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Revista Jurídica UNIGRAN Dourados v.6 n.12 p. 1- 228 Jul./Dez. 2004 ISSN 1516-7674 U N I G R A N R e v i s t a J u r í d i c a Centro Universitário da GrandeDourados

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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 6 | n. 12 | Jul./Dez. 2004. 1

Revista Jurídica UNIGRAN Dourados v.6 n.12 p. 1- 228 Jul./Dez. 2004

ISSN 1516-7674

U N I G R A N

R e v i s t a J u r í d i c a

Centro Universitário da GrandeDourados

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 6 | n. 12| Jul./dez. 2004.2

Publicação Semestral ISSN 1516-7674

1. Direito - Periódicos. I. Título.

CDU-34

Editora UNIGRAN

Rua Balbina de Matos, 2121 - Campus UNIGRAN79.824-900 - Dourados - MS

Fone: 67 411-4141 - Fax: 67 422-2267E-Mail: [email protected]

www.unigran.br2004

Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário daGrande Dourados. v. 6, n.12 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN,2004.

Solicita-se permuta.On demande l´échange.Wir bitten um Austausch.Si richiede la scambio.

Pídese canje.we ask for Exchange.

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 6 | n. 12 | Jul./Dez. 2004. 3

A Revista Jurídica UNIGRAN da Faculdade de Direito tempor objetivo divulgar conhecimentos, idéias e trabalhos de pesquisana área do Direito desenvolvidos na UNIGRAN - Centro Universitárioda Grande Dourados.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva deseus autores. A publicação total ou parcial dos artigos desta revista épermitida, desde que seja feita referência completa à fonte.

Conselho Editorial

Carlos Ismar Baraldi

Francisco das Chagas Lima Filho

Helder Baruffi

José Carlos de Oliveira Robaldo

Gassen Zaki Gebara

Maurinice Evaristo Wenceslau

Ricardo Saab Palieraqui

Capa e

Diagramação

REVISTA JURÍDICA UNIGRANDourados - Mato Grosso do Sul

Rosa Maria D’Amato De DéaReitora

Terezinha Bazé de LimaPró-Reitora de Ensino e Extensão

Rosilda Mara Mussury FrancoSilva

Pró-Reitora de Pesquisa

Rubens Di DioPró-Reitor de Administração

Noemi Mendes SiqueiraFerrigolo

Diretora da Faculdade de Direito

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� � �Departamento Multimídia

U N I G R A N

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LA AUTONOMIA COLECTIVA EN EL DERECHO SOCIAL COMUNITARIO ...... 11

Antonio Baylos

A INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GRAVIDEZ, A

CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................ 67

Gassen Zaki Gebara

O PAPEL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

NA RELAÇÃO DE TRABALHO ....................................................... 91

Francisco das C. Lima Filho

ANÁLISE DA CONCORDÂNCIA NOMINAL NO TEXTO NORMATIVO ........ 105

Nohad Mouhanna Fernades

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS E A

INTERPRETAÇÃO POLÍTICA ....................................................... 123

Adilson Josemar Puhl

A FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA E DA PROPRIEDADE RURAL

E A JUSTIÇA AGRÁRIA ............................................................ 129

Eliotério Fachin Dias

A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NA EXECUÇÃO

FUNDADA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO

E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS........................................... 145

Jeferson A. Baqueti

DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA PÚBLICA ................................................. 161

Marlene Falco de Lima

SUMÁRIO

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O DIREITO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE À SUCESSÃO LEGÍTIMA,

COMO HERDEIRO NECESSÁRIO, E O DIREITO À MEAÇÃO:

UM ESTUDO SOB A PERSPECTIVA

DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO ............................................... 193

Alessandra Bueno de Catro

NORMA GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS ............................. 225

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APRESENTAÇÃO

Adentra-se ao novo milênio dando relevância à globalidade comoexpressão de uma era de transmutação de valores. Desenha-se umanova feição da comunidade humana. Há uma nova estrutura decidadania e democracia onde se intensificam questionamentos sobrea proteção constitucional dos direitos humanos, os bens da vida, osvalores, a própria natureza de pessoa humana.

Vive-se em plena era de transição e em crises de paradigmas. Osvelhos modelos já não correspondem mais às novas exigências dasociedade, porém os novos paradigmas ainda não assumiramcontornos definidos.

Nesse contexto, é um privilégio termos a oportunidade de fazer aapresentação da Revista Jurídica da Unigran, em seu número doze,no seu sexto ano de ininterrupta existência, consolidando ocompromisso da instituição com o aperfeiçoamento de seu corpodocente, incentivando-os a cursar a especialização, mestrado edoutorado, apostando no campo da pesquisa como real importânciapara o desenvolvimento social, econômico, político e científico.

É através da pesquisa que se pode alcançar um ensino de altaqualidade, em nível de excelência, inserindo corpo docente e discenteno mundo da curiosidade, formando ou acentuando a consciênciade que devemos ser eternos aprendizes, pesquisadores contínuos,interagindo e modificando o contexto histórico-social.

É mister acentuar que a pesquisa, no ensino jurídico, é de sumaimportância para unir teoria à prática, uma ação permanente dereflexão na área do direito para que os professores não se limitem adesempenhar o papel de “ensinador ou dador de aulas”, merosrepetidores de informações condenados a serem superados.

É através da pesquisa que se pode aprofundar o conhecimento,possibilitando a construção, a reformulação e a acumulação do saber,como moeda do século XXI.

Nessa Perspectiva, salienta-se que o Direito não é uma ordemestagnada e, portanto, não está imune às crises estruturais dasociedade; é através da pesquisa que se pode aprofundar a críticado discurso jurídico sedimentado, encarando a crise também das

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ciências jurídicas, buscando luz sobre suas determinações, inserindoe visando à sua eficácia na realidade social, política e moral.

Com esta publicação, aviva-se ainda mais o compromisso que setem de não apenas transmitir conhecimento, mas buscar, naacademia, a formação integral do profissional, instrumentalizandoo campo do direito, possibilitando, assim, a construção de um ensinojurídico vinculado à totalidade de suas referências.

Nesse ínterim, apresenta-se os participantes desta edição daRevista Jurídica da Unigran, destacando o processo decomunicação como uma forma de efetivar o direito, onde NohadMouhanna Fernandes enfoca “Análise da Concordância Nominal noTexto Normativo”. Fruto do mestrado em direito constitucional,encontra-se neste número, mais do que posicionamento reflexivo, umindicativo de novas formas de ver e de viver a vida. No momento emque o Congresso aprova a lei da Biossegurança, evidenciandoatualização e pertinência, Gassen Zaki Gebara aborda o tema “Ainterrupção terapêutica da gravidez: a Constituição e os direitosfundamentais” e Adilson Josemar Puhl faz uma reflexão sobre “OsPrincípios Constitucionais Implícitos e a Interpretação Política”.

Do mesmo vértice, amparado no fenômeno da globalização oumundialização Antonio Baylos enfoca “La Autonomia Colectiva en elDerecho Social Comunitario”. Francisco das Chagas Lima Filho, juizde direito do trabalho, Professor da Unigran e doutorando, questiona“O Papel dos Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho”.

Atento à problemática das invasões de áreas pelo MST, o crescentevolume de acampamentos dos Sem-Terra em nosso Estado, oprofessor da UEMS, Eliotério Fachin Dias, aborda “A Função Socialda Terra e da Propriedade Rural e a Justiça Agrária”.

Sob a ótica do direito público, com a experiência de quem atua naFazenda Pública Municipal, a acadêmica do curso de Especializaçãoda Unigran, Marlene Falco de Lima, enfoca a “Dívida Ativa daFazenda Pública”.

Visando a identificar a harmonização entre os preceitosconstitucionais e a vigência do novo Código Civil, a acadêmica daUFMS, Alessandra Bueno de Castro, traz o tema “O Direito do CônjugeSobrevivente à Sucessão Legítima, como Herdeiro Necessário, e oDireito à Meação” ao mesmo tempo em que Jerson A. Baqueti, aoconcluir seu curso de pós -graduação, especialização em direito

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Profª M. Sc Noemi Mendes Siqueira FerrigoloDiretora da Faculdade de Direito da UNIGRAN

constitucional, enfoca “A Penhorabilidade do Bem de Família doFiador na Execução Fundada em Contrato de Locação”.

Destarte, verifica-se que a Revista Jurídica da Unigran, em seunúmero 12, evidenciando exatamente a idéia de que já se editouuma dúzia, cujo número índica completude, par, contexto,integralização, apresenta temas extremamente relevantes, oportunos,adequados e, o que é de se assinalar, extrapola, mais uma vez, oslimites de seu quadro de profissionais ou acadêmicos.

Situada no processo de interdisciplinaridade e transversalização,este veículo de comunicação abre espaço para apresentar idéias epesquisas de profissionais de outros países e de instituições co-irmãsdo ensino jurídico.

Dessa forma, recomendamos e esperamos leitura atenta, críticaconstrutiva e sugestões oportunas. Afinal, como pondera DélciaEnricone: “Ensino e pesquisa não podem ser separados naUniversidade. À semelhança dos vasos comunicantes, o nível de umdetermina o do outro”.1

Por fim, encerra-se esta apresentação com a convicção e o desejode que os docentes, especialmente da Faculdade de Direito daUnigran, afigurem-se sempre mais como elementos inovadores,superadores de conceitos, contribuindo abertamente para despertarinquietações, fazer brotar questionamentos e contribuir para o estudoe a pesquisa, tentando responder aos dilemas de seus tempos.

ENRICONE, Délcia. Os desafios da Pesquisa. Porto Alegre: Edipuc, 1996.

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LA AUTONOMIA COLECTIVA EN EL DERECHOSOCIAL COMUNITARIO

Antonio BaylosCatedrático de Derecho del Trabajo UCLM

Sumario: 1.- Concepto y lugar de la autonomía colectiva en elordenamiento jurídico comunitario. 1.1.- La carencia de un ordenconstitucional europeo de garantía de derechos colectivos. 1.2.- Laaplicación del principio de subsidiariedad. 2.- Los actores a escala europea:sindicatos y asociaciones de empresarios. 3.- Facultades de autotutela anivel europeo: manifestación y huelga. 4.- Diálogo social comunitario.Significado y características. 5.- Negociación colectiva comunitaria :tipología.

1 Concepto y lugar de la autonomía colectiva en el

ordenamiento jurídico comunitario.

La autonomía colectiva ocupa en los sistemas jurídico-laboraleseuropeos un lugar central. Normalmente esta relevancia se sueleresaltar al hablar del sistema de fuentes del derecho, en el sentido deque la producción de reglas con valor normativo por parte de lossujetos sociales que disciplinan las relaciones laborales se contraponea las normas de origen estatal que tienen por objeto la misma materia,de manera que la peculiariedad típica del Derecho del Trabajo esprecisamente esta autonomía o poder de autorregulación de losintereses contrapuestos de empresarios y trabajadores que se plasmaen el convenio colectivo como fuente del derecho, como normajurídica. Pero además la centralidad de la autonomía colectiva tienemás significados no menos relevantes. Ante todo porque el gobiernodel sistema de relaciones laborales se basa esencialmente en dichoprincipio, cuya capacidad de regulación social se expresa a través dela negociación colectiva, pero donde el sindicato de trabajadoressupone un instrumento de producción de reglas ligado alprotagonismo social y político de este sujeto colectivo que expresatambién en el conflicto social un factor de dinamización del sistemaen su conjunto. Además, desde la lógica político-democrática de estos

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sistemas jurídicos, los poderes de autorregulación y de autotutela enlos que se materializa esta autonomía colectiva se inscriben en unalínea de tendencia que busca la compensación de la desigualdadmaterial presente en las relaciones de producción a través de la accióncolectiva, y que adquiere relevancia jurídico-formal al más alto nivela partir del reconocimiento en las constituciones europeas de lasegunda posguerra mundial que se liberaron de los fascismos tantode este principio de autonomía, ligado al de pluralismo social, comode las facultades de autonormación y de autotutela colectiva,traducidas en derechos fundamentales: libre sindicación, huelga,negociación colectiva. Sobre estos elementos se construye ladimensión colectiva y sindical del ordenamiento jurídico-laboral enlos sistemas democráticos contemporáneos, de los que elordenamiento español, a partir de la promulgación de la Constituciónde 1978, es un ejemplo.

El problema que se plantea es la difícil traslación del espacio queocupa en un sistema de relaciones laborales nacional la autonomíacolectiva, al ordenamiento jurídico comunitario. No se trata por tantode iniciativas de los sujetos sociales o de otras entidades para procedera coordinar políticas y estrategias en el plano colectivo de las relacioneslaborales a escala europea. Ni la constatación de que en Europa todossus sistemas jurídicos nacionales asignan un papel muy relevante a lasdistintas manifestaciones de la autonomía colectiva, entre las que sepodría proceder a realizar una cierta clasificación comparatista porgrupos de sistemas y de las diversas técnicas y políticas en los que semanifiestan éstos. Se trata por el contrario de afrontar la estrictadimensión supranacional comunitaria y el modo en el que en la mismase puede hacer presente la autonomía colectiva como fuente del derechoy como principio político de autorregulación social.

No es fácil el asunto, pues la peculiar forma de construcción ydesarrollo del ordenamiento comunitario lo hacen bascular sobre unorden de valores diferentes, prioritariamente dirigidos a la consecucióndel mercado común y de la unidad monetaria y financiera, y en dondeel reconocimiento de principios y de derechos se realizafragmentariamente y siempre en función de estos objetivos (Galiana,1997, 150). El modelo antropológico sobre el que se edifican lasconstituciones democráticas europeas es el del ciudadano –trabajador, y sobre el trabajo como elemento de cohesión social y de

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dignidad personal se asienta la idea del Estado Social que orienta elorden constitucional y el sistema de derechos de una nación. En elordenamiento comunitario, por el contrario, la figura social relevantees la del consumidor y la del usuario, y frente al Estado como elementoregulador se afirma el mercado y en definitiva la empresa como sujetoclave en el funcionamiento del mercado unificado tambiénmonetariamente. Ambas esferas regulativas desarrollan por tanto“códigos genéticos” diferentes.

No debe extrañar, por tanto, que si la dimensión social de la UniónEuropea ha sido una realidad tardía y siempre secundaria respectode los esfuerzos realizados hacia la unidad monetaria y financiera enun contexto de mercado común, los aspectos relacionados con laregulación por las partes sociales de las condiciones de empleo y detrabajo en el ámbito europeo no hayan sido tenidos en cuenta nireconocidos hasta prácticamente el Tratado de Maastricht, al margende una tímida presencia - el diálogo social – a partir del Acta UnicaEuropea de 1987 (Galiana, 1997, 165; Rodriguez-Piñero, 1997a, 2)que no llegaba a definirse como principio político. No es euro-optimismo mantener, sin embargo que, tras el Tratado de Amsterdam,vino a dar comienzo una etapa de transición hacia un escenario en elque se irá construyendo la dimensión colectiva de la regulacióncomunitaria sobre aspectos socio-laborales, de la que ya haysignificativas manifestaciones (Spyropoulos, 1999, 234), pero tambiénserias carencias.

Ahora bien, ante el papel que el ordenamiento jurídico comunitarioasigna a la autonomía colectiva y ante el que efectivamente puededesempeñar ésta en este espacio normativo supranacional, en susdiversas manifestaciones posibles, hay que adoptar ciertasprecauciones. La primera, y fundamental, no incurrir en el “equívocometodológico” (Lo Faro, 1999, 8) de aplicar al estudio de lascategorías jurídicas de los derechos laborales colectivos los mismoselementos conceptuales de los sistemas nacionales, ni de emplearlos estereotipos culturales, históricamente determinados y que hanido cristalizando en cada uno de los ordenamientos internos en unaamplia diversidad. Como se ha recordado muy oportunamente, nohay nada mas diferente en Europa, aparte de los idiomas, que laestructuración de los sindicatos, los criterios de representación, laeficacia personal de la negociación colectiva (Lettieri, 1998, 14), por

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mencionar sólo los aspectos más llamativos en las diversas solucionesjurídicas planteadas a nivel comparado.

En segundo lugar, conviene tener presente la dinámica instauradaentre el sistema de garantías que tutela los derechos fundamentalesde carácter colectivo – sindicación, huelga, negociación colectivafundamentalmente – en los respectivos ordenamientos internos, y elcuadro resultante de protección “interiorizada” en cada país, una vezcomparados cada uno de estos sistemas, que arroja un generalizado,aunque enormemente diferenciado, nivel de respeto de tales derechos.Pero – y esta es la precaución – sin que esta situación se plantee comoun objetivo general de la actuación normativa comunitaria ni seprevea la construcción de un sistema análogo de garantías a nivelsupranacional, lo que por otra parte tiene mucho que ver con el repartode competencias comunitarias y nacionales y el juego del principiode subsidiariedad, cono se analizará más adelante.

Por último, procede diferenciar entre lo que se delimita jurídicamentecomo norma comunitaria y se inserta con una lógica propia en dichoordenamiento jurídico y las reglas que la autonomía colectiva puedecrear, como consecuencia de la acción social de los sujetos colectivos,en especial en este tema los sindicatos de trabajadores. Este tipo dereglas no se asimilan fácilmente a las categorías jurídicas de las quese dispone en los ordenamientos nacionales respectivos ni ofrecenlas certezas a las que estamos acostumbrados en materia de eficaciade las mismas y de la garantía de los derechos en ellas reconocidos,y tampoco se instalan en el cuadro normativo del derecho comunitario,de por sí proclive a fórmulas “dúctiles” de creación del derecho. Sinembargo esa creatividad colectiva que abarca la dimensiónsupranacional y transnacional posee un valor indicativo y prescriptivoextraordinario. Desde esta perspectiva, que hace más complejo elanálisis de estas categorías, es desde donde es más correcto abordarel estudio de la autonomía colectiva en el Derecho social comunitario.

1.1 La carencia de un orden constitucional europeo

de garantía de derechos colectivos.

Nadie puede negar que la construcción de la Unión Europea comouna Europa de ciudadanos haya de sustentarse en la existencia de un

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reconocimiento de los derechos fundamentales de éstos “expresiónde los valores colectivos y de la identidad de las sociedades europeas”(Casas, 1996a., 11), lo que remite a la declaración de derechos y asu eficacia en el ordenamiento comunitario. Por eso el debate sobrela constitucionalización de los derechos sociales viene de lejos, aunquesólo entrados en el siglo XXI se haya llegado a una situación en laque se puede hablar de la proximidad de un ordenamientoconstitucional europeo que los recoja1. Lo cierto es que todavíacarecemos de constitución europea en el sentido clásico del término.Una parte de esta carencia se debe a los ímpetus desreguladores dela ideología neoliberal triunfante en los años 80, que interpretaba lalógica de los derechos como una cortapisa al funcionamiento delmercado, y señaladamente aquellos derechos de carácter colectivocomo los de sindicación, negociación colectiva y huelga. Pero tambiénposiblemente a que la noción de derechos sociales se reconducía alámbito de competencias comunitarias, como derechos reactivos oreflejos de una acción o política de los poderes públicos, por lo queen consecuencia no se tenían en cuenta los supuestos de producciónextralegislativa o autónoma de reglas vinculantes en materia derelaciones laborales. Sin embargo existen dos textos importantes endonde se utiliza la forma de declaración de derechos para incorporarel conjunto de derechos sociales.

a) La Carta comunitaria de los derechos sociales

fundamentales de los trabajadores.

En efecto, han existido intentos serios de lograr una ciertaconstitucionalización de los derechos sociales y en concreto de losderechos fundamentales de carácter colectivo, como sucedió con laCarta comunitaria de los derechos sociales fundamentales de lostrabajadores adoptada en diciembre de 1989, en el contexto de unproceso de tensión hacia la construcción de una dimensión socialeuropea “fuerte” bajo la presidencia de Jacques Delors, a finales delos años ochenta.

Este texto constituye una declaración de los derechos que

1 Una exposición muy clara de esta necesidad en Rodriguez Piñero y Casas, 1996. Ver también Sciarra, 1996.

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básicamente comparten todos los Estados miembros, en el intento detrasladar al modelo europeo de regulación social lo que constituye elelemento fundante de los principios de protección de los derechossociales en los respectivos ordenamientos internos. Por eso elPreámbulo de la Carta recuerda que por un lado pretende “consagrarlos progresos realizados en el ámbito social, por la acción de losEstados miembros, de los interlocutores sociales y de la Comunidad”,y por otro “garantizar en los niveles adecuados el desarrollo de losderechos sociales de los trabajadores de la comunidad Europea”, sinque desde luego pueda darse “ninguna regresión con respecto a lasituación actualmente existente en cada Estado miembro”.

Los derechos reconocidos de carácter colectivo se concentran endos grandes bloques: en el primero se consagra “la libertad deasociación y negociación colectiva”, en el segundo la “información,consulta y participación de los trabajadores”. Delimitando el contenidode los mismos, se pueden señalar los siguientes:

a) Derecho de asociación y libertad sindical, que comprende tantoel derecho de los empresarios a asociarse y a constituir asociacionesprofesionales para defender sus intereses económicos y sociales, comoel derecho de libertad sindical propiamente dicho, tanto en su vertienteindividual como colectiva. La interpretación de los contenidos de lalibertad sindical se deberá realizar con el auxilio de los Convenios dela OIT, en el sentido con que el Preámbulo de la Carta se refiere a la“inspiración” de sus declaraciones en aquellos. Es de resaltar sinembargo que en la declaración europea tenga expresa acogida laprotección de la libertad sindical negativa que sin embargo no semenciona en los textos de la OIT, con consecuencias restrictivas oimpeditivas para las claúsulas de seguridad sindical típicas de lacultura sindical anglosajona. Los ordenamientos internos deberánademás determinar “en qué condiciones y en qué medida” se debenaplicar a las fuerzas armadas, a la policía y a la función pública lasfacultades y derechos derivados de la libertad de sindicación, lo quees también extensivo a otros derechos reconocidos, como el denegociación colectiva y el derecho de huelga.

b) Derecho de negociación colectiva, que se reconoce en un doblenivel. En el plano de las condiciones establecidas por las legislaciones

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y prácticas nacionales, a los empresarios y sus organizaciones y a lasorganizaciones de trabajadores, y a escala comunitaria, a losinterlocutores sociales, pero confinada en el marco de las consultas ypareceres comunes de ambos que se conoce como diálogo social,que puede culminar, si así se desea, en que “se establezcan relacionesconvencionales” tanto a nivel interprofesional como sectorial. De estaforma, la negociación colectiva de empresa en el nivel transnacionalno aparece recogida en la Carta como derecho fundamental de lostrabajadores, una muestra mas de la incoherencia y la obstinaciónideológica de algunos gobiernos en no legitimar la acción sindical aescala europea.

c) Derecho a recurrir a acciones colectivas y derecho de huelga,originado por un conflicto de intereses y con las posibles limitacionesderivadas tanto de la legislación como de las obligaciones pactadasen convenios colectivos, en una doble alusión en consecuencia a laimposición legal de límites al ejercicio del derecho de huelga y a lapactación de claúsulas de paz en la negociación colectiva. Encualquier caso es patente la remisión a la legislación y las prácticasnacionales en este supuesto. Y en este tema, la exclusión o restriccióndel ejercicio del derecho de huelga para fuerzas armadas, policía yfunción pública a que antes se ha hecho referencia, tendrá unaproyección muy intensa en los diversos ordenamientos nacionales.

d) Procedimientos de conciliación, mediación y arbitraje, con lafinalidad de resolver los conflictos laborales planteados, tanto deintereses como jurídicos, sin que la declaración comunitaria sepronuncia por el carácter público o voluntario de los mismos, es decir,generado en el seno de una estructura administrativa pública o creadoy administrado por la negociación colectiva, al determinar únicamenteque “es conveniente favorecer” su creación y utilización, aquí también“ de conformidad con las prácticas nacionales”.

e) Derechos de información, consulta y participación de lostrabajadores en la empresa, que se establece a nivel general comoderecho ejercitable “según mecanismos adecuados” en función de“las prácticas vigentes en los diferentes Estados miembros”, y seextiende en especial a “aquellas empresas o grupos de empresas quetengan establecimientos o empresas situados en varios Estadosmiembros de la Comunidad Europea”. La declaración estableceademás algunos supuestos en los que tales procedimientos de

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información y de consulta resultan particularmente necesarios, enconcreto en los supuestos de introducción en la empresa deinnovaciones tecnológicas que modifican sustancialmente lascondiciones de trabajo o la organización del trabajo, en los casos defusiones o restructuraciones de empresas y en los despidos colectivos,y, en fin, en los trabajadores transfronterizos afectados por las políticasde empleo llevadas a cabo por las empresas en las que trabajan.

Al margen de sus limitaciones, imperfecciones y deficiencias, laCarta resultó una iniciativa plenamente fallida, puesto que noconsiguió sus objetivos primeros de constituir un “minimum socialcomunitario” (Rodriguez Piñero, 1997, 2). La Carta carecía de valorjurídico alguno en el interior del ordenamiento comunitario y tampocoorientó la jurisprudencia comunitaria a efectos interpretativos de losprincipios de la Comunidad. Era una simple declaración solemne(Spyropoulos, 1999, 233) que además no suscribieron todos losEstados miembros de la misma, ante la exclusión de Gran Bretaña.De esta forma, este proyecto que pretendía una ciertaconstitucionalización de derechos sociales y la homogeneización delos mismos, no tuvo la fuerza política para poder afirmarse,confirmando así de nuevo el papel plenamente subsidiario de ladenominada dimensión social del proyecto europeo en el conjuntode las políticas económicas y sociales que éste representa, como sevolvería a poner de manifiesto en los criterios de convergencia que seemplearon en Maastricht.

Posteriormente otros intentos en la misma dirección han tenidoidéntico fin2, aunque el debate se orientó en los años noventa hacia ellogro de nuevas formas de constitucionalización de los derechos sociales(Sciarra, 1996, 86), que encontraron en la reforma de Amsterdamalgunos avances, lo que no quería decir mucho ante la situación anteriorde la que se partía de negación de cualquier afirmación general de unsistema de valores políticos y sociales que orientara las políticas de losgobiernos y la acción de la Comunidad más allá de la consecución dela unidad monetaria y el mercado común.

En efecto, el art. 6 TUE establece el compromiso de la Unión Europeade respetar los derechos fundamentales tal y como éstos resultan del

2 Resulta de gran interés la propuesta de Blanpain, Hepple, Sciarra y Weiss, 1995, 873 ss. Una exposición sintéticade esta propuesta y la del “Comité de Sabios” de 1996, en Rodriguez Piñero, 1997a, 6 ss.

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convenio de Roma de 1950 y “tal y como resultan de las tradicionesconstitucionales comunes a los Estados miembros” como principiosgenerales del Derecho comunitario. Y concreta más esta referencia alos derechos sociales fundamentales el art. 136 TCE al mencionarexpresamente los reconocidos en la Carta Social Europea de 1961 yen la Carta comunitaria de derechos sociales fundamentales de lostrabajadores de 1989. Se produce así una cierta constitucionalizaciónde estas declaraciones de derechos como principios, que van a tenerposiblemente un margen de aplicación en tanto orientan lainterpretación del TJCE3. Es éste quien debe garantizar el respeto detales derechos como principios generales del Derecho comunitario(Casas, 1996a, 11), pero su alcance puede que no se limite a esteefecto orientador e interpretativo. Porque estos compromisos del TUEy del TCE, aunque a la postre no vengan sino a suponer el enunciadode un vago compromiso político en torno a los valores que representanlos derechos fundamentales a los que estas normas remiten, implicanun cierto cambio de orientación, la necesidad de llegar a establecerun catálogo de derechos y un sistema de protección de los mismos aescala europea.

b) La Carta de los derechos fundamentales de la Unión

Europea (La Carta de Niza, 2000).

Tantas veces propuesta como necesidad la constitucionalización delos derechos fundamentales en la dimensión comunitaria, es elConsejo Europeo de Colonia en 1999 el que determinó que seprofundizara en los trabajos en torno a una Carta Europea de DerechosFundamentales, con expresa inclusión de los derechos sociales(Däubler, 2002, 16). Con rapidez sorprendente se obtuvo un amplísimoconsenso en torno a un texto que fue aprobado solemnemente en lacumbre de Niza en diciembre del 2000. Estructurada en siete capítulos(Dignidad, Libertades, Igualdad, Solidaridad, Ciudadanía, Justicia),es en la rúbrica de solidaridad donde se recogen la gran mayoría delos derechos sociales En concreto, en su art. 27 reconoce el derechode información y consulta de los trabajadores en la empresa – “con

3 Unánime comentario de la doctrina que ha comentado Amsterdam: Galiana, 1998; Gomez Muñoz, 1998,Rodriguez Piñero, 1998; Rodriguez-Piñero Royo, 1998; Torrents, 2000.

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la suficiente antelación” y “en los niveles adecuados” - , y el art. 28 dela misma se declara el derecho de negociación y de acción colectivaen los siguientes términos:

“Los trabajadores y los empresarios, o sus organizaciones respectivas, deconformidad con el Derecho comunitario y con las legislaciones y prácticasnacionales, tienen derecho a negociar y celebrar convenios colectivos, en losniveles adecuados, y a emprender, en caso de conflicto de intereses, accionescolectivas para la defensa de sus intereses, incluida la huelga”.

A lo que habría que añadir el reconocimiento en el capítulo delibertades, en el art. 12, de la libertad de asociación en el ámbitosindical, “lo que implica el derecho de toda persona a fundar con otrassindicatos y a afiliarse a los mismos para la defensa de sus intereses”.

Aprobada como solemne declaración política y por tanto sinatr ibuir le un valor jur ídico que la haga formar parte delordenamiento comunitario4, comparte con la declaración dederechos anterior una segura función de orientación de lajurisprudencia comunitaria, al margen de que formalmente no sehaya producido todavía una incorporación formal de la Carta alsistema jurídico comunitario (Däubler, 2002, 20; Casas, 2000, 27).Sin embargo se inscribe en la dinámica que se inicia a partir delConsejo Europeo reunido en Laeken en diciembre del 2001, dondese convoca una Convención para el futuro de Europa decomposición novedosa5 y cuyo objetivo declarado es dotar aEuropa de una Constitución. En ese proceso constituyente esnecesaria una declaración de derechos fundamentales para lo quela Carta de los derechos fundamentales de la Unión Europea oCarta de Niza debe ser incorporada al nuevo proyecto de Tratadofundante de la Unión. El curso de las cosas está ya muy avanzadoen la actualidad, y por esta vía se pretende acercar el proyectoeuropeo a los ciudadanos y “hacer visibles” estos derechosfundamentales (Valdes de la Vega, 2003), como una condición delegitimación del sistema político sobre el que se quiere basar la

4 “Acuerdo no normativo que revela la inspiración compartida por la Unión Europea debido a la pluralidad y a latransparencia de su debate y por ser fruto de un amplio consenso institucional e intergubernamental” (Mangas,2002, 431).5 Su precedente se encuentra en el “Convento” o convención para la elaboración de la Carta de Niza. En laConvención se encuentran representantes de los Gobiernos y Parlamentos nacionales y de las institucionescomunitarias, Parlamento y Comisión europea. Cfr. Valdés de la Vega, 2003.

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Unión, en donde el “modelo social” europeo constituye sin dudaun elemento determinante. Hay que tener en cuenta que en elProyecto de Constitución Europea se ha optado por asignar a laCarta de Niza la mayor relevancia política y el más alto valorjurídico, como derecho originario de la Unión que goza delprincipio de primacía sobre el derecho nacional de los Estadosmiembros. Si, como todo parece, triunfa esta opción, el largoproceso seguido para encontrar una parte declarativa de derechoscon fuerza vinculante en el ordenamiento comunitario habráculminado mediante la positivización de estos derechos en el marcoconstitucional de la Unión (Valdés de la Vega, 2003). Sin embargo,será importante conocer cual será la delimitación que puedahacerse del “contenido esencial” de los derechos y libertadesreconocidos, sobre la base de las di ferentes t radicionesconstitucionales de los Estados miembros (Casas, 2000, 110), loque resulta particularmente relevante en lo que se refiere a losderechos colectivos reconocidos en la misma.

Por otra parte, según las reglas de interpretación que da el art. 52de la Carta de Niza, el sentido o alcance de estos derechos habrá deser como mínimo el que reconozca el CEDH, a menos que la Cartagarantice una protección mas elevada o amplia, sin que quepainterpretar cualquier precepto de este texto legal como limitativo olesivo de los derechos humanos y libertades fundamentales“reconocidos, en su respectivo ámbito de aplicación, por el Derechointernacional y los convenios internacionales de los que son parte laUnión, la Comunidad o los Estados miembros, y en particular el CEDHasí como las Constituciones de los Estados miembros” (art. 53).Igualmente no cabe una interpretación que se dirija a la destrucciónde los derechos y libertades que reconoce o que cree limitacionesmás amplias que las previstas (art. 54). Sin embargo es convenienteaclarar que, como señala el art. 51 de la Carta, ésta “no creacompetencia ni misión nueva para la Comunidad ni para la Unión yno modifica las competencias y misiones definidas por los tratados”,de forma que los derechos fundamentales garantizados en la Cartasólo son efectivos en el marco de las competencias que define el TCE.Ello implica analizar de forma específica el lugar que ocupan losderechos colectivos que son manifestación del principio de autonomíacolectiva reconocido en la Carta de Niza.

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1.2 La aplicación del principio de subsidiariedad.

¿Cómo se contemplan por tanto en el ordenamiento comunitariolos derechos relacionados con el principio de autonomía colectiva?Estamos hablando de derechos fundamentales de carácter colectivoy este tipo de derechos entra de lleno en el ámbito del principio desubsidiariedad. Ya se ha visto el énfasis que en este punto ponían lasdeclaraciones de derechos reconocidos en la Carta comunitaria delos derechos fundamentales de los trabajadores. Con carácter generalse articulaba en el punto 27 de aquella declaración, al afirmar que“la garantía de los derechos sociales fundamentales” contenidos enla Carta “competen a los Estados miembros de conformidad con lasrespectivas prácticas nacionales, en particular mediante la legislacióny los convenios colectivos”. La Carta de derechos fundamentales dela Unión por su parte recuerda en su art. 51.1 de forma específicaque sus prescripciones están dirigidas a las instituciones y órganosde la Unión, respetando el principio de subsidiariedad, así como alos Estados miembros únicamente cuando apliquen el derecho de laUnión, de forma que el respeto de los derechos, la observancia de losprincipios y la aplicación de los mismos se realizará “con arreglo asus respectivas competencias”.

El principio de subsidiariedad, que está enunciado de formageneral en el art. 5 TCE, restringe las competencias de la Comunidady establece una regla de preferencia de la actuación de los Estados,de tal manera que la acción de la Comunidad sólo se podrá dar enla medida en que sus objetivos “no puedan ser alcanzados demanera suficiente por los Estados miembros” y, en consecuencia,“puedan lograrse mejor, debido a la dimensión o a los efectos de laacción contemplada, a nivel comunitario”. Este principio parte dela idea de reducir la intervención comunitaria en materiastradicionalmente reguladas por los Estados nacionales, aunquesupone en realidad un principio para organizar la cooperación entrelas diversas instancias políticas que se despliegan en el escenariocomunitario para cooperar en la producción de normas (Rodríguez,2001, 271-274). El territorio de la garantía de los derechosfundamentales es el propio de los sistemas jurídicos nacionales degarantía de los mismos, es decir, que sobre esta materia opera

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plenamente el principio de subsidiariedad.Se ha señalado correctamente (Rodriguez Piñero, 1997a, 6) que no

se debe confundir el tema de la competencia para la declaración delos derechos fundamentales con los de la aplicación y puesta enpráctica de los mismos, de forma que se puede producir una acciónintegrada entre el reconocimiento en el ordenamiento jurídicocomunitario de determinados derechos fundamentales y sin embargodeferir su regulación concreta y los medios de protección de losmismos a los respectivos ordenamientos nacionales, con pleno respetopor tanto del principio de subsidiariedad6. Pero ya desde Maastrichtel Derecho comunitario ha acentuado la exclusión de los derechoslaborales colectivos del espacio normativo por él delimitado.

En efecto, el art. 137.6 TCE excluye de la competencia de laComunidad “el derecho de asociación y de sindicación, el derechode huelga y el derecho de cierre patronal”. Dejando de lado la muycriticable equiparación entre huelga y cierre patronal, que parecereiterar el art. 28 de la Carta de Niza, con la previsible controversiaque este tema conlleva (Däubler, 2002, 24), lo que aparece de formaneta en este precepto es la voluntad de segregar de la dimensióncomunitaria la regulación de “las bases institucionales de los sistemasde relaciones laborales” (Rodriguez Piñero, 1998, 5), las facultadesde auto-organización y de autotutela colectiva que se encarnan en lalibertad sindical y en el derecho de huelga. En la justificación formalde esta opción política se maneja una equivocada noción del principiode subsidiariedad en el sentido de invocar las especificidadesnacionales en materia de sindicación y de huelga (Lo Faro, 1999,184) y por esa vía pretender respetarlas. Las consecuencias de estaexclusión competencial son evidentes respecto de la propianegociación colectiva a la que a partir del APS firmado en Maastrichtse quería dotar de un espacio de relevancia normativa incluido en elordenamiento comunitario, en concreto respecto de la ablación deun reconocimiento completo de la libertad sindical de la que lanegociación colectiva no es sino su corolario7.

6 Y a la inversa, “si la Comunidad se fija un objetivo que no puede alcanzarse mas eficazmente a nivel de los Estados,las cuestiones concernientes a a los derechos fundamentales que se deriven de estas políticas deben ser tambiénresponsabilidad comunitaria” (Rodríguez, 2001, 277).7 Es una apreciación muy extendida en la doctrina que se ha ocupado del tema. Así, Aparicio, 1996, 175; Lo Faro,1999, 175 ss; Spyropoulos, 1999, 234, etc.

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De esta manera la libertad sindical y el derecho de huelga no tienenreconocimiento constitucional directo en este ámbito normativosupranacional, y han sido excluidos de cualquier acción comunitariaque tenga por objeto regular su ejercicio. Su lugar está sin embargoen los sistemas constitucionales nacionales, en donde está“interiorizado” tanto su reconocimiento como derechos fundamentales– en aquellos Estados en los que existe constitución escrita – como elsistema de garantías de los mismos. Parecería por tanto que losprincipios de autonomía colectiva no podían traspasar las fronterasnacionales y se quedaban confinadas en sus respectivos Estadosmiembros, siendo a lo sumo objeto de una actividad de coordinación, fuera del ordenamiento jurídico comunitario. Ello implicaría laincapacidad de encontrar un respaldo normativo al establecimientode un sistema de relaciones laborales a nivel supranacional basadoen los principios de autonomía de los sujetos sociales. Y sin embargohay dos importantes facultades que clásicamente forman parte de laactuación de estos sujetos colectivos, a los que se les ha asignado unespacio normativo dentro del ordenamiento comunitario: se trata dela negociación colectiva autodenominada comunitaria – ante todolos acuerdos colectivos “fuertes” - y de los derechos de información yde consulta en la empresa, y en especial en las empresastransnacionales. En consecuencia, el tratamiento y reconocimiento dela autonomía colectiva en el derecho comunitario “se haparcializado”, aceptando alguna de sus manifestaciones y negandootras (Valdes de la Vega, 2003).

La contradicción que se expresa, desde el punto de vista deldesarrollo completo de un principio de autonomía colectiva, esevidente, pero para solventarla no sólo habrá que analizar en detallelos contenidos y las funciones de estos derechos insertos en la dinámicadel derecho social comunitario, sino que habrá que manejar la tensiónexistente entre una realidad previa a la consagración normativa desus tendencias, es decir a la existencia de unos sujetos colectivos y deunas reglas de actuación construidas a escala comunitaria. No sepuede contar sólo con el diseño jurídico-político comunitario en ladeterminación del espacio que ocupa el principio de autonomíacolectiva en el ordenamiento social europeo, sino que resulta decisivala construcción de una dimensión supranacional de la autonomíacolectiva fuera de la normatividad comunitaria a través de la acción

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de creación de reglas por obra de los sujetos colectivos que sedespliegan en ese ámbito. El análisis por tanto de cuáles sean éstoses importante a estos efectos.

2 Los actores colectivos a escala europea: sindicatos

y asociaciones de empresarios.

El proceso de construcción de europea ha urgido a sindicatos y aasociaciones empresariales a desplegar su acción más allá de lasfronteras nacionales, organizándose también a escala comunitariacomo “interlocutores sociales”. A efectos expositivos, se analizaráprimero el fenómeno del asociacionismo empresarial para luegodedicarse al sindicalismo europeo.

a) El asociacionismo empresarial.

En su origen, las asociaciones patronales se configuran más enfunción de una coordinación de sectores empresariales con vistas ala unificación del mercado europeo que como representaciónorganizada de los empresarios europeos en una función deinterlocución con los representantes de los trabajadores. Aunqueexisten una larga serie de asociaciones empresariales estructuradaspor sectores o ramas de producción, las organizaciones más relevantesson las que representan al conjunto de los mismos, es decir, sonasociaciones interprofesionales, y a ellas nos referiremos brevemente.Una característica del asociacionismo europeo es la agrupacióndiferenciada de empresas públicas y privadas en dos asociacionesdiferentes, CEEP y UNICE.

· La Unión de Confederaciones de Industria y de EmpresariosEuropea (UNICE)8, fue creada en 1958 y representa a 34 asociacionesinterprofesionales de ámbito estatal de 27 paises europeos9, del sectorprivado fundamentalmente, aunque en países como en España la

8 En www.unice.org se puede encontrar un resumen de su desarrollo histórico y una descripción de su estructura.Sobre el tema ver también Dueñas, 2002, 112 ss.9 Son las asociaciones empresariales de los paises de la Unión Europea, del Espacio Económico Europeo, de Europacentral y oriental. UNICE tiene también cinco patronales como observadores.

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CEOE agrupe indistintemente en su seno a empresas públicas yprivadas, y esté adherida a esta organización. Desempeña un rol muyactivo en la interlocución frente a los poderes públicos europeos y enla discusión de la agenda del diálogo social y de la negociacióncolectiva europea.

· El Centro Europeo de Empresas de Participación Pública (CEEP)10,fue creado en 1961 y agrupa a las empresas u organizaciones departicipación pública, sin perjuicio de permitir en sus estatutos a partirde 1994 que las empresas públicas puedan estar afiliadasindirectamente a la UNICE a través de confederaciones nacionales osectoriales11. Es también interlocutor representativo en el marco deldiálogo social y de la negociación colectiva comunitaria, pero en lapráctica el papel dirigente lo desempeña la UNICE.

El asociacionismo empresarial europeo ha encontrado importantesobstáculos para presentarse como el portavoz único de los interesesempresariales, en especial en lo relativo a pequeñas empresas o adeterminados sectores muy sensibles de la Comunidad, como losempresarios agrarios o pesqueros. La pugna sobre la representatividadempresarial en la pequeña empresa a escala europea se solventó conel acuerdo de colaboración entre UNICE y UEAPME, una asociaciónempresarial con importante incidencia en el sector empresarial medioy pequeño. Las empresas multinacionales, por su parte, tienden a actuarcon autonomía respecto del asociacionismo empresarial en el mismomarco europeo de referencia. Sin embargo la UNICE ha creado uncomité consultivo y de apoyo en el seno de su estructura al que lasempresas pueden adherirse directamente, con el aval de su federaciónnacional (Teyssié, 2003, 290).

Asimismo tiene en muchas ocasiones una cierta indefinición entrelas funciones de tipo representativo en materia de relaciones laboralesy otras tareas de naturaleza político- comercial (Fiorai, 1996, 197). Elproblema de mayor incidencia en materia de relaciones colectivas seplantea sin embargo respecto de la carencia de delegación de poderes

10 Como en el caso anterior, puede consultarse la página web de esta organización para un resumen histórico, suprograma y su estructura: www.ceep.org .11 La lista de Empresas Públicas europeas miembros de CEEP se encuentra en www.ceep.org/documentsEn_Fr/EntrepriE.doc

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de actuación en nombre de las Confederaciones nacionales, que enciertos momentos le impiden cualquier tipo de actuación autónoma yen nombre propio, debiendo desempeñar meras tareas decoordinación, e imposibilitando la toma de decisiones a nivel europeocomo un sujeto representativo en dicho ámbito. Hay que tener encuenta que hasta 1999 la UNICE tomaba las decisiones porunanimidad, de manera que el riesgo de bloqueo era evidente, loque llevó a esta organización a modificar este aspecto introduciendoun sistema de mayorías cualificadas para adoptar las decisionesvinculantes para la organización. Pero resulta llamativo que se requieraun 80% de los votos de las federaciones afiliadas para iniciar lasnegociaciones de un acuerdo colectivo a nivel comunitario, y semantenga el requisito de la unanimidad para aprobar los resultadosde la negociación del mismo (Teyssié, 2003, 290).

b) El sindicalismo europeo: la Confederación Europea de

Sindicatos.

La construcción del sindicalismo europeo ha sido lenta ycomplicada. Puede resultar llamativo que el sindicalismo, que en suorigen nació con un alcance internacionalista, tenga dificultades enla actualidad en presentarse como un sujeto colectivo construido aescala supranacional. Este hecho se explica en parte por el anclajenacional de los sindicatos en Europa a partir de la primera guerramundial, lo que ha originado que tanto sus modelos organizativoscomo sus formas de actuación sean producto de particulares factoreshistóricos, culturales e ideológicos, diferenciados en cada nación. Sise toman por ejemplo los cinco grandes países de la Unión Europea– Alemania, Francia, Italia, Gran Bretaña y España – se puedenapreciar cinco modelos diferentes de organización sindical, derelaciones laborales, de estructura de la negociación colectiva, deeficacia de los convenios. Sin embargo nadie duda de la necesidadde la europeización del movimiento sindical. Es claro que la asimetríaentre el espacio de poder supranacional europeo y la localizaciónnacional del sindicalismo no sólo dificulta el avance de un procesode democratización que acompañe a la integración europea, sinoque progresivamente dificulta y vacía de contenido la propia acción

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sindical de defensa de los derechos de los trabajadores (Baylos,1999a, 12). Por eso se habla de la necesidad de una “revolucióncultural e institucional” en el sindicalismo europeo (Lettieri, 1998, 17),que no sólo trabaje en la construcción de estructuras organizativas enel ámbito supranacional, sino que vaya integrando la dimensióneuropea entre las estrategias y los programas de acción de lasconfederaciones sindicales nacionales.

El sindicalismo europeo se agrupa en torno a la ConfederaciónEuropea de Sindicatos (CES)12, que se creó en 1973. En su difícilproceso de configuración han pesado más los factores ideológicosque las divergencias en el modo de entender el sindicalismo y lasformas de estructurarlo. Resultante en su origen de la fusión entre elsindicalismo de origen cristiano y el organizado en torno a la CIOSL,en donde se inscribían desde los sindicatos norteamericanos hasta lamayoría de los sindicatos europeos de cultura social-demócrata,variables políticas e ideológicas condicionaron la admisión deconfederaciones sindicales nacionales representativas a las que seligaba con partidos comunistas con cierta implantación electoral. Estahostilidad ante el tipo de sindicalismo mayoritario en una parteimportante del Europa del Sur – Francia, España, Italia y Portugal –ha ido eliminándose a lo largo de la década de los noventa13 y en laactualidad la CES expresa en su interior la pluralidad de corrientesque existen en el sindicalismo europeo y su fuerte diversidad culturale ideológica. La CES por otra parte no sólo se limita a la representaciónde los trabajadores de los países miembros de la ComunidadEuropea, sino que se extiende a la mayoría de los estados que formanparte del continente europeo, exceptuando los Balcanes y Rusia14. EnEspaña, forman parte de la CES en la actualidad las dos centralessindicales más representativas a nivel estatal, CC.OO. y UGT, ytambién ELA-STV, sindicato más representativo a nivel de la comunidadautónoma del Pais Vasco15.12 Su página web es la siguiente : www.etuc.org13 En concreto sobre las peripecias de la C.S. de CC.OO. para ingresar en la CES, sorteando el veto ideológicoalentado por la UGT, ver el ágil y documentado relato de Moreno Preciados. 1999.14 Como observadores se encuentran son embargo sindicatos de Croacia, Lituania, Macedonia, Serbia y Suiza.15 La pertenencia de ELA-STV a la CES constituye una excepción, puesto que sus Estatutos no prevén sino laincorporación de confederaciones sindicales de alcance interprofesional y que desempeñen su actividad en latotalidad del territorio de un estado europeo, y no de una región del mismo. La causa de la afiliación de ELA se hallaen que pertenecía a la Confederación Mundial del Trabajo, de matriz cristiana y que con tal condición formó partede los sindicatos fundantes de la CES al producirse la fusión entre sindicatos cristianos y social-demócratas europeosen 1973, aún vigente el franquismo en nuestro país.

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La estructura de la CES es compleja, porque agrupa tanto aConfederaciones sindicales interprofesionales de los distintos paisesmiembros, como a Federaciones de Rama o de sector organizadas anivel europeo (Federaciones Sindicales Europeas)16. En cuanto a lascentrales sindicales de ámbito nacional, en la CES están presentes 77sindicatos que corresponden a 35 países europeos, y representan a60 millones de trabajadores, junto a 11 Federaciones de Ramaeuropeas de los principales sectores productivos y servicios17, queagrupan a 40 millones de trabajadores (Dolvik, 2000). A partir delCongreso de Helsiniki de la CES (1999), el nivel sectorial ha alcanzadoun mayor grado de desarrollo, pues las Federaciones SindicalesEuropeas “coordinan” la negociación colectiva sectorial a nivelcomunitario y la acción sindical en los Comités de Empresa Europeos.Además se han creado otras estructuras intermedias que coordinanla acción de los sindicatos de diferentes países europeos en áreasregionales con una cierta integración económica y culturaldeterminada, y que se hallan dirigidas también por la CES. Sedenominan Consejos Sindicales Interregionales, y hay 38 operativoshasta la actualidad18.

Esta heterogeneidad organizativa ha generado ciertascomplicaciones a la hora de realizar la intermediación de interesesentre las predominantes confederaciones nacionales y las federacioneseuropeas, pero simultáneamente esta singularidad permite que la CESabarque de forma unitaria las distintas posiciones desde las que sepuede construir un espacio sindical europeo y establecer una relaciónarticulada entre las estrategias nacionales y europeas de la acciónde los sindicatos, tanto respecto de la movilización como de laconsecución de acuerdos sobre las condiciones de trabajo y empleode los trabajadores europeos. Esta capacidad de agregación es laque permite aseverar la representatividad como interlocutor social

16 Otras estructuras sindicales funcionan “bajo los auspicios” de la CES, como Eurocadres, organización que asociaa cargos medios y altos de las empresas, y la Federación Europea de Jubilados y Ancianos (FERPA). Sobre el tema,Dueñas, 2002, 109.17 Forman parte de la CES las Federaciones Sindicales Europeas de los sectores de alimentación, construcción, textil,química y minería, metal y campo, así como del transporte, comunicación, periodismo, espectáculo, serviciospúblicos y educación.18 Por otra parte en los ámbitos de la investigación social, de la formación sindical y la salud y seguridad en el trabajo,la CES ha creado unos institutos especializados que cuentan con una administración autónoma y que tienen elapoyo económico de la Unión Europea. Sobre el tema, Dueñas, 2002, 109-110. En el Congreso de Praga de la CES(2003) se plantea la posibilidad de reunir estos institutos en una sola Fundación, como medio de una mas eficazutilización de los recursos disponibles y como forma de mejorar los servicios que prestan a las estructuras de la CES.

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de la CES en el ámbito europeo, cualidad de especial relevancia aefectos tanto del diálogo social como de la negociación colectivacomunitaria, de la que participan también las Federaciones SindicalesEuropeas que están adheridas a la CES.

Un tema importante en esta delimitación de la “nueva frontera”europea de la acción sindical es la relativa a la subordinación oindependencia de la actuación de la CES respecto de lasconfederaciones nacionales que la componen. Es decir, si se configuracomo un puro organismo de coordinación de estrategias de actuaciónde los sindicatos nacionales, subordinado por tanto a la autorizacióno al condicionamiento de los mismos en su programa de acción, loque sería coherente con el esquema referido del art. 137.6 TCE en elsentido de someter los aspectos de la libertad sindical al principio desubsidiariedad. Esta perspectiva sin embargo no es la que correspondea un proceso de integración social y política como el que busca elmovimiento sindical europeo. Por ello en los estatutos de estaConfederación se ha debido incluir la regla de la adopción dedecisiones en su seno por mayoría, lo que implica un fenómeno de“cesión de soberanía” por parte de las confederaciones nacionalesen beneficio de la central europea, de forma que ésta se configuracomo una verdadera persona jurídica que actúa como sujeto sindicalautónomo en el ámbito europeo, trascendiendo la suma de losmandatos de cada una de las organizaciones sindicales que lacomponen. Esto tiene una especial relevancia en orden al diálogosocial y a la negociación colectiva comunitaria como veremos, peroen general se conecta con la necesidad de poner en pie un marcocompleto de relaciones laborales europeo.

En cuanto a la vertiente sindical individual, es claro que no seproduce una afiliación directa de los trabajadores europeos a la CES,sino que ésta se produce a las respectivas confederaciones nacionalesmiembros de la misma. Sin embargo la creación de un espacio delibre circulación de trabajadores integrado obliga a un reconocimientotransnacional de la afiliación sindical y a la mutua prestación deprotección y servicios sindicales19. La europeización sindical afecta19 Las iniciativas que se conocen han surgido como consecuencia de la movilidad laboral transfronteriza, medianteacciones de reconocimiento mutuo por parte de las centrales sindicales que actuaban en los países afectados. Enla resolución final del Congreso de Praga de la CES (2003), se propugna la introducción de una tarjeta sindical quepermita a quienes trabajan temporalmente en el extranjero el acceso a toda la gama de servicios sindicales, comola asistencia jurídica o los cursos de formación.

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también a este extremo, y la CES pretende definir las condiciones delmutuo reconocimiento de la afiliación sindical a este respecto entrelas organizaciones miembros de la misma.

3 Facultades de autotutela colectiva a nivel europeo:

manifestación y huelga.

Ya se ha visto que en el plano normativo comunitario se ha optadopor excluir los derechos laborales colectivos de auto-organización y deautotutela de cualquier regulación comunitaria sobre los mismos (art.137.6 TCE). Esta opción de política del derecho es plenamenteincoherente con la existencia de un ámbito europeo en el quenecesariamente éstos derechos, regulados mediante las peculiariedadesde las legislaciones nacionales de los estados miembros, desplegaránsus efectos trascendiendo el marco de sus respectivos países. A fin decuentas, la existencia de normas comunitarias sobre la representaciónde intereses en las empresas transnacionales o la capacidad de losinterlocutores sociales para establecer relaciones convencionales yacuerdos colectivos en el ámbito supranacional, requeriría en paralelola regulación de los aspectos transnacionales de las “accionescolectivas”20. El ámbito europeo de ejercicio de derechos fundamentalesno puede en efecto escindirse entre algunos que resultan regulados yreconocidos en esta dimensión, como los derechos de negociacióncolectiva y los derechos de información y consulta, y otros sometidos alas regulaciones nacionales, los de sindicación y huelga, siendo asíque existe un espacio de expresión transnacional – y supranacional –de este tipo de acciones colectivas de autotutela del interés de lostrabajadores en Europa21.

20 Es una reivindicación de la CES, defendida ya durante el proceso de discusión sobre el Tratado de Ámsterdampretendiendo la desaparición del art. 137. 6 TCE, que dio lugar a una resolución del Comité de empleo y de asuntossociales del Parlamento Europeo en 1998 sobre el reconocimiento de los derechos sindicales transnacionales en laUnión Europea (Clauwaert, 2002).21 Ello da pié a interpretaciones críticas como la de Orlandini, 2003, 240, en el sentido que la exclusión de la huelgade las competencias comunitarias significa que la tutela del derecho de huelga se sitúa en conflicto directo con losobjetivos de plena integración del mercado europeo, de manera que la protección de la huelga en el planocomunitario se rechaza sobre la base de un juicio de valor político que considera a ésta como un obstáculo a laproductividad y a la competitividad del mercado. O, por decirlo a la inversa, sólo han de alcanzar el reconocimientoa nivel comunitario aquellos derechos colectivos compatibles con (o funcionales a) la plena integración del mercado.Sin perjuicio de compartir la crítica a estas opciones ideológicas, es evidente que el sistema de relaciones laboralesque se está diseñando en Europa no es un sistema pretendidamente “a-conflictivo” que choca directamente con lastradiciones constitucionales de los Estados miembros y la propia declaración del derecho de acción colectiva en laCarta de Niza. Y ello sin aludir a la capacidad de actuación del sindicalismo europeo en esa dimensión supranacional.

