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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO ALEXANDRE KNOPFHOLZ A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS CURITIBA 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

ALEXANDRE KNOPFHOLZ

A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS

CURITIBA 2012

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ALEXANDRE KNOPFHOLZ

A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Luiz Antônio Câmara

CURITIBA 2012

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Presidente: _________________ __________________

Prof essor Doutor Luiz Antônio Câmara

Orientador

___________________________________

Professor Doutor Fábio André Guaragni

Membro Interno

___________________________________

Professor Doutor René Ariel Dotti

Membro Externo

Curitiba, 6 de julho de 2012.

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Ao término da presente jornada, minha especial gratidão:

Ao Prof. Dr. René Dotti , pelas lições de Direito, vida e humanidade.

Ao Prof. Dr. Luiz Antônio Câmara , pela orientação zelosa, precisa e didática.

Ao Prof. Dr. Fábio André Guaragni , pelos ensinamentos de Direito Penal Econômico.

Aos amigos e colegas de Escritório , pelo prazer do convívio diário e, em especial, a Gustavo Scandelari , pela amizade e colaboração na revisão do texto.

Aos meus pais, Manoel e Regina , pelos exemplos de superação e de caráter.

À Tamara , por compartilhar comigo um mundo maravilhoso.

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Ao Léo. Simplesmente.

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“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. (Fernando Pessoa)

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RESUMO

A pesquisa ora apresentada realiza uma análise crítica das denúncias genéricas nos crimes econômicos. Para tanto, inicia com uma abordagem acerca do Direito Penal Econômico, o qual se expandiu consideravelmente nas últimas décadas. Em seguida, volta-se ao processo penal, o qual deve ser cada vez mais democrático, garantista e constitucional. Estabelecidas as premissas iniciais, será estudada a denúncia genérica, que não individualiza as condutas dos acusados, especialmente no âmbito empresarial, cuja estrutura dificulta a identificação da autoria criminosa. A análise proposta verificará que tal modalidade de acusação viola princípios constitucionais, tratados internacionais e a literalidade do Código de Processo Penal, permitindo ações penais desprovidas de justa causa e fazendo ressurgir a responsabilização penal objetiva. Diante da insubsistência dos argumentos favoráveis à denúncia genérica, sugere-se a instauração de inquéritos e o incremento dos meios de investigação como alternativas viáveis e aptas a apontar os autores de crimes econômicos. Em conclusão, será demonstrada a oscilante evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a qual vem se moldando no sentido de inadmitir acusações genéricas, ainda que seja desnecessária a descrição pormenorizada de condutas dos denunciados.

Palavras-chave : Direito Penal Econômico; processo penal constitucional; denúncia genérica.

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ABSTRACT

The research performs a critical analysis of economic crimes in generic accusations. To do so, it starts with a discussion about the Economic criminal law, which has expanded considerably in recent decades. Then, it aims at the criminal procedure, which must be increasingly democratic and constitutional. After setting forth the initial premises, consideration will be given to the generic charges, which do not individualize the conducts of the accused, especially within the company, which structure makes it difficult to identify the criminal authorship. The proposed analysis will establish that such accusations violate constitutional principles, international treaties, and the literalness of the Criminal Procedure Code, allowing criminal suits devoid of just cause and resurging objective criminal accountability. Regarding the deficiency of the arguments in favour of generic complaints, it is suggested the initiation of investigations and the development of the means of criminal research as viable alternatives and able to pinpoint the perpetrators of economic crimes. In conclusion, it will be shown the swinging development of the case law of the Supreme Federal Court and the Superior Court of Justice, which has been evolving to disapprove generic accusations, stating to be unnecessary the description of conducts of the accused. Keywords : Economic Criminal Law; constitutional criminal procedure; generic accusation.

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SUMÁRIO RESUMO .................................................................................................................... 6 ABSTRACT .......................................... ...................................................................... 7 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 DIREITO PENAL ECONÔMICO ......................... ................................................... 13 2.1 DEFINIÇÃO E CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO .............................................. 13 2.1.1 Critério Criminológico ....................................................................................... 17 2.1.2 Critério da Atividade Empresarial ..................................................................... 20 2.1.3 Critério Processual ........................................................................................... 22 2.1.4 Critério do Bem Jurídico ................................................................................... 24 2.2 A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO .................................. 28 2.2.1 O Estado Social e de Direito (Campo Político) ................................................. 28 2.2.2 A Filosofia da Linguagem e a Noção de Alteridade (Campo Filosófico) ........... 31 2.2.3 A Sociologia do Risco (Campo Sociológico) .................................................... 33 2.2.3.1 Pós-modernidade, nova modernidade, hipermodernidade, modernidade da sociedade moderna, modernidade reflexiva ou alta modernidade? .......................... 33 2.2.3.2 A sociedade global e de riscos ...................................................................... 39 2.3 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO ........................................... 43 2.3.1 A Globalização ................................................................................................. 43 2.3.2 A Administrativização do Direito Penal ............................................................. 45 2.3.3 A Proliferação Legislativa ................................................................................. 50 2.4 A IDEOLOGIZAÇÃO NO COMBATE AO CRIME ECONÔMICO ........................ 53 3 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL ................... .......................................... 57 3.1 A FORÇA VINCULANTE DA CONSTITUIÇÃO ................................................... 57 3.1.1 A Crise do Positivismo, a Contingência e a Historicidade ................................ 57 3.1.2 A Constitucionalização do Direito .................................................................... 61 3.2 ALGUMAS NOTAS SOBRE OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS .. 65 3.2.1 Noções Gerais .................................................................................................. 66 3.2.2 Direitos Fundamentais, Estado de Direito e Democracia ................................. 68 3.2.3 As Dimensões dos Direitos Fundamentais ....................................................... 70 3.2.4 As Perspectivas dos Direitos Fundamentais .................................................... 72 3.2.5 A Efetividade dos Direitos Fundamentais ......................................................... 74 3.3 A TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO ............................................... 77 3.4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL .................................... 80 3.5 A REALIDADE BRASILEIRA ............................................................................... 89 4 A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS ....... ............................. 95 4.1 PREMISSAS ESSENCIAIS ................................................................................. 97 4.1.1 A Dificuldade de Identificação da Autoria em Crimes Econômicos .................. 97 4.1.2 A Necessária Conceituação de Denúncia Genérica ......................................... 99 4.2 A IMPOSSIBILIDADE DE DENÚNCIA GENÉRICA .......................................... 104 4.2.1 Violações Constitucionais ............................................................................... 107 4.2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................. 107 4.2.1.2 Princípio do devido processo legal .............................................................. 111 4.2.1.3 Princípio da presunção de inocência ........................................................... 112 4.2.1.4 Princípio da ampla defesa e do contraditório .............................................. 116 4.2.2 Violações ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e ao Pacto de São José da Costa Rica .......................................................................................... 119 4.2.3 A Responsabilização Objetiva ........................................................................ 121

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4.2.4 Ausência de Justa Causa ............................................................................... 124 4.2.5 Violação à Literalidade do art. 41 do Código de Processo Penal ................... 127 4.3 ANÁLISE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À DENÚNCIA GENÉRICA ..... 129 4.3.1 A Relativização de Garantias nos Crimes Econômicos .................................. 130 4.3.2 A Obediência ao Princípio da Obrigatoriedade .............................................. 132 4.3.3 O adiamento da individualização para a fase de instrução ............................ 134 4.3.4 A Possibilidade de Aditamento da Denúncia .................................................. 137 4.3.5 A Permissão de Denúncia “Mais ou Menos” Genérica ................................... 138 4.3.6 A Aplicação da Teoria por Domínio Organizacional ....................................... 139 4.3.6.1 Autoria mediata e domínio do fato ............................................................... 140 4.3.6.2 O domínio da vontade em virtude dos aparatos organizados de poder ...... 141 4.3.6.3 A inaplicabilidade da autoria por domínio organizacional nos crimes empresariais ............................................................................................................ 145 4.4 AS ALTERNATIVAS PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA .............................. 149 4.4.1 A Necessária Instauração de Inquérito Após Procedimentos Administrativos 149 4.4.2 O Incremento dos Meios de Prova na Fase Pré-processual .......................... 151 4.4.3 A Utilização dos Meios Tradicionais de Prova ................................................ 153 5 A DENÚNCIA GENÉRICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNA IS ............... 154 5.1 CRITÉRIOS DA PESQUISA .............................................................................. 154 5.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................... 154 5.3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .................................................................... 165 6 CONCLUSÃO ....................................... ............................................................... 171 6.1 DIREITO PENAL ECONÔMICO ........................................................................ 171 6.2 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL ......................................................... 173 6.3 A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS ............................... 175 6.4 A DENÚNCIA GENÉRICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS.............. 178 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 180

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1 INTRODUÇÃO

Estudar as denúncias genéricas nas ações penais que apuram os crimes

econômicos é navegar em águas agitadas. É necessário levar em conta a maré – o

Direito Penal Econômico –, a estrutura da embarcação – o processo penal

constitucional – e as altas ondas que surgem, tais quais as acusações ineptas.

O presente estudo não tem a pretensão de ancorar em um cais seguro. Tal

não é possível diante das vicissitudes da travessia. Busca, apenas, singelamente

sugerir um norte de maior salvaguarda daqueles que navegam neste oceano. O

objetivo é, portanto, expor o problema e propor uma solução, que parece ser a mais

adequada para o assunto.

A segunda metade do século XX e os primeiros anos do novo milênio viram o

nascimento e a consolidação do Direito Penal Econômico. É certo que crimes

relacionados à atividade econômica sempre existiram; contudo, nada se compara à

realidade das últimas décadas. Vislumbra-se, atualmente, a perspectiva de um

mundo global e tecnológico, com a diminuição de distâncias físicas e culturais, mas

repleto de riscos, incertezas e desigualdades. Um mundo em que o Direito Penal se

presta para regular a economia e dar ares de segurança a uma realidade insegura.

Um mundo completamente novo para as ciências penais.

A criminalização econômica está alicerçada, substancialmente, na proteção

de bens jurídicos supraindividuais. Fala-se, agora, de tipificar condutas que ofendem

o sistema financeiro, as regras tributárias e as relações de consumo, dentre outras.

No Brasil, especialmente nos últimos 30 (trinta) anos, é flagrante a expansão de

normas incriminadoras deste novo Direito Penal. Veja-se, por exemplo, a Lei

7.492/86 (relativa aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional); a Lei 8.078/90

(tipificando os delitos contra o consumidor); a Lei 8.137/90 (contra a ordem

tributária); a Lei 8.666/93 (crimes em licitação); a Lei 9.613/98 (abordando a lavagem

de dinheiro) e a Lei 9.983/2000 (elencando os delitos previdenciários).

É certo que as novas formas de criminalidade encontram sua principal

morada nas sociedades de fins comerciais. Com efeito, a esmagadora maioria dos

crimes econômicos é empresarial: ocorre no âmbito e em nome de pessoas

jurídicas. Referida criminalidade fez do empresário – até então distante da realidade

das causas criminais – um potencial acusado. O criminoso de terno e gravata

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(criminality of white colar), oriundo de uma elite antes ilesa, passa a figurar na pauta

do Direito Penal.

Este é o panorama atual, sobre o qual se desenvolvem inúmeros e

acalorados debates, que vão desde aqueles que criticam o Direito Penal Econômico

até outros que o enxergam como uma evolução natural das ciências penais.

Contudo, se discordâncias existem, é pensamento unânime que se trata de uma

realidade que veio para ficar.

Em paralelo ao novo Direito Penal, deve emergir o novo processo penal. É

chegada a hora de um processo penal democrático, garantista e constitucional. A

sofrida história da Humanidade no reconhecimento e positivação de direitos

fundamentais deve servir de estímulo no resguardo do cidadão contra todo e

qualquer abuso de poder. Após séculos de semeadura, este é o momento da

colheita. A efetividade dos direitos e garantias fundamentais no sistema pátrio está

consagrada na Constituição da República de 1988, que os acolheu sob o seu manto

e os tornou elementos essenciais para o Estado Democrático e de Direito modelado

na Carta Política.

A constitucionalização de tais direitos e garantias – e, consequentemente, do

processo penal – aliada à escolha do modelo acusatório e da doutrina do

garantismo, conduzem a uma persecução penal que deve ser democrática e

garantidora dos direitos do acusado frente ao Estado acusador.

No Brasil, a difusão de um processo penal constitucional encontra obstáculo

no Código de Processo Penal, datado de 1941, e com facetas notadamente

fascistas e inquisitivas. A busca torna-se, então, mais árdua. Diferentemente do que

ocorre em outros países, nos quais a legislação ordinária é arraigada da ideologia

constitucional, no ordenamento jurídico pátrio deve-se olhar com cautela o Código. A

ideologia era outra; o sistema era outro; o processo penal era outro. Assim, a busca

pela constitucionalização do processo deve superar tal dificuldade, e deve fazê-lo

sem receio: serão sempre as leis que devem subordinar-se à Constituição, e nunca

o contrário. Pretende-se, portanto, uma nova era no Direito Processual Penal.

As ideias sobre o Direito Penal Econômico e um processo penal constitucional

são os pilares que sustentam a presente pesquisa. É do cotejo entre tais temas que

se constrói o problema que se pretende discutir: a acusação genérica nos crimes

econômicos. A ausência de individualização de condutas nas denúncias relativas ao

novo Direito Penal é assunto que envolve, diretamente, o crescente interesse de

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reprimenda estatal da criminalidade empresarial, por um lado, e a salvaguarda de

direitos e garantias individuais fundamentais alicerçados na Constituição da

República, por outro.

É certo que, na atualidade, sobretudo diante da inconteste dificuldade de

identificação de autoria em crimes praticados no seio de uma empresa, são

oferecidas denúncias genéricas, sem se individualizar a conduta de cada sócio,

diretor ou gestor de uma pessoa jurídica. Trata-se, segundo alguns, da única medida

capaz de garantir a persecução penal dos chamados delitos societários, pois, caso

contrário, seria impossível tal desiderato diante da estrutura organizacional e da

diversificação de atividades administrativas inerentes ao funcionamento da empresa.

A alternativa, assim, passa a ser o oferecimento de acusação genérica, com a

proposta (explícita ou implícita) de esmiuçar as condutas individuais no decorrer da

instrução judicial.

Por outro lado, para outros, tal prática viola princípios constitucionais (tais

como a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a presunção de

inocência e a ampla defesa e contraditório), dispositivos de consagração

internacional e a literalidade do art. 41 do Código de Processo Penal. Fala-se,

outrossim, que a acusação genérica faz resgatar a responsabilização objetiva e não

preenche a necessária justa causa para o início da persecução penal em juízo.

Este debate está longe do fim. A oscilante jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça demonstra o terreno movediço em que se

inserem as denúncias genéricas. Há muitas tendências, que nem de longe permitem

antever um posicionamento jurisprudencial firme sobre o assunto.

Eis, portanto, a rota a ser trilhada para a presente pesquisa: a primeira parada

será no Direito Penal Econômico; a segunda, no processo penal constitucional.

Estabelecidas tais premissas, será possível o estudo da denúncia genérica nos

crimes econômicos, destacando-se os argumentos daqueles que a defendem e dos

que a refutam, bem como a posição crítica sobre o tema. Ao final, será percorrido o

caminho da jurisprudência dos Tribunais Superiores, com a análise de mais de 200

(duzentos) julgados, desde o advento da Constituição Federal de 1988 até a

presente data.

Que se levantem as âncoras.

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2 DIREITO PENAL ECONÔMICO

2.1 DEFINIÇÃO E CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO

A criminalidade econômica atual é uma criminalidade de poder.1 Após séculos

dirigido a um número determinado de pessoas, em regra de baixo poder aquisitivo, o

Direito Penal volta-se a uma nova tipologia de autor: o seu cliente agora usa terno e

gravata, possui oportunidades sociais, é intelectualmente privilegiado e, geralmente,

detém alto poder aquisitivo. Na pauta do Direito Penal dos dias de hoje “[...] há

colarinhos brancos, caneta, papel e assinaturas de contratos.”2

Passa-se da ação criminosa violenta à sub-reptícia.3 São delitos de

inteligência – em oposição aos de violência – não somente pela utilização de

recursos tecnológicos, mas pela atuação de pessoas altamente qualificadas.4 Inicia-

se, pois, a operatividade do Direito Penal contra os “powerful”, e não somente contra

os “powerless.”5 Percebeu-se que a sonegação fiscal, a evasão de divisas, a

lavagem de dinheiro, a gestão fraudulenta, os agravos ao meio ambiente ou

qualquer infração contra as relações de consumo, por exemplo, acarretam prejuízos

incomensuráveis à sociedade.

É correto afirmar, pois, que a criminalidade econômica é uma ameaça séria

aos alicerces de qualquer sociedade organizada.6 Como adverte Bernd

Schünemann7, “Los peligros verdaderos para la sociedad postmoderna no son

provocados por la tradicional criminalidad aventurera y de la miseria, sino por la

criminalidad economica y contra el medio ambiente.”

1 FERRAJOLI, Luigi. Criminalità e globalizzazione. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 11, n. 42, abr./jun. 2003, p. 79. 2 HASSEMER, Wilfried. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 2, n. 8, out./dez. 1994, p. 45. 3 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito penal econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 9. 4 REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 13, jan./mar. 1996, p. 188. 5 QUINN, Nicolás. Delincuencia económica, globalización y derecho penal. In: LAPORTA, Mario H. et alii (coord.). Derecho Penal empresario. Buenos Aires: B. de F. Editorial, 2010, p. 944. 6 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; COSTA ANDRADE, Manuel da. Problemática geral das infracções contra a economia nacional. In: PODVAL, Roberto (org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 65. 7 SCHÜNEMANN, Bernd. Obras. Tomo II. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2009, p. 202.

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Opera-se, pois, uma revolução copérnica na estrutura jurídico-penal. Neste

sentido, a criminalidade econômica moderna é difusa e apresenta três

características elementares, as quais, em essência, diferem sobremaneira da

criminalidade clássica: a) ausência de vítimas especialmente individualizadas; b)

pouca visibilidade aparente dos danos causados e c) novo modus operandi.8

Conforme Leonardo Sica9:

As novas formas de criminalidade caracterizam-se, em linhas gerais, pela ausência de vítimas individuais – as vítimas, em geral, são o Estado, a comunidade ou uma parcela desta -, pela pouca visibilidade dos danos – tratando-se de direitos não individuais, os danos são pouco visíveis, tanto que, muitas vezes o Direito Penal tem dificuldade em tipificar os delitos, dependendo da definição de elementos fornecidos por outros ramos – e por novo modus operandi, as formas de ação são ‘civis’, envolvem contratos, negociações, pagamentos etc., situações, mais uma vez, de difícil acesso à ciência penal.

Trata-se de uma criminalidade organizada (em sentido amplo), pois, via de

regra, opera por meio de uma organização de pessoas, com profissionalismo,

hierarquia e disciplina, envolvendo pessoas poderosas e com nítida separação

espaço-tempo entre a execução e o dano causado.10

Destaca-se, ainda, que a criminalidade econômica é de fácil disseminação.

Tal modalidade criminosa apresenta o que o professor argentino Hugo Castiglione11

chama de efeitos ressaca e espiral, que ocorrem quando

se han agotado todas las posibilidades legales de lucha en un mercado altamente competitivo, de tal modo que el primero en delinquir genera una presión sobre el resto de los competidores, que finalmente les lleva a la comisión de nuevos hechos delictivos (‘resaca’), y cada participante se convierte en el eje de una nueva resaca (‘espiral’).

Neste cenário, é correto afirmar que o Direito Penal Econômico foi a maior

novidade do Direito Penal do século XX.12 É certo que a criminalidade econômica é

8 HASSEMER, 1994, p. 44. 9 SICA, Leonardo. Caráter simbólico da intervenção penal na ordem econômica. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Régis (org.). Doutrinas Essenciais – Direito Penal Econômico e da Empresa. Teoria Geral da Tutela Penal Transindividual. Volume 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 591. 10 MASIERO, Clara Moura. Direito penal econômico. Aplicabilidade nos procedimentos investigatórios previstos na Lei n.º 9.034/95. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010, p. 24-28. 11 CASTIGLIONE, Hugo. La expansión del derecho penal y su repercusión en el ámbito económico. In: RUBINSKA, Ramiro M.; ALMENAR, Daniel Schurjin (coord.). Derecho Penal Económico. Tomo I. Buenos Aires; Madrid; Barcelona: Marcial Pons, 2010, p. 153.

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antiga: ao longo da história da humanidade, sempre houve violações às regras

costumeiras das trocas comerciais, circulação de moeda e produção de riquezas.

Contudo, o Direito Penal Econômico só toma forma realmente normatizada após as

duas guerras mundiais do último século, a crise americana de 1929 e a maior

intervenção do Estado na economia. Some-se a isso a divulgação das pesquisas do

sociólogo americano Edwin Sutherland e sua teoria do white collar crime.

Historicamente, o Direito Criminal pouco funcionou como instrumento de

regulação da economia, fazendo-o apenas raras vezes, em tempos de guerra e para

enfrentar as graves crises econômicas. Contudo, a partir da metade do século XX, o

Direito Penal Econômico tornou-se mecanismo de estratégia estatal para disciplinar

a ordem econômica.13 E, nos últimos 30 (trinta) anos, assiste-se a uma verdadeira

expansão desse novo enfoque do Direito Penal.14

Com efeito, o espírito dos tempos modernos indica a necessidade de

proteção de bens supraindividuais, principalmente nas sociedades de consumo,

submetidas ao modelo econômico capitalista.15 Surge, assim, um Direito Penal

preocupado com os direitos de 2ª e 3ª gerações, difusos e coletivos, que traz em seu

bojo inegável carga de política social, afastando-se de sua concepção clássica.16

O Direito Penal Econômico é, pois, antes de tudo, uma resposta política às

exigências das sociedades atuais.17 Sua função extrapola aquela do Direito Penal

clássico, de feição liberal, apresentando um plus político, que vê na criminalização 12 JALIL, Mauricio Schaun. Criminalidade econômica e as novas perspectivas de repressão penal. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 15. 13 BARROETAVEÑA, Diego Gustavo. Derecho penal económico: delitos tributarios. Propuestas para un derecho penal tributario respetuoso de los principios y garantias penales. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 18, n. 86, set./out. 2010, p. 63. 14 A Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) dedicou dois Congressos ao estudo do Direito Penal Econômico. O primeiro ocorreu quando de sua fase embrionária, em 1953, na cidade de Roma. O segundo, realizado no Cairo, em 1984, trouxe elementos aptos a fortalecer a base teórica para o desenvolvimento dos estudos e da legislação penal econômica. A íntegra das resoluções do referido encontro está na obra “Resolutions of the Congresses of the AIDP/IAPL (1926-2004)”, editada em 2009 pela AIDP e disponível no site da mencionada associação (www.penal.org). Dentre estas, destacam-se a preocupação com a tutela de bens jurídicos coletivos e difusos no âmbito da economia, a necessidade de aplicação dos princípios gerais de direito penal no âmbito do Direito Penal Econômico e a preocupação com a utilização das normas penais em branco. 15 GUARAGNI, Fábio André. Da tutela penal de interesses individuais aos supraindividuais: dialogando com Beccaria. In: BUSATO, Paulo César (org.). Ler Beccaria hoje. Volume 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 52. 16 Conforme Figueiredo Dias, “[...] o legislador foi-se deixando seduzir pela ideia, perniciosa mas difícil de evitar, de pôr o aparato das sanções criminais ao serviço dos mais diversos fins de política social.” FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Para uma dogmática do direito penal secundário. Um contributo para a reforma do Direito Penal Econômico e social português. In: PODVAL (org.), 2000, p. 14. 17 GRACIA MARTÍN, Luis. Prólogo à 2ª Edição. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico: ordem econômica, relações de consumo, sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais, crime organizado. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 8.

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de condutas na área econômica a possibilidade de garantir um mercado

transparente, honesto e seguro, voltado ao desenvolvimento social.18 Conforme

Jorge de Figueiredo Dias19, o novo Direito Penal busca verdadeiramente a igualdade

material entre os cidadãos.20

A novidade não é pouca. Descortina-se um terreno denso, complexo e repleto

de peculiaridades e dificuldades. É certo que não se trata de um ramo autônomo.

Sua concepção e atuação estão na seara do Direito Penal, tal qual outras vertentes

do universo criminal. Contudo, o Direito Criminal nuclear deve sofrer algumas

adequações para a nova realidade dos crimes contra a ordem econômica.21 São

necessários, pois, “meios de calibragem e ajuste” da dogmática penal de outrora.22

Assim é que “No quadro da chamada criminalidade dos negócios despontam

novos enigmas para os estudiosos do Direito Penal.”23 Nos crimes of the powerful, a

dogmática ainda carece de melhor elaboração e sedimentação.24 Tais delitos

possuem uma configuração jurídica imprecisa e significativamente diversa dos

crimes do Direito Penal clássico.25

A dificuldade é tamanha que sequer existe consenso quanto à conceituação

de crime econômico e de Direito Penal Econômico. A justificativa é clara: trata-se de

um instrumento de inegável viés político-social, o qual é mutável em razão do tempo

e do sistema em que está inserido.

18 BENJAMIN, Antônio Herman V. O direito penal do consumidor: capítulo do Direito Penal Econômico. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Régis (org.). Doutrinas Essenciais – Direito Penal Econômico e da Empresa. Direito Penal do ambiente, consumidor, patrimônio genético e saúde pública. Volume 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 799. 19 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e a aplicação das penas em Direito Penal Econômico. In: FARIA COSTA, José de; MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coord.). Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos F undamentais – Visão Luso-Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 71. 20 É oportuna, aqui, a lição de Gabriel Adriasola. Segundo ele, não se pode prescindir da intervenção penal na economia, seja em um sistema liberal, seja em um sistema planificado. Deve-se, contudo, fazê-lo de forma técnica e criteriosa, a fim de evitar a deslegitimação do Direito Penal Econômico. ADRIASOLA, Gabriel. Legitimidad de la intervención del derecho penal en la actividad económica. In: RUBINSKA; ALMENAR (coord.), 2010, p. 114. 21 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, Carlos. Derecho Penal Económico. Parte General. 2. ed. Valencia:Tirant lo Blanch, 2007, p. 72. 22 TERRA DE OLIVEIRA, William. Algumas questões em torno do novo Direito Penal Econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 233. 23 DOTTI, René Ariel. Algumas reflexões sobre o “Direito Penal dos negócios”. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 707. 24 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. El derecho penal ante la globalización y la integración supranacional. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n. 24, out./dez. 1998, p. 67. 25 MIRANDA RODRIGUES, Anabela. Globalização, democracia e crime. In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA. (coord.), 2006, p. 283.

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17

Tais razões são elencadas pela doutrina portuguesa26:

Tal facto deve-se menos à juventude dogmática do Direito Penal Económico que à natureza intrínseca deste espaço, profundamente dinâmico e instável, profundamente hipotecado à conjuntura da evolução histórica e às particularidades de cada sistema económico-social em que se insere.

O que é certo é que eventuais dificuldades teóricas para conceituar e delimitar

o Direito Penal Econômico não devem impedir o processo de tomada de consciência

de sua importância e da necessidade de realização de uma justiça socioeconômica

mais digna27, sem prejuízo, é evidente, dos direitos e das garantias individuais

constitucionalizados.

De qualquer sorte, e sem a pretensão de exaustividade ou resposta final, vale

uma incursão nas tentativas de delimitação conceitual deste novo Direito Penal. Da

análise da doutrina sobre o tema, verifica-se a utilização de pelo menos 4 (quatro)

critérios de identificação dos crimes econômicos, a seguir expostos e analisados: a)

criminológico; b) da atividade empresarial; c) processual; e d) jurídico-dogmático.

2.1.1 Critério Criminológico

Não é possível falar em criminalidade econômica sem a menção a Edwin

Sutherland (1883-1950) e sua teoria acerca do white collar crime. É inegável a

contribuição do sociólogo e cientista político norte-americano para a evolução e

compreensão do Direito Penal Econômico.

Em seus estudos, divulgados por ocasião do 34º Encontro Anual da

Sociedade Americana de Sociologia, em 1939, Sutherland criticou severamente as

teorias que associavam o crime à pobreza e às patologias sociais e pessoais que a

acompanham.28 Assim é que sugeriu a expressão “crimes de colarinho branco” aos

delitos cometidos por criminosos de altas classes, em clara alusão à forma de vestir

dos membros das capas altas da sociedade. O colarinho branco “[...] é um símbolo 26 FIGUEIREDO DIAS; COSTA ANDRADE, 2000, p. 67-68. 27 DOTTI, René Ariel. O Direito Penal Econômico e a proteção do consumido r. Curitiba: Guignone Editora, 1982, p. 31. 28 SUTHERLAND, Edwin H. El delito de cuello blanco. Versión completa. Buenos Aires: B. de F. Editorial, 2009, p. 9.

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do homem bem situado na vida, geralmente ligado aos poderosos grupos sociais,

gozando de prestígio político e financeiro.”29

Para seu intento, pesquisou as 70 (setenta) maiores corporações industriais e

comerciais norte-americanas, constatando a existência de criminalidade diversa das

até então estudadas pela criminologia.30 Segundo ele, os delitos de colarinho branco

tinham um grande custo para um país, principalmente em termos econômicos,

superior ao do delito comum.31

Na acepção sugerida por Sutherland, o conceito de “crime de colarinho

branco” é composto de cinco elementos: a) ser um crime; b) cometido por uma

pessoa respeitável; c) a qual deve pertencer a uma camada social alta; f) estar no

exercício de seu trabalho e e) com abuso de confiança.32

Com efeito, “Na definição de Sutherland, o white collar crime constitui uma

violação da norma penal por pessoas de elevado estatuto socioeconômico, no

exercício abusivo de uma profissão lícita.”33 Nota-se, pois, que o conceito por ele

sugerido está intimamente vinculado às noções de dinheiro, educação e status.34

Para a configuração do white collar crime, Sutherland utilizou-se de dois

aportes sociológicos: a teoria da associação diferencial e a teoria da desorganização

social (ou organização social diferencial).

A primeira – associação diferencial – assenta-se na consideração de que quer

a motivação para a prática do crime, quer o conhecimento dos procedimentos para a

prática delitiva são apreendidos através de processos de comunicação no interior de

grupos.35 Assim, o crime de colarinho branco é aprendido na associação com

aqueles que já se comportaram de maneira criminosa.36

29 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime de colarinho branco. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Régis (org.). Doutrinas Essenciais – Direito Penal Econômico e da Empresa. Direito Penal Econômico. Volume 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 496. 30 SANTOS, Marcelo Almeida Ruivo dos. Criminalidade fiscal e colarinho branco: a fuga ao fisco é exclusividade do white-collar? In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA (coord.), 2006, p. 1204. 31 SERRANO MAÍLLO, Alfonso. A utilização (distorcida) dos delitos de colarinho branco nos paradigmas antiempíricos. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 2, 2011, p. 324. 32 CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 16. 33 DOTTI, 1982, p. 29. 34 ALLER, Germán. Criminalidad del poder económico. Ciencia y práxis. Buenos Aires: B. de F. Editorial, 2011, p. 83. 35 MOREIRA SANTOS, Inês. Crime de colarinho branco – práticas inconfessáveis. In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA (coord.), 2006, p. 1154. 36 KREMPEL, Luciana Rodrigues. O crime de colarinho branco: aplicação e eficácia da pena privativa de liberdade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 13, n. 54, mai./jun. 2005, p. 103.

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A segunda – desorganização social – reconhece a existência de um menor

controle social em determinados grupos. No âmbito empresarial isso ocorre pelo

comportamento complexo, técnico e pouco observável por cidadãos não

especialistas na área empresarial e pela constante mudança das relações

comerciais.

O aprendizado criminoso no âmbito das relações das classes mais elevadas,

somado ao menor controle social a que está submetida a capa alta da sociedade

permite a proliferação dos crimes do colarinho branco:

La asociación diferencial es una explicación hipotética del delito, desde el punto de vista del proceso por el qual una persona es iniciada en el delito. La desorganización social es también una explicación hipotética del delito, desde el punto de vista de la sociedad. Ambas hipótesis son compatibles entre sí y una es la contrapartida de la otra.37

Segundo Luiz Flávio Gomes38, a teoria sociológica de Sutherland

revolucionou o Direito Penal clássico por três motivos: a) a passagem do crime-

indivíduo para o crime-sistema ou crime-organização (o crime se aprende no

processo de socialização e interação com as demais pessoas); b) a mudança do

paradigma do crime-pobreza para o crime-poder (cometido por poderosos e pessoas

dominantes); e c) a alteração da visão clássica de crime-drama ocasional para o

crime-regular (o delito faz parte da vida cotidiana das pessoas).

Contudo, não obstante os méritos do sociólogo norte-americano, o critério

criminológico é absolutamente insuficiente para identificar, com precisão técnica, o

crime econômico. Com efeito, “[...] o denominado crime de colarinho branco possui

rasgos característicos próprios, não se esgotando apenas em considerações

sociológicas sobre o assunto.”39 O conceito de Sutherland não apresenta a clareza e

a instrumentalidade necessárias para uma efetiva utilização no sistema penal.40

37 SUTHERLAND, 2009, p. 368. 38 GOMES, Luiz Flávio. A impunidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminológica da teoria da aprendizagem. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 629. 39 TERRA DE OLIVEIRA, 1995, p. 234. 40 MOREIRA SANTOS, 2006, p. 1207.

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Conforme observa Francisco Muñoz Conde41, “en el Derecho Penal moderno,

delincuente es el que comete un delito y no el que procede de un medio social

determinado y tiene determinadas connotaciones personales.”

É oportuna, ainda, a lembrança de Eduardo Correia42:

O caminho de se recorrer a uma tipologia de agente para definir o Direito Penal Econômico esquece que toda a legislação criminal, num Estado social de direito, há de passar, fundamentalmente, pela definição dos bens jurídicos ou valores que pretende proteger e pela descrição do modus operandi que os viola ou põe em perigo: não poderá ser, pois, um simples Direito Penal de agentes.

Conforme Alfonso Serrano Maíllo43:

Ainda que, intuitivamente, se possa ter uma ideia – mais ou menos socialmente construída – do que Sutherland queria dizer com sua definição, quando se trata de precisá-la em face de uma investigação teórica ou empírica torna-se muito complicado decidir em que consistem cada um dos termos que a compõem.

Por tais razões, o critério criminológico não é o melhor caminho na busca por

um conceito de Direito Penal Econômico.

2.1.2 Critério da Atividade Empresarial

Não há dúvidas que, em regra, a empresa é a “célula essencial” na qual se

desenvolve a criminalidade econômica.44 Por conta disso, enumera-se como

possível critério apto a conceituar o Direito Penal Econômico a atividade

empresarial. Chamada por Raúl Cervini de “operativo-funcional”, tal orientação

41 MUÑOZ CONDE, Francisco. Principios politico criminales que inspiran el tratamiento de los delitos contra el orden socieconómico en el proyecto de Codigo Penal español de 1994. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 8. 42 CORREIA, Eduardo apud DOTTI, 2011, p. 710. 43 SERRANO MAÍLLO, 2011, p. 327. 44 PÉREZ DEL VALLE, Carlos. Introducción al derecho penal económico. In: BACIGALUPO, Enrique. Curso de derecho penal económico. 2. ed. Madrid; Barcelona: Marcial Pons, 2005, p. 20.

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entende por delito econômico aquele cometido com a utilização de empresa,

realizado em seu âmbito ou benefício.45

De fato, em termos gerais, a imensa maioria dos delitos econômicos (e

também os mais importantes) encontram seu marco de atuação no seio das

empresas.46 É, aliás, em razão de sua complexa estrutura que surge boa parte dos

problemas dogmáticos do atual Direito Penal, como as discussões acerca da melhor

forma de imputação em tais casos. A dificuldade para identificação da autoria de

delitos cometidos no âmbito das pessoas jurídicas guarda estreita correlação com a

possibilidade ou não de denúncia genérica nos crimes econômicos.

É corrente, pois, a expressão criminalidade empresarial. Tal terminologia

pode ser analisada sob diferentes prismas. Pode-se falar da delinquência que nasce

do homem de trás, daquele que detém o poder diretivo da empresa e pratica

infração penal em benefício desta ou de seus sócios; bem como do crime do homem

da frente, isto é, do executor de tarefas que, à revelia de seus superiores

hierárquicos, pratica crimes quebrando a confiança funcional, em ato de deslealdade

na relação de emprego.47

No primeiro caso, fala-se de criminalidade de empresa; no segundo,

criminalidade na empresa. Por óbvio, a aproximação do Direito Penal Econômico é

com a criminalidade de empresa, uma vez que esta é, muitas vezes, a engrenagem

necessária para um ilícito econômico.

Contudo, tal critério igualmente é falho. Com efeito, “[...] os sujeitos ativos dos

crimes contra a economia não se resumem às empresas, nem estas incorrem

apenas em delitos econômicos.”48 Em outras palavras: nem todo crime econômico é

cometido através de empresas e nem todo crime através de empresas é econômico.

De fato, é perfeitamente possível vislumbrar uma sonegação de imposto de renda de

pessoa física, por um lado, bem como um estelionato praticado no âmbito da

atividade empresarial, por outro.

45 CERVINI, Raúl. Derecho penal económico – concepto y bien jurídico. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 2, 2011, p. 239. 46 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, 2007, p. 130. 47 SANLLEHÍ, José R. Agustina. El delito en la empresa: estrategias de prevención de la criminalidad intra-empresarial y deberes de control del empresario. Barcelona: Atelier Libros, 2010, p. 52. 48 SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo. Reflexões sobre o delito econômico e a sua delimitação. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 2, 2011, p. 279.

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Neste sentido observa Leonardo Coelho do Amaral49:

Ocorre que o critério citado não satisfaz questões decorrentes, por exemplo, das chamadas sociedades de fato ou de empresas informais. É insuficiente, ademais, para os casos em que os crimes sócio-econômicos são praticados por pessoas físicas, sem a utilização de empresas, como se percebe de crimes como os ambientais ou contra a ordem tributária.

Assim é que o critério da atividade empresarial igualmente não satisfaz para

uma correta delimitação conceitual do Direito Penal Econômico.

2.1.3 Critério Processual

Os crimes econômicos possuem uma série de obstáculos em comum, que

dificultam a efetivação da persecução penal.50 Dentre eles, podem ser citados, por

exemplo, a complexidade dos fatos em discussão, as dificuldades jurídicas e

econômicas da matéria, a ausência de especialistas para fazer frente às

complexidades e dificuldades apontadas e a insuficiente assistência judicial das

relações internacionais.51 São, pois, conforme Klaus Tiedemann, complexidades

processuais e probatórias inerentes a tal modalidade de criminalidade.52

Acerca dessas dificuldades – especialmente no campo da investigação –

Enrique Bacigalupo53 assevera:

El descubrimiento de los delitos económicos requiere técnicas especiales que están condicionadas por la particular estructura de los hechos que se agrupan bajo la rubrica del Derecho penal económico. No es lo mismo descobrir al autor de un homicidio que comprobar la deuda fiscal de una empresa con varias filiales para establecer si se ha cometido un delito fiscal o si sus balances son falsos. Es cierto que algunos delitos económicos son más facilmente perseguibles que otros, pero, en todo caso, requieren

49 AMARAL, Leonardo Coelho do. Crimes sócio-econômicos e crimes fiscais. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Régis (org.). Doutrinas Essenciais – Direito Penal Econômico e da Empresa. Direito Penal Tributário, Previdenciário e Financeiro. Volume 5. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 417. 50 SÁNCHEZ RIOS, 2011, p. 279. 51 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, 2007, p. 123. 52 TIEDEMANN, Klaus. Manual de Derecho Penal Económico. Parte general y especial. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, p. 55. 53 BACIGALUPO, Enrique. Órganos Judiciales especializados en criminalidad económica en Europa. In: BACIGALUPO, 2005, p. 707.

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conocimientos que no son los tradicionales de un detective del estilo de Sherlock Holmes.

Por conta dessa realidade, alguns estudiosos do Direito Penal Econômico

propõem a especialização dos órgãos de persecução penal, bem como a inserção

de normas processuais especiais, a fim de tornar eficaz a resposta penal.54

Conforme Carlos Martínez-Bujan Perez55:

Semejante panorama ha llevado a la doctrina especializada a proponer medidas de actuación aplicables en general a la persecución de todos los delitos económicos, básicamente en un doble ámbito: especialización de los órganos de persecución penal, de un lado; introducción de normas procesales especiales, de otro.

Neste panorama, sob o critério processual, ter-se-ia que crimes econômicos

seriam aqueles julgados por juízos especializados na matéria, criados por conta das

dificuldades de compreensão do tema.56

Contudo, “A inadequação desta perspectiva, que eleva à categoria de nota

essencial dum fenómeno uma sua característica, é manifesta.”57 De fato, a

conceituação do Direito Penal Econômico com lastro em uma característica

extrínseca – suas particularidades procedimentais –, olvidando a sua essência

material, não é a mais adequada.

Como se não bastasse, há outro argumento relevante, conforme observa

Leonardo Coelho do Amaral58:

Tal discurso, entretanto, não seria suficiente para o fim a que se destina, bastando verificar que outros crimes, que não os sócio-econômicos, também podem exigir uma especialização dos órgãos de repressão ou da criação de novas fórmulas processuais para a produção probatória e para o cumprimento das penas aplicadas [...].

54 SÁNCHEZ RIOS, 2011, p. 280. 55 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, 2007, p. 123. 56 KALACHE, Mauricio. Direito Penal Econômico. In: PRADO, Luiz Regis (coord.). Direito Penal Contemporâneo. Estudos em homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 396. 57 COSTA ANDRADE, João da. O erro sobre a proibição e a problemática da legitimação em direito penal (elemento diferenciador entre o direito penal económico e o direito penal de justiça). In: FARIA COSTA, José de (coord.) Temas de direito penal econômico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 24. 58 AMARAL, 2011, p. 418.

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Basta lembrar, para corroborar o alegado, da existência, no Brasil, de varas

especializadas em outras formas de criminalidade especial, tais como de drogas, de

idosos, de violência doméstica, de trânsito, apenas para citar algumas.

Afasta-se, assim, igualmente o critério processual.

2.1.4 Critério do Bem Jurídico

Dentre todos os critérios sugeridos pela doutrina, certamente o mais

adequado é aquele que busca definir a extensão do Direito Penal Econômico tendo

em conta o bem jurídico tutelado. Trata-se da perspectiva jurídico-dogmática, que

vincula diretamente tal criminalidade ao conceito de ordem econômica.

Em um primeiro momento da história do Direito Penal Econômico, este tinha

por diretriz a proteção à ordem econômica em sentido estrito. Tal orientação tem

origem na Lei para simplificação do Direito Penal Econômico no campo da

economia, editada em 1949 na Alemanha. Segundo esta, “uma infração será delito

econômico quando vulnere o interesse do Estado na permanência e conservação da

ordem econômica.”59 Em outras palavras, o Direito Penal Econômico era utilizado

para a regulação jurídica da intervenção estatal na economia. Foi neste cenário que

surgiram os primeiros crimes econômicos, os quais têm como sujeito passivo o

próprio Estado. É o caso, por exemplo, dos crimes fiscais clássicos.

Contudo, a evolução social exigiu que o conceito de ordem econômica fosse

ampliado e, consequentemente, o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal

Econômico. Hoje, este é o ramo do Direito Penal que protege a ordem econômica

em sentido lato, e diz respeito igualmente aos crimes que afetam a produção,

distribuição e consumo de bens e serviços.60

A mudança é significativa. Constatou-se que a ordem econômica interessa e

está a serviço de todos os cidadãos, e não apenas do Estado.61 As vítimas da

criminalidade moderna são as coletividades, determinadas ou não. A expressão

supraindividualidade ganha força. Conforme Hugo Duarte Fonseca, “se é facto que o

59 CERVINI, 2011, p. 231. 60 MUÑOZ CONDE, 1995, p. 9. 61 CERVINI, op. cit., p. 249.

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Direito Penal económico nasceu com o despertar do Estado para a economia, hoje

libertou-se dele.”62

Nas palavras de Carlos Martínez-Buján Perez63:

[...] junto a este concepto estricto se reconoce un concepto amplio de delitos económicos, caracterizado por incluir, por lo pronto, las infracciones vulneradoras de bienes jurídicos supraindividuales de contenido económico que, si bien no afectan diretamente a la regulación jurídica del intervencionismo estatal en la economia, trascienden la dimensión puramente patrimonial individual, trátese de intereses generales de contenido o trátese – al menos – de interes de amplios sectores o grupos de personas.

Didaticamente, Heloísa Estellita Salomão64 observa:

O conceito restrito engloba aqueles setores do Direito cuja tutela recai, primordialmente, sobre o bem jurídico constituído pela ordem econômica estatal em seu conjunto, e consequentemente, sobre o fluxo da economia em sua originalidade – enfim, sobre a economia nacional. Um âmbito maior abarca o conceito amplo no qual os delitos econômicos protegem o conjunto de normas jurídicas promulgadas para a regulação de produção, da fabricação e da distribuição de bens econômicos.

Não há dúvidas de que o Direito Penal Econômico abarca a ordem econômica

em seu aspecto amplo.65 Este é o bem jurídico que deve ser tutelado. Neste sentido,

“A importância social do sistema financeiro, da ordem tributária, do sistema

previdenciário, do meio ambiente, das relações de consumo, entre outras, são

consideradas fundamentais para a própria realização do indivíduo em sociedade.”66

Analisando a concepção ampla de ordem econômica, Raúl Cervini67 sustenta

que a criminalidade econômica relaciona-se ao exercício abusivo dos mecanismos

da economia: o equilíbrio da economia nacional com o mundo exterior (mecanismos

62 FONSECA, Hugo Duarte. Direito penal económico: da autonomia dogmática à integridade nos princípios (ou para uma cosmovisão: do big bang na dogmática à radiação fóssil dos princípios). In: FARIA COSTA (coord.), 2005, p. 171. 63 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, 2007, p. 95. 64 SALOMÃO, Heloísa Estellita. Tipicidade no direito penal econômico. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 2, 2011, p. 159. 65 Conforme Luiz Régis Prado, “Na verdade, impõe reconhecer, para efeito de proteção penal, a noção de ordem econômica lato sensu, apreendida como ordem econômica do Estado, que abrange a intervenção estatal na economia, a organização, o desenvolvimento e a conservação dos bens econômicos (inclusive serviços), bem como sua produção, circulação, distribuição e consumo.” PRADO, 2009, p. 35. 66 SÁNCHEZ RIOS, 2011, p. 261. 67 CERVINI, Raúl. Macrocriminalidad económica – apuntes para una aproximación metodológica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 51.

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de câmbios), a transformação de capital em renda e renda em capital (mecanismos

financeiros) e o equilíbrio entre produção e consumo (como abusos na relação

consumerista).

Fala-se, pois, da ordem econômica como “[...] um ‘novo bem jurídico’, de

caráter supra-individual e destinado a consecução da justiça social, por meio da

harmonia entre produção, circulação e distribuição das riquezas, como proclama a

Carta Magna.”68

A Constituição da República de 1988 consagra a ordem econômica em seu

art. 170, dando-lhe base e objetivo: deve ela ser fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa e assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social. Seus princípios regentes são a soberania nacional, a

propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa

do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais,

a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para empresas de pequeno

porte.

A regulação constitucional da ordem econômica é recente, e está intimamente

associada à passagem do Estado Liberal para o Estado Social69, conforme se verá

adiante. Nas palavras de José Afonso da Silva, “A atuação do Estado, assim, não é

nada mais do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de

arrumar a desordem que provinha do liberalismo.”70

Segundo se observa da Carta Magna, a opção brasileira foi pelo sistema

capitalista, com um modelo econômico aberto, de bem-estar e dinâmico, capaz de

se adequar às mudanças da realidade social.71 Tal opção não afasta a participação

do Estado na economia, seja através de mecanismos de intervenção (atuação

estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito), seja com a atuação

estatal no campo da atividade econômica em sentido amplo, com a participação

efetiva e ostensiva do Poder público no seio da economia.72

É certo que se trata de um bem jurídico bastante complexo, sobretudo se

comparado aos tradicionais, como vida, honra e patrimônio. Trata-se de um bem

68 SICA, 2011, p. 591. 69 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1288. 70 AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 762. 71 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 314. 72 Ibid., p. 100.

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jurídico flexível, mas que permite, ao menos, vislumbrar uma delimitação conceitual

da criminalidade econômica. De fato, “[...] os contornos entre os vários tipos de

ilicitude (tributária, fiscal, financeira, etc.) revelam pontos de confluência e

interpenetração diante dos limites muito esfumados e flexíveis.”73

Tem-se, assim, que o melhor critério de definição do Direito Penal Econômico

é o do bem jurídico. Os crimes econômicos são aqueles que ofendem a ordem

econômica. Não é necessário que o autor pertença à elevada camada social,

tampouco que exista um juízo especializado no julgamento da matéria ou que o

crime tenha ocorrido no âmbito da atividade empresarial. O Direito Penal Econômico

disciplina os crimes contra a ordem econômica.

Deve prevalecer, portanto, a perspectiva jurídico-dogmática.

Verifica-se, assim, que não é tarefa fácil definir o Direito Penal Econômico. Na

doutrina pátria, a mais célebre definição é de Manoel Pedro Pimentel74, segundo a

qual se trata do “[...] conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as

penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas,

ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes.”

Pela concisão e precisão técnica, ainda vale a referência ao conceito de

Celso Eduardo Faria Coracini75:

O direito penal econômico é a disciplina do direito penal geral que protege bens jurídico-penais (econômicos), com alcance meta ou supraindividual, de condutas que os lesionem ou que sejam capazes de lesioná-los, perturbando, ou desestabilizando, a ordem econômica desse Estado.

Delimita-se, assim, o campo de atuação do Direito Penal Econômico.76

Repita-se: não se trata de ramo autônomo. Trata-se de uma faceta própria do Direito

Penal, voltada aos crimes contra a ordem econômica e cada vez mais consolidada

na sociedade atual, nos termos a seguir.

73 DOTTI, 1982, p. 30. 74 PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito penal econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973, p. 10. 75 CORACINI, Celso Eduardo Faria. Contexto e conceito para o direito penal econômico. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 434. 76 Vale ressaltar, porém, que os demais critérios, se não são capazes de definir com exatidão a criminalidade econômica, dão um norte para sua incidência. Tal afirmativa é relevante, pois, no presente estudo, o critério da atividade empresarial é de grande valia e não pode ser descartado.

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2.2 A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Conforme já mencionado anteriormente, a criminalidade econômica sempre

existiu. Contudo, foi a partir da segunda metade do século XX que se operou uma

verdadeira revolução no campo do Direito Penal e da política criminal, com a

consolidação do Direito Penal Econômico e sua evolução para a tutela de bens

supraindividuais relativos à ordem econômica.

É possível destacar três principais razões para o amadurecimento e evolução

do tema no âmbito do Direito Penal: a) no campo político, o surgimento dos Estados

Sociais e de Direito, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial; b) no campo filosófico, a

filosofia da linguagem e a noção de alteridade; e, finalmente, c) no campo

sociológico, os estudos atinentes à sociologia do risco.

É oportuno, pois, tecer breves considerações sobre cada uma dessas molas

propulsoras do Direito Penal Econômico, com especial destaque à última por ser,

possivelmente, aquela que mais influência tem no estudo do tema na atualidade.

2.2.1 O Estado Social e de Direito (Campo Político)

A percepção das origens históricas do Direito Penal Econômico permite uma

visão clara da utilização do Direito Criminal com o escopo de reforçar as

características de um determinado modelo político-econômico de Estado.77 Daí a

importância de seu estudo e compreensão.

O pensamento econômico do século XIX era liberal. O Estado era alijado da

atividade econômica e a iniciativa privada atuava livremente. A livre concorrência, a

lei da oferta e da procura, o "laissez faire, laissez aller, laissez passer" afastavam o

Poder Público da economia. O pensamento da economia liberal era extirpar a

interferência de qualquer fator externo a ela mesma.

Contudo, já no século XX, os danos causados à economia pelas guerras

mundiais impulsionaram os Estados a superarem as ideias do liberalismo e

77 CORACINI, 2011, p. 423.

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avançarem rumo a outro tipo de postura na atividade econômica, mais

intervencionista.78 De elemento neutro, o Estado passou a ter marcante presença na

economia, impondo finalidades que extrapolavam a mera correção.79

Neste cenário surgem os primeiros passos do Direito Penal Econômico. Seu

surgimento, pois, exigiu a superação do perfil individualista que caracterizou o

pensamento do século XIX.80 A intervenção do Estado na atividade econômica, na

nova condição de Estado “dirigente”, trouxe consigo a necessidade de atuação do

Direito Penal em condutas que até então eram imprevisíveis.81

Tal fenômeno foi universal. Conforme a doutrina estrangeira, “[...] un Derecho

penal económico, con sus singulares cualidades contemporâneas, sólo comienza a

existir quando aparece la necesidad política de una economia dirigida y centralizada;

esto es, planificada.”82 No mesmo sentido, Raul Peña Cabrera informa que

“Indudablemente la génesis histórica y consolidación de los bienes jurídicos

supraindividuales es obra del intervencionismo estatal.”83

É oportuna a citação de Fábio André Guaragni84:

O direito penal econômico, enquanto ramo destinado à tutela da ordem econômica, apresentou condições históricas de surgimento somente a partir do começo do século XX, com a constituição de estados fortes, de cariz totalitário, caracterizados pela forte intervenção na economia, seja regrando e patrulhando a atividade produtiva e distributiva de bens e serviços levada a efeito pela iniciativa privada (estados de direita), seja substituindo o capitalista e assumindo as funções próprias do ciclo econômico relativas à produção e distribuição de bens e serviços ao consumo.

Finalmente, o escólio de Joyce Roysen85:

Este novo tipo de postura – que vai desaguar no modelo do welfare state – apresenta Estados intervencionistas, que assumirão papéis fundamentais no desenvolvimento econômico de suas nações. O direito penal transforma-

78 ROYSEN, Joyce. Histórico da criminalidade econômica. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 543. 79 SALOMÃO, 2011, p. 156. 80 GUARAGNI, Fábio André. A origem do direito penal econômico: razões históricas. In: CÂMARA, Luiz Antônio (coord.). Crimes contra a ordem econômica e tutela de direito s fundamentais. Curitiba: Juruá, 2009, p. 151. 81 SÁNCHEZ RIOS, 2011, p. 261. 82 BALCARCE, Fabián I. Origen Multidisciplinario y estabilización del derecho penal econômico. In: RUBINSKA; ALMENAR (coord.), 2010, p. 74. 83 PEÑA CABRERA, Raul. El bien juridico en los delitos económicos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 44. 84 GUARAGNI, op. cit., p. 151. 85 ROYSEN, op. cit., p. 543.

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se então num instrumento importante, primeiramente para a proteção das fragilizadas economias dos países centrais na primeira metade do século XX e, mais adiante, como um mecanismo de direcionamento para a reformulação dessas economias, agora não mais sob a égide do Mercado, mas sob a tutela estatal.

Assim é que o Direito Penal Econômico passa a servir ao Estado como

instrumento de seu controle e intervenção na atividade econômica. Juntamente com

outros mecanismos de atuação estatal, o Direito Penal surge como um meio capaz

de fazer valer a política econômica do Poder Público.

Contudo, se é certo que uma economia sem controle é prejudicial, igualmente

o é uma intervenção estatal agressiva, ampla e irrestrita. Neste ponto é que surge o

Estado Social de Direito, como a síntese entre o Estado Liberal e o Estado

interventor. Mantém-se a atividade privada, mas com preocupação pública. No

liberalismo, havia apenas a igualdade formal (e não material); no modelo atual

mantém-se a liberdade, promovendo a igualdade material. Surge, assim, um

movimento criminalizador de condutas que afrontam o Estado Social e de Direito,

com a já mencionada ampliação da ideia de ordem econômica.

Conforme Fabián Balcarce86:

La nueva construcción tiene por objetivo rescatar, en forma dialéctica, lo mejor de la evolución orgânico-estatal: del Estado liberal asume los derechos de autonomía individual (de derecho), plasmada en un compromiso de abstención; absorbe del Estado socialista los denominados derechos de prestación (social) y, por tanto, una posición activa; mientras que, por su carácter de realización humana, garantiza los derechos del ciudadano a la participación en la vida social y política (democrático).

É obrigatória a menção a Paulo Bonavides87, em obra específica sobre o

tema, quando assevera:

A sobrevivência da democracia liga-se ao êxito que eventualmente possa alcançar uma teoria política que afirme e reconcilie a idéia dos direitos sociais, que faz lícita uma maior intervenção do poder estatal na esfera econômica e cultural, com a ideia não menos justa do individualismo, que pede a segurança e o reconhecimento de certos direitos fundamentais da personalidade, sem os quais esta se deformaria e definharia, como fonte que se deve sempre conservar de iniciativas úteis, livres e fecundas.

86 BALCARCE, 2010, p. 85. 87 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social . 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 140.

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Tal transformação foi, assim, a primeira grande causa para a consolidação do

Direito Penal Econômico.

2.2.2 A Filosofia da Linguagem e a Noção de Alteridade (Campo Filosófico)

Alguns estudiosos afirmam que o Direito Penal Econômico consolidou-se a

partir do momento em que se percebeu a existência do outro. Explica-se: com o

advento da filosofia da linguagem, restou superado o pensamento individualista e

egocêntrico dos pensamentos filosóficos de outrora. Verificou-se, pois, que “[...] no

hay existencia que al mismo tiempo no sea coexistencia.”88 Houve, assim, o

reconhecimento “de interferencia de conductas de un ‘Yo’ con un ‘Tú’”.89

Conforme Fábio André Guaragni90:

Na suma, a configuração do universo e de tudo que dele consta depende da linguagem, forjada mediante ações comunicativas. A ação comunicativa exige no mínimo dois atores: um emitente e um receptor. Por isso, obriga à percepção do outro, fundando a noção de alteridade.

E continua91:

Na base da ação comunicativa, minha existência só se explica na medida em que os outros me percebam. Neste sentido, eu não existo sem os outros. Cada indivíduo depende do outro para ser percebido como existência. Somos, a um só tempo, eu e outro, numa interdependência recíproca. Para outrem, eu sempre sou outro. Reconhecendo o outro em mim, percebo-me como igual e encaminho uma perspectiva de universo oposta ao egocentrismo cartesiano. De fato, reconhecer o outro em mim implica fundar um universo de maior solidariedade e compreensão.

O grande expoente da filosofia da alteridade foi, sem dúvida alguma,

Emmanuel Lévinas. Com uma história de sofrimento e perseguição nazista durante a

88 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 611. 89 LUNA, Diego Roberto. El problema de la alteridad en la eidética pragmatológica de Zaffaroni. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 17, n. 79, jul./ago. 2009, p. 162. 90 GUARAGNI, 2009, p. 53-54. 91 GUARAGNI, loc. cit.

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2ª Guerra Mundial, o filósofo lituano compreendeu que “Um indivíduo é outro para o

outro.”92 São suas as seguintes palavras:

Ensaiei uma fenomenologia da sociedade a partir do rosto do outro homem [...] Do fundo da natural perseverança no ser de um ente assegurado de seu direito de ser, do coração da identidade original do eu – e contra essa perseverança, contra esta identidade – emerge, despertada em face do rosto de outrem, a responsabilidade por outrem, ao qual, portanto, fui votado antes de todo o voto, antes do estar presente a mim-mesmo ou de voltar a mim.93

Assim é que “O homem habita o mundo revestido de outros.” 94 e “O outro,

enquanto pessoa, é terra santa, sacralidade absoluta.”95

Vale a referência, ainda, a Jürgen Habermas, um dos maiores expoentes da

filosofia da linguagem. O professor, sociólogo e filósofo alemão desenvolveu,

igualmente, e em conjunto com Karl Otto Apel, a “ética da discussão”, na qual ensina

que a racionalidade não depende apenas diretamente do sujeito, mas sim, da

intersubjetividade. Cria, assim, uma nova formulação na qual o paradigma kantiano

da subjetividade é substituído pelo paradigma da comunicação. Segundo ele, deve-

se procurar saber como cada um dos demais participantes procuraria, a partir do seu

próprio ponto de vista, proceder à universalização de todos os interesses

envolvidos.96

A nova percepção filosófica cambiou o entendimento de outrora, para admitir

que todos os indivíduos “estão efetivamente integrados num sistema social global,

no qual cada uma das respectivas ações repercute necessariamente sobre outros

indivíduos.”97

Com isso, o universo jurídico penal se aproxima dos bens supraindividuais. O

novo Direito Penal é expressão de uma visão total do homem, vislumbrando a sua

92 LÈVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 215. 93 Ibid., p. 177-178. 94 MELO, Nélio Vieira de. A ética da alteridade em Emmanuel Levinas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 39. 95 Ibid., p. 22. 96 HABERMAS, Jürgen. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 97 PRADO AMARAL, Cláudio do. Bases teóricas da ciência penal contemporânea: dogmática, missão do direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo: IBCCRIM, 2007, p. 148.

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esfera de atuação pessoal, mas não esquecendo o seu viés social.98 O Direito Penal

passa a preocupar-se com o todo, o coletivo, o difuso.

Essa é a explicação filosófica para o nascedouro do Direito Penal ambiental,

do Direito Penal Econômico, e de outras vertentes do Direito Penal que tutelam bens

jurídicos afetos a toda a coletividade ou, ao menos, parte dela.

2.2.3 A Sociologia do Risco (Campo Sociológico)

Merece especial destaque a justificativa sociológica para a consolidação – e

posterior expansão – do Direito Penal Econômico. Com efeito, o advento de uma

nova sociedade, caracterizada pelo risco e pela sensação de insegurança social, é,

talvez, a razão mais contundente a explicar o novo Direito Penal.

2.2.3.1 Pós-modernidade, nova modernidade, hipermodernidade, modernidade da

sociedade moderna, modernidade reflexiva ou alta modernidade?

Para dar início à justificativa sociológica, é fundamental ter em mente o atual

momento da humanidade. Várias são as denominações, teorias e pontos de vista

sobre a realidade social hodierna. Contudo, é certo que todas têm um traço comum:

atestam o fim do período moderno na acepção clássica e da visão de mundo que o

acompanhava.

Durante toda a modernidade, buscou-se uma ordem racional, na qual a

verdade era encontrada da união entre um dado empiricamente comprovado e a

linguagem lógica. Com efeito, a evolução científica tornou possível o saber empírico,

reforçando a ideia de que só é verdadeiro aquilo que pode ser comprovado. Buscou-

se, assim, uma unidade racional, alicerçada em verdades únicas, absolutas e

98 SIMÕES, Pedro Coelho. A supra-individualidade como factor de superação da razão moderna. In: FARIA COSTA (coord.), 2005, p. 308.

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universais.99 O mundo era imutável, as verdades, absolutas, e os conhecimentos,

puros e alheios a qualquer interferência externa. Pode-se falar, pois, que houve uma

hipercrença nos conhecimentos científicos.100

Zygmunt Bauman101, em uma análise crítica de tal período histórico,

descreve:

As utopias modernas diferiam em muitas de suas pormenorizadas prescrições, mas todas elas concordavam em que o ‘mundo perfeito’ seria um que permanecesse para sempre idêntico a si mesmo, um mundo em que a sabedoria hoje aprendida permaneceria sábia amanhã e depois de amanhã, e em que as habilidades adquiridas pela vida conservariam sua utilidade para sempre. O mundo retratado nas utopias era também, pelo que se esperava, um mundo transparente – em que nada de obscuro ou impenetrável se colocava no caminho do olhar; um mundo em que nada estragasse a harmonia; nada ‘fora do lugar’; um mundo sem ‘sujeira’; um mundo sem estranhos.

Não se pode negar as evoluções trazidas pela época moderna. Certamente,

foi um dos mais notáveis períodos da História, tido como um verdadeiro salto de

racionalidade e de valorização das capacidades humanas.

Contudo, a sociedade evoluiu, tornando-se necessária uma nova forma de

pensar. Atualmente, a purificação proposta pela modernidade não mais se sustenta,

diante do progresso da humanidade e das vicissitudes que dele acarretam. Como é

curial, a sensível mudança na economia, a diminuição das distâncias – físicas e

culturais – entre os povos e o exagerado desenvolvimento científico conduzem a um

novo estágio da civilização. É certo que “O achatamento do mundo [...] apresentou-

nos novas oportunidades, novos desafios, novos parceiros, mas também,

infelizmente, novos perigos [...].”102

Neste sentido, Boaventura de Souza Santos103 adverte que a crise da

modernidade é profunda e irreversível, sendo certo que um novo mundo abriu-se

99 Marrafon esclarece que “A supervalorização da razão faz com que esta adquira um novo status, passando a se constituir uma categoria universal transcendental, superando o âmbito da individualidade e ocupando um lugar de fundamentação e legitimação discursiva de toda a possibilidade de conhecimento.” MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão judicial “entre” o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Hábitus, 2008, p. 27. 100 D’AQUINO, Dante Bruno; GUARAGNI, Fábio André. “Póstuma Modernidade” e erro de proibição. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 19, n. 88, jan./fev. 2011, p. 48. 101 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 21. 102 FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano: Uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 453. 103 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 68.

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com a revolução científica. Contudo, ainda não é possível desvendar com precisão

que mundo é esse e qual a sua identidade. Vive-se hodiernamente em uma

sociedade intervalar, na qual “Há um desassossego no ar. Temos a sensação de

estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda

não nasceu.”104 É um momento de “desregulamentação universal”105, no qual “as

regras do jogo não param de mudar no curso da disputa.”106

O futuro já não pode ser imaginado como um movimento na direção da

completude do projeto incompleto da modernidade.107 A relatividade é a palavra de

ordem, a desconstrução é a regra e a razão perde força:

Desse modo, na exata medida em que as expectativas criadas pelo projeto iluminista de modernidade foram frustradas, surgiram correntezas de desilusão, relativismo e niilismo, fluidas na consciência coletiva, líquidas na sociedade, mas inegáveis e irresistíveis (no sentido de que não se pode opor resistência). O desencanto e a desilusão representam bem a sociedade hodierna, sem horizontes e referências. A tudo, relativiza. Perde a confiança na objetividade da razão.108

É neste cenário que surge a chamada pós-modernidade.109

Ninguém sabe ao certo o que isso significa. Sabe-se, apenas, ser um

momento de desconstrução, complexidade, relatividade, incompletude e incerteza,

“que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a

idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes

narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação.”110

Neste sentido, se na modernidade havia abstração; na pós-modernidade fala-

se em pragmatismo; se lá havia universalismo, aqui se fala em relativismo. Passa-se

da unidade para a pluralidade de razões, da axiomatização às lógicas fragmentadas,

104 SOUZA SANTOS, 2001, p. 41. 105 BAUMAN, 1998, p. 33. 106 Ibid., p. 113. 107 MIGNOLO, Walter. Os esplendores e as misérias da “ciência”: colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluriversalidade epistêmica. In: SOUZA SANTOS, Boaventura de (org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: ‘um di scurso sobre as ‘ciências’ revisitado. São Paulo: Cortez, 2004, p. 677. 108 D’AQUINO; GUARAGNI, 2011, p. 52. 109 Um dos primeiros filósofos a utilizar a expressão “pós-modernidade” foi Jean-François Lyotard, em sua obra A condição pós-moderna, de 1979. Nela, o estudioso francês discute acerca da legitimidade do conhecimento científico na busca do conceito definitivo de verdade. D’AQUINO; GUARAGNI, op. cit., p. 47. 110

DANTAS, Ivo. A pós-modernidade como novo paradigma e a teoria constitucional do processo. In: MOURA, Lenice S. Moreira de (org.). O novo constitucionalismo da era-positivista : homenagem a Paulo Bonavides: São Paulo: Saraiva, 2009, p. 318.

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da simplicidade para a complexidade e da segurança ao risco.111 É o momento, pois,

do abalo dos alicerces absolutos da racionalidade, do fracasso das grandes

ideologias da história e da desconstrução do saber absoluto e universal diante da

estrutura complexa do mundo.

Ivo Dantas112, em análise crítica, demonstra a dupla acepção do termo:

O ‘pós’, de pós-modernidade, é ambíguo. Pode significar o que vem depois, o movimento para um novo estado de coisas, por mais difícil que seja caracterizar esse estado tão cedo assim. Ou pode ser mais parecido com o post, de post mortem: exéquias realizadas sobre o corpo morto da modernidade, a dissecação de um cadáver. O fim da modernidade é, segundo essa colocação, a ocasião de refletir sobre a experiência da modernidade; a pós-modernidade sendo, portanto, esse estado de reflexão. Nesse caso, não há uma percepção necessária de um novo começo, mas apenas um senso algo melancólico de fim.

Conforme Luis Roberto Barroso113:

O rótulo genérico abriga a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. A era da velocidade. A imagem acima do conteúdo. O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana.

Há pensadores, contudo, que, não obstante confirmem todos os traços da

nova ordem mundial, entendem que o momento não é de falência do pensamento

moderno, mas sim, de uma nova forma de modernidade, apenas adequada aos

tempos atuais. Luc Ferry114, por exemplo, prefere a expressão “nova modernidade”,

que representa, a um só tempo, um produto da primeira e uma ruptura total com ela.

Gilles Lipovetsky, por sua vez, afirma que a “pós-modernidade” já passou,

dando lugar à hipermodernidade. Segundo ele, “No momento em que triunfam a

tecnologia genética, a globalização liberal e os direitos humanos, o rótulo pós-

moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que

111 ARNAUD, André-Jean. Entre modernidad y globalización. Siete lecciones de historia de la filosofía del derecho y del estado. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000, p. 247. 112 Ibid., p. 317. 113 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico , Salvador, Ano I, Vol. 1, n.º 6, set. 2001, p. 2. 114 FERRY, Luc. Diante da crise: materiais para uma política de civilização: relatório ao primeiro-ministro. Rio de Janeiro: Difel, 2010, p. 21.

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se anuncia.”115 Assim, “Longe de decretar-se o óbito da modernidade, assiste-se a

seu remate, concretizando-se no liberalismo globalizado, na mercantilização quase

generalizada dos modos de vida, na exploração da razão instrumental até a ‘morte’

desta, numa individualização galopante.”116

Assim, conclui o filósofo francês que “Tudo se passa como se tivéssemos ido

da era do pós para a era do hiper. Nasce uma nova sociedade moderna. Trata-se

não mais de sair do mundo da tradição para aceder à racionalidade moderna, e sim

de modernizar a própria modernidade, racionalizar a racionalização [...].”117

Raffaele de Giorgi118, por sua vez, prefere a expressão modernidade da

sociedade moderna, um momento de maiores riscos e de incalculabilidade de

eventos, no qual a complexidade – ou excesso de possibilidades – produz uma

sociedade instável e cada vez mais contingente, “visto que no presente tudo pode

ser de modo diverso”.

Jean Baudrillard119 – um dos mais festejados pensadores da atualidade –

esclarece que, no estágio atual da civilização, a própria realidade torna-se

problemática. Segundo ele, a tensão linear entre a modernidade e o progresso foi

interrompida, quebrando-se assim a própria linha lógica da História.

Finalmente, vale lembrar a obra do sociólogo inglês Anthony Giddens, para

quem o momento atual é de alta-modernidade.120 Conforme seu ponto de vista, “Em

vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando

um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais

radicalizadas e universalizadas do que antes.”121

Na sua acepção, a modernização promoveu o desencaixe dos sistemas

sociais, tanto no tempo quanto no espaço:

O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua recombinação em formas que permitem o ‘zoneamento’ tempo-espacial preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço); e da ordenação e reordenação reflexiva das relações

115 LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Bercarolla, 2004, p. 52-53. 116 LIPOVESKY, loc. cit. 117 Ibid., p. 56. 118 GIORGI, Rafaelle de. Direito, democracia e risco. Vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 153. 119 BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 45. 120 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991, p. 191. 121 Ibid., p. 13.

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sociais à luz das contínuas entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos.122

Tal significa que a sociedade atual trabalha com instrumentos que, mesmo

desencaixados do atual sistema social, visam garantir a segurança num corpo social

marcado pela complexidade. Para tanto, Anthony Giddens sugere como

mecanismos os sistemas peritos e as fichas simbólicas.

Os primeiros são os conjuntos de conhecimento nos quais a humanidade

deposita confiança.123 Seriam, assim, sistemas de excelência técnica ou

competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e

social da atualidade.124 Os segundos – fichas simbólicas – são meios de intercâmbio

que podem circular sem ter em vista as características específicas dos indivíduos

que lidam com eles.125 É o caso, por exemplo, do dinheiro.

Assim é que os sistemas peritos e as fichas simbólicas são mecanismos de

desencaixe porque removem as relações sociais das imediações do contexto.126

Neste cenário, o Direito Penal seria uma forma de gestão dos riscos procedentes

dos sistemas peritos, buscando minorá-los com a manutenção dos ganhos

tecnológicos.

São distintas as ideias de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Rafaelle de

Giorgi, Luc Ferry, Jean Baudrillard, Anthony Giddens e tantos outros filósofos e

sociólogos que estudam a sociedade dos dias atuais. Contudo, todos têm a mesma

essência: a superação do paradigma da modernidade clássica e a preocupação com

os novos rumos da humanidade.

Tais concepções são, assim, o pano de fundo que permite explicar o

pensamento de Ulrich Beck e a sociedade global e de riscos, o qual é, exatamente,

o pensamento sociológico de maior aptidão a justificar a consolidação – e posterior

expansão – do Direito Penal Econômico.

122 GIDDENS, 1991, p. 26-27. 123 GUARAGNI, Fábio André. A função do direito penal e os “sistemas peritos”. In: CÂMARA, Luiz Antônio; GUARAGNI, Fábio André (coord.). Crimes contra a ordem econômica. Temas atuais de processo e direito penal. Curitiba: Juruá, 2011, p. 78. 124 GIDDENS, op. cit., p. 38. 125 Ibid., p. 32. 126 Ibid., p. 39.

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2.2.3.2 A sociedade global e de riscos

O avanço tecnológico e sua imponderabilidade abalaram a desejada

segurança jurídica e social, conduzindo à sociedade de risco global, na consagrada

expressão de Ulrich Beck. Para o sociólogo alemão, é flagrante a crise e a

insuficiência dos institutos sociais no mundo contemporâneo, diante do surgimento

dos chamados riscos globais, que colocam em perigo até mesmo as condições da

vida humana.127 Na sociedade ora instalada, todos são, ao mesmo tempo, vítimas e

autores potenciais de ilícitos.128

É certo que, na chamada primeira modernidade – isto é, a modernidade

clássica – a tecnologia era extremamente positiva, pois não se enxergava qualquer

dano ou perigo de dano. Assim é que o discurso técnico-científico, baseado

sobretudo na matemática, era detentor da média dos riscos (controlabilidade dos

riscos). Contudo, vive-se atualmente em uma segunda modernidade – reflexiva – na

qual o referido controle não existe mais.

Neste sentido, os riscos atuais diferenciam-se daqueles de épocas passadas,

principalmente em razão da globalidade da sua ameaça: eles são um produto global

do progresso industrial, potencializados sistematicamente com o seu

desenvolvimento posterior.129

Pablo Rodrigo Alflen da Silva130 destaca:

Os riscos que havia anteriormente eram riscos pessoais, contudo os riscos na ‘sociedade reflexiva’ ultrapassam as realidades individuais e até mesmo as fronteiras territoriais e temporais de tal maneira que se forem produzidos em uma região podem afetar outras. De modo que a produção e a distribuição dos riscos determinantes no mundo contemporâneo geram a impossibilidade de escapar das suas conseqüências. Esta ‘sociedade mundial do risco’ (Weltrisikogesellschaft) trata-se, portanto, de uma sociedade catastrófica, na medida em que se caracteriza pelo surgimento de catástrofes nucleares, de desastres genéticos, de crises financeiras ou ameaças terroristas globais, e cuja reflexividade torna a maior parte dos aspectos da atividade social suscetíveis à revisão crônica à luz de novas informações ou conhecimentos.

127 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2002. 128 GOULART PEREIRA, Flavia. Os crimes econômicos na sociedade de risco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 51, nov./dez. 2004, p. 108. 129 ALFLEN DA SILVA, Pablo Rodrigo. Aspectos críticos do direito penal na sociedade do risco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, v. 46, jan./fev. 2004, p. 78. 130 Ibid., p. 79.

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Assim é que a sociologia do risco constata a decadência do encantamento

humano com a razão moderna, técnico-instrumental e cartesiana.131 Nas definições

de risco, quebra-se o monopólio de racionalidade das ciências.132 Os riscos não

vistos há cem anos tornam-se visíveis, e refletem na própria humanidade. O

processo de modernização torna-se reflexivo, convertendo-se a si mesmo em tema e

problema.133 Aparece a consciência do risco. Cria-se, portanto, um cenário de riscos

originários justamente do superdesenvolvimento daquilo que foi proposto pela

modernidade industrial.134 Em suma, “[...] estamos em boa parte desnudamente

expostos aos riscos criados pela sociedade pós-industrial.”135

Tal qual Frankenstein – o universal personagem de Mary Shelley – a criatura

volta-se contra o criador. Depois de um século, a sociedade descobre os riscos da

era industrial, da tecnologia e das ciências. Vive-se, assim, em uma sociedade de

efeito bumerangue: os riscos da modernização, cedo ou tarde, alcançam aqueles

que os produziram. Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é

acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos.136

Na lúcida observação de Fernando Buzzá Machado137:

No âmbito dessa nova configuração social, o homem tem notícia de que a técnica, a ciência e a sua própria razão, tida até então como infalível, não são capazes de controlar e conter os riscos a que dão causa, riscos esses que guardam um significativo potencial catastrófico, oculto de início, mas de consequências irreversíveis quando revelado.

Em breve resumo da teoria de Ulrich Beck, Claudio do Prado Amaral138

observa:

131 GUARAGNI, 2011, p. 74. 132 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 34. 133 Ibid., p. 24. Conforme Beck: “A sociedade de risco é, em contraste com todas as épocas anteriores (incluindo a sociedade industrial), marcada fundamentalmente por uma carência: pela impossibilidade de imputar externamente as situações de perigo. À diferença de todas as culturas e fases de desenvolvimento social anteriores, que se viam confrontadas a ameaças das mais variadas formas, atualmente a sociedade se vê, ao lidar com riscos, confrontada consigo mesma.” Ibid., p. 275. 134 ANDRADE, Guilherme Oliveira de. Direito penal do risco e o princípio da intervenção mínima do direito penal. In: CÂMARA; GUARAGNI (coord.), 2011, p. 133. 135 AMARAL, 2007, p. 63. 136 BECK, op. cit., p. 23. 137 MACHADO, Fernando Buzzá. O paradigma penal do risco. In: CÂMARA; GUARAGNI (coord.), 2011, p. 88. 138 AMARAL, op. cit., p. 76.

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A proposição de Beck está sustentada por argumentos científicos universais, que podem ser resumidos nas seguintes premissas: 1) Com o advento do processo de modernização, a produção de riqueza gera riscos; 2) A distribuição dos riscos não obedece proporcionalmente à distribuição de riquezas e se irradia para todos os grupos sociais; 3) O desmoronamento dos esquemas tradicionais da sociedade industrial foi impulsionado por uma forte onda de individualismo nascida no pós-guerra; 4) O individualismo mina de inseguranças o processo de modernização, através de diversos fatores decorrentes; 5) A modernização é um processo complexo, sujeito a constantes (re)avaliações e transformações, em que o desenvolvimento democrático destrona o saber científico e a ação política de seus respectivos monopólios; 6) A relativização do saber científico e da ação política formam um círculo vicioso na produção de riscos.

Poder-se-ia questionar qual a relevância deste panorama para a consolidação

do Direito Penal Econômico. A resposta é clara: diante dos riscos apresentados, a

sociedade atual prefere trocar liberdades por segurança. O risco antecipa tragédias.

Em recente entrevista, Ulrich Beck139 afirmou:

Risco não significa catástrofe; significa antecipação da catástrofe. Os riscos consistem em encenar o futuro no presente, ao passo que o futuro das futuras catástrofes é em princípio desconhecido. Sem técnicas de visualização, sem formas simbólicas, sem meios de comunicação em massa, os riscos não são absolutamente nada. A questão sociológica é esta: se a destruição e o desastre forem antecipados, isso pode gerar uma pressão para agir. A construção social de uma antecipação ‘real’ de catástrofes futuras no presente (como a mudança climática ou a crise financeira) pode se tornar uma força política que transforme o mundo (para melhor ou para pior).

Neste sentido, “Os riscos globais fortalecem o Estado e os movimentos civis

porque revelam novas fontes de legitimação e novas opções para a ação desse

grupo de atores.”140 De fato, “A ‘sociedade do risco’ ou ‘da insegurança’ conduz,

pois, inexoravelmente, ao ‘Estado vigilante’ ou ‘Estado da prevenção’”.141 E uma

das opções utilizadas pelo Estado é a expansão do Direito Penal, incluindo-se, por

óbvio, o Direito Penal Econômico:

[...] o direito penal é empregado fartamente para contenção destes riscos, cercando a atividade econômica em todos os seus ciclos (produção, distribuição e consumo de bens e serviços). Quanto mais se expande a oferta de bens e serviços portadores de tecnologias de risco, tanto mais se

139 BECK, 2010, p. 362. 140 Ibid., p. 374. 141 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 127.

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volta a atuação legislativa para a criminalização primária dos comportamentos associados a esta oferta.142

Conclui-se, portanto, que a ideia da sociedade de risco suscita ao Direito

Penal problemas novos e incontornáveis.143 Surge, assim, o Direito Penal do risco,

que nada mais é senão a colocação do risco no centro das reflexões dogmáticas do

Direito Penal.144 Utiliza-se o direito punitivo como um instrumento de gestão dos

problemas sociais e econômicos.145 O Direito Penal do risco busca dar resposta,

preferencialmente por meio dos tipos de perigo abstrato, aos grandes riscos que

criam certas atividades na atual sociedade, tais quais a economia, a informática e a

genética.146

Em síntese:

Toda unidade sistêmica, para subsistir, demanda um elemento central e um princípio reitor. O elemento central é o ponto de referência em torno do qual todos os elementos sistêmicos gravitam. Trata-se do cerne do sistema que exerce uma força centrípeta aglutinadora das células. O princípio reitor, por sua vez, orienta e direciona o movimento e atividade de cada uma das partículas integrantes do sistema, as quais se disporão coordenada e organizadamente. Ora, o direito penal do risco, como sistema normativo