a construção de uma análise coesa das atividades do GAM,

no sentido dos objetivos aqui pretendidos.

A análise dos dados foi feita pelas seguintes categorias de análise: pensamento abissal,

justiça social, desenvolvimento comunitário e qualidade de vida pessoal e comunitária,

entendendo que nessas estão incluídas aquelas categorias de emancipação e autonomia. À luz

do referencial teórico de Boaventura de Sousa Santos, daqueles da literatura pós-colonial, e de

Intervenção Sociocomunitária.

3.1 AS CONCEPÇÕES DE VOLUNTARIADO E O GAM

De acordo com as Nações Unidas, voluntário é o jovem, adulto ou idoso que, devido a

seu interesse pessoal e seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração, a

diversas formas de atividades de bem estar social ou outros campos.

O voluntariado traz benefícios tanto para a sociedade em geral como para o indivíduo

que realiza tarefas voluntárias. Ele produz importantes contribuições tanto na esfera

econômica como na social e contribui para a uma sociedade mais coesa, através da construção

da confiança e da reciprocidade entre as pessoas. Ele serve à causa da paz, pois abre

oportunidades para a participação de todos em um ideal comum.

Segundo Mastantuono (1991,p.249):

voluntariado não se identifica com associacionismo em geral, que é caracterizado,

por exemplo, pelos diversos grupos de escoteiros, grupos de alcoólatras anônimos,

associações de bairros, etc. São associações com finalidade educativa, promocional

ou de ajuda aos membros (ou sócios), enquanto que as associações de voluntariado

implicam sempre envolvimento direto e pessoal no serviço a terceiros, ou seja, a

outros membros.

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Para os salesianos, algumas características são essenciais do voluntariado no mundo.

Dentre elas, nascer como decisão livre da pessoa, ter suas raízes em valores, como o da

solidariedade e da gratuidade, promover uma nova atitude em relação à vida e apresentar-se

sempre mais como sujeito social, diverso do Estado e do Mercado.

João Paulo II, em âmbito de Igreja, diz sobre o voluntariado que:

―... constitui um autêntico sinal dos tempos e revela uma vida tomada de consciência

da solidariedade que liga reciprocamente os seres humanos. Ao fazer com que os

cidadãos participem ativamente da gestão dos serviços dos quais são destinatários e

das diversas estruturas e instituições, o voluntariado contribui para imprimir aquele

suplemento de alma que as torne mais humanas e respeitosas da pessoa.‖ (João

Paulo II, 2001).

Como dinamismo missionário da igreja, o voluntariado não satisfaz somente as

necessidades materiais das pessoas mais prejudicadas, mas leva-as a experimentar de modo

pessoal a caridade de Deus.

Segundo o documento: O voluntariado na missão salesiana – Manual de roteiro e

orientações elaborado pela direção geral Obras de Dom Bosco - Dicastérios pra a Pastoral

Juvenil e para as Missões, em Roma no ano de 2008, a premissa do voluntariado salesiano é:

Consideramos cada jovem como um(a) potencial voluntário(a), ou seja, vocação,

portanto para aquisição de uma disposição interior de serviço; uma pessoa em

formação permanente para o amadurecimento pleno e cristão/religioso. Nasce o

voluntariado como expressão operativa de uma atitude interior de serviço e

solidariedade. O voluntariado salesiano não se limita apenas aos/às jovens

cristãos/ãs praticantes. Ele abre-se também às pessoas de boa vontade, quer sejam

batizadas não praticantes, quer de outras religiões que, em espirito de abertura às

pessoas e culturas, querem criar um mundo novo através da ação social,

compartilhando o ideal salesiano e o seu método, ao menos em suas linhas

essenciais.

3.1.1 As Missões Salesianas – A expedição, o GAM e seus caminhos percorridos

O inicio do trabalho missionário na inspetoria salesiana de São Paulo se deu no ano de

1968, com a EMA (Equipe Missionária Auxiliadora). Em meados de outubro de 1969, uma

equipe de nove jovens, dois seminaristas, uma irmã salesiana e dez padres salesianos foi

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formada para ir até a cidade de Porto Velho – Rondônia. A primeira Expedição Missionária se

realizaria. Padre Walter Ivan de Azevedo se dirigiu a Porto Velho logo após o natal para

organizar tudo e no dia três de janeiro de 1970 os demais integrantes da equipe também se

conduziram ao seu destino, em uma viagem de dois dias e duas noites. Enquanto os padres

foram destinados a diferentes paróquias da região, o grupo realizou reflexões com os jovens e

promoveu cursos para alfabetizadores de adultos das periferias. O retorno do grupo aconteceu

um mês depois, seis de fevereiro de 1970. A partir daí se tornou costume todos os anos o

envio de um grupo missionário a determinado local pré-estabelecido. O grupo foi tomando

corpo, se reuniam mensalmente para formação, estudo e serviço a sua própria comunidade e

seu entorno. No ano de 1973, devido a procura de jovens em realizar este trabalho, a EMA foi

se descentralizando e surgindo em cidades do interior de São Paulo. Em 1974 a equipe

contava com mais de cem leigos.

A identidade do grupo era marcada pela proclamação do evangelho em consonância a

uma atuação em realidades concretas, na promoção da pessoa humana em sua totalidade,

construindo uma sociedade mais justa e fraterna.

Em 1994 deu-se inicio um novo viés ao trabalho missionário, as chamadas semanas

missionárias. Em julho deste ano aconteceu a primeira experiência missionária de uma

semana em um lugarejo chamado São Miguel, na diocese de Lorena-São Paulo, com um

padre, um clérigo e dez jovens dos colégios e paróquias salesianas. Devido a compromissos

dos salesianos responsáveis o projeto parou e foi retomado no ano de 1998 pelo padre

Antonio Ramos do Prado (P.Toninho), na cidade de Piracicaba. Ele, doze alunos salesianos

dos colégios e três adultos retomaram a São Miguel no mês de dezembro de 1998. A partir daí

as experiências de semana missionária se realizavam nos meses de julho e janeiro, se

difundindo para outras cidades com presença salesiana no estado de São Paulo. Em 2003 ela

se tornou um projeto interinspetorial assumido pela AJS (Articulação da Juventude

Salesiana). O total de missionários por expedição era de 120.

Em 2001, o primeiro grupo de ex-alunos de colégios salesianos foi à cidade de

Campos do Jordão, coordenados pelo padre Marco Biaggi. A partir desta primeira

experiência é que surgiu a denominação GAM (Grupo de Animação Missionária), para grupos

de ex-alunos.

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A semana missionária busca construir, a partir da juventude, relações de igualdade e

fraternidade resgatando espaço para o dinamismo juvenil, como sinal de esperança e da

novidade sempre viva de Deus. Em vista desse objetivo, os lugares de missão, na sua maioria,

são sempre de muita pobreza.

Atualmente o projeto Missionário se divide em Semana Missionária, com 932

missionários, no qual se encaixam a chamada adolescência missionária, jovens que estudam

em colégios salesianos e/ou participam das paróquias salesianas entre 14 e 17 anos, e Ação

Missionária, com 372 missionários, o GAM - Grupo de Animação Missionária, em que atuam

jovens de 17 anos que já terminaram o ensino médio até adultos sem limitação de idade,

vindos de obras sociais, paróquias, ex-alunos, Unisal, oratórios, que estejam engajados em

algum projeto pastoral. São integrantes do GAM que também podem participar das ações

mais longas de voluntariado, a Expedição Missionária, como a realizada no Peru, de

aproximadamente um mês de duração e as ações de um ano em países da África por exemplo.

No ano de 2016 a inspetoria de São Paulo tem 15 grupos de GAM, são eles:

Quadro 2 : Os GAM na Inspetoria de São Paulo

Comunidade Cidade

São João Bosco Americana

São José Campinas

Liceu Nossa Senhora Auxiliadora Campinas

Paróquia Dom Bosco Campinas

Instituto Nossa Senhora Auxiliadora Cruzeiro

Paróquia N. Sra. De Fátima e Sto Amaro Guarujá

GAM Lorena Lorena

Sagrado Coração Eucarístico Pindamonhangaba

GAM Piracicaba Piracicaba

Sagrada Família São José dos Campos

GAM Lapa São Paulo

Santa Teresinha São Paulo

Itaquera São Paulo

Paróquia St. Luzia - Jardim Nordeste São Paulo

Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora Sorocaba

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Todo este histórico foi retirado de encartes digitalizados da inspetoria de São Paulo.

3.1.1.1 A rotina de um trabalho missionário – realidades de Jundiaí e do Peru

A Inspetoria de São Paulo é atualmente a responsável pelos GAM de todo o estado. É

ela quem define qual será o local em que será realizada uma determinada atividade

missionária.

Há contato com representantes da comunidade, padres, líderes comunitários, e

posteriormente ocorrem visitas dos coordenadores dos grupos a estas comunidades para dar

início a todo o processo de conhecimento de demanda da comunidade, de sua realidade e o

processo de entrosamento.

Enquanto grupo, o GAM também realiza durante todo o ano campanhas de

arrecadação, formações sobre temas diversos e reuniões que discutem assuntos práticos, datas

e distribuição de tarefas.

A partir deste momento apresentaremos abaixo, mais especificamente através de

textos e fotografias de arquivo pessoal todo o percurso, realidade, e atividades realizadas pelo

GAM de Americana na cidade de Jundiaí em janeiro de 2015 e por integrantes de diferentes

GAMs, que junto com missionários de Lima-Peru, formaram uma equipe que atuou em

Yanatille – Peru em Janeiro de 2016.

Inicia-se apresentando um quadro da rotina de toda a semana de atuação na cidade de

Jundiaí em 2015:

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Quadro 3: Cronograma de atividades da missão de Jundiaí/2015.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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Como se observa no cronograma, além das atividades com a comunidade, os

missionários também são responsáveis por fazer as refeições e a limpeza do espaço que

utilizam. Se definirá neste momento o que se realiza em cada atividade que faz parte do

cotidiano da ação, conforme descritas abaixo:

Mística

Esse momento é feito logo pela manhã, sendo que o grupo missionário reflete sobre

uma determinada temática. O tema abordado tem como propósito a motivação dos

missionários, fazendo com que cada um medite sobre suas ações no dia-a-dia, levando-os a

por em prática aquilo que foi enunciado.

Figura 1: Mística com a temática perdão realizada em Jundiaí/2015.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

Visita às casas

A visita às casas é uma ocasião em que os missionários saem às ruas para levar a ―boa

nova‖ para aqueles que estiverem dispostos a abrir sua casa, assim como o coração, para

recebe-los. Em ordens práticas, os missionários vão batendo de casa em casa, perguntando se

gostariam de uma visita, para ouvir e partilhar a palavra de Deus. Assim que entram nas casas,

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os missionários iniciam com uma conversa informal, para que os moradores possam partilhar

um pouco da sua vida, relatando suas histórias e momentos de dificuldades e alegrias.

Baseando-se na história da família, o missionário vai escolher uma passagem bíblica que sirva

de apoio e conforto para os que ali residem, de maneira com que a esperança de boas notícias

sempre permaneça com eles. É uma oportunidade de diálogo e acolhida, de troca de

experiências e de reconhecimento da realidade local baseado no testemunho dos próprios

integrantes daquela comunidade.

Figura 2: Visita às casas – Diálogos de portão

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2014).

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Figura 3: Visita as casas – Observação do realidade local

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2014).

Oratório (Brincadeiras)

O oratório é onde prevalece a ―digital‖ de Dom Bosco. Surgiu como um método

preventivo, pela criação de um espaço onde as crianças desfrutam de ambiente diferente

daquele que muitas vezes estão acostumadas a viver. Nesse local são desenvolvidas práticas

pedagógicas, trazendo alegria para estas crianças, suprindo a falta de lazer, e tirando-as das

ruas. Seguindo o exemplo de Dom Bosco, os missionários acolhem as crianças estabelecendo

um vínculo de amizade e afeto, de forma que, por meio de brincadeiras e jogos interativos,

possam dar atenção e cuidado, sempre buscando a valorização do diálogo e da abertura para

com o outro.

Figura 4: Oratório – Desenhando com os menores

Fonte: arquivo pessoa da autora (2015).

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Figura 5: Oratório – Jogando com os jovens

Fonte: arquivo pessoa da autora (2015).

Boa tarde

Essa metodologia faz parte do oratório, e também se originou com as práticas de Dom

Bosco. Durante o oratório é realizado o ―Boa tarde‖, em que narra-se uma história que

traz consigo sempre uma reflexão de cunho moral e sobre valores éticos-sociais. O

grande propósito é ―plantar uma semente‖, para que estas crianças possam trilhar o

caminho da fé, seguindo sempre o exemplo de Jesus, não no que tange à influência de

uma determinada religião, mas em incentivo à espiritualidade como estímulo de um

contínuo movimento de saída de si mesmo para poder encontrar-se em comunhão

com o outro e ser feliz; no agir com mais mansidão, doçura, ternura e bondade,

incitando a alteridade, o colocar-se no lugar do outro.

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Figura 6: Boa tarde – Teatro Menina bonita do laço de fita.

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

Artesanato

O artesanato é realizado com os adultos e idosos da comunidade, geralmente são as

mães, pais ou responsáveis por alguma criança que esteja no oratório. É uma situação

em que os missionários dedicam tempo para estas pessoas, assim como elas mesmas

dedicam tempo só para si. O artesanato é ensinado tanto como forma de lazer, como

também fonte de renda. São utilizados materiais de baixo custo, como também

recicláveis, justamente para ajudar estas pessoas a darem continuidade no que foi

aprendido.

Figura 7: Artesanato – Porta-treco com pote de sorvete

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

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Figura 8: Artesanato – Enfeites de natal com lantejoula e isopor

Fonte: arquivo pessoal da autora (2015).

Celebração

Na celebração reúnem-se todos os membros da comunidade, para celebrar a palavra de

Deus, refletir sobre os valores, a família, o ambiente em que estão inseridos. É um

momento que possibilita o amadurecimento social e espiritual, pois ocorre a união de

variados tipos de pessoas, cada um com suas particularidades, onde cada um vivencia

a fé de maneira particular dentro da experiência coletiva.

Figura 9: Celebração – Adoração ao Santíssimo

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

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Figura 10: Celebração Eucarística

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2014).

Bate papo com os jovens

Esse momento acontece no período da noite e é direcionado aos jovens. Os

missionários abordam temas que fazem parte do cotidiano destes jovens, não tendo uma

especificidade prévia. Os assuntos abordados tendem a trazer informações que muitas vezes

faltam para eles, como os direitos e deveres da criança e do adolescente, reaproveitamento de

recursos, despertando-os a refletirem sobre sua realidade atual, gerando uma conscientização

de que são os grandes responsáveis pelas mudanças que procuram ter, estimulando-os a serem

protagonistas de suas próprias vidas.

Rotina da Expedição Missionária no Vale de Yanatille – Peru2

Saímos do Brasil às 6h55 de quarta-feira, dia 6 de janeiro, do ano de 2016. Foi o início

da nossa Expedição Missionária, que já era planejada há meses. Para chegar até este

momento, centenas de pessoas colaboraram com doações, orações e experiências para que

2 Dentro do princípio de construção participante dessa dissertação, com integrantes do GAM, o relato a

seguir foi feito pela integrante do GAM, participante desta expedição, Marina Ribeiro.

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estivéssemos prontos a levar o projeto missionário de nossa inspetoria para o Peru. Esse país

não tem ainda a experiência missionária juvenil salesiana tal como a conhecemos, de forma

estruturada em semanas missionárias anuais. O padre salesiano Juan Pablo Alcas conheceu o

projeto quando estudou em Roma com o brasileiro Luis Fabiano Barbosa, se interessou em

levá-lo ao Peru e até mesmo chegou a fazer uma experiência missionária em 2014. Na

expectativa de animar a juventude peruana e compartilhar com eles uma primeira experiência

de missão, deu-se a expedição. Éramos oito brasileiros: Alana Domingues (Lorena), Ana

Carolina Leone (Americana), Jéssica Rovaris (São Carlos), Marina Ribeiro (Campinas/São

Paulo), Nina Araújo (Lorena), Renan Poleto (Americana) e os salesianos William Ruiz

(teólogo) e José Aparecido Carloto, o Zezo3.

Após desembarcarmos em Lima, fomos à casa de Formação de Madaglena, onde

acontecia a festa inspetorial. Neste dia, participamos da ordenação de um jovem salesiano

peruano na paróquia de Maria Auxiliadora de Lima, compartilhamos experiências com um

grupo de jovens do oratório de Breña e conhecemos um pouco a cidade, em especial o distrito

de Miraflores.

No dia 8 de janeiro, partimos de avião para Cuzco, logo pela manhã, acompanhados

pelo padre Juan Pablo e dos seminaristas Jesús, Ángel e Alberto, que também fariam parte da

missão. O restante dos missionários peruanos já nos esperava no aeroporto, em um ônibus. Ao

total, éramos 22 missionários. Após cerca de uma hora de viagem fizemos uma parada na

cidade de Calca. Lá, nos aclimataríamos à altitude (de cerca de 2.900 metros) e teríamos

nossa missa de envio, como um único grupo. Encontramos um oratório entre as montanhas, o

que fez com que muitos não descansassem, mas, sim, brincassem. Às 11h, celebramos a missa

junto de todas as crianças, que, ao final, nos enviaram em missão. Depois de um breve

almoço, seguimos a viagem.

3 Esclarecemos que todos os participantes aqui citados concordaram em ter seus nomes divulgados, portanto,

entendemos que isso não fere suas prerrogativas éticas, nem compromete o rigor ético da sistematização da pesquisa

por nós realizada. Da mesma forma ocorre com o uso da divulgação das suas imagens, que porventura haja nas fotos

aqui expostas.

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Figuras 11,12 e 13: Cidade Calca – Jogos e Brincadeiras

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

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Durante o trajeto, atingimos a altitude máxima de 4.568 metros. Com a altitude e a

estrada muito sinuosa, o mal-estar e o soroche (mal das alturas) atacaram. Munidos de folhas

de coca para mascar, os problemas foram minimizados. A estrada era entrecortada com

cachoeiras e rios, formados pelas chuvas de janeiro. Por isso, por vezes tivemos que descer

todos do ônibus para que o veículo ficasse mais leve para atravessar os pontos de alagamento.

Figura 14: Atravessando os pontos de alagamento durante o percurso.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2016).

Às 20h chegamos a Quebrada Honda, onde o pároco salesiano, padre Yul Soto, e

muitas crianças, nos esperavam com chocolate quente e panetones. Após uma benção e um

momento de convivência, fomos dormir. Parte do grupo, que ficaria em comunidades, foi para

a casa das Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, também da Família Salesiana, e o

restante, que faria missão em Quebrada Honda, foi para a escola rural Monte Salvado, onde se

hospedariam durante todo o tempo de missão.

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Figuras 15 e 16: Recepção em Quebrada Honda;

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

No dia seguinte, três grupos partiram para a primeira semana de missão. Alana, Will, Edith

(uma cooperadora salesiana), Edgar e Benjamin (do MJS peruano) foram para a comunidade

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de Colca. Marina, padre Juan Pablo, Dulia (enfermeira da escola salesiana São Francisco de

Sales, em Lima), Ana Tenório (da pastoral juvenil inspetorial e estudiosa em catequese da

conferência episcopal peruana) e o seminarista Jesús partiram rumo a Pataybamba. Por fim,

Nina, os seminaristas Ángel e Alberto, além da jovem ex-aluna das FMA, Margarita, foram a

Versailles. Zezo, Ana Carolina, Jéssica e Renan ficaram em Quebrada Honda, além dos

peruanos Diego, Daniel, Sofía, Milagros.

Figuras 17,18,19 e 20: Quebrada Honda

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Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

Logo notamos que o nosso modelo de missão, com horários fixos, não seria efetivo lá.

As famílias todas deixavam suas casas entre 5h e 6h para trabalharem na roça e só retornavam

após às 16h. Pela noite, tampouco podíamos avançar nos horários de celebrações, já que às

20h já estavam todos com sono. Já em Quebrada, por ser o centro comercial da região, havia

dificuldade de encontrar pessoas fora de suas lojas. Com isso, cada grupo encontrou uma

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melhor solução: bênçãos nas casas na madrugada, oratórios noturnos, artesanato na praça

durante a hora de almoço, acordo com prefeitura para fazer parte do projeto de férias

escolares municipais... Tudo foi feito de modo a adaptar o conhecimento, que já tínhamos das

missões realizadas no Brasil, à realidade peruana local.

No sábado, dia 16, retornamos todos à Quebrada para avaliar a missão e partir para

uma nova semana missionária em outra comunidade.

Figura 21: Artesanato na praça de Quebrada Honda

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

Figuras 22 e 23: Brincadeiras com as Crianças em Quebrada Honda

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Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

Após a troca de grupo do salesiano William, que permaneceu no centro comercial na segunda

semana de missão, partimos todos para novas comunidades: Chancamayo, Riobamba e

Cuquipata. Mesmo com a proximidade, cada povoado era muito diverso do outro, por isso,

mais uma vez as atividades tiveram de ser ajustadas.

Figuras 24 e 25: Oficinas de Artesanato e culinária brasileira em uma escola local

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Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

Figura 26: Oficina sobre Projeto de vida – Adolescentes da escola local

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

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Figura 27 e 28: Visitas, benção e celebração nas casas de Quebrada Honda e comunidades

vizinhas

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

No dia 22, uma sexta-feira, voltamos todos mais uma vez para Quebrada Honda. No

sábado, dia 23 fizemos um retiro para avaliar e assimilar a experiência vivida. No domingo,

dia 24, quando se comemora o dia de São Francisco de Sales, uma missa de encerramento

reuniu todos os missionários e todo o povo de cada uma das sete comunidades visitadas. A

celebração foi muito alegre e encerrou este belo projeto missionário.

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Figuras 29 e 30: Missa de encerramento do projeto missionário em Quebrada Honda

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

De lá, partimos após o almoço novamente para Calca, onde chegamos pela noite. O

grupo se dividiu. Parte iria para Cusco e os demais visitariam Macchu Picchu no dia seguinte.

Depois da visita, o grupo voltou a se reunir em Cusco na terça-feira, dia 26, quando os

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missionários brasileiros tiveram a oportunidade de conhecer a cidade e foram recebidos no

colégio salesiano para um almoço típico.

No dia 27, logo pela manhã, partimos em direção a Lima. Lá, visitamos a cidade,

conhecemos o Oceano Pacífico e tivemos a oportunidade de estar em alguns últimos

momentos fraternos com boa parte do grupo missionário peruano. No dia 28 pela noite,

partimos em direção ao Brasil.

Figuras 31 e 32: Recordações do projeto missionário

Fonte: arquivo pessoal da autora (2016).

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3.2 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Os participantes/sujeitos dessa pesquisa foram selecionados seguindo os seguintes critérios:

que tivessem vivenciado a experiência missionária salesiana, especificamente em Jundiaí no

ano de 2015 e/ou no Peru em 2016, sendo como missionários ou enquanto integrante da

comunidade participante da ação realizada. A ideia, apesar de o grupo ser caracterizado pela

juventude (pelo Estatuto da Juventude, 2013, aqueles até 29 anos), foi de também buscar a

experiência de adultos, em uma abordagem geracional heterogênea. Dessa forma, em relação

àqueles convidados para responderem ao questionário da OMS, já mencionado e disponível

nos anexos, foram selecionados 15 participantes, conforme os dados demográficos abaixo. Os

sujeitos foram identificados com a letra S, seguida por um número, aleatoriamente designado.

Quadro 4: Características dos respondentes dos questionários

Questionário ONU/OMS - Qualidade de vida

Nome Genero Idade Nível educacional Estado civil

S1 Feminino 22 superior solteiro(a)

S2 Feminino 21 superior(cursando) solteiro(a)

S3 Feminino 21 superior(cursando) solteiro(a)

S4 Feminino 20 ensino médio solteiro(a)

S5 Feminino 20 superior(cursando) solteiro(a)

S6 Masculino 25 superior solteiro(a)

S7 Masculino 37 ens. Fundamental II casado(a)

S8 Feminino 29 superior casado(a)

S9 Masculino 23 ensino médio solteiro(a)

S10 Feminino 24 ensino médio solteiro(a)

S11 Feminino 56 superior divorciado(a)

S12 Feminino 20 superior(cursando) solteiro(a)

S13 Feminino 24 superior solteiro(a)

S14 Feminino 42 ensino médio solteiro(a)

S15 Masculino 21 superior(cursando) solteiro(a)

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2016).

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Já para as entrevistas, foram selecionados 5 participantes, a saber:

Quadro 5: Dados demográficos dos entrevistados

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2016).

A escolha desses se deu pelas seguintes razões: Serem sujeitos participantes das

experiências analisadas neste trabalho, em Jundiaí em 2015 e no Peru em 2016. Que houvesse

representação dos envolvidos nos diferentes âmbitos da experiência do voluntariado

missionário salesiano, ou seja, representantes das comunidades que foram atendidas,

representantes de missionários integrantes do GAM, e a representação das lideranças deste

trabalho realizado pelo GAM a nível organizacional. Tentou-se também o equilíbrio entre o

gênero masculino e feminino bem como uma considerável variação na faixa etária dos

entrevistados.

Ressalta-se aqui algumas características dos sujeitos entrevistados. X é membro do

GAM a mais de dez anos. Já realizou por diversas vezes o trabalho missionário de uma

semana e pela primeira vez participou de uma expedição missionária de um mês no Peru. Y é

padre salesiano. Foi responsável pelo trabalho do GAM realizado dentro de toda a inspetoria

de São Paulo. Foi ele o articulador para que se realizasse a expedição missionária em 2016 no

vale de Yanatille no Peru. Z é membro do GAM desde seu inicio em meados de 2002. Já

vivenciou inúmeras experiências missionárias de uma semana. K é missionária recém

integrante no GAM. A missão de Jundiaí foi realizada dentro da comunidade a que pertence.

Após ser uma das lideranças da comunidade a acompanhar o grupo durante toda a semana ela

decidiu que gostaria de estar do outro lado, indo em direção a diferentes comunidades

Entrevista

Nome Gênero Idade Nível educacional

X Feminino 28 superior completo

Y Masculino 36 superior completo

Z Feminino 37 superior completo

K Feminino 24 superior completo

W Masculino 40 superior completo

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realizando um trabalho semelhante ao que o GAM realizou em sua comunidade. Ela também

continua em sua comunidade o trabalho de oratório, brincadeiras e boa-tarde com as crianças,

iniciado em 2015 com o GAM. W é padre salesiano. É peruano e foi o articulador da

expedição missionária, junto com Y.

Os questionários e entrevistas foram respondidos juntamente com um Termo de

consentimento informado (presente nos anexos desta pesquisa). Em conjunto com estes dados

foi realizada a observação in loco das duas ações missionárias. Observamos que as iniciais

acima expostas foram atribuídas aleatoriamente, sem haver correspondência com os nomes

reais.

3.3 DA METODOLOGIA: A PESQUISA QUALITATIVA, A OBSERVAÇÃO

PARTICIPANTE, O QUESTIONÁRIO E A ENTREVISTA.

Ao obter os dados desta pesquisa através de diferentes instrumentos, a observação

participante, o questionário sobre a qualidade de vida e a entrevista, teve-se como meta

analisar o objeto da pesquisa, o GAM, a partir de diferentes perspectivas, ligadas à

centralidade do problema: o voluntariado missionário, o pensamento abissal e as interações

sociocomunitárias.

Segundo Flick (2009, p.20) a pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo

das relações sociais devido à pluralização das esferas da vida. A dissolução de ―velhas‖

desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas

de vida. Essa pluralização exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões.

A pesquisa qualitativa busca ―investigar, interpretar e compreender o sentido- os sentidos- das

experiências vividas e, assim, fazem a escuta das vozes dos sujeitos pesquisados, das

comunidades, dos movimentos sociais, das instituições‖ (GROPPO; MARTINS, 2007, p.15).

Flick (2009) também aborda a necessidade de ―conceitos sensibilizantes‖, a

reflexibilidade da pesquisa e do pesquisador, a essencialidade da análise em profundidade das

práticas cotidianas, relacionando os sujeitos e as situações, a análise das diferentes

perspectivas dos participantes e toda a sua diversidade e a variedade de abordagens e

métodos.

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Diante de tais constatações sobre a pesquisa qualitativa se faz palpável o porquê desta

investigação estar enquadrada nesta categoria. Analisar um trabalho de voluntariado

missionário e toda sua especificidade, bem como a intervenção comunitária que é realizada,

requer uma metodologia de pesquisa com caráter sensível e reflexivo, que potencialize a voz

de todos os envolvidos, e favoreça a investigação e a interpretação das conjunturas

relacionais, das circunstâncias cotidianas e das concepções de mundo existentes.

Para a concretude deste caráter sensível e reflexivo da investigação é essencial estar in

loco , co-participando da construção do objeto. Em consequência a isso é que os instrumentos

de coleta de dados foram selecionados, construídos e empregados.

Em relação à observação participante, segundo Rudio (1986), a ação de observar é um

dos meios mais frequentemente empregados pelo ser humano para conhecer e compreender as

pessoas, as coisas, os acontecimentos e as situações, aplicando os sentidos a fim de obter uma

determinada informação sobre algum aspecto da realidade. É mediante o ato intelectual de

observar o fenômeno estudado que se concebe uma noção real do ser ou ambiente natural,

como fonte direta dos dados. Ao observar se obtém a informação na ocorrência espontânea do

fato.

De acordo com Brandão (1981, p. 05),

Na observação participante, é preciso atentar para o aspecto ético e para o perfil

íntimo das relações sociais, ao lado das tradições e costumes, o tom e a importância

que lhes são atribuídos, as ideias, os motivos e os sentimentos do grupo na

compreensão da totalidade de sua vida, verbalizados por eles próprios, mediante

suas categorias de pensamento. Assim, é preciso observar o conjunto das regras

formuladas ou implícitas nas atividades dos componentes de um grupo social.

Também é necessário observar como essas regras são obedecidas ou transgredidas e

como ocorrem os sentimentos de amizade, antipatia ou simpatia que permeiam os

membros do grupo.

Alguns pontos são essenciais para uma efetiva observação participante, são eles: a

aproximação e interação com o grupo, uma visão de conjunto da comunidade objeto de

estudo, a coleta de dados e a consequente sistematização e organização dos dados coletados.

Para Schwartz e Schwartz (1955, p.343) a observação participante não é só um instrumento de

captação de dados, mas também é um instrumento de modificação do meio pesquisado, ou

seja, de mudança social.

Ao analisar a pesquisa do GAM, consegue-se concretizar os passos da observação

participante, por a pesquisadora estar integrada ao grupo, conhecendo e compartilhando seus

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valores e objetivos, bem como o vínculo com os demais integrantes. Os grupos

acompanhados nos 02 eventos do GAM, aqui relatados e analisados, sabiam que a

pesquisadora estava ali tanto como integrante das ações missionárias como no papel de

investigadora. E que a observação das atividades realizadas seriam parte da coleta de dados da

investigação, aceitando bem essa dualidade de papéis. Segundo Laville (2007) isso é

intrínseco do papel do pesquisador participante, ―que assim integra-se e participa na vida de

um grupo para compreender-lhe o sentido, a partir de dentro.‖ (LAVILLE, DIONE, 2007, p.

178). E, embora os objetivos da investigação não tenham sido construídos, desde o começo,

com os integrantes do GAM, certamente que, no decorrer das ações realizadas no campo, as

práticas vivenciadas, os diálogos e questionamentos feitos, fizeram com que os propósitos

centrais da pesquisa fossem se ajustando àqueles do grupo, inclusive com a emersão das

categorias de análise.

A visão de conjunto da comunidade não apenas é realizada devido à pesquisa, mas é

uma prática já enraizada no grupo, que prioriza conhecer, entender e ouvir a comunidade e as

pessoas, buscando que a intervenção seja potencialmente um instrumento de mudança social.

O Diário de campo foi essencial para este trabalho para que não houvesse perda de

informações relevantes e detalhadas sobre os dados observados.

A estrutura dos instrumentos para a coleta de dados se apresenta na seguinte

configuração:

a. observação participante, durante a intervenção de nove dias realizada na cidade

de Jundiaí no ano de 2015, na paróquia Nossa Senhora Aparecida e em toda a região

adjacente a ela, no bairro Jardim Novo Horizonte, uma região que atende aproximadamente

500 pessoas. A população desta localidade se distingue por ser formada por trabalhadores,

caracterizando-se por grupos vulneráveis, baixa classe média e média classe média4. E em

intervenção de vinte dias no Peru, em Quebrada Honda, vilarejo de aproximadamente 800

habitantes, onde se localiza a paróquia responsável pela missão salesiana de Dom Bosco no

Vale de Yanatile. O Vale é um território em que predomina a umidade, com temperaturas

médias de 32 graus célsius. A altura do nível do mar vai desde 800 metros até 1347 metros e

quase em sua totalidade faz divisa com montanhas e serras. As comunidades atendidas variam

4 De acordo com a tabela do Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE, 2012), os grupos vulneráveis são aqueles

com renda familiar até R$ 1164,00; baixa classe media renda familiar de até R$ 1764,00; média classe média,

renda familiar até R$ 2564,00.

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entre 120 e 800 habitantes, em um território de 3080 quilômetros de extensão. A população

desta localidade tem por característica serem campesinos, de baixa escolaridade, que

trabalham na plantação/produção de coca, café e frutas, sendo a laranja a produção mais

significativa dentre essas. Ambas as experiências tiveram participação da comunidade em

geral, abrangendo crianças, adolescentes e jovens e adultos. Um guião de observação foi

elaborado, pela pesquisadora, para conduzir a observação. Todas as atividades que foram mais

intimamente observadas tiveram a concordância dos participantes para a condução da

observação, por parte da pesquisadora. O guião é apresentado nos apêndices.

b. Questionário, no intuito de analisar quais as percepções dos indivíduos

participantes das intervenções em relação à sua qualidade de vida, individual e coletiva.

Consideramos que levantar esse conhecimento se fazia necessário para mais bem

compreendermos a percepção da comunidade em relação à sua própria realidade e no que essa

se relacionava àquela dos integrantes do GAM. De forma geral, ao tratarmos da intervenção

em comunidades, a ideia que parece mais difundida é a de que tal intervenção se faz naquelas

comunidades consideradas mais desfavorecidas, em algum aspecto (material, cultural, social,

etc). Isso mobiliza o voluntariado, mas pode também aprofundar o pensamento abissal, por

colocar voluntários missionários e as pessoas da comunidades atendidas numa relação de

diferenciação verticalizada: ―Estou aqui para ajudar você‖. E isso pode acontecer de ambos

os lados, ou seja, em relação a qualquer dos grupos envolvidos. Levantar a percepção dos

envolvidos nas missões analisadas, em relação à sua qualidade de vida, nos pareceu uma

forma de equacionar tal diferenciação. Foi feita, assim, a aplicação de quinze questionários

entre as duas intervenções, no Peru e em Jundiaí, com homens e mulheres na faixa etária de

20 a 56 anos, peruanos e brasileiros, sendo estes integrantes da comunidade local e integrantes

do grupo missionário. Nos questionários referentes à intervenção no Peru foram respondidos

em ambas as dimensões, comunidade e missionários, por brasileiros e peruanos.

Como descrito anteriormente o questionário aplicado foi elaborado pela ONU

(Organização das Nações Unidas) através da OMS (Organização Mundial da Saúde), no ano

de 1996, no âmbito de programas educacionais voltados à valorização da saúde mental.

Através da tabulação dos dados das vinte e seis perguntas de múltipla escolha presentes no

questionário é possível verificar em uma escala de zero a cem o quanto elas se consideram

bem em quatro domínios: saúde física, psicológica, relações sociais e contexto. O fato do

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questionário já vir sendo aplicado em diversos contextos culturais e sociais colaborou com a

escolha desse instrumento, pois necessitávamos de um questionário que já tivesse sido testado

em diferentes culturas. O texto do questionário foi traduzido do inglês para o português e do

inglês para o espanhol por profissionais da área de tradução, e em julho de 2015 foi feito um

pré-teste, com 02 sujeitos, tanto para o questionário em português como em espanhol.

É considerado e analisado segundo o questionário:

Saúde física: Atividades de vida diária, dependência de remédios ou tratamentos,

energia e fadiga, mobilidade, dor e desconforto, sono e repouso, capacidade de trabalho.

Saúde psicológica: Aparência e imagem corporal, sentimentos positivos/negativos,

autoestima, espiritualidade, religião, crenças pessoais, pensamento, aprendizagem, memória e

concentração.

Relações sociais: relações pessoais, suporte social, atividade sexual.

Contexto: Recursos financeiros, liberdade, segurança física, saúde e acesso e

qualidade à atenção à saúde, domicilio, oportunidades para adquirir novas informações e

habilidades, participação em oportunidades para recreação, atividades de lazer, ambiente

físico (poluição, barulho, tráfego, clima), transporte.

O questionário está disponível na integra nos anexos desta dissertação.

O questionário obtém uma parte aberta elaborada pela autora com o seguinte

questionamento para livre dissertação:

Em um pequeno relato, qual a sua percepção sobre a transformação pessoal e/ou

comunitária que estão inseridos na participação de uma experiência missionária? Que valores

se acumularam?

Tal questionamento foi traduzido posteriormente para o espanhol para estar presente

também nos questionários já traduzidos para o espanhol.

c. Entrevistas, no intuito de ouvir as percepções dos entrevistados no que se

refere à intervenção sociocomunitária, às ações realizadas pelo GAM, e as possibilidades de

ter presente nestas atuações/interações os preceitos de justiça social, transformação social,

mudança de percepção na visão de mundo e a reelaboração de contextos de vida, através de

outros referenciais pessoais e/ou comunitários. Bem como o potencial do GAM para superar o

pensamento abissal. As entrevistas foram realizadas após o término das missões, nos meses de

agosto a novembro de 2016, quer pessoalmente (no caso dos entrevistados K e Z) ou por

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email (no caso dos entrevistados X, Y e W). Todas foram registradas em áudio ou de forma

escrita. O guião das entrevistas consta nos apêndices (Apêndice C).

Além desses instrumentos, também fizemos uso, como já citado, dos documentos

fundantes e direcionadores do GAM.

3.4 ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi feita pelas seguintes categorias de análise: a. pensamento

abissal, b. justiça social, c. desenvolvimento comunitário e qualidade de vida pessoal e

comunitária, entendendo que nessas estão incluídas aquelas categorias de emancipação e

autonomia.

Iniciamos esta análise apresentando a categoria de análise de qualidade de vida pessoal

e comunitária, em que o questionário aplicado define como qualidade de vida:

A qualidade de vida é definida de acordo com as percepções dos indivíduos segundo

suas posições na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores na qual vivem, e em

relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Essa definição reflete a

visão de que a qualidade de vida se refere a uma avaliação subjetiva, a qual está embebida

num contexto cultural, social e ambiental. Devido a essa definição de qualidade de vida,

focar-se sobre a qualidade de vida como ―percebida‖ pelos respondentes, não é entendido

como fornecendo um meio para mensurar sintomas, doenças ou condições, mas antes os

aspectos que impactam a qualidade da vida. Nesse sentido, qualidade de vida não pode ser

simplesmente comparável com ―status de saúde‖, ―estilo de vida‖, ―satisfação com a vida‖,

―estado mental‖ ou ―bem-estar‖. Reconhece-se a natureza multidimensional da qualidade de

vida, a saúde física, psicológica, as relações sociais e o contexto já definidos anteriormente.

Na tabela a seguir estão os dados obtidos na aplicação do questionário:

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Quadro 6: Score dos participantes do questionário sobre Qualidade de vida

Fonte: elaborado pela pesquisadora (2016).

A partir destes resultados algo que se destaca, e que passa a ser a centralidade da

discussão, é que de quinze sujeitos, onze consideram que das quatro dimensões, a dimensão

de contexto é aquela que gera mais descontentamento.

Quando analisado esse dado no contexto desta investigação, reflete-se no âmbito

comunitário, que é aquele no qual se desenvolve a vida dos sujeitos. As pessoas conjeturam

aqui o senso de coletivo, expressando que mesmo que individualmente estejam satisfeitas

com as condições pessoais, tais como aquelas físicas e psicológicas, e também com suas

relações sociais, quando se abrem para pensar a qualidade de vida numa perspectiva ampliada,

entendem que a comunidade (contexto) em que estão inseridos demanda cuidados, análise da

realidade e busca por possíveis mudanças e melhorias. E uma questão que nos vem à mente é

qual o papel que o pensamento abissal representa nessa insatisfação? Ex: há indicativos de um

descontentamento com o atendimento à saúde, tanto quanto à precariedade quer quanto à

atenção dos profissionais. Ponderamos que a separação entre saberes populares e aqueles

Questionário ONU - Qualidade de vida

Score (0-100), representando 100 o máximo de satisfação e 0 o mínimo

Nome Saúde Física Saúde Psicológica Relações Pessoais Contexto

S1 75 69 75 63

S2 38 50 75 63

S3 69 69 56 56

S4 56 44 50 38

S5 63 69 81 44

S6 88 63 44 50

S7 63 75 69 44

S8 75 81 75 56

S9 81 75 69 69

S10 69 63 94 56

S11 81 69 81 56

S12 88 63 100 38

S13 81 69 75 63

S14 81 69 69 50

S15 75 69 69 63

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científicos, que parece tão marcante na área da saúde, pode contribuir para tal insatisfação,

gerando sentimentos de incompreensão, não acolhimento, etc.

Ao pensarmos no conceito das capacidades, como defendido por Nussbaum, cada

indivíduo elege alguns pontos, que considera importante para a qualidade de vida, sendo o

conjunto da inter-relação desses pontos que redunda no conceito mais amplo de ―qualidade de

vida‖:

As abordagens gerais ou holísticas baseiam-se na premissa segundo a qual o

conceito de qualidade de vida é multidimensional, apresenta uma organização

complexa e dinâmica dos seus componentes, difere de pessoa para pessoa de acordo

com seu ambiente/ contexto e mesmo entre duas pessoas inseridas em um contexto

similar. Características como valores, inteligência, interesses são importantes de

serem considerados. Além disso, qualidade de vida é um aspecto fundamental para

se ter uma boa saúde e não o contrário (RENWICK; BROWN, 1996, p. 10).

Nussbaun (2011) afirma que dez capacidades que seriam centrais à vida humana, para

assegurar dignidade: vida, saúde física, integridade física, o sentir, imaginação e pensamento,

emoções, razão prática, afiliação, ou seja, ser capaz de viver em relação com o mundo da

natureza, brincar e controlar o próprio meio.

A partir do momento que o sujeito vislumbra que sua qualidade de vida não depende

apenas de si, mas de todo seu contexto de vida, ou seja, é necessário não apenas um olhar

egótico, do eu, mas do nós, ele passa a ser uma pessoa com potencial protagonista para a

busca da transformação social. Entendemos que para que essa passagem do olhar egótico para

aquele do nós, envolve ultrapassar o pensamento abissal.

Segundo Rawls (2003, p.26) para uma justiça de equidade:

os cidadãos estão envolvidos na cooperação social, e, portanto são plenamente

capazes de fazer isso durante toda a vida. Pessoas assim consideradas têm aquilo que

poderíamos chamar de ―as duas faculdades morais‖ (...) uma dessas faculdades é a

capacidade de ter um senso de justiça (...) a outra faculdade moral é a capacidade de

formar uma concepção do bem...

O sujeito que tem a tomada de consciência de que ele também faz parte de um todo e

como tal tem que ser autor da mudança para si e para o outro também, tem em si, como sugere

Rawls, esse senso de justiça e a formação de uma concepção do bem, entendendo que uma

sociedade democrática se utiliza da diversidade como ferramenta para o florescimento da

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comunidade em um clima de concórdia. Base para que se inicie um panorama que permite o

desenvolvimento comunitário.

O desenvolvimento comunitário tem início com a consciência de pertencimento que

tenho diante de um determinado grupo e a crença em seus potenciais latentes. A partir daí, a

comunidade começa a atuar colaborativamente, reconhecendo seus próprios recursos como

alavanca para seu desenvolvimento, articulando atores sociais diversos e desenvolvendo a

solidariedade entre as pessoas.

Pode-se elencar que a problemática existente ao revés deste processo de

desenvolvimento é a apatia, a falta de articulação dos membros da comunidade e a sua

descrença enquanto indivíduo que não se considera pertencente aquela realidade e

consequentemente traz a impossibilidade de ser agende da mudança social.

Quando o GAM inicia seu trabalho em uma determinada comunidade é visível

algumas destas características, como relata um dos entrevistados da pesquisa:

Este processo (falta de solidariedade, de protagonismo), creio eu, dá conta de boa

parte das principais problemáticas que encontramos nas comunidades que recebem a

Ação Missionária: a falta de mobilização e de comprometimento das pessoas,

ausência de lideranças fortes, carismáticas e criativas, deficiência na formação dos

agentes de pastoral, escassez de referências e modelos que possam influenciar

positivamente e atrair os mais jovens. Soma-se também, evidentemente, os desafios

da pobreza (em alguns casos extrema) dos habitantes da comunidade, o desemprego,

a falta e/ou deficiência das moradias, o uso de drogas lícitas e não lícitas, a

dificuldade de acesso ao estudo de qualidade, a falta de opções de lazer e a violência

muito presente em nossos centros urbanos (Sujeito Y, novembro/2016).

Por outro lado, em que pese o destaque dado às dificuldades do contexto, pelos

respondentes dos questionários, mesmo em comunidades marcadas pela pobreza e outras

condições sociais desafiadoras, como a presença do narcotráfico, como aquelas que visitamos

com o GAM, observamos aqui que as pessoas que vivem em contextos assim caracterizados,

mostram satisfação com a sua qualidade de vida, em diferentes dimensões.

As explicações para isso envolvem a presença de relações sociais satisfatórias nas

comunidades, mecanismos psicológicos de adaptação à situação vivida, presença de

instituições sociais confiáveis, como as igrejas, e mesmo a não percepção ou não

conscientização de que muitas das problemáticas enfrentadas cotidianamente têm como causa

a desigualdade social, e/ou das causas dessas desigualdades (NERY, 2014).

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Dessa forma, consideramos, junto com os autores aqui citados, que a qualidade do

desenvolvimento comunitário pode ser um fator tão ou mais determinante para a qualidade de

vida do que a sua própria situação financeira.

E entendemos que o GAM, ao favorecer a imersão de pessoas de diferentes contextos

culturais em vivências que auxiliam um olhar humanista (empático, de troca de saberes, de

cuidado) sobre a realidade, favorece a identificação de aspectos dessa realidade pelo/com o

grupo. Enquanto animadores, os missionários procuram propiciar àquela comunidade,

enquanto também esses próprios vão se descobrindo (valores são colocados em cheque, pré-

concepções, visões de mundo, etc.) nas atividades praticadas, suas fragilidades e fortalezas.

Para que se utilizem deste conhecimento como uma forma de encontrar quais são os possíveis

meios para a superação das problemáticas identificadas e discutindo porque são

problemáticas, e no que impactam a qualidade de vida. O relato do entrevistado continua na

seguinte direção:

Poucos dias atrás, a rádio CBN de Campinas divulgava o resultado de uma pesquisa

que dizia que o brasileiro é sim um povo solidário. Porém, que necessita de um

incentivo, uma boa motivação, uma data especial ou um movimento chocante que

desperte de forma mais profunda esta solidariedade. Isto evidente não é uma

excelente notícia, uma vez que o ideal sem dúvida seria as pessoas terem esta

sensibilidade aguçada em todo o tempo, prontas a ajudarem os mais necessitados

sempre. No entanto, não deixa de ser uma pista importante de como a Ação

Missionária pode ser um momento interessante para mobilizar as pessoas em vista

de um maior comprometimento e serviço em prol das situações existentes em seu

entorno. A disponibilidade, a disposição, a alegria em doar o próprio tempo, a

qualidade do trabalho, a espiritualidade, a criatividade, o recurso ao contato pessoal

com as pessoas, o uso do jogo e de atividades lúdicas são elementos que despertam

interesse nas pessoas o desejo de também quererem fazer algo para a transformação

da realidade (Sujeito Y, novembro/2016).

Entretanto, e considerando a questão do pensamento abissal, da ecologia de saberes, e

a abordagem das capacidades, afirmamos que a vontade de ajudar não pode significar que

―passemos por cima‖ daquilo que a comunidade quer, para os propósitos que as orientam.

Mesmo que tais propósitos pareçam a nós, estranhos a determinada cultura, embora com boas

intenções, ―errados‖, ou de uma ―moralidade equivocada‖. O que é preciso é estabelecer a

dialogicidade, para que entendamos, sempre, a perspectiva para a ação do outro.

Essa deve ser a essência do trabalho do missionário. Enquanto animador, como define

Larrazábal (2008, p.121) é alguém que estimula a ação, e trabalha por uma conscientização

para uma mudança de atitude, mobilizando a comunidade participante de um projeto

solidário. Qual mudança é que se constitui como problema, pois não podemos nos guiar por

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padrões para a mudança que violentem a comunidade e as pessoas. Um dinamizador e

mobilizador, um ―relacionador‖ capaz de estabelecer uma comunicação positiva entre as

pessoas e grupos, na tentativa de fazer com que esses grupos e/ou comunidades passem por

uma tomada de consciência que os façam também ser articuladores de melhorias em contato

com instituições sociais e organismos públicos, suscitando assim a promoção de inciativa que

podem transformar a situação social e cultural.

É por isso que o missionário também tem em seu perfil o que podemos chamar de

olhar missionário, que olha para a pessoa e não só o trabalho que irá realizar. Ele não está

apenas preocupado em como, mas com o quem, pois é a partir desta aproximação enquanto

indivíduo que ele, enquanto voluntário, tem a percepção de quais caminhos seguir para ir até a

raiz, na profundidade da comunidade, não apenas no seguimento de protocolo de atividades.

No entender de X:

O trabalho missionário me sensibilizou e aguçou meu olhar para as necessidades dos

outros, me ajudou a ter coragem que ir ao encontro das outras pessoas sem

desconforto ou receio, me ensinou a me organizar e a organizar pessoas para uma

ação a nível social-comunitário, me auxiliou a identificar as demandas na minha

comunidade, despertou o desejo se me engajar socialmente para (pequenas)

transformações na minha comunidade, como: iniciar o oratório no bairro em que

vivo, que ainda se constitui a maior periferia da minha cidade (Sujeito X,

novembro/2016).

Fernandes (2007, p.06) complementa essa ideia de transformação fazendo uma ligação

entre a cidade, que aqui identifico também como comunidade, como fonte potencial de

educação, não em seu caráter formal escolar, mas enquanto forma relacional com públicos de

diferentes faixas etária aproximando realidades da educação não formal como a música, o

teatro, a dança, o lazer enunciando que:

Tanto crianças quanto jovens, adultos e velhos, de qualquer classe social e

econômica precisam ter direito e acesso a muitas formas de aprendizagem,

sociabilidade e socialização que não apenas as oferecidas pelos sistemas formais de

ensino, legalizados e submetidos a padronizações sistemáticas (FERNANDES,

2009, p. 6).

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É através da música, teatro, brincadeiras, diálogo e escuta que o voluntariado proposto

pelo GAM se estende à comunidade na promoção da dimensão humana e em redes de relação

solidária, enfatizando o compromisso que o indivíduo tem com o outro.

É com esse sentido de alteridade, de olhar o outro, de se colocar no lugar do outro que

a comunidade pode passar a ser protagonista de seu desenvolvimento:

Acredito que o trabalho missionário salesiano, em geral, suscita dois desejos

importantes: o primeiro é o da comunidade se tornar missionária; esse desejo torna-

se mais evidente nos jovens da comunidade que tomam como exemplo os jovens

missionários que estão em suas comunidades e que vão ao encontro das pessoas e

das suas necessidades de coração aberto. Este testemunho é extremamente valioso

porque abre os olhos dos jovens para as necessidades da própria comunidade, que,

muitas vezes, eles ainda não haviam se dado conta (Sujeito X, novembro/2016).

Ainda sobre a qualidade de vida pessoal analisa-se restritamente a questão 20 do

questionário que pergunta: Quão satisfeito você está com suas relações pessoais? Dos 15

entrevistados, 11 responderam 4 e 5, que significa satisfeito e muito satisfeito. Os outros 4

entrevistados responderam 3 que significa nem satisfeito nem insatisfeito. Pode-se analisar

diante deste dado que para eles qualidade de vida pessoal esta extremamente ligada a essa

satisfação relacional, que como já citado anteriormente, pode caracterizar maior importância

na presença de relações sociais satisfatórias nas comunidades para o seu desenvolvimento do

que, por exemplo, a presença de recursos financeiros ou mesmo no que tange as questões

físicas.

Em relação à outra categoria, aquela da justiça social. Visando este processo de

desenvolvimento comunitário através das interações sociocomunitárias que o GAM realiza

entramos na categoria de justiça social. Consideramos que essa precisa se fazer presente no

cerne da comunidade e de todos os indivíduos participantes das missões.

Aristóteles é o primeiro a sugerir uma teoria sistemática do conceito de justiça. Ele a

subdivide entre justiça geral, justiça distributiva e justiça corretiva. Segundo Barzotto, a

justiça geral para Aristóteles significava as ações necessárias para que a comunidade alcance

o bem comum. Segundo definição:

Deste modo, a lei determina quais as ações que são devidas à comunidade, para que

esta alcance o seu bem, o bem comum. Assim, as ações legais são ações justas, na

medida em que atribuem à comunidade aquilo que lhe é devido. A justiça

distributiva rege-se por uma igualdade proporcional, isto é, a relação que existe entre

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as pessoas é a mesma que deve existir entre as coisas; em uma oligarquia, por

exemplo, a participação nos benefícios da comunidade vai dar-se proporcionalmente

à riqueza de cada cidadão. De outro lado, tem-se a justiça corretiva. É aquela que

exerce uma função corretiva nas relações entre os indivíduos. Segue-se da ação

cumprida por um e sofrida por outro, uma divisão desigual. O juiz tenta restabelecer

a igualdade, concedendo algo à vítima (aquele que perdeu algo), e tirando alguma

coisa do agressor (aquele que ganhou algo) (BARZOTTO, s/d, p.02).

Tomás de Aquino, sobre o conceito aristotélico trará que "a justiça consiste em dar a

cada um o que lhe é devido‖. Ele passa a denominar a justiça geral como justiça legal, no que

diz respeito à comunidade, ao bem comum e o objeto da justiça particular é o bem do

particular, singular.

Para Tomás de Aquino o conceito de justiça distributiva não se atribui apenas ao

campo político, mas o torna mais amplo, como inserido no contexto familiar e do ensino. O

conceito de justiça corretiva passa a ser chamado de comutativa, regulando as trocas que se

realizam entre duas pessoas.

A partir do surgimento da democracia passou-se a valorar a premissa de que todos os

seres humanos são dotados de mesma relevância, portanto, a justiça legal passa a conceituar

uma noção moderna de dignidade, inerente a todos os seres humanos, de forma igualitária e

universalista.

Segundo Rawls (2003, p.02),

os princípios de justiça mais razoáveis seriam aqueles que fossem objeto de acordo

mútuo entre pessoas em condições equitativas. A justiça como equidade é, portanto,

uma teoria da justiça que parte da ideia de um contrato social. Os princípios que

articula afirmam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades básicos, e só

admitem desigualdades e renda e riqueza que sejam vantajosas para os menos

favorecidos.

Os documentos do Papa Pio XI reforçaram este sentido através da encíclica Divini

Redemptoris, de 1937, que define como justiça social:

É precisamente próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao

bem comum. A justiça legal ordena o homem imediatamente ao bem comum. Não

se pode prover ao organismo social e ao bem de toda a sociedade, se não se dá a

cada parte e cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo

quanto necessitam para desempenharem suas funções sociais (PIO XI, Divini

Redemptoris, n. 32).

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O conceito de justiça social está balizado em preceitos que abordam demandas como:

igualdade de direitos, garantia de direitos básicos e, ainda, solidariedade coletiva. A justiça

social analisa o contexto e a situação dos sujeitos permitindo que seja atribuída uma resolução

mais apropriada para cada caso, buscando a reparação das desigualdades constatando as

dificuldades específicas de cada grupo e na implementação de ações que venham aplacar a

situação.

Ou seja, segundo Fraser (2002, p.9):

a justiça social já não se cinge só a questões de distribuição, abrangendo agora

também questões de representação, identidade e diferença. Também neste aspecto

constitui um avanço positivo relativamente aos redutores paradigmas economicistas

que tinham dificuldade em conceptualizar males cuja origem reside, não na

economia política, mas nas hierarquias institucionalizadas de valor.

Define-se assim a Justiça social por 3 concepções-chaves: distribuição, participação e

reconhecimento (FRASER, 2002).

Dentro dos questionários, na resposta da pergunta aberta elaborada pela autora,

obteve-se o seguinte trecho de um dos respondentes:

Conhecer de perto outras realidades, por mais que escutamos, lemos ou assistimos

sobre pessoas com problemas familiares, pessoais, não conseguimos nos colocar

realmente na situação, mas quando se escuta da própria pessoa, olhar nos olhos e

sentir a aflição da pessoa ou da família, é onde você reconhece, chora e se emociona

junto (S6).

Nesta resposta identificamos um dos pilares da justiça social, o reconhecimento, a

identificação com o outro, sem a qual a justiça social não é possível. Segundo Fraser (2002,

p.15) reconhecimento é ser capaz de afirmar a identidade cultural específica de indivíduos e

dos grupos. O falso reconhecimento consiste na depreciação de tal identidade pelo grupo

dominante e no consequente dano infligido ao sentido do eu dos membros do grupo. O que

requer reconhecimento, num contexto da globalização, como aquele das sociedades

contemporâneas, não é a identidade específica de um grupo, mas o estatuto individual dos

seus membros como parceiros de pleno direito na interação social. É o processo de

reconhecimento recíproco presente no depoimento do respondente.

Ao abordar na entrevista se o trabalho missionário colabora para uma sensibilização à

justiça social obtivemos as seguintes respostas:

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―Certamente é uma oportunidade para tomar consciência, logo atuar e canalizar

múltiplas iniciativas de ajuda social‖ (Sujeito W).

―A experiência da Ação Missionária dura uma semana. E neste curtíssimo espaço de

tempo, o trabalho do voluntariado missionário já consegue alcançar vários objetivos

para o qual a atividade missionária se propõe. Entre eles o de fomentar uma

liderança que se entusiasme em, terminada a atividade missionária, continuar a

realizar o trabalho que em tão pouco tempo impactou tão positivamente a

comunidade. Em não poucas vezes, a participação das pessoas da comunidade nas

atividades missionárias causa um despertar interessante de capacidades – até então

adormecidas ou mesmo desconhecidas – que podem ser colocadas em prática a

serviço de sua própria comunidade‖ (Sujeito Y).

Tais respostas vão de encontro à centralidade da efetivação da justiça social, que é a

busca ativa pela equidade, em que o sujeito é atuante em sua realidade.

Outro ponto pertinente à justiça social é entender que ela só pode se realizar a partir do

momento que a comunidade se dispõe a buscá-la. Não adianta realizar um trabalho

missionário, por exemplo, se aquele trabalho apenas volatiliza a comunidade enquanto a ação

acontece e depois a apatia retorna ao cotidiano comunitário. É necessário que a própria

comunidade se abasteça de consciência autônoma para alcançar o bem comum e a dignidade

inerente a ele. É o que descreve bem uma das entrevistadas:

―O alcance a sensibilização da justiça social penso que dependa do envolvimento da

comunidade. Visitamos comunidades muito apáticas e que viviam e, portanto

esperavam de nós, o assistencialismo. Mas, visitamos porém, comunidades sedentas

de transformação, as quais com o pouco que levamos conseguiram dar continuidade

em alguns trabalhos iniciados por nós. Lembro-me de uma recente, onde as crianças

não tinham espaço na comunidade para brincar e demos início ao Oratório. Os

jovens da comunidade deram continuidade a isso. E acompanhamos mesmo de longe

e vimos uma crescente nesse trabalho, com pouca frequência e participação e nos

últimos, mais participação tanto de voluntários como de crianças!‖ (Sujeito Z).

Rawls (2003, p.107) ainda vai nos dizer que:

O que deve ser considerado um bem comum é, portanto, distribuição dos talentos

naturais, isto é, as diferenças entre as pessoas. Essas diferenças consistem não só na

variação de talentos do mesmo tipo (...), mas na variedade de talentos de diferentes

tipos. Essa variedade pode ser considerada um bem comum porque torna possível

inúmeras complementaridades entre talentos, quando estes estão devidamente

organizados para que se tire vantagem dessas diferenças.

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Ou seja, parafraseando alguns participantes das ações missionárias realizadas em 2015

e 2016, que são objeto de estudo desta dissertação ―amplia nossa perspectiva social e pessoal

de vida à medida que meu olhar se coloca diante de realidades e pessoas diferentes‖,

―vivenciar o intercambio cultural como reconhecimento das diferenças e da cooptação de

talentos‖, ―um olhar não só para si mas para o outro, que se dá na convivência em grupo, de

forma que valores como escuta e tolerância são necessários tendo em vista que cada indivíduo

tem um modo de vida diferente, com valores diferentes‖.

Este reconhecimento das diferenças que os respondentes trazem podem ser

conceituados por Fraser (2002), na importância de tal reconhecimento, juntamente com as

questões de caráter distributivo para o alcance da justiça social:

Vista por uma das lentes, a justiça é uma questão de distribuição justa; vista pela

outra, é uma questão de reconhecimento recíproco. Cada uma das lentes foca um

aspecto importante da justiça social, mas nenhuma por si só basta. A compreensão

plena só se torna possível quando se sobrepõem as duas lentes. Quando tal acontece,

a justiça surge como um conceito que liga duas dimensões do ordenamento social –

a dimensão da distribuição e a dimensão do reconhecimento (FRASER, 2002, p.11).

Assimilando esta afirmação de Fraser com o depoimento de um dos respondentes que:

―Os valores são vistos dando amor aos que mais precisam, dar de comer a quem tem

fome, não somente fome de comida, mas sim fome de amor e carinho‖

(Questionário S6).

Ou seja, a ligação da dimensão da distribuição e da dimensão do reconhecimento, a

participação nos dois âmbitos, como apresentado por Fraser.

O reconhecer traz a seguinte definição segundo um dos respondentes:

Ajuda a ser mais humano, olhar o outro de uma maneira diferente, sem julgamentos.

Olhar mais humano, a caridade, contato, diálogo e a escuta ajuda nesta

transformação social, visto que os missionários estão dispostos a ouvir e

consequentemente mostrar que é possível juntos, também suscitar a esperança

comunitária‖ (Sujeito K).

Diante de tais relatos se faz perceptível que o trabalho missionário realizado suscita,

desde que a comunidade esteja disposta a, o cimentar das bases da democracia quando alia

solidariedade, compromisso e engajamento cívico, uma consciência da realidade social em

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que estão inseridos, de busca a direitos e práticas que indiquem o caminho a justiça social,

uma comunidade convicta de que pode resolver seus próprios problemas.

Assim, podemos construir o conceito de justiça social enquanto transformação no seguinte

sentido:

O remédio é, portanto, o reconhecimento, igualmente em sentido lato, de forma a

abarcar não só as reformas que visam revalorizar as identidades desrespeitadas e os

produtos culturais de grupos discriminados, mas também os esforços de

reconhecimento e valorização da diversidade, por um lado, e, por outro, os esforços

de transformação da ordem simbólica e de desconstrução dos termos que estão

subjacentes às diferenciações de estatuto existentes, de forma a mudar a identidade

social de todos (FRASER, 2002, p. 12).

A partir de toda essa construção que perpassa as questões de qualidade de vida

individual e comunitária, desenvolvimento comunitário e justiça social pode-se iniciar a

discussão que alimenta a essência desta pesquisa, na última categoria: aquela do pensamento

abissal. O voluntariado realizado pelo GAM auxilia na superação das ―linhas abissais‖ que

delimitam e ―justificam‖ a desigualdade social?

Além das reflexões sobre o pensamento abissal já feitas anteriormente, outro ponto

que pode ser analisado em relação a essa categoria são as respostas da Questão 9 do

questionário, que pergunta: Quão saudável é o seu ambiente físico? Dos 15 entrevistados

apenas dois estão satisfeitos com seu ambiente físico. Os demais responderam que estão

insatisfeitos ou nem satisfeitos nem insatisfeitos, respectivamente as respostas com 2 e 3. O

ambiente físico está diretamente ligado às questões de desigualdade social. Quanto mais

dificultoso é o acesso das pessoas ao seu ambiente e a sua ligação com a cidade, mais se

reverbera o reforço ao pensamento abissal.

Milton Santos afirma que:

O espaço é matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem

tamanha imposição sobre o homem, nenhum está tão presente no cotidiano dos

indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que

unem esses pontos são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens

e comandam a prática social (MILTON SANTOS, 2008, p.34).

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Diante de tal conceituação, quando os respondentes mostram que não estão satisfeitos

em sua maioria com o ambiente físico representam que tem significativa dificuldade nas suas

práticas sociais.

Segundo Rezende-Filho (2009, p.03), a sujeição das pessoas a determinados lugares, a

sublugares, é milenar e se reedita no desenrolar do tempo. Ao estudar a histórica

representação da pobreza no ocidente constatou-se que as margens da cidade, dos castelos,

das igrejas, sempre couberam aqueles que não correspondiam às expectativas da produção.

Aos pobres que transgrediam a natureza de tais linhas lhes cabia a punição.

Na atualidade, as periferias não são um lugar marcado por estar às margens da cidade,

vai além, são sublugares de um sistema periferizante, que determina a presença e ausência de

recursos para ir além dela, a perifieria.

Santos (2007, p. 42) defende que este procedimento complexo de exclusão em prol do

império do capital, em que o conhecimento é o eixo do poder, pode ser superado quando

ocorre o reconhecimento e a socialização dos saberes ―sem fronteiras‖, na contramão da

prática do sistema. Trata-se dos entre-lugares, que são compreendidos como um pensamento

liminar, construído nas fronteiras, nas bordas.

O conceito entre-lugar, formulado por Bhabha (1998, p.25), está relacionado à visão e

ao modo como grupos subalternos se posicionam frente ao poder e ao como realizam

estratégias de empoderamento. Tais posicionamentos geram entre-lugares, onde aparecem

com maior nitidez questões de âmbito comunitário, social e político. Para o autor, essa

percepção é viabilizada na medida em que são ultrapassadas as narrativas ordinárias e que se

entra nos conflitos e nas aproximações surgidas em função das diferenças culturais, com todas

as subjetividades inerentes desses conflitos. A posição de fronteira permite maior visibilidade

das estruturas de poder e de saber, o que pode ajudar na apreensão da subjetividade de povos

subalternos.

Apresenta-se aqui o trecho de uma das entrevistas:

―Qualquer experiência relacional nos transforma. Deixamos um pouco de nós com

quem nos relacionamos e elas deixam um pouco de si conosco. O mesmo ocorre na

experiência missionária quando, tendo um contato intenso de uma semana com uma

comunidade, você passa a fazer parte dela, daquele grupo de pessoas, daquele

contexto. Passa a compartilhar da mesma realidade que a comunidade a qual visita,

com as suas riquezas e desafios. Sente a dificuldade das pessoas e se alegra com as

suas conquistas. Toma para si as suas lutas e se engaja para contribuir da melhor

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forma possível. É impossível não se transformar com esta experiência. Nossa visão

de mundo se altera quando conhecemos a alegria de uma família que vive situações

financeiras dramáticas ou quando notamos a esperança de alguém que já passou por

muitas experiências traumáticas na vida. A experiência missionária sempre

provocou – e provoca – uma revisão da própria vida do missionário, com as suas

prioridades, objetivos, atitudes, com aquilo que é fundamental e necessário. Percebe-

se cada vez mais que não é possível viver sozinho, com a atitude de comunhão e de

vínculo com as pessoas nos faz mais humanos e mais participantes desta grande casa

comum que é o mundo. E justamente por isso nos torna mais responsáveis e

interessados por ela, pelo seu bem, pela sua conservação e pela felicidade de todos

os seres vivos que nela habitam‖. (Sujeito Y).

Com este relato é perceptível que a atuação do GAM se realiza de tal forma que há

uma grande troca de experiências e partilha de vida. É a possibilidade que o indivíduo tem de

se esvaziar de todos os seus pré-conceitos, julgamentos e fazer a experiência do sair de si, de

ir ao encontro de, havendo a superação de uma possível forma dicotômica de pensar que tem

fomentado as exclusões e a marginalização social. Essa superação não apenas do sujeito

enquanto voluntário como retrata um dos entrevistados:

―Certamente muda a percepção de mundo, porque os jovens que realizam uma

missão em um lugar distinto a sua cultura, condição social, educação e etc. devem

inculturar-se e adotar uma nova forma de vida que lhes permita chegar as pessoas da

comunidade, desde sua adaptação aos tipos de comida até a grande diversidade de

perfis identitários‖.(Sujeito W).

A superação também ocorre na comunidade, que passa a se colocar não com o

sentimento de vítima, mas enquanto sujeitos corresponsáveis pela sua transformação. Quando

a experiência que se realiza de solidariedade e compaixão com o outro passa por um processo

de amadurecimento passa a se firmar em todas as instancias, sujeitos animadores, comunidade

atendida e sociedade como um todo, a consciência de um senso de corresponsabilidade.

Rawls (2003, p.107) apresenta a seguinte conceituação sobre o bem comum:

O que deve ser considerado um bem comum é, portanto, distribuição dos talentos

naturais, isto é, as diferenças entre as pessoas. Essas diferenças consistem não só na

variação de talentos do mesmo tipo (...), mas na variedade de talentos de diferentes

tipos. Essa variedade pode ser considerada um bem comum porque torna possível

inúmeras complementaridades entre talentos, quando estes estão devidamente

organizados para que se tire vantagem dessas diferenças.

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É com esta conceituação que pode-se contra argumentar o pensamento abissal.

Diferentemente do que o pensamento aborda, em que há uma linha divisória entre as ciências,

teologia e filosofia em relação às crenças e subjetividades por exemplo, a definição de Rawls

nos apresenta que é na diferença que pode haver a complementariedade de talentos, de

identidades, de perfis, que somados podem em conjunto realizar por exemplo o

desenvolvimento comunitário. É no momento que se assume que o bem-comum, que é algo

intrínseco da natureza do ser buscar, pode ser alcançado exatamente pela soma da diferença

epistemológica do mundo, congruente com o pensamento pós-abissal, que supera as linhas da

exclusão reconhecendo a pluralidade de conhecimentos, entendendo que a cooperação social

se realiza com base no respeito mútuo entre os cidadãos.

Ao abordar-se a questão 14 do questionário que diz: Em que medida você tem

oportunidade para atividades de lazer? Para uma compreensão mais adequada do que

consideramos lazer, trazemos aqui a citação de Neubert:

O lazer é, assim, definido como resultado de dois movimentos: em primeiro lugar,

ele é definido negativamente, tendo em vista a diminuição do tempo gasto com o

trabalho profissional, com os cuidados com a família e com a casa, com as

obrigações sócio-políticas e sócio espirituais, processo esse que resultou em uma

proporção de tempo livre que em parte foi revertida em lazer; em segundo lugar, o

tempo livre só pode ser compreendido como lazer quando parte dele é dedicado

exclusivamente às atividades que visam, em primeiro lugar, a satisfação do próprio

indivíduo que as realiza. Portanto, um novo valor social transformou a natureza de

parte do tempo livre em um bloco de tempo que o indivíduo possui, por direito, para

libertar-se das obrigações institucionalizadas e dedicar-se a si mesmo. Não que a

liberdade experimentada no lazer signifique anulação dos condicionamentos sociais,

mas expressa a livre escolha do indivíduo que só é permitida dentro de certos

períodos restritos de tempo. Define-se assim (a) descanso: o lazer liberta das fadigas

e desgastes fisiológicos provocados pelas obrigações cotidianas, principalmente o

trabalho; (b) diversão, recreação e entretenimento: esta função está ligada à

necessidade de ruptura com a rotina maçante imposta pelas obrigações; (c)

desenvolvimento da personalidade: esta função permite uma participação social

mais livre, uma prática cultural desinteressada do corpo, da sensibilidade e da razão. (NEUBERT, 2013, p.105).

Nesta pergunta 10 respondentes consideraram suas oportunidades de lazer como

insatisfatórias.

Segundo Fraser:

São necessárias pelo menos duas condições para que a paridade participativa seja

possível. Primeiro, deve haver uma distribuição de recursos materiais que garanta a

independência e ―voz‖ dos participantes. Esta condição impede a existência de

formas e níveis de dependência e desigualdade económicas que constituem

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obstáculos à paridade de participação. Estão excluídos, portanto, arranjos sociais que

institucionalizam a privação, a exploração e as flagrantes disparidades de riqueza,

rendimento e tempo de lazer que negam a alguns os meios e as oportunidades de

interagir com outros como pares. Em contraponto, a segunda condição para a

paridade participativa requer que os padrões institucionalizados de valor cultural

exprimam igual respeito por todos os participantes e garantam iguais oportunidades

para alcançar a consideração social. Esta condição exclui padrões institucionalizados

de valor que sistematicamente depreciam algumas categorias de pessoas e as

características a elas associadas. Portanto, excluem-se padrões institucionalizados de

valor que negam a alguns o estatuto de parceiros plenos nas interacções – quer ao

imputar- -lhes a carga de uma ―diferença‖ excessiva, quer ao não reconhecer a sua

particularidade (FRASER, 2002, p. 13).

Neste trecho a de se atentar para a seguinte afirmação: Estão excluídos rendimento e

tempo de lazer que negam a alguns os meios e as oportunidades de interagir com outros como

pares. Diferentemente do ideal, é exatamente o que ocorre com a maioria dos respondentes.

Consideram não ter tempo/espaço de lazer, possivelmente devido a emergência de outras

ocupações, como o trabalho, que consequentemente atinge seu desenvolvimento social.

Segundo Neubert (2013, p.105), citando Sue (1992):

A ideia de que a acumulação de capital era necessária ao desenvolvimento

econômico colaborou com a origem de uma moral do trabalho, herdeira do

puritanismo protestante, como tratado por Weber (2004), a qual impôs uma rígida

jornada de trabalho em nome do progresso. O trabalho como dever moral, ligado à

salvação dos crentes, negava o ócio tanto do ponto de vista econômico como moral,

pois incitava o consumo ou facilmente se degenerava, levando ao vício e à

delinquência (algo que em uma sociedade baseada na produção e no acúmulo não

era visto com bons olhos) (SUE, 1992, p.20).

Com as conceituações apresentadas podem-se vislumbrar linhas abissais presentes. De

um lado da linha aqueles que têm oportunidade e direito ao lazer, entendendo-o como ócio.

De outro aqueles que não têm tal direito, pois devido sua situação emergencial são obrigados

a colocar como prioridade o trabalho e consequentemente a negação do ócio.

Quando as missões do GAM levam atividades de lazer às comunidades, estão

contribuindo com o discutir, propor a reflexão sobre essa ausência de direitos, como

apresentada pelos respondentes no questionário. É uma tentativa de através destas atividades

de lazer também romper com as linhas abissais, demonstrando que todos têm direito ao lazer e

às atividades ligadas ao bem estar pessoal, ao descanso, à cultura, ao entretenimento.

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Como poderemos delinear uma estratégia coerente para reparar as injustiças de

estatuto e de classe no contexto da globalização? Como é que podemos integrar os

melhores aspectos da política de redistribuição e da política de reconhecimento de

forma a desafiar a injustiça em ambas as frentes? Se não conseguirmos responder a

estas perguntas, se nos agarrarmos em vez disso a falsas antíteses e a enganadoras

dicotomias, perderemos a oportunidade de conceptualizar formas de organização

social que sejam capazes de reparar ao mesmo tempo a má distribuição e o falso

reconhecimento. Só através da convergência dos dois objectivos num único esforço

será possível cumprir os requisitos de justiça para todos (FRASER, 2002, p.20).

Nas palavras de Santos (2014, p. 24):

Fundamentalmente lo que más caracteriza al pensamiento abismal es, pues, la

imposibilidad de la copresencia de los dos lados de la línea. Este lado de la línea

prevalece en la medida en que angosta el campo de la realidad relevante. Más allá de

esto sólo está la no existencia, la invisibilidad, la ausencia no dialéctica.

Ou seja, os laços de dominação mantêm territórios de exclusão que se naturalizam, pelos

discursos e práticas abissais, ―convencendo‖ a sociedade que há aqueles que ―merecem‖

determinadas coisas e aqueles que não as merecem. Para agir nessa situação é preciso, como

também adverte Boaventura, que as experiências dos oprimidos sejam lugares de partida e de

chegada de outras concepções do que se considera conhecimento e saber. E acreditamos que o

GAM, embora todas as limitações existentes, colabora para que tais experiências sejam ao menos

conhecidas, refletidas, dialogadas, pois muitos dos missionários também se identificam com

situações de opressão e anulação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho realizado pelos Salesianos é reconhecido no mundo, em suas diferentes frentes

de trabalho e atuação. Aquele realizado pelo GAM, no que tange à Inspetoria de São Paulo,

embora sempre tenha sido reconhecido pelo seu caráter prático, pouco tem sido disseminado

enquanto material teórico.

A intenção desta pesquisa foi apresentar o trabalho do GAM de forma a discuti-lo dentro

do meio acadêmico, entendendo que ele pode ser caracterizado por diferentes denominações que

hoje são amplamente utilizadas nesse meio, como a intervenção sociocomunitária e a animação

sociocultural. Pretendeu-se analisar também se a realização dos trabalhos do GAM pode auxiliar

na superação do pensamento abissal, apresentado por Boaventura de Sousa Santos.

A realização dessa dissertação colabora para disseminar a ideia de um voluntariado que

não realiza apenas um mero assistencialismo. E aqui não se faz julgamento negativo do

assistencialismo, pois em diferentes realidades e contextos é por meio dele que as pessoas têm o

alimento do dia, por exemplo. É uma questão de suscitar mais do que isso, suscitar a vontade de

mudar o mundo, não por idealismo, mas atraído pela ação, pelo compromisso e pela

responsabilidade de mudar ao menos o seu próprio contexto e percepções de vida, uma incitação

da cultura da solidariedade e da partilha.

A realização de um voluntariado, segundo Colozzi (1995, p.35):

É um serviço feito por um indivíduo ou grupo, de modo gratuito, desinteressado e

possivelmente contínuo, para desenvolver atividades e atuações de natureza

solidária, através de competências adequadas às tarefas que se pretendem fazer, em

estruturas próprias ou no âmbito de estruturas públicas ou privadas, em resposta às

necessidades autonomamente individuais, com finalidade de remover ou modificar

as causas geradoras de problemas ou prejuízos sociais.

Em uma sociedade atual, pautada infelizmente pela intolerância e pela violência, pela

idolatria do consumismo, é preciso ascender um movimento contrário, de envolvimento e

relações humanas e reais, experenciando a felicidade pelo caminho da alteridade, considerando-a

como ―restituição ao sujeito dessa relação com o outro que é essencial para a realização de uma

ética menos narcisista e para o desenvolvimento da identidade‖ (POLLO, 2001, p. 20).

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Segundo Santos (2003, p.56):

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o

direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a

necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que

não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

É preciso que a sociedade tome como medida urgente à tentativa de romper essa

reprodução de desigualdades que se prolifera a cada dia, em todos os âmbitos sociais. É

imperativo que nos reconheçamos enquanto seres humanos que somos, em nossa

individualidade e no reconhecimento de que não existe apenas uma unidade de conhecimento.

Pode-se assim considerar que o GAM tenha como característica para esta ruptura:

Uma educação que projecte, pela via da Animação, homens portadores da boa

esperança, seres que possam e devam assumir a sua voz, a sua opinião, a sua

vontade e que vivam no respeito pelas suas diferenças e semelhanças, sem temerem

olhar para o lado, homens que sejam cidadãos com cidadania e que se exprimam

sem temerem os poderes instituídos (LOPES, 2006,p.10)

Assim, é indispensável a valorização das sociedades multiculturais, o valorativo do

que não é consensual, o direito à diferença, a promoção do diálogo humano em vez da

linguagem mecânica.

Em relação ao pensamento abissal acreditamos que através dos argumentos

apresentados anteriormente pode-se ver que o GAM, pela sensibilização que realiza, pelo

olhar cuidadoso em relação às questões da vulnerabilidade, das interações comunitárias, pode

ser considerado como um instrumento que auxilia na superação de tal pensamento.

No entanto é necessária cautela no que tange aos ideais do grupo na possibilidade de

relacioná-lo como uma missão salvífica, em que não há vias de trocas dialéticas, e o

missionário entende que aquilo que se propôs a realizar é o único caminho possível para a

transformação da comunidade. Ou seja: ele sabe o que é o certo para a comunidade/sujeitos,

alvos da ação missonária. Tal ideia, muitas vezes entendida como um bom trajeto a ser

seguido, na verdade auxilia no reforço ao pensamento abissal, pois confirma o conceito de

que alguém que obtém o conhecimento ―real‖, a ciência, é detentor único do protagonismo, de

encontrar as soluções corretas e de consequente ter as chaves para a transformação social.

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Acreditamos que a discussão desta temática, tão relevante à sociedade, não termina

aqui. Mas encerro minha dissertação com um trecho escrito pela Irmã Adair Sberga, mulher

dedicada aos estudos do voluntariado jovem, que diz que:

O voluntariado propicia ao jovem a descoberta de si mesmo, das suas riquezas

humanas e potencialidades; desperta para o espírito de liderança e trabalho em

grupo; contribui para a responsabilidade pessoal e social; favorece a maturação

sexual e afetiva com o exercício do aperfeiçoamento na capacidade de amar e na

disponibilidade de doar-se; orienta para o futuro, com a capacidade positiva da

projetualidade, a qual funciona como um eixo estruturante da personalidade e como

dinamismo de motivação para traçar projetos, reconsiderar as próprias escolhas,

empenhar-se no bem do próximo, repensar o sentido da vida... O voluntariado

efetuado na gratuidade e solidariedade leva o jovem, naturalmente, a dar novo e

profundo significado para a sua vida e para a vida dos outros (SBERGA, 2001,p.14).

Neste caminho de desconstrução de paradigmas almejamos que esta dissertação tenha

suscitado aos seus leitores o que a música I Was Here, cantada no Dia 19 de agosto de 2012, dia

mundial humanitário, em uma conferencia da ONU, acercar em sua letra:

Quero deixar minhas pegadas sobre as areias do tempo e saber que há algo lá que

deixei para trás. Quando eu deixar este mundo não deixarei arrependimentos, vou

deixar algo para lembrar e então eles não esquecerão que eu estive aqui, eu vivi, eu

amei. Fiz, concluí, tudo que queria e foi mais do que pensei que seria. Vou deixar

minha marca e então todos saberão que eu estive aqui. Quero dizer que vou viver

cada dia, até eu morrer, e saber que eu tinha algo na vida de alguém. Os corações

que toquei serão a prova que eu vivi que fiz a diferença. Só quero que eles saibam

que doei, fiz o meu melhor, trouxe alguém para a felicidade e deixei este mundo um

pouco melhor.

Que as pessoas, ao buscarem esse deixar sua marca no mundo, entendendo que é

necessário o olhar ao outro, o estender a mão, o trabalhar em conjunto, se conectem com

outros que também buscam essa transformação, em uma tentativa de juntos desmistificar

conceitos, reduzir preconceitos e construir novos referenciais para a promoção de um mundo

melhor e mais equanime.

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APÊNDICE A - Guião de observação participante

Para a realização da observação participante dentro dos contextos do voluntariado

missionário salesiano foi seguido em primeiro lugar alguns passos que tracei como pertinentes

a observação. Em primeiro lugar a interação entre pesquisadora e pesquisados. Para que sejam

obtidas informações verídicas é necessário que haja uma boa relação com o grupo em que se

está inserida. Mais que uma boa relação procurei demonstrar que estou inserida no histórico

do grupo pesquisado e que, portanto, também me insiro na própria história da pesquisa.

Também é preciso saber escutar, olhar, utilizar e se apropriar dos sentidos. Identificar quando

é possível realizar intervenções e questionamentos e quando é pertinente o silêncio.

Foram essencialmente observadas às relações entre comunidade e missionários, se

dialogavam, interagiam, se conversavam abertamente sobre diferentes temáticas.

Em relação aos missionários procurei observar se demonstravam uma visão salvífica

em relação à comunidade, ou seja, se acreditavam que o estar lá significava ―consertar‖,

melhorar aquela realidade com a intervenção ou se se abriam a também aprender e vivenciar

coisas novas, a entender que às vezes o que achamos necessário não é o mesmo que a

comunidade acredita, e se também demonstravam em falas e atitudes que também estavam

abertos a mudança de seus próprios pré-conceitos e paradigmas.

Em relação à comunidade procurou-se observar a receptividade em relação ao grupo e

as atividades propostas, se se sentiram confortáveis, e como era a realidade, o dia a dia, seus

anseios, alegrias e como são traçadas as relações entre os membros da comunidade, suas

preocupações e necessidades no âmbito comunitário.

Em relação ao voluntariado missionário procurou-se observar a operacionalidade do

que foi realizado, o que deu certo, o que não, como se lidou com os obstáculos que foram

aparecendo.

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APÊNDICE B – Termo de consentimento informado

TIMBRE OU NOME DA INSTITUIÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO E INFORMADO

Eu, Ana Carolina Stefanini Leone, aluna regularmente matriculada no programa de Pós-

graduação stricto sensu do Centro Universitário Salesiano- unidade de ensino de Americana,

gostaria de convidar os sujeitos participantes da Semana Missionária Salesiana em Jundiaí –

São Paulo a participar do trabalho investigativo a ser por mim desenvolvido como parte da

minha pesquisa de Mestrado, sob a orientação da prof. Dra Maria Luisa Bissoto e cujo

objetivo é realizar uma análise na vivência do Voluntariado Missionário Salesiano visando

apresentar a complexidade do voluntariado e verificar se através da proposição de

incorporação de saberes plurais pode ser um caminho para a superação do pensamento abissal

e consequentemente uma mudança de percepção em sua visão de mundo, colaborando na

busca pela transformação e pela justiça social. A participação nessa investigação envolve

atividades de intervenção comunitária com os sujeitos participantes com o uso de

brincadeiras, dinâmicas, formações, oficinas, diálogo, além de questionários e entrevistas,

com os voluntários e a comunidade participante. Essas atividades serão realizadas na Semana

Missionária do GAM, de 3 a 11 de janeiro de 2015 e será registrada em relatórios escritos e

fotos. Gostaria de deixar bem claro que a participação nessa investigação é voluntária. Se

qualquer dos sujeitos decidir não participar ou quiser desistir de participar, em qualquer

momento, da referida investigação, tem absoluta liberdade de fazê-lo. Nenhuma restrição lhe

será imposta. As atividades desenvolvidas nessa investigação, bem como os resultados

alcançados com a mesma, poderão ser eventualmente publicados, mas será mantido o mais

rigoroso sigilo, através da omissão total de quaisquer informações, que permitam identificar

participantes ou instituição; salvo expressa concordância, por parte de todos os envolvidos,

quanto ao contrário. A investigadora também se compromete a apresentar uma devolutiva

quanto à investigação desenvolvida, ao término dessa, à instituição e aos sujeitos efetivamente

participantes; e a seguir rigorosa conduta ética, no curso da investigação. O material coletado

será destruído em dois anos. A participação nessa investigação não envolve nenhum benefício

material ou econômico para nenhuma das partes: os prováveis benefícios advirão da

contribuição para o desenvolvimento profissional e da produção de conhecimento, que

favoreçam o avançar de questões relacionadas à esfera educacional relacionada ao

voluntariado. Se você tiver qualquer pergunta em relação ao programa, por favor, entre em

contato comigo, pelo telefone (19)997068650 ou pelo e-mail [email protected].

Atenciosamente,

a) Assinatura ____________________ Data _________________

Consinto na participação

Nome:______________________________________________________

Assinatura _____________________ Data ____________________

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APÊNDICE C – Entrevista

Entrevista pertencente à pesquisa no programa Pós-graduação stricto sensu do

Centro Universitário Salesiano- unidade de ensino de Americana.

Tema: UM ESTUDO DO GAM (GRUPO DE ANIMAÇÃO MISSIONÁRIA) COMO

INTERVENÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA: SUPERANDO PENSAMENTOS ABISSAIS?

O presente projeto de pesquisa objetiva realizar um estudo aprofundado na vivência do

Voluntariado Salesiano visando apresentar a complexidade do voluntariado e verificar se através

da proposição de incorporação de saberes plurais, esta prática pode ser um caminho para a

superação do pensamento abissal e consequentemente uma mudança de percepção na visão de

mundo, colaborando na busca pela transformação e pela justiça social.

Nome:

Endereço:

Cidade/Estado/País:

Idade:

Profissão/ Grau de Escolaridade:

E-mail:

Facebook:

1) A Educação Sociocomunitária tem como característica o auxilio a construção do

desenvolvimento comunitário através da autonomia, do empoderamento, do diálogo,

da escuta das vozes da comunidade e da troca de experiências. Quais as dificuldades

que você percebe, que existentes na comunidade, foram abordadas/tratadas pela ação

missionária? Surgiram novas perspectivas? Em caso afirmativo descreva uma das

práticas e qual das características foi alcançada.

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2) Você acredita que o trabalho missionário colabora para uma sensibilização à justiça

social? Ou seja, promoveu um engajamento comunitário para o inicio de uma busca

por transformação social?

3) Segundo PRAVATO (2007), “Toda informação é valida, seja ela adquirida pelas

universidades ou por experiências de vida, o conhecimento é fruto da busca e está em

constante metabolismo e crescimento, a diversidade alimenta, o contato com outras

culturas enriquece”.

Você como indivíduo participante deste trabalho missionário, acredita que através desta

congregação de seres humanos, houve uma mudança de percepção na sua visão de mundo? Ou

seja, você reelaborou contextos de vida em que você está inserido? Construiu outros

referenciais pessoais e/ou comunitários? Descreva o que mudou.

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ANEXO A – Questionário sobre a concepção da qualidade de vida

QUESTIONÁRIO SOBRE A QUALIDADE DE VIDA

OMS, 1996- PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL

A qualidade de vida é definida de acordo com as percepções dos indivíduos segundo suas

posições na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores na qual vivem, e em relação aos

seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.

Essa definição reflete a visão de que a qualidade de vida se refere a uma avaliação subjetiva, a

qual está embebida num contexto cultural, social e ambiental. Devido a essa definição de qualidade

de vida focar-se sobre a qualidade de vida como “percebida” pelos respondentes, não é esperado

que forneça um meio para mensurar sintomas, doenças ou condições, mas antes os aspectos que

impactam a qualidade da vida. Nesse sentido, qualidade de vida não pode ser simplesmente

comparável com “status de saúde”, “estilo de vida”, “satisfação com a vida”, “estado mental”ou

“bem-estar”. Reconhece-se a natureza multidimensional da qualidade de vida.

Foram pensadas 4 dimensões para a qualidade de vida:

1. Saúde física- atividades de vida diária, dependência de remédios ou tratamentos, energia e fadiga, mobilidade, dor e desconforto, sono e repouso, capacidade de trabalho;

2. Psicológica- aparência e imagem corporal, sentimentos positivos/negativos, autoestima, espiritualidade, religião, crenças pessoais, pensamento, aprendizagem, memória e concentração;

3. Relações sociais- relações pessoais, suporte social, atividade sexual; 4. Contexto- recursos financeiros, liberdade, segurança física, saúde e acesso e qualidade à

atenção à saúde, domicílio, oportunidades para adquirir novas informações e habilidades, participação em e oportunidades para recreação, atividades de lazer, ambiente físico (poluição, barulho, tráfego, clima), transporte.

Como tabular os dados:

As questões de 01 a 26, com exceção das questões 3, 4 e 26 valem a pontuação marcada no

questionário (1=1, etc).

Para as questões 3,4 e 26, que são frases negativas, substituir de acordo com o esquema

(1=5; 2=4; 3=3; 4=2; 5=1).

Questões do domínio 01- 3, 4, 10, 15, 16, 17, 18 (ao menos 6 questões devem ser

respondidas)

Questões do domínio 02- 5,6,7,11,19, 26 (ao menos 05)

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Questões do domínio 03- 20, 21, 22 (ao menos 02)

Questões do domínio 04- 8, 9, 12, 13, 14, 23, 24, 25 (ao menos 06).

Compare a pontuação de cada domínio com a tabela abaixo. Por exemplo se para o domínio

01 os pontos forem 18, busque na tabela do domínio 01 o número 18 e a adequação, no caso, 10 e

38. Trabalhe com o escore 38.

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Se mais de 20% das questões não forem respondidas, o questionário é anulado.

Quanto maior a pontuação, melhor é a qualidade de vida percebida como boa.

O questionário é para adultos.

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135

Sobre você

Antes de começar, gostaríamos de pedir-lhe para responder umas poucas questões

gerais sobre si mesmo/mesma. Circule a resposta correta ou preencha os espaços:

Gênero- masculino ( ) Feminino ( )

Data de nascimento- __________________

Maior nível educacional- nenhum fundamental I fundamental II ensino médio

universidade

Qual seu estado civil? Solteiro/a casado/a separado/a vive maritalmente

divorciado/a viúvo/a

Você está doente no momento? Sim não

Se você pensa que algo está errado com sua saúde, qual você pensa que é o

problema/doença?

Instruções

Essa avaliação indaga como você se sente sobre sua qualidade de vida, saúde e outras

áreas de sua vida. Por favor, responda todas as questões. Se você não estiver seguro sobre

qual resposta dar a uma questão, por favor, escolha aquela que lhe pareça mais apropriada.

Essa pode ser geralmente sua primeira resposta.

Por favor, tenha em mente seus padrões, esperanças, prazeres e preocupações.

Perguntamos o que você pensa sobre sua vida nas últimas duas semanas. Por

exemplo, pense sobre as duas últimas semanas para responder:

Você tem dos outros o tipo de apoio que necessita?

De jeito nenhum

Não muito moderadamente

Em boa parte

completamente

1 2 3 4 5

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Você deve circular o número que melhor representa quanto suporte você teve dos

outros, nas duas últimas semanas. Assim, você circularia o número 4 se tiver tido “em boa

parte” o apoio dos outros.

Se você não teve nenhum apoio você circularia o número 1.

Por favor, leia cada questão, avalie seus sentimentos, e circule o número da escala que

dá a melhor resposta para você, para cada questão.

1. Como você avalia sua qualidade de vida?

Muito pobre

pobre Nem pobre nem boa

boa Muito boa

1 2 3 4 5

2. Quão satisfeito você está com sua saúde?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

As seguintes questões indagam sobre quanto você tem experimentado certas coisas

nas últimas duas semanas.

3. Em que medida você sente que dores físicas impedem que você faça o que precisa

fazer?

nenhuma Um pouco Uma quantidade moderada

muito Uma quantidade

extrema

1 2 3 4 5

4. Quanto você precisa de qualquer tratamento (médico) para funcionar em sua vida

diária?

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nenhuma Um pouco Uma quantidade moderada

muito Uma quantidade

extrema

1 2 3 4 5

5. Quanto você aprecia sua vida?

nenhuma Um pouco Uma quantidade moderada

muito Uma quantidade

extrema

1 2 3 4 5

6. Em que extensão você sente que sua vida tem significado?

nenhuma Um pouco Uma quantidade moderada

muito Uma quantidade

extrema

1 2 3 4 5

7. Quão capaz você é de se concentrar?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

8. Quanto seguro você se sente em sua vida cotidiana?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

9. Quão saudável é seu ambiente físico?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

As seguintes questões indagam sobre quão completamente você experimenta ou foi

capaz de fazer certas coisas nas duas últimas semanas.

10. Você tem energia suficiente para a vida cotidiana?

nenhuma Um pouco moderada Na maior completa

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mente parte mente

1 2 3 4 5

11. Você é capaz de aceitar sua aparência corporal?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

12. Você tem dinheiro suficiente para atender às suas necessidades?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

13. Quão disponível é para você a informação que você necessita no seu dia-a-dia?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

14. Em que medida você tem oportunidade para atividades de lazer?

nada Um pouco Uma quantidade moderada

muito extremamente

1 2 3 4 5

15. Quão bem você é capaz de se locomover ao redor?

Muito pobre

pobre Nem pobre nem boa

boa Muito boa

1 2 3 4 5

As seguintes questões pedem para você dizer quão bem ou satisfeito você se sente

sobre vários aspectos de sua vida nas duas últimas semanas.

16. Quão satisfeito você está com seu sono?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

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17. Quão satisfeito você está com sua habilidade de executar suas atividades da vida

diária?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

18. Quão satisfeito você está com sua capacidade para trabalhar?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

19. Quão satisfeito você está com você mesmo?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

20. Quão satisfeito você está com suas relações pessoais?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

21. Quão satisfeito você está com sua vida sexual?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

22. Quão satisfeito você está com o suporte que recebe de seus amigos?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

23. Quão satisfeito você está com as condições do lugar onde você vive?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

24. Quão satisfeito você está com o acesso aos serviços de saúde?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

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25. Quão satisfeito você está com seu transporte?

Muito insatisfeito

insatisfeito Nem satisfeito nem

insatisfeito

satisfeito Muito satisfeito

1 2 3 4 5

A seguinte questão se refere a quão frequentemente você tem setido ou

experimentado certas coisas nas duas últimas semanas.

26. Quão frequentemente você teve sentimentos negativos, tais como humor tristonho,

desespero, ansiedade, depressão?

nunca raramente Um pouco frequentemente

Muito frequentemente

sempre

1 2 3 4 5

Alguém ajudou você a preencher esse formulário?

Quanto tempo você levou para preenchê-lo?

Você tem algum comentário sobre esse questionário?

Em um pequeno relato, qual a sua percepção sobre a transformação pessoal e/ou

comunitária que estão inseridos na participação de uma experiência missionária? Que

valores se acumularam?