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Esta exclusión de cualquier acción comunitaria de regulación de estosúltimos derechos no impide, como se ha visto, que los sujetos colectivosrepresentativos de los trabajadores en este ámbito europeo elaborenreglas de actuación y adopten medidas de autotutela de sus intereses,tanto en lo que respecta al conjunto de la población activa en Europa,como a determinados sectores productivos en concreto, en un contextocultural en el que las relaciones laborales están atravesadas por elconflicto social22. Las expresiones mas usadas del principio de autotutelacolectiva por parte de la CES son principalmente dos: el derecho demanifestación y el derecho de huelga.

El derecho de manifestación suele emplearse como contrapuntode las reuniones de Consejos de Ministros o de órganos de gobiernode la Comunidad como medio de presión para la adopción depolíticas o de decisiones orientadas al fortalecimiento de la dimensiónsocial y ciudadana de la Unión europea. Las movilizacionesprotagonizadas por el sindicalismo europeo a favor de una estrategiaeuropea por el empleo con ocasión del Congreso Extraordinario deLuxemburgo en 1997, las manifestaciones efectuadas en la cumbrede Oporto en el 2000, las convocadas para la de Niza, coincidiendocon la presidencia francesa también en el año 2000, o laeuromanifestación de Sevilla en junio del 2002, coincidiendo con laconvocatoria de la huelga general en nuestro país, se inscriben enesa práctica ya consolidada de reivindicación sindical de defensa deintereses generales del conjunto de trabajadores – activos y pasivos –en el ámbito comunitario.

El derecho de huelga se ha empleado prioritariamente en la defensade intereses de los trabajadores de empresas o sectores en el ámbitoeuropeo, aunque en algunas ocasiones se han organizado parossimbólicos intersectoriales ante reivindicaciones muy generales, comola reducción de jornada y la creación de empleo. En este terrenoconfluyen sin embargo, distintos escenarios. Hay huelgas que sedesarrollan en un pais comunitario pero en las que se aprecia una claradimensión europea por dos motivos principalmente. En unos casosporque mediante la huelga se reivindica el cumplimiento de las normascomunitarias en materia de derechos de información y consulta previosa la adopción de medidas organizativas o de extinción de contratos de22 Aunque existan estudios en el seno de la CES que inciden en el cambio del modelo de conflictividad en Europay su terciarización acelerada en los años 90. Así, Bordogna y Cella, 2002.

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trabajo, y que se suelen englobar en el rechazo a una estrategia dedeslocalización productiva de empresas comunitarias que se trasladana otros países23. Estos casos son propiamente huelgas de solidaridaden donde el hecho que causa el desencadenamiento de la accióncolectiva se sitúa en el plano transnacional de las empresas condimensión comunitaria. Tal como está concebido el panorama delderecho de huelga que se remite a los parámetros de cadaordenamiento interno nacional, se plantea en estos supuestos unafragmentación del régimen jurídico aplicable a estas acciones desolidaridad en función de lo que disponga cada ordenamiento nacional,lo que significa que desde la regulación jurídica no se concibe la unidadde la huelga de solidaridad convocada, sino tantas huelgas comoEstados nacionales haya (Clauwaert, 2002, 33). La consecuencia esque una misma huelga convocada en el nivel transnacional puede serconsiderada legal o ilegal en determinadas circunstancias en losdiferentes Estados nacionales en los que se desarrolle.

En otros supuestos la huelga se desarrolla en un país frente a ciertasmedidas adoptadas por los agentes económicos o los poderespúblicos que en último término están originadas por una norma odecisión comunitaria, como sucede con los proyectos de liberalizacióny de privatización de determinados sectores, como el de la energía24,o los conflictos derivados de la puesta en práctica del concepto deServicios de Interés General25. No se trata por tanto de accionesorganizadas para su confluencia en una jornada de huelga en todoslos países europeos, sino que las organizaciones sindicales nacionalesadaptan el planteamiento global del sindicato europeo frente a lanorma comunitaria o toma de posición del gobierno europeo enfunción de una decisión del gobierno nacional, directamente generadapor tanto por la política comunitaria al respecto. Se podría por tantodenominar a este tipo de huelgas como huelgas nacionalescomunitarizadas, puesto que reaccionan frente a una medida depolítica industrial, económica o de empleo nacional, pero

23 Es el caso bien conocido del cierre de la factoría que la empresa Renault tenía en la población de Vilvoorde(Bélgica) en 1997, que, tras una potente movilización sindical, originó incluso la condena de la Comisión al modo deproceder de la empresa, con violación patente de los derechos de información y consulta reconocidos legalmente.24 Asi , en 1999, las huelgas y protestas en el sector de la electricidad y del gas ante la destrucción de puestos detrabajo causada por la liberalización de estos sectores en Italia, Alemania, Francia y Bélgica, o las huelgasferroviarias en Austria, Bélgica y Francia en 2003.25 Una crítica muy bien construida a esta noción desde la perspectiva del conflicto sindical, en Orlandini, 2003, 352 ss.

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directamente condicionada por decisiones comunitarias.Hay en fin otro tipo de huelgas a las que se les debe asignar con

propiedad el concepto de eurohuelgas, en donde la acción de protestase pretende realizar coordinadamente en todos los países europeos,y que naturalmente se confronta a medidas o decisiones de ámbitocomunitario. Bajo la expresión eurohuelga se está haciendo referenciapor tanto a una acción colectiva sindical frente a una decisión de lospoderes públicos de la comunidad o frente a la aplicación concretade la misma. Es en consecuencia una versión de lo que en España sellamaría huelga política, es decir la que se desarrolla frente a lasdecisiones de los poderes públicos que afectan al interés de lostrabajadores. De nuevo en este aspecto se constata la fragmentacióndel régimen jurídico aplicable a este tipo de medidas de presión enfunción de la consideración que cada ordenamiento jurídico internotenga de los límites externos al derecho de huelga y de los interesesque se puedan defender mediante la misma. Se tiene que resaltaraquí que la eurohuelga se dirige frente a un poder público supraestatal,de forma que los gobiernos nacionales no están directamenteafectados por la reivindicación actuada por la huelga, sino lasautoridades comunitarias.

Existen múltiples manifestaciones de estas formas de conflicto deámbito europeo, por lo demás cada vez mas frecuentes. En primer lugar,esta forma de presión se relaciona con las tendencias a construir espaciosúnicos europeos en determinados servicios, transcendiendo lacapacidad soberana de los estados en su ordenación concreta. Lanecesidad, por ejemplo, de una “política exterior común de la aviación”en el contexto de la iniciativa de la Comisión sobre la creación delCielo único europeo26, y la litigiosidad derivada de los acuerdosbilaterales “de cielo abierto”, obliga a plantear la acción sindical enese nivel, incluida naturalmente, las facultades de autotutela colectiva27,lo que es también aplicable al sector de las telecomunicaciones, oincluso a otros donde se avanza un “espacio” unificado, como el de lacooperación judicial en el ámbito de un espacio judicial europeo, etc.Y, en segundo término, a las huelgas que tienen por objeto protestar

26 Comunicación de la Comisión al Consejo y al Parlamento de 1 de diciembre de 1999 [COM (1999), 614 final].27 Ver Position ETF pour une politique exterieure commune de l’aviation, comunicado de 19 de febrero de 2003 (www.itf.org.uk/etf), con muy interesantes precisiones sobre el contenido que deberían incorporar los acuerdos decooperación con USA en materia de cielos abiertos.

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contra algún tipo de regulación comunitaria, o disuadir a la Comunidadde adoptar alguna medida que se entiende contraproducente para losintereses de los trabajadores, o, al contrario presionar para que realiceotro tipo de regulación que se estima más favorable. El casoemblemático lo constituye el sector del transporte, que ha conocidofrecuentes acciones coordinadas a nivel europeo de protesta contraciertas regulaciones (o desregulaciones) comunitarias del mismo, comolas realizadas por los ferroviarios en noviembre de 1998, o lostransportistas por carretera – muchos de ellos trabajadores autónomos– en 1999, o, mas recientemente, el rechazo de la propuesta de Directivasobre servicios portuarios que generó una importante movilizacióneuropea en septiembre de 2003 en la que se combinaronmanifestaciones y huelgas en todos los puertos europeos. Por último,hay también ejemplos de eurohuelgas de empresa, como reaccióncontra la vulneración por una determinada compañía de las reglas deconsulta e información con el Comité de empresa Europeo, comosucedió con Michelin en 1998. La posible apertura de procesos denegociación de ciertos contenidos en empresas o grupos de empresasde dimensión comunitaria genera también ejemplos de huelgas dedimensión transnacional, más allá de la esfera de los derechos departicipación en estas empresas, aunque en ocasiones estas accionescolectivas se fragmentan en función de las medidas que adopten lossindicatos de cada filial de la empresa transnacional.

La característica común que se ha señalado en la construcción delconflicto a escala comunitaria es que, desde el punto de vista delrégimen jurídico aplicable al mismo, no está previsto un sistema degarantías del derecho de huelga en el plano global en el que sedesarrolla el conflicto, sino que se fragmenta en los respectivosordenamientos nacionales. Pero llegados a este punto, cabepreguntarse sobre las posibles contradicciones entre el ejercicio deeste derecho fundamental de huelga y determinados principioseconómicos y de respeto a las reglas de libertad de mercado queconfiguran la Comunidad y si el planteamiento de un conflicto eneste nivel puede originar una respuesta normativa en el nivelcomunitario. El campo en donde se puede encontrar con mas facilidaduna confrontación es el de la libertad de circulación de personas y debienes, elemento central en la configuración del sistema jurídico ypolítico comunitario. El primer supuesto que podría plantearse es el

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28 Sobre el tema y las propuestas doctrinales de una directiva prohibiendo recurrir al blacklegging transfronterizo,Clauwaert, 2002, 15.29 Diario Oficial L 337 de 12-12-98. Ver también la Resolución del Consejo y de los Representantes de los Gobiernosde los Estados miembros, reunidos en el seno del Consejo de 7 de diciembre de 1998 en relación con la librecirculación de mercancías, Diario Oficial n° L 337 de 12-12-98.30 Causa C-265/95, que analiza la operatividad del art. 28 TCE en la consecución del objetivo de plena integración delmercado interno extendiendo su alcance a los actos de los particulares y precisando la “responsabilidad por omisión”del Estado ante éstos. La importancia de esta Sentencia tanto en si misma considerada como en la adopción delReglamento 2679/98, de 7 de diciembre de 1998, está estudiada con todo detalle por Orlandini, 2003, 246 ss.

de la contratación de esquiroles más allá de las fronteras del Estadoen el que se desarrolla una huelga para limitar o impedir su eficacia,lo que se podría llamar esquirolaje transfronterizo, basado en lalibertad de circulación de trabajadores en el mercado unificadoeuropeo. La colisión entre el derecho de huelga y la libertad decirculación de trabajadores se tiene que resolver naturalmente sobreel respeto al ejercicio del derecho de huelga y la consiguienteprohibición de la contratación directa, a través de una empresa detrabajo temporal o mediante una empresa contratista, de trabajadorescon la finalidad de sustituir a los huelguistas, pero los términos de lamisma se realizarán según la forma que prevea cada ordenamientonacional europeo, sin que por tanto exista en este tema posibilidadde una regulación comunitaria28.

Sin embargo, cuando la huelga se realiza en determinados sectoresllave, como el del transporte, cuya continuidad hace posible la librecirculación de mercancías, cabe interrogarse si puede ser restringida oimpedida justamente en función de la preservación de este principiofundante de la Comunidad Europea (Orlandini, 2003, 245 ss.), de maneraque la norma comunitaria no regularía el derecho de huelga, sino queestaría protegiendo el derecho de personas y bienes a circular libremente.Perspectiva que como se verá a continuación no tiene en consideraciónque de esta manera se impondría con carácter general un límite directoal ejercicio del derecho de huelga en el ámbito europeo, vedando en lapráctica al conflicto, en determinados sectores productivos, su expresiónen una dimensión supranacional muy necesaria.

Este es el interrogante que cabe hacerse ante el Reglamento delConsejo 2679/98, de 7 de diciembre de 1998 sobre el funcionamientodel mercado interior en relación con la libre circulación de mercancíasentre los Estados miembros29, que, con el precedente del caso de losagricultores francesas y la STJCE Comisión Europea vs. RepúblicaFrancesa de 9 de diciembre de 199730 , contempla la adopción de

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medidas contra las actuaciones que perturben gravemente uobstaculicen la libre circulación de mercancías, entendiendo por talesla “acción u omisión” por parte de los Estados miembros en donde eltérmino «omisión» se extenderá a los casos “en que las autoridadescompetentes de un Estado miembro, ante un obstáculo ocasionadopor acciones realizadas por particulares, se abstengan de aplicartodas las medidas necesarias y proporcionadas dentro de suscompetencias para eliminar el obstáculo y garantizar la librecirculación de mercancías en su territorio”31, previéndose unprocedimiento específico para la reclamación formal por parte de laComisión al Estado sobre la perturbación u obstaculización a la librecirculación que se estuviera produciendo en el territorio de aquél32.

Sin embargo la norma excluye expresamente de la noción de lasactuaciones perturbadoras de la libertad de circulación de mercancíasque los Estados miembros tienen la obligación de evitar, a lasrestricciones que ésta pueda sufrir como consecuencia del ejerciciodel derecho de huelga. El art. 2º del Reglamento 2679/98 prescribede forma taxativa que éste no puede interpretarse “en el sentido deque afecta en modo alguno al ejercicio de los derechos fundamentalesreconocidos en los Estados miembros, incluido el derecho o la libertadde huelga”, precisando a continuación que “estos derechos podránincluir asimismo el derecho o libertad de emprender otras accionescontempladas por los sistemas específicos de relaciones laborales enlos Estados miembros”33. La exclusión era necesaria y coherente conel respeto al ejercicio de los derechos fundamentales básicos sobrelas que se basa el ordenamiento comunitario, y tiene el valor“simbólico” (Orlandini, 2003, 292) de constituir una regulación delderecho de huelga en un acto legislativo comunitario directamentevinculante en los ordenamientos nacionales, aunque inmediatamenteremite a los sistemas jurídicos de cada Estado para la determinaciónde lo que cada uno de ellos entienda por huelga, disolviendo así estanoción en la diversidad de regímenes que regulan el derecho de

31 Art. 1, apartado 2) del Reglamento (CE) 2679/98, de 7 de diciembre de 1998.32 Un análisis detenido del procedimiento y de los deberes de información recíprocos que en él se establecen enOrlandini, 2003, 284 ss.33 Exclusión que reitera la Resolución de 7 de diciembre de 1998 antes citada: “.1 Los Estados miembros secomprometen a hacer todo lo que esté en su poder, teniendo en cuenta la protección de los derechos fundamentales,incluidos el derecho o la libertad de huelga, para proteger la libre circulación de mercancías y hacer frenterápidamente a las actuaciones que perturben gravemente la libre circulación de mercancías, tal como se definen enel Reglamento (CE) n° 2679/98”.

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huelga en los distintos países que forman parte de la Unión Europea.Lo que esto quiere decir es que los Estados nacionales pueden

explicar a la Comisión europea que las acciones de paralización uobstaculización del intercambio de mercancías intracomunitario sedeben al ejercicio del derecho de huelga, por lo que éste bloqueo nopuede ser impedido o restringido sobre la base de este procedimientoespecial regulado en el Reglamento 2679/98 citado. Y, a la inversa,los sindicatos de trabajadores pueden entender ilegítimas ciertasrestricciones de sus medidas de presión que los gobiernos hayandispuesto para proteger la libertad de circulación de mercancías enel mercado unificado europeo sobre la base de que estas restriccionesno pueden aplicarse cuando la perturbación del tráfico está originadopor el ejercicio del derecho de huelga.

Ello no implica que el ejercicio del derecho de huelga en el ámbitoeuropeo no sufra limitaciones cuando se desenvuelve en sectores - comoel transporte - que posibilitan la libre circulación de personas y bienes.Los límites al ejercicio del derecho de huelga no estarán fundados eneste Reglamento 2679/98, sino que vendrán dados por los diferentesregímenes jurídicos de cada ordenamiento nacional en el que lossindicatos del transporte convoquen la eurohuelga. Lo que significa, deotra manera, que no existe un sistema normativo que homogeneice loslímites al ejercicio del derecho de huelga cuando éste se realiza a niveleuropeo y en un sector que perturba u obstaculiza la libre circulación demercancías, sino que, en función de la aplicación estricta del principiode subsidiariedad, éste se resuelve en la disparidad de soluciones jurídicasque suministra cada ordenamiento nacional al respecto34.

4 Diálogo social comunitario: Significado y

características.

La expresión diálogo social se ha ido cargando de contenidos en

34 En el caso español esta solución ha sido valorada muy negativamente por los sindicatos. Así, respecto de laeurohuelga ferroviaria de noviembre de 1998, la Administración fijó unos servicios mínimos extensos con la finalidadde que el transporte ferroviario no tuviera ninguna interrupción. Se verificó entonces de forma clara la relaciónexistente entre la instancia nacional y la europea en el sentido de que una regulación nacional restrictiva delejercicio del derecho de huelga dificulta extraordinariamente la incorporación del grueso de los trabajadores delsector de ese Estado a una acción sindical coordinada a nivel europeo, reduciendo así su incidencia y debilitandola percepción social de la importancia de la jornada de huelga. (S. Muntaner,. “Trenes europeos en huelga”, GacetaSindical nº 170, diciembre 1998, p. 25).

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paralelo a la importancia que paulatinamente ha ido adquiriendoen el contexto de la construcción de la dimensión social del mercadounificado europeo. Es un término sin embargo muy manido e imprecisoque puede inducir a confusión porque en muchos ordenamientosinternos, como el español, se emplea para explicar realidadesdiferentes que no pueden reconducirse a un significado común, comoconcertación social35, participación institucional o inclusoprocedimientos de consultas en las empresas, aunque en términosgenerales se está refiriendo a la centralidad de una noción decolaboración y de concertación entre los sujetos colectivosrepresentantes de trabajadores y de empresarios en la configuracióndel sistema de relaciones laborales (Cella, 2003, 205).

En el ámbito comunitario, manteniendo siempre esta idea de base,ha ido asumiendo contornos diferentes, porque no ha sido fácil – nireciente – el camino hacia el pleno reconocimiento del diálogo socialcomo expresión del principio de autonomía colectiva que se despliegacomo principio político y organizativo del sistema de relacioneslaborales que diseña el ordenamiento comunitario en la actualidad.Cuando el art. 136 TCE prescribe que la Comunidad y los Estadosmiembros, “teniendo presentes derechos sociales fundamentales”tendrán como objetivo “el diálogo social”, y, de manera más explícitaen lo que se refiere al órgano ejecutivo europeo, cuando el art. 138.1TCE determina que la Comisión “tendrá como cometido...adoptartodas las disposiciones necesarias” para facilitar el diálogo entre losinterlocutores sociales a nivel comunitario, “velando porque ambaspartes reciban un apoyo equilibrado”, está recibiendonormativamente una práctica de intercambio de información y decontactos entre estos sujetos colectivos que históricamente se realizarona partir de 1985 en lo que se conoce como encuentros de Val Duchesse,por iniciativa del entonces presidente de la Comisión, Jacques Delors36,y que en definitiva se sustancia en una relación bilateral y autónomaentre los interlocutores sociales a nivel comunitario, es decir, entre la

35 En el caso español, se utiliza la noción de diálogo social como sinónimo de los procesos de concertación de alcanceinterprofesional tanto entre los representantes institucionales del empresariado y de los sindicatos, como a lanegociación tripartita entre los poderes públicos y las asociaciones empresariales y centrales sindicales más representativasa partir de 1996, frente a la denominación de concertación social que estos procesos recibieron en la década anterior.36 Sobre los precedentes de estas reuniones, Jacobs, Ojeda, 1999, 37. Una exposición global de las implicacionese importancia del diálogo social europeo desde una perspectiva histórica en la Comunicación de la Comisión relativaal desarrollo del diálogo social a escala comunitaria COM (96) 448 final.

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representación de los empresarios (UNICE y CEEP) y de los sindicatos(CES), de carácter esencialmente informal. Es decir que el diálogosocial comunitario supone una fórmula de “encuentro e intercambiode opiniones entre las partes sociales dirigidos a la búsqueda deopiniones convergentes sobre cuestiones de interés común” (Roccella,Treu, 1995, 374), y que no necesariamente adoptan la forma de unacuerdo colectivo.

En su primera expresión histórica, el diálogo social es promovidopor la autoridad comunitaria, y sus resultados son opiniones odictámenes sin valor jurídico vinculante, que deben leerse como unarecomendación conjunta dirigida a las propias organizacionesafiliadas a las firmantes (Rodriguez Piñero, 1997b, 51), aunque unobjetivo importante de este tipo de reuniones informales consistía endar a conocer a las autoridades comunitarias este tipo de puntos devista u opiniones comunes37. Pero su recepción en el AUE en 1987implicó un cambio de dimensión, de manera que el diálogo socialvino a ser un “objetivo” de la comunidad , que se encuadraba en elmarco de la política social de ésta, como un elemento dinamizadorde la misma (Ruiz Castillo, 1997, 710). No se trataba realmente de unreconocimiento de un principio de autonomía colectiva, sino de unestadio previo a la misma, que cumplía una función anticipatoria y depreparación de verdaderas manifestaciones de negociación vinculanteentre las partes. En ese sentido la declaración 12ª de la CartaComunitaria de los Derechos Sociales de los Trabajadores diferenciabaentre el diálogo social entre los interlocutores sociales a escala europea,que “debe desarrollarse”, y la posibilidad de que estos procesos deintercambio y de consulta conduzca a la realización de acuerdoscolectivos, tanto a nivel interprofesional como sectorialmente.

La situación cambia a partir del Tratado de Maastricht, con la firmadel Acuerdo de Política Social, porque el centro de gravedad setraslada a la negociación colectiva comunitaria, la problemáticapor ella planteada y los condicionantes de su ejercicio, y es ésta laque absorbe el diálogo social como presupuesto de las relacionesconvencionales establecidas, de manera que se liga necesariamente

37 Cerca de una quincena de dictámenes comunes se emiten desde 1986 a 1995, referidos genéricamente al crecimientoeconómico y del empleo, la formación, nuevas tecnologías y movilidad profesional y geográfica. (Ruiz Castillo, 1997, 715).Uno de ellos, en 1992, se dedica justamente a señalar la importancia del diálogo social y de los procedimientos denegociación en que éste puede culminar, justamente antes de la ratificación del Tratado de Maastricht.

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a la consecuencia que anuncia el art. 139 TCE, en el sentido que “eldiálogo social entre interlocutores sociales en el ámbito comunitariopodrá conducir, si éstos lo desean, al establecimiento de relacionesconvencionales, acuerdos incluidos”38. Ante la realidad de la“metamorfosis” del diálogo en acuerdo negociado (Martin Valverde,1994, 16), el interés doctrinal se dirige, naturalmente, ante esta nuevaforma, más compleja y que incorpora elementos típicos de las reglasautónomas colectivas. Esta disolución de la noción de diálogo socialen la negociación colectiva comunitaria no es técnicamente correcta,pero señala de manera clara el grado de desarrollo del principio deautonomía colectiva en el ordenamiento comunitario.

El diálogo social a partir de la incorporación homogénea del APS alTratado de Ámsterdam cobra ya una fuerza y una extensión importanteque se despliega en varios niveles tanto en función de la intensidad dela participación de los interlocutores sociales, como en relación con losgrados de institucionalización del mismo. En este sentido cabe distinguirniveles del diálogo social en función de su estructuración tanto a nivelinterprofesional como a nivel sectorial, éste último sobre todo a partirde 199439 (Ruiz Castillo, 1997, 712), pero de manera muy reciente seha reforzado la concertación tripartita para insertar este elemento dediálogo en lo que aparecía como una esfera reservada a los poderespúblicos nacionales y comunitarios, la coordinación de las políticas deempleo a tenor de los arts. 129 y 130 TCE. La creación de la CumbreSocial Tripartita para el Crecimiento y el Empleo por Decisión delConsejo de 6 de marzo del 200340 quiere servir a “garantizar laconcertación permanente” entre la Comisión, el Consejo y losinterlocutores sociales, de forma que éstos puedan participar “en elmarco del diálogo social” en las distintos componentes de la estrategiaeconómica y social integrada iniciada en el Consejo de Lisboa. Eldiálogo social encuentra también otros ámbitos de desarrollo menosdesarrollados, como en la faceta internacional, referida a las relaciones

38 Así, expresamente, Jacobs y Ojeda (1999, 60 ss).39 El refuerzo del diálogo social sectorial, que se realizaba en los llamados Comités Paritarios aparece claramentea partir de 1996, y ha generado una reciente reorganización institucional contenida en la Decisión de la Comisiónde 20 de mayo de 1998 por las que se crean los Comités de diálogo sectorial para promover el diálogo entre losinterlocutores sociales a escala europea y que sustituyen a los Comités Paritarios hasta entonces activos [COM(1998) 2334]. La lista actualizada de estos Comités de Diálogo Sectorial con expresión de los sujetos sindicales yempresariales participantes en el mismo se puede consultar en el Anexo 2 de la Comunicación de la Comisión Eldiálogo social europeo, fuerza de modernización y de cambio, COM (2002) 341 final.40 DOCE L70/31, 14 de marzo del 2003.

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de la Unión Europea con terceros países, y en las relaciones bilateralescon los sujetos representativos en otras regiones – especialmenteAmérica Latina, Usa, Japón- y con la OIT. Lo más relevante es que eldiálogo social tiene su origen en la voluntad política de los órganos degobierno comunitarios que quieren asociar a su acción legislativa y deadministración la legitimación que asignan los interlocutores sociales,abriendo por tanto a la participación de éstos la determinación de unabuena parte de las políticas sociales. Pese a que se han institucionalizadoimportantes lugares donde se desarrolla el diálogo social –especialmente en el nivel sectorial, pero también en el interprofesional– este sigue constituyendo ante todo una dinámica de intercambiosentre sindicatos y asociaciones empresariales europeos, sin que seconfunda con determinados procedimientos técnicos y normativos. Eldiálogo social por tanto hace mas bien referencia a un nivel de desarrollodel sistema de relaciones colectivas comunitario que requiere una fluidarelación entre interlocutores sociales con incidencia tanto en lanegociación de posibles acuerdos como en la orientación de la políticasocial comunitaria.

Desde este punto de vista, conviene diferenciar lo que significa eldiálogo social respecto de otras instituciones o procedimientos conlos que puede confundirse.

· En primer lugar, respecto de la participación institucional en losórganos comunitarios. Existe un organismo específico, el ComitéEconómico y Social (arts 257 y ss. TCE) en el que se expresan losintereses de los empresarios y de los trabajadores de los distintospaises miembros de la comunidad, y que debe ser consultado respectode las acciones normativas previstas en materia económico – social41.Sin embargo no son los únicos representantes de los sectores de lavida económica y social, puesto que la norma prevé la participaciónde un tercer sector, consumidores y usuarios, autónomos y profesionesliberales junto a los clásicos representantes del mundo del trabajo yde la empresa. Esta tripartición se mantiene no sólo en el Comité

41 Una descripción sobre la estructura y el funcionamiento del mismo en Gomez Muñoz, 1992, 35 ss. Este modeloes el que en nuestro ordenamiento jurídico realiza el Consejo Económico y Social, de configuración tripartita perosin presencia como parte del poder público, salvo mediante el nombramiento de unos “expertos” que se incorporanal grupo en el que están representados consumidores, usuarios, organizaciones agrarias y pesqueras y cooperativas.Ver Ley 21/1991, de 17 de junio (BOE 18-6) y Reglamento de organización y funcionamiento interno del ConsejoEconómico y Social (BOE 13-4-1993).

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Económico y Social, sino en la mayoría de los órganos de lacomunidad que buscan la participación institucionalizada de losdiferentes sectores de la vida económica y social. Es muy frecuenteafirmar que el CES europeo es una institución a través del cual seviene practicando el diálogo social, aunque en un nivel de intensidaddébil (Gómez Muñoz, 1992, 42), pero posiblemente en este caso sereproduzca el equívoco que se da en los sistemas nacionales entre laconcertación social y los órganos de participación institucional. Eldiálogo social implica una relación autónoma entre asociacionesempresariales y sindicatos a nivel europeo, con exclusividad de estossujetos, lo que lo diferencia de este organismo de participación (débil)en las políticas sociales comunitarias (Ruiz Castillo, 1997, 721).

· En segundo término, hay que distinguir el diálogo social delprocedimiento de consulta por parte de las autoridades comunitariasa los interlocutores sociales a que se refiere el art. 138 TCE, expresandoel compromiso de la Comisión en general de “fomentar la consulta alos interlocutores sociales”, para a continuación precisar unprocedimiento específico sobre la posible orientación de una accióncomunitaria, que recogen los números 2 y 3 de dicho precepto, y queen síntesis implica dos momentos: uno inicial de consulta sobre laposible orientación de una acción comunitaria, y un segundo posterior,cuando la Comisión estima conveniente una acción comunitaria enconcreto, en cuyo momento éstos deberán ser consultados “sobre elcontenido de dicha acción”. Dejando de lado este procedimiento de“consulta preceptiva” (Torrens, 2000, 117) descompuesto en dosmomentos, y que tiene como destinatarios a diferentes sujetosrepresentativos o mejor, con una representatividad valorada de formadiferente, que se relaciona directamente con la apertura del procesode negociación colectiva comunitaria, como luego se analizará, loque hay que retener es que el intercambio de información tiene comopunto de referencia el poder público comunitario, que es quien poseela iniciativa de la consulta y es a la vez la destinataria de la misma,en el último de los supuestos previstos en el art. 138.3 TCE, un dictamensi se trata de una opinión conjunta o una recomendación si sonpareceres diversos los de los interlocutores sociales (Aparicio, 1996,184). Este vértice público que es fuente y objetivo de la circulación delas opiniones y puntos de vista de los interlocutores sociales es el

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determinante de la consulta, que no puede ser confundida, por tanto,con el diálogo social directo entre los sujetos colectivosrepresentativos42.

· En último lugar, conviene diferenciar el diálogo social respecto dela propia negociación colectiva comunitaria. Como señala el art.139.1 TCE, lo que llamamos diálogo social está en la baseciertamente de este fenómeno, es un requisito previo al desplieguede los procesos de negociación que desembocan en un acuerdocolectivo, pero no puede ni confundirse ni ser absorbido por éste desdeun punto de vista conceptual. Y ello tanto respecto de la negociacióncolectiva comunitaria propiamente dicha, a la que se refiere el art.139 TCE, como a los procesos de negociación desarrollados fuerade éste precepto, la llamada negociación colectiva “libre”o novinculada por los procedimientos que culminan en una normacomunitaria. El establecimiento de “relaciones convencionales,acuerdos incluidos” a que aluden los textos comunitarios tiene unacaracterización singular y diferente de lo que es la dinámica deldiálogo social y por tanto se debe analizar por separado de maneraautónoma43.

El diálogo social ha cumplido importantes funciones desde suformalización en los primeros textos normativos comunitarios. Antetodo ha permitido el reconocimiento institucional de las partes socialesa nivel comunitario y el mutuo reconocimiento de éstas (RodriguezPiñero, 1997b, 51), es decir, un modo de construir la representatividadde estos sujetos colectivos en la dimensión comunitaria, cuestión queserá decisiva también a la hora de entablar los procesos denegociación que conduzcan al establecimiento de acuerdos colectivosen ese nivel, y sobre lo que volveremos más adelante. Pero además eldiálogo social pasa a definirse en 1987 como un “objetivo”comunitario, lo que implica la búsqueda de la legitimación social a

42 El diálogo social pone el acento en la “horizontalidad” entre las partes sociales, algo distinto de los “contactosverticales” con los órganos comunitarios (Rodriguez Piñero, 1997b, 50).43 En contra, Jacobs y Ojeda, (1999), que establecen un continuum entre el diálogo social y los procedimientos denegociación colectiva comunitaria. Otros autores (Ruiz Castillo, 1997, 712), diferencian el diálogo social de laconcertación social, por desbordar ésta “el ámbito de las relaciones bilaterales”, o por implicar una “profundainterrelación” entre el ejercicio del poder público y la función representativa de las partes sociales en el ejercicio desu autonomía colectiva (Fotinopoulos, 2000, 138).

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las políticas comunitarias y el inicio del reconocimiento de un principiode autonomía colectiva en éste ámbito tal como sobre todo seestablece en Maastricht. Es decir que de un lado el diálogo social seinserta en los procedimientos de generación de normativascomunitarias en las cuestiones relativas a la política social,dinamizando el instrumento de regulación social comunitaria quesupone la negociación colectiva (Spyropoulos, 1999, 235) peroademás los poderes públicos se orientan hacia el fomento de estoscontactos autónomos entre las partes sociales que posiblementeconfiguren una práctica por parte de las autoridades comunitarias depromoción de este fenómeno.

A partir de Ámsterdam se puede considerar que el diálogo socialadquiere ya una posición relevante en el conjunto del marco políticoe institucional europeo. Se puede ya hablar del diálogo social comoun principio político que incorpora el ordenamiento social comunitariocomo método de gobierno del sistema de relaciones laboraleseuropeo. El énfasis que se pone en este último aspecto en los últimostextos comunitarios – por todas la Comunicación de la Comisión sobreEl diálogo social europeo, fuerza de modernización y cambio (2002) –es muy significativo del interés que este proceso de intercambios y denegociación entre los interlocutores sociales ha despertado en suvertiente directamente política. Se dice en efecto que el diálogo socialcontribuye a la mejor gobernanza (governance) democrática de laUnión Europea, en especial ante la ampliación de la misma, y seconceptúa como una “fuerza motriz” de las reformas económicas ysociales, vinculada a las nociones de modernización y de cambio. Seha explicado esta visión tan elogiosa de los procesos de diálogo socialeuropeo en clave estrictamente política, sobre la base de que éstosconstituyen una base adecuada para la creación y la consolidaciónde una ciudadanía económico-social europea que, sin ser aún unaverdadera ciudadanía política, podría preparar su establecimiento,aunque para ello debería reflexionarse sobre el tipo de interesespluralistas representados y sobre la necesaria visibilidad ytransparencia de los procedimientos y mecanismos de diálogo social(Cella, 2003, 196). De esta manera, estos textos comunitarios enfocanmas el diálogo social como proyecto que como realidad, puesto queen la práctica éste ha alcanzado realizaciones muy modestas tantoen su vertiente interprofesional como sectorial y se desenvuelve en

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una cultura muy diferente de la participación en función de cual seael interlocutor social, pues el asociacionismo empresarial europeo esen gran medida reticente a la generalización de estas prácticas comométodo de gobierno del sistema europeo de relaciones laborales44,mientras que uno de los leit-motiv del movimiento sindical europeoes el de “reforzar” el diálogo social45, en lo que coincide por tantocon las declaraciones oficiales en la materia de las autoridadescomunitarias.

5 Negociación colectiva comunitaria: Tipología.

Como ya se ha señalado, el art. 139 TCE explica que el diálogoentre interlocutores sociales en el ámbito comunitario “podrá conducir,si éstos lo desean, al establecimiento de relaciones convencionales”,es decir, de acuerdos colectivos. Este precepto supone el expresoreconocimiento del derecho de negociación colectiva en la dimensióncomunitaria, pero no significa que las formas de expresión de ésta enel nivel europeo sean únicamente las reguladas en dicho artículo nique la regulación del mismo sea homogénea. Por eso puede resultarinteresante suministrar una clasificación posible de la negociacióncolectiva comunitaria sobre la base de tres variables clásicas en laordenación de esta facultad de acción sindical: en función delcontenido del convenio, en atención a la eficacia del mismo y, en fin,en relación con el ámbito de aplicación del mismo.

a) En función del contenido del convenio: acuerdos

“vinculados” y acuerdos “libres”.

En lo que se refiere al contenido del convenio colectivocomunitario, resulta importante distinguir entre aquellos acuerdos queciñen sus contenidos a las materias objeto de competenciacomunitaria en materia social, tal y como se recoge en el art. 137

44 Un ejemplo reciente de esta actitud se encuentra en la toma de posición de la UNICE sobre la revisión de laAgenda sobre Política Social 2003-2005, en especial en su oposición a doce iniciativas planteadas en la misma, lamayoría de ellas referidas a adoptar medidas concertadas o a abrir procedimientos de negociación. (Comunicado deprensa de 30 de septiembre de 2003, en www.unice.org. ) Sobre las carencias del diálogo social, un análisisinteresante, pero que se detiene en el año 2000, en Degryse, 2000.45 Así en el Programa de Acción del X Congreso de la CES en Praga (mayo 2003), en www.etuc.org/EN/xcongress/fr/docs

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TCE, y aquellos otros que no necesariamente se restringen en elcontenido abordado a este contenido competencial comunitario.Doctrinalmente se han acuñado términos específicos para reflejar lacontención de lo regulado dentro del esquema de competencias delart. 137 TCE – los “ámbitos sujetos al art. 137”, como señala el art.139 del mismo texto legal – de manera que los primeros sedenominarían “acuerdos vinculados” al ámbito temático de lacompetencia comunitaria (Lo Faro, 1999, 187 ss), puesto que no esposible regular por convenio materias no comprendidas o excluidasdel listado del art. 137 TCE, en donde cobra una especial intensidadla mención en el apartado 6 del mismo a las remuneraciones, elderecho de asociación sindical y el derecho de huelga. Los segundosreciben el nombre de acuerdos “libres” en la medida en que no estánligados al marco de competencias comunitarias en materia social(D’Antona, 1998, 106) y en los que por tanto tienen al menos enprincipio plena libertad los interlocutores sociales para fijar loscontenidos regulados. Se ha criticado desde el punto de vista de losprincipios de autonomía colectiva esta “soberanía limitada” de laspartes sociales que les impide determinar autónomamente finalidadesy contenidos de su actividad negocial (Lo Faro, 1999, 190), pero setrata de un rasgo distintivo explicable en función de la inserción deeste tipo de acuerdos colectivos en el iter formativo de una normacomunitaria, como más adelante se explicará.

b) En función de la eficacia del convenio: acuerdos

“reforzados” y acuerdos “autónomos”.

Desde el punto de vista de la eficacia del acuerdo colectivocomunitario, se diferencia entre aquellos que adquieren eficacia através de una “decisión” comunitaria del Consejo a propuesta de laComisión, es decir, a través de un acto que proviene de la esfera delpoder público y que le presta al convenio colectivo las característicasde un acto legislativo comunitario para que éste pueda adquirir fuerzade obligar como si fuera una norma. Este tipo de acuerdos, que logransu eficacia mediante un acto comunitario de actuación, se denominan“reforzados” (Rodríguez Piñero 1997b, 58) o acuerdos “fuertes”,“formales” (Gallardo Moya, 2003). En el procedimiento que prevé el

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art. 139.2 TCE, la decisión comunitaria se ha equiparado a laDirectiva, y éste es el instrumento normativo que posibilita la eficaciadirecta del acuerdo colectivo negociado sobre esta vía. Es decir, quela fuerza vinculante del acuerdo colectivo no proviene de éste sino dela decisión comunitaria (Aparicio, 1994, 941). Se ha afirmado queasí se pretende equilibrar los procedimientos de adopción dedecisiones normativas comunitarias y la autonomía colectiva, demanera que el acuerdo colectivo “es la fuente de producciónnormativa, alternativa a la institucional comunitaria”, pero son losprocedimientos de intervención de los poderes públicos comunitarioslos que, a petición de las partes firmantes del acuerdo, quienes “lesprestan los instrumentos que le proporcionan carácterobligatorio”(Casas, 1996b, 5-6).

En cualquier caso, los destinatarios de la decisión comunitaria noson las organizaciones nacionales adheridas o afiliadas a las firmantesdel acuerdo colectivo en el ámbito europeo46, sino los Estadosmiembros de la Comunidad, que deben por tanto aplicar y desarrollarla Directiva en sus ordenamientos internos respectivos. Es cierto que,como establece el art. 137.4 TCE, la aplicación de las Directivascomunitarias puede ser confiada a la negociación colectiva nacional,siempre que el Estado adopte las disposiciones necesarias para podergarantizar en todo caso los resultados fijados en la mencionadaDirectiva, pero ello no impide la vía ordinaria de trasposición medianteun acto legislativo estatal que reciba el contenido de la misma en elordenamiento interno de cada país. Se opera así una especie de“devolución” a los Estados de la capacidad de aplicar y desarrollarel convenio colectivo europeo sobre la base del mandato de laDirectiva, y son éstos quienes tienen que adoptar las medidaslegislativas pertinentes para conseguir su eficacia47.

La Directiva “recibe” el acuerdo colectivo, produciendo laincorporación plena a la misma de la fuente negocial (Casas, 1996b,5) y esto implica una nueva “metamorfosis” de la autonomía colectiva,

46 Ni, directamente, los trabajadores o empresarios incluidos en la unidad de negociación (interprofesional osectorial) de que se trate, sean o no miembros de las organizaciones firmantes (Aparicio, 1994, 939), al estilo dela eficacia normativa y general del convenio estatutario español.47 Un problema adicional que se plantea en estos casos es el de la posible discrecionalidad de este acto de recepción delderecho comunitario por parte del acto legislativo estatal, es decir, las posibles variaciones en la trasposición que sepuedan realizar en los diferentes países comunitarios sobre la base de los márgenes de actuación que permiten los arts,137.2 y 5 TCE, en especial respecto de la aplicación en las pequeñas y medianas empresas (Lo Faro, 1999, 211 ss.).

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que se presenta realmente como un acto legislativo comunitario.Aunque la Directiva “encuadra” el Acuerdo, señalando los elementosde normatividad y se remite a los contenidos negociadoscolectivamente, que se presentan como “anexo” a la Directiva, endefinitiva el producto final es un acto legislativo comunitario típico,en donde la impronta del poder público es dominante sobre el origennegocial del mismo. Por ello es mas acertado enmarcar este tipo denegociación colectiva dentro de los fenómenos de legislaciónnegociada o concertada (Casas, 1996b, 5), o definirlos comoacuerdos de concertación legislativa comunitaria (D’Antona, 1998,105). Ello implica por otra parte comprobar que la manifestaciónmas señalada del principio de autonomía colectiva entre las partessociales a nivel comunitario aparece integrado en el proceso decreación de normas comunitarias, pero no logra independizarse deéste48.Y explica también que en el elenco de fuentes del ordenamientocomunitario (art. 249 TCE) no se incluya el convenio colectivo49.

Frente a estos acuerdos colectivos que reciben su eficacia a travésde una decisión del Consejo, existen otros que obligan y son eficacesa través de los diferentes sistemas de negociación colectiva que sedan en cada uno de los países de la Europa comunitaria. Se aplican“según los procedimientos y prácticas propios de los interlocutoressociales y de los Estados miembros”, tal y como prescribe el art. 139.2TCE. Con ello se está queriendo decir, ante todo, que estos acuerdosasí realizados carecen de eficacia directa, puesto que la norma seremite a la necesaria interiorización de sus contenidos en cada unode los ordenamientos nacionales de los Estados miembros, lo que serealizará a través de la negociación colectiva de cada país yrespetando las peculiariedades de cada sistema de negociacióncolectiva nacional. Así se desprende de la Declaración 27 aneja alTratado de Amsterdam, que proviene de Maastricht, según la cual “laprimera modalidad de aplicación de los acuerdos celebrados entreinterlocutores sociales a escala comunitaria consistirá en desarrollarel contenido de dichos acuerdos mediante negociación colectiva ycon arreglo a las normas de cada Estado miembro”, añadiendo que48 Se mueve dentro de los márgenes del proceso de toma de decisiones, mantiene las mismas orientaciones que lasque informan y delimitan la acción regulativa de la Comunidad (Lo Faro, 1999, 281).49 El sistema de negociación colectiva comunitario opera en un ambiente político, económico e institucional del todoinusitado y bastante distante de las tranquilizantes certezas que suministran los ordenamientos nacionales, comoconcluye Lo Faro (1999, 302).

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dicha modalidad “no implica que los Estados miembros esténobligados a aplicar de forma directa dichos acuerdos o a elaborarnormas de trasposición de los mismos, ni a modificar la legislaciónnacional vigente para facilitar su ejecución”. En ello se diferencia portanto de la obligación de aplicación uniforme en los casos en los quese produce una transposición convencional de una directiva, lo queimplica el establecimiento de una intervención subsidiaria del Estadopara garantizar la eficacia general de las disposiciones en ellacontenidas (art. 137.4 TCE). La conclusión de éstos Acuerdos a nivelcomunitario no lleva aparejada una garantía estatal de su aplicaciónhomogénea. Por eso se han denominado doctrinalmente acuerdos“débiles” al carecer su contenido de eficacia directa (Lo Faro, 1999,165), aunque considerados en sí mismos podrían conceptuarse comoacuerdos colectivos comunitarios autónomos u ordinarios.

Por tanto los acuerdos europeos autónomos u ordinarios fragmentansu eficacia a través de su recepción vía negociación colectiva en losdiferentes regímenes jurídicos de los países miembros de lacomunidad. Es en el ámbito nacional donde se recupera plenamenteun principio de autonomía colectiva, pero con él la mayor diversidadde sistemas de encuadramiento de la negociación colectiva en losrespectivos ordenamientos estatales. Lo que implica que estosacuerdos no alcanzarán previsiblemente un mismo nivel de eficaciajurídica, pues su dependencia con el sistema de negociación colectivay sus relaciones con el ordenamiento estatal de que se tratedeterminará cuantitativa y cualitativamente el grado de aplicaciónde los mismos, y cabe que no sea recibido en absoluto en alguno delos países comunitario (Aparicio, 1994, 937). Aunque doctrinalmentese ha mantenido que existe una obligación de “recepción” del acuerdopor la negociación colectiva nacional derivada del mandatorepresentativo de las partes sociales a nivel comunitario respecto desus organizaciones federadas o adheridas en cada país (Jeammaud,1998, 79 ss), lo cierto es que ésta se formularía como un deber denegociar, sin garantizar el resultado de la negociación. Por eso yaunque ciertas posiciones extremas equiparan estos acuerdos agentlements agreements de los que no derivan relacionesobligacionales entre las partes (Valdes, 1997, 14), la mayoría de ladoctrina los conceptúa a la manera de un acuerdo marco que precisade una fase posterior de recepción en los diferentes sistemas de

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negociación nacionales (Aparicio, 1996, 187; Rodriguez Piñero,1997b, 58, Jeammaud, 1998, 80)50.

Estos acuerdos pueden ser conceptuados como un producto de laautonomía colectiva en su condición de poder originario de los grupossociales de autorregularse (D’Antona, 1998, 108), perosimultáneamente, permanecen fuera del ordenamiento comunitario(Rodriguez Piñero, 1997, 57). No se puede hablar de una auténticanorma jurídica convencional de ámbito europeo, pues carece derelevancia para el ordenamiento comunitario, en coherencia por otraparte con las ya señaladas carencias respecto del reconocimiento enese ámbito de un principio de libertad sindical y de sus manifestacionesbásicas (Lo Faro, 1999, 172). Esta paradoja es más llamativa si secompara con el otro tipo de negociación colectiva “reforzada” o“vinculada”, que se ha descrito51, y aunque sigue planteado elproblema básico sobre las praxis y procedimientos autónomos paraponer en práctica estos acuerdos en los respectivos ordenamientosnacionales (D’Antona, 1998, 109), ello no ha sido óbice para que losinterlocutores sociales exploraran también esta posibilidad denegociación colectiva.

De lo previsto en el art. 139.2 TCE estos tipos de convenios colectivoscomunitarios se relacionan por pares, en el sentido de que el tipo deacuerdo vinculado por su contenido a la lista de materias que soncompetencia comunitaria se corresponde con el acuerdo reforzadoque obtiene su eficacia por una decisión del Consejo y, viceversa, losacuerdos “libres” son también convenios “autónomos” u ordinarios.Esta ecuación es parcialmente cierta, puesto que sólo se sostiene parael primer par “vinculado” – “reforzado”, pero no se aplicanecesariamente a la segunda relación, puesto que los interlocutoressociales pueden negociar sobre temas objeto de competenciacomunitaria y optar por dotar al acuerdo obtenido de eficacia a travésde los diversos sistemas de negociación colectiva nacional, como hasucedido con el Acuerdo Europeo sobre el Teletrabajo del 2002.

Hay además otro tipo de acuerdos colectivos que se obtienen comoresultado de las consultas e intercambios fruto del diálogo social50 Ojeda (1998, 19 ss.) reconoce las dificultades de lograr la “inmediatividad” de los acuerdos colectivos europeosutilizando técnicas de derecho privado, y se inclina por proponer en el futuro una norma comunitaria – unReglamento – que establezca la eficacia directa de los acuerdos colectivos.51 Por eso se ha hablado de un “efecto promocional asimétrico” de la negociación colectiva por parte de la normativacomunitaria (D’Antona, 1998, 109).

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sectorial y cuya eficacia puede descomponerse en frentes diferentes,desde una cierta obligación de influencia sobre las autoridades degobierno comunitarias en su actuación internacional o normativa –como por ejemplo sucede con la pactación entre los interlocutoressociales de cláusulas sociales a introducir en los tratados de la UniónEuropea con terceros países52 – hasta el desplazamiento a la acciónunilateral de otro sujeto como forma de aplicación del contenido delpacto, sea éste otro sujeto las instancias de gobierno europeas, o laspropias empresas transnacionales, como sucede en muchos de losacuerdos obtenidos en determinados sectores productivos sobre puntosconcretos de regulación de las relaciones laborales en los mismos53.

c) En función del ámbito de aplicación del convenio y la

representatividad suficiente para negociar en esos

ámbitos..

La peculiar construcción de la negociación colectiva en el nivelcomunitario, muy ligada en su versión “fuerte” al proceso de creaciónde normas comunitarias, hace que un ámbito de aplicación “natural”de la misma sea el interprofesional, es decir, que su contenido seproyecte con carácter general regulando una institución determinadasobre la totalidad de los sectores profesionales. Este ha sido el casode los acuerdos marco que se han concluido entre los interlocutoressociales siguiendo el procedimiento de los arts. 138.4 y 139. 2 TCE,sobre permisos parentales (1996), tiempo parcial (1997) y contratostemporales (1999), pero ha sido también el ámbito de aplicación delAcuerdo Europeo sobre el Teletrabajo (2002), cuya eficacia se entregaa los mecanismos nacionales de negociación colectiva.

Junto a ello, es también importante la elección del ámbito funcionaldel sector profesional o de la rama de producción, no sólo porque el

52 Por ejemplo, ver la cláusula social para ser insertada en los acuerdos de pesca con terceros paises negociada porlas patronales EUROPECHE, COGECA “fisheries” y la Federación Europea del Transporte (ETF), y adoptada en elComité de Diálogo social sectorial “pesca marítima” el 19 de diciembre del 2001.53 Un elenco de los acuerdos alcanzados en diversos comités de diálogo social sectorial, que discurren sobre temasmuy variados, desde el tiempo de trabajo, promoción del empleo o formación profesional, en Degrysse (2000).Últimamente, se puede consultar el Acuerdo logrado el 20 de octubre del 2003 entre la Comunidad Europea del Rail(CER), la asociación que agrupa a las compañías ferroviarias europeas y la Federación Sindical Europea delTransporte ETF sobre condiciones sociales en el mercado europeo del rail, que explícitamente tiende a condicionarla regulación europea prevista sobre la licencia europea para conductores de tren.

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diálogo social institucionalizado a través de Comités permanentesha delimitado de esta manera, sino porque se corresponde con elpeso cada vez mas importante que van adquiriendo a escala sindicallas Federaciones Europeas de rama en el seno de la CES, en un procesoque revaloriza como lugar prioritario de la acción sindical el del sectory que tiene también su correlato en las diferentes estrategias sindicalesnacionales. También en este aspecto hay ejemplos de acuerdos marcoque se presentan como directivas – acuerdos por tanto “reforzados” –como el Acuerdo sobre la ordenación del tiempo de trabajo de lagente del mar (1999) o el Acuerdo de ordenación del tiempo de trabajodel personal de vuelo en la aviación civil (2000), pero también existenejemplos de acuerdos marco cuya aplicación se ha de lograr a travésde la negociación colectiva en los diferentes sistemas nacionales,como el Acuerdo Marco sobre el teletrabajo en el comercio (2001).

La elección del ámbito de aplicación del convenio colectivocomunitario plantea inmediatamente un problema, el de la búsquedadel sujeto representativo que, en cada uno de estos ámbitos deaplicación, interprofesional o sectorial, se estima idóneo o legitimadopara ser parte de la negociación y llegar a un Acuerdo. El tema de larepresentatividad de los interlocutores sociales a nivel comunitario escrucial porque la negociación colectiva se sitúa en un proceso decreación de normas comunitarias, en donde se reconoce a losinterlocutores sociales la capacidad de atraer hacia un espacio deautonomía colectiva la regulación de políticas sociales. Por tantoparece imprescindible que se delimite la noción de representatividadque en función de determinados parámetros objetivos, permitaidentificar a los sujetos colectivos que tienen una mayor capacidad,influencia e implantación, de manera que sean éstos quienes seencuentres legitimados para negociar los acuerdos colectivos deámbito europeo “vinculados” en su contenido a las competencias dela Comunidad en política social y a los que una Directiva les confiereaplicación generalizada. Para los otros tipos de negociación colectivano se plantea este problema en los mismos términos, puesto quepermanece fuera de la normatividad comunitaria y en consecuenciase reduce a un hecho de consenso autónomo entre las partes firmantes.

El problema se ha planteado ante las primeras manifestaciones dela negociación colectiva comunitaria, el Acuerdo Marco sobre lospermisos parentales, firmado por UNICE y CEEP por parte empresarial

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y la CES por la sindical, que dio lugar a la Directiva 96/34/CE delconsejo de 3 de junio de 1996. Una asociación empresarialrepresentativa de la pequeña y mediana empresa impugnó estaDirectiva solicitando su anulación sobre la base de que ésta entidad– UEAPME54 - debía haber participado en las negociaciones comoparte legitimada, planteando así como cuestión central larepresentatividad y el derecho a negociar convenios colectivos deámbito europeo. Esta demanda dio lugar a una sentencia del Tribunalde Primera Instancia de la CE de 17 de junio de 1998, de reconocidaimportancia doctrinal sobre este tema55.

El punto de partida lo constituye la determinación unilateral por laComunidad de aquellas organizaciones expresivas del pluralismosocial que se presentan en el nivel comunitario que ésta entiende quegozan de una condición representativa especial. Esta ofrece una listade organizaciones representativas que son consultadas en elprocedimiento previsto en el art. 138.2 TCE y conocido como períodode consultas “antes de presentar propuestas” en materia de políticasocial. En esta fase del procedimiento legislativo, la Comisión tiene laobligación de consultar a los interlocutores sociales representativos sobrela conveniencia, orientación y alcance de la iniciativa emprendida. Loscriterios para fijar esa representatividad son variados, y manejanvariables complejas: ser organizaciones interprofesionales o de sectororganizadas a nivel europeo, integrar en su estructura a organizacionesrepresentativas en los Estados miembros, y disponer de estructurasadecuadas para permitirles participar de manera eficaz en elprocedimiento de consultas (Moreau, 1999, 56). La Comunidad estimaque reúnen esta condición una larga serie de organizaciones, entre ellasdesde luego UNICE y CEEP como asociaciones empresariales y CEScomo organización sindical en el nivel interprofesional – organizacionesinterprofesionales “de vocación general” - , pero también otras“organizaciones interprofesionales que representan a ciertas categoríasde trabajadores o de empresas – cuadros directivos y pequeñas

54 Union européenne de l’artisanat et des petites et moyennes entreprises.55 La sentencia del TPICE de 17 de junio de 1998, (Asunto T-135/96), ha sido objeto de numerosos comentarios porla importante doctrina que sienta sobre el tema central de la representatividad de los interlocutores socialeseuropeos. Se destacan, desde posiciones bastante diferentes entre sí, los de Casas (1998), Jacobs y Ojeda (1999)y Moreau (1999). El pleito base de esta decisión no continuó al producirse de diciembre de 1999, un acuerdo decolaboración entre UEAPME y la UNICE, privando así al TJCE de emitir su opinión definitiva al respecto. Los términosde dicho acuerdo de colaboración y su significado, en Casas (1999, 2-4).

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empresas –, organizaciones específicas, como las cámaras de comercioy en fin, una lista de organizaciones sectoriales que representan a losempresarios y a las federaciones sindicales europeas, muchas de ellasadheridas a la CES56.

En este procedimiento de consultas del art. 138.3 TCE el tema de larepresentatividad de los interlocutores sociales no resulta problemático;la cuestión es diferente cuando se abre la segunda fase de consulta sobreuna acción comunitaria en materia social, una vez que ha concluido elproceso de toma en consideración de los pareceres y opiniones sobre lamisma. En esta segunda fase, en la que la consulta se refiere al contenidoconcreto de la propuesta planteada, “los interlocutores sociales podráninformar a la Comisión su voluntad de iniciar el proceso previsto en elart. 139 TCE”, es decir el proceso de negociación colectiva a que esteartículo se refiere. Aquí es donde se plantea el conflicto, porque laComisión reserva a las organizaciones interprofesionales centrales en elsistema de relaciones laborales europeo, con “vocación” derepresentantes generales de empresarios – UNICE y CEEP – y de lostrabajadores – CES – la capacidad de negociación colectiva que atrae ala órbita de las relaciones convencionales la propuesta normativacomunitaria. De esta manera, otras organizaciones que compiten,fundamentalmente del lado de los empresarios57, por obtener elreconocimiento de una representatividad general más allá de la fase deconsultas a que se refiere el art. 138.2 TCE, respecto del procedimientode negociación colectiva que se prevé en el art. 138.4 TCE.

Existe una diferencia cualitativa entre el procedimiento de consultasy el de negociación colectiva que justifica este cambio en larepresentatividad requerida. Ambos son procesos independientes entresí, de manera que el reconocimiento institucional de unarepresentatividad suficiente para la fase de consultas no llevaaparejado que esta misma representatividad se traslade al denegociación colectiva58. Este último se inscribe en el ámbito de la56 Puede consultarse la lista de las organizaciones europeas reputadas interlocutores sociales en el sentido del art.138 CE en el anexo 1 de la Comunicación de la Comisión El diálogo social, fuerza de modernización y de cambio,COM(2002) 341 final.57 Además de la mencionada UEAPME, hay otras organizaciones de empresarios agrícolas y ganaderos, del sectorpúblico de municipios y regiones, de hostelería, profesiones liberales o del comercio, que compiten por ser incluidos,en pie de igualdad con las dos grandes patronales europeas, en los procesos de negociación informales yreglamentados que se desarrollan ordinariamente (Jacobs y Ojeda, 1999, 69).58 Se configuran pues los procedimientos de consulta y de negociación como “alternativos” con una “fase inicialcomún”, de tal manera que son “actividades diferentes, que atienden objetivos diferentes y se desenvuelven consujetos diferentes, aunque en ambos participen los interlocutores sociales representativos” (Casas, 1998, 8)

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autonomía contractual y se inicia mediante la negociación entre losinterlocutores sociales, por lo que pertenece a su libre autonomía elmutuo reconocimiento como partes. Siempre que éstas seanrepresentativas a nivel europeo, por tanto, no cabe ningún reprochea la autoselección como interlocutores que éstas hayan realizado,pero existe una obligación de la Comisión y del Consejo de comprobarla representatividad de los interlocutores sociales firmantes de unAcuerdo justamente porque se pretende que éste encuentre suaplicación en virtud de una Directiva, verificación de larepresentatividad que se concreta en lo que el TPI l lama“representatividad acumulada suficiente”59.

Basta por tanto con que las partes negociadoras del acuerdoostenten una representatividad acumulada suficiente60, que deberáser controlada por la Comisión y, directamente, por las propiasorganizaciones no firmantes cuya representatividad “sea necesariapara completar la representatividad acumulada de los firmantes”,ante el Tribunal de Justicia comunitario. La verificación de larepresentatividad es por tanto doble, con carácter previo a la“recepción” del Acuerdo colectivo en el ordenamiento comunitariomediante la Directiva que le da aplicación efectiva – control delegalidad por la propia Comisión – y, posteriormente en su caso, uncontrol judicial de las condiciones de negociación de estos acuerdoscolectivos europeos en lo que se refiere a la representatividad suficientede los interlocutores firmantes del mismo, lo que implica que sereconoce a las organizaciones representativas europeas un derechoa impugnar judicialmente los acuerdos colectivos que se insertan enel proceso de creación de normas comunitarias, como en efectosucedió en el caso UEAPME.

Cuando el contenido del acuerdo afecte directamente a las condicionesde trabajo y empleo de los trabajadores europeos y el ámbito deaplicación del mismo sea general o interprofesional, parece seguroafirmar que son las tres organizaciones interprofesionales conrepresentación general en todas las categorías de empresas y detrabajadores a escala comunitaria61, es decir UNICE, CEEP y CES, quienesostentan representatividad acumulada suficiente tanto en general como

59 STPI 18 de junio 1998, Caso UEAPME, párrafos 74 a 80.60 STPI 18 de junio 1998, Caso UEAPME, párrafo 90.61 STPI 18 de junio 1998, Caso UEAPME, párrafo 94

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en relación con el contenido del acuerdo colectivo en concreto. Sinembargo, cuando se trate de acuerdos colectivos de sector, larepresentatividad de las partes firmantes tiene que medirse en funciónprecisamente del tipo de organizaciones con implantación entre lasempresas y trabajadores del mismo, lo que puede generar – como hasucedido en efecto – una ampliación de los sujetos legitimados paraesta negociación, en función de las peculiariedades representativas delsector, y ello tanto desde el punto de vista del asociacionismo empresarialcomo del sindicalismo de los trabajadores, aunque en menor medida alestar más sólidamente afirmada en este campo la representatividad muyextensa de la CES y de sus Federaciones Sindicales Europeas62.

Se ha criticado doctrinalmente que los criterios de selección en quese resuelve la noción de representatividad no se expliciten en ningúntexto comunitario, ni tampoco en el fallo judicial del TPI de junio de199863. El mutuo reconocimiento de los interlocutores sociales no pareceun criterio de suficiente objetividad, lo que se puede complicar a lahora de adoptar acuerdos en determinados sectores en los que existemayor pluralidad organizativa empresarial a escala comunitaria. Lacarencia de una norma de encuadramiento de la negociación colectiva,y, en concreto, del tema de la representatividad de los interlocutores, esexpresiva de la ambivalencia con que este tema se trata y la prevencióndel ordenamiento comunitario ante cualquier iniciativa no ya de fomento,sino de “normalización” jurídica de la negociación colectiva en eseámbito como verdadera fuente del derecho64.

62 La Directiva 1999/63/CE, del Consejo, de 21 de junio de 1999, relativa al Acuerdo sobre la ordenación del tiempode trabajo de la gente del mar está suscrito por la Asociación de Armadores de la Comunidad Europea enrepresentación de la patronal y la Federación de Sindicatos del Transporte de la Unión Europea (ETF/FST), adheridaa la CES, sin que por tanto en este caso haya una representatividad diferente de la general. Sin embargo, laDirectiva 2000/79/CE del Consejo de 27 de noviembre de 2000, relativa a la aplicación del Acuerdo europeo sobreordenación del tiempo de trabajo del personal de vuelo de la aviación civil, señala que éste Acuerdo ha sido suscritopor cinco interlocutores sociales representativos en el sector: La Association for European Airlines (AEA), laFederación de Sindicatos del Transporte de la UE (ETF/FST), la European Cockpit Association (ECA), la EuropeanRegions Airline Association (ERA) y la International Air Carrier Association (IACA), es decir, por tres asociacionesempresariales y dos sindicales.63 Ver fundamentalmente Moreau, 1999, 57. No es razonable que partiendo de la consideración de la negociacióncolectiva como institución democrática, no se fijen unas reglas generales sobre la medición de la representatividadque no se basen en el propio autorreconocimiento de los negociadores (Casas, 1998, 13).64 Por eso ha habido propuestas muy interesantes sobre una “legislación de apoyo” a la negociación colectiva comunitariaen la que se incluyera una noción selectiva de los “interlocutores sociales representativos” que sirviera para todas lasmanifestaciones de la negociación colectiva en este ámbito, fundada sobre criterios homogéneos y que se basara tantoen el carácter comunitario de las organizaciones, entendido éste como capacidad de asumir decisiones autónomasrespecto de las organizaciones nacionales a ellas afiliadas, como en la dimensión de la representatividad demostrada através de la afiliación de la mayoría de las organizaciones sindicales y empresariales en la mayoría de los paises de la UE,como en fin, sobre la base de la asunción de un deber estatutario de transferir el contenido de los acuerdos de nivelcomunitario a los acuerdos nacionales. El detalle de esta propuesta, en Lettieri y Romagnoli, 1998, 113-117.

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En lo que respecta a los acuerdos colectivos “autónomos”, loscriterios de selección de interlocutores no se apartan de los hasta aquívistos. El Acuerdo Europeo sobre el Teletrabajo de julio de 2002, deámbito interprofesional, está suscrito por los sujetos representativosgenerales, UNICE, CEEP y CES, y otro tanto sucede con el Acuerdodel sector de comercio también sobre el teletrabajo, de abril del 2001,que precedió al interprofesional, entre las organizaciones sectorialesde los interlocutores sociales generales citados. Pero como es evidente,en este tipo de acuerdos la voluntad de iniciar el proceso denegociación y sus contenidos son plenamente “libres”, al no estarnecesariamente vinculados al proceso de creación de normascomunitario y basarse en los sistemas de negociación colectivanacionales como forma de lograr la generalización del acuerdoalcanzado en el conjunto de las relaciones laborales de aquellospaíses. Por lo tanto en estos casos la representatividad de las partespasa por el reconocimiento mutuo de ambas como interlocutores.

d) Un ámbito de aplicación muy peculiar: la empresa

transnacional.

Una enumeración de los diferentes ámbitos de aplicación de lanegociación colectiva comunitaria no estaría completo sin referirse ala empresa transnacional, o si se quiere, a las empresas y grupos deempresas de dimensión comunitaria tal como los describe la Directiva94/45/CE del Consejo, de 22 de septiembre de 1994. El objetivo deesta directiva es la constitución de un órgano de representación delos trabajadores de la empresa transnacional, pero no procede a fijarlas estructuras institucionales de dicho órgano de manera directa. Lanorma comunitaria opta por promocionar la autonomía colectiva,ya que será a través de la negociación colectiva como se determinaráfundamentalmente la definición, las competencias y las funciones delCEEu65. De hecho el núcleo central de las disposiciones de la Directiva94/45/CE se dirige a garantizar un procedimiento de negociaciónpara la constitución del Comité de Empresa Europeo. Prescribe la

65 Ello hace que la Directiva 94/45/CE se defina como una norma procedimental que contiene frecuentes reenvíos tantoa los ordenamientos nacionales como, muy especialmente, a los acuerdos colectivos a que lleguen las partes (Cruz, 1996,506; Garrido, 1997, 209), lo que se explica como aplicación del principio de subsidiariedad en su dimensión horizontal,que otorga prioridad a la negociación colectiva en la ordenación de las relaciones colectivas (Casas, 1993, 4)

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iniciación del procedimiento, que incumbe a la dirección central delas empresas o grupos de empresas transnacionales, y la constituciónde una comisión negociadora, sobre la que prescribe ciertos requisitosmínimos que hacen referencia fundamentalmente al número demiembros de la comisión y a garantizar la presencia de unrepresentante por cada Estado miembro en el que la empresa tengaun establecimiento, al pago de los gastos de negociación por laempresa y a la posibilidad de que los negociadores estén asistidospor expertos. Dos elementos centrales de esta regulación, la elecciónde los representantes en la comisión negociadora y la determinaciónde la composición del Comité y sus funciones no son definidos en laDirectiva, sino que se remiten a las normas nacionales de transposiciónde la misma en función de los sistemas nacionales de representaciónprofesional, dejando el resto de las cuestiones a lo que disponga lanegociación colectiva: “Corresponderá a la comisión negociadorafijar, junto a la dirección central mediante un acuerdo escrito, elalcance, la composición, las atribuciones y la duración del mandatodel Comité de Empresa Europeo”.

No hay obligación de llegar a un acuerdo, pero se puede inferirdel texto comunitario un deber de negociar y hacerlo “con espíritu decolaboración” para llegar a un acuerdo (art. 6.1 Directiva 94/45/CE), e integrando en lo que se podría traducir como negociación debuena fé un “contenido mínimo” del Acuerdo que supone abordarlas cuestiones fundamentales de estructuración y funcionamiento deeste órgano de representación en la empresa transnacional66. Si lanegociación no avanza o existen importantes obstáculos para sudesarrollo, la Directiva prevé la aplicación “subsidiaria” de un régimenlegal en defecto de acuerdo, disposiciones que suponen elestablecimiento de reglas sobre la constitución y funcionamiento delCEEu y sobre las competencias que éste órgano asume,sustancialmente en torno a unas obligaciones de información oconsulta generales u ordinarias, y otros específicos deberes de consultae información ante circunstancias excepcionales que “afectenconsiderablemente”a los intereses de los trabajadores, en concretoen los casos de traslados, cierres de empresa o despidos colectivos,

66 Art. 6.2 Directiva 94/45/CE. Forman parte del contenido mínimo del acuerdo aspectos tan decisivos como losrelativos al ámbito de aplicación del mismo, la composición del órgano de representación, y las atribuciones ocompetencias del mismo junto con los mecanismos de información y consulta previstos en relación con tales atribuciones.

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67 Por eso se ha definido doctrinalmente esta Directiva como legislación de apoyo o de “sostenimiento a lanegociación colectiva en las empresas y grupos transnacionales europeos” (Casas, 1993, 10), de manera que seinterpretan estas disposiciones subsidiarias como un intento de garantizar el objetivo prioritario de poner en prácticamecanismos de información y de consulta, mediante el “reequilibrio” del diferente poder que en la negociaciónmantienen las partes, empresa y trabajador (Baz, 1998, 33).68 Las disposiciones subsidiarias de la Directiva constituyen en consecuencia un “modelo de cierre” del sistemanegocial que indica cuál es el modelo institucional concreto de información y consulta transnacional (Baz, 1998, 33).No hay pues, frente a lo que defienden algunas posturas doctrínales (De Miguel, 1995, 794 ss.) una “libertad demodelo” de representación en el sentido que la Directiva no imponga un modelo concreto de organización de losderechos de información y consulta de los trabajadores.

que llevan aparejado el derecho a reunirse con la dirección de laempresa para tratar este tipo de cuestiones67.

Como alternativa a la institucionalización de un órgano derepresentación, cabe que el acuerdo colectivo desemboque en la puestaen práctica simplemente de un “procedimiento” de información yconsulta, opción más débil que se liga sin embargo a un acuerdoexpreso, puesto que de no realizarse éste, entrará en juego la normativasubsidiaria que sí incluye la creación de un Comité de Empresa68.

En cualquier caso, la eficacia de estos Acuerdos de creación deCEEu viene garantizada a través de su recepción en cadaordenamiento interno a través de la ley de transposición de la directiva94/45/CE en una red interdependiente de normativa estatal queasegura la realización de estos en función de las normas delordenamiento nacional y garantiza los derechos de información yconsulta mediante una tutela sancionatoria y judicial. De esta forma,manteniéndose los rasgos propios que conforman cada sistemasindical y el status de la negociación colectiva en cada ordenamientonacional, se pone en pie un sistema normativo homogéneo ycoordinado que logra el objetivo uniforme del ejercicio real en todoslos países comunitarios del complejo de derechos que reconoce laDirectiva 94/45/CE (Casas, 1997, 1 ss).

Pero junto a este tipo de Acuerdos para la constitución de órganosde representación en la empresa transnacional y la delimitación desus competencias, que implica evidentemente el despliegue de lanegociación colectiva en el ámbito de la empresa de dimensióncomunitaria y la coordinación de las estrategias sindicales en estenivel, lo que es más interesante es comprobar el funcionamiento, aefectos negociales de este tipo de órganos de representación, es decir,la existencia de acuerdos de empresa creados en el seno de estosórganos como resultado de un proceso de consulta, que en la

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normativa comunitaria se concibe como la apertura de un verdaderoproceso de negociación con vistas a llegar a un acuerdo. Este tipo deacuerdos sobre materias concretas no tienen la visibilidad de losacuerdos de constitución de un CEEu, ni tampoco de los grandesAcuerdos Marco a los que se ha aludido con anterioridad. Se trata deuna micronegociación de dimensión comunitaria que frecuentementeadopta formas de expresión en las que no se reconoce a primeravista las trazas del acuerdo colectivo, puesto que normalmente sepresenta hacia el exterior como una decisión unilateral de la empresa,o como expresión de voluntad, clásicamente en los llamados códigosde conducta de las empresas multinacionales. En ocasiones seelaboran orientaciones generales – guidelines – en los órganos derepresentación de la empresa transnacional sobre determinadosasuntos para que estos temas sean recogidos, profundizados ydesarrollados en cada país en el que la empresa tiene unestablecimiento, de manera tal que se logra un cierto tratamientohomogéneo de un tema, manteniendo sin embargo la especificidadde los respectivos sistemas nacionales en los que desenvuelve suactividad la empresa o el grupo de empresa transnacional.

De este tipo de procesos puede probablemente deducirse que sonnuevas formas emergentes de negociación colectiva en la empresatrasnacional en las que predomina una visión informal en laproducción de reglas, seguida de una marcada preferencia por laprocedimentalización de la toma de decisiones como método, que asu vez requiere un tratamiento articulado desde el nivel central – de laempresa matriz o la dirección de la empresa transnacional – a losdiferentes establecimientos de la misma en los distintos países en losque está instalada (Baylos, 1999b). En este sentido la micro-negociación a la que se está haciendo referencia se insertaría en lacultura europea– capilarizada a nivel de empresas – de la governanceentendida como concertación, consulta y diálogo como legitimaciónpermanente de un poder incontestado (Sciarra, 2003).

Si se ahonda un poco más en este tema tan opaco, la articulaciónentre el plano comunitario y el nacional en la empresa transnacionalno suele construirse sobre parámetros clásicos que vinculenjurídicamente la esfera de la consulta y negociación en el nivel centraly su aplicación en los distintos centros de imputación de la empresaen los diferentes estados nacionales, sino que se sitúa preferentemente

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en un terreno extranormativo y, lo que es mas llamativo,extracontractual, privilegiando la circulación “interna” y en paralelode estos procedimientos en el interior de la red de decisiones de laempresa y en la transmisión de los presupuestos de la consulta y suscontenidos por vía endosindical. Cabe en efecto que en determinadossupuestos se construyan reglas de actuación o principios de orientacióngeneral sobre determinados aspectos de las relaciones laborales ode empleo que en el nivel central asuman la forma de compromisosobligacionales y que en consecuencia sea necesario discurrir sobre laforma de recepción de estos compromisos en los distintosordenamientos nacionales “según los procedimientos y las prácticaspropias de los interlocutores sociales y de los Estados miembros”,pero en muchas otras ocasiones la relación entre el plano comunitarioy el nacional no va a encontrar sentido a través de la fórmula queconforma una obligación de conducta, sino que, como se ha señalado,se situará en el plano mucho mas viscoso e indefinido de laautorresponsabilización de cada sujeto colectivo en encontrar unmecanismo propio para hacer circular en su esfera de influenciarespectiva las “opiniones comunes” alcanzadas, las “tomas deposición” expresadas, las “actitudes positivas” y los “elementos deavance” que forman parte de una cultura de la participación y de lanegociación cooperativa en la empresa transnacional.

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A INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GRAVIDEZ E ACONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Gassen Zaki Gebara1

Resumo: Examina-se, no presente, de que modo a evolução da ciênciadeve influenciar no avanço do ordenamento jurídico, especialmente nashipóteses legais do aborto. Também, as perspectivas atuais em relação àantecipação do parto de feto anencefálico. Ainda, sobre a necessidadeda prevalência da dignidade da gestante nas hipóteses em que não hápossibilidade científica de sobrevida.

Palavra-chave - Dignidade da pessoa humana. Interrupção terapêuticada gravidez.

1 As Constituições Brasileiras e o Direito à Vida

As Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934 e 1937 nãomencionaram expressamente o direito à vida no capítulo referenteaos direitos individuais. A de 1937 chegou a admitir a pena de morteem determinados casos.

O direito à vida começa a integrar os direitos fundamentais a partirda Constituição de 1946, que o prevê no caput de seu artigo 141. AsConstituições subseqüentes passaram a consagrar o direito à vida nocaput do dispositivo enunciador dos direitos fundamentais2.

O direito à vida é tradicionalmente entendido como o direito denascer e o direito de se manter vivo, concretizando, através destaspremissas, a sua inviolabilidade sob o manto protetivo daConstituição. Nosso ordenamento jurídico protege a vida desde asua concepção até o alento vital derradeiro. Durante este interregno,qualquer ato que ameaçar ou violar a vida - aborto, infanticídio,homicídio, participação em suicídio, dentre outros – recebe, do Estado,a chancela de crime.

É nesta moldura que se enfeixa o direito à vida na nossaConstituição, inserindo-se dentre os direitos fundamentais da pessoa,

1 Advogado, Professor na Unigran, Mestre em Direito Constitucional pela UnB/Unigran.2 Constituição de 1967, art. 150; EC 1969, art. 153 e 1988, art. 5º.

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consagrando-se como um direito subjetivo público, sujeito da tutelajurisdicional do Estado, que tem o dever-função de zelar pela vida deseus cidadãos.

Estas assertivas ainda encontram refutação entre nós. Alguns autoresrejeitam a idéia de o Estado deter, de modo absoluto, esse dever-função. Mais que isso, questionam até que ponto seria a vida umvalor universal, passível de ser protegido por terceiros, ou mesmopelo Estado? Afinal, de acordo com o ordenamento jurídico vigente,quem tem o direito de proteger a vida, o Estado, a família ou somenteo próprio titular? Seria a vida de terceiros apropriável pelo Estado,ou por terceiro, sob a justificativa de vínculo sangüíneo? Qual alegitimidade que teriam para isso? Todas estas abordagens merecemreflexão e respostas que não cabem neste trabalho3.

A despeito das controvérsias que cingem a proteção dos direitosfundamentais, predomina o pensamento de que o Estado se auto-outorga a prerrogativa de atrair para si a tutela da pessoa humana,anunciando para a sociedade que todo ato que, de alguma forma,restrinja a vida em qualquer de seus estágios apresenta-se beneméritode punição.

Aparentemente, pois, qualquer conduta que ameace a sacralidadeda vida, admite, sem contestações, a imposição das coerções previstasno direito positivo. Esta assertiva é irrefutável? É possível legitimar-secondutas que tenham violado o direito à vida? Este o alvo principaldo presente, através do qual se investigará quais os posicionamentosjurídicos mais compatíveis com a nossa atual realidade social.

2 A Constituição, os Fundamentos e os Objetivos da República

O constituinte originário trouxe a lume, em seu título inaugural, oschamados fundamentos ou princípios da república, consagrandocomo tais: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana;os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, o pluralismopolítico. Estes fundamentos são normas-esteio, normas-começo, do

3 Tais questões têm, como pano de fundo, debates sobre a primazia dos direitos fundamentais. Merecem leituraalgumas obras que tratam do tema: Michael Walzer, Las Esferas de la Justicia. Una defensa del pluralismo y laigualdad. Fondo de Cultura Económico, México, 1993; Thick and Thin. Moral Argument at Home and Abroad.University of Notre Dame Press, Notre Dame, 1994 e On Toleration. Yale University Press, New Haven, 1997;Charles Taylor, El Multiculturalismo y la Política del Reconocimiento, Fondo de Cultura Económica, Mexico, 1993; AmyGutmann, Multiculturalism. Examining the Politcs of Recognition, Princeton University Press, Princeton, 1994.

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Estado. Sem eles não existe Estado, não há sequer o direito.Estes fundamentos devem ser manejados para que sejam

implementados os objetivos fulcrais da República: construção de umasociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimentonacional; erradicação da pobreza e a marginalização e redução dasdesigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação. Estas são as normas-fim da República,estatuídas no artigo 3º da Carta.

Nosso constituinte enfatizou, outrossim, que a República Federativado Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios queenumera, dentre os quais destacamos: prevalência dos direitoshumanos. Em seguida, definiu como direitos e garantias fundamentaisque todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade.

Ao cimentar com estes contornos os fundamentos e os objetivos danossa república federativa, é certo que poder constituinte pátrio nãosugeriu aos poderes instituídos um modelo de atuação do Estado, aocontrário, exigiu que fossem atendidas todas estas matizesconstitucionais. O atuar em sentido contrário é desrespeitar omandamento maior do Estado, é violar os preceitos maioresemanados do poder constituinte originário, é andar na contra-mãodo direito internacional.

Importante este enfoque para demonstrar que não só os poderesinstituídos como também a sociedade brasileira deve caminhar nestetrilho, neste rumo, com estas responsabilidades. É dever inquestionávelde todos proteger estes valores supremos, dentre os quais destacam-se a inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa humana. Acompreensão até aqui sedimentada não apresenta qualquercontrovérsia ou resistência. Não é necessário conhecimento maisaprofundado do direito para se reconhecer que a vida e a dignidadetêm posição de destaque no ordenamento jurídico.

Também não surpreendeu o fato de o poder constituinte originárioter dado tamanha ênfase a estes dois princípios. A controvérsia surgequando há, mesmo que aparentemente, contraste entre estes direitossuperiores, isto é: entre a vida e a dignidade. Este conflito, esta

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aparente colisão, tem sido amplamente discutido pela sociedade nosúltimos anos, não só entre nós, como também pelo direitointernacional.

Com efeito. Se a Constituição destaca a dignidade da pessoahumana como princípio basilar da república, é óbvio que não o fazpor mero capricho, ou por simples deleite. Assim se expressa porreconhecer que a dignidade, no curso da história do direitoconstitucional, exige posição de evidência no ordenamento jurídico,e esta exigência se acentua dia a dia.

Significa compreender que, na medida que a própria sociedadeevolui, maior deve ser a preocupação dos operadores do direito emgarantir a proteção à dignidade da pessoa, haja vista que estesavanços trazem em sua sombra novas e complexas violações.

Esta mesma evolução, de outra parte, exige do hermeneuta umanova visão sobre a necessidade de instrumentos mais eficazes para aproteção dos direitos fundamentais da pessoa. Cite-se, como exemplo,o fato de que até há pouco tempo não era possível ter-se a perspectivaque se tem hoje em relação ao crime de racismo, eis que o examejurídico da matéria deu-se, durante décadas, pela cor da pele oupelo fenótipo.

Hoje, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou a compreensãode que, com a definição e o mapeamento do genoma humano,cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pelasegmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou porquaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificamcomo espécie humana.

Reconheceu-se, por imperativo do avanço da ciência, que não hádiferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todosiguais. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processode conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceitosegregacionista.

Compreendeu o STF, nesta emblemática decisão4, ser imprescindívelque haja compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos,sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir adefinição jurídico-constitucional do termo.

4 Habeas Corpus 82.424-2-RS.

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5 SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 104.6 Teoría de la Constitución. Barcelona : Ariel, 1965, p. 146. Traduziu-se do original: “cada constitución es unorganismo vivo, siempre en movimiento como la vida misma y está sometido a la dinámica de la realidad que jamáspuede ser captada através de fórmulas fijas. Una constitución no es jamás idéntica consigo misma y está sometidaconstantemente al “panta rhei” heraclitiano de todo lo viviente”

Para definição do crime de racismo, imperiosa é a interpretaçãoteleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatorese circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram suaformação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance danorma.

Este novo traçado jurisprudencial dá original brilho à acepção deque o avanço da ciência não há que ser isolado ou insensível para oordenamento jurídico, ao contrário, o direito, como ciência, devecaminhar harmonicamente com os demais ramos que lhes sãoconsentâneos.

Neste sentido, aliás, a recomendação de Rudolf Smend, ao lecionarque a Constituição deve ser portadora de uma determinadaconcepção de vida ou de um determinado sistema de valores,exprimindo componentes espirituais de uma realidade cultural. Osredatores e revisores de textos constitucionais devem fazer reflexõesprofundas e responsáveis na elaboração normativa, não sedistanciando das aspirações mais sentidas de uma consciênciaespiritual5.

Karl Loëwenstein vai além, ao enfatizar que:

“cada constituição é um organismo vivo, em constante movimento, como a própria

vida, e está submetida à dinâmica da realidade que não pode jamais ser captada

através de fórmulas rígidas. Uma constituição nunca será idêntica consigo mesma,

e está submetida constantemente à “panta rhei” heraclitiano de todo ser humano”6.

3 A Antecipação Terapêutica do Parto. Inexistência de

violação do direito à Vida

Outro assunto, de igual relevo jurídico, que ainda não foidevidamente resolvido entre nós diz respeito à questão do aborto. Aquestão é a mesma: o avanço da ciência admite uma novacompreensão sobre tema ainda tão censurado entre nós? A nossasociedade já está culturalmente amadurecida para discutir sobre amatéria, exorcizando preconceitos fortemente arraigados em seu seio?

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7A Suprema Corte Americana, em dois casos célebres – “Roe v. Wade” (1973) e, mais recentemente, “PlannedParenthood of Southwesfern Pennsylvania v. Casey (1992) - reconheceu à mulher o direito constitucional amplo pararealizar aborto no primeiro trimestre de gravidez. Em relação ao segundo e ao terceiro trimestres, as restriçõesinstituídas por leis estaduais podem ser progressivamente mais severas.8 No caso “Morgenfaler Smoling and Scott v. The Queen” (1988), a Suprema Corte do Canadá reconheceu àsmulheres o direito fundamental à prática do aborto.9O Tribunal Constitucional de Portugal admitiu a constitucionalidade de lei que permitia o aborto em circunstânciasespecíficas, dentre elas o risco à saúde física ou psíquica da gestante, feto com doença grave e incurável, gravidezresultante de estupro e outras situações de estado de necessidade da gestante (Acórdão 25/84).10O Tribunal Constitucional da Espanha pronunciou-se pela inconstitucionalidade da lei que autorizava o aborto emcasos de estupro, anomalias do feto e riscos à saúde física e mental da mãe porque a lei não exigia préviodiagnóstico médico nos casos de má-formação fetal e risco à saúde da gestante.11Uma lei francesa, de 1975, que autorizou o aborto, desde que precedido de pedido da mãe, até a 10a semana degestação, sob o argumento de que a gestação lhe proporciona trauma psicológico grave, ou a qualquer momento,por motivos terapêuticos, submetida ao controle de constitucionalidade (antes de editada) e ao controle deconvencionalidade (após sua edição), foi considerada harmônica com a Constituição daquele país, bem como coma Convenção Européia dos Direitos Humanos. Outras leis avançaram ainda mais nesta seara, todas admitindo apossibilidade relativamente ampla de aborto.12Na Alemanha, após posição inicial conservadora, materializada na decisão conhecida como “Aborto l” (1975), a CorteConstitucional, em decisão referida como “Aborto II” (1993), entendeu que uma lei que proibisse em regra o aborto, semcriminalizar a conduta da gestante, seria válida, desde que adotasse outras medidas para proteção do feto. Registrou,contudo, que o direito do feto à vida, embora tenha valor elevado, não se estende a ponto de eliminar todos os direitosfundamentais da gestante, havendo casos em que deve ser permitida a realização do aborto.

O que temos hoje, concretamente, é uma consistente investida nosentido de buscar avanços já experimentados por vários países. Amais importante, sem dúvida, consiste na tentativa de se demonstrar,cientificamente, a distinção entre o aborto e a chamada “antecipaçãoterapêutica do parto”. Esta investida é inovadora eis que, admitida adistinção científica entre ambos os procedimentos, não será necessáriaalteração mais acentuada em nosso ordenamento positivo.

É cotidiano o debate jurídico acerca do aborto e de suacriminalização, com a corrente de opiniões polarizadas que costumaacompanhá-lo. O Código Penal, tipifica o aborto na categoria doscrimes contra a vida. Hoje, contudo, esta perspectiva tem admitidotoda sorte de refutação. É incontroverso que a discussão é fruto daprópria evolução da ciência, que põe ao alcance da medicinainstrumentos muito mais versáteis para desvendar dúvidas outroraobscuras.

A ciência, ao permitir a verificação exata do momento em que teminício a vida, trouxe na esteira desta descoberta a multiplicação daspossibilidades de deliberações mais avançadas de parlamentos ecortes constitucionais de diversos países, como nos Estados Unidos7,Canadá8, Portugal9, Espanha10 , França11 e Alemanha12, dentre outros.

A ciência evoluiu ainda mais, de modo que pode alicerçar ademonstração jurídica de que a antecipação terapêutica do parto

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13 Inexiste qualquer proximidade entre a pretensão aqui veiculada e o denominado aborto eugênico, cujo fundamentoé eventual deficiência grave de que seja o feto portador. Nesta última hipótese, pressupõe-se a viabilidade da vidaextra-uterina do ser nascido, o que não é o caso em relação à anencefalia.14 A Declaração de Virginia, de 1776 e a Declaração Francesa, de 1789 já mencionavam o direito de fraternidade.15Richard E. Behrman, Robert M. Ktiegman e Hal B. Jenson, Nelson. Tratado de Pediatría, Ed. Guanabara Koogan,2002, p. 1777.

não há que ser confundida com violação ao direito à vida, dissipando,com certeza, todas as discussões sobre o tema e todas as suasimplicações filosóficas, religiosas e sociais.

Este avanço certamente permitirá que não se questione o tratamentodado ao aborto pelo direito positivo brasileiro em vigor, posição quenão deve ser compreendida como concordância ou tomada deposição na matéria13. A antecipação terapêutica do parto atina àshipóteses de comprovação de existência de fetos anencefálicos e quese situa no domínio da medicina e do senso comum, sem suscitarquaisquer das escolhas morais envolvidas na interrupção voluntáriada gravidez viável.

Por sua importância temática, é tempo de o Supremo TribunalFederal pronunciar-se, em processo objetivo, sobre a matéria, quetem indiscutível alcance humanitário. Certamente que ao se manifestarmeritoriamente, o STF ao menos minimizará as visões idiossincráticascausadoras de dramático sofrimento às gestantes e de ameaças eobstáculos à atuação dos profissionais de saúde. O atuar nestasintonia não só garantirá a efetividade da Constituição, no tocante adireitos fundamentais aqui agitados, como dissiminará sua afetividadeem relação à pessoa humana. Neste contexto, a afetividade deve serreconhecida como vertente do direito de fraternidade, cujo berçoconstitucional remonta ao século XVIII14.

A primeira investigação que há de ser feita é sobre o entendimentoda literatura científica sobre o significado da anencefalia.Cientificamente, a anencefalia pode ser definida como a má-formaçãofetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante agestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebraise o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico15.

Conhecida como “ausência de cérebro”, a anencefalia importa nainexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central- responsável pela consciência, cognição, vida relacional,comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumasfunções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as

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16Débora Diniz e Diautas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 101.17 Cientificamente, não se confunde a antecipação do parto por anencefalia do feto com o aborto eugênico, eis queeste admite a viabilidade da vida extra-uterina.18 Débora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, op. cit, p. 44.

funções vasomotoras e a medula espinhal16.A anencefalia é, pois, incompatível com a vida extra-uterina, sendo

fatal em 100% dos casos. Não há controvérsia sobre o tema naliteratura científica ou na experiência médica17. O mais otimistaprognóstico de sobrevida do anencefálico é de no máximo algumashoras após o parto. Não há qualquer possibilidade de tratamento oureversão do quadro, o que toma a morte inevitável e certa18. Diz amesma pesquisa que aproximadamente 65% (sessenta e cinco porcento) dos fetos anencefálicos morrem ainda no período intra-uterino.

Esta anomalia é detectável através de exames ecográficos,regularmente realizados na gestante durante o pré-natal. A partir dosegundo trimestre de gestação, este exame é realizado por via deuma sonda externa que permite um estudo morfológico preciso,incluindo-se a visualização da caixa craniana do feto. Com o avançoda ciência, a possibilidade de erro nos resultados destes exames édescartável, de modo que o laudo proporciona certeza médica .

Não há como o ordenamento jurídico desconsiderar o que a ciênciagarante como certo. Na verdade, é imperioso que se reconheça que,se há diagnóstico sólido no sentido de que se trata de fetoanencefálico, de que não há nada que a ciência médica possa fazerquanto ao mesmo, seu foco protetivo deve deslocar-se para o quadroclínico da mãe, para a proteção à vida da gestante. É que apermanência do feto anômalo no útero materno é potencialmenteperigosa, podendo ocasionar danos irreversíveis à saúde da gestantee até risco à sua vida, em razão do alto índice de óbitos intra-úterodesses fetos. De fato, a má-formação fetal em exame empresta àgravidez um caráter de risco, notadamente maior do que o inerente auma gravidez normal.

Estes fatos, de corredia compreensão, permitem afirmar que aantecipação do parto constitui-se na única indicação terapêutica médicapossível e eficaz para a proteção da saúde da mãe, mesmo por que écientificamente impossível reverter a patologia que fulminou o feto.

Juridicamente, pois, a antecipação do parto nos moldes oraexaminados não pode ser compreendida ou confundida com o aborto,

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tal como tipificado no Código Penal. O aborto é definido pela doutrinaespecializada como “a interrupção da gravidez com a conseqüentemorte do feto (produto da concepção)”19.

Como visto, para a configuração do aborto, a morte deve serresultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto acomprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Estes pressupostos estão ausentes em se tratando deantecipação do parto de um feto anencefálico, eis que a morte dofeto decorre da má-formação congênita, sendo inevitável ainda quedecorridos os 9 (nove) meses normais de gestação, de sorte que nãohá se falar em tipo penal.

Poder-ia-se se indagar: por que então a hipótese não estáexpressamente abrigada na dicção do art. 128 do Código Penal comoexcludente de tipicidade, ao lado da gestação que ofereça risco devida à gestante ou a resultante de estupro? Indiscutivelmente pelofato de que, em 1940, quando editada a Parte Especial do CP, atecnologia científica existente não era suficientemente avançada aponto de possibilitar um diagnóstico preciso de anomalias fetaisincompatíveis com a vida.

Estas incertezas e preocupações não podem mais persistir. Comoantes averbado, o avanço científico não há que ser isolado e estéreo.Em outros termos, não se pode permitir que o anacronismo dalegislação penal impeça o resguardo de direitos fundamentaisconsagrados pela Constituição, homenageando o positivismoexacerbado em detrimento da interpretação evolutiva e dos finsvisados pela norma.

Não obstante esta compreensão, não se perca de vista que ahipótese aqui versada não envolve os elementos discutidos quando otema é aborto. De fato, a discussão jurídica acerca da interrupção dagravidez de um feto viável envolve a ponderação de benssupostamente em tensão: de um lado, a potencialidade de vida donascituro e, de outro, a liberdade e autonomia individuais da gestante.

Ao contrário, e como já referido, no caso de feto anencefálico,portanto inviável, há certeza cientí f ica de que não existepotencialidade de vida extra-uterina. Diante disso, o foco daatenção, repise-se, não pode privilegiar o feto, mas há de se voltar

19Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 2002, p. 424.

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para a proteção da saúde e da vida da gestante.É cogente compreender que o reconhecimento destes seus direitos

fundamentais não é a causa da lesão a bem ou direito de outrem - porfatalidade, não há viabilidade de uma outra vida, sequer um nascituro20,cujo interesse se possa eficazmente proteger. E até possível colocar a questãoem termos de ponderação de bens ou valores, mas a rigor técnico sequerhá esta necessidade. A hipótese é de não-subsunção da situação fáticarelevante aos dispositivos do Código Penal.

A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipaçãoterapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais queimunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva.Na verdade, a proteção à vida do feto inviável é potencialmente inferior àque deve ser reservada não só à vida da mãe como, especialmente, à suadignidade.

Por isso, vilipendia a dignidade da mãe a imposição, pelo Estado, deter que carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza,não sobreviverá. A resistência do Estado em admitir à gestante aantecipação do parto proporciona-lhe dor, angústia e frustração, resultandoem usurpação às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e apsicológica - e em cerceio à liberdade e à autonomia da vontade, alémde colocar em risco a saúde - tal como proclamada pela OrganizaçãoMundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e nãoapenas a ausência de doença. A vida é um bem a ser preservado a qualquercusto, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe,gratuitamente, a nove meses de sofrimento, de angústia, de desespero.

De igual, insulta a dignidade da gestante a angustiante espera pelalonga tramitação de pedidos judiciais para antecipação do parto, espaçode tempo geralmente bem superior a nove meses, período de gestação.Isto, por si só, justifica o ajuizamento de ações objetivas perante o SupremoTribunal Federal com eficácia erga omnes, através das quais a via difusaseria abreviada21.

20 A Lei n° 9.437/97 estabelece como momento da morte humana o da morte encefálica, para fins de autorizaçãode transplante. Confira-se sua dicção expressa: “Art. 3°. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes docorpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,constatada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização decritérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.21 Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, encetada em face dos artigos 128 do Código Penal, visando obter daSuprema Corte a interpretação destes dispositivos infra-constitucionais conforme a Constituição, sem redução detexto, ou, ainda, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, cf. art. 102, § 1o, Constituição Federal, ambasdisciplinadas, em seu aspecto processual, pela Lei 9.868/99.

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Qualquer outro meio para sanar a lesividade à dignidade da mãeque não a interrupção terapêutica do parto não se mostraria eficaz.Com efeito. Esta dignidade deve ser qualificada como valorconstitucional supremo, fim último de todo o direito e princípioconstitucional, admitindo a adoção da tese do objeto, que seconsubstancia na proibição de fazer da pessoa mero objeto do Estadoou de a submeter a uma atuação que lhe negue a sua subjetividade.Consoante este raciocínio, a dignidade da pessoa humana é atingidaquando o homem concreto é degradado à condição de objeto, demero meio, de medida substituível.

4 O Direito à Saúde, à Vida, à Liberdade e à Autonomiada Vontade como paradigmas da proteção da Dignidadeda Gestante

Os valores em discussão revestem-se de importância única. A umsó tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seusentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade,da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana.

A natureza proporciona à mulher o singular privilégio de carregarem seu ventre uma nova vida. Durante toda a gestação, a famíliaenvolve-se no sagrado sentimento de acompanhar, passo a passo, odesenvolvimento do nascituro, período em que sobressai o amor. Todaa transformação suportada pela mãe, seja estética, física oupsicológica, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublimegestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Esteo quadro de uma gestação normal, que direciona ao desfecho feliz,o nascimento da criança.

Não raras vezes, entretanto, a mesma natureza biológica reservasurpresas desagradáveis. Em face a uma deformação irreversível dofeto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postosà disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar.

Diante do quadro de segurança que as ciências médicasproporcionam atualmente, não mais se justifica a resistência doordenamento jurídico em garantir a proteção à dignidade da gestante,pois ao fazê-lo rejeita a mais relevante conquista dos sistemas jurídicoscontemporâneos. A proteção à dignidade admite esta adjetivação

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pois sobreveio à banalização do mal ao longo da primeira metadedo século XX e a constatação, sobretudo após as experiências dofascismo e do nazismo, de que a legalidade formal poderia encobrira barbárie levaram à superação do positivismo estrito e aodesenvolvimento de uma dogmática principialista, tambémidentificada como pós-positivismo.

Este paradigma re-inaugura a aproximação entre o Direito e a Ética;resgata os valores civilizatórios; reconhece normatividade aosprincípios e cultiva os direitos fundamentais. Sob este painel, aConstituição de 1988, como já se enfatizou, consagrou a dignidadeda pessoa humana como fundamento do Estado Democrático deDireito (art. 1°, III)22.

Argumente-se, nessa passagem e em homenagem à liberdade éticada pessoa, que o acatamento da sua vontade individual sobre odestino a dar aos seus órgãos e tecidos após a sua morte decorrepara a consciência coletiva a partir de raízes ancestrais. E mesmoque assim não fosse, diz-se que aquele direito sempre encontraráfundamento, em último termo, na própria idéia de Estado de direito,iluminado pelo relevo que nele tem a dignidade da pessoa humana.

Ainda, que o objetivo primeiro do Estado Democrático de Direito éidentificado com a criação e manutenção de uma situação jurídicamaterialmente justa, que, tendo como elemento nuclear a salvaguardada dignidade do homem como pessoa, é dominada por uma idéia deigualdade. Por isso, diz-se, o mesmo princípio do Estado de Direito impõeque as leis sejam instrumentos de realização do bem comum, entendidoeste sempre na perspectiva do respeito pela dignidade humana.

Esta reverência à dignidade da pessoa humana é justificável poiseste é designadamente fundamento da República, do qual decorre oprincípio de que a todo e qualquer direito de personalidade devecaber o maior grau de proteção do ordenamento jurídico, ou seja,aquele grau de proteção que assiste aos direitos fundamentais, jáque os direitos de personalidade são inerentes à própria pessoa, nãopodendo, por isso, ser postergados por qualquer modo, sob pena de

22 Neste sentido, doutrinam: José Afonso da Silva, in Dignidade da pessoa humana como valor supremo dademocracia, Revista de Direito Administrativo 212/89; Cármen Lúcia Antunes Rocha, O principio da dignidade dapessoa humana e a exclusão social. Anais da XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1999;Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988,2001; Cleber Francisco Alves, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, 2001; Ana Paula deBarcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana, 2001.

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se negar o papel da pessoa como figura central da sociedade.É um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos

fundamentais do homem. É valor que orienta as demais regras eprincípios adotados pelo ordenamento jurídico, como se infere dalição de Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho:

“Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos

fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma

densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-

constitucional e não a uma qualquer idéia apriorística do homem”23.

Esta dimensão valorativa do princípio da dignidade da pessoahumana, deve deixar de ser um mero princípio enunciativo para serum “princípio de valor”24. Princípio porque funciona como vetor, guiada materialização dos direitos da personalidade e dos demais direitosfundamentais; e valor que se consolida no conteúdo axiológico centraldo ordenamento jurídico como um todo25.

Roberto Andorno em recente trabalho, afirmou que “ser pessoa querdizer ser digno”26. Há de haver, pois, uma necessária relação entre oser pessoa e o ser uma pessoa digna. A Constituição de 1988 precisaser compreendida sob a lente da dignidade humana, valor que incidirásobre todos os direitos e garantias individuais e coletivos, passandoestes a ter novo conteúdo, nova extensão.

Se não há garantia de vida digna, o direito à vida deixa de ser valorabsoluto. E é aqui que entra a leitura dos direitos da personalidade sob àluz do princípio da dignidade da pessoa humana. Conjugando-se o artigo5º caput com o artigo 1º, III da Constituição de 1988, temos o direito àvida em sua dimensão substancial, valorativa: o direito à vida digna.

A despeito das lições antes transcritas, todas com indiscutíveldeferência pelas Cortes Jurisdicionais, ainda não é pacífica acompreensão exata do princípio da dignidade da pessoa humana,mesmo por que o próprio conceito de dignidade humana parece ser

23Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1° volume, Almedina,Coimbra, 1984, p. 70.24José Carlos Vieira de Andrade. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, p 97.25Amplamente acatada pela doutrina cientifica a distinção conceitual entre normas, regras, princípios e valores,como: Robert Alexy, in Teoria de los derechos fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid 1993;Luis Pietro Sanchís. Sobre principios y normas, problemas del razonamiento juridico. Centro de Estudios Constitucionales,Madrid, 1992. Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero. Las piezas del derecho, Ariel, Madri,1996.26 Originalmente: “être personne veut dire être digne”. Cf. Roberto Andorno, La bioéthique et la dignité de lapersonne. Paris, PUF, 1997, p. 33.

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definido de forma diversa conforme a perspectiva e o âmbito no qualse lhe deseja traçar. Assim é que se tornou passível de diferentesconceituações no campo religioso, filosófico, jurídico e até mesmo,mais recentemente, no campo biomédico27.

Andorno afiança que o homem é um ser que possui uma dignidade.Mas, esta dignidade pode ter dois sentidos diferentes:

“A dignidade ontológica, que é uma qualidade inseparavelmente ligada ao sermesmo do homem; ela é a mesma para todos; É o valor que reconhecemos aohomem pelo simples fato de existir. Neste sentido, todo homem, mesmo o pior doscriminosos, é digno. A dignidade ética, que se refere não ao ser da pessoa mas aseu agir. Neste sentido, o homem se tem ele mesmo por digno enquanto seu agirestá de acordo com aquilo que ele é, ou melhor, com aquilo que ele deve ser” 28.

A menção da dignidade da pessoa deve ser enfrentada comosinônimo do valor que reconhecemos ao homem pelo simples fatode ser homem. “Todos os homens são igualmente dignos, pela razãode sua natureza comum. Ser digno equivale, por conseqüência, a serpessoa”29. Marie-Luce Pavia também correlaciona a dignidade dapessoa humana aos direitos da personalidade:

“O princípio da dignidade engendraria, portanto, os direitos conectos àquiloque constitui a qualidade do humano no homem. Ele seria assim o direito aorespeito do ser humano desde o começo da vida e o direito ao respeito de suavida e de seu corpo, do qual deduzimos a inviolabilidade, a integridade e aausência de caráter patrimonial do corpo, de seus elementos e de seus produtos”30.

Na verdade, somos levados a acreditar que, em face da extensão que oprincípio da dignidade da pessoa humana vem adquirindo, em suaaplicação jurisprudencial, seu conceito não pode ser fixado senão a partir27 Valorosas são as ponderações de Jean-Marie Breuvart, “Le concept philosophique de dignité humaine”. LeSupplément n° 191, dez.1994, sobre as implicações da dignidade na área biomédica, especialmente pela abordagemhistórico-filosófica que contempla.28 Traduziu-se do original: “La dignité ontologique, qui est une qualité inséparablement liée à l’être même del’homme; ele est la même pour tous; c’est la valeur qu’on reconnaît à l’homme du seul fait d’exister. En ce sens,tout homme, même le pire des criminels, est digne. La dignité éthique, qui fait référence, non pas à l’être de lapersonne mais à son agir. En ce sens, l’homme se rend lui même digne lorsque son agir est en accord avec ce qu’ilest, ou mieux, avec ce qu’il doit être”. Roberto Andorno, op. cit. p. 37.29 Traduziu-se do original: “Tous les hommes son également dignes, en raison de leur nature commune. Être digneéquivaut par conséquent à être personne”. Cf. Roberto Andorno, op. cit., p. 40.30 Traduziu-se do original: “Le principe de dignité engendrerait donc les droits attacchés à ce qui constitue la qualitéde l’humain dans l’homme. Il en serait ainsi du droit au respect de l’être humain dès le commencement de la vie etdu droit au respect de sa vie et de son corps, dont on déduit l’inviolabilité, l’intégrité et l’absence de caractèrepatrimonial du corps, de ses éléments et de ses produits”. Marie-Luce Pavia, “Le principe de dignité de la personnehumaine: un noveau principe constitutionnel”. In Droits et libertes fondamentaux, organizado por Rémy Cabrillac.Paris, Dalloz, 1997, p.113.

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de algumas premissas e fundamentos básicos31. Vale dizer, este princípioparece ganhar forma e conteúdo no momento de sua aplicação na resoluçãode casos concretos, ou seja, através da atividade interpretativa-judicial. Nãohaveria, portanto, um conceito pré-determinado, fixo e fechado do significadoda dignidade da pessoa humana. Seu conteúdo parece ser variávelconforme sua aplicação, o que possibilita que atue ora como vetor, oracomo limite aos demais direitos fundamentais32.

Tem-se, assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana, se porum lado se constitui no centro referencial valorativo ou unificador dos direitosda personalidade e, por decorrência, dos direitos fundamentais em geral,por outro, pode também se converter em parâmetro ou mesmo limite damaterialização e efetividade destes direitos, sobrepondo-se sobre eles quandoa sua expressão esbarrar neste valor supostamente supremo que elerepresenta. O princípio da dignidade da pessoa humana está no vértice doordenamento jurídico não apenas como vetor, mas também como limite33.

Há de se explorar o método de balanceamento de direitos como modode resolução de conflitos. De fato, considerou-se que o direito depersonalidade a proteger se relaciona com a dignidade da pessoa e, porisso mesmo, tem ele mesmo de possuir um mínimo de dignidade, respeitandoas suscetibilidades dos outros, o seu direito a não ser afrontado com situaçõesque o molestam na sua forma de estar na vida.

Aliás, o reconhecimento dos direitos da personalidade como direitosautônomos, de que todo indivíduo é titular34, generalizou-se tambémapós a Segunda Guerra Mundial e a doutrina descreve-os hoje comoemanações da própria dignidade, funcionando como “atributosinerentes e indispensáveis ao ser humano”35. Tais direitos, reconhecidos

31 Wallez, “La dignité: un concept à construire” e Philippe Bonduelle, “Fonder la dignité?”, ambos publicados noperiódico francês Le Supplément n°191, de dezembro de 1994.32Robert Alexy salienta com a potencialidade de um princípio constitucional, pela forte conteúdo axiológico quecomporta, em flexibilizar-se em consonância com a sua aplicação nos julgamentos de casos concretos, in Teoria delos derechos fundamentales, citado anteriormente, p. 86).33 O Supremo Tribunal Federal, em duas oportunidades, admitiu a utilização do princípio da dignidade da pessoa humanaem casos distintos. Em um deles, o HC n. 71373-4 –RS, julgado em 1994, a dignidade é utilizada como fundamento tantodos votos vencidos como dos vencedores, por razões e em função de objetos diversos. De um lado alegava-se que aobrigatoriedade do suposto pai de submeter-se ao exame de DNA “ofende sua dignidade humana”, de outro,argumentava-se em favor do direito à “dignidade pessoal das filhas a fim de proteger seu direito de conhecer seu paibiológico. No outro - HC n. 76.060-4–SC - a dignidade é invocada para sustentar o posicionamento do STF no tocanteà não-obrigatoriedade do exame. Em ambos julgados, a intangibilidade física do paciente, sob a veste da proteção desua ‘dignidade’, se sobrepôs ao direito das crianças de conhecerem sua real identidade biológica.34 Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 1997, p. 108.35 Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas dedireito civil, 2001, p. 33.

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a todo ser humano e consagrados pêlos textos constitucionais modernosem geral, são oponíveis a toda a coletividade e também ao Estado36.

A relevância desses direitos para a hipótese aqui em discussão ésimples de ser demonstrada. Impor à mulher o dever de carregarpor nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, nãosobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importaviolação das duas vertentes de sua dignidade: de um lado apotencial ameaça à integridade física e, de outro, os danos à suaintegridade moral e psicológica.

A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrançaininterrupta do feto dentro de seu corpo, que nunca poderá se tornarum ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica. AConstituição Federal, como se sabe, veda toda forma de tortura, comocapitulado em seu art. 5°, III, e a legislação infra-constitucional definea tortura como situação de intenso sofrimento físico ou mental37.

Não bastasse a violação da dignidade, não admitir a interrupçãoterapêutica da gravidez, como já se comentou acima, violaconcomitantemente a legalidade, a liberdade, a autonomia davontade e a saúde da gestante. O princípio da legalidade38,positivado no inciso II do art. 5° da Constituição, na dicção de que“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senãoem virtude de lei, flui por vertentes distintas em sua aplicação ao PoderPúblico e aos particulares. Para o Poder Público, somente é facultadoagir por imposição ou autorização legal.

Em relação aos particulares, esta é a cláusula constitucionalgenérica da liberdade no direito brasileiro: se a lei não proíbedeterminado comportamento ou se a lei não o impõe, têm as pessoasa auto--determinação de adotá-lo ou não. A liberdade consiste emninguém ter de submeter-se a qualquer vontade que não a da lei, e,

36 Miguel Ângel Alegre Martínez, El derecho a Ia propria imagen, 1997, p. 140: “Es de notar, adernas, que losdestinatários de esse deber genérico son todas Ias personas. El respeto a fos derechos fundamentales, traduccióndel respeto a Ia dignidad de Ia persona, corresponde a tódos, precisamente porque los derechos que deben serrespetados son património de tódos, y el no respeto a los mísmos por parte de cualquiera privará al otro del disfrutede sus derechos, exigido por su dignidad.”37 Lei n° 9.455, de 07 de abril de 1997: “Art 1° Constitui crime de tortura: l - constranger alguém com emprego deviolência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaraçãoou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razãode discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego deviolência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoa! ou medidade caráter preventivo”.38Merece leitura o trabalho de Geraldo Ataliba sobre o tema, in República e Constituição, 1985, p. 98/99.

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mesmo assim, desde que seja ela formal e materialmenteconstitucional. Reverencia-se, dessa forma, a autonomia da vontadeindividual, cuja atuação somente deverá ceder ante os limites impostospela legalidade. De tal formulação extrai-se a óbvia conclusão deque tudo aquilo que não está proibido por lei é juridicamentepermitido.

A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez defeto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. Ofundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realizaçãonão é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo deconsideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia davontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspectodo direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores:como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitosaqui descritos.

Como assinalado, nada impede que se opte por colocar a questãoem termos de ponderação de bens ou valores contrapostos: de umlado os direitos fundamentais da mãe e, de outro, a convicçãoreligiosa ou filosófica que defenda a obrigatoriedade de levar a termoa gravidez, mesmo em se tratando de feto inviável. A ponderação, noentanto, é técnica de decisão que se utiliza quando há colisão deprincípios ou de direitos fundamentais, funcionando como umaalternativa à técnica tradicional da subsunção. Não se vislumbracolisão no caso aqui estudado, mas sim uma situação de nãosubsunção ao Código Penal, vale dizer, de atipicidade da conduta.

Quanto aos fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil, estãoeles dispostos no art. 6°. caput, e nos arts. 196 a 200 da ConstituiçãoFederal. A previsão expressa do direito à saúde na Carta de 1988 éreflexo da elevação deste direito, no âmbito mundial, à categoria dedireito humano fundamental. Ressalte-se, neste ponto, que saúde, naconcepção da própria Organização Mundial da Saúde, é o completobem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença.

A antecipação do parto em hipótese de gravidez de fetoanencefálico é o único procedimento médico cabível para obviar orisco e a dor da gestante. Impedir a sua realização importa emindevida e injustificável restrição ao direito à saúde. Desnecessárioenfatizar que se trata, naturalmente, de uma faculdade da gestante enão de um procedimento a que deva obrigatoriamente se submeter.

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5 A Tutela Jurisdicional Possível

Óbvio que os argumentos articulados no decorrer do presente trabalhopodem, na verdade, devem ser utilizados em processo subjetivos, sempreque houver lesão aos direitos de personalidade da gestante. A argüiçãodeve ser promovida na via difusa, na qual a gestante poderá provocar ojuiz competente para autorizá-la a buscar os meios médicos adequadospara a interrupção do parto pela existência de feto anencefálico. Apretensão poderá ser arrimada em interpretação conforme a Constituição,sem redução de texto, dos arts. 124, 126 e 128, I e II, todos do CódigoPenal. A decisão terá, obviamente, eficácia inter partes.

Contudo, os progressos científicos experimentados já admitem omanejo de processo objetivo que garante a todas as mães, gestantesde fetos anencefálicos, socorrer-se da antecipação terapêutica doparto independentemente de processo concreto. A sociedadebrasileira é benemérita destes avanços.

Em ambas as vias jurisdicionais, difusa ou concentrada, suscetívelde ser utilizada a técnica da interpretação conforme a Constituição,desenvolvida pela doutrina moderna39 e amplamente acolhida peloSTF40, que consiste na escolha de uma linha de interpretação paradeterminada norma legal, em meio a outras que o texto comportaria.Por esta técnica, dá-se a expressa exclusão de um dos sentidos possíveisda norma, por produzir um resultado que contravém a Constituição,e a afirmação de outro sentido, compatível com a Lei Maior, dentrodos limites e possibilidades oferecidos pelo texto41.

39O princípio da interpretação conforme a Constituição tem sua trajetória e especialmente o seu desenvolvimentorecente ligados à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, onde sua importância é crescente. V.Honrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional, 1983, p. 53. Jorge Miranda,Manual de direito constitucional, 1983, t. 2., p. 232 e ss; Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade,1990, p. 284 e ss. Eduardo Garcia de Enterría, La Constituíclón como norma y el Tribunal Constitucional, 1991, p.95; J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 1991, p. 236.40 STF Rep. N° 1.417-7, Rel. Min. Moreira Alves, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n0 1, p. 314.No mesmo sentido; RTJ 139/624; RTJ 144/146.41 Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, 2003, p. 189: “À vista das dimensões diversasque sua formulação comporta, é possível e conveniente decompor didaticamente o processo de interpretaçãoconforme a Constituição nos elementos seguintes: 1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal quea mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que opreceito admitia. 2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que maisevidentemente resulta da leitura do texto. 3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusãoexpressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas,também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leiturada norma legal”.

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De acordo com Canotilho, o princípio da interpretação conformea Constituição consiste em extrair a interpretação, em caso de normasplurisignificativa, que esteja em consonância com a Constituição. Deacordo com o constitucionalista, o programa normativo não resultaapenas de mediação semântica dos enunciados lingüísticos do texto,podendo outros elementos ser levados em consideração, tais comoa sistemática do texto, a genética, a história e a teleologia42.

De se observar, outrossim, que no tocante aos direitos fundamentais,as áreas referentes ao domínio normativo são especialmente ricas.Neste sentido tem total pertinência a afirmação de Hesse, no sentidode que a interpretação constitucional é concretização. Trata-severdadeiramente de, em matéria de direitos fundamentais, umaconstrução promovida pelo intérprete43.

Friedrich Müller não destoa dos argumentos acima. Para o autor aTeoria Estrutural do Direito deve buscar, em primeiro lugar, sedimentara teoria dos direitos fundamentais, procurando estruturar a suainterpretação com base em dados de linguagem/dados reais, áreamaterial/área da norma; norma jurídica/norma de decisão44.

Em outra oportunidade, mas sobre o mesmo tema, Müller volta ase manifestar aduzindo que os efeitos dessa concepção teóricamoderna mais abrangente sobre a teoria e a interpretação dos direitosfundamentais podem também ser formulados da seguinte maneira:eles reforçam a positividade, a materialidade e a racionalidade dosdireitos fundamentais. Para o autor a Teoria Estrutural do Direito apóia-se numa base desenvolvida a partir da práxis jurídica cotidiana ou,mais precisamente, através de análises da jurisprudência. Ela é umateoria da práxis45.

Deflui da doutrina que a materialidade dos direitos fundamentaisreforça-se e confirma-se através da riqueza das suas áreas materiaise normativas. Os direitos fundamentais são, de qualquer maneira,posições materiais - o fato de que eles precisaram ser conquistados42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6º ed. Coimbra: LivrariaAlmedina, 1993, p.226.43 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. 2º ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 40. “Precisamente lo que no aparece de forma clara como contenido de la Constitución es lo que debe serdeterminado mediante la incorporación de la realidad de cuya ordenación se trata. En este sentido la interpretaciónconstitucional tiene carácter creativo: el contenido de la norma interpretada sólo queda completo con su interpretación;ahora bien, sólo en ese sentido posee carácter creativo: la actividad interpretativa queda vinculada a la norma”.44 MÜLLER, Friedrich. Juristische Methodik, Berlin, 3º ed. 1989, p. 188.45 MÜLLER, Friedrich. Concepções Modernas e a Interpretação dos direitos humanos. Anais da XV ConferênciaNacional da Ordem dos Advogados do Brasil. 4 a 8 de setembro de 1994, Foz do Iguaçu, PR, pág. 100.

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em cada caso histórico - e precisam continuar sendo conquistados -prova isso de maneira eloqüente.

O legislador penal brasileiro tipificou o aborto na categoria doscrimes contra a vida. Assim é que são tutelados, nos artigos 124 a128 do Código Penal, o feto e, ainda, a vida e a integridade física dagestante (cf. CP, art. 125 – aborto provocado por terceiro, sem oconsentimento da mãe). A antecipação consentida do parto emhipóteses de gravidez de feto anencefálico não afeta quaisquer dessesbens constitucionais. Muito ao contrário.

Como exaustivamente demonstrado, na gestação de fetoanencefálico não há vida humana viável em formação. Lícito afirmar,pois, que não há potencial de vida a ser protegido, de sorte que faltaà hipótese o suporte fático exigido pela norma. Com efeito, apenas ofeto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivode aborto.

Assim, não há como se imprimir à antecipação do parto nessescasos qualquer repercussão jurídico-penal, de vez que somente aconduta que frustra o surgimento de uma pessoa ou que causa danosà integridade física ou à vida da gestante tipifica o crime de aborto46.Sobre o ponto, vale reproduzir a lição clássica de Nelson Hungriaque, embora escrita décadas antes de ser possível o diagnóstico deanencefalia, aplica-se perfeitamente ao caso:

“Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto daconcepção atingir normalmente vida própria, de modo que asconseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra amulher. O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser umproduto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresentacomo um processo verdadeiramente mórbido, de modo a nãopermitir sequer uma intervenção cirúrgica que, pudesse salvar a vidado feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessáriaa presumida possibilidade de continuação da vida do feto”47.

O Judiciário já tem examinado essa questão em várias ocasiões.Na realidade, nos últimos anos, decisões judiciais em todo o paístêm reconhecido às gestantes o direito de submeterem-se à46E, no que toca à gestante, já se registrou que a gravidez de feto anencefálico é potencialmente perigosa, trazendoinúmeros riscos de complicações, além de profunda angústia e sofrimento psicológico não só à mãe como a toda afamília. Assim, a antecipação do parto nesses casos somente traz benefícios à saúde da gestante, tanto de ordemfísica quanto psíquica.47 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. V, 1958, p. 297-298.

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antecipação terapêutica do parto em casos como o da anencefalia,concedendo-lhes alvarás para realização do procedimento48.

Recentemente, porém, algumas decisões em sentido inversodesequilibraram a jurisprudência que se havia formado. Uma delas,inclusive, chegou à apreciação do STF no início de 2004. Trata-se doHC 84.025-6/RJ, no qual se versa hipótese, precisamente, de pedidode antecipação do parto de feto anencefálico. Seria a primeira vezque o STF teria oportunidade de apreciar a questão. Lamentavelmente,porém, antes que o julgamento pudesse acontecer, a gravidez chegoua termo e o feto anencefálico, sete minutos após o parto, morreu. Oeminente Ministro Joaquim Barbosa, relator designado para o caso,divulgou seu preciso voto, exatamente no sentido do que aqui sesustenta. Vale transcrever trecho de seu pronunciamento, que resumetoda a questão em análise:

“Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca

é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero

materno, pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento

que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a

morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde

física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa

humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada?

Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia

ser considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente. Isso porque, ao proceder

à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-

uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendo que, no

caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito

de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses

pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal”49.

6 Considerações Finais

A despeito das resistências ainda demonstradas por vários

48 Conferir, também: TJ/SP - JTJ 232/391; TJ/SP, 1a Câm. Crim., MS n° 309.340-3, Rel. David Haddad, J. 22.05.2000;TJ/SP, 3a Câm. Crim., MS n° 375.201-3, Rel. Tristão Ribeiro, j. 21.03.2002; dentre outros.49No mesmo sentido decidiu a Suprema Corte da Argentina, ao examinar, precisamente, hipótese de antecipaçãode parto encefálico. O Tribunal confirmou decisão de tribunal inferior no sentido de que “en el caso aquí analizado,y particularmente para una de Ias hipótesis posibles: Ia inducción o adelantamiento del parto no se verifican losextremos de Ia vigencia del tipo objetivo del aborto - artículo 86 del Código Penal”. E acrescentou: “Frente a Ioirremediable del fatal desenlace debido a Ia patología mencionada y a Ia impotencia de Ia ciencia para solucionaría,cobran toda su vitalidad los derechos de Ia madre a Ia protección de su salud, psicológica y física, y, en fin, a todosaquellos reconocidos por los tratados que revisten jerarquia constitucional, a los que se ha hecho referencia supra”.Referência: T.421.XXXVI.T.,S.c/Gobiernode Ia Ciudad de Buenos Aires s/amparo.

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segmentos da sociedade, todas no sentido de garantir a prevalênciado direito à vida como valor supremo e inabalável, os operadoresdo direito têm a obrigação de por a salvo a dignidade das mãesque têm em seu ventre não mais o filho almejado, o fruto mais sagradoda união dentre homem e mulher, mas algo que, a natureza ou avontade divina, tornou inviável. O milagre da vida deu lugar à cruelespera pelo momento da morte, que é certa.

Importante ressaltar, aliás, que sequer estão em choque ou contrastedois direitos fundamentais. O que se tem presentemente é, de umlado a proteção a um feto que não tem chance de sobrevida, e, deoutro, a saúde, a vida e a dignidade da mãe. O primeiro, portanto,com potencial jurídico evidentemente inferior ao segundo, daí dizernão haver colisão de direitos fundamentais, pois colisão implicareconhecer dois ou mais direitos com potenciais jurídicos equivalentes.

Inconcebível, pois, que o Estado ainda tenha dúvidas sobre qual odireito que teve ser tutelado. O que mais o ordenamento jurídico podepretender? A data marcada pela história para esta compreensão éhoje, é agora, o futuro já aconteceu é, pois, presente e já não admiteadiamento, postergação. Proveitosas, no particular, as palavras deBoaventura Souza Santos, ao enfatizar que quando o desejável eraimpossível foi entregue a Deus; quando o desejável se tornou possívelfoi entregue à ciência; hoje, que muito do possível é indesejável e algumdo impossível é desejável temos de partir ao meio tanto Deus como aciência. (...) O que distingue a teoria crítica pós-moderna é que paraela as necessidades radicais não são dedutíveis de um mero exercíciofilosófico por mais radical que seja; emergem antes da imaginaçãosocial e estética de que são capazes as práticas emancipatóriasconcretas. O reencantamento do mundo pressupõe a inserção criativada novidade utópica no que nos está mais próximo50.

Somente com este pensamento que florescerá aquilo quecircunscreve a Constituição: o Estado Democrático de Direito, a funçãosocial do jurista, o resgate das promessas da modernidade, asuperação da crise de paradigmas que obstaculiza este alvorecerconstitucionalizante em toda a sua principiologia. É deste “abrir-separa o mundo”, deste espaço livre devidamente aplainado, que sepoderá construir a resistência constitucional, denunciando aquilo que

50 Introdução a Uma Ciência Pós Moderna, Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1989, p. 115.

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é acobertado pelo sentido comum da dogmática jurídica.Esta é a senda obrigatória do jurista: reconhecer que a Constituição

constitui, vincula, estabelece as condições do agir político-social. Afinal,uma Constituição democrática é, antes de tudo, normativa, de ondese extrai duas conclusões: que ela contém mandatos jurídicosobrigatórios, e que estes mandatos jurídicos não somente sãoobrigatórios senão que, muito mais do que isso, possuem umaespecial força de obrigar, uma vez que é forma suprema de todoordenamento jurídico.

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O PAPEL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NARELAÇÃO DE TRABALHO

Francisco das C. Lima Filho*

Resumo: O artigo aborda o papel dos direitos fundamentais na relaçãode trabalho, a conciliação entre os direitos fundamentais e os poderesempresariais e a função dos Juízes e Tribunais em assegurar os direitos eas liberdades dos cidadãos.

1 Noção inicial

Em 10 de dezembro de 1948 foi aprovada a Declaração Universaldos Direitos Humanos. Esse documento constitui, sem dúvida, o marcomais importante do processo de reconstrução dos direitos humanos. Porforça dele foi introduzida a concepção contemporânea de direitoshumanos, caracterizados pela universalidade e indivisibilidade, na medidaem que clama pela sua extensão universal, sob a crença de que acondição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidadedos mesmos que, além disso, são indivisíveis porque a garantia dosdireitos civis e políticos constitui um pressuposto para a observância dosdireitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. Por conseguinte,quando um deles é violado, os demais também o são, já que compõemuma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada de formaque tem a capacidade de conjugar o catálogo de direitos civis e políticosao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.

Lembra, com razão, Flávia Piovesan1 que a indivisibilidade dosdireitos humanos leva ao afastamento da noção de que uma classede direitos – a dos direitos civis e políticos – merece inteiroreconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos – a dosdireitos sociais, econômicos e culturais – ao invés, não mereceriaqualquer observância, pois sob a ótica da normativa internacional,encontra-se complemente superada a equivocada concepção de que

* Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados – MS. Mestre em Direito e Estado pela UNB. Doutorando emDireito Social pela Universidad Castilla la-Mancha – Espanha. Professor de Direito Processual do Trabalho naUNIGRAN – Dourados – MS.1 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional. In: Eros Roberto Grau et al(Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo:Malheiros Editores, 2003, p. 619.

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os direitos sociais, econômicos e culturais não seriam legais. Naverdade a idéia da não-acionabilidade dos direitos sociais émeramente ideológica, e não cientifica, pois são eles autênticos everdadeiros direitos fundamentais, acionáveis e exigíveisdemandando séria e responsável observância pelo que, devem serreivindicados como direitos, “e não como caridade ou generosidade”.

Aliás, esse reconhecimento foi reafirmado pela Declaração deDireitos Humanos de Viena, de 1993, quando no § 5º dispôs:

“Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.

A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de

forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”.

Partindo-se dessa visão vê-se com facilidade que direitos humanosfundamentais têm um relevante papel no âmbito dos direitos sociaislaborais, pois de certa forma terminam por frear o poder disciplinar,de comando do empregador de modo que a dignidade dotrabalhador não seja violada.

Todavia, nas últimas décadas o Direito do Trabalho assistiu auma imponente reestruturação capitalista que terminou porredesenhar a geografia das atividades produtivas e, ao mesmotempo, a tipologia das formas de emprego da mão-de-obraterceirizando a economia e convulsionando o mercado detrabalho, na medida em que mundializou os mercados e osprodutos e modif icou, por efei to de novas a sof is t icadastecnologias, também os trabalhos tradicionais.

Lembra Oscar Ermida Uriarte, que “no contexto que se acabade descrever, o sistema tradicional de relações laborais vemsofrendo questionamentos e transformações de diversas origens.Não é fácil distinguir quais provém diretamente da globalizaçãoe quais resultam de outras causas mais ou menos autônomas,porém concorrentes”, acentuando que o “sistema tradicional tempor eixo uma relação de trabalho que vincula o empregado aomesmo empregador por tempo indeterminado”, ao passo queas relações laborais pós-modernas, do período da globalizaçãotêm como características principais: a) a priorização do capitalsobre o trabalho e a substituição crescente de mão-de-obra portecnologia; b) a flexibilização ou desregulamentação do Direitodo Trabalho; c) a instabilidade no emprego; d) a individualização

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das re lações de t rabalho em diversas dimensões; e ) aprecarização do custo de trabalho.2

Nesse contexto, a competitividade é enfatizada no mercadoglobalizado, investindo-se contra toda forma de regulamentaçãoestatal e contratual que esteja fora dos limites da empresa e que possarestringir a autonomia empresarial ou aumentar de qualquer formaos custos do trabalho, inclusive com redução e extinção de postos detrabalho de forma a diminuir custos. Rediscute-se, assim, o caráterque a norma trabalhista deve revestir-se nesse novo panorama mundialcom o fortalecimento das teses que propugnam a flexibilização dasnormas tutelares do trabalho, o que leva ao afastamento cada vezmaior do Estado como produtor das normas laborais.3

Assim, a retirada paulatina do Estado da condição de reguladordas relações de trabalho, cedendo espaço à autonomia privadacoletiva, através de interlocutores sociais, tem provocado umfenômeno extremamente prejudicial à classe trabalhadora: os direitossubstantivos tendem a diminuir, na medida em que são precarizados,desregulamentados, flexibilizados fomentando uma grande exclusãosocial, especialmente nos paises periféricos como o Brasil, cuja mão-de-obra não qualificada é a mais afetada.

Nesse contexto, a influência e o papel do Estado passam a ser maisefetivos no campo das normas instrumentais. E é nesse cenário queentra e aparece a influência dos direitos fundamentais como garantiaà pessoa do trabalhador frente aos poderes do empresário.4

1.1 Importância dos direitos fundamentais no âmbito do

direito laboral

Como acima foi afirmado, no campo do Direito do Trabalho osdireitos fundamentais têm uma imensa importância, na medida emque os direitos laborais terminam por influir na conformação do Estado2 URIARTE, Oscar Ermida. Globalización e Relaciones Laborales. In: Impactos da Globalização – Relaçõesde Trabalho e Sindicalismo na América Latina e Europa. (Coord.) Diana de Lima e Silva et. al. SãoPaulo:LTr, 2001, p. 73.3 A maioria, se não todas as reformas da legislação laboral levadas a efeito nos países em desenvolvimento,especialmente na última década, foram feitas obedecendo a esse receituário determinado pelos organismosinternacionais que ditam as políticas econômicas desses Estados.4 A respeito do tema dos direitos fundamentais laborais, veja-se VEGA RUIZ, Maria Luz et al. Los principios yderechos fundamentales em el trabajo; Su valor, sua viabilidad, sua incidencia e su importanciacomo elementos de progresso economica e de justicia social. Ginebra: OIT, julho/2002.

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moderno, inclusive com atribuição desses direitos pelos pactos sociais,ou seja, pelas Constituições modernas, através da promoção doindivíduo perante o Estado transformando e reconhecendo otrabalhador como sujeito ativo perante o Estado.

Nesse quadro, pode-se dizer que os direitos fundamentais laboraissão aqueles direitos que têm a capacidade, a aptidão de atribuir atodos os trabalhadores direitos inerentes à dignidade humana5 porquedotados de uma característica especial: são atribuíveis a todos ostrabalhadores de forma igual e, por conseguinte, indisponíveis sendoreconhecidos em normas supra ordinárias.6 Sob o ponto de vistaobjetivo, constituem direitos primários não podendo sobre eles disporo próprio trabalhador nem tampouco o empresário.

Os direitos fundamentais e as liberdades públicas7 que, entre nós,a Constituição reconhece ao cidadão a partir do art. 5º, e no campolaboral, especialmente nos arts. 7º, 8o e 9o o acompanham em todasas facetas de sua vida social, e, por conseguinte, são tambémexercitáveis no seio da relação de trabalho, sem prejuízo de que nesteâmbito tenham que se conectar e de certa forma se amoldar àsobrigações próprias do contrato, como por exemplo, a boa fécontratual e com os interesses legítimos da empresa.

Ainda que sua origem seja constitucional, no ordenamento jurídiconacional alguns desses direitos fundamentais estão reconhecidostambém em normas laborais infraconstitucionais, como a proibiçãoda discriminação no acesso ao emprego e ao trabalho, no curso darelação de emprego, no término e após esta. As disposições constantesdas Leis 7.853/89, Lei 7.716/89, 9.029/95 e 9.459/97 que, a par deproibirem tratamento discriminatório ao trabalhador e outras práticas

5 De acordo com Ingo Wolgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana é “a qualidade intrínseca e distintiva de cadaser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contratodo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimaspara uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos daprópria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidadeda pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2003, p. 62.6 PIOVESAN, Flávia. Ob. cit., p. 617.7 Os direitos e liberdades públicas fundamentais são, assim, um conjunto de faculdades e instituições queconcretizam per si em um corpo normativo universal as exigências de dignidade, liberdade e igualdades sociais, quesão reconhecidas como indispensáveis para o bom funcionamento do Estado e que podem modificar-se em funçãodas alterações de valores na sociedade. Acertada, pois, a afirmação de Boutros-Ghali, em discurso inaugural daConferência de Viena sobre os direitos humanos em 1993, ao dizer os direitos fundamentais se bem são comuns,cada era cultural por ter sua particular forma de contribuir para a aplicação dos mesmos. Por sua própria naturezaos direitos fundamentais são direitos em evolução. In: VEGA RUIZ, Maria Luz et al. Ob. cit., p. 3.

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violadoras da sua dignidade, estabelecem mecanismosadministrativos e jurisdicionais para garantir, no campo prático, aigualdade e a não discriminação, inclusive criminalizando algumascondutas discriminatórias,8 constituem exemplo do reconhecimentoinfraconstitucional dos direitos fundamentais laborais peloordenamento jurídico nacional.

1.2 Reconhecimento

Quanto à forma de reconhecimento dos direitos fundamentais,pode-se citar duas: a) formal; b) material.

Pela primeira – formal –, o reconhecimento costuma ser feitoatravés de reformas ou rupturas constitucionais, através dasquais os direitos fundamentais são reconhecidos pelo próprioEstado.

Na segunda – mater ia l – , esse reconhecimento se dáatravés do trabalho da hermenêutica por meio de decisõesdo Poder Judiciário na in terpretação das normas legais,constitucionais e internacionais. No Brasil esse mecanismode reconhecimento infel izmente ainda é muito débil, poisentre nós o positivista continua sendo uma grande e quaseintransponível barreira para o reconhecimento dos direitosf undamen ta i s , e spec ia lmen t e o s d i r e i t o s f undamen ta i slabora is , máxime porque o mode lo de desenvo lv imen toeconômico, ditado por órgão financeiro internacional – oFMI –, não tem maiores preocupações com esse t ipo dedireito, o que tem provocado insuportáveis violações querpe l o E s t ado que r p e l o s pa r t i c u l a r e s , ao s d i r e i t o s

8 De acordo com o art. 1o da Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de DiscriminaçãoRacial, discriminação racial é “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento,gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.O art. 1o da Convençãosobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher conceitua a discriminação contra amulher como “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultadoprejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil,com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais noscampo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.Com base nessas Convenções- que foram ratificadas pelo Brasil - pode-se afirmar que discriminação significa toda distinção, exclusão,restrição ou preferência que tenha por objetivo prejudicar ou anular o reconhecimento, o gozo ou o exercício,em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nos campos político,econômico, social, cultural ou civil em qualquer outro campo. Portanto, desigualdade.

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f undamen ta i s l abo ra i s sem que ha ja qua lque r t i po depenalidade concreta aos seus agressores.9

Quanto ao reconhecimento material deve ser levada em contauma forma de harmonização: os direitos fundamentais devemser harmonizados com a sua historicidade: as reivindicações dost rabalhadores são inversamente proporc ionais aoreconhecimento de prestações básicas, o que termina poraumentar suas reivindicações, na medida em que dependem paraesse reconhecimento de fatores extrajurídicos, como a economia,o mercado de trabalho, etc. que o direito não tem a aptidão depor si só, tornar concreto.

1.3 Fatores de desenvolvimento

Os pr inc ipais fa tores de desenvolv imento dos di re i tosfundamentais laborais são:

a) a individualidade do trabalhador que é descoberta com acontratualização da relação laboral individual, que terminacontribuindo para conscientização do dever de respeito àdignidade da pessoa do trabalhador;

b) a descoberta de novas tecnologias, que modificam eextinguem empresas e postos de trabalho, proporcionando acriação de novas regras empresariais com capacidade parainvadir a individualidade e a vida privada do trabalhador;

c) o multilateralismo, que permite a reivindicação do respeitoà d i f e rença rompendo - se com an t igos padrões soc ia i sdominantes, mui tos deles manifestamente discriminatórios

9 Para se constatar esse fato, bastante lembrar as demissões em massa sem nenhum tipo de indenização quesão praticadas pelas prestadoras de serviços sem qualquer idoneidade financeira que contratam mão-de-obrapara o próprio Governo, deixando centenas de trabalhadores e seus familiares no mais completo desamparo;o descaso como o sistema previdenciário trata os aposentados e os doentes; as exigências completamenteilegítimas e desproporcionais que o próprio Estado fez aos segurados do INSS como se viu da recente ecriminosa exigência do atual Governo de que todos os velhinhos se recadastrassem para provar que estavamvivos como condição para continuarem recebendo o mísero benefício previdenciário; a aprovação da Emendaconstitucional da Reforma da Previdência que, a par de violar direitos adquiridos, limita o valor do benefício etaxa aqueles que durante anos contribuíram sob a égide da legalidade vigente e nela se aposentaram, masque, de uma hora para outra, viram seus direitos simplesmente serem violados com taxação do própriobenefício. Estas e tantas outras violações que foram declaradas constitucionalmente legítimas pela própriaCorte Suprema, estão a demonstrar que entre nós o reconhecimento e o respeito aos direitos fundamentais,especialmente no campo laboral ainda estão muito longe de constituir uma realidade.

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como raça, cor, origem étnica, idade, orientação sexual10,entre outros.

1.4 Convivência com os poderes empresariais

Quanto à questão da convivência dos direitos fundamentais comos poderes empresariais, pode-se dizer que o contrato de trabalhoé uma grande contribuição para o reconhecimento e odesenvolvimento desses direitos, porquanto são eles oponíveis atodos, inclusive e especialmente, ao empresário, cujo poderdisciplinar encontra limite na dignidade do trabalhador, pois a basedos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa e dos direitosinvioláveis que lhe são inerentes (art. 1º, inciso III da Carta daRepública). Por conseguinte, há uma conscientização da necessidadede se repensar os poderes empresariais, porque estes não podemviolar os direitos fundamentais do trabalhador, ligados à proteçãoda sua vida privada, da sua honra e imagem, à vida pessoal demodo a protegê-lo na sua privacidade no local de trabalho com aconseguinte limitação das faculdades de organização, direção econtrole do empresário, na medida em que, como afirma FernandoValdes Dal-Re, em palestra no XX Encontro Anual dos Magistradosda Justiça do Trabalho da 2ª Região, a lógica contratual dasubordinação e a lógica organizacional do empresário conspiramcontra o exercício dos direitos fundamentais dentro da empresa.11

O direito à intimidade do trabalhador, que emana da dignidadehumana, supõe o reconhecimento da existência de um âmbitoreservado, pessoal privado que seu titular pode subtrair aoconhecimento alheio seja privado ou público, ou seja, âmbito deprivacidade que, como de forma recorrente, resulta imprescindível

10 Discriminação por orientação sexual é, sem dúvida alguma, uma violação aos direitos humanos fundamentais. Porisso, e talvez pensando na gravidade do problema, o assunto foi discutido em 17 de abril de 2003, em Genebra,Suíça, oportunidade em que o Governo brasileiro apresentou a Resolução sobre Direitos Humanos e OrientaçãoSexual na 59ª sessão da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que gerou muitapolêmica entre paises católicos e conservadores demonstrando que o assunto ainda encontra-se envolto em muitopreconceito e desinformação. Parece evidente que a orientação sexual de uma pessoa não a torna menor ou inferioras demais. Existe gravado no Texto Maior o princípio fundamental da dignidade humana e o fato de alguém ter umaorientação sexual diferente do padrão dominante, logicamente não lhe retira a dignidade e o direito de ser tratadacom o mesmo respeito com as demais pessoas são tratadas, inclusive e especialmente, no âmbito da relação detrabalho ou emprego. Por isso, qualquer tipo de discriminação fundada nesse fato – orientação sexual – deve serconsiderado ilegítimo e, portanto, inconstitucional.11 Jornal Magistratura & Trabalho, Ano XII, n. 55, dez./2004, p.18.

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para manter uma qualidade mínima de vida humana própria dacultura ocidental a que pertencemos. Por conseguinte, o direito àintimidade, como reconheceu o Tribunal Constitucional Espanhol, “porseu próprio conteúdo e alcance se refere à vida privada das pessoasindividuais, em que nada pode imiscuir-se sem está devidamenteautorizado, e sem que, em princípio, as pessoas jurídicas como associedades mercantis, possam ser titulares dos mesmos”.12

Do reconhecimento dos direitos acima mencionados, resulta quetambém no âmbito das relações laborais, o trabalhador tem o direitoà sua própria imagem que é igualmente uma derivação de suadignidade e que tem por escopo a proteção da dimensão moral desua pessoa atribuindo-lhe um direito a determinar a informaçãográfica gerada pelos seus traços físicos pessoais que pode ter difusãopública, bem como a faculdade para evitar essa difusãoincondicionada de seu aspecto físico, na medida em que constitui oprimeiro elemento configurador da esfera pessoal de todo indivíduo,enquanto instrumento básico de identificação e projeção exterior efator imprescindível para seu próprio reconhecimento como sujeitoindividual. É, por conseguinte, um valor fundamental da dignidadehumana pelo que, os indivíduos têm a faculdade de decidir queaspectos de sua pessoa desejam preservar da divulgação pública, afim de garantir um âmbito privativo para o desenvolvimento dapersonalidade alheia a ingerências externas, o que termina por seprojetar em outro direito fundamental, qual seja, o direito à honraaqui entendido como fama, reputação, bom nome. O direito deproteção e valorização externa da pessoa é dotado, assim, das notasde imanência – a própria estimação –, e de transcendência – oreconhecimento externo da própria dignidade. É, pois, um direito decaráter e natureza personalíssimo e, portanto, de titularidadeindividual que não admite réplica contrária.

É claro que os direitos fundamentais acima relacionados, entreoutros que dizem respeito à dignidade humana do trabalhadorconstituem barreiras e limites ao poder disciplinar, de comando doempregador que não pode atingi-los.

Entretanto, ainda existe certa anomia do legislador que quasesempre permanece omisso no desenvolvimento dos direitos previstos12 Auto 257/1985, de 17 de abril (fundamento jurídico 2). In: ROSADO IGLEIAS, Gema. La titularidade dederechos fundamentales por la persona jurídica. Valência: tirante lo blanch, 2004, p. 187.

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na Constituição, especialmente quanto aos direitos sociais, e maisprecisamente a respeito dos direitos sociais laborais. Todavia, não éapenas o legislador quem reconhece esses direitos, sua criação eaplicação também são permitidas pela atividade da hermenêutica eda jurisprudência dos tribunais, especialmente dos tribunaisconstitucionais, o que no Brasil ainda é muito débil, em que pese aexistência de algumas e decisões a esse respeito, especialmente dosTribunais Trabalhistas13.

Também se deve lembrar que é pacífico o abono da criação dosdireitos fundamentais pela negociação coletiva. Todavia, entre nós,aqui no Brasil, isso não costuma ocorrer, especialmente em épocasde crise em que a negociação coletiva tem sido usada comoinstrumento não para a conquista de novos direitos e melhorescondições de trabalho, mas para precarizar e até mesmo extinguirdireitos laborais.

1.5 Conciliação entre os direitos fundamentais e os

poderes empresariais

Quanto à questão da conciliação dos direitos fundamentaiscom os poderes empresariais deve se registrar a existência deuma eficácia horizontal permitindo que haja a colisão entrenormas de direitos fundamentais e aquelas que garantem ospoderes empresariais. Nesta hipótese, o conflito é resolvido deacordo com princípio da proporcionalidade através do qual ojulgador deve fazer uma ponderação entre os eventuais direitosem jogo.14

Todavia, quanto às relações privadas, não existe colisãoverdadeira com os direitos fundamentais, na medida em queeventuais conflitos devem ser resolvidos de acordo com as regrasda autonomia privada através de uma mediação tomando-se emconta o conteúdo e os limites dos direitos em jogo: leva-se emconta o princípio da concordância prática em que a delimitação

13 Vide a esse respeito a decisões proferidas pelo TST nos seguintes recursos: RR 512.905/98.0; RR 470.904/98; ERR217.791/95.3, entre outros.14 Para uma visão do significado do princípio da proporcionalidade consultar “O principio da proporcionalidadee o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais”. BARROS,Suzana de Toledo. Brasília; Brasília Jurídica, 1996.

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dos conteúdos constitucionalmente reconhecidos devem sersopesados em cada caso concreto15.

Para colocar em prática esses princípios, há necessidade de segarantir o sistema de direitos através do labor hermenêutico dosTribunais, especialmente do Tribunal Constitucional. Para isso, énecessário criar mecanismos de facilitação do acesso à justiça com aintrodução de regras processuais que aumentem os poderes do juiz,especialmente quanto à prova dando-se, em conseqüência, maiorefetividade às normas do processo.

Cabe lembrar, por oportuno, que aos juizes e aos Tribunais queintegram o Poder Judiciário está reservada uma função e ao mesmotempo, um dever essencial de assegurar por força de suas decisõesos direitos e as liberdades dos cidadãos. Por conseguinte, parece óbvioafirmar que a proteção jurisdicional que deve ser dispensada pelosórgãos jurisdicionais ordinários não esgota o sistema de garantiasdos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos ou emoutros diplomas, inclusive aqueles de produção internacional (art. 5º,§§ 1º e 2º da Carta da República), que agora, por força da Emenda45 que tratou da chamada Reforma do Judiciário foram elevados àdignidade de normas constitucionais. Na verdade esse dever decorredo próprio princípio do Estado Democrático de Direito, e está presentedesde o preciso momento que nasce a lei que regula esses direitos efaz parte da obrigação de respeitar o núcleo essencial da própriaConstituição. Tanto assim, que protegidos até mesmo contra o quererdemocrático porquanto, entre nós, o § 4º, inciso IV, da Carta Supremaveda alteração ou emenda tendente a abolir os direitos fundamentais.Daí porque acertada a observação de Faustino Cavas Martínz16 deque a pedra angular da proteção dos direitos fundamentais é ocontrole judicial, pois somente quando o direito pode ser alegadopor seu titular ante um Tribunal de Justiça instando sua restauraçãoou preservação (ainda quando tenha sido violado ou danificado), épossível falar realmente e em sentido integral de proteção.

15 A colisão internomativa entre o direito fundamental do empregado e o direito organizacional da empresa requera modulação e delimitação dos direitos através de outros juízos diversos dos juízos de subsunção, como o juízo deponderação e de comparação. No juízo de ponderação entre dois direitos sem hierarquia há de se ponderar ambosmediante um princípio de equivalência e não da hierarquia. No juízo de comparação deve se observar a adequação,indispensabilidade e proporcionalidade no exercício dos dois direitos.16 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. El Processo Laboral de Tutela de la Liberdad Sindical y demásDerechos Fundamentales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2004, p. 21.

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“No cabe, em definitiva, reconocimento efeticvo de um derecho subjetivo,

fundamental o de outra naturaleza, si no se prevê paralelamente uma acción

procesal encaminada a hacerlo valer”.17

Por outro lado, os direitos fundamentais laborais somente poderãotorna-se efetivos com a consolidação de um sistema de emprego quegaranta no campo prático trabalho digno à maioria dos cidadãos, oque o Direito do Trabalho não tem a aptidão de conseguir, porquantoo sistema de consolidação dos direitos fundamentais laboraisencontra-se inexoravelmente ligado ao trabalho estável e umaprestação ou medidas de proteção contra o desemprego.

A propósito, lembra Antonio Baylos que o primeiro e principal direitofundamental laboral, é o direito ao trabalho, na medida em que semele, nenhum dos demais direitos laborais reconhecidosconstitucionalmente, poderão ser exercitados perdendo o trabalhadora condição de cidadão.

Para o citado jurista espanhol:

O direito ao trabalho se materializa na prestação de uma atividade nomarco da organização produtiva de bens e serviços que se integra numsistema de livre mercado. O trabalho de que fala o art. 35, CE18, é,conseqüentemente, o trabalho assalariado, por sua vez, elemento definitóriode uma sociedade e de toda uma civilização, o que, por sua vez, significaatribuir papel preponderante às formações sociais que representam asubjetividade do trabalho. O reconhecimento do direito social que leva acabo dito artigo implica o enunciado de uma cidadania qualificada pelotrabalho que é desigual econômica, social e culturalmente através de suainserção no circuito da produção de bens para o mercado, a mudança deuma remuneração, mas que tendencialmente há de dirigir-se para oprogressivo nivelamento dessa situação desigual, onde desempenham umapapel ativo tanto os poderes públicos quanto, especialmente, os própriostrabalhadores através das suas organizações representativas. Tendo esseambivalente ponto de partida, no sentido de dotar de valor político emergenteà mais evidente condição social de subordinação ao poder de outra pessoa,e considerar, ao mesmo tempo, que deve-se fazer compatível esta situaçãomaterialmente desigual com um sistema de cidadania igualitária, constrói-se o tratamento do direito do trabalho.

17 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. Ob. cit., p. 22.

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Sobre o trabalho a que todos os cidadãos têm direito, estabelece-se um ordenamento jurídico de clara finalidade corretora e niveladoradas situações de poder que se desenvolvem nas relações trabalhistas,um “modelo social típico” de relações contratuais e normativas queconfiguram um “setor do ordenamento regido por princípiosorientados a proteger a parte mais fraca de tal relação, diversificando,assim, o contrato de trabalho em relação a outras relações contratuaisafins, civis ou mercantis.

Dessa forma, o trabalho é a base para o exercício dos direitos docidadão, e reconhecê-lo implica, conseqüentemente, interligar o sujeitoà sua dignidade como pessoa e ao seu projeto igualitário fixado, emnível coletivo, no esboço do art. 9.2, CE.19 Trabalhar é a condição deexercício de importantes prerrogativas de cidadania e a privaçãodessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada, não só implicaa vulneração do direito ao trabalho, mas a dificuldade de exercíciode outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente”.20

Assim, no campo dos direitos laborais, o direito ao trabalho constituio principal direito fundamental do trabalhador. Sem ele nenhum outropoderá ser efetivamente exercido.

1.6 Conclusão

Na realidade, o asseguramento concreto, efetivo do direito aotrabalho através de políticas públicas de investimentos no setorprodutivo da economia e na educação especialmente, é a primeira etalvez a única condição para a construção de uma cidadaniaverdadeira, pois como lembra Baylos, trabalhar “é a condição deexercício de importantes prerrogativas de cidadania e a privaçãodessa qualidade, de maneira incorreta ou injustificada, não só implicaa vulneração do direito ao trabalho, mas a dificuldade de exercíciode outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente”.21

Sem que se respeite a dignidade do trabalhador, como pessoahumana e o trabalho como valor social, sem que se garanta ao

18 Refere-se à Constituição Espanhola.19 Idem.20 BAYLOS, Antonio. Proteção de direitos fundamentais na ordem social. O direito ao trabalhocomo direito constitucional. In: Revista Trabalhista Direito e Processo. Rio de Janeiro: Forense/Anamatra, v.X (abr./mai./jun.), 2004, p. 22-51.21 BAYLOS, Antonio. Ob. cit., p. 31.

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prestador o principal direito que é o direito a um trabalho decenteque possa lhe proporcionar meios para viver com dignidade, nenhumoutro direito poderia a ele ser garantido. O direito ao trabalho, é,pois, o primeiro e o principal dos direitos fundamentais do trabalhadore sem ele nenhum outro poderá valida e concretamente ser afirmadono campo da realidade da vida.

E para terminar, me permito, aqui, repetir os versos de uma cançãodo falecido compositor Gonzaginha que, com incrível acertolembrava:

“Um homem se humilha se castram os seus sonhos. Seu sonho é sua vida e a sua

vida é trabalho, se sem trabalho o homem não tem honra e sem a sua honra, se

morre, se mata. Não dá pra ser feliz”.

De fato, sem trabalho, o homem trabalhador não tem honra e semesta, não se vive: se morre.

Referências bibliográficas

BAYLOS, Antonio. Proteção de direitos fundamentais na ordemsocial. O direito ao trabalho como direito constitucional. In:Revista Trabalhista Direito e Processo. Rio de Janeiro: Forense/Anamatra, v. X (abr./mai./jun.), 2004;BARROS, Suzana de Toledo. Brasília. O principio daproporcionalidade e o controle de constitucionalidade dasleis restritivas de direitos fundamentais”. Brasília: Editora BrasíliaJurídica, 1996;CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. El Processo Laboral de Tutela de laLiberdad Sindical y demás Derechos Fundamentales. Navarra:Editorial Aranzadi, 2004.LIMA FILHO, Francisco das C. O princípio da igualdadeconstitucional e a discriminação do trabalhador no contratode trabalho. Revista LTr. São Paulo: Editora LTr, N. 65-10, 2001,p.1199.PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização Econômica eIntegração Regional. In: Eros Roberto Grau et al (Coord.). Estudosde Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da

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ANÁLISE DA CONCORDÂNCIA NOMINAL NOTEXTO NORMATIVO

Nohad Mouhanna Fernandes1

Resumo: O artigo aborda, de forma precisa e didatica, a utilização danorma culta em textos formais e o uso de regras de concordância nominalutilizados na compreensão do texto normativo e destaca que a observânciado processo de constituição do enunciado do texto normativo e acompreensão das regras gramaticais utilizadas na sua elaboração podemser instrumentos eficazes na formação do bacharel em direito.

1 Introdução

No sentido que lhe dão os teóricos e lingüistas, todo discurso, comoocorrência comunicativa, é uma ação lingüística, ou seja, é um atode dirigir-se a outros homens por meio da linguagem. Essa açãolingüística tem como finalidade precípua a interação, que só pode sedar quando ocorre a compreensão do discurso. Assim, o ato detransmitir e de receber mensagens não é suficiente para que hajainteração entre os interlocutores do discurso. É preciso que este sejacompreendido para que o processo de interação cumpra as suasfinalidades e seja eficaz.

Todo discurso manifesta-se lingüisticamente por meio de textos.Isso significa dizer que o texto - seqüência verbal constituída porum conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão eda coerência-, é condicionado pelas finalidades e intenções dolocutor, as quais determinam não só o gênero no qual se realizaráo discurso, mas também os procedimentos de estruturação e aseleção de recursos lingüísticos.

Para Orlandi2: “O texto pode ter qualquer extensão: pode ser desdeuma simples palavra até um conjunto de frases. O que o define não ésua extensão, mas o fato de que ele é uma unidade de significaçãoem relação à situação”.

1 Mestre em Lingüística Aplicada - Área de concentração: Ensino Aprendizagem de Língua Materna – UEM/Maringá(PR); professora de Língua Portuguesa, Linguagem e Argumentação e Linguagem e Comunicação da UNIGRAN.2 ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2 ed. Campinas:Pontes, 1987. p. 159

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Dentre os diversos gêneros do discurso que caracterizam as práticassociais com a linguagem e que avocam a presença da escrita,destacam-se os textos utilizados em situações formais, os quaisprivilegiam o domínio da modalidade escrita da língua em seu padrãoculto. É o caso dos discursos jurídicos (normativo, burocrático,decisório, científico), que devem atender às exigências sociais econstituir-se dos recursos específicos da modalidade escrita, sendocoesos e coerentes. Esses textos, para serem eficazes, exigemdeterminadas habilidades do produtor, como o conhecimento docódigo e das normas gramaticais que regem a combinação dossignos. Isso porque a coerência de um texto advém, dentre outroselementos, dos elementos formais, gramaticais, lingüísticos,argumentativos. Segundo Medeiros3, “a competência na utilizaçãodos signos possibilita melhor desempenho na elaboração do texto”.Ao ensinamento do autor, é útil acrescentar que essa competênciafaz-se necessária também àquele que lê o texto, pois, dentre acomplexidade do ato de ler e compreender um texto, o conhecimentolingüístico desempenha um papel central no seu processamento. Emrelação a esse conhecimento lingüístico, Kleiman4 explica que este“abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar português,passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua,chegando até o conhecimento sobre o uso da língua”.

Para ilustrar a utilização da norma culta em textos formais, faz-sereferência, neste artigo, às regras de concordância nominal utilizadasna composição do texto normativo. A escolha por esse tipo de textodeveu-se ao seu caráter denotativo, já que o texto normativo exigecoerência, rigor e exatidão na transmissão da mensagem e, paratanto, passa, obrigatoriamente, pelo uso correto da gramáticanormativa, cuja utilização visa a uma compreensão mais aprofundadados seus preceitos, ou seja, à produção de sentidos.

A observância dos processos de constituição dos enunciados dotexto normativo e a compreensão das regras gramaticais do portuguêspadrão utilizadas na sua elaboração podem ser a porta de entrada paracapacitar o acadêmico de direito a exercitar o pensamento e promovero entendimento da natureza, estrutura e funcionamento da língua.

3 MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 4 ed. São Paulo:Atlas, 2000. p. 1194 KLEIMAN, Ângela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. 5 ed. Campinas, SP: Pontes, 1997. p.13

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Nesse sentido, admitindo-se que na área jurídica a leitura, ainterpretação e a produção escrita de textos submetidos às regras danorma culta revelam toda a prática das atividades dos operadoresdo direito, é mister que estes não apenas apliquem as regras degramática, mas as entendam como um princípio organizador de seusdiscursos e dos alheios. Esta idéia é corroborada por Bittar5, que diz:

(...) percebe-se que o texto e a escrita são duas presenças incontornáveis

para todo operador do direito. Isso significa que os cuidados com a

linguagem e a expressividade jurídica são infinitamente maiores que em

outras áreas, sendo que, por vezes, a competência profissional, o

desempenho judicial, a liberdade de um cliente, são medidos a partir

do desempenho locutório do operador do direito.

E prossegue o renomado autor:

Nesse aspecto, as técnicas de escrita são imprescindíveis para que se

alcancem os profissionais desejados. As técnicas de análise e construção

textual são também determinantes para o desenlace profissional. (...) o

operador do direito está adstrito à gramaticalidade e ao formalismo do

discurso escrito, que, necessariamente, é mais determinado pelas regras da

língua que o discurso oral, para o qual impera certa margem de liberdade.

No tocante à interpretação de artigos constitucionais, importadestacar que a utilização da análise gramatical, objeto de análisedeste trabalho, é um instrumento de apoio, ou seja, auxilia nainterpretação. No entanto, cabe ao intérprete a utilização da análisegramatical tão somente como o início da investigação interpretativa,uma primeira etapa, da qual seguir-se-ão outras, em face dainvestigação hermenêutica pretendida.

Assumindo-se que a análise gramatical se inscreve como um doselementos necessários para a operacionalização e para oentendimento do discurso jurídico, justifica-se o seu estudo e, paraisso, alguns instrumentos técnicos são imprescindíveis para seexaminar as peculiaridades lingüísticas das informações transmitidaspelo discurso normativo.

5 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 347

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Vê-se, no entanto, que não são muitos os estudos sobre a linguagemque contemplam o exame das peculiaridades lingüísticas do discursojurídico. Em outras palavras, poucos são os estudos referentes aofenômeno da linguagem que dão ênfase à linguagem jurídica ouque são fundamentados em um trabalho multidisciplinar oucontextualizado com a área de interesse do operador do direito. Nessaperspectiva, pretende-se esboçar uma análise relacionada àconcordância nominal, que melhor se adapte às reais necessidadesdo operador do Direito.

Nesse sentido, recorreu-se à análise do uso efetivo da língua pormeio do texto normativo jurídico, com a intenção de possibilitar areflexão sobre o conceito relativo à concordância nominal. Acredita-se que um trabalho nesses moldes, sustentado em uma perspectivatextual contextualizada, que contempla a reflexão e a observação douso efetivo das regras da língua, possa levar o usuário da linguagem:a) a apreender melhor os critérios de utilização das regras deconcordância nominal; b) a testar a validade desses critérios; c) adecidir-se sobre o momento apropriado de aplicação das regras emdeterminado enunciado; d) a entender o porquê de sua aplicação; e)a desenvolver a sua capacidade comunicativa; f) a conquistar suaprática individual de análise crítica dos fatos da língua.

Faz-se importante salientar que fogem aos objetivos deste trabalhoconsiderações mais profundas sobre o processo de significação do textonormativo, que envolve os trâmites de uma análise mais detalhada dosentido desse discurso, feita a partir da reunião da semântica, dapragmática e da sintaxe. O foco de interesse é apenas demonstrar queefetivamente o texto normativo segue uma estrutura rígida em suaapresentação sintática, com sua peculiar construção imperativa, e queo conhecimento da sintaxe de concordância auxilia no entendimentoda conexão lógica, que interliga as idéias e coordena o pensamento.

2 Sintaxe de concordância

Neste estudo, de natureza qualitativa, a linguagem é situada comouma forma ou um processo de interação entre os indivíduos e reverencia-se o estudo da escrita e a descrição da língua destacando as contribuiçõesda lingüística de texto para tratar de fenômenos lingüísticos.

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Os enunciados da língua constituem unidades lingüísticas quepossuem uma estrutura. A noção de estruturação interna de umenunciado, objeto de estudo da sintaxe, deve ser entendida como osmodos possíveis de se combinar as palavras e as ordens possíveis emque essas palavras podem aparecer no interior de estruturasautorizadas pela língua. Se as combinações são reguladas pelasintaxe da língua, a junção de palavras não pode se dar de maneiraaleatória, sem critérios. A construção de enunciados deve ser feita nosentido de conformar-se à sintaxe da língua portuguesa.

Dentre os vários métodos à disposição, a língua portuguesa fazuso de um mecanismo de concordância verbal ou nominal paramarcar formalmente as relações de determinação ou dependênciamorfossintática existentes entre os constituintes dos sintagmas.

Neste estudo, como já posto, serão apenas considerados oscasos em que ocorre a manifestação da concordância nominal, aqual, conforme Bechara,6 é a que “se verifica em gênero e númeroentre o adjetivo e o pronome (adjetivo), o artigo, o numeral ou oparticípio (palavras determinantes) e o substantivo ou pronome(palavras determinados) a que se referem.”

Para bem entender o conceito de sintaxe de concordância, a análisedo trecho abaixo, que contém solecismo, isto é, erro contra a sintaxede concordância nominal, pode ser útil:

As interessante teorias que comprovam os meu argumento estãoincorporados a esta trabalho.

O trecho acima transcrito, embora não chegue a perder inteiramenteo sentido, possui um problema grave, já que proporciona umaimediata sensação de desordem formal. O problema que aí acontecerefere-se à não-obediência ao princípio de organizaçãomorfossintática a que se dá o nome de concordância nominal, a qualexige que os adjetivos e os artigos concordem em gênero e númerocom os substantivos que modificam.

Os elementos determinantes do enunciado, ou seja, os adjetivos(interessante, incorporados), os artigos (a, os, a), os pronomes adjetivos(meu, esta) deveriam estar flexionados em gênero (formas de

6 BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. p. 543

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masculino e feminino) e número (singular e plural), concordando comos elementos nucleares nominais a que se referem. No caso, aossubstantivos teorias (feminino, plural), argumentos (masculino, plural),trabalho (masculino, singular). Esses determinantes relacionam-se aessas palavras (núcleos dos sintagmas nominais) e, assim, devemconcordar em gênero e número com esses elementos determinados.

É importante ressaltar que essa construção, não regrada dosrecursos flexionais de que dispõe a nossa língua, foi criada para finsde exemplificação; contudo, é comum ser observada nas variedadessocialmente estigmatizadas, que possuem diferentes mecanismos deconcordância, e que apresentam, geralmente, a marcação de pluralapenas no primeiro elemento do sintagma nominal, o que ascaracteriza como uma forma mais econômica de empregar alinguagem. Já na variedade culta do Português, à qual é conferidoprestígio social, a idéia de plural leva a uma marcação redundante,que exige que o plural esteja primeiramente marcado no núcleo dosintagma nominal e que a ele concordem os demais elementos, comas marcas morfológicas correspondentes. No Português padrão, pois,o enunciado seria assim apresentado: “As interessantes teorias quecomprovam os meus argumentos estão incorporadas a este trabalho.”

3 A leitura do discurso normativo

Dentre os meandros das manifestações da linguagem jurídica,percebe-se que o texto normativo possui uma microssintaxe queprivilegia expressões que se coadunam ao estudo da concordâncianominal. Essa microssintaxe diz respeito à combinatória de unidadesno interior do enunciado, determinada por relações de concatenação.O uso de ferramentas específicas da gramática da língua portuguesa,consubstanciado em expressões do tipo “é proibida”, “é vedada”, “ficainstituída”, transmite de modo direto o grau de potestade do textonormativo. Ao perlustrar a estrutura interna dos artigos constitucionais,a língua padrão é observada – em consonância às variantes de registroda língua escrita-, em uma escala de alto grau de formalismo.

Bittar7, ao esboçar a análise e a enunciação do texto normativo, diz

7 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca..Op. cit., p.353

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que este, “(...) por sua forma imperativa e objetiva, além de técnica eprecisa, de exprimir comandos jurídicos, deve expressar com todasas letras o mandamento legislativo que visa a transmitir, sejapermitindo, seja obrigando, seja proibindo”.

Para atingir esse desiderato, alguns requisitos devem serobedecidos como a concisão, precisão, clareza e correção. Nesteúltimo, tem-se a fiel observância dos preceitos gramaticaisexplicitados pela norma culta. Em outras palavras, a correçãogramatical traduz-se na obediência à disciplina gramatical, comrespeito às normas lingüísticas. Essa correção pode ser observada nalinguagem do texto normativo e as equivocidades em manejar agramática da língua padrão podem ser evitadas a partir da práticada língua e da análise lingüística, vivenciando-a nos textos.

Além disso, a utilização da análise gramatical, como já posto,é um instrumento de apoio para a interpretação de artigosconstitucionais. Essa posição é defendida por Xavier8, quando diz que“um texto é mais facilmente apreensível a quem sabe penetrar-lhe,com segurança, os segredos da forma”.

Esse mesmo autor defende a tese de que uma das maneirasde o estudante de direito familiarizar-se com a linguagem do textolegal é a leitura atenta. Assevera Xavier, que essa, por sua vez, “nãose prende apenas ao conteúdo pragmático inerente à mensagem.”Para ele, a leitura atenta vai além disso, passando pelos meandrosda reflexão sobre a análise gramatical. Nessa reflexão, a leiturapassaria por um processo em que procurar-se-ia:

(...) verificar o porquê de um sinal de pontuação; meditar na razão de

uma forma de concordância nominal ou verbal; verificar o motivo da

colocação de um pronome; reparar na regência especial de um verbo;

observar o emprego de um termo técnico e sua respectiva grafia,

investigando-lhe o significado.

Do acima exposto, conclui-se que a análise sintática dos signos dalinguagem do direito auxilia a leitura eficaz, principalmente quandose tem por base determinado termo de uma norma jurídica, a qualsimplesmente se pode analisá-la, tendo por critério as regras da

8 XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no direito: linguagem forense. 15 ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1996. p. 143

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gramática. Observe-se, entretanto, que a atividade interpretativapressupõe, evidentemente, além de uma análise sintática, as análisessemântica e pragmática do texto normativo, visto que, ao pretender-se efetuar uma análise mais abrangente, tendo por interesse deinvestigação uma norma em relação à lei ou esta em função doordenamento, todos os critérios de análise devem ser levados emconsideração, já que constituem instrumentos imprescindíveis parasustentar a análise.

4 Normas de concordância nominal da variante culta

escrita do Português no texto normativo

A seguir, será apresentada a análise de algumas regras deconcordância nominal observadas em artigos extraídos da ConstituiçãoFederal - Coletânea de Legislação de Direito Ambiental (2004).

Quanto à metodologia adotada na escolha dos artigos para aanálise do fenômeno da concordância nominal, é importante deixarclaro que foi feita sem critérios especiais. A escolha dos enunciadosdeu-se apenas em função do interesse lingüístico, limitado ao objetodo estudo que ora propõe-se a pesquisar. Faz-se necessário esclarecer,também, que foram associados, de forma aleatória, os artigos emque os mecanismos de concordância permitiam confrontar os casosem que certas palavras da oração sofrem alterações para seacomodarem à palavra a que se referem.

No Português, são possíveis quatro motivações distintas a interferirna concordância nominal: a forma da palavra, o significado, aposição em que ela se encontra, o destaque que ela assume nocontexto. Essas motivações, quando convenientes, serão explicitadasno decorrer da análise.

Veja-se abaixo a análise proposta, observando as ocorrências deconcordância nominal destacadas nos exemplos:

Exemplo 1“As reuniões marcadas para essas datas serão transferidas para

o primeiro dia útil subseqüente, quando recaírem em sábados,domingos e feriados. (Art. 57, § 1º, CF)

Comentários: esse exemplo pode ser usado para ilustrar a regra

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geral de concordância nominal. O artigo as e o adjetivo marcadasestão no feminino plural porque estão associados ao substantivofeminino plural reuniões; o pronome possessivo anafórico essas estáno feminino plural porque está associado ao substantivo femininoplural datas (as datas foram apresentadas anteriormente, no art. 57);o adjetivo transferidas está no feminino plural porque está associadoa reuniões; o artigo o, o numeral primeiro, os adjetivos útil esubsequente estão no masculino singular porque estão associadosao substantivo masculino singular dia.

De acordo com a regra geral de concordância nominal, o adjetivoe as palavras adjetivas (artigo, numeral, pronome adjetivo) concordamem gênero e número com o substantivo a que se referem. Aconcordância, nesse caso, é motivada pela forma das palavras, istoé, termos determinantes concordam com o termo determinado sob oponto de vista da sua configuração morfológica, com sua formagramatical.

Exemplo 2“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão

dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidadedos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstasem lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (Art. 37, § 4º, CF)

Comentários: como se vê, o adjetivo previstas está se referindoaos substantivos forma e gradação e vem depois destes. Tem-se, então,um adjetivo qualificando mais de um substantivo. Esses substantivossão do mesmo gênero (feminino) e estão no singular. Nesse caso, oadjetivo deve ser flexionado no feminino plural, concordando com osdois substantivos.

Exemplo 3“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos

servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber,os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdênciasocial.” (Art. 40, § 12, CF)

Comentários: o adjetivo fixados está se referindo aos substantivosrequisitos e critérios e vem depois destes. Novamente, tem-se umadjetivo qualificando mais de um substantivo. Esses substantivos sãodo mesmo gênero (masculino) e estão no plural: os requisitos, os

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critérios. Nesse caso, como os dois substantivos são masculinos, oadjetivo deve ser flexionado no masculino plural, concordando comos dois substantivos, já que os modifica simultaneamente.

Exemplo 4“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, oudos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasilseja parte.” (Art. 5º, § 2º, CF)

Comentários: no exemplo acima, tem-se, mais uma vez, umadjetivo – expressos - qualificando dois substantivos. Esse adjetivoposposto, como se pode observar, foi flexionado no masculino plural.Por que isso ocorreu? É simples. A explicação é que os substantivos aque ele se refere são de gêneros diferentes: direitos (masculino),garantias (feminino). A concordância desse adjetivo, com a funçãode adjunto adnominal, efetuou-se de acordo com a seguinte regra: oadjetivo que se refere a mais de um substantivo de gênero ou númerodiferentes, quando posposto, poderá concordar no masculino plural,concordância esta mais aconselhada, segundo Cegalla9, ou com osubstantivo mais próximo. No exemplo, o adjetivo foi para o pluraldando prioridade ao masculino, pois houve mistura de gêneros.

Em relação à regra exposta acima, Bechara10 observa que, por umaquestão de eufonia (agrado auditivo), quando ocorre uma série depalavras determinadas de gêneros diferentes seguida de palavradeterminante no masculino plural, é preferível que a palavradeterminada masculina venha em último lugar. Assim, dentro destecritério, o enunciado seria mais eufônico com a seguinte construção:“As garantias e os direitos expressos nesta Constituição...”

Neste mesmo enunciado, percebe-se que os substantivos direitos egarantias são retomados mais adiante por meio do pronome outros,masculino plural, que foi usado em conformidade com a regra acima. Aleitura dessa passagem deve ser feita da seguinte maneira: “Os direitose garantias expressos nesta Constituição não excluem outros direitos egarantias decorrentes...”. Ocorreu, aí, uma elipse desses substantivos, ouseja, foi empregado um recurso da língua que nos permite omitir os

9 CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 35 ed. São Paulo: CompanhiaEditora Nacional, 1992. p. 36810 BECHARA, Evanildo.Op. cit. P.546

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termos referentes sem que haja prejuízo no entendimento do texto.Levando em conta o contexto, sabe-se que a elipse ocorrida refere-seaos substantivos antecedentes e que o termo outros, só pode estar sereferindo aos mesmos substantivos. Isso porque a interpretação dessapassagem não permite ambigüidade, pois os termos foram usados emconsonância com as regras de concordância nominal.

Exemplo 5“Pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias ao servidor

público.” (Lei 5.021/1966)Comentários: na regra explicitada anteriormente, verificou-se que

há uma variação, ou seja, o adjetivo posposto pode concordar como substantivo mais próximo. É o que se observa no enunciado acima.Embora os substantivos vencimentos e vantagens sejam de gênerosdiferentes, o adjetivo pecuniárias (referente a dinheiro) concordaapenas com o último substantivo feminino plural vantagens, aindaque se refira a ambos.

Exemplo 6“A organização político-administrativa da República Federativa do

Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (Art. 18, CF)

Comentários: a regra do plural dos adjetivos compostos diz que,quando formados por dois adjetivos, normalmente só o últimoelemento flexiona-se em número e gênero. No exemplo acima, tem-se um adjetivo composto, formado por dois adjetivos político-administrativa, referindo-se ao substantivo organização (feminino/singular); portanto, apenas o último adjetivo (administrativa) variapara concordar com essa palavra determinada. Se, no entanto, apalavra determinada estivesse no plural, teríamos a seguinteconstrução: “As organizações político-administrativas da...”.

Exemplo 7“Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional,

em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo da ética ambientaldas atividades profissionais a serem desenvolvidas.” (Art. 10, §3º, Lei9.795/1999- Educação Ambiental)

Comentário: os comentários feitos anteriormente são adequados

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ao exemplo acima, em que se observa o adjetivo composto técnico-profissional.

Exemplo 8“A Reserva da Biosfera é constituída por áreas de domínio público

ou privado.” (Art. 41, § 2º, Unidades de Conservação – SNUC – Lei9.985/2000)

Comentários: o adjetivo predicativo constituída concorda emgênero e número com o núcleo do sujeito simples A Reserva da Biosfera.

Obs.: predicativo do sujeito é o termo que exprime um atributo, umestado ou modo de ser do sujeito, ao qual se prende por um verbo deligação (ser, estar, parecer, etc.) no predicado nominal. Os verbos deligação funcionam como um elo entre o sujeito e o predicativo. Noexemplo, como se pode notar, a forma verbal é (verbo ser) liga opredicativo ao sujeito.

Exemplo 9“– homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;” (Art. 5º , I, CF)Comentários: de acordo com Cegalla11, a concordância do

adjetivo predicativo com o sujeito realiza-se consoante várias normas.Sendo o sujeito composto e constituído por substantivos de gênerosdiversos, o predicativo concordará no masculino plural, como noexemplo acima. Vale lembrar que o adjetivo igual, quanto ao gênero,é uniforme, isto é, tem a mesma forma em ambos os gêneros –masculino e feminino. Por isso, no exemplo dado, percebe-se a suaflexão apenas em número – plural, concordando com o sujeitocomposto homens e mulheres.

Exemplo 10“Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão

anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos eempregos públicos.” (Art. 39, § 6º, CF)

Comentários: de acordo com a regra de concordância nominal,quando um único substantivo vem qualificado por mais de umadjetivo, podem ser usadas duas construções:

11 CEGALLA, Domingos Paschoal. P. 370

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a) uma delas é colocar o substantivo no plural e não se repetir o artigoantes dos adjetivos, os quais devem permanecer no singular. Essa regrafoi usada no exemplo acima, já que o substantivo Poderes encontra-seno plural e os adjetivos Executivo, Legislativo e Judiciário não estão sendodeterminados por artigo, ficando, portanto, no singular.

b) outra maneira de se efetuar a concordância é deixar o substantivono singular e repetir o artigo antes de cada adjetivo, exceto antes doprimeiro. O mesmo enunciado, então, teria a seguinte construção:“O Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário ...”

Exemplo 11“- os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder

Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo PoderExecutivo.” (Art. 37, XII, CF)

Comentários: no exemplo acima, observa-se a repetição dosubstantivo Poder. No entanto, caso se optasse pela primeira regra,letra a, exposta anteriormente, essa construção seria: “Os vencimentosdos cargos dos Poderes Legislativo e Judiciário...”

Mais alguns exemplos: “A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de

ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão ocumprimento do disposto nos arts. 10 e 11 desta Lei.” (Art. 12, Lei9.795/1999- Educação Ambiental)

“Os programas de assistência técnica e financeira relativos a meioambiente e educação, em níveis federal, estadual e municipal,devem alocar recursos às ações de educação ambiental.” (Art. 19, Lei9.795/1999- Educação Ambiental)

Exemplo 12Veja-se o uso do termo salvo (preposição que significa exceto, com

exceção de, salvante) nas ocorrências abaixo:Salvo comprovada má-fé...Salvo negociação coletiva...Salvo os casos previstos...Salvo disposição constitucional em contrário, ...Salvo motivo de força maior...

12 BECHARA, Evanildo.Op. cit. P.553

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Comentários: conforme Bechara12, salvo – antigo particípio – passoua ter emprego equivalente à preposição e, portanto, deve aparecerinvariável. Entretanto, explica o autor que a consciência de seu antigovalor não foi de todo perdida, e muitos escritores ainda procedem àconcordância, empregando o termo com o valor de particípio (mododesusado) em construções do tipo: salvas exceções honrosas; salva ahipótese. De acordo com Bechara, a língua moderna dá preferência adizer “salvo exceções”, “salvo a hipótese”. Sendo assim, este termo,empregado como preposição nas ocorrências exemplificadas acima,segue a tendência moderna de concordância nominal.

Exemplo 13“- o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos

são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos (...)” (Art. 37, XV, CF)“(...), ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente

sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridadefísica, definidos em lei complementar.” (Art. 40, § 4º, CF)

“Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargosacumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção demais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previstoneste artigo.” (Art. 40, § 6º, CF)

Comentários: nos exemplos acima, os trechos sublinhadosretratam casos de particípios (formas nominais de verbos que podemdesempenhar comportamentos de nomes), os quais, como se podeobservar, devem concordar com os substantivos a que se referem.

Exemplo 14Observem-se os seguintes enunciados, construídos com expressões

do tipo é proibido, é necessário, etc.:“É proibida a importação dos Resíduos Perigosos – Classe I, em

todo o território nacional, sob qualquer forma e para qualquer fim.”(Art. 2º, Resolução CONAMA 23/1996)

“É proibido o lançamento de óleos e produtos oleosos na águasdeterminadas pelo órgão competente, em conformidade com as normasinternacionais.” (Art. 38, Pesca – Decreto-lei 221/1967)

“É proibido fundear embarcações, ou lançar detritos de qualquernatureza, sobre os bancos de moluscos demarcados.” (Art. 49, Pesca –Decreto-lei 221/1967)

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“É permitida a propaganda de medicamentos genéricos emcampanhas publicitárias patrocinadas pelo Ministério da Saúde e nosrecintos dos estabelecimentos autorizados a dispensá-los, comindicação do medicamento de referência.” (Art. 7º, § 4º, Tabagismo -Lei 9.294/1996)

“É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas depreservação permanente, para obtenção de água, desde que não exijaa supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longoprazo da vegetação nativa.” (Art. 4º, § 7º, Florestas – Lei 4.771/1965)

“É vedada a filiação ao regime geral da previdência social, naqualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regimepróprio de previdência.”(Art. 201, § 5º, CF)

“É garantido ao servidor público civil o direito à livre associaçãosindical; (Art. 37, VI, CF)

“É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critériosestabelecidos em lei.” (Art. 40, § 8º, CF)

“São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos osdireitos previstos nos incisos (...), bem como a sua integração àprevidência social.” (Art. 7º, Parágrafo único, CF)

“Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatóriaa avaliação especial de desempenho por comissão instituída paraessa finalidade.” (Art. 41, § 4º, CF)

Comentários: nos exemplos acima, observam-se as seguintesregras:

a) as expressões formadas pelo verbo ser mais um adjetivo,formando expressões do tipo: é proibido, é vedada, é garantido,é obrigatório etc., são invariáveis quando o substantivo a que sereferem tem sentido generalizado, ou seja, quando esse substantivonão é acompanhado de artigo, ou qualquer modificador. Dosexemplos arrolados acima, enquadra-se nesta regra apenas o Art.49, Pesca – Decreto-lei 221/1967;

b) se o substantivo for determinado por artigo, ou qualquermodificador, a expressão formada pelo verbo ser mais um adjetivodeve concordar com o substantivo. Retratam essa regra todos osdemais artigos, com exceção do 49.

Essas expressões - é proibido, é permitido, é vedado, etc.-, comopartes do discurso normativo, são formas imperativas que fazem

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transparecer, pela sua própria estrutura sintática, o sentido prescritivodo conteúdo expresso no texto normativo. São expressões formadaspelo verbo ser mais um adjetivo e que desenvolvem papel essencialna manifestação de sua prescritividade e do seu sentido coercitivo.Assim, é fundamental, em sua composição, que os elementoslingüísticos sejam utilizados de maneira correta para a visualizaçãoclara da prescritividade da sentença enunciada pelo texto normativo.Do ponto de vista lingüístico, então, a obediência às regras deconcordância nominal impera como um fator determinante nasestruturas sintáticas da textualidade normativa, conferindo ao texto osentido pretendido, qual seja, o de atuar sobre a realidade socialcomo comando de conduta, de forma a disciplinar o relacionamentoentre os sujeitos.

5 Considerações finais

Por meio da linguagem verbal, obtém-se conhecimento, expressam-se idéias, pensamentos, intenções, estabelecem-se relações interpessoais,influencia-se o outro, enfim, produzem-se discursos para a interação.

Em todas as áreas do saber, a obtenção do conhecimento passanecessariamente pela linguagem. Daí a importância de tomá-la comoexercício de reflexão. Ao lado do conhecimento teórico, científico,técnico, crítico, deve-se aliar também o conhecimento lingüístico e aconsciência aplicativa da linguagem.

Com vistas à abordagem que prioriza o aspecto funcional do textonormativo, julgou-se importante adentrar em sua estrutura interna(microssintaxe), tomando-a como ponto de partida auxiliar paracercear o sentido nele expresso. A análise lingüística ou gramaticalda superfície textual apresenta-se, assim, como um rico componentepara tornar a compreensão do texto uma realidade palpável.

Verificou-se que a concordância nominal é um mecanismo sintáticoque expressa a associação de elementos da frase e, sua utilizaçãocorreta, ao lado de outros fenômenos lingüísticos, é essencial do pontode vista daquele que escreve o texto, assim como daquele que o lê.

O conhecimento dos mecanismos da língua auxilia na expressãoadequada das idéias nos textos escritos que seguem as tendências

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da norma-padrão. Portanto, a observância dos princípios aquiesboçados, ainda que de forma restrita a apenas um mecanismo dalíngua, é de suma importância para legitimar a norma jurídica, dadaa confiabilidade de seus propósitos.

Posto isto, o domínio do português, mais precisamente da variantepadrão, é imperioso aos que procuram construir um texto balizadoem parâmetros que sustentam a boa linguagem, uma vez que o usoinadequado dos mecanismos da língua pode dificultar a compreensãodo texto, visto que este parecerá destituído de coesão, seqüencialidadee coerência aos olhos do leitor.

Ao aliar a teoria gramatical à prática da linguagem jurídicavislumbram-se resultados mais produtivos para se alcançar o domínioda variante padrão do português e, conseqüentemente, uma leituraprofícua do discurso jurídico.

6 Referências Bibliográficas

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Riode Janeiro: Lucerna, 2003.BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem jurídica. São Paulo:Saraiva, 2001.BRASIL. Constituição Federal, coletânea de legislação de direitoambiental. MEDAUAR, Odete. (Org.) 3 ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2004.CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da línguaportuguesa. 35 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1992.KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura.5 ed. Campinas, SP: Pontes, 1997.MEDEIROS, João Bosco. Redação cientifica: a pratica defichamentos, resumos, resenhas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2000.ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: asformas do discurso. 2 ed. Campinas: Pontes, 1987.XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no direito: linguagem forense.15 ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1996.

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OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS EA INTERPRETAÇÃO POLÍTICA

Adilson Josemar Puhl1

Resumo: O presente trabalho se propõe a abordar, resumidamente, afunção exercida pelo intérprete, principalmente considerando o seu papelperante o Estado e o jurisdicionado.

1 O Intérprete

1.1 Sujeito e Objeto da Interpretação

Este estudo tem por foco central a análise da interpretação e, paraque a ela se proceda, mister que se identifiquem sujeito e objeto daatividade interpretativa.

A Constituição, definida por Canotilho como o estatuto jurídico dofenômeno político, é obra que emerge do seio social, encarnado emsi o poder popular.2

Com efeito, o texto constitucional é o fruto da atuação do PoderConstituinte, quer o originário, que inaugura o ordenamento jurídico,quer o derivado, responsável por sua alteração. Isto porque asEmendas ao texto, após sua regular tramitação e aprovação, a ele seincorporam, sendo alçadas ao status de norma constitucional, semqualquer distinção quanto à sua origem.

Nessa medida, a fim e que se realize plenamente o princípiodemocrático, conciliando o sistema representativo com asmanifestações de uma vontade soberana, a composição dos órgãosque exercem o Poder Constituinte é heterogênea, devendo representardiversos setores da Nação.

Assim a Constituição encerra em seu bojo uma gama infindável deaspirações, consubstanciadas em normas e princípios, muitas vezes

1 Mestre em Direito Constitucional pela UnB/UNIGRAN. Professor das disciplinas de Introdução ao Estudo doDireito, História do Direito, Direito Civil I, Prática de Processo do Trabalho, Direito Internacional no Centro Universitárioda Grande Dourados – UNIGRAN. Advogado do Município de Dourados(MS).2 CANOTILHO. J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed.Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 126.

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despidas de conteúdo preciso e dotadas de vaguidade. Taiscaracterísticas propiciam maior atuação por parte daquelesincumbidos de respeitar, cumprir e aplicar a norma constitucional.

Destarte, a atividade interpretativa assume grande relevo, vez que possuio condão de investigar e concretizar os objetivos queridos pela norma.

Nesse sentido é o ensinamento trazido à lume por Celso RibeiroBastos,3 ao citar Carlos Maximiliano: “com as luzes da hermenêutica,o jurista explica a matéria, afasta as contradições aparentes, dissipa asobscuridades e faltas de precisão, põe em relevo todo o conteúdo dopreceito legal, deduz das disposições isoladas o princípio que lhes formaa base, e desse princípio as conseqüências que do mesmo decorrem”.

Nessa medida, a interpretação é tarefa indispensável à corretacompreensão da norma e do sistema que a envolve e, para que estatarefa seja desempenhada, necessária se faz a atuação do intérprete.

O intérprete é a figura exponencial da atividade interpretativa: eleé um mediador, que comunica aos demais o significado de coisas,fatos, acontecimentos, etc. é através dele que a norma se faz presentee concreta para os seus destinatários.

Todavia, o intérprete imprime à atividade interpretativa suaspróprias características e circunstâncias, analisando o objeto de suaatividade sob sua ótica particular, projetando sobre ele a compreensãode seu próprio mundo e sofrendo a influência de seus valores políticos,ideológicos, sociológicos etc.

Para Konrad Hesse, a interpretação constitucional é concretização,incorporando a realidade ao ordenamento jurídico, na busca dadeterminação do conteúdo implícito da Constituição. Assim, aconcretização pressupõe a compreensão desse conteúdo, que devevincular-se, por sua vez, à pré-compreensão desse conteúdo, que devevincular-se, por sua vez, à pré-compreensão do intérprete e aoproblema concreto a ser resolvido.4

São suas as seguintes idéias:

El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde um punto cuasi

arquimedico situado fuera de la existência histórica sino unicamente desde la

concreta situación histórica em la que se encuentra, cuya plasmación há

conformado sus hábitos mentales, condicionando sus conocimientos y us pre-

3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 97.4 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1996, p. 43.

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juicios. El intérprete compreende el contenido de la norma a partir de una

pre-compreensió que es la que va a permitirle contemplar la norma dese

ciertas expectativas, hacerse una idea del conjuntoy perfilar un primer proyecto

necesitado aún de comprobación, corréción y revisión através de un análisis

más profuno, hasta que, como resultado dela progresiva aproximacion a la

‘cosa’ por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido

queda clarametne fijada.5

Destarte, a atividade do intérprete é influenciada, segundo Hesse,por seus hábitos mentais, conhecimentos e juízos prévios acerca doobjeto a ser analisado – a função desses três elementos forma adenominada pré-compreensão que o intérprete carrega consigo.

Além desse fator, o interprete sofre influências de circunstânciasexternas a ele, pertencentes à realidade que o circunda e ao própriosistema a que pertence.

Nessa medida, a tarefa de “concretizar”, vale dizer, interpretar, serápermeada pela pré-compreensão, peculiar a cada intérprete, bemcomo pelas circunstâncias exógenas a ele.

1.2 Função do intérprete

Durante largo período, predominou o entendimento de que ain terpretação era uma at iv idade secundária, somente serevelando sua necessidade ante a obscuridade e imprecisão dalei. Aliás, tal posição é conseqüência direta do brocardo in clariscessat interpretatio, vale dizer ode a lei é clara não é precisointerpretar.

Assim, a atividade interpretativa estava ligada à insuficiênciado legislador, somente por essa circunstância emergindo. Aointérprete, pois, era cometida a função simplista de um auxiliardo legis lador, suprindo - lhes as fa las e aclarando - lhe asobscuridades.

Modernamente, porém, esta concepção está sendo abandonadae, em seu lugar, ganha espaço a idéia de que nenhuma lei dispensaa atuação do intérprete, ainda que aparentemente inequívoco seuconteúdo. É que, em qualquer caso, é preciso determinar o sentidoe alcance da norma.

5 Konrad HESSE, Escritos de Derecho Constitucional , p. 44.

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Se o texto é claro, a interpretação brota de maneira fácil eespontânea. Todavia, nas hipóteses de lacuna e obscuridade a tarefainterpretativa se torna mais árdua e por essa mesma razão, maisnecessária.

Assim, em todas as situações é indispensável a interpretação, nãocomo uma atividade secundária e complementar, mas como ma parteintegrante do próprio atuar da norma.

Com efeito, ao considerarmos o preceito normativo, isoladamente,detectamos um comando virtual, genérico e abstrato. Nessa medida,a norma não atua por si, necessitando do intérprete para serconcretizada e amoldada à realidade.

Destarte, a participação do intérprete assume vital importância naefetivação do direito.

1.3 Interpretação e democracia

Segundo a concepção Kelseniana:

Se por interpretação se entende a afixação, por via cognoscitiva, do sentido do

objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser

a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente,

o conhecimento das várias possibilidades que dentro dessa moldura existem.

Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a

uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias

soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar –

têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato

do órgão aplicador do Direito – no ato do Tribunal, especialmente.6

Nessa medida, ao escolher entre as possíveis soluções, o intérprete,aplicando a lei, pratica um ato de vontade que, como vimos, estásob a influência de circunstâncias internas e externas a ele.

Resta indagar: qual a amplitude da liberdade de escolha do intérprete?É cediço que o intérprete deve buscar no direito positivo os limites

de sua atuação e, ao mesmo tempo, dentro deles, exercer um ato devontade, consubstanciado na escolha a que procederá.

Assim, no ato interpretativo detectamos a presença de um elementoobjetivo – o ordenamento jurídico – e de um elemento subjetivo eintencional – a escolha feita pelo intérprete, que poderá sofrer influências

6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 366.

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advindas, por exemplo, do momento social vivido pela comunidade.Isto porque o jurista, como qualquer indivíduo, sente a pressão dos

anseios da coletividade a que pertence, que lhe penetram a alma enela criam raízes terminando por lançar seus efeitos na atividadeinterpretativa. Demais disso, os reflexos que se projetam advêm, aindada própria natureza da função por ele exercida, e não somente deinfluências pessoais.

Nessa ordem de idéias, é lícito afirmar que, àqueles elementostradicionais, se agrega um novo referencial: o elemento político.

Destarte, a extensão dos poderes do magistrado, revelando o graude amplitude da interpretação judicial, é fato que, embora embasadoem conhecimentos teóricos, está ligado ao regime político vigenteno Estado, em determinado período histórico.7

Assim, a moderna tendência aponta para a integração entre aciência jurídica e a ciência política, vez que a interpretação da leideve atender às exigências de justiça e utilidade social, reveladas,também, pelo elemento político, que, no mais das vezes, é o indicadorpreciso das novas necessidades sociais.8

Podemos concluir, pois, o julgador recebe forte influência daconcepção política adotada pelo Estado, o que não necessariamentelhe impõe um julgamento injusto ou fora da lei, pelo contráriopossibilita conciliar o modelo estatal político as normas vigentes noordenamento jurídico.

2 BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, Poder e Opressão.

3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1990.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16. ed.São Paulo: Saraiva, 1995.CANOTILHO. J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. Constituição da RepúblicaPortuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid:Centro de Estúdios Constitucionales, 1996.

7 AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, Poder e Opressão. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1990, p. 145.8 OLIVEIRA, Mara Regina de. Direito subjetivo e mudança social. In: DI GIORGI, Beatriz; CAMPILONGO, CelsoFernandes; PIOVESAN, Flávia (coords). Direito, Cidadania e Justiça: ensaios sobre lógica, interpretação,teoria, sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 252.

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A função social da terra e da propriedaderural e a justiça agrária.

Eliotério Fachin Dias1

Resumo O texto refere-se aos problemas políticos, sociais e jurídicosdecorrentes dos conflitos sociais no campo. Procura traçar algumasconsiderações sobre a função social da terra e da propriedade rural e ajustiça agrária, e ressaltar algumas causas e origens dos conflitos ocorridos,especialmente no Estado de Mato Grosso do Sul, durante as décadas de1980 e 1990.

Palavras-Chave: Função social da terra, função social dapropriedade rural, justiça agrária.

1 Introdução

O Mato Grosso do Sul, por suas características de um modeloconcentrador de terra e renda, como ressalta Lucia Helena Maria deAlmeida2, é recordista em concentração fundiária no país. Afirma aautora que Mato Grosso do Sul tem a ocupação de 75% de seuterritório por propriedades com área média de 4.522 ha,representando 9,2% do total dos imóveis no Estado. Enquanto isso,as menores propriedades ocupam 2,8% do território, com área médiaem torno de 30 ha e representam 54% do total de imóveis do Estado.Para a autora, “um dos meios que as oligarquias rurais sempre usarampara justificar tamanha desigualdade é a argumentação de que a“vocação do estado” é a exploração pecuária. O Estado possuiaproximadamente 22 milhões de cabeças de gado, e uma populaçãode 02 milhões de habitantes perfazendo mais ou menos 11 cabeçasde gado/habitante”.

Historicamente, o sistema de ocupação do espaço sul-mato-grossente sempre foi o latifundiário, sustentado pelas grandes

1 Advogado, professor universitário, aluno especial na disciplina: Campesinato e a luta pela terra no Brasil –Mestrado em Geografia – UFMS Campus de Dourados – MS.2 ALMEIDA, Lucia Helena Maria de. Rompendo as Cercas? A luta Pela Terra na Região Centro-Oestee Tocantins na década de 90. IFAS, p. 9

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propriedades rurais e pela atividade pecuarista. Evidentemente que,a partir da expansão das fronteiras agrícolas, com a transformaçãoda agricultura em um negócio rentável3, o Mato Grosso do Sul passoua ser conhecido na mídia como o quarto maior produtor de soja e odetentor do maior rebanho bovino do país4. Em decorrência disso,graves problemas sociais tem aflorado no Estado, especialmente oconflito agrário, como reflexo da luta contra o elevado nível deconcentração de renda, aliado à crescente concentração de terra.

O Mato Grosso do Sul, na lavra de Rosemeire Aparecida deAlmeida5, vêm sendo palco de inúmeras batalhas sociais deresistências, com o crescimento da luta no Estado, diante do embate‘terra de trabalho’ versus ‘terra de negócio’.

Explicando os conceitos de terra de trabalho e terra de negócio,José de Souza Martins, assim escreve:

Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra denegócio, em terra de exploração do trabalho alheio, quando o trabalhadorse apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimesdistintos de propriedade, em aberto conflito um com o outro. [...]. É o trabalhoque legitima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade.Esse direito está em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista(p. 55 e 56, grifo do autor)6.

Em outros termos, Paulo Torminn Borges já assinalava que a terraé “bem de produção e não bem de comércio7”, e que “talproprietário não n’a merece. É injusto que ele tenha a terra privandoos que querem trabalhá-la e não n’a tem. É por causa deste tipo dedistribuição fundiária que há tanta fome no mundo. E tantainsatisfação. E tanta revolta”.

Rosemeire Aparecida de Almeida e Eliane Tomiasi Paulino8, ao

3 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e Modernidade: O agronegócio e as transformações nocampo. CPT nacional – Goiânia 22/10/2003.4 ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Identidade, Distinção e Territorialização: O processo de(re)criação camponesa no MS. 2003. Tese (Doutorado). FCT, UNESP: Presidente Prudente. p. 116.5 ALMEIDA, R. A.. Op. Cit. p. 108-109.6 MARTINS, José de Souza. In ALMEIDA, Op. Cit. p. 86 e 323.7 BORGES, Paulo Torminn. Aula inaugural do Curso de Mestrado em Direito Agrário na Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Goiás, dia 21 de novembro de 1985, às 9 horas. In PAULA, Gil Cezar Costa de. Terra ePropriedade Rural: Caracterização de sua Função Social. Revista Goiana de Direito Agrário, Goiânia: UFG,1997, p. 101.8 ALMEIDA, Rosemeire Aparecida; PAULINO, Eliane Tomiasi. Fundamentos teóricos para o entendimento daquestão agrária: breves considerações. Geografia. Londrina, v. 9, n.2, p. 113-127, jul/dez. 2000, p. 120-121

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analisarem a questão agrária brasileira respaldam-se, entre outros,nas obras de José de Souza Martins, um referencial nos estudosagrários brasileiros, ressaltam que “o espaço do camponês passa aser um e o espaço do fazendeiro passa a ser outro”, e que “nessainterpretação da luta do posseiro seria anticapitalista, por tratar-sede uma tentativa de impedir que a terra-trabalho se transforme emterra-especulação/exploração do trabalho”.

Destacam, ainda, que Martins descarta a possibilidade da terraser capital pois ao não ser produto do trabalho, se apresenta comoum meio de produção sui generis. No entanto, “da mesma forma queo capital se apropria do trabalho, que também não é fruto do trabalho(não tem valor), ele consegue se apropriar da terra mediante opagamento de um tributo, a renda”.9

Como bem evidencia Antonio José de Mattos Neto10, o estudo sobrea questão agrária no Brasil sempre foi tema de interesse, tomandoforça e vigor a partir da década de 80, e isto ocorreu com a chamadamodernização ou industrialização da agricultura brasileira, resultandona transformação nas relações capitalistas no campo, onde, o colonotransfigurou-se em bóia-fria, agravando-se os conflitos entre posseiros,grileiros, proprietários, índios e quilombolas, etc.

É, nesse contexto, parafraseando Almeida e Paulino11, que sãolançadas as âncoras para a modernização da agricultura, ao mesmotempo em que crescem as fábricas de tratores, implementos,agrotóxicos, ávidas por consumidores, projetando para o campo aexploração empresarial – concentradora de terra e capital – emdetrimento de uma agricultura que poderia ser desenvolvida commaior fixação do homem no campo.

Pode-se aplicar ainda, nesse contexto, ao campo sul-mato-grossense, o que afirmam Almeida e Paulino:

No caso em foco, qualquer referência a modernização exige ressalvas, pois

o campo brasileiro (sul-mato-grossense – grifo nosso) é uma expressão

contundente de contradições: nele encontramos a moderna agroindústria

envolvida com cultivos altamente rentáveis, como a soja, a laranja e a cana-

de-acúcar, que nada tem de moderna quando se parte para análise das

relações de trabalho; temos [...] empresas do setor suíno e avícola,

9 ALMEIDA & PAULINO, Op. Cit. p. 12110 MATTOS NETO, Antonio José de. A questão agrária no Brasil: Aspecto sócio-jurídico. p. 1-211 ALMEIDA & PAULINO, Op. Cit. p. 124

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expandindo-se às custas da extração da renda e transferência dos custos e

riscos para os produtores familiares; abundam os especuladores, possuidores

de grande parte do patrimônio fundiário, mantido inculto ou sub-utilizado,

o qual gera uma imensa massa de excluídos do campo, ao negar-lhes inclusive

o direito básico de vender sua força de trabalho. Há também médios e

grandes proprietários, autodenominados produtores rurais, às voltas com

dificuldades ante um governo e mercado globalizado. Enfim, temos também

os pequenos proprietários, rendeiros, posseiros que, com o trabalho familiar

e a obstinação de preservar a autonomia, resistem a uma política creditícia

e de fomento altamente perversa.

A questão agrária brasileira, na concepção de Mattos Neto12,tem sido objeto de análise pelos intelectuais brasileiros, taiscomo Caio Prado Junior e outros; no entanto, afirma, estaquestão não tem sido objeto de análise do jurista, que não sepreocupou em estudar a matéria, daí havendo um vazio,propondo-se a seguinte questão: O que seria a questão agráriahoje, sob o enfoque sócio-jurídico?

Segundo o autor, no Brasil hodierno, a questão agrária, sob oaspecto jurídico, está centrada no direito de propriedade imobiliáriarural, vindo desde sua formação colonial, passando pela modificaçãoda estrutura agrária até chegar aos problemas ambientaisumbilicalmente a ele vinculados.13

2 O direito de propriedade e a função social da

terra e da propriedade rural

O direito de propriedade rural está consubstanciado naConstituição Federal de 1988, no art. 5º, caput, e incisos XXII eseguintes, e no Art. 184 e seguintes:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:

12 MATTOS NETO, Op. Cit. p. 1-213 MATTOS NETO, Op. Cit. p. 4

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XXII – é garantido o direito de propriedade;XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, parafins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindosua função social...Art. 185. ...Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial àpropriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dosrequisitos relativos a sua função social.Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedaderural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus deexigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:I – aproveitamento racional e adequado;II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservaçãodo meio ambiente;III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dostrabalhadores. (grifos nosso)

A função social da terra tem a inteligência impressa no art. 2º, §§1º e 2º, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto daTerra, que dispõe:

Art. 2º É assegurada a todos a oportunidade de acesso àpropriedade da terra, condicionada pela sua função social,na forma prevista nesta Lei.§ 1º A propriedade da terra desempenha integralmente a suafunção social quando, simultaneamente:a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nelalabutam, assim como de suas famílias;b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;c) assegura a conservação dos recursos naturais;d) observa as disposições que regulam as justas relações de trabalhoentre os que a possuem e a cultivam.§ 2º É dever do Poder Público:a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural àpropriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões

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onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais o aconselhem, emzonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentaçãodesta Lei;b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social,estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justaremuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento daprodutividade e ao bem-estar coletivo.

E, ainda, na Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispõesobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos àreforma agrária.

O direito de propriedade, na conceituação de Maria HelenaDiniz14, é o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro doslimites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreoou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamenteo detenha.

Dentre as espécies, a propriedade pode ser: (a) plena, quandotodos os seus elementos constitutivos se acham reunidos na pessoado proprietário, ou seja, quando seu titular pode usar, gozar edispor do bem de modo absoluto, exclusivo e perpétuo, bem comoreivindicá-lo de quem, injustamente o detenha; (b) restrita oulimitada, quando se desmembra um ou alguns de seus poderesque passa a ser de outrem, caso em que se constitui o direito realsobre coisa alheia (usufruto, anticrese, hipoteca etc.)

Bianca Maria da Conceição Abreu15 esclarecendo sobre a Funçãosocial da Poder Judiciário no conflito agrário, assim discorre sobre odireito de propriedade:

Esta concepção do direito de propriedade já se mostrava excludente einsuficiente para conter as desigualdades sociais produzidas pelo capitalismona Europa e aqui na América Latina. Principalmente, no que tange apropriedade da terra, a terra passa a ser considerada como um bem deprodução necessário à sustentação e vivência humana, não sendo maisconsiderada como um bem cumulativo de riqueza.

14 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4º Vol. Direito das Coisas. 17. ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 99-129.15 ABREU, Bianca Maria da Conceição. A função social do Poder Judiciário no conflito agrário. Jus Navigandi,Teresina, a. 7, n. 60, nov, 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3476> Acesso em: 12 mai. 2004, p. 4

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Há ainda, a necessidade de se distinguir função social dapropriedade da função social da terra, como evidencia GetulioTargino Lima:

Começa-se com a denominada função social da terra, por alguns equivocadamentedenominada função social da propriedade, em Direito Agrário, trocando ocontinente pelo conteúdo, pois a função social da propriedade é espécie, como osão também a função social da posse, a função social dos contratos etc.16

No entendimento de Maria Guadalupe Piragibe da Fonseca17,a função social da propriedade apresenta-se com um conceitoambíguo, sendo sua eficácia, no mínimo, questionável, emboraconstante nos textos legais, como nos planos nacionais dedesenvolvimento, nas sentenças judiciais, nos programas dereforma agrária – principalmente no tocante ao uso da terra rural,pois expressa um vago o suficiente para permitir critérios de açãopolítica variados.

Destaca, ainda, Fonseca18:

Retomar sob a ótica crítica o principio da função social da propriedade privadasupõe analisá-la no contexto do direito ocidental e, mais especificamente, nointerior do sistema jurídico brasileiro. É notável a função ideológica do princípio,quando se observa que as referências ao mesmo se acham, com mais freqüênciano discurso dos grandes proprietários, do que nas reivindicações dos sem-terra.Esse fato se reflete, por sua vez, no desajuste entre o nível técnico-jurídico e onível da realidade social. Quer dizer, entre as interpretações jurídicas do institutoda propriedade privada e as práticas sociais do trabalhador rural. Essadesarticulação entre leis, opções políticas e a realidade das relações agrárias sereflete nos constantes conflitos de terra.

No mesmo sentido, Hulda Silva Cedro Rocha19 ensina que “énecessário ressaltar que há uma possível ambigüidade no que tangea função social da propriedade agrária. O que não ocorre com afunção social da terra”.

16 LIMA, Getúlio Targino. A posse agrária sobre bem imóvel.17 FONSECA, M.G.P. da. Função social da propriedade e terra de trabalho. p. 26 In PAULA, Gil Cezar Costa. Terrae Propriedade Rural: Caracterização de sua Função Social. Revista Goiana de Direito Agrário, 1(1): 85-114,1997, p. 109-110.18 FONSECA, Op. Cit. p. 26.19 ROCHA, Hulda Silva Cedro. A concepção normativa do principio da função social da propriedade agrária noEstatuto da Terra. Revista Goiana de Direito Agrário, 1(1): 115-132, 1997, p. 125-126

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Acrescenta, ainda, a articulista:

Que a terra tem uma função social, parece não haver dúvidas, já que com oadvento do capitalismo, o mais importante é o uso produtivo da terra e nãosomente a sua posse. Mas quando esta terra se torna propriedade privada,como exigir o uso produtivo do imóvel a quem é seu proprietário? Eraimprescindível criar um mecanismo que mantenha a função social da terraquando a mesma se torna propriedade agrária, sem ferir os princípios dosdireitos individuais [...]

Na lavra de Gil Cezar Costa de Paula20, a função social dapropriedade é, na atualidade, uma bandeira de luta dos própriostrabalhadores rurais sem-terra e o mais importante fundamento paraa realização da reforma agrária no país.

Em sua opinião, a função social da terra não se confunde coma função social da propriedade rural, pois a terra é o ente maisabrangente e mais fundamental. Afirma que não é a propriedadeque desempenha uma função social, e sim a terra – o imóvelrural – que deve desempenhá-la, com todos os seus componentes,o solo, os prédios rústicos, as máquinas, os implementos,plantações e animais.

Essa função social se caracteriza pela realização simultâneados requisitos estabelecidos pelo Estatuto da Terra, quais sejam:(a) manter a produtividade; (b) assegurar a conservação dosrecursos naturais; (c) observar a legislação trabalhista atentandopara os direitos dos trabalhadores rurais; (d) garantir o progressoe o bem estar dos trabalhadores e dos proprietários.

No entender de Octavio de Mello Alvarenga21, a função socialda terra é a mais importante carta do jogo econômico deprodução primária, não é somente um fator da reforma agrária,mas superior a isto: uma institucionalização das determinantesbásicas da produção macroessencial (a produção da terra), dotrabalho, do capital e da natureza.

No entanto, no dizer de Márcia Maria Menendes Motta22:

20 PAULA, Gil Cezar Costa. Terra e Propriedade Rural: Caracterização de sua Função Social. Revista Goiana deDireito Agrário, 1(1): 85-114, 1997, p. 109-111.21 ALVARENGA, Octávio Mello. Política e Direito Agroambiental. Comentários à Nova Lei de ReformaAgrária (Lei nº 8.629, de 25 de Fevereiro de 1993). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8922 MOTTA, Márcia Maria Menendes. A grilagem como legado. p. 3

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O respeito à propriedade privada consagrado pela Carta Magna é, na maiorparte das vezes, o argumento definitivo na condenação das atitudes dos posseirose de todos aqueles que questionam a manutenção da estrutura fundiária vigente.É em nome daquele importante instrumento legal que as ações de capangas,contratados pelos fazendeiros, são legitimadas. Afinal, os posseiros ousamquestionar um principio constitucional, ainda que em nome de um outro principiotambém consagrado em lei: a já desbotada função social da propriedade. Assim,para além de uma possível validade da critica à concentração de terras em mãosde uma minoria, os pobres do campo não teriam razão, pois o que eles fazem –a ocupação de terras - fere as leis do país. Eles, os pequenos posseiros, seriam tãosomente invasores das terras de outrem.

3 Os conflitos agrários no Mato Grosso do Sul

Rosemeire Aparecida Almeida23 em sua tese de doutorado, relata que osprimeiros conflitos agrários no Mato Grosso do Sul deram-se, a partir do fimdos anos 1970 e início da década de 1980, relacionando-se com orompimento do contrato de arrendamento nas fazendas Entre Rios, ÁguaDoce e Jequitibá, no município de Naviraí, tendo como estopim o assassinatodo advogado dos arrendatários, em 1981. Esclarece, ainda, que a lutanesse período não era somente dos arrendatários para permanecerem naterra, pois já havia na região de Batayporã um movimento de reivindicaçãode terras para Reforma Agrária por parte dos trabalhadores rurais, e que aresposta dos latifundiários aos trabalhadores do campo, veio com oaprofundamento da violência e a expulsão dos arrendatários.

É, nesse contexto de expulsão e recusa de renovação dos contratosde arrendamento que se deu a primeira grande ocupação de terrasde Mato Grosso do Sul:

Aproximadamente 800 famílias, de uma forma espontânea e sem préviaorganização, entre os dias 04 e 13 de maio de 1981 ocupam a fazenda Baunilha,no município de Itaquiraí, de propriedade de Augusto Bulle. A fazenda estava emdemanda entre dois fazendeiros confinantes. Os lavradores na sua maioria bóias-frias que trabalhavam na região percebendo que a terra era devoluta e emquestão ocuparam, sem nenhuma organização, foram entrando e iniciando odesmatamento (CPT, 1993, p. 86)24.

23 ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Identidade, Distinção e Territorialização: O processo de(re)criação camponesa no MS. 2003. Tese (Doutorado). FCT, UNESP: Presidente Prudente. p. 115, 121.24 ALMEIDA, R. A. Op. Cit. p. 121.

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Relata a pesquisadora, que:

Os lavradores ficaram pouco tempo na área e, despejados pela polícia militar do

governo Pedro Pedrossian, acabaram por montar acampamento na beira da

estrada. Passado um ano de acampamento, isolados da sociedade. [...] as famílias

que resistiram foram sucessivamente transferidas de um lugar para outro, até

que, em setembro de 1983, parte delas é ‘convidada’ a ir para Braço Sul, em

Colíder, no Estado de Mato Grosso.25

Para a autora citada, é a partir desse quadro de violência e omissãodo poder público, que se tem início trabalho de base, com aorganização das ocupações de terras, organizados pela CPT esindicalistas, ocorrendo o nascimento do MST no Estado. Fairma queem 1982 ocorreu o encontro que marcou a criação da “ComissãoEstadual dos Sem-Terra”, realizado em Glória de Dourados. Dois anosdepois, em 1984, ocorre o encontro que estabeleceu as estratégiasde luta pela terra no Mato Grosso do Sul.

No mesmo sentido, Lucia Helena Maria de Almeida26 afirma que aluta pela terra na região sempre teve uma base forte no movimentosindical de trabalhadores rurais, através dos Sindicatos deTrabalhadores Rurais e suas Federações, e do Departamento deTrabalhadores Rurais da CUT do Mato Grosso do Sul.

Os conflitos agrários no Brasil que durante as décadas de 80 e 90mereceram destaque pela atuação do MST – Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra podem ser compreendidos atravésda história de ocupação territorial brasileira.27

Fundado oficialmente em 1984, o MST tem lutado por terra, pelareforma agrária e por justiça social, num país que possui um dosmaiores índices de concentração de terras e de renda do planeta.28

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra foram assassinadasno campo brasileiro, entre 1964 e 1992, nada indicando umatendência a sua redução, posto que entre 1991 e 1994, de um totalde 1.916 conflitos no campo, resultaram 199 assassinatos.29

25 ALMEIDA, R. A. Op. Cit. p. 121-122.26 ALMEIDA, Lucia Helena Maria de. Rompendo as Cercas?”A luta Pela Terra na Região Centro-Oestee Tocantins na década de 90". IFAS, p. 1527 ABREU. Op. Cit., p. 2.28 COLETTI. Claudinei. Ascensão e refluxo do MST e da luta pela terra na década neoliberal.Cemarx-IFCH-Unicamp. ([email protected]). USP – 2003, p. 329 MOTTA, Op. Cit. p. 2-3

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Segundo Almeida30, a luta pela terra no Mato Grosso do Sul édividida em quatro períodos:

a) o primeiro, de 1980 a 1985, que marcou o início da luta e representou a

conquista de seis assentamentos realizados pelo governo federal e estadual, que

atenderam aos ex-arrendatários do sul do estado, os posseiros em conflito com os

indícios kadiwéus, e os ilhéus e ribeirinhos desapossados pela construção da

Usina de Itaipu e Ilha Grande;

b) o segundo, de 1986 a 1990, que corresponde à implantação do PNRA (Plano

Nacional de Reforma Agrária), fase identificada pelo acesso à terra pelos

trabalhadores rurais sem-terras sul-mato-grossenses, e pelos brasiguaios;

c) o terceiro período, de 1991 a 1995, considerado o mais trágico, na concepção

da pesquisadora, pela forma de repressão e intimidação praticada pelo governo

estadual, contra os trabalhadores rurais. O Mato Grosso do Sul foi disparadamente

o Estado da federação que teve o maior número de trabalhadores rurais presos,

foram 74 homens e mulheres presos no período de 1991-1992 e mais 18

trabalhadores rurais com mandado judicial de prisão preventiva;

c) o quarto, de 1996 a 2000, que representou a retomada da luta pela terra e a

conquista dos assentamentos, sendo criados 67 projetos, totalizando 97

assentamentos no Mato Grosso do Sul, com 13.921 famílias assentadas e

382.656,5100 hectares desapropriados, e 109 assentamentos.

Esses períodos foram marcados pela violência no campo, na lutapela terra e na terra. Segundo a Revista Conflitos no Campo Brasil199431, da Secretaria Nacional da CPT – Comissão Pastoral da Terra,ocorreram, em Mato Grosso do Sul, somente em 1994, 22 conflitos,com 01 tentativa de assassinato e 01 agressão com lesões corporais;2.177 vítimas de despejo judicial, 107 vítimas de ameaça de despejo,760 vítimas de ameaças de expulsão, 149 vítimas de destruição decasa, 88 vítimas de destruição de roças, 319 vítimas de destruição depertences e 128 roubos.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira32, em sua fala, em reunião da CPTnacional em Goiânia, em 22 de outubro de 2003, traçando umparalelo entre a barbárie e a modernidade: O agronegócio e astransformações no campo, afirma que:

A luta e a própria reforma agrária vão para o banco dos réus. Os camponeses

30 ALMEIDA, R. A. Op. Cit. p. 130-138.31 Conflitos no Campo Brasil 1994. Brasília: Secretaria Nacional da CPT, p. 40-4432 ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA. Barbárie e modernidade: O agronegócio e as transformações nocampo. Texto para discussão em reunião da CPT nacional - Goiânia: 22/10/200333 ABREU, Op. Cit. p. 2.

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processados e condenados. Instaura-se em nome do rigor do cumprimento da lei,

a velha alternativa de tornar os presos políticos em réus comuns. (...) Por isso,

“por defender a implantação da reforma agrária no Brasil, 17 trabalhadores

rurais ligados aos MST estão detidos em todo país. Em uma manobra para intimidar

o Movimento, instâncias judiciais emitem mandados de prisão e abusam do seu

poder. A detenção de cada um desses trabalhadores representa a prisão de todos

os sem terra do Brasil, tratados como fora-da-lei por lutarem contra o latifúndio

e pela terra. (...) No Mato Grosso do Sul, Carlos Aparecido Ferrari e Antonino

Alves Lima, o Toninho Borborema, estão presos desde 26 de agosto, na cidade de

Dourados, em um presídio de segurança máxima. Os mandados de prisão

decretados desde dezembro de 2.000, quando o então juiz Eduardo Magrinelli

Júnior decretou também a prisão de outros 19 trabalhadores rurais”.

Cabe ressaltar aqui, o que afirma Bianca Maria da ConceiçãoAbreu33, em seu artigo ‘A Função social do Poder Judiciário no conflitoagrário’, que os resultados obtidos até o momento indicam que oPoder Judiciário vem de uma maneira geral, mostrando-se poucohábil na resolução dos conflitos agrários e que é conduzido a intervirna medida que as decisões apresentam, como forma de resolução, alógica da dogmática positivista. Contudo, as decisões que se propõema solucionar de fato o conflito social “vêm buscando meios alternativosde composição do conflito, invocando o pluralismo jurídico, os DireitosHumanos, além, da Carta Constitucional nacional”.

4 A Justiça Agrária

Octávio Mello Alvarenga34, como forma de agilizar a solução doslitígios agrários, defende a criação da Justiça Agrária especializadaque solucione com rapidez os conflitos e pendências tipicamente rurais,escreve que a mesma é decorrência natural do Estatuto da Terra, edestaca a afirmação de Caio Mário da Silva Pereira, um dos maisbrilhantes civilistas brasileiros:

“Depois de anunciar que a todos é assegurada a oportunidade de acesso à

propriedade da terra, acentua-se com maior ênfase a sua função social e o seu

condicionamento ao bem-estar coletivo. Reconhecendo que existem atualmente

em vigor certas técnicas de aproveitamento contrárias a uma sã política agrária,

34 ALVARENGA, Octávio Mello. Política e Direito Agroambiental. Comentários à Nova Lei de ReformaAgrária (Lei nº 8.629, de 25 de Fevereiro de 1993) 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 299

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promete o novo Estatuto que o Poder Público promoverá a gradativa extinção dasformas de ocupação e de exploração da terra que sejam contrárias à sua funçãosocial. É evidente que não bastará proporcionar meios técnicos mais avançados,pois estes, aumentando a rentabilidade e conseqüente melhoria econômica,mais acentuarão as diferenças existentes. Admitindo-o, o Estatuto proclama aReforma Agrária, o estabelecimento de um sistema de relações entre o homem,a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, oprogresso e o bem-estar do trabalhador rural, e o desenvolvimento do País, coma gradual extinção do minifúndio e do latifúndio (art. 16), o primeiro incapaz deproporcionar produtividade hábil a assegurar independência econômica aoagricultor, e o segundo gerando as extensões inaproveitadas e, em conseqüência,economicamente desvaliosas. Não esquece o Estatuto a conveniência de umaredistribuição imobiliária, atentando em que o sistema em vigor criou asdesigualdades, as explorações e a condenação de muitas terras ao abandono.Não descurando os planos assistenciais, técnicos e financeiros, omitiu, entretanto,o Estatuto um aspecto importante: a instituição de um aparelho judiciário adequado.Com efeito, não basta lanças as bases de uma nova política agrária, nem formularconceitos novos de relações humanas. Entregue à justiça ordinária o desate decontrovérsias, faltará o dinamismo indispensável a que se lhe imprima rapidez eobjetividade. De nada valeria toda uma legislação avançada, se não houvesse oBrasil criado uma Justiça do Trabalho, que a aplicasse. Não é questão pessoal,pois que das mesmas Faculdades saem os que vão integrar a justiça comum e ajustiça trabalhista.

No mesmo sentido, questiona: “Por que não se criou, até hoje, essaJustiça Agrária? A estrutura da Justiça Brasileira poderá atender aosencargos de prestação jurisdicional ao homem do campo?” Ante estaindagação, responde: “é evidente que não se criou a Justiça Agráriaante razões de ordem econômica, casada indissoluvelmente com aresistência das classes dominantes, ainda não sensíveis à situação dohomem do campo”. E, em correspondência endereçada ao então Ministroda Justiça Oscar Dias Correa, em 24 de janeiro de 1989, ressalta que:

Estamos com a indústria da morte institucionalizada no Brasil. Ela se alimenta daganância, se remunicia com a balbúrdia e se consagra com a demagogia e aimpunidade, pois cada vez mais se enraíza na consciência da sociedade brasileiraque a lei não foi feita para ser cumprida e que todo inquérito, precursores daprocessualística judicial, iniciando-se com a dor das tragédias, terminará emópera bufa. Vale tudo, porque ninguém será punido.35

Como brilhantemente observa Bianca Maria Conceição de Abreu, no

35 ALVARENGA, Op. Cit. p. 312

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que tange, ao conflito agrário, o tratamento dado ao MST pelo PoderJudiciário é, em inúmeras situações o de analisar os conflitos dando-lhesum caráter individual e singular, sem reconhecer o sujeito coletivoseparando-o das condições históricas, sociais, políticas e econômicasque os germinam, criminalizando as ocupações e prendendo aslideranças, o que coloca, em questão: se o MST é vítima ou o criminoso?

E, continua, a articulista:

Devemos, inicialmente, considerar que o trabalhador rural age movido peloestado de necessidade, ou mesmo por convicção social e política, não possui aintenção, o ânimo, de praticar crime, salientando que o comando jurídico não oalcança, é um marginalizado, no sentido literal da palavra não por vontadeprópria. Ao contrário daqueles indivíduos considerados criminosos comuns, quepor sua vez, reconhecem o comando jurídico violado. Devemos considerarigualmente, as condições históricas da ocupação territorial brasileira e asconseqüências sociais por ela gerada e considerar também o direito à vida epreceito jurídico da função social da propriedade.36

Segundo a autora citada, nos litígios referentes ao direito depropriedade envolvendo a posse coletiva da terra tendo como póloda relação o proprietário da terra e o MST, constatam-se dois caminhosempregados pelos magistrados para resolução do litígio, optar:

1º) pela corrente do direito civil, de base legalista, que entende o direito depropriedade como direito real por excelência, fundamentando-seexclusivamente no título de propriedade, aplicando ao caso o Código Civile o Código de Processo Civil;2º) pela corrente constitucionalista, de base humanista, que entende que o direitode propriedade é passível de tutela jurídica, a partir do momento em que o deversocial da propriedade é respeitado pelo proprietário, aplicando os artigos 5º daLICCB, o art. 25ª da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 5º, inciso XIII,art. 182, 184 e 186 todos da CF/88.

Parafraseando Bianca Maria da Conceição Abreu, concluímosque a decisão sobre o direito de propriedade deve inclinar-sepela segunda alternativa, impondo ao proprietário o dever socialde dispor da sua propriedade de modo a assegurar a garantiada subsistência humana, garantindo as condições mínimas eadequadas de vida à toda a comunidade, pois o direito à vida

36 ABREU, Op. Cit. p. 9

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sobrepõe-se ao direito de propriedade; e caso a função socialnão seja respeitada, esta é passível de desapropriação.

5 Referências

ABREU, Bianca Maria da Conceição. A função social do PoderJudiciário no conflito agrário. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60,nov, 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3476> Acesso em: 12 mai. 2004.ALMEIDA, Lucia Helena Maria de. Rompendo as Cercas? A lutaPela Terra na Região Centro-Oeste e Tocantins na década de 90. IFAS.ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. Identidade, Distinção eTerritorialização: O processo de (re)criação camponesa no MS. Tese(Doutorado). Presidente Prudente: FCT, UNESP, 2003.ALMEIDA, Rosemeire Aparecida; PAULINO, Eliane Tomiasi. Fundamentosteóricos para o entendimento da questão agrária: Breves considerações.Geografia. Londrina, v. 9, n.2, p. 113-127, jul/dez. 2000.ALVARENGA, Octávio Mello. Política e Direito Agroambiental.Comentários à Nova Lei de Reforma Agrária (Lei nº 8.629, de 25 deFevereiro de 1993) 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.BORGES, Paulo Torminn. Aula inaugural do Curso de Mestradoem Direito Agrário na Faculdade de Direito da UniversidadeFederal de Goiás, dia 21 de novembro de 1985, às 9 horas.COLETTI. Claudinei. Ascensão e refluxo do MST e da luta pelaterra na década neoliberal. Cemarx-IFCH-Unicamp.([email protected]). USP – 2003.DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4º Vol.Direito das Coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.FONSECA, M.G.P. da. Função social da propriedade e terra detrabalho. In PAULA, Gil Cezar Costa. Terra e Propriedade Rural:Caracterização de sua Função Social. Revista Goiana de DireitoAgrário, 1(1): 85-114, 1997.MATTOS NETO, Antonio José de. A questão agrária no Brasil:Aspecto sócio-jurídico. Disponível na Internet. Acesso em: 06 jul. 2004.MOTTA, Márcia Maria Menendes. A grilagem como legado.Disponível na Internet. Acesso em: 06 jul. 2004.OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e Modernidade: O

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A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DOFIADOR NA EXECUÇÃO FUNDADA EM

CONTRATO DE LOCAÇÃO E OS PRINCÍPIOSCONSTITUCIONAIS

Jeferson A. Baqueti1

Resumo: O intuito do trabalho é realçar a afronta do art. 82 da Lei nº8245/91 à Constituição da República, posto que os operadores do Direitonão podem permanecer inertes quando o que está em risco é a supremavigência da Carta Constitucional. Assim, buscou-se analisar o contexto doinstituto da fiança nos contratos de locação, seara em que surgem osmaiores problemas, dentre os quais o tema aqui proposto, ou seja, apenhorabilidade do bem imóvel residencial do fiador na execução fundadaem contrato de locação, quando único, em confronto com princípiosconstitucionais.

1 Introdução

Com o advento da Constituição Federal de 1988, forampropaladas, pelos Legisladores e por grande parte da Doutrina,opiniões de que a Carta Magna promulgada era a mais cidadã detodas as já existentes no Brasil, inclusive alguns iam além, ao dizerque nenhum Estado possuía uma Constituição tão voltada aos anseiosde uma sociedade.

Passados quinze anos, surgem críticas a alguns desses princípiosconstitucionais e, dessarte, (contrapondo essa visão, posto que setornam constantes os ataques a nossa Constituição) este trabalho tempor escopo abordar alguns dispositivos que, embora tidos comoPrincípios Fundamentais, ficam desprovidos dessa força normativaquando o Judiciário deixa de observá-los em face de uma LeiOrdinária, em todos os sentidos, como a denominada “Lei doInquilinato” (Lei nº 8245/91) que afronta, ao nosso ver, os Princípiosda Igualdade, da Dignidade da Pessoa Humana, da

1 O autor é advogado, pós-graduando em Direito Constitucional pela Unigran e professor de Direito Civil e DireitoProcessual do Trabalho naquela Instituição

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Proporcionalidade, assim como o art. 6º da Constituição Federal,que eleva a moradia a um Direito Social, redação dada pela EmendaConstitucional nº 26/2000.

2 A Moradia: Direito Social

É destacada a importância da Moradia ao cidadão e à suadignidade. Tanto isto é verdade que o legislador pátrio elevou-a àordem constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 26, de2000, que alterou o art. 6º da Constituição de 1988 e que passou aviger com a seguinte redação:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

Necessária essa transcrição do texto constitucional pelo fatode que a alteração trazida pela referida Emenda somente acrescentouo instituto da moradia, ou seja, a conclusão a que se quer chegar éque, dentro do processo legislativo, a emenda à Constituição figurano grau mais elevado no tocante à elaboração, discussão, votaçãoe, o principal, que é a relevância do tema a ser alterado pelo poderconstituinte derivado.

Para dar relevo à importância desse Poder, ilustra-se osargumentos com o auxílio do eminente Professor José Afonso da Silva2

que, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, preleciona sobre opoder reformador:

Poder de reforma constitucional ou, na sua terminologia, poder constituinte de

revisão é aquele poder, inerente à Constituição rígida que se destina a modificar

essa Constituição segundo o que a mesma estabelece. Na verdade, o Poder

Constituinte de revisão visa, em última análise, permitir a mudança da

Constituição, adaptação da Constituição a novas necessidades, a novos impulsos,

a novas forças, sem que para tanto seja preciso recorrer ao Poder Constituinte

originário. (grifo nosso).

Dessa sorte, pela mobilização do Legislador Constituinte, imperiosa

2 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 65.

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é a conclusão de que o instituto da moradia, ora considerado matériade ordem constitucional, deve ser protegido dessa norma agressoraa diversos princípios constitucionais como abaixo será apresentadoe, agora, a esse direito social descrito no art. 6º, da ConstituiçãoFederal de 1988.

Felizmente, observa-se a mudança de postura dos magistradosque retiraram o positivismo da mesa e voltaram os olhos ao ideal dejustiça e à dignidade da pessoa humana. É o que se observa do arestoinfracolacionado:

Processual civil – civil – constitucional – ação de execução – penhora – fiador –

desconstituição da constrição judicial dos bens – impenhorabilidade do bem de

família – exceção prevista no art. 3º, VII, da lei 8.009/90, acrescido pelo art. 82

da lei nº 8.245/91 – norma não recepcionada pela emenda constitucional nº 26/

2000 – elevação da moradia como direito social – agravo improvido – maioria.

A nova ordem constitucional, emanada pela Emenda nº 26/2000, merece a

reflexão dada pelo o il. Magistrado ‘a quo’, ao considerar como não recepcionados

os preceitos infraconstitucionais que cuidam sobre a exclusão do benefício da

impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador e dos bens que guarnecem a

casa. Com efeito, ao alçar a moradia a direito social do cidadão, considerou o

legislador constituinte as atuais condições de moradia de milhões de brasileiros,

que vivem em situação deprimente e que configura verdadeira ‘chaga social’

para grande parte das metrópoles do País3.

Como se depreende do acórdão, o Julgador considerou aexceção de impenhorabilidade do bem de família do fiador, trazidapelo art. 82 da Lei nº 8.245/91, como não recepcionada pela EC nº26/2000, posto que a realidade jurídico-social vivida em nosso Paísnão deve sucumbir a interesses patrimoniais considerados isoladamente.

3 Do Bem de Família e a Família

O escopo do legislador com a edição da Lei nº 8009/90, foi o dedar proteção ao bem imóvel da entidade familiar, assim como aosbens móveis que a guarneçam.

Rainer Czajkowski assenta em sua obra4, específica a esse respeito,

3 Agravo de Instrumento 2000.002.003053-2 – Relator Lecir Manoel da Luz. Quarta Turma Cível do Tribunal deJustiça do Distrito Federal. Julgamento: 13 de novembro de 2000.3 CZAJKOWSKI, Rainer. A impenhorabilidade do Bem de Família. 3. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 1998. p. 18.4 CZAJKOWSKI, Rainer. op. cit. p. 18.

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quais os objetivos da proteção legal ao Bem de Família:

Tal proteção é fundada, quase sempre, em razões de ordem sociológica e moral,

garantindo às famílias daqueles em dificuldades econômicas para saldar as suas

dívidas, condições mínimas de sobrevivência digna, como também a salutar

continuidade do exercício profissional.

Atesta-se, com essa passagem, que a Lei protetora do bem defamília vai além da visão simplista da persecução do créditoinadimplido. Ela alcança outros princípios norteadores da ordemjurídica, como o da Dignidade da Pessoa Humana.

Para completar o seu raciocínio quanto à imperiosa necessidadede proteção, em verdade, da instituição “Família”, o autor citadoacrescenta:

Procura-se evitar que o credor, usando da lei e da estrutura judiciária para a

satisfação de um crédito – um direito de simples expressão pecuniária – chegue

ao extremo ético de condenar o devedor com sua família à fome, ao desabrigo

e à miséria. 4

Ainda nesse enfoque, faz-se importante tecer algumas linhas emrelação ao destinatário da proteção legal, qual seja, o núcleo familiar.E, para isso, necessária se faz a colação do art. 226 da ConstituiçãoFederal, que assim prescreve:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§1º (“omissis”)

§2º (“omissis”)

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável

entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar

sua conversão em casamento.

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes.

Como se observa a Constituição prevê no “caput” do artigo emcomento “A família, base da sociedade, tem especial proteção doEstado” e, observa, ainda, em seus parágrafos, quais os conjuntos

4 CZAJKOWSKI, Rainer. op. cit. p. 18.

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familiares que se equiparam ao casamento e lhes estende a proteção.Se em algum momento a família deixasse de existir, a sociedade

passaria por uma grave crise existencial, pois nenhuma outra instituiçãoseria capaz de substituí-la como escola de virtudes sociais. Por isso éque se diz também, com muito acerto, que “a família é o berço dacivilização de um povo”. Mas, para que se possa exercer a sua função,o instituto familiar precisa ter como sede a moradia que servirá deabrigo – o amor recíproco de seus membros como pedras angulares –à assistência, à estabilidade e à harmonia, assim como, à segurança.

Essa proteção, prevista na Magna Carta, deu ensejo à criação daLei 8.009/90, pois o Estado por meio do Poder Legislativo editouessa norma dando efetividade à proteção retrocitada. Mas, a mesmamão que deu agora retira, com a Lei 8.245/91, a importante proteçãoà família. Destaca-se que o processo legislativo se desenvolve emmeio a um grande número de interesses, que em muitas vezes sãointeresses privados. E, sob o argumento de que havia a necessidadede incentivar e proteger a locação e o mercado imobiliário, a Lei doInquilinato inseriu a exceção à impenhorabilidade do bem de famílianas execuções fundadas em contrato de locação.

Não se pode perder de vista a previsão constitucional da ProteçãoEspecial do Estado à Família, disposta no artigo 226, posto que osMagistrados, investidos do Poder Jurisdicional de dizer o direitodevem, por meio de sua primordial função, aplicar de formasistemática o ordenamento pátrio e, principalmente, à luz daConstituição da República Federativa do Brasil.

4 Do Contrato de Locação

Visando à maior segurança na satisfação dos créditos resultantesdos Contratos de Locação, as Administradoras de imóveis e, emnúmero bem menor os locadores pessoa física, têm, a cada dia,“aperfeiçoado” os seus contratos locatícios.

Utilizando-se das várias alterações de dispositivos legais e vigentesem nosso país, como essa em comento, engendram instrumentos que,na maioria das vezes, fogem à boa-fé nos negócios jurídicos, que oraencontra-se expressa em nosso ordenamento jurídico com a entradaem vigor do novo Código Civil no dia 10 de janeiro de 2003.

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O artigo 82 da Lei nº 8.245/91 possui grande potencial ofensivo aoprincípio da boa-fé nos negócios, posto que, serviu como umaverdadeira armadilha para os fiadores, que desavisados renunciamao benefício de ordem previsto no artigo 827 do Código Civil.5

Sabe-se que os contratos de locação são efetivos contratos poradesão, ou seja, com termos já impressos, padronizados, onde ofiador assina, abre mão do benefício de ordem (renuncia), assume aobrigação de forma solidária e não tem expressa a advertência deque o seu imóvel residencial está sujeito à garantia de dívida queeventualmente ocorra por inadimplemento do afiançado. E, por nãolhe ser oportunizada a ciência dessas conseqüências, o fiador fica emposição desvantajosa no contrato acessório (fiança) ao de locação,pois será chamado a responder a execução sem poder opor aimpenhorabilidade de seu único bem imóvel, mesmo que secaracterize como bem de família preenchendo os pressupostos legais(art. 1º, da Lei 8.009/90).

Os locadores e as imobiliárias, em caso de inadimplemento, sequerdemandam contra o locatário, pois sabem que aquele garantidor (ofiador), mesmo possuindo um único imóvel, suficiente para suportara execução, não estará protegido pela norma que garante aimpenhorabilidade do bem de família, enquanto que o locatáriopoderá, em sendo demandado, alegar essa impenhorabilidade.

Exemplo dessa “armadilha”, e o direcionamento dado ao contratode locação para responsabilizar o fiador, está na obra da ProfessoraMaria Helena Diniz6, que com maestria comenta a Lei do Inquilinato,porém, deixa transparecer essa armadilha em que se tornou odispositivo em debate, vejamos:

Se o inquilino não cumprir seus deveres locatícios, abrir-se-á execução contra

o seu fiador, e o imóvel onde este reside não estará coberto pela

garantia legal de insuscetibilidade de penhora. O locador, que veio a

optar pela caução fidejussória, terá, conseqüentemente, maior garantia do

adimplemento das obrigações locatícias. (grifo nosso).

Como se observa no comentário da ilustre professora, não se cogita

5 Art. 827: “O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito de exigir, até a contestação da lide, quesejam primeiro executados os bens do devedor”.6 DINIZ, Maira Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. Lei n. 8.245, de 18-10-1991. 4ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 335.

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a possibilidade de executar o locatário; vislumbra-se, de imediato, aconstrição judicial do bem de família do fiador, para com isso,alcançar-se o adimplemento das obrigações locatícias.

Como se vê o raciocínio lógico leva a essa conclusão, qual seja, oart. 82 da Lei nº 8.245/91 veio para satisfazer os anseios de umadeterminada classe, a dos administradores de imóveis e aquelesparticulares que se tornaram locadores e, como a seguir sedemonstrará, não se submetem ao Código de Defesa do Consumidor,campo no qual restaria mais bem protegido o locatário e fiador.

O que na verdade se depreende de um contrato de locação ao seanalisar pormenorizadamente as suas cláusulas anteriormentecomentadas (renúncia ao benefício de ordem e aceite dasolidariedade), é que se trata de um contrato que tem por objetivoprecípuo a responsabilização patrimonial do fiador e não a dolocatário, que poderá em um procedimento executório argüir aimpenhorabilidade do imóvel onde reside com a sua família,enquanto que aquele que por sua vez buscou somente viabilizar ocontrato de locação de um imóvel, mesmo sabendo que dele não iráusufruir, prestou fiança e não poderá valer-se da Lei nº 8.009/90 paraproteger o seu abrigo e de sua família.

Por fim, cabe nesse momento um convite ao leitor, principalmenteàquele que nunca tateou uma demanda fundada em contrato de locação,para que procure ter acesso a uma e verá o quanto se abusa dos contratosde adesão. O mais grave é que a jurisprudência e a doutrina têmentendido que, por se tratar de legislação especial, o contrato de locaçãonão pode sofrer ataque do Código de Defesa do Consumidor, que comcerteza estaria nulificando várias cláusulas abusivas.

É o que preleciona Fábio Ulhoa Coelho7 ao discorrer sobre o tema:

Para submeter-se o contrato de locação à legislação consumerista, é necessário

que o locador seja determinado como fornecedor, ou seja, exerça a atividade

econômica de oferecimento ao mercado de imóveis para a locação. O proprietário

de um ou mais imóveis que os loca com o intuito de usufruir renda, mas sem fazer

disso uma atividade, não é fornecedor, e, conseqüentemente, a locação é civil ou

comercial, regendo o vínculo contratual exclusivamente a Lei n. 8.245/91.

7 COELHO, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 172.

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Note-se que quando o autor retrocitado expõe que fornecedor équem “exerça a atividade econômica de oferecimento ao mercadode imóveis para a locação”, não está falando de administradorasde imóveis (imobiliárias), pois, essas, escapam do CDC pelo fatode que nos imóveis que lhes são confiados, quando da locação,os respectivos contratos são redigidos entre o proprietário doimóvel e o locatário, evitando, dessa sorte, a incidência dalegislação protetora do consumidor.

Pois bem, renúncia ao benefício de ordem, penhorabilidade doseu bem de família, cláusulas abusivas protegidas pela LegislaçãoEspecial (Lei 8.245/91) e, diga-se de passagem, bem protegidas,pois tanto o CDC (Lei 8.078/90) quanto a Lei protetora do Bem deFamília (8.009/90) são de ordem pública, mas não são visível obastante para serem observadas pelos magistrados.

Deve-se reavaliar o momento vivido pela sociedade brasileira eadequar as normas ao fato social, visando a diminuir asdesigualdades que, normalmente, são experimentadas pelos menosfavorecidos. E, esse contrato de locação afigura-se uma dessasdesigualdades, pois é uma verdadeira afronta ao ordenamentopátr io, posto que eivado de incongruências e deinconstitucionalidades.

5 Da Irrenunciabilidade da Proteção Legal do Bem

de Família

Matéria de ordem pública, a impenhorabilidade do bem defamília poderá ser alegada até mesmo em instâncias superiores,assim como se apresenta desnec�essário no processo de execuçãoa oposição de embargos do devedor para argüir a proteção legalda Lei nº 8.009/90, sendo admitida a sua alegação nos própriosautos de execução.

A posição adotada nesse trabalho, qual seja, o respeito à CartaMaior no que tange a proteção ao “teto” do núcleo f�amiliar emface de dívidas que nem mesmo deveriam ser suportadas pelofiador e acabam por atingir toda a sua família, vez que da locaçãosomente aproveitou o locatário e, com o inadimplemento dasobrigações assumidas, restou ao fiador o pesado fardo de

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responder pelo débito, sem poder alegar o benefício de proteçãoda sua única morada.

Assim, seguindo esse raciocínio e considerando a “pseudo-renúncia” da qual tratou-se em tópico anterior, faz-se o contrapontocom as ementas das decisões do Colendo Superior Tribunal deJustiça sobre a irrenunciabilidade do Bem de Família, ressalvandoque a aplicação das decisões infracolacionadas ao tema propostodecorre de interpretação sistematizada dos dispositivos elencadosnesse trabalho.

O simples fato de nomear o bem à penhora, não significa renúncia ao direito

garantido pela Lei 8.009/90. STJ – Recurso especial nº 208.963/pr – DJU:

07/02/2000, p. 166.

As exceções à impenhorabilidade são as expressamente previstas em lei. Ineficaz

a renúncia em documento particular de confissão de dívida STJ – Recurso

especial nº 205.040/sp – DJU: 13/09/1999. (grifo nosso)

As ementas retro-apresentadas demonstram a impossibilidadede renúncia à proteção do bem de família, posto que esse institutopossui como característica, pertencer ao grupo das matérias deordem pública, pois visa a proteger a entidade familiar e não odevedor, razão pela qual o bem de família não pode ser objetode renúncia.

Por apreço ao debate, sopesemos as seguintes circunstâncias:

a) o fato de que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei e,

b) que em tese o fiador ao exa�rar a sua assinatura em um contrato de

locação estaria renunciando à proteção legal ao seu bem de família, pois,

“conhecendo a lei” (art. 82, da Lei 8.245/91), aceitou a incumbência de

garantir – ser devedor principal do contrato de locação – o cumprimento

integral do contrato.

Tais conclusões não devem prosperar, pois, adotar esseraciocínio seria um absurdo, ainda que até mesmo algunsoperadores do direito, menos avisados, adotem-no desconhecendoessa nefasta conseqüência que é a penhorabilidade do bem defamília do fiador mesmo antes que o credor tenha sequer tentadoencontrar bens passíveis de penhora no patrimônio do locatário,com graves conseqüências aos menos afor tunados que,normalmente, desconhecem as conseqüências da fiança.�

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6 Da inconstitucionalidade do art. 82 da Lei 8.245/91

Rainer8, ao falar da posição de inferioridade do fiador em face doafiançado, cita artigo de Ronaldo Botelho, que afirma ser um absurdoo tratamento desigual dispensado aos figurantes (fiador e afiançado)no contrato de locação.

O mesmo autor colaciona trecho de acórdão do STJ (REsp. 79.111,pub. 20/01/98) em que o relator, Ministro Vicente Leal, mesmoaplicando a norma agressora, pondera: “embora lamentando essacirurgia em norma de cunho social de alta relevância, que é a Lei8.009/90, não tenho outro meio senão reconhecer que seu conteúdofoi alterado para admitir maiores restrições ao seu alcance...”.

E, conclui o respeitável autor:

“Pelo que se vê, as reservas da doutrina e da jurisprudência a este inciso VII,

deixam transparecer fundadas incertezas quanto à sua constitucionalidade. O

acréscimo introduzido pelo art. 82 da Lei do Inquilinato é, em última instância,

ofensivo ao princípio da isonomia”.

Em uma análise superficial, é possível vislumbrar-se a ofensa àConstituição proporcionada pelo art. 82 da “Lei do Inquilinato”, queacrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei nº 8.009/90.9

Tal conclusão se abstrai da ofensa ao princípio da igualdade acimacitado, ou seja, apesar de locatário e fiador – mesmo que esse quasesempre não saiba – encontrar-se em igual posição no Contrato deLocação, o legislador deixou de observar essa igualdade de condições.

Maior prova desse desrespeito à Carta Magna pelo legislador estáno dizer de José Afonso da Silva10, quando trata sobre “O sentido daexpressão a ‘igualdade perante a lei’” e cita Seabra Fagundes:

“O princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da

lei. O princípio significa, para o legislador – consoante observa Seabra Fagundes

– ‘que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e

8 CZAJKOWSKI, Rainer. op. cit., p. 189.9 Lei nº 8.009/90, art. 3º “caput” e inciso VII: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execuçãocivil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: VII – por obrigação decorrente de fiançaconcedida em contrato de locação.10 AFONSO, José Afonso da. op. cit., p. 218

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as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na

repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de

sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades’ “.

Assim, flagrante torna-se a impropriedade do legislador ao tratarde forma desigual os sujeitos de uma relação jurídica análoga, em seconsiderando que o fiador assume a posição de devedor solidário narelação locatícia e, assim, situação de paridade em face do locatário.

O Professor Alexandre de Moraes11, ao falar sobre o princípio daigualdade, reforça o mister da adequação da norma aos preceitosconstitucionais e discorre sobre a entrada em vigor da normaconstitucional nos seguintes termos:

“A igualdade se configura com uma eficácia transcendente de modo que toda

situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional

deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade

com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama”.

E, como dito pelo ilustre Professor, dada a vigência da normaconstitucional (EC nº 26/2000), os dispositivos que se afiguram demaneira a prestigiar a desigualdade (art. 82 da Lei do Inquilinato,que inseriu o inciso VII no art. 3º da Lei nº 8.009/90) deve serconsiderada não recepcionada pela ordem constitucional.

Destarte, o que se observa é que uma norma infraconstitucionalpara viger sem a afetação da inconstitucionalidade, deve observar oprincípio da igualdade. Mesmo que se admita, em algumascircunstâncias, o tratamento desigual, urge a necessidade de que afinalidade precípua da medida possua como núcleo, a razoabilidade.

Em nova inserção do pensamento do Professor Alexandre deMoraes12, aclara-se a possibilidade de mitigar a Igualdade, mas, quenem de longe se aplica à problemática ora debatida. Vejamos:

“A desigualdade na lei se traduz quando a norma distingue de forma não razoável

ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as

diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-

se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com

critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja existência deve aplicar-

11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 65.12 MORAES, Alexandre. op. cit., 65

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se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar

presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios

empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos

e garantias constitucionalmente protegidos”.

In casu, verifica-se a inobservância desses critérios de razoabilidadee a relação proporcional entre os meios empregados e a finalidadeperseguida. Pois, o meio empregado foi a retirada do “mantoprotetor” do bem de família, enquanto que a finalidade da medidaera de dar garantias a um determinado setor econômico.

Logo, o que se observa é a impossibilidade de mitigação doprincípio da igualdade, posto que não atende os pressupostos darelação de proporcionalidade entre os meios empregados e afinalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos egarantias constitucionalmente protegidos, como acima colacionado.

Como se vê o princípio da proporcionalidade ora aventadodetermina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a seralcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, queseja juridicamente a melhor possível.

Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial”de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidadehumana, bem como que, mesmo em havendo desvantagensacarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens quetraz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.

Passemos a analisar, exemplificadamente, pela ótica dos princípiosda igualdade, proporcionalidade e razoabilidade, as posiçõesassumidas em uma execução fundada em contrato de locação, tantopelo locatário quanto pelo fiador.

Apenas para fomentar essa discussão, aventa-se, a possibilidadede simulação entre locador e locatário. Ou seja, considere-se aseguinte circunstância: “A” em conluio com “B” resolvem contratar alocação de um imóvel e, têm por objetivo principal causar prejuízo a“C”, que entraria nessa “negociata” como fiador, sendo lógico o seudesconhecimento. Com esse intuito nefasto e premeditado, “A”(locatário) deixa de cumprir as obrigações decorrentes daquelecontrato; assim, abre a “B” (locador), o interesse de buscar o Judiciáriopara receber o seu suposto crédito. Por conseguinte, mesmo que “A”(locatário e verdadeiro devedor) possua um único imóvel próprio,esse não seria atingido pela execução dos créditos advindos daquele

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contrato. Assim, após concluída a simulação efetivada por “A” e “B”,essa, de difícil constatação e, o mais grave, utilizando-se da “forçaexecutiva estatal”, restaria o Fiador (a entidade familiar) prejudicado,e os comparsas usufruindo seu engodo proporcionado pela “brecha”legislativa editada pelos seus próprios representantes.

Vale ainda realçar que a alteração trazida pela Lei nº 8.245/91tem como único beneficiário o setor imobiliário, que acabourecebendo um tratamento privilegiado por parte do legislador, pois,as outras atividades econômicas existentes no mundo negocial nãodispõem de uma Lei “Ordinária”, para nos casos de execução dosseus créditos, poderem atingir o único bem imóvel do seu devedor,que é considerado pela Lei nº 8.009/90 com um “bem de família”.

7 Conclusão

A abordagem feita neste trabalho teve como cenário o campo daslocações imobiliárias, em especial, a posição desigual do fiador nocontrato locatício em relação à outra parte do contrato que deveria,em tese, ser paritário.

Apresentou-se o que significa, materialmente, a moradia para umafamília, assim como a proteção que o legislador constituinte visouimplementar com a inserção em diversos dispositivos constitucionaispromulgados na Constituição Federal de 1988 e, por derradeiro, coma Emenda nº 26/2000.

Assim, em face da ascensão dada à moradia pela Emenda 26/2000, elevando-a ao patamar constitucional, buscou o constituinteadequar a atual exigência dos fatores sociais à real proteção dafamília, disposta no art. 226 da CF e já debatida acima. Aproblemática sugerida nesse tema advém do dispositivoinfraconstitucional que marcha em sentido contrário ao norte protetivoda dignidade da pessoa humana, qual seja, a exceção trazida pelaLei nº 8.245/91, em seu art. 82, que inseriu o inciso VII no art. 3º daLei nº 8.009/90. Tal exceção retira a redoma providencial que visa aguardar o asilo da basilar instituição da sociedade que é a família.

Nessa abordagem simples, verificou-se a desmedida inserção do incisoVII ao art. 3º da Lei 8.009/90 pelo legislador infraconstitucional que,visando a implementar o ramo locatício, desviou-se dos princípios

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descritos na Magna Carta e deixou de analisar, quando da edição dessafamigerada norma, a turbulência que causaria no seio de uma família anotícia de que todos ficariam sem um teto por conta de uma obrigação,que na verdade não deveria recair diretamente sobre o seu patrimônio.

E, principalmente considerando a nova ordem jurídica brasileirainstituída pela Carta Constitucional de 1988, que foi e é tida comouma Constituição cidadã e inovou na proteção e valorização dohomem tendo como alvo, a vida digna. Como foi abordado, o nossoordenamento jurídico prevê diversos mecanismos de proteção ao bemde família, mas, alguns juristas continuam a preteri-los em face deum só dispositivo que se afigura inconstitucional. Talinconstitucionalidade acredita-se que restou demonstrada, pois, comose viu, são maculados os princípios da Igualdade, daProporcionalidade e da Dignidade da Pessoa Humana, restandoinaplicável a referida norma que os afrontou.

Tal norma deve ser expurgada do nosso ordenamento, senão pelomeio de controle concentrado, pelo difuso, ou, até mesmo pelo próprioórgão que a inseriu no ordenamento, o Legislativo. Mas, o querealmente se espera é a mudança de postura daqueles que detêm ainvestidura de prestar a tutela jurisdicional e de dizer o Direito, pois aefetiva solução aí se encontra e, como bem salientado por SeabraFagundes13, “o princípio tem como destinatários tanto o legislador comoos aplicadores da lei”. Observa-se, que já é tempo de efetivar um novoDireito, voltado para o respeito ao homem, ao ser humano e à família,os verdadeiros destinatários do Direito e, por conseguinte, da Justiça.

Deve-se fugir à hipocrisia de que a previsão inserta no art. 5º daCarta Política é o bastante a ensejar a proteção à igualdade, pois ooperador do direito, ao manuseá-lo, deve atender à igualdadematerial, qual seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente osdesiguais na medida de suas desigualdades. No dizer do professorPedro Lenza14: “no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos,imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversadaquela apenas formalizada perante a lei”.

Opta-se, propositadamente no encerrar deste trabalho, apresentaro elenco de dispositivos que protegem a entidade familiar, a moradia,

13 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 412.

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a dignidade da pessoa humana em contraponto com aqueledispositivo inserto pelo art. 82, da Lei nº 8.245/91.

art. 1º, III, da CFart. 5º, “caput” da CFart. 6º, da CF art. 82, da Lei nº 8.245/91art. 226 CFart. 1º, da Lei 8.009/90art. 620, do CPC

O escopo é deixar ao leitor a reflexão sobre o porquê desse reiteradodesrespeito a essa gama de dispositivos constitucionais e de ordempública, em favor de uma “única” norma que se amolda àinconstitucionalidade.

Referências Bibliográficas

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DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA PÚBLICA

Marlene Falco de Lima1

Resumo: A Lei que rege a cobrança da dívida ativa da Fazenda Públicaé a Lei n.º 6.830 de 22 de setembro de 1980, e o Código de Processo Civil.A referida lei estabelece os critérios, a competência, o lançamento, aforma de cobrança, as garantias, os recursos, para finalizar na satisfaçãoda Fazenda Pública. Quando se trata de Execução Fiscal da Dívida Ativada Fazenda Pública, o entendimento da maioria dos estudiosos tributaristasé de que o tema e o contribuinte estão sob o controle da AdministraçãoPública. E o executado está em desvantagem frente às leis que regem aadministração e impõe o pagamento forçado através da execução de seusbens, para satisfação da Fazenda Pública. A administração pública doPoder Executivo está incumbido de exercer o Poder de Tributar, mas estásujeito ao controle do Poder Judiciário, regulado pelas leis processuais etributárias, dentre as quais, se encontra a Lei de Execução Fiscal, quenormatiza a prestação jurisdicional no tocante à satisfação dos créditosfiscais devidos à Fazenda Pública.

Palavra-Chave: Execução Fiscal, Dívida Ativa, Cobrança Judicial,Satisfação da Fazenda Pública.

1 Introdução

O presente artigo tratará da forma de cobrança da dívida ativa,seus meios e métodos para a satisfação da Fazenda Pública quese utilizada dos regulamentos previstos na Lei n.º 6830/80.

Antes de adentrar propriamente na cobrança, será feito umasíntese de dívida ativa da Fazenda Pública, competências,requisitos, citação válida, prescrição e extinção da dívida ativapelas diversas formas previstas na Lei e no Código TributárioNacional. Também abordará os embargos e o processoadministrativo.

Quanto a matéria constitucional, será abordado sintetizadamente,pois, a previsão da cobrança da dívida ativa não está previstaconstitucionalmente, apenas jurisprudencial e legalmente.

1 Bacharel em Direito, pós-graduanda em Direito Processual Civil – UNIGRAN, Funcionária Pública Municipal.

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1 DÍVIDA ATIVA

1.1 Do Conceito de Dívida AtivaA dívida ativa tributária consiste no crédito da Fazenda Pública,

proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivosadicionais e multas, de acordo com o art. 2.º, seus parágrafos e incisosda Lei n.º 6830/80. Essa dívida regularmente inscrita na respectivaFazenda Pública, gozando de presunção de certeza e liquidez (art.3.º LEF)2.

Segundo o doutrinador Leon Fredja Szklarowsky, dívida ativa é ocrédito da Fazenda Pública regularmente inscrito, no órgão e porautoridade competente, após esgotado o prazo final para pagamentofixado pela lei ou por decisão final, em processo administrativo regular,e que se caracteriza por gozar da presunção relativa de certeza eliquidez, que pode ser elidida por prova irretorqüível a cargo doexecutado ou de terceiro, a quem aproveite3.

A inscrição (pelo art. 2º, §3º) se constitui no ato de controleadministrativo da legalidade, tendo a finalidade de ser feita peloórgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito,suspendendo a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180(cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se estaocorrer antes de findo aquele prazo. Distingue-se do lançamento pelofato de que a inscrição ser uma forma de controle que, apesar detambém ser vinculada, visa apurar se o débito em questão é legalmentelíquido e se é legalmente exato4.

1.2 Da CompetênciaA competência para julgar a lide proveniente de Crédito Tributário

inscrito em dívida ativa, em regra, firma-se pelo que dispõe art. 578do CPC5, resguardando à Fazenda Pública a faculdade de propor no:

- Domicílio de qualquer um dos devedores, se for mais de um;- Lugar onde se deu o fato gerador da dívida;- Foro de situação dos bens do devedor, quando deles provier a dívida.

2 BRASIL, Código Tributário. In Lei de Execução Fiscal n.º 6830/80. São Paulo : Rideel, 2001.3 SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Dívida Ativa da Fazenda Pública. Disponível no site:http:\\www.jusnavigandi.com.br.31/05/2001.4 SZKLAROWSKY. Op. cit.5 NERY JÚNIOR, Nelson e Andrade Nery, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado. 6. Ed. SãoPaulo : RT, 2002.

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Quanto a competência para determinar a inscrição, segundo odoutrinador Leon Fredja Szklarowsky:

(...) o órgão competente para determinar a inscrição como dívida ativa da Fazenda

Publica é o órgão jurídico, através de seus procuradores, advogados especializados,

que se deverão ater apenas à apreciação da parte formal, da legalidade e

legitimidade do ato e não, como querem muitos, da análise substantiva, erigindo

este órgão em verdadeiro juízo de cassação. Os créditos da União são apurados

e inscritos, na Procuradoria da Fazenda Nacional. Os Estados, o Distrito Federal,

os Municípios e suas autarquias deverão fazê-lo por órgão jurídico próprio,

através de seus procuradores, ou seja, de advogados especializados do Poder

Público . No DNER, a competência, para inscrever sua dívida ativa (créditos de

qualquer natureza inerentes às suas atividades) compete à Procuradoria – Geral6.

Deve-se apenas atentar que domicílio do devedor é o lugar ondeserá proposta a execução, enquanto que domicílio fiscal seria o lugaronde deveria ser satisfeita a obrigação tributária. O art. 5º dispõeque a competência para processar e julgar a execução da DívidaAtiva da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro juízo, inclusive oda falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou doinventário.

1.3 Da Petição InicialA petição inicial é o ato introdutório do processo, consistente na

declaração da vontade do autor de acionar o suposto devedor paracumprir com sua obrigação, conforme preceitua a obra do iminentedoutrinador Moacyr do Amaral Santos, em sua obra de direitoprocessual civil7.

O art. 6º da lei n.º 6.830/80 procurou simplificar ao máximo aelaboração da petição inicial, dispensando diversas dasespecificações previstas no art. 282 do CPC (por exemplo, a profissãodo executado, os fundamentos jurídicos do pedido, o requerimentode produção de provas e outros), dispensa esta, para que a Certidãoda Dívida Ativa (CDA) integre a própria petição inicial .

Assim, a petição inicial da execução fiscal das dívidas ativas,tornaram-se mais simples que as petições comuns, sendoimprescindíveis apenas a referência ao juiz a quem é dirigida, o

6 SZKLAROWSKY. Op. cit.7 SANTOS, Moacyr do Amaral . Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 2, 16. ed. São Paulo :Saraiva, 1997.

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pedido de execução (a afirmação expressa de que se quer recebero valor que está na certidão) e o requerimento para citação. A causade pedir está expressa na CDA, que por sua vez fará parte integranteda petição inicial. O valor da causa será o da dívida constante edeclarada na certidão.

A lei n.º 8.212/91 , ao tratar da execução fiscal da dívida ativa daUnião, suas autarquias e fundações públicas , faculta ao exeqüenteindicar na petição inicial, bens à penhora, a qual será efetivadaconcomitantemente com a citação inicial do devedor. Neste caso, osbens penhorados ficarão desde logo indisponíveis, regra que visaafastar as discussões doutrinárias sobre os efeitos da penhora emrelação à disponibilidade do bem penhorado pelo executado. Outroaspecto importante desta lei, que trata de assuntos referentes àprevidência, é que o prazo para pagamento do débito é de 2 diasúteis (contra os 5 dias previstos no art. 8.º da Lei 6.830/80) .

A Fazenda Pública não está sujeita a custas e emolumentos judiciais,e não está obrigada a preparo prévio ou depósito para prática dequalquer ato, mas se vencida em embargos, fica sujeita ao pagamentode despesas feitas pela parte contrária, inclusive honoráriosadvocatícios, conforme prevê o art. 39 da LEF.

1.3.1 Dos Requisitos da Petição InicialQuanto aos requisitos da petição inicial prescreve o art. 6º da LEF,

menos burocracia em relação à Fazenda, pois: a CDA poderá compora petição inicial, como um documento, transcrito pelo computadorou mecanograficamente; o parágrafo 3º deste artigo, libera aobrigação da Fazenda de indicar as provas quando da impetraçãoda ação, podendo fazê-las no decorrer do processo e de acordo comsua conveniência, contrapondo-se ao art. 282, IV do CPC, causandoalguns questionamentos por doutrinadores tributaristas ou civilistas8.

1.3.2 Do Despacho da Petição InicialO despacho da petição inicial da cobrança da dívida ativa da

Fazenda Pública, está regulamentado conforme o art. 7º da LEF, queestipula que o despacho do juiz que deferir a inicial importa em ordempara:

8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal . 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2000.

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I - citação, pelas sucessivas modalidades previstas no art. 8º;II - penhora, se não for paga a dívida, nem garantida a execução,

por meio de depósito ou fiança;III - arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar;IV - registro da penhora ou do arresto, independentemente do

pagamento de custas ou outras despesas, observado o disposto noart. 14; e

V - avaliação dos bens penhorados ou arrestados.A LEF impõe ao juiz obrigatoriamente que o mesmo tome

determinadas providências em caso de acatamento da inicial, o quenão ocorre em um processo de execução comum, pois as fases destaexecução são distintas da execução contra a Fazenda Pública.

O objetivo do art. 7º é agilizar o processo de execução, dispondoque o deferimento da inicial autoriza a realização não da citação etambém da penhora (ou arresto), avaliação e registro do ato no órgãocompetente.

Segundo o doutrinador Humberto Theodoro Jr., em face desseracional equacionamento do procedimento executivo, e desde que nãohaja embargos, os autos só voltarão ao juiz para ouvir a Fazenda Públicasobre a garantia da execução (art. 18) e designar o leilão, se não houvernecessidade de ampliação ou substituição da penhora (art. 15)9.

1.4 Da CitaçãoO executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a

dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidãode Dívida Ativa, ou garantir a execução, assim, como dispõe o art. 8ºda LEF.

O art. 8.º estabelece os seguintes requisitos a serem observados: I - a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a

Fazenda Pública não a requerer por outra forma; II - a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da

carta, no endereço do executado; ou, se a data for omitida, no aviso derecepção, 10 (dez)dias após a entrega da carta à agência postal . Assim,vê-se que a citação, dando-se por carta, devemos começar a contagemdo prazo da data de seu recebimento, se no AR constar tal data, pois emcaso contrário, 10 dias após entregue a carta à agência postal ;

9 Idem.

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III - se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze)dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita poroficial de Justiça ou por edital . Portanto, percebe-se que se o avisode recepção ou recebimento (AR) não retornar em 15 dias, contar-se-ão os 05 dias a partir da data da sua juntada;

IV - o edital de citação será afixado na sede do juízo, publicadonuma só vez no órgão oficial, gratuitamente, como expedientejudiciário, com o prazo de 30 (trinta) dias, e conterá, apenas, aindicação da exeqüente, o nome do devedor e dos co-responsáveis,a quantia devida, a natureza da dívida, a data e o número da inscriçãono Registro da Dívida Ativa, o prazo e o endereço da sede do juízo .

Como a referida LEF é clara em declarar seus requisitos, há que seconcluir que no caso de citação por edital, o prazo é de 30 dias,sendo o edital publicado apenas uma vez no Diário Oficial,diferentemente da execução comum, em que se verifica umapublicação no Diário Oficial e duas em jornal de grande circulaçãodo local onde está sendo proposta a ação.

O prazo do devedor para pagamento ou garantia da execução éde cinco dias após a citação, exceto nas execuções fiscais da dívidada União, suas autarquias e fundações caso em que, por força da Lei8.212/91, tal prazo é de dois dias úteis10.

O que se interpreta claramente no art. 8º, é que a citação postal foiadotada como regra para os processos de execução fiscal, critérionão adotado para as execuções comuns. Também, foram dispensadasas formalidades exigidas para a citação postal constantes no art. 223do CPC (entrega pessoal ao citando, do caso de pessoa física, ouentrega a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração,em se tratando de pessoa jurídica). Não está prevista a citação porhora certa.

A citação por edital, será feita nas hipóteses previstas em lei (CPC,art. 231, I a III) quando a Fazenda Pública, optar por tal forma ou,quando estiver ausente do país o executado.

Entende parte da doutrina, que, como a lei não proíbe, a citaçãopelo correio poderá ser feita inclusive em outra comarca. Odoutrinador José da Silva Pacheco, entende que o inciso II do art. 8ºda Lei 6.830/80 não desobriga da citação pessoal. Segundo ele, ao

10 Theodoro Júnior. Op. Cit.

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contrário de Humberto Theodoro Júnior, a citação deve ser pessoale não ficta11.

Existem controvérsias entre os doutrinadores, quanto à citaçãopessoal enquanto regra na execução fiscal. Estas controvérsias quantoao art. 8º consiste na percepção de que a citação postal não pessoalé um meio deficitário de citação, pois, não é suficiente para concretizaro fim natural de toda citação, que é a formação da relação processualválida, e no caso da execução fiscal esta modalidade de citação nãoviabiliza o exercício do direito de preferência de nomeação de bensa penhora pelo devedor ou o pagamento de tais bens (cristalizadonos arts. 10 e 11 da LEF), insuficiência esta que se percebe pelapossibilidade de qualquer pessoa que receba o AR não o repassarpara o devedor; a citação defeituosa em questão prejudica o direitonas hipóteses de defesa indireta, tais como alegação de nulidadedos embargos, ou exceção de pré-executividade em que o devedornem precisaria de penhorar seus bens ou pagar para se defender .

Outros argumentos são indicados por doutrinadores, no caso o autorBrenno Alves da Mata para que a citação seja pessoal:

a) supremacia do CTN sobre a lei n.º 6830 pelo fato de o primeiroser uma lei complementar, enquanto a segundo é uma lei ordinária ;

b) percepção de que há dispositivos do CTN contrários à lei n.º6830, tais como o art. 174, parágrafo único, I, por força do qualtodos os devedores do fisco devem ser , em sede de execução fiscal,inicialmente citados pessoalmente, até porque o CTN trata de citaçãopessoal nas dívidas tributárias;

c) percepção de que a citação nos moldes do art. 8º viola a ampladefesa e o contraditório na medida em que não viabiliza a informação(dos atos contrários) necessária para que tais direitos sejam exercidos;

d) a letra do art. 8º (e a de alguns artigos da lei n.º 6830/80) violao princípio da igualdade processual na medida em que se percebeque a desigualdade tolerável em certos casos (em função deprerrogativas) não deve superar o estritamente necessário;

e) a percepção de que a letra de alguns artigos da lei n.º 6830/80viola o princípio da execução econômica.

Com base nestes argumentos, explica-se que a citação postal naexecução fiscal deve ser pessoal, com entrega do AR para a própria pessoa

11 Idem.

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física, ou alguém que na pessoa jurídica tenha poderes de gerência.Em não observando estes requisitos, poderá ocasionar as seguintes

conseqüências: desaparecimento da presunção de citação feita nadata de entrega da carta ao endereço, já que o art. 223, parágrafoúnico do CPC exige que a carta seja entregue ao citando medianteassinatura pessoal do recibo, de modo que se o citado for pessoajurídica uma pessoa com poderes de gerência tem habilitação paraassinar; se a data for omitida, no aviso de recebimento, 10 (dez) diasapós a entrega da carta, devidamente assinada, na agência postal;a citação não poder ocorrer(salvo para evitar perecimento de direito):

a) a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso;b) ao cônjuge ou qualquer parente do morto, (...) no dia do

falecimento e nos sete dias seguintes;c) aos noivos, nos três primeiros dias de bodas;d) aos doentes, enquanto grave o seu estado.Também, a citação não poderá ocorrer:a) quando se verificar que o réu é demente ou está impossibilitado

de recebê-la;b) quando o devedor for incapaz; ouc) quando o correio não puder entregar no domicílio do executado.Diante destas informações, o executado que não puder receber a

citação pessoalmente, acabará sofrendo ônus em prejuízo de suadefesa, estará sempre em desvantagem com o Fisco e terá de umaforma implícita seus direitos constitucionais violados.

1.5 Do ArrestoO arresto em bens do devedor será feito se for determinada a

citação por oficial de justiça, o que poderá ocorrer quando a FazendaPública assim o requerer, ou quando a citação postal for frustrada.Certificando o oficial que o executado não tem domicílio certo ouestá se ocultando, procede-se ao arresto, como uma medida cautelar.Quando a citação for feita normalmente por via postal, faz-se apenhora e não o arresto.

Feito o arresto, o oficial de justiça deverá procurar o devedor portrês vezes, nos dez dias seguintes, de forma tal a última vez recaia nodécimo dia (CPC, art. 653). Encontrado, é citado o executado, abrindo-se-lhe o prazo para pagamento ou garantia; não encontrado, serácitado por edital em dez dias, após o que, não tendo o pagamento

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sido feito nem prestada a garantia, o arresto se converterá empenhora (CPC, art. 654)12.

2 DA EXECUÇÃO

2.1 Da Garantia da ExecuçãoA garantia da execução prevista no art. 9.º da LEF, prevê que o

executado poderá garantir o débito executado para que possaapresentar os embargos. Este artigo estabelece alguns requisitos paraque esta garantia tenha validade e cita quais as formas de garantiasaceitas na execução fiscal. É uma forma de exceção de pré-executividade, em que o devedor irá argüir as matérias concernentesà sua defesa13.

A garantia da execução extraída do art. 16, parágrafo 1º da LEF,que repete a regra do art. 727 do CPC, que é inadmissível a oposiçãode embargos antes de garantido o juízo, quer pelo depósito emdinheiro, quer pela fiança bancária ou pela nomeação e conseqüentepenhora de bens próprios ou de terceiros. Segundo HumbertoTheodoro Jr., trata-se de condição da ação ou de procedibilidadepara a oposição dos embargos, cuja falta torna juridicamenteimpossível o pedido do devedor14.

Sobre este assunto, o CPC se refere em pagar ou nomear bens àpenhora, a LEF expressa: pagar ou garantir a execução dentro dasmodalidades previstas no art. 9º desta lei, dentre as quais, se inclui anomeação dos bens, considerada como uma inovação processualcivil relativo à execução fiscal.

A garantia da execução é um instituto comum a outros tipos deexecução, que visa a garantir a ação, ou seja, para que o executadotenha o direito de embargar, deve ter sido atingido por algumamedida que recaia sobre o seu patrimônio.

Apresenta a lei a inovação da dispensa da penhora desde queocorra uma das situações dos incisos I e II do art. 9º da LEF.

No caso de nomear bens de terceiros à penhora, deve-se observara anuência dos proprietários, e se casado for, necessário a anuência

12 Theodoro Júnior. Op. Cit.13 ALVARES, Manoel; et. Al. Coord. Freitas, Vladimir Passos de. Execução Fiscal: Doutrina e Jurisprudência.São Paulo : Saraiva, 1998.14 Theodoro Junior, Op. Cit.

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expressa do cônjuge no caso de se tratar de imóvel, e a aceitaçãoprévia pela Fazenda exeqüente (art. 9.º, §1º).

Para que a penhora produza efeito, deve ela constar em termoprocessual adequado, pois, se o devedor nomeia bens em juízo, paraconcordância da Fazenda Pública, temos o Termo de Penhora. Se apenhora é feita fora do processo, através de mandado, lavra-se autode penhora. (art. 9º, §2º) Deve-se observar que tanto o termo quantoo auto de penhora deve conter a avaliação do bem.

A Lei de Execuções Fiscais faculta ao executado, nos 5 dias após acitação, efetuar a escolha de um dos meios assecuratórios ou executivosprevistos. O depósito em dinheiro e a fiança bancária são meiosassecuratórios da execução. A nomeação de bens à penhora e aindicação de bens oferecidos por terceiros e aceitos pela FazendaPública, são meios facultativos, mas executivos, por serem tendentes àapreensão satisfativa. Embora os dois primeiros meios produzam osmesmos efeitos da penhora, e nela se convertam, após o trânsito emjulgado da sentença, revertendo-se a garantia em favor do exeqüente.

2.2 Do Depósito em DinheiroA garantia por depósito em dinheiro prescrito no art. 9.º, I – efetuar

o depósito em dinheiro, à ordem do juízo em estabelecimento oficialde crédito, que assegure atualização monetária. O prazo para oporembargos flui da data do efetivo depósito (tendo o executado 5 diaspara juntar o comprovante do depósito aos autos). Tal garantia deveobedecer à ordem do art. 11 da LEF, que estabelece o dinheiro emprimeiro lugar.

O depósito em dinheiro será feito pelo executado independente derequerimento, adotando-se o procedimento bancário usual ou do Juízo.Será feito no banco oficial de crédito nos termos do art. 32 da LEF.

Esse depósito em dinheiro constitui meio assecuratório da execuçãosem caráter satisfativo de imediato pagamento, sujeitando-se àcorreção monetária e cessação de juros de mora. Deve ser juntadoaos autos o comprovante de depósito, e após o trânsito em julgadoda sentença, o depósito, corrigido monetariamente, será devolvidoao depositante ou entregue à Fazenda Pública sob ordem judicial.

2.3 Da Fiança BancáriaA Segunda garantia é por fiança bancária. A lei age de modo

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inverso, usando para contagem de prazo para oposição deembargos, a data da juntada da carta de fiança (o executado tem 5dias para juntar aos autos a carta de fiança), ou seja, da lavratura dotermo de fiança bancária.

A fiança bancária poderá ser oferecida em 5 dias após a citação.A fiança só pode ser a bancária, e apesar da lei falar em “oferecer”,o que se deve entender é que a parte deve exibir ou apresentar estafiança nos autos. Como garantia, a fiança é de forma convencionalassinada por instituição financeira, obedecendo-se às imposições doConselho Monetário Nacional.

Após feito o depósito, lavrado o termo de fiança bancária e juntadoaos autos o documento público ou particular respectivo, ou intimadoo devedor da penhora, abre-se o prazo de trinta dias para oexecutado embargar. Quando houver oferecimento de bens à penhora,o prazo se inicia a partir da assinatura do respectivo termo15.

2.4 Da Penhora como Garantia em Juízo

A penhora como garantia em juízo, ocorre da data da juntada dotermo ou do auto de penhora. No caso em que a intimação se deupor mandado, o prazo começa a fluir da data da intimação, e nãoda data da juntada do mandado.

Conforme anotada na matéria do doutrinador Antonio S. Poloni16,os bens inalienáveis ou impenhoráveis por ato voluntário podem serpenhorados em execução fiscal (art. 184 do CTN e LEF, art. 30). Omesmo doutrinador na matéria citada escreve:

Na penhora, pode o executado nomear bens próprios à penhora,observada a ordem do art. 11 (LEF, art. 9°, III). Se o executado for casado,deve juntar aos autos o consentimento do seu cônjuge, se o bemnomeado for imóvel (LEF, art. 9°, § 1°). Feita a nomeação do bem àpenhora, a Fazenda Pública deve ser ouvida no prazo de 5 dias, seoutro não foi fixado pelo juiz (CPC, art. 185), e, havendo concordância,a nomeação será reduzida a termo (CPC, arts. 656, parágrafo único, e657) . Deve constar do termo de penhora a avaliação dos benspenhorados, efetuada por quem o lavrar (LEF, art. 13), que, no caso denomeação, é o próprio escrivão. O ato da avaliação decorre de um

15 Theodoro Júnior. Op. Cit.16 POLONI, Antonio S. Penhora de Faturamento na Execução Fiscal: Possibilidade. Disponível em<http:\\www.jusnavigandi.com.br.31/05/2001>.

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dos efeitos do despacho que deferir a petição inicial (LEF, art. 7°, V),independendo, portanto, de qualquer formalismo.

A LEF admite ainda que o executado possa indicar à penhora bensoferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública (art. 9°, IV),devendo comprovar também a autorização expressa do cônjuge doterceiro (art. 9°, § 1°), conforme anotado acima.

A Fazenda Pública pode, no entanto, impugnar a nomeação dobem à penhora pelo executado, desde que haja fundado motivo paratal. Nesse caso, se o juiz aceitar a impugnação, devolverá o direitode nomeação ao credor, e a Fazenda Pública indicará,independentemente de qualquer gradação, o bem, ou bens, que serãoobjeto da constrição judicial17.

A nomeação de bens à penhora, refere-se a ato executivo do próprioexecutado, cuja única exigência consta na enumeração do art. 11 daLEF. A indicação de bens oferecidos por terceiros é meio executivodiferente do normal, que consiste na penhora, mas com a faculdadede ser o terceiro intimado para remir o bem antes da expropriação.Pode ser por hipoteca, através de escritura pública ou oferecimentodo bem à penhora mediante assinatura do respectivo termo. Perfaz-se por petição do executado, indicando os bens oferecidos peloterceiro, com a concordância deste e seu cônjuge, se for imóvel. Comisso, sendo aceito pela Fazenda Pública, lavra-se o termo de penhora.

Portanto, se a penhora for declarada absolutamente nula, e osembargos não tiverem sido interpostos, poderão sê-lo no prazo detrinta dias, a contar da data da concretização da garantia no processo(art. 16, I a III)18.

2.5 Da Substituição da PenhoraA substituição ou reforço de penhora anotados no art. 15, I e II da

LEF, não faz abrir novo prazo ao executado para apresentação deembargos. A contagem de prazo será feita a partir da primeirapenhora, assim também, preceituado no CPC. Esse prazo somentepoderá ser reaberto no caso de expedição de nova certidão por errode fato na anterior.

O reforço da penhora visa buscar bens que para completar ovalor, considerado pela perícia, necessário para a solvência do17 Idem.18 Idem.

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é núcleo da execução.É importante anotar que depois da citação, se o devedor não pagar,

não efetuar o depósito, não oferecer fiança bancária, nem nomearbens próprios ou de terceiros à penhora, devolverá à Fazenda Públicao direito de indicar bens à penhora.

Se o executado entender devida apenas uma parte da dívida, nestecaso, poderá pagar a respectiva parcela que entende devida e garantiro restante da execução (LEF, art. 9º, § 6º).

Percebendo que transcorreu o qüinqüídio após a citação, o oficialde justiça efetuará a penhora de ofício. Em não havendo a citaçãoregular, dar-se-á o arresto, conforme anotação do CPC. No arresto,uma vez ocorrida a citação, transformará em penhora, apóstranscorrer os 05 dias para pagamento ou nomeação.

A título de observação, é importante salientar que faculta a LEF aoexecutado, a possibilidade de pagar parcela incontroversa da dívida,depositando a diferença em garantia do juízo19.

3. DA PRESCRIÇÃO

3.1 Da Prescrição da LEFComo a prescrição é uma forma de extinção da obrigação, prevista

no CTN, arts. 173 e 174, onde está prescrito que a Fazenda Públicatem o direito de constituir o crédito tributário, que se extinguirá apóscinco anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que olançamento poderia ter sido efetuado; e da data em que se tornardefinitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, olançamento anteriormente efetuado (art. 173). O parágrafo único domesmo artigo, declara que extingue-se definitivamente com o decursodo prazo (cinco anos), após a notificação da constituição definitivado crédito tributário.

O art. 174 do CTN declara que a ação do crédito tributário prescreveem cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Em seuparágrafo único, prevê as formas de interrupção da prescrição quesão: a citação pessoal feita ao devedor; o protesto judicial; ato judicialque constitua em mora o devedor; ato inequívoco, que pode serextrajudicial, e que importe em reconhecimento do débito do devedor.

19 Poloni. Op. cit.

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Diferentemente do CTN, na Lei de Execução Fiscal, consideraráinterrompida a prescrição não pela citação, mas pelo despacho dojuiz que a ordenar (art. 8º, § 2º). Para essas execuções, não se teráque se cogitar se a citação foi ou não efetivada, e se observou ou nãoo prazo de dez dias para sua consecução, pois, o ato interruptivo éapenas o despacho positivo na petição inicial.

Há grande discussão a respeito do § 2º deste artigo. Algunsdoutrinadores relatam que este dispositivo não tem vigência, emvirtude da prevalência do CTN (lei complementar) sobre a lei n.º 6830/80 (lei ordinária), considerando que pelo art. 174, I do CTN aprescrição será interrompida pela citação pessoal do devedor, e nãoo mero despacho, conforme consta no art. 8º da LEF. Para outrosdoutrinadores este privilégios persiste20.

Este assunto da prescrição é objeto de muita controvérsia, por ocasionarindiretamente a provável eternização da lide. A probabilidade deeternização também ocorre em virtude da má leitura do art. 40 da LEF,que anota que o “juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não forlocalizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recais apenhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”21.

Depreende-se, no teor literal do dispositivo do art. 8. § 2º, que aindasem citação do devedor, a dívida fiscal se torna imprescritível, pelo fatodo ajuizamento da execução.

3.2 Da Prescrição IntercorrenteÉ importante salientar que após o decurso do prazo para

pagamento, a Fazenda Pública dispõe de 5 anos para inscrever adívida (LEF, art. 2º, § 3º), extrair CDA (título executivo extrajudicial criadocom base no termo de inscrição da dívida) e obter a citação doexecutado, sob pena prescrição, que, para o Direito Tributário, alémde acarretar a perda do direito de ação, implica a extinção do créditotributário (art. 156, V, do CTN)22.

A doutrina e jurisprudência têm-se posicionado de duas formas, natentativa de corrigir esta anômala eternização do crédito tributário.Uma das formas decorre da interpretação do art. 40 da LEF emconsonância com o art. 174 do CTN: “A interpretação dada pelo20 Theodoro Júnior. Op. Cit.21 LEF, art. 40.22 Theodoro Júnior. Op. Cit.

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acórdão recorrido ao art. 40 da Lei n. 6.830/80, recusando asuspensão da prescrição por tempo indefinido, é a única suscetívelde torná-lo compatível com a norma do art. 174, parágrafo único,do CTN, a cujas disposições gerais é reconhecida a hierarquia de leicomplementar”(RTJ 119/328 e STF-RT 612/222);

De outra forma, conjuga-se a regra do caput do art. 40 da LEF, para anão fluência da prescrição, com o seu parágrafo 2º , que prevê oarquivamento dos autos quando decorrer um ano sem que seja localizadoo devedor ou encontrados bens penhoráveis. Assim, se for arquivado oprocesso, recomeçaria a fluir o prazo prescricional . De uma forma oude outra, o entendimento é que o crédito tributário não pode ser eternoe estará sujeito à prescrição, inclusive à prescrição intercorrente23.

No tocante à prescrição intercorrente, depois de citado o executado,o entendimento geral é que a prescrição intercorrente ocorre no prazode 05 anos, pois não pode a Fazenda Pública abandonar o processoem seu fluxo, sem se manifestar a respeito. Consuma-se a prescriçãointercorrente se os autos da execução fiscal permanecerem paralisadosem cartório por mais de 5 anos, sem que a Fazenda Pública tenhapraticado qualquer ato de empenho procedimental.

Uma jurisprudência encontrada em endereço eletrônico do Tribunalde Justiça de São Paulo (TJSP-Ap. 77.591-1, Ac. de 18.9.1994, RT,592-84), anota uma situação em que houve a prescrição intercorrente:

Como escreve Dejalma de Campos com apoio no pronunciamento do egrégio

TRF, também na esfera judicial poderá dar-se prescrição intercorrente, bastando

que não sejam efetivados os atos nos prazos legais . Na hipótese, o despacho que

ordenou a citação é de 28.02.78 (fls.). Em julho do mesmo ano o meirinho

portando do mandado procurou e não encontrou a executada, deixando de citá-

la (fls.). O processo de execução permaneceu paralisado até abril de 1983, mês

em que foi citada a executada e realizada a penhora. Confirmou-se a prescrição

em virtude da inércia da exeqüente24.

Assim, quando se lê artigos em que a Fazenda Pública se manifestano sentido de eternizar suas execuções, estas execuções, poderiamaté permanecerem inertes por tempo indeterminado, mas se nãohouver, como acima citado, a manifestação da exeqüente o processopoderá vir a prescrever como em outras situações processuais que

23 Idem.24 Disponível no site do Tribunal de Justiça de São Paulo<www.tj.sp.gov.br>.

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prescrevem com o tempo, sem a manifestação da parte interessada.

4 DA EXTINÇÃO

4.1 Da Extinção do Crédito TributárioA extinção do crédito tributário da Fazenda Pública ocorre de

forma mais resumida que a extinção do crédito tributário constanteno CTN, art. 156.

O pagamento é o meio por excelência de extinção do créditotributário, previsto no art. 156, I do CTN e art. 10 da LEF. Como oadimplemento extingue a obrigação, no caso de pagamento dedébito executado, são observados os mesmos critérios constantes nosartigos 157 a 162 do CTN.

Assim, com o pagamento do crédito, seja na Fazenda Pública ouno órgão judiciário, extingue-se de plano a obrigação, restandoalgumas obrigações como custas judiciais, pedido de retirada dapenhora no Cartório de Registro, e outras dependendo da Comarcaque seja efetuado o pagamento.

Em caso de pagamento indevido, estes poderão ser opostos nosembargos no prazo estipulado na LEF (30 dias).

4.2 Da ArremataçãoOutra forma de satisfação do crédito da Fazenda Pública, é através

da arrematação.A arrematação é um ato complexo e criterioso, iniciando com a

designação do leilão e finalizando com a entrega do bem e asatisfação da Fazenda Pública. Segundo o autor Moacyr do AmaralSantos25, através da arrematação efetua-se o “ato de transferênciacoacta dos bens penhorados, mediante o recebimento do respectivopreço em dinheiro, para satisfação do direito do credor”.

Com relação ao procedimento de arrematação dos benspenhorados, segundo a LEF, possuem as seguintes características:

a) o edital deverá ser fixado na sede do juízo, publicado uma vez noDiário Oficial, resumida e gratuitamente. Por requerimento da parte ojuiz pode determinar a publicação em jornal de ampla divulgação local;

25 SANTOS , Moacyr do Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. V. 3, 16. ed. São Paulo :Saraiva , 1997.

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b) não existe distinção entre praça e leilão feita no CPC nos casosde arrematação pela LEF, cabendo ao exeqüente a nomeação doleiloeiro e ao arrematante arcar com as custas referentes à comissãodo mesmo.

c) a fixação do prazo de intimação será entre 10 e 30 dias, fazendomenção somente à intimação do representante da Fazenda Pública,sendo de entendimento da jurisprudência, a necessidade de intimaçãopessoal da pessoa do executado, em face do princípio da eqüidade.O que não ocorre em todos os casos, causando controvérsias najurisprudência.

d) o prazo para realização do leilão deve constar no edital,contendo duas datas previstas (a inobservância destes prazos acarretanulidade):

· 1°leilão: enter 10 e 30 dias após o edital;· 2°leilão: entre 10 e 20 dias após a data do 1°leilão.Os prazos entre as datas de publicação do edital e do leilão não

poderá ser superior a 30 nem inferior a 10 dias (art. 22, §1º, LEF).Não atendido a estes prazos, o devedor e/ou a Fazenda Pública,quando prejudicada, poderão provocar o desfazimento daarrematação, seja através de simples requerimento (CPC, art. 694, I),seja por embargo à arrematação, seja pelas vias ordinárias.

Na LEF em seu art. 22, não disciplina de forma expressa a realizaçãode duplo leilão em execução fiscal. Mas, o STJ firmou na súmula 128,mandando realizar duplo leilão, pela aplicação subsidiária do art.686, VI, do CPC . A Súmula prescreve o seguinte : “na execução fiscal,haverá segundo leilão, se no primeiro não houver lanço superior àavaliação”. Sumulado esse entendimento, passou-se a considerarcomo causa de anulação da arrematação o fato de ter sido o bempenhorado alienado em leilão único, por preço inferior ou igual aovalor da avaliação, ainda que não fosse considerado o preço vil.

Com base na prática forense, a realização obrigatória de dois leilõestem-se revelado inútil, em diversos casos. A razão é que osarrematantes não estarão dispostos a desembolsar importânciasuperior ao valor da avaliação, se, alguns dias após, ou seja, nosegundo leilão, poderão adquirir os mesmos bens por preçosreduzidos. O fato é que ninguém arremata um bem por preço demercado, com pagamento à vista ou no prazo de três dias, sujeitando-se aos percalços das discussões jurídicas que costumam surgir entre

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o depósito do preço e o efetivo recebimento do bem. Para a FazendaPública também será mais vantajoso adjudicar o bem pelo valor daarrematação em segundo leilão. Até os legitimados para remir o bem(art. 787 do CPC) poderão exercer o direito depositando um valorinferior ao de avaliação.

Quanto a intimação dos interessados, o Procurador da Fazendadeve ser intimado no mesmo prazo de antecedência do edital (art.22, § 2° da LEF). Assim, para que faça valer seus direitos, a FazendaPública deverá ser intimada, pessoalmente, da realização do leilão,em prazo não superior a trinta, nem inferior a dez dias (LEF, art. 22,§1º). Não cumprida a diligência, a Fazenda poderá, alegando edemonstrando prejuízo, requerer a nulidade do ato.

Os executados, obviamente devem ser intimados (art. 687 do CPCsubsidiariamente). A intimação pode ser pessoal (até 24 horas antesdo leilão ou no próprio edital (no caso de não localização).

No caso do credor hipotecário, o mesmo deverá ser intimado 10dias antes do leilão (art. 698 do CPC) independente da data dahipoteca (Art. 30 da LEF).

Quando não forem encontrados bens, a intimação deve constardo edital (art. 687, §5° do CPC).

A realização do leilão deve ter local, dia e hora designados noedital e na intimação. A presença física do juiz é dispensável, masseria extremamente aconselhável.

O pagamento do preço será à vista ou depois de três dias comcaução idônea (geralmente 20% da arrematação - permitindo apronta execução da multa de desistência presente no art. 695 do CPC).O pagamento deve ser em guias distintas para o preço, custas,comissão do leiloeiro e outras despesas indicada no edital.

O leilão denominado de negativo ou “sem licitantes” é aquele emque não há interessado ou não é aceito lanço. Deste leilão lavra-setermo. No caso de negação de lanço o interessado tem o direito delançamento da decisão no termo ou certidão.

O leilão positivo é aquele em que existe uma proposta vencedoraaceita, caso em que se lavra o auto de arrematação contendo onome do arrematante, o valor do lanço e indicação do bemarrematado. A lavratura do termo será após 24 horas do leilão(prazo para remição ou adjudicação).

A arrematação pode-se dar englobando o total do bem ou em

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lotes que indicarem a Fazenda Pública ou o executado (art. 23, §1°da LEF). No caso de lotes, a arrematação será suspensa quando oproduto da alienação for suficiente para saldar a dívida fiscal (art.692 do CPC).

Quando não for possível a alienação parcial, a importância queexceder será devolvida ao executado caso não existam outros débitos(art. 710 do CPC).

As despesas com a arrematação correm por conta do arrematante(Art. 23, §2° da LEF).

A comissão do leiloeiro, geralmente é fixada em 5% do valor daarrematação, incluindo todas as despesas realizadas.

A indicação do leiloeiro é atribuição exclusiva do credor exeqüente(art. 706 do CPC), mas depende de aprovação do juiz, podendo oexecutado impugnar.

Se incumbir da arrematação leiloeiro oficial, cumprirá ele,publicar os editais e praticar os demais atos necessários àexpropriação (CPC, art. 705).

Toda arrematação é precedida de edital, que é afixado no local decostume, na sede de juízo e publicado, em resumo, por uma só vez,no órgão oficial, sem ônus, como expediente judiciário (LEF, art. 22).

Como o trabalho está baseado na obra de Humberto TheodoroJúnior, sua anotação é que a arrematação consiste no ato deexpropriação executiva com que o órgão judicial efetua, a qualquerconcorrente da hasta pública, a transferência coativa dos benspenhorados, mediante recebimento do respectivo preço. A carta dearrematação é um instrumento da transferência forçada dos imóveistransferidos por arrematação. Nesta carta de arrematação deveráconstar os elementos constantes no art. 703 do CPC.

4. 3 Da Alienação AntecipadaQuando houver necessidade, os bens poderão ser alienados

antecipadamente (LEF, art. 21) podendo ocorrer até sem publicaçãode edital, como se dá na hipótese de penhora sobre coisasdeterioráveis. Na antecipação de venda, havendo embargos, ouainda estando correndo o prazo dos embargos, a Fazenda Públicanão pode usar de seu direito à adjudicação, a não ser que, procedaao depósito do valor, de forma cautelar.

Os requisitos de tal alienação constam no art. 670, I e II do CPC:

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- A possibilidade de deteriorização ou depreciação;- A manifesta vantagem (custeio do processo de execução, guarda

e conservação). Esta alienação pode ser requerida pelas partes ou pelo

depositário, excepcionalmente decretada de ofício pelo juiz, quedeverá sempre ouvir a outra parte. Em caso de urgência, poderádispensar o edital, usando-se a convocação por carta ou outromeio de publicidade.

O procedimento é o mesmo da alienação judicial (art. 1.113 a1.119 do CPC), caracterizando-se pelo leilão único de maior lanço(art. 1.115 do CPC).

O produto da alienação é depositado nos moldes do art. 9°, I daLEF (garantia do juízo).

Se o produto da alienação em questão, for insuficiente frente aodébito, deverá haver a ampliação da penhora ou o complementodo depósito.

Com a efetivação da arrematação, seja a comum, seja aantecipada, a Fazenda Pública satisfará seu crédito e será cumpridoos preceitos estipulados na tão controvertida Lei de Execução Fiscal.

4.4 Da Carta de AdjudicaçãoA carta de adjudicação é o instrumento pelo qual, fornece ao

adjudicatário a prova de seu direito e aperfeiçoa a transferência dapropriedade sobre o imóvel, mediante transcrição no RegistroImobiliário. Esta carta, tal como a de arrematação, deve conter osmesmos requisitos do art. 703 do CPC (como a descrição do imóvel, aprova de quitação dos impostos, o auto de adjudicação, o títuloexecutivo, e quando for o caso de licitação, a sentença de adjudicação).

A adjudicação consiste na faculdade de a Fazenda Pública requerera aquisição dos bens penhorados. Consiste, conforme TheodoroJúnior, no ato de expropriação executiva em que o bem penhoradose transfere in natura para o credor, fora da arrematação, e quepressupõe sempre a iniciativa do próprio credor, pois, tendo direito areceber quantia certa em dinheiro, não pode ser compelido, contrasua vontade, a receber coisa diversa para solução de seu crédito.

Quando estiver vencido o prazo para os embargos, ou depois derejeitados, antes do leilão, a Fazenda Pública poderá requerer aadjudicação dos bens, pelo preço da avaliação. Deverá observar o

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princípio do contraditório, pois, o devedor será ouvido, podendoremir a execução (CPC, art. 651) ou pedir nova avaliação dos bens,caso tenha sido feita apenas pelo oficial de justiça ou pelo serventuárioque lavrou o termo de nomeação (LEF, art. 13, §1º).

O devedor tem direito de requerer nova avaliação, ainda que elepróprio tenha fornecido o valor, por ocasião da nomeação dos bens.Seu pedido deverá ser atendido, se demonstrar a possibilidade devariação do preço entre a data da nomeação e o pedido de adjudicação.Findo o leilão sem lanço, a Fazenda Pública ainda poderá usar seu direitoà adjudicação (art. 24, I, LEF). Este artigo, não faz qualquer mençãosobre os embargos à arrematação, sendo de entendimento que esteinstituto existe em tal processo, e sua regulação é subsidiariamentesatisfeita pelo art. 746 do CPC.

As condições concernentes à adjudicação, podem ser:- oferta do preço da avaliação, se requerer antes do leilão;- também pelo preço de avaliação, se houver praça e não houver licitante;- oferta do preço igual ao do maior lanço, com preferência da Fazenda

quando houver licitante. Este requerimento por parte da Fazenda temprazo de trinta dias, a contar da arrematação para ser interposto. Oauto de arrematação somente poderá ser expedido depois deste prazo,salvo anuência da exeqüente, sendo também possível a oposição deembargos à arrematação nos 30 dias subseqüentes à lavratura do autode arrematação, em razão do art. 746 do CPC. Em caso de adjudicaçãoà Fazenda, cabe arcar com a comissão do leiloeiro.

Se ocorrer de a adjudicação se dar por preço maior que o crédito,o juiz somente deferirá o pedido depois de depositada a diferençapela Fazenda, no prazo de trinta dias.

Importante salientar, que a pretensão de adjudicar o bem não excluio direito de remição, quer dos bens (art. 787 CPC), quer da própriaexecução (art. 651 CPC), devendo esta preferir àquela, e as duaspreferirem a adjudicação, em caso de concorrência de pedidos.

A adjudicação no decorrer do processo de execução não dependede sentença. Assim que o juiz deferir, ordena-se a lavratura do auto(art. 715 CPC) .

4.4.1 Das Apresentações Legais para AdjudicarConforme anotado nos termos do art. 24 da LEF, a Fazenda Pública

poderá adjudicar os bens penhorados:

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a) Antes do leilão, quando não há embargos ou os mesmos foramrejeitados, pelo preço da avaliação;

b) Depois do leilão: · Quando o leilão for negativo: pelo preço da avaliação; · Quando o leilão for positivo: com preferência, pela melhor oferta

no prazo de 30 dias.Na hipótese de haver concurso entre remição e adjudicação, a

jurisprudência entende que a questão será resolvida a favor doremitente quer seja na remição da execução, quer seja na remiçãodo bem. Isto porque, o direito de remição é personalíssimo. Tambémse houver concurso entre diversos remitentes, o critério a ser adotadoé o constante no art. 789 do CPC26.

5 DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL

5.1 ConceitoPara o oferecimento dos embargos à execução, depreende-se do art.

16 da LEF, que o prazo para o seu oferecimento é de trinta dias a partirda data da intimação ou, conforme entendimentos divergentes, do termoda data da juntada aos autos do mandado cumprido. O prazo para aFazenda Pública embargar é de dez dias (art. 730 CPC), entendido poralguns Tribunais o mesmo prazo para o particular embargar27.

Os pressupostos de admissibilidade dos embargos de execução sãogenéricos (art. 3º do CPC) e específicos da LEF, como a prévia garantiado juízo (art. 16, §1º) e a apresentação no prazo legal (art. 16), segundoanotado na obra do doutrinador Poloni. A garantia do juízo decorreda responsabilidade patrimonial do executado (art. 591 do CPC),evitando assim que a execução fique frustrada no caso do executadoficar sem patrimônio. Esta forma de garantia depende do executado, einflui no termo inicial do prazo de embargos (art. 16, LEF).

Estes embargos são processados e julgados de acordo com asregras estabelecidas no CPC. De forma genérica, são incidentes emque o devedor, ou terceiro, procura defender-se dos efeitos daexecução, não somente visando evitar a deformação dos atosexecutivos e descumprimento das regras processuais, como tambémpara resguardar os direitos materiais supervenientes ou contrários ao26 Theodoro Júnior. Op. Cit.27 Alvares. Op. Cit.

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título executivo. Em suma, trata-se de uma ação de cogniçãoincidental, de caráter constitutivo, conexa a execução por estabelecer,uma “relação de causalidade entre a solução do incidente e o êxitoda execução” segundo Chiovenda, descrito na obra do doutrinadorAmaral Santos28.

Os embargos devem ser autuados em apenso (art. 736 CPC),ocorrendo a ampla defesa e instalando-se da mesma maneira ocontraditório, que é inerente em qualquer execução por títuloextrajudicial. As provas devem ser requeridas na própria inicial, queestará instruída com todos documentos a seu acatamento e conter orol de testemunhas, até o máximo de três, podendo o juiz elevar essenúmero para seis (art. 16, § 2º LEF).

As exceções de suspeição, impedimento e incompetência relativa, serãoprocessadas a parte, suspendendo a processo e os embargos. As demaisexceções deverão ser argüidas como preliminar dos embargos.

Apesar da aparência, os embargos não são uma defesa do devedor aopedido do credor. Trata-se de o embargante tomar a posição ativa,exercitando contra o credor o direito de ação almejando uma sentença quevenha a extinguir o processo ou desconstituir a eficácia do título executivo.

Após o recebimento dos embargos, o juiz determinará que sejaintimada a Fazenda Pública para impugná-los. O art. 17 da LEF, aose referir ao termo “recebidos os embargos” implicitamente estaráadmitindo que eles podem ser inadmitidos, não recebidos, como naexecução. O magistrado ao receber a inicial dos embargos poderárejeitá-la liminarmente por ser intempestiva, por ser inepta, pelailegitimidade da parte ou carecer de interesse processual; nãoobservar as imposições do art. 39, parágrafo único e art. 284 doCPC; ou pode recebê-la e mandar intimar a Fazenda para impugná-los em 30 dias. Depois, será designado, audiência de instrução ejulgamento para dia posterior ao prazo da impugnação, a não serquando se tratar de matéria exclusivamente de direito ou matéria dedireito e de fato em que haja prova documental. Sem audiência ojuiz deverá pronunciar-se em trinta dias29.

A intimação da Fazenda Pública pode ser pessoal, ou mediante vistados autos, nos termos do art. 25 e parágrafo único da LEF. Segundo oCPC a Fazenda tinha um prazo de 40 dias para impugnar conforme28 Santos, Op. Cit.29 Theodoro Júnior. Op. Cit.

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arts. 740 e 180 do CPC. Pela impugnação deverá atacar o pedidodo embargante, e especificando as provas que pretende produzir.

Os embargos, de forma genérica, são os incidentes, em que o devedorou terceiro, procura defender-se dos efeitos da execução. Não somentevisa evitar a deformação dos atos executivos e o descumprimento dasregras processuais, como também resguardar direitos materiaissupervenientes ou contrários ao título executivo. É uma ação de cogniçãoincidental, de caráter constitutivo, e conexa à execução.

Sendo, portanto, os embargos do devedor uma ação, deve oembargante pagar as custas iniciais. Este é o entendimento doutrinário ejurisprudencial, visto que, constitui uma ação incidental de conhecimento.O prazo para o preparo prévio é de 30 dias contados da data deintimação do despacho do juiz que determina o seu pagamento. A faltado preparo importa na extinção do feito sem julgamento do mérito,podendo porém a sentença ser atacada por via de apelação.

5.2 Das Exceções nos EmbargosÉ facultado ao devedor executado alegar toda a matéria útil à sua

defesa, atacando a pretensão consubstanciada na inicial da execuçãoe no título executivo. Proceder à defesa processual, objetivando oindeferimento da inicial, requerendo o indeferimento da inicial semdiscutir o mérito, argüindo as preliminares e as exceções.

As preliminares a serem argüidas nos embargos são os casos deincompetência absoluta ou relativa, litispêndencia, coisa julgada, asuspeição e o impedimento do juiz da causa. Opostas referidasexceções, o juiz as processará e julgará com precedência sobre asdemais matérias constantes nos embargos30.

5.2.1 Da Participação de TerceirosOs terceiros podem estar vinculados à execução por fiança

bancária, garantia real, penhora ou responsabilidade solidária. Emqualquer uma dessas hipóteses, deverão ser intimados se a execuçãonão for embargada nos 30 dias ou se forem rejeitados os embargos.Esta intimação deve ser requerida pela exeqüente, que indicará porque meio deverá ser feita a intimação, dentre as hipóteses do art. 8º.Caso haja alguma omissão por parte da exeqüente, o juiz de ofício

30 Alvares. Op. cit.

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determinará a intimação pessoal. Todo esse procedimento visa adar ao terceiro o prazo de 15 dias para remir o bem objeto da garantiareal ou pagar a dívida ativa.

Se a garantia foi prestada por terceiro, deve ser intimado para noprazo de 15 dias, remir o bem (se a garantia for real) ou pagar o valorda dívida e demais encargos (se a garantia for fidejussória (LEF, art. 19).Caso não o faça, prescreve a lei que a execução prosseguirá. Se foremexpropriados os bens e não paga integralmente a execução, outros bensnão poderão ser penhorados. A Fazenda não está sujeita a custas.

Poderá ainda, embargar no prazo legal, mas somente no que dizrespeito a questões pertinentes à própria fiança judicial.

Não sendo o terceiro intimado, apenas ele poderá argüir a nulidadeda arrematação (LEF, art. 694, I), antes da expedição da carta. Apósexpedida, poderá anular o ato e proteger sua posse através deembargos de terceiro (CPC, art. 1.046, §1º) ou pelas vias ordinárias.

Se o terceiro prestou garantia fidejussória, como é o caso da fiança,deverá ser intimado para pagar a dívida e os acessórios pelos quaisse obrigou. Não o fazendo, poderá ser instaurada contra ele, nosmesmos autos, nova execução. Não sendo o terceiro fiador intimado,poderá argüir a nulidade em grau de embargos do devedor.

5.3 Da Matéria de DefesaEm se tratando de título executivos extrajudiciais, como ocorre nas

execuções fiscais que são instrumentalizadas pelas Certidões de DívidaAtiva (CDA), o direito do exeqüente, não foi discutido em juízo,admitindo-se, assim, nos embargos, que o devedor se defenda damaneira mais ampla possível, sem as limitação impostas pelo CPCpara execução de sentença. Assim, o executado pode alegar nosembargos à execução fiscal toda matéria útil à defesa de seus direitos,admitindo-se que seja alegado:

a) inexigibilidade do título executivo; b) ilegitimidade das partes; c) cumulação indevida de execuções; d) excesso de execução; e) falta ou irregularidade na citação; f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da

obrigação, como pagamento, novação ou transação; g) qualquer defesa de ordem processual;

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h) inconstitucionalidade de lei ou tributo; i) qualquer matéria de mérito ou de procedimento.Embora o CTN em seu art. 170 admita a compensação como forma

lícita de extinção do crédito, a LEF não recepcionou este dispositivo.Não admite também a reconvenção, pois esta é própria do processode conhecimento onde se objetiva o reconhecimento de direito peranteo réu, o que não é próprio da execução, que por sua vez visa aosimples cumprimento daquilo que está devidamente reconhecido. Acompensação somente poderia ser admitida se houvesse expressadisposição legal que a autorizasse31.

A exceção de incompetência (sempre relativa), a de suspeição e a deimpedimento são argüidas separadamente, junto com os embargosprocessadas em apenso e decididas como incidente (CPC, art. 742).Poderão, todavia, ser matéria de embargos, com o fito único de fazerdeslocar a execução para outro juízo ou de se afastar o juiz do processo.

Importante ressaltar que o executado não pode transferir para oprocesso de execução as matérias próprias da esfera dos embargos.Na execução, normalmente, não há sentença, e a apelação se houver,ficará circunscrita a aspecto estritamente ligado aos seus limites, nãopodendo comportar matéria de embargos. A admissão do recurso deapelação, no caso, não traz resultados práticos, pela impossibilidadeprocessual do exame da matéria versada, já que o mérito da apelaçãonão pode ser decidido na instância revisora, porque o mesmo não foiapreciado em primeiro grau. Se os autos retornassem ao juízo de origempor decisão superior, o juiz a quo não poderia conhecer da matériaexposta nas razões da apelação, eis que ela não comporta o âmbitolimitadíssimo do procedimento executório, nem seria possível reabriro prazo para oferecimento dos embargos32.

5.4 Das Provas nos EmbargosNo que tange à produção de provas nos embargos, existe uma

diferença de tratamento entre Fazenda Pública e o executado.Enquanto aquela independe de requerimento na petição inicial paraproduzir provas, este tem que requerê-lo e deve fazê-lo no prazo dosembargos, quando deverá também juntar aos autos os documentoscom que deseje comprovar suas alegações e o rol de testemunhas.31 Alvares. Op. Cit.32 Theodoro Júnior. Op. Cit.

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Deste rol devem constar no máximo três testemunhas, ficando noentanto a critério do magistrado aceitar a indicação de até seistestemunhas. Pode o executado requerer perícia, exame ou exibiçãode documentos, requisição de processos ou informações. É tambémlícita a requisição de processos administrativos33.

Na execução fiscal, sendo o título revestido da presunção deliquidez, certeza e exigibilidade, a exeqüente nada tem a provar. Cabeao executado nos embargos tentar por todos os meios de provaadmitidos em direito, ilidir e desconstituir o título. Se nada provar apretensão do embargante será desmerecida e dará prosseguimentoa execução até a satisfação do crédito ou objeto da pretensão.

5.5 Do Processo e Julgamento dos EmbargosRecebidos os embargos, a Fazenda Pública poderá impugná-los

em 30 dias, sendo, para tanto, intimada através de seu representantenos autos. (LEF, art. 17). Quanto ao art. 17 sabe-se que não houvemudanças significativas neste procedimento, a não ser o que dizrespeito a prazo, que passou de 10 para 30 dias.

Não se realizará audiência, se os embargos versarem sobre matériade direito ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamentedocumental, caso em que o juiz proferirá a sentença no prazo detrinta dias (parágrafo único do art. 17).

Importante salientar a hipótese em que os embargos não sãoimpugnados, posto que apesar da inércia da Fazenda Pública, oônus de ilidir a presunção de liquidez e certeza da Certidão de DívidaAtiva incumbe ao embargante. Porém caso inverso ocorre quandonão são oferecidos embargos pelo executado. Transcorrido o prazode 30 dias o escrivão deve certificar o transcurso, para que sejaaberto vistas à Fazenda Pública a fim de manifestar-se acerca dagarantia oferecida ou sobre a penhora.

O representante judicial da Fazenda Pública deve ser sempreintimado pessoalmente do embargo, não se admitindo para ele, aintimação por jornal ou carta (LEF, art. 25). A intimação poderá serfeita pela simples abertura de vista, remetendo-o os autos.

O embargante sempre será ouvido, no prazo de 10 dias, se aFazenda Pública argüir qualquer das matérias constantes do art. 301

33 Idem.

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do CPC, ou qualquer fato que impeça, modifique ou extinga odireito do embargante alegado nos embargos, a ele abrindo vista(CPC, art. 326 e 327). Abre-se vista também, pelo prazo de 5 dias, sea Fazenda juntar documentos aos autos.

Havendo necessidade de provas orais, o juiz designará audiência(LEF, art. 17). Não havendo, por versarem os embargos sobre matériade direito ou de fato que dispense a prova oral, a sentença seráproferida em 30 dias (LEF, art. 17, parágrafo único)34.

5. 6 Dos Embargos à Execução por Via PostalDispõe o art. 20 da LEF, que na execução por carta os embargos

do executado serão oferecidos no juízo deprecado, que os remeteráao juízo deprecante, para instrução e julgamento. Esta forma deprática de atos executivos, ou seja, por carta é proveniente do art.658 do CPC. São casos em que o executado muda de domicílio,fixando a competência no juízo deprecado.

No parágrafo único: quando os embargos tiverem por objeto víciosou irregularidades de atos do próprio juízo deprecado, caber-lhe-áunicamente o julgamento dessa matéria.

Na execução fiscal, quando houver carta precatória para penhorae outros atos executivos, o executado poderá opor embargos nojuízo deprecado, que tem competência para recebê-los eencaminhá-los ao juízo deprecante, cabendo assim a instrução ejulgamento ao juízo deprecante35.

Quando os embargos impugnarem vícios que se realizam por atosdo próprio juízo deprecado, cabe não recebê-los, mas julgá-los. Casohaja um meio termo, ou seja, os embargos impugnem tanto atos dojuízo deprecado como outros assuntos, deverá o juízo deprecadoreceber e julgar os embargos no que tange aos atos por ele praticadose remeter os embargos ao deprecante para que este instrua e julguesobre os outros assuntos. Por isso aconselha-se aos causídicos quefaçam petição compartimentalizada, articulando separadamenteimpugnações de competência do deprecante e do deprecado.

5.7 Da Alienação AntecipadaPrescreve o art. 21 que na hipótese de alienação antecipada dos

bens penhorados, o produto será depositado em garantia da34 Theodoro Júnior. Op. Cit.35 Idem.

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execução. Não são todos os bens arrestados ou penhorados quepoderão ser alienados antecipadamente, mas os que estejam emsujeitos à deterioração ou depreciação, ou forem semoventes e bensde guarda dispendiosa, quando houver manifesta vantagem naefetivação desta alienação36.

Através do poder geral de cautela, pode o juiz de ofício, determinara alienação antecipada, que também pode ser requerida pelas partes.Se uma parte requerer, a outra deverá ser ouvida. Se for requeridapelo depositário, ambas as partes serão ouvidas. Desta decisãocaberá agravo de instrumento.

Deferida pelo juiz a alienação antecipada, deverá ser designado oleilão, anunciado pelo edital e procedido conforme os tramites doleilão comum. Não haverá necessidade de duplo leilão se obedecidoos prazos previstos no art. 22 § 1.º da LEF37.

6 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

O processo administrativo correspondente à inscrição de DívidaAtiva, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Públicaserá mantido na repartição competente, dele se extraindo cópiasautenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ourequisitadas pelo juiz ou Ministério Público (art. 41 LEF). Prescreve aindaem seu parágrafo único que mediante requisição do juiz à repartiçãocompetente, com dia e hora previamente marcados, poderá o processoadministrativo ser exibido na sede do juízo, pelo funcionário para essefim designado, lavrando o serventuário termo da ocorrência, comindicação, se for o caso, das peças a serem trasladadas.

A certidão de dívida ativa decorre de um crédito constituídounilateralmente pela Fazenda Pública. Assume papel de grandeimportância no processo executivo, pois é nesta que o devedor deveráimpugnar a constituição do crédito, oferecer suas razões e exercer odireito ao contraditório e ampla defesa.

É no processo administrativo que poderá ser verificado a apuraçãodo crédito da Fazenda Pública, os valores considerados e os cálculosefetivados. Na CDA deverá constar as informações sobre a natureza

36 Alvares, Op. cit.37 Idem.

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da dívida, sua origem e os fundamentos legais para a cobrança.Ela é um título executivo, e não um ato de lançamento.

Os autos devem ser mantidos na repartição com dispõe o artigosupra mencionado. Assim, quando o processo administrativo forrequisitado, a repartição extrairá cópias das peças e enviará no prazomáximo de trinta dias. Se for requerido pelo juiz, deverá ser exibidona sede do juízo, por funcionário designado, em dia e horapreviamente marcados.

Se os embargos à execução puderem ser julgados sem o exame doprocesso administrativo, o mesmo não precisa ser requerido. Suarequisição é somente se houver controvérsia na descrição da dívidaativa. Mas se a sua requisição for obrigatória, para provar o que alegaa parte, e não for apresentado, caracterizará cerceamento de defesa38.

7 CONCLUSÕES

A matéria de responsabilidade fiscal, sob as normas e coações previstasna Lei de Execução Fiscal, foi muito controvertida entre doutrinadores eestudiosos, tendo em vista a execução processual civil, em que pesealgumas modificações ou chamadas inovações apresentadas pela lei.O fato da Fazenda Pública ficar em situação privilegiada frente a seusexecutados, causou e causa muita discussão, pois, a situação dosexecutados fica em desvantagem frente a seu executor.

O processo de arrematação não difere do processo de arremataçãocivil, apenas modificou a imposição de duplo leilão como forma deassegurar ao executado, possibilidade de buscar subsídios paraefetuar o pagamento antes da perda do bem pela arrematação.

Do ponto de vista do doutrinador analisado, a arrematação é formade transferência coativa dos bens penhorados a terceiros arrematantes,mas outros doutrinadores não concebem esta forma de arrematação,visto que não se trata de transferência, mas de alienação judicial debem, penhorado por inadimplência de seu proprietário ou possuidor.

Por fim, do ponto de vista apresentado pela estudante em questão, estáde encontro com a visão de outros doutrinadores no que tange à alienaçãojudicial, pois, percebi que trata-se de venda judicial, e não transferênciacoativa do bem executado para satisfação da Fazenda Pública.

38 Alvares. Op. Cit.

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Os embargos, como forma de recurso permite ao executadoapresentar sua oposição, mas não trás nenhuma segurança frente aoprocesso executivo, vez que, a Fazenda Pública continua em situaçãovantajosa frente aos embargos. Isto se dá pelo fato de que o executadodeve depositar o valor do processo, através de garantia à execução,impedindo muitos contribuintes em situação de hipossuficiência denão poder fazer uso deste instituto, devido à baixa condição financeira.

O tema é de suma importância e de valor para os interessados emmatéria de direito tributário e direito processual civil, gera polêmicae cabe perfeitamente em seminários e simpósios, com o fim de discutiras formas e as vantagens da administração pública, frente aoscontribuintes – posteriormente – executados.

BIBLIOGRAFIA

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O DIREITO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE ÀSUCESSÃO LEGÍTIMA, COMO HERDEIRO

NECESSÁRIO, E O DIREITO À MEAÇÃO: UMESTUDO SOB A PERSPECTIVA DO NOVO CÓDIGO

CIVIL BRASILEIRO.*

Alessandra Bueno de Castro**

Resumo: O artigo aborda a questão polêmica do direito do cônjugesobrevivente à sucessão legítima como herdeiro necessário e o direito àmeação tendo como referencial teórico a teoria tridimensional do direitode Miguel Reale.

Palavras chave: Direito de sucessão - partilha - meação.

1 Introdução

O direito sucessório brasileiro tem suas origens caldeadas no direitoromano, germânico e português. É inegável a antiguidade dasucessão causa mortis e sua consagração por uma longa tradiçãolegislativa. “O instituto da sucessão remonta à noite dos tempos,porque ele encontra-se regulado já, como dissemos, no Código deHamurabi, rei de Babilônia, no século XXI antes da E. C., assim comono direito dos Hindus, dos Egípcios, etc”.1

A preocupação com o instituto da sucessão vem de tempos remotos,desde o século XVIII, ora pelos escritores de direito natural, precursoresda Revolução Francesa de 1789, e pelos da escola de Montesquieu eRousseau, ora pelos escritores socialistas, e continua sendo ainda hojeum dos temas mais discutidos pelos nossos doutrinadores, vez que “éo complemento necessário do direito de propriedade, conjugado,ou não, com o direito de família”.2

O instituto passou por inúmeras alterações ao longo da história,

* O artigo é resultado da monografia jurídica defendida no Curso de Direito da UFMS, sob orientação do professorDoutor Helder Baruffi.** Bacharel em Direito pela UFMS/Campus de Dourados.1 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil Português. 2.ed. atual. e aumentada. v. IX, tomo II, São Paulo: Max Limonad Ltda, [s.d.]. p. 605.2 Ibidem. p. 601.

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com sucessivas mudanças na legislação pertinente. No que tange aodireito brasileiro, até dezembro de 2002 o direito civil eraregulamentado pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, conhecidocomo o Código Civil de 1916. Entrementes, com o passar do tempoe diante das evoluções sociais, fora se demonstrando cada vez maisnecessário uma adequação desta norma ao quadro social atual.Sendo assim, em meados de 1975, iniciaram-se as tentativas nosentido de elaborar-se um novo código civil. E, após décadas detramitação do projeto no Congresso Nacional, em 2002, finalmente,foi sancionado o novo Código Civil Brasileiro para reger as principaisrelações do direito privado.

A Lei nº 10.406/2002 revogou o antigo Código Civil de 1916, trazendoimportantes inovações, as quais são merecedoras de nossa análise, pois,como toda entrada em vigor de uma nova lei, a vigência do novo CódigoCivil suscita análise e interpretação de suas normas, a fim de se trazer oseu verdadeiro sentido (a mens legis); por conseguinte, é de extremaimportância o exame das inovações que ela ensejará no direito sucessório.

Ademais, como já bem lembraram Sebastião Amorim e Euclidesde Oliveira:

Como toda obra humana, por certo o projeto de novo Código Civil Brasileiro

contém falhas e imperfeições que, possivelmente, venham a merecer consideração

nos subseqüentes trâmites legislativos. Mas não há que negar que signifique um

grande avanço nos sentido de atualizar os preceitos do vestuto ordenamento civil

em vigor, que ficaram em descompasso com as novas necessidades decorrentes

das notáveis mudanças sócio-culturais observadas desde sua edição, com

atropelada marcha neste princípio de um novo milênio.3

Com o novo diploma legal, o direito sucessório do cônjuge sofrealgumas alterações cruciais como, por exemplo, a inclusão da figurado cônjuge entre os herdeiros necessários. O cônjuge, antes do novocódigo, era apenas o viúvo meeiro, só tendo direito à herança do “decujus” na falta de descendentes e ascendentes do mesmo, obedecendo-se à ordem de sucessão prevista no art. 1.603 do antigo código, edesde que não houvesse disposição testamentária conferindo atotalidade dos bens a outras pessoas. Conseqüentemente, o cônjugeaparece, agora, legitimado a concorrer à herança com os

3 AMORIM, Sebastião Luiz, OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Inventários e partilhas: direito das sucessões.14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LEUD, 2001.

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descendentes ou, na inexistência destes, com os ascendentes e, nainexistência de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidadeda legítima, não mais podendo o “de cujus” dispor, em testamento,dos 50% da herança, pertinentes à legítima, vez que o cônjuge passoua ser também herdeiro necessário.

O legislador agiu de forma coerente com os novos valoressociais, erigindo o cônjuge supérstite à classe dos herdeirosnecessários e, portanto, dando-lhe maior proteção, pois que ofundamento do direi to sucessório não se prende mais àcontinuidade patrimonial, baseada, tão-somente, em critériosconsangüíneos, ou seja, no parentesco. Ligado como é ao direitode família, requer, como este, um tratamento novo, deixando-seem segundo plano o critério patrimonial para dar ênfase ao caráterafetivo da família.4

Na história, a união do homem e da mulher esteve relacionadacom o fim de aumentar o patrimônio, sem qualquer sentimento deafeto entre os nubentes. O casamento tinha, assim, um objetivopuramente patrimonial. Como exemplo, podemos citar aquelescasamentos arranjados entre herdeiros de dois reinos, com o fimde evitar uma guerra entre as duas nações, etc.

Contudo, o conceito de família moderno ganhou conteúdo maisamplo, tendo-se hoje como finalidade última do casamento acomunhão de vida e a mútua assistência entre os consortes, oriundade uma relação afetiva.

Esse novo conceito do Direito de Família, aliás, já foraconsolidado pela nossa Carta Magna de 1988, ao abolirtratamentos diferenciados entre filhos legítimos e ilegítimos,reconhecer a união estável e a família monoparental comoentidades familiares, etc.5

O Código Civ i l de 2002 procura fornecer uma nova

4 Neste norte, oportuno ressaltar que os direitos de família, propriedade e sucessão, estão estreitamente ligadosentre si, sendo que, nos dizeres do Professor Silvio de Salvo Venosa. Direito das Sucessões. 3. ed. v. 7. SãoPaulo: Atlas, 2003. p. 20: “O direito é um só, interpenetra-se. A noção de propriedade individual foi fator deagregação da família. Quando se corporifica a família, nasce a propriedade privada. Com a família e a propriedadesurge o direito sucessório como fator de continuidade do corpo familiar (cunho exclusivamente religioso, a princípio),como vimos”.5 De acordo com o pensamento de Euclides de Oliveira e Giselda M. Fernandes Novaes Hironaka. Direito deFamília e o novo Código Civil. [s.l.]: Del Rey, 2002, p.4: “a principal mudança, que se pode dizer revolucionária,veio com a Constituição Federal de 1988, alargando o conceito de família e passando a proteger de forma igualitáriatodos os seus membros, sejam os partícipes dessa união como também os seus descendentes”.

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compreensão da família, adaptada ao novo século.6Além disso, há tempos que a doutrina vem defendendo a colocação

do cônjuge como herdeiro necessário. Portanto, o fundamento do direitosucessório, hodiernamente, mais do que na continuidade patrimonialou na manutenção dos bens na família, está no fator de proteção desta,sendo que, o objetivo visado pelo legislador com o novo tratamentoera evitar situações extremas em que o cônjuge pudesse ficarcompletamente desassistido após a morte do seu consorte.

Além da condição de herdeiro necessário, o legislador do novoCódigo concedeu ao cônjuge o direito de concorrer à herança comos descendentes, em dadas circunstâncias. Cabendo analisar se estáem conformidade com o tratamento reclamado pelo novo século, ofato de o cônjuge supérstite concorrer com os descentes no montetotal da herança, quando o regime de casamento for o da comunhãoparcial de bens, e o “de cujus” houver deixado apenas um bemparticular de ínfimo valor, como uma bicicleta, podendo, em muito,diminuir o quinhão dos descendentes.

Demonstra-se, assim, necessário o exame da sucessão causa mortis,principalmente, no que tange à do cônjuge supérstite, em face dasalterações trazidas pelo novo Código Civil.

É objetivo deste trabalho direcionar o estudo para uma reflexãosobre o novo direito sucessório do cônjuge, atinente à possibilidadedeste adquirir a sua parte na meação e, concomitantemente, concorrerà legítima com os demais herdeiros necessários. Observando emquais circunstâncias o legislador quis conceder ao cônjuge sobrevivo,simultaneamente, esses direitos, mais precisamente, quando o regimedo casamento for o da comunhão parcial de bens e o “de cujus”houver deixado bens particulares.

Assim, justifica-se o presente trabalho, na medida em que traz alume um tema atual, recentemente normatizado em nossoordenamento jurídico; pois, tendo em vista a grande relevância socialdo tema e a repercussão que sua introdução no mundo jurídicocertamente trará, é que se demonstrou fundamental o estudo do novodireito sucessório do cônjuge.

O referencial teórico utilizado na elaboração do presente artigofoi a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, considerando

6 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. 3. ed. v. 6. São Paulo: Atlas, 2003. p. 24.

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o direito como fato, valor e norma, concomitantemente.Portanto, para alcançar o objetivo proposto, buscou-se abordar o

tema em diferentes momentos, que foram divididos em três capítulos.O primeiro, trata da definição do Direito à luz do referencial teóricoadotado. O segundo, procura trazer alguns aspectos conceituais damatéria sucessória, enfatizando a opção do legislador de erigir ocônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário e,concomitantemente, viúvo meeiro. Por fim, o terceiro, trata daconcorrência do cônjuge supérstite à herança, quando o regime docasamento for o da comunhão parcial de bens e houver bensparticulares do “de cujus”, que é o assunto central deste trabalho,examinando-se o espírito da nova lei.

2 Do conceito de Direito à luz da Teoria Tridimensional

de Miguel Reale

Uma vez que o presente fora elaborado à luz do conceito de Direitoarticulado por Miguel Reale, na obra “Teoria Tridimensional doDireito”, antes de adentrar o mérito, é mister a realização de algumasexplanações sobre esse conceito, conforme segue nas próximas linhas.

Da leitura da supracitada obra é possível notar que o autor tomacomo ponto de partida as idéias de alguns autores que já vinham, decerta forma, sustentando a tridimensionalidade do Direito, porém,de maneira diferenciada ou, como assevera o autor, abstrata.

Citando Luigi Bagolini e Recaséns Siches, afirma que:

O Direito não pode ser visto como puro fato, nem como pura forma,nem como norma entendida em sentido formal, nem como puro valorideal, nem como puro conteúdo intencional, mas sim como objetivaçãonormativa da justiça.7

Nessa concepção – continua Recaséns – conservam-se as trêsdimensões de que tenho tratado – valor, norma e fato –, porémindissoluvelmente unidas entre si em relações de essencial implicação.O direito não é um valor puro, nem é mera norma com certoscaracterísticos especiais, nem é um simples fato social com notasparticulares. Direito é uma obra humana social (fato) de forma

7 BAGOLINI, Luigi. Apud REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. rev. e aum. São Paulo:Saraiva, 1994. p. 31.

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normativa destinada à realização de valores.8

Com a citação destas idéias, percebe-se a inclinação do autor emnão admitir que o direito seja pura norma, fato ou mero valor,conforme o pesquisador seja, respectivamente, um positivista,sociólogo ou filósofo; pelo contrário, para ele, esses três elementos(fato, valor e norma) devem ser vistos concomitantemente, numarelação de interdependência e correlação. Logo, poder-se-ia dizerque a tridimensionalidade do direito concretiza-se numa dialética decomplementaridade entre os três aludidos elementos.

Vejamos, agora, a observação que o autor faz sobre a “visão ético-cultural do Direito”, propagada por Gustav Radbruch:

Havia, sem dúvida, na colocação do problema por Radbruch uma opçãono sentido de uma nova compreensão do homem e da sociedade emtermos de cultura, implicando a necessidade de uma consideração globaldo fenômeno jurídico, como tal e como aliquid dotado de especialsignificação em razões de valores e de normas, não entendidas estas inabstracto, como meros juízos lógicos, mas sim no contexto do processocultural (…) Sem esse descortínio histórico seria, efetivamente impossívelsituar não só o meu tridimensionalismo caracterizado pela concretacorrelação dialética de fato, valor e norma em todos os campos doconhecimento jurídico - como também o de outros jusfilósofos quetentarem focalizar de maneira unitária os referidos fatores.9

Em Fundamentos do Direito, Reale explica que esse culturalismorepresenta um “conjunto de estilos, de métodos, de valores materiais, que,juntamente com os morais, caracterizam um povo ou sociedade”, masque se revela “incapaz de nos explicar o aspecto normativo do direito”.10

Dito isto, infere-se que Reale admite o direito como fato histórico-cultural somente enquanto os fatos humanos se integremnormativamente no sentido de certos valores; pois que, ao admitir odireito, pura e simplesmente, como um fato histórico-cultural, estar-se-ia retirando-lhe um dos elementos, qual seja: a norma. Deste modo,não basta um conjunto de fatos, é preciso que estes sejam convertidosnuma norma jurídica e, ainda, segundo certos valores.

Explica o autor que o mundo jurídico é formado de contínuas intenções

8 SICHES, Recaséns. Apud REALE, Miguel. op. cit. p. 42.9 REALE, Miguel. op. cit. p. 148.10 REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 240.

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de valor que incidem sobre uma base de fato, refragendo-se em váriasproposições ou direções normativas, uma das quais se converte em normajurídica em virtude da interferência do Poder.11 Ressalte-se, porém, queesse poder não se restringe ao governamental, estendendo-se ao poderjudiciário, que edita normas jurisprudenciais através de sucessivasdecisões homogêneas, ao poder social, consagrando normascostumeiras, e ao poder negocial, existente nos contratos.

Como se vê, apesar de já existir, naquela época, aqueles quepregassem uma teoria tridimensional do Direito, esta era abstrata enão concreta (ou específica) como a de Reale, o qual pregava ainexistência de antinomias entre Filosofia do Direito, Ciência doDireito e Sociologia Jurídica.

Reale afirma, ainda, que o Direito sofre também um processo devariação semântica, isto é, que as variações semânticas do modelojurídico ocorrem no processo cultural da Lebenswelt (mundo da vida),no qual se acha situado tanto o detentor do poder como o destinatárioda norma. Vejamos o trecho seguinte:

A bem ver, o Direito, como tudo que existe em razão do homem e para reger

comportamentos humanos, está imerso no mundo da vida (Lebenswelt),

ocorrendo esse fato tanto para as formas espontâneas e ainda não

conceitualmente categorizadas da vida jurídica, quanto para as estruturas

normativas racionalmente elaboradas (…) Isto posto, quando um complexo de

valores existenciais incide sobre determinadas situações de fato, dando origem

a modelos normativos, estes, apesar de sua forma imanente, não se desvinculam

do “mundo da vida” que condiciona sempre a experiência jurídica.12

Assim, uma norma jurídica desde a sua promulgação jácomeça a sofrer alterações semânticas, seja pela superveniênciade mudanças no plano dos fatos, seja dos valores, até se tornarnecessária a sua revogação; pois que, nenhuma norma surgeex nihi lo, mas pressupõe sempre uma tomada de posiçãoperan te fa tos soc ia i s , tendo em v i s ta a rea l ização dedeterminados valores.13

Daí o porquê, por exemplo, do surgimento de um novo CódigoCivil (Lei nº 10.406/2002) para reger as relações do direitoprivado, mais adequado ao quadro atual dessas relações.11 REALE, Miguel. op. cit. p. 124.12 REALE, Miguel. op. cit. p. 101-103.13 Ibidem. p. 101.

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Contudo, mesmo tratando-se de uma norma nova e recente, o novoCódigo Civi l deve ser anal isado sob a ót ica da teoriatridimensional de Reale, pois, ao entrar em vigor a norma jácomeça a sofrer um cer to “desgaste” e, por isso, deve serinterpretada de acordo com o caso concreto, o que disciplina anorma e o que determinam os valores ético-jurídicos da épocaatual, ou seja, combinando-se os três elementos fato, valor e norma.

Vejamos, assim, o que diz Reale sobre o novo Código Civil em umdos seus artigos publicados na internet:

A nova Lei Civil preservou numerosas contribuições valiosas da codificação anterior,

só substituindo as disposições que não mais correspondiam aos valores ético-

jurídicos da nossa época, operando a necessária passagem de um ordenamento

individualista e formalista para outro de cunho socializante e mais aberto à

recepção das conquistas da ciência e da jurisprudência (…) Não se tratava, com

efeito, de mera mudança de artigos, mas de tomada de posição perante o problema

da codificação exigida pelo País, à luz de outros paradigmas de ordem ética e

política, uma vez que o Código em vigor fora elaborado para uma nação

predominantemente agrícola, com reduzida população urbana, sem os imensos

problemas sociais do Brasil contemporâneo.14

Conseqüentemente, o jurista ou juiz, ao analisar o caso concreto,deve visualizar não só a norma positiva, mas também buscar osvalores sociais embutidos nela. Não deve realizar a simples subsunçãoe dar-se por satisfeito. É preciso verificar quais os valores que se deveráatribuir, a fim de atender ao verdadeiro senso de justiça dado pelasociedade, numa dada época e local.

Admitido o direito como uma integração normativa de fatos segundovalores, deve-se ressaltar que o valor é elemento de mediaçãodialética entre fato e norma, dotado de objetividade histórica, ou seja,é a expressão de um desenvolvimento histórico no plano dasestimativas e não um mero objeto ideal.15

Grosso modo, ao fazer a subsunção, o jurista deve utilizar umintermediador, qual seja, o valor. No entanto, isto não significa queele irá valer-se do valor que, arbitrariamente, escolher, dentre um rolde n possibilidades, mas, tão-somente, daquele que lhe for dado pelaexperiência jurídica, visto que essa “escolha” deve ser feita pelo

14 REALE, Miguel. O novo código civil e seus críticos. Disponível em: www.miguelreale.com.br. Acesso em:18/11/2003.15 REALE, Miguel. op. cit. p. 153.

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detentor do poder. Além disso, esse valor não deve representar ummero ideal, mas dotar-se de efetividade, ser aquele trazido peloprocesso cultural.

Para Gény o fundamento do Direito deve ser procurado no idealde Justiça.16 Já Reale coloca a justiça como sendo o “valor-fimdo Direito”17 e, como “valor-fonte de todos os valores”18 , a pessoahumana.

Tanto é assim que, num momento mais avançado de seusestudos, Miguel Reale conceituou o Direito como “a concretizaçãoda idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever-ser histórico,tendo a pessoa como fonte de todos os valores”.19

Hodiernamente, a conceituação do Direito não pode mais seprender à simples norma posta, é preciso buscar um sentido maisamplo, completo. Deve-se, assim como fez Miguel Reale, buscarum meio termo entre o que pregavam os jusnaturalistas e ospositivistas.20

O modelo de direito existente, totalmente positivista como oKelseniano, não representa mais o modelo dominante. Há queprevalecer, agora, um modelo novo, composto dos “sabores” fato,valor e norma, de Miguel Reale.21

Portanto, Direito não é simplesmente a norma posta, a lei, massim uma integração normativa de fatos segundo valores. Se umanorma não oferece condições para o seu real cumprimento, nãocorrespondendo aos imperativos jurídicos de justiça dados pelasociedade numa dado momento e lugar, ou seja, se uma norma,embora vigente, não tiver também eficácia (fato) e fundamento(valor), não será válida ou legítima. Para o direito legitimar-se

16 GÉNY, François. Apud REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 1998. p. 298.17 REALE, Miguel. op. cit. p. 95.18 Ibidem. p. 305.19 Ibidem. p. 128.20 A teoria tridimensional do direito de Miguel Reale surge como uma superação da dicotomia entre o positivismo(empirismo) e o jusnaturalismo (idealismo), pois, conforme assevera o autor, op. cit. p. 110: “muito embora asestruturas do Direito Positivo não resultem de ‘normas naturais’, como silogisticamente se inferem conseqüênciasde dadas premissas, assente, ao contrário, que as regras jurídicas positivas nascem da trama dialética de fatos evalores, em um imprevisível plexo de conjunturas e conjeturas, nem por isso, do ponto de vista transcendental eético, se pode deixar de reconhecer a sua posição condicionadora, lógica e axiológica (do Direito Natural), daexperiência histórica do ius”.21 REALE, Miguel. op. cit. p. 121: “O Direito é uma realidade, digamos assim, trivalente ou, por outras palavras,tridimensional. Ele tem três sabores que não podem ser separados uns dos outros. O direito é sempre fato, valore norma, para quem quer que o estude, havendo apenas variação no ângulo ou prisma da pesquisa”.

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na sociedade é preciso estar presentes estes três elementos:vigência (norma), eficácia (fato) e fundamento (valor).22

3 O Cônjuge Meeiro Herdeiro Necessário: aspectos

conceituais e a opção do legislador

3.1 Definições necessárias

Prima facie, ressalve-se que este item não tem a pretensão deproduzir novos conceitos, mas tão-somente colacionar os já trazidospela doutrina e que mais se amoldam ao pensamento seguido.

Como o objeto de estudo situa-se no campo do direito sucessório,importante afirmar que “suceder é substituir, tomar o lugar de outremno campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe umasubstituição do titular de um direito. Esse é o conceito amplo desucessão no direito”.23

A palavra sucessão, dentro da terminologia jurídica, possui duasformas: uma proveniente de um ato inter vivos e outra cuja causaestá na morte ( sucessão causa mortis). O direito sucessório cuidaapenas dessa segunda forma, isto é, a transmissão de bens, direitos eobrigações em razão da morte. Poder-se-ia dizer, deste modo, que aterminologia sucessão é utilizada, no direito sucessório, em seu sentidoestrito (mortis causa). Por conseguinte, quando se falar em sucessãono presente trabalho estar-se-á referindo à sucessão causa mortis.

A sucessão causa mortis subdivide-se em dois tipos: testamentária,quando resulta de disposição de última vontade; e, legítima ou ab intestato,quando não há testamento, sendo chamados à sucessão aqueles sucessoresespecificamente designados pela lei. Logo, enquanto a primeira decorredo testamento, a segunda decorre da lei. Se a pessoa falece sem testamento(ab intestato), é a lei que determina a ordem pela qual serão chamadosos herdeiros: a ordem de vocação hereditária24 (art. 1.829 do CC).

Ao falar em legítima, faz-se necessária a definição do termo herdeiro

22 REALE, Miguel. op. cit. p. 15.23 VENOSA, Silvio de Salvo. op.cit. p. 15.24 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 89.

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necessário. Isso é assim porque os termos “legítima” e “herdeironecessário” estão intimamente ligados entre si: o primeiro (legítima)diz respeito à porção da herança não disponível que é garantida aosegundo (herdeiro necessário). Conforme reza o art. 1.846 do Códigode 2002, “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, ametade dos bens da herança, constituindo a legítima”. E, o art. 1.789,do mesmo Codex, que “havendo herdeiros necessários, o testador sópoderá dispor da metade de seus bens”.

Embora tenha se falado apenas em herdeiros, vale destacar que aterminologia “sucessores” pode ser utilizada para denominar herdeirose/ou legatários, conforme a sucessão seja de uma herança ou de umlegado. Quando, pela morte, se transmite uma universalidade(totalidade de um patrimônio), ou seja, quando a sucessão é universal,ainda que vários sejam os sucessores, tem-se o que se denomina deherança e, conseqüentemente, herdeiros. E, quando singular essasucessão (o “de cujus” dispõe de um bem certo e determinado), tem-seo legado. Como este estudo dedica-se à sucessão legítima do cônjugesobrevivente, limitar-se-á a fazer referência à herança, deixando de ladoqualquer discussão sobre legado.

Por fim, inevitável a alusão à meação conjugal, já que ao abordarsobre o direito sucessório do cônjuge não há como deixar de fazerreferência a este instituto do direito de família que diz respeito aoregime de bens do casamento. Ressalte-se que herança não seconfunde com meação. Enquanto a meação conjugal é parte dopatrimônio comum que cabe ao cônjuge sobrevivente diante dadissolução da sociedade ou do vínculo conjugal (em razão da morte);a herança constitui o acervo patrimonial deixado pelo “de cujus”, jáabatido da parte pertencente ao viúvo ou à viúva meeira.

Diferenciando meação e herança, Euclides de Oliveira e SebastiãoAmorim asseveram que:

Dentre os direitos patrimoniais do cônjuge, distinguem-se a meação e a herança.

Uma coisa é a meação, que decorre do regime de bens e pré-existe ao óbito do

outro cônjuge, devendo ser apurada sempre que dissolvida a sociedade conjugal.

Diversamente, herança é a parte do patrimônio que pertencia ao cônjuge falecido,

transmitindo-se aos sucessores legítimos ou testamentários.25

25 OLIVEIRA, Euclides Benedito de, AMORIM, Sebastião Luiz.. Invetários e partilhas: direito das sucessões.16. ed. rev. e atual. em face do novo código civil. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003. p. 94-5.

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Como se vê, apesar de ser muito confundida com a herança, ameação não se caracteriza no campo do direito sucessório, mas simno do direito de família, e sua dimensão variará conforme o regimede bens adotado no casamento.

Carlos Roberto Gonçalves define algumas dessas terminologias,da seguinte forma:

Herdeiro necessário (legitimário ou reservatário) é o descendente (filho,neto, bisneto etc.) ou ascendente (pai, avô, bisavô etc.) sucessível, ou seja,é todo parente em linha reta não excluído da sucessão por indignidade oudeserdação, bem como o cônjuge (CC, art. 1.845). A ele a lei assegura odireito à legítima, que corresponde à metade dos bens do testador (art.1.846). A outra, denominada porção ou quota disponível, pode ser deixadalivremente (...) A meação, havendo herdeiros necessários, é dividida emlegítima e metade disponível. A primeira, neste caso, corresponde a ¼ dopatrimônio do casal, ou à metade da meação do testador. Dela o herdeironecessário não pode ser privado, pois é herdeiro forçado, imposto pelalei. A legítima, ou reserva, vem a ser, pois, a porção de bens que a leiassegura a ele.26

3.2 Inovações trazidas pelo Código de 2002 pertinentes

à matéria

Da análise da ordem da vocação hereditária, determinada pela lei(art. 1.829, I a IV, CC), infere-se que os descendentes ocupam a primeiraclasse na ordem dos sucessíveis, mas que, na falta destes, serãochamados os ocupantes da segunda classe, ou seja, os ascendentes;agora, em ambos os casos (1ª e 2ª classe), em concorrência com ocônjuge supérstite, em virtude da alteração do novo Código. E, nãohavendo descendentes nem ascendentes, o cônjuge herdará atotalidade da herança, já que o Código de 2002 conservou a posiçãodo cônjuge na terceira classe dos sucessíveis. Haver testamento, ocônjuge não terá direito à totalidade da herança, mas, ao menos, àtotalidade da legítima, vez que se tornou herdeiro necessário.

Assim, cumpre dizer que o art. 1.829 do Código Civil, o qual traz aordem de vocação hereditária, inovou ao admitir a possibilidade docônjuge supérstite receber um quinhão da herança, mesmo existindo

26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 6. ed. atual. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 35-6.

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descendentes ou ascendentes do “de cujus”. No Código de 1916,essa possibilidade não existia, o cônjuge estava na terceira posiçãocomo ainda está no novo Código, mas não concorria com osdescendentes, nem ascendentes do “de cujus”. Havendo descendentesou ascendentes do “de cujus”, tais classes excluíam o cônjuge daherança. É claro que essa concorrência à herança com osdescendentes, trazida pelo Código de 2002, não é ilimitada, há umarestrição no que se refere ao regime de bens adotado no casamento.

Outra grande inovação, expressa no art. 1.845 do Código de 2002,foi erigir o cônjuge à categoria de herdeiro necessário, uma vez que,no Código anterior, herdeiros necessários eram apenas osdescendentes e ascendentes.

Erigir o cônjuge à condição de herdeiro necessário significa dizerque o mesmo não poderá mais ser excluído da herança pelo testador,exceto nas hipóteses legais de deserdação e indignidade, sendo-lhegarantida a porção da legítima.

Sobre esse assunto, importante colacionar o seguinte pensamentodoutrinário:

A sucessão testamentária dá-se por disposição de última vontade. Havendo

herdeiros necessários (ascendentes, descendentes ou cônjuge), o testador só

poderá dispor da metade da herança (art. 1.789), pois a outra constitui a legítima,

àqueles assegurada no art. 1.846; não havendo, plena será a sua liberdade de

testar, podendo afastar da sucessão os herdeiros colaterais (art. 1.850). Se for

casado no regime de comunhão universal de bens, o patrimônio do casal será

dividido em duas meações, e só poderá dispor, em testamento, integralmente,

da sua, se não tiver herdeiros necessários, e da metade (1/4 do patrimônio do

casal), se os tiver.27

Deste modo, quando se diz, acima, outra grande inovação, assim sefaz porque a inclusão do cônjuge entre os herdeiros necessários veio abeneficiá-lo, não se podendo mais excluí-lo da sucessão por meio desimples disposição testamentária (art. 1.850 do Código de 2002). Alémdisso, ao conceder-lhe o direito de concorrer com os descendentes eascendentes, o cônjuge não é mais excluído por estas classes.

Coaduna-se com o pensamento aqui afirmado, dentre outras, asseguintes passagens doutrinárias:

27 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit. p. 4.

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O Código Civil de 2002 trouxe importante modificação na ordem de vocação

hereditária, incluindo o cônjuge como herdeiro necessário, concorrendo com os

descendentes e ascendentes, e não mais sendo excluído por estas classes. O

cônjuge sobrevivente permanece em terceiro lugar na referida ordem, mas passa

a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido, salvo

quando já tenha direito à meação em face do regime de bens do casamento. Na

falta de descendentes, concorre com os ascendentes. Como herdeiro necessário,

tem direito à legítima, como os descendentes e ascendentes do autor da herança,

ressalvadas as hipóteses de indignidade e deserdação.28

Como se verifica, houve importante modificação na ordem depreferência dos herdeiros, com valorização da posição do cônjuge,que passa a concorrer na primeira e na segunda classe, além de serconsiderado herdeiro necessário, com direito à legítima, como osdescendentes e ascendentes do autor da herança, ressalvados os casosde indignidade ou deserdação.29

Além de admitir que o cônjuge concorra com os herdeiros daprimeira classe dos sucessíveis, o novo Código determina ainda quea sua quota não seja inferior a uma quarta parte da herança, se elefor ascendente dos herdeiros com que concorrer.

No que tange à concorrência com os ascendentes vale lembrar que,diferentemente do que ocorre quando da concorrência com os descendentes,a doutrina majoritária tem entendido que o cônjuge terá tal direitoindependentemente do regime de bens do casamento. Para Silvio Rodrigues,tratando-se de concorrência com os ascendentes, o Código não apresentalimitação alguma. Qualquer que tenha sido o regime matrimonial de bens,o cônjuge concorrerá com os ascendentes do falecido.30

Urge ressalvar que a condição de herdeiro do cônjuge, em todosos casos (seja como herdeiro único ou concorrente), ficará nadependência de não estar dissolvida a sociedade conjugal, ao tempoda morte do outro, ou não estar separados de fato há mais de doisanos, salvo prova de que a convivência tenha se tornado impossívelsem culpa do sobrevivente, neste último caso (art. 1.839, do CC).

Destarte, longe de afirmar serem as únicas modificações trazidaspelo novo Código Civil, no campo do direito sucessório, essas eramas que se pretendia apresentar. No entanto, antes de encerrar o

28 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit. p. 27-8.29 OLIVEIRA, Euclides Benedito de, AMORIM, Sebastião Luiz.. op. cit. p. 70.30 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 25. ed. atual. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 110.

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assunto, interessante deixar um posicionamento a respeito,apresentando até que ponto o legislador acertou com tais alterações.

Há tempos que a doutrina e a jurisprudência vinham defendendoa colocação do cônjuge entre os herdeiros necessários, tendo oCódigo de 2002, assim, acertado ao conceder-lhe tal condição. Aintenção do legislador, segundo o que vêm afirmando osdoutrinadores, era a de proteger o cônjuge, em especial a mulherque, sem patrimônio próprio suficiente, poderia, talvez até em idadeavançada, não ter meios de subsistência.31

Além do mais, o direito do cônjuge de concorrer com os descendentesou ascendentes do “de cujus” vem a ser uma exceção à regra dahierarquia de classes, presente na ordem de vocação hereditária. Sobrea referida regra, Maria Helena Diniz diz que a relação é, sem dúvida,preferencial; há uma hierarquia de classes obedecendo a uma ordem,porque a existência de herdeiro de uma classe exclui o chamamento àsucessão dos herdeiros da classe subseqüente.32

Segundo tal regra, havendo descendentes ou ascendentes, ocônjuge ficaria excluído da herança, se de outra forma não tivesse o“de cujus” disposto em testamento e, ainda, nesse caso, só poderiadispor sobre a parte disponível. Entretanto, isso não ocorrerá maiscom o novo Código, visto a possibilidade de concorrência do cônjugecom os descendentes e ascendentes.

A ordem vocacional encontra-se prevista em lei (art. 1.829, I a IV,CC) da forma em que está porque o legislador buscou atender àordem natural das afeições familiares, primeiro os descendentes,depois os ascendentes, o cônjuge e, por fim, os colaterais; uma vezque, de acordo com o que preleciona Maria Helena Diniz, é sabidoque o amor primeiro desce, depois sobe e em seguida dilata-se.33

Seguindo essa linha de pensamento, poder-se-ia dizer que o fundamentopara a previsão, pelo novel Código Civil, do direito do cônjuge a concorrercom os descendentes ou ascendentes do “de cujus” está nessa mesmaordem natural das afeições familiares, pois, os conceitos presentes nocampo do direito de família mudaram; hoje, o fundamento do matrimônioestá mais próximo de razões afetivas do que patrimoniais.

31 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 105.32 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 17. ed. rev. e. atual.v. 6. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 98.33 Ibidem. p. 99.

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Flávio Augusto Maretti Siqueira e João Batista de Araújo Júnior, em umartigo publicado na Internet, sustentam que a inclusão do cônjuge entre osherdeiros necessários e a admissibilidade de concorrência com osdescendentes e ascendentes encontram sua justificativa nos próprios finsdo casamento, como o dever de mútua assistência entre os consortes,previsto no art. 1.566, III, CC, o qual deve ser mantido não só na constânciado casamento, como também na sua extinção, quando a razão desta tiversido a morte de um deles.34

Da forma em que estava previsto no Código de 1916, poderia ocorrera situação do autor da herança não ter deixado um testamento e suaesposa vir a ficar de fora da sucessão, por existirem descendentes ouascendentes daquele; o que já não estava mais em harmonia com osvalores ético-culturais da sociedade atual.

Nesse sentido, Giselda Maria Fernandes Hironaka ensina que:

Tornar o sobrevivente herdeiro necessário da pessoa com quem conviveu e convivia

até período próximo ao da morte deste é medida que se coaduna com a colocação

daquele nas duas primeiras classes de vocação sucessória, em concorrência com

descendentes e ascendentes. Com efeito, seria ilógico fazer do sobrevivente

herdeiro preferencial, concorrente dos necessários e, ao mesmo tempo, negar-

lhe tal condição. Daí a regra do art. 1.845 referido.35

Diante desses breves apontamentos, pode-se concluir que, se aintenção do legislador era proteger o cônjuge, dando incentivo aocasamento, andou bem ao fazer as modificações já aludidas, poisbeneficiara em muito a situação sucessória desse.

3.3 A opção do legislador

O inciso I do art. 1.829 do Código Civil, que dispõe sobre a ordem

34 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti, ARAÚJO JÚNIOR, João Batista de. O cônjuge e o direito sucessório faceao novo código civil. Disponível em: www.direitonet.com.br/doutrina/artigos. Acesso em: 09.10.2003: “A inserçãodo cônjuge, nos herdeiros necessários, é justificável, pois, são os objetivos do casamento, como lembra a professoraMaria Helena Diniz ao citar Portalis, no que versa o papel dos cônjuges no casamento: “ajudar-se, socorrer-semutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie” (…) O Código em vigor,oferece o amparo obrigatório de um dos cônjuges para com o outro, ex vi legis, artigo 231, III e futuramente artigo1566, III. Se durante a mantença da sociedade matrimonial é conferido a segurança e a assistência recíproca, porqueessa não deveria subsistir, quando o casamento veio a termo por fatores alienígenas à vontade dos cônjuges. A lógicado legislador no livro de sucessões repetindo a consistência protecionista do direito de família foi louvável, ao nossover, interligando os sistemas civis com a ótica do legislador penal no seu artigo 244”.35 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídicaà face da previsão contida no novo Código Civil. Disponível em: www.direitonet.com.br. Acesso em: 09.10.2003.

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de vocação hereditária, prevê a possibilidade do cônjuge supérstiteconcorrer com os descendentes do “de cujus”, desde que respeitadasas restrições concernentes ao regime de bens adotado no casamento.Deste modo, pergunta-se: qual seria a opção do legislador no tocanteà situação em que se admitiria a referida concorrência? E mais,havendo meação, permanece a concorrência ou não? Tais questõese outras que eventualmente surgirem, se possível, serão respondidasno desenrolar deste texto, sendo este o objetivo do presente subtítulo.

Primeiramente, há que se informar que existem duas correntes.Embora haja uma boa parte da doutrina entendendo que só haveráconcorrência quando o cônjuge não tiver direito à meação, a questãoainda não é pacífica, havendo posicionamentos contrários.

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim pertencem à primeira corrente,segundo eles, o fio condutor parece ser o de que, havendo meação, peloregime comunitário de bens, não haverá concurso na herança, uma vezque o cônjuge acha-se protegido com parte do patrimônio.36

O ilustre Professor Silvio de Salvo Venosa também se adere a essacorrente, segundo o qual a opção do legislador foi conferir o direitode concorrência à herança, somente quando o cônjuge não tiverdireito à meação.37

O fundamento para o entendimento dessa primeira tese pareceestar no fato de que, se a intenção do legislador era a de proteger afigura do cônjuge, evitando que o mesmo ficasse sem patrimônioalgum, principalmente quando o viúvo ou a viúva não tivessepatrimônio próprio para lhes garantir a sobrevivência; então, nadamais lógico que admitir a concorrência somente quando não existirembens decorrentes de meação, visto que, recebendo a meação, ocônjuge não estaria mais desprotegido.

Por oportuno, entendemos ser esta a tese correta e que mais secoaduna com a intenção do legislador.

Entrementes, urge lembrar que, no tocante à concorrência comascendentes, assegura-se o direito ao cônjuge independentementedo regime de bens adotado no casamento; por conseguinte, sua quotana herança será garantida em acréscimo ao direito de meação, emcaso de ter sido casado com o autor da herança em regime de

36 OLIVEIRA, Euclides Benedito de, AMORIM, Sebastião Luiz. op. cit. p. 96.37 Segundo Silvio de Salvo Venosa. op. cit. p. 109: “O sentido da lei foi, sem dúvida, proteger o cônjuge, emprincípio, quando este nada recebe a título de meação”.

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comunhão de bens.Assim, apenas neste último caso, concorrência do cônjuge com os

ascendentes do “de cujus”, é que o cônjuge supérstite será herdeiro emeeiro, concomitantemente.

Cumpre ressalvar ainda que, no caso da concorrência com osdescendentes, o cônjuge também seria herdeiro e meeirosimultaneamente, quando casado com o autor da herança sob oregime da comunhão parcial de bens e este tivesse deixado bensparticulares. Todavia, esse assunto merece maior atenção, cabendoanalisar se o cônjuge receberia sua meação e herdaria no montetotal da herança ou herdaria somente no total dos bens particulares,o que será feito por ocasião do capítulo seguinte.

4 A sucessão do cônjuge supérstite quando casado sob o

regime da comunhão parcial de bens: da concorrência

com os descendentes

4.1 Da concorrência com os descendentes, havendo bens

particulares

Conforme reza o referido dispositivo legal (art. 1.829, I, CC), “asucessão legí t ima defere-se na ordem seguinte: I - aosdescendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvose casado este com o falecido no regime da comunhão universal,ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafoúnico); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herançanão houver deixado bens particulares”.

Assim, perfeitamente claro que o cônjuge não terá direito aconcorrer na herança com os descendentes sempre que o regime debens do casamento for o da comunhão universal ou o da separaçãoobrigatória. Portanto, a contrario sensu, as duas primeiras condiçõespara concorrer à legítima são: não ser casado sob o regime dacomunhão universal de bens nem no da separação obrigatória debens. Esse entendimento já é pacífico na doutrina, não sendoimportante qualquer outro comentário.

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A terceira condição, ou exceção, já que o dispositivo legal, naverdade, elenca as condições em que o cônjuge não herdará emconcorrência com os descendentes, trata-se daquela em que oregime de bens do casamento for o da comunhão parcial de bens,havendo divergência doutrinária no tocante à necessidade ou nãode existirem bens particulares para que haja a concorrência. Nesseponto, as interpretações do aludido artigo dividem-se em duascorrentes: de um lado, aqueles que entendem que o cônjuge sóconcorrerá quando o autor da herança houver deixado bensparticulares; e, de outro, os que entendem que só haverá aconcorrência quando não houver bens particulares.

Pertencem à primeira corrente: Euclides de Oliveira e SebastiãoAmorim38 , Flávio Siqueira e João Araújo Júnior39 , Luiz Felipe BrasilSantos40 , Eduardo de Oliveira Leite41 , dentre outros.

Com entendimento cont rár io, conseqüentemente, comorepresentante da segunda corrente dout r inár ia, temos aDesembargadora do TJRS, Maria Berenice. Para a autora, existeum ponto-e-vírgula no aludido artigo (1.829, I, CC) dividindo ashipóteses que afastam o direito à concorrência do cônjuge comos f i lhos segundo o regime de bens do casamento, cujainterpretação correta levaria a concluir-se pela não concorrênciado cônjuge quando houver bens particulares e o regime for o da

38 OLIVEIRA, Euclides Benedito de, AMORIM, Sebastião Luiz. op. cit. p. 97: “Esta última ressalva traz séria dúvidaexegética sobre estar ligada ao início do inciso ou às ressalvas de sua aplicação. Mas por critério de adequação aosistema jurídico sucessório, partindo-se do pressuposto de que o direito à comunhão dos bens exclui a participaçãona herança sobre os mesmos bens, cabe interpretar que, na hipótese de casamento sob o regime da comunhãoparcial, o cônjuge fica excluído da herança se não houver bens particulares do de cujus, por se tratar de situaçãoanáloga à do regime da comunhão universal de bens (sem grifo no original)”.39 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti, ARAÚJO JÚNIOR, João Batista de. op. cit.: “Tanto é assim, que o artigo 1829,I, erige o direito de concorrência, porém, no caso de descendência, devemos observar o regime do matrimôniofixado, pois, se for o da comunhão universal de bens a proteção se configuraria um abuso, pois, o direito de famíliajá tutelaria metade dos bens a que ele teria direito. O Código apresenta outras exceções a essa regra, quepodemos vislumbrar, que é a do regime da separação obrigatória de bens ser escolhido pelos cônjuges e a outraé a do regime da comunhão parcial de bens, sem que o cônjuge falecido tenha deixado bens particulares (sem grifono original)”.40 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Pontuações. Disponível em: www.gontijo-familia.adv.br. Acesso em: 09.10.2003:“Em conclusão, tenho como evidenciado que a concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime dacomunhão parcial, somente se dá quando há bens particulares do autor da herança, e não o contrário”.41 LEITE, Eduardo de Oliveira. Apud BANNURA, Jamil A. H.. A sucessão do cônjuge casado sob o regimeda comunhão parcial de bens. Disponível em: www.direitonet.com.br/doutrina/artigos. Acesso em: 09.10.2003:“Na realidade, ao excetuar os três regimes de bens (comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens eseparação obrigatória de bens), o legislador só abriu a possibilidade, efetivamente, do cônjuge sobreviventeconcorrer como herdeiro necessário, com os descendentes, quando o autor da herança houver deixado bensparticulares, no regime da comunhão parcial de bens, pois, nos demais casos, o cônjuge será meeiro ou simplesmenteretornará a sua massa de bens particulares”.

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comunhão parcial; já que o referido ponto-e-vírgula teria, ali, afinalidade de estabelecer um seccionamento entre as duas idéias.

Assim, o ponto-e-vírgula existente entre o “salvo se casado (…) noregime da comunhão parcial de bens ou, no da separaçãoobrigatória de bens” e o “no regime da comunhão parcial”, segundoa autora, estaria separando as duas idéias, de forma que a expressão“salvo se” estaria se referindo apenas aos regimes da comunhãouniversal e separação obrigatória de bens; por conseguinte, no casodos dois primeiros regimes, estar-se-ia diante de condição excludenteda concorrência, enquanto que na terceira hipótese, não: para havera concorrência, no regime da comunhão parcial, não poderá haverbens particulares.

Para tanto, a autora afirma que o texto do artigo é claro aodizer que no regime da comunhão parcial há a concorrência “se”o autor da herança não houver deixado bens particulares. Acontrario sensu, se deixou bens exclusivos, o cônjuge nãoconcorrerá com os descendentes.42

Contudo, embora a tese da Desembargadora Maria Bereniceesteja muito bem fundamentada, o ilustre Desembargador doTJRS, Luiz Felipe Brasil Santos, também publicou um artigo naInternet, onde a contesta de forma clara e muito convincente,demons t rando que a in te rpre tação cor re ta , con forme oensinamento gramatical, não é essa. O autor explica, em suma,que o ponto-e-vírgula presente no inciso I do artigo 1829 doCC não fora utilizado para estabelecer um seccionamento entreas duas idéias, como sustenta Maria Berenice, mas, tão-somente,para separá-las, uma vez que se trata de um período longo e jáhavia o emprego da vírgula em três outras oportunidades.43

42 BERENICE, Maria. Ponto-e-vírgula. Disponível em: www.espacovital.com.br/artigomariaberenice. Acesso em: 09.10.2003.43 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. op. cit.: “E é bem esse o caso do inciso I do art. 1.829 do Código Civil, onde se temuma longa frase, em que já havia o emprego da vírgula em três oportunidades. Nada mais natural, assim, que fosse,na quarta, empregado o ponto-e-vírgula, sob pena de inviabilizar a compreensão da idéia expressada. Isso, noentanto, não significa qualquer segmentação entre a primeira parte da frase e a última, o que somente seriapossível se utilizado fosse o ponto final. Assim, com a devida vênia, a interpretação gramatical não favorece a tesede que há no dispositivo legal em foco um seccionamento entre duas idéias, o que afastaria a dupla negação.Ocorre, ademais, que essa DUPLA NEGAÇÃO (que resulta da associação do “SALVO SE...” (...) com o “NÃOHOUVER DEIXADO BENS PARTICULARES”) está evidenciada também no emprego do OU – que é uma conjunçãoalternativa, que, por sua própria natureza, relaciona, os elementos da frase (por isso, repito, não há comosegmentar a seqüência enumerativa). Ou seja, estão sendo explicitados ali quais são os regimes de bens em quenão há concorrência, e, dentre esses, em último lugar na seqüência enumerativa, está o regime da comunhãoparcial onde não haja bens particulares. Contrariamente, havendo bens particulares, há concorrência”.

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Se o cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro concorrenteporque, com o advento da Lei do Divórcio, o regime da comunhãode bens passou a ser parcial e havia o risco de o cônjuge sobrevivente,sobretudo quando desprovido de recursos, nada herdar no tocanteaos bens particulares do falecido, cabendo a herança por inteiro aosdescendentes e aos ascendentes, como afirma o Prof. Miguel Reale44num de seus artigos, então, a razão parece estar com aqueles quedefendem que, no caso do regime adotado ser o da comunhão parcialde bens, o cônjuge só concorrerá à herança com os descendentes seo autor da herança houver deixado bens particulares.

Em consonância com este entendimento, cite-se o seguinte trechodo pensamento de Luiz Felipe Brasil:

De acordo com o que esclarece o PROF. MIGUEL REALE, a razão determinanteda concorrência do cônjuge com os descendentes, no regime da comunhãoparcial, é justamente prevenir o desamparo em que ficaria o cônjuge sobreviventena eventualidade de o autor da herança haver deixado apenas bens particulares,circunstância em que, não fosse a regra da concorrência, o sobrevivente, que nãoteria direito à meação, não seria também herdeiro, ficando desta formainteiramente desprotegido (salvo, é claro, a hipótese de ser contemplado emtestamento). Por esse motivo é que lhe foi assegurado direito a concorrer com osdescendentes, COMO HERDEIRO DOS BENS PARTICULARES. Assim, é certo,com a devida vênia, que a concorrência somente se justifica QUANDO HÁ BENSPARTICULARES, e não ao contrário, como sustenta a brilhante articulista! E issotambém pela singela razão de que, quanto aos bens comuns, o cônjuge já temdireito à meação, não havendo motivo para uma dupla contemplação (meaçãomais direito à herança).45

Para Fernanda de Souza Rabelo, o entendimento também éesse: “se o falecido não possuía bens particulares o cônjuge nãoherda, só recebe a meação. Isto demonstra claramente o caráterprotetivo do instituto”.46

Deve-se ressaltar, ainda, que esse entendimento não vem sendosustentado apenas pela doutrina majoritária, o mesmo já vemsendo adotado por nossos juízes togados. O Professor de Direitode Família e Sucessões da UNIGRAN e Juiz de Direito da 1.ª Vara

44 REALE, Miguel. O cônjuge no novo Código Civil. O Estado de São Paulo. São Paulo, 12 de abril 2003.45 REALE, Miguel. O cônjuge no novo Código Civil. O Estado de São Paulo. São Paulo, 12 de abril 2003.46 RABELLO, Fernanda de Souza. A herança do cônjuge sobrevivo e o novo código civil. Prática Jurídica.[s.n.t.], n. 5, p. 46-47, 31 ago., 2002. p. 46-47.

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Cível da Comarca de Dourados publicou um artigo de jornal, noqual demonstra partilhar desse entendimento.47

Entende-se que essa seja a interpretação mais correta não apenasdo ponto de vista dos ensinamentos gramaticais, mas também eprincipalmente sob a ótica tridimensional do direito, que busca extrairdo texto da lei uma síntese orgânica, integradora, dos três fatores: ofato (acontecimento social a ser descrito pelo direito positivo) e o valor(elemento moral), complementados pela norma (comportamentosocial imposto pelo Estado).

Ora, se o Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores48 ,então, no caso concreto (fato) da concorrência entre o cônjuge e osdescendentes do de cujus, quando o regime for o da comunhão parcial, anorma prescrita no artigo 1.829, I, do CC, deverá ser interpretada segundoo valor ético-jurídico vigente, ou seja, conforme o sistema jurídico do direitosucessório, o qual apresenta um caráter protetivo ao cônjuge, de formaque só haverá a concorrência quando houver bens particulares.Conseqüentemente, em nada se justificando a concorrência quando nãoexistirem bens particulares, uma vez que já se estará atendendo à devidaproteção ao cônjuge, ao conceder-lhe a meação.

De tal modo, deve-se considerar que os institutos da concorrência emeação são excludentes; havendo um deles, automaticamente, o outrodeverá ser excluído. Portanto, rechaçada a tese daqueles que divergemdo nosso ponto de vista, segundo o qual, repita-se, só haverá concorrênciaquando houver bens particulares, esse o entendimento mais correto eque, aos poucos, se consolidará na jurisprudência e doutrina pátrias.

4.2 Da concorrência com os descendentes sobre os bens particulares

Admitido que o cônjuge, casado sob o regime da comunhão parcialde bens, só terá direito à concorrência com os descendentes quandoo autor da herança houver deixado bens particulares, resta analisarse essa concorrência será sobre o monte total da herança ou somentesobre os bens exclusivos.

47 ROCHA, Eduardo Machado. Da sucessão do convivente em união estável. O Progresso. Mato Grosso do Sul,24 jun. 2003: “Entretanto, da análise comparativa com o que foi previsto para o cônjuge supérstite no art. 1.829e 1.831 do C. Civil (novo), o legislador também limitou o direito do cônjuge quando concorre com descendentes do‘de cujus’, pois, em sendo o regime de bens vigente o de comunhão universal, separação obrigatória de bens e oucomunhão parcial onde não deixou bens particulares, o cônjuge não concorre na herança com descendentes”.48 REALE, Miguel. op. cit. p. 149.

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Atinente à questão, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorimasseveram que:

Havendo, no entanto, bens particulares, o cônjuge viúvo passa a concorrer com

os descendentes em quota sobre aqueles bens (e não sobre a totalidade da

herança, como poderia parecer da confusa redação do artigo em comento).49

Mais uma vez, como o objetivo era a proteção do cônjuge, nadamais justo senão concluir pela concorrência do cônjuge somente sobreo monte dos bens particulares deixados pelo de cujus, não sendocorreto o cônjuge herdar parte do monte total da herança, haja vistaque já recebe uma parte dos bens comuns, quando da meação. LuísPaulo Cotrim Guimarães50 e Giselda Maria Fernandes Hironaka51

também compartilham desse entendimento.Ora, conferir ao cônjuge a concorrência sobre o monte total da

herança em muito diminuiria a cota dos descendentes, levando a uma“injustiça” contra estes e proteção excessiva ao cônjuge. O que, decerta forma, configuraria uma afronta ao princípio constitucional daisonomia, conforme a definição de igualdade dada por Aristóteles(tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais).

O renomado autor Celso Antônio Bandeira de Mello52 escreveuum livro sobre o assunto, onde se propõe a discutir o conteúdo jurídico

49 OLIVEIRA, Euclides Benedito de, AMORIM, Sebastião Luiz. op. cit. p. 97.50 GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. A sucessão do cônjuge sobrevivente no novo código civil: umexercício de paciência. Revista Jurídica Consulex. [s.l.; s.n.], n. 148, 15 mar. 2003. p. 55: “O Código excluiuda concorrência, como visto, os bens comuns, porque já amparado o cônjuge sobrevivo pelo direito de meação (…)quanto aos bens suscetíveis de meação, ou seja, os que foram adquiridos na constância do casamento, porqualquer dos cônjuges, a título oneroso (art. 1.660, I, NCC) ou por doação ou sucessão com cláusula decomunicabilidade (art. 1.660, II, NCC), haverá apenas a comunhão legal e não a concorrência, até porque sãoinstitutos excludentes, como mencionado acima (…) em relação aos bens particulares de cada cônjuge, o novoCódigo diz que haverá concorrência, e tão-somente quanto a estes bens”.51 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. op. cit: “Pode-se concluir, então, no que respeita ao regime de bens reitor davida patrimonial do casal, que o cônjuge supérstite participa por direito próprio dos bens comuns do casal, adquirindo ameação que já lhe cabia, mas que se encontrava em propriedade condominial dissolvida pela morte do outro componentedo casal e herda, enquanto herdeiro preferencial, necessário, concorrente de primeira classe, uma quota parte dos bensexclusivos do cônjuge falecido, sempre que não for obrigatória a separação completa dos bens (sem grifo no original)”.52 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:Malheiros, 2002. p. 41 e 46: “Para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, consoante visto atéagora, impende que concorram quatro elementos: a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto,um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintasentre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, umacorrelação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles,estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente emfunção dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídicofundamentada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público”. E mais, “é preciso que setrate de desequiparação querida, desejada pela lei, ao menos, pela conjugação harmônica das leis”.

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do princípio da isonomia, estabelecendo este mesmo raciocínio (tratarigualmente os iguais e desigualmente os desiguais), porém,acrescentando que, para não violar o princípio da igualdade, o critérioutilizado como diferenciador (entre iguais e desiguais) deve ter umacorrelação lógica com o tratamento diferenciado estabelecido, semchegar a representar uma afronta aos preceitos constitucionais.

Assim, conforme o raciocínio estabelecido pelo autor, pode-se atéutilizar o critério da raça como um diferenciador, sem que isso venhaa significar uma afronta ao princípio constitucional da igualdade,estabelecendo-se, por exemplo, que para determinada experiênciacientífica só serão aceitos voluntários de cor negra, vez que essaspessoas apresentam uma resistência maior que os de cor branca. Ouainda, no corriqueiro exemplo de concurso público para o provimentode cargo de Policial Rodoviário em que se estabelece uma estaturamínima. Enfim, tudo dependerá do tratamento diferenciado ter umacorrelação lógica com o critério utilizado como diferenciador, e nãoconstituir uma afronta aos princípios constitucionais.

Logo, diz-se que o fato do cônjuge herdar parte do monte total daherança, diminuindo em muito o quinhão dos descendentes,representa uma afronta ao princípio da igualdade porque não háessa correlação lógica entre o elemento diferenciador e o tratamentodiferenciado, que é excessivamente protetivo. Diferente, porém, se seentender que a concorrência se dá somente sobre o monte dos bensparticulares, tratamento diferenciado que em nada fere ao aludidoprincípio, por estar em proporção adequada ao objetivo de proteçãodo cônjuge, sem prejudicar o direito dos demais herdeiros, no casoos descendentes, que não terão seu quinhão diminuído, pelo menosem relação aos bens comuns.

Em verdade, admitir-se que o cônjuge concorra com osdescendentes ao monte total da herança, ao invés do relativo aosbens particulares tão-somente, constitui afronta ao princípioconstitucional da proporcionalidade. Entretanto, adotando-se oentendimento que a concorrência é somente quanto aos bensparticulares, o tratamento será proporcional e, por conseguinte,também harmônico com o princípio isonômico, nos termos do quepreleciona Celso Antônio Bandeira de Mello.

Destarte, deve-se considerar que a concorrência do cônjuge serácalculada apenas sobre o monte dos bens particulares, a fim de não

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se ver distorcida a intenção do legislador.Importante observar que a pedra angular para a solução de todo o

problema, concernente à questão da sucessão do cônjuge em concorrênciacom os descendentes, está no pressuposto de que o direito à comunhãodos bens exclui a participação na herança sobre os mesmos bens.

Aliás, como restou claro na redação do capítulo anterior (item 3.3),a intenção do legislador era proteger o cônjuge, conferindo-lhe direitoà herança sempre que o mesmo não tivesse a sua parte no patrimôniocomum garantida, em razão da meação. Em nenhuma hipótese ocônjuge deverá ser herdeiro e meeiro sobre os mesmos bens, o quepoderá ocorrer, apenas, é o cônjuge ser meeiro dos bens comuns eherdeiro dos bens particulares. É claro, isso no que diz respeito àconcorrência com os descendentes, pois, no caso da concorrênciacom os ascendentes ou naquele em que o cônjuge tem direito aototal da legítima (herdeiro único), a questão é totalmente diversa.

4.2.1 Da concorrência quando o bem particular deixado

for de ínfimo valor

Nossos doutrinadores já vêm dedicando estudo à possibilidade deter o “de cujus” deixado um único bem particular que seja de poucovalor. Nesse caso, voltando à questão de haver concorrência no totaldo monte, quando o autor da herança houver deixado bens particulares,indaga-se se seria correto conferir ao cônjuge o direito de herdar partedo monte total da herança, além da sua parte garantida pela meação,em razão de uma simples bicicleta que o “de cujus” deixara como bemparticular, por exemplo. Se estaria em harmonia com o sistemanormativo constitucional (princípios da proporcionalidade e daigualdade) diminuir o quinhão dos descendentes por conta da existênciade um bem particular de ínfimo valor.

A resposta para tais perguntas deve ser negativa; porquanto, vê-se aquioutro motivo para não se entender que o cônjuge concorre sobre o montetotal, mas, pelo contrário, que tal concorrência se dá somente sobre osbens particulares. Adotando-se essa interpretação o problema citado acimanão ocorrerá, pois, o cônjuge herdará apenas parte do bem particular,por exemplo, parte da bicicleta deixada, não ferindo o direito dosdescendentes nem do cônjuge, que já recebera sua parte na meação.

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Importante ressaltar que, assim entendendo, também não se estaráfugindo do objetivo do legislador, vez que, repita-se, tal objetivo eraevitar a situação em que o “de cujus” tivesse deixado apenas bensparticulares, não cabendo ao cônjuge sua meação, por não haverbens comuns, nem parte da herança, por existirem descendentes; tendoem vista que, no caso exposto (haver um bem particular de poucovalor), apesar da parte que o cônjuge herdará ser ínfima, o mesmo játerá uma parte considerável para a sua subsistência, com a meação.Ademais, é mister a escolha desse entendimento a fim de evitar ummal maior, pois, do contrário, como já dito, o amparo ao cônjugeseria extremamente excessivo, desproporcional.

Outro equívoco que se estaria cometendo, ao estabelecer aconcorrência sobre o monte total da herança e haver apenas um bemparticular de pouquíssimo valor, consiste na circunstância em que osobrevivente que casado fosse sob o regime da comunhão parcial estarianuma posição mais vantajosa do que aquele casado sob a comunhãouniversal de bens; já que, em virtude da existência de um bem particularde pouquíssimo valor, o primeiro herdaria parte do monte total, além dereceber sua meação, e o segundo só receberia a meação.

Nesse sentido, oportuno citar o exemplo dado por Cahali e Hironaka:

Veja-se que se o casamento tiver sido celebrado pelo regime da comunhão parcial,

e o falecido não possuía bens particulares, o viúvo deixa de participar da herança,

ressalvado seu direito à meação; mas se o único bem particular, adquirido antes do

casamento, for uma linha telefônica, o cônjuge sobrevivente recebe, além da

meação que já lhe é destinada, uma parcela sobre todo o acervo, inclusive daquele

que é meeiro. E nesta mesma situação com apenas uma linha telefônica adquirida

anteriormente ao matrimônio, se o regime adotado for o da comunhão universal,

o cônjuge recebe a meação também sobre o telefone, mas fica privado da

concorrência na herança sobre a integralidade do acervo hereditário.53

Esse problema também não se configurará se adotarmos oentendimento sustentado no desenrolar de todo este trabalho,pois, entendendo que o supérstite só concorrerá à parte dos bensparticulares, mesmo que sejam estes de pouquíssimo valor epor esse mesmo motivo, não se estará dando vantagem maioràquele casado sob o regime da comunhão parcial ou pelo

53 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 247-248.

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menos desproporcional, em relação ao casado sob o dacomunhão universal: este não concorrerá à herança, recebendoapenas a sua cota meeira, em contrapartida, o outro, casadosob a comunhão parcial, receberá, além da meação, parte daherança somente quanto aos bens particulares, não havendo,de tal modo, tratamento excessivamente diferenciado, ou quechegasse a ser injusto, por ser a concorrência sobre o bemparticular de ínfimo valor e não sobre o monte total da herança(bens comuns e particulares).

Por fim, Silvio de Salvo Venosa levanta, ainda, a hipótese deexistirem apenas bens particulares de ínfimo valor, não existindopatrimônio comum, ocasião em que exigiria um cuidado maiordo julgador.54 Entretanto, embora haja aqui o problema de queo cônjuge só herdará parte desses bens part iculares, emconcorrência com os descendentes, o que fará com que a cotade cada herdeiro, talvez, não seja suficiente para a própriasubsistência, outra solução não há, pois, se não há patrimôniocomum, os bens particulares deixados constituem o total doacervo hereditário, não havendo mais de onde tirar para queseja dividido entre os herdeiros.

No entanto, esses problemas que a doutrina vem colocando, compossibilidade de ocorrência no caso concreto, serão facilmentesolucionados, e da melhor maneira possível, se adotarmos oentendimento doutrinário majoritário, o qual já fora devidamentedemonstrado, razão pela qual, é mister que nossos julgadores eintérpretes do Direito, também venham a partilhar desse posicionamento.

5 Considerações finais

As principais mudanças trazidas pelo novo Código Civil no tocanteà sucessão do cônjuge supérstite foram: tornar o cônjuge herdeironecessário e conceder-lhe a possibilidade de concorrer à herançacom descendentes e ascendentes do “de cujus”.

Embora a doutrina ainda seja divergente quanto à interpretaçãode certas disposições, no desenrolar deste trabalho foi possível chegarà interpretação mais correta, aquela que atende aos objetivos dolegislador e aos valores ético-jurídicos vigentes.

As alterações realizadas eram necessárias, visto que as disposições

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do Código de 1916 já estavam ultrapassadas; contudo, é precisoque se faça uma correta interpretação dessas normas para que nãosejamos forçados a emendar todo o novo Diploma Legal. Assim, nãoserá necessária a alteração de inúmeras disposições, como já estásendo proposto por alguns juristas, através dos vários projetos de leique tramitam no Congresso Nacional. O que cabe fazer é dar ainterpretação adequada.

Como devidamente explanado no primeiro capítulo deste trabalho,a melhor interpretação (ou maneira de enxergar o Direito) está descritana Teoria Tridimensional do Direito, apresentada por Miguel Reale,ou seja, numa correlação dialética dos elementos fato, valor e norma.

Sendo assim, diante de tudo o que foi exposto, podemos concluir que:· o cônjuge tornou-se herdeiro necessário, devendo ser-lhe garantida

a porção da legítima, salvo os casos de deserdação e indignidade;· a intenção do legislador era proteger o cônjuge da possibilidade

de ficar desprovido de meios financeiros necessários para a suasubsistência, de modo que a condição de herdeiro será conferida aocônjuge apenas quando este nada tiver a receber como meação;

· o cônjuge não concorrerá à herança com os descendentes sempreque o regime do casamento for o da: comunhão universal de bens,separação obrigatória de bens ou comunhão parcial de bens (nesteúltimo caso, se não existirem bens particulares);

· essa concorrência com os descendentes, quando o regime for o dacomunhão parcial, só haverá se o autor da herança houver deixadobens particulares e se dará somente sobre o monte dos bens particulares;

· o cônjuge somará as condições de herdeiro e meeiro somentequando a concorrência se der com os ascendentes do “de cujus” oufor ele herdeiro único (inexistirem herdeiros das duas classesantecedentes);

· com relação à concorrência do cônjuge com os descendentes,o cônjuge não será herdeiro e meeiro concomitantemente. Poderáele, neste caso, ser meeiro dos bens comuns e herdeiro dos bensparticulares, mas nunca herdeiro e meeiro dos mesmos bens;

· o cônjuge nem sempre será herdeiro, só concorrerá à herançacom os descendentes se respeitadas as exigências do art. 1.829,I, CC/2002 e não se verificarem as hipóteses de deserdação ouindignação.

Em síntese, segundo nosso entendimento, andou bem o

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legislador do novo Código no trato da sucessão do cônjuge, aocolocar este na condição de herdeiro necessário e conceder-lhe odireito de concorrer com os descendentes e ascendentes. Contudo,para que não venha a se cometer uma atrocidade, a interpretaçãodo dispositivo legal previsto no art. 1.829, I, do CC (concorrênciado cônjuge com os descendentes, quando casado sob a comunhãoparcial), deverá ser feita no sentido de que só haverá a concorrênciaquando houver bens particulares, e tal concorrência será apenassobre o monte dos bens particulares; respeitando-se, assim, ocaráter protetivo dado ao cônjuge pelo novel legislador e, aomesmo tempo, não gerando nenhum prejuízo aos demaissucessores com um tratamento desigual e totalmentedesproporcional.

Aqueles que não real izarem uma atenta e adequadainterpretação, certamente serão levados a cometer o equívoco deconcluírem que houve um grande exagero nas inovações.

Destarte, recomenda-se que se tome como pressuposto de todae qualquer interpretação que diga respeito à sucessão do cônjuge,quando em concorrência com os descendentes, a seguinteafirmação: o direito à comunhão dos bens exclui a participaçãona herança sobre os mesmos bens.

Por fim, após a realização deste trabalho, restou comprovadoque a Teoria Tridimensional do Direito, de Reale, não se prendeao simples plano teorético, sendo perfeitamente passível deaplicação no caso concreto e, principalmente, que não é só aodireito sucessório do cônjuge que ela deve ser aplicada, mas simao direito como um todo e sempre.

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REVISTA JURÍDICA UNIGRAN

NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS

A Revista Jurídica Unigran é uma publicação de divulgação científicada Faculdade de Direito do Centro Universitário de Dourados. Estapublicação incentiva a investigação e procura o envolvimento de seusprofessores e alunos em pesquisas e cogitações de interesse social,educacional, científico e tecnológico. A Revista Jurídica aceita artigosde seus docentes, discentes, bem como de autores da comunidadecientífica nacional e internacional, mesmo que já tenham sidopublicados em outro periódico científico. Publica artigos, notascientíficas, relatos de pesquisa, estudos teóricos, relatos de experiênciaprofissional, revisões de literatura, resenhas, nas diversas áreas doconhecimento científico, sempre a critério de sua Comissão Editorial.Solicita-se observar as instruções a seguir para o preparo dos trabalhos,os quais devem seguir o formato dos artigos aqui publicados.

1. Os originais devem ser apresentados em papel branco de boaqualidade, no formato A-4 (21,0cm x 29,7cm) e encaminhadoscompletos, definitivamente revistos, com o máximo 15 páginas,digitadas em espaço 1,5 entre as linhas. Recomenda-se o uso decaracteres Times New Roman, tamanho 12, em uma via,acompanhada de disquete (de 3,5”), de computador padrão IBM PC,com gravação do texto no Programa Word for Windows e, se possível,enviar o Artigo pelo e-mail [email protected]. Somente em casosmuito especiais serão aceitos trabalhos com mais de 15 páginas. Ostítulos das seções devem ser em maiúsculas, numeradosseqüencialmente, destacados com negrito. Não se recomendasubdivisões excessivas dos títulos das Seções.

2. Língua. Os artigos deverão ser escritos preferencialmente emPortuguês, aceitando-se textos em Inglês e Espanhol.

3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem:- Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo com o conteúdodo trabalho, conforme os artigos aqui apresentados.

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e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos do(s) autor(es).O Orientador, co-orientador de Trabalhos de Graduação,Dissertações e Teses passam a ser co-autores em textos originadosdestes trabalhos.- Resumo. Com o máximo de 250 palavras, o resumo deve apresentaro objeto estudado, seu objetivo, como foi feito (metodologia),apresentando os resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema,de modo que o leitor possa avaliar o conteúdo do texto.- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso o trabalhoseja escrito em Inglês, o Abstract deverá ser traduzido para oPortuguês (Resumo).- Palavras-chave (Key words). Apresentar duas a cinco palavras-chave sobre o tema.- Texto. Deve ser distribuído de acordo com as características própriasde cada trabalho. De um modo geral, contém: 1- Introdução; 2-Desenvolvimento; 3- Considerações finais; 4- ReferênciasBibliográficas.- Citações dentro do texto. As citações textuais longas (mais de trêslinhas) devem constituir um parágrafo independente, apresentadasem bloco. As menções a autores no decorrer do texto devemsubordinar-se ao esquema numérico (referência de rodapé), com aprimeira referência completa e as demais podem vir abreviadas(op. cit. p. ou Ibidem, p. ).- Referências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas ao finaldo trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es),como nos seguintes exemplos:a)Livro: SOBRENOME, Nome. Título da Obra. Local de publicação:Editora, data.Exemplo:PÉCORA, Alcir. Problemas de Redação. 4 ed. São Paulo: MartinsFontes, 1992.b) Capítulo de Livro : SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:SOBRENOME, Nome (org.). Título do Livro, Local de publicação:Editora, data. Página inicial-final.

- Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s) do(s) autor(es)por extenso, sem abreviaturas. Com numeração, colocado logo apóso nome completo do autor ou autores, remeter a uma nota de rodapé,relativa às informações referentes às instituições a que pertence(m)

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c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Títulodo periódico, local de publicação, volume do periódico, número dofascículo, página inicial-página final, mês(es).ano.Exemplo:ALMEIDA JÚNIOR, Mário. A economia brasileira. Revista Brasileirade Economia, São Paulo, v. 11, n.1, p.26-28, jan./fev.1995.d) Teses e Dissertações: Sobrenome, nome. Título da Dissertação(ou tese). Local. Número de páginas (Categoria, grau e área deconcentração). Instituição em que foi defendida. Data.Exemplo:BARCELOS, M.F.P. Ensaio tecnológico, bioquímico e sensorial de sojae guandu enlatados no estádio verde e maturação de colheita. 1998.160 f. Tese (Doutorado em Nutrição) – Faculdade de Engenharia deAlimentso, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.e) Outros: Consultar as Normas da ABNT para ReferênciasBibliográficas.

4. As Figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devemapresentar boa qualidade e serem acompanhados de legendas brevese claras. Indicar no verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido dafigura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As figurasdevem ser numeradas seqüencialmente com números arábicos einiciadas pelo termo Figura, devendo ficar na parte inferior da figura.Exemplo: Figura 4 - Gráfico de controle de custo. No caso das tabelas,elas também devem ser numeradas seqüencialmente, com númerosarábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela5 – Cronograma da Pesquisa. As figuras e tabelas devem ser impressasjuntamente com o original e quando geradas no computador deverãoestar gravadas no mesmo arquivo do texto original. No caso defotografias, desenho artístico, mapas, etc., estes devem ser de boaqualidade e em preto e branco.

5. O encaminhamento do original para publicação deve ser feitoacompanhado do disquete e com a indicação do software e versãousada.

6. O Conselho Editorial avaliará sobre a conveniência ou não dapublicação do trabalho enviado, bem como poderá indicar correções

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7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos textos são deresponsabilidade de seus autores e não apresentam necessariamenteas posições do Corpo Editorial da Revista de Direito do Curso deDireito do Centro Universitário de Dourados- UNIGRAN.

8. Originais. A Revista não devolverá os originais dos trabalhos eremeterá, gratuitamente, a seus autores, dez exemplares do númeroem que forem publicados.

9. O Conselho Editorial se reserva o direito de introduzir alteraçõesoriginais, com o objetivo de manter a homogeneidade e a qualidadeda publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores.

10. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de umdos autores para correspondência. Os trabalhos deverão ser enviadospara:

UNIGRAN - Centro Universitário de Dourados.

Rua Balbina de Matos,79.824-900 - Dourados - Mato Grosso do Sul - [email protected]

ou sugerir modificações. A cada edição, o Conselho Editorial selecionará,dentre os trabalhos considerados favoráveis para publicação, aquelesque serão publicados imediatamente. Os não selecionados serãonovamente apreciados na ocasião das edições seguintes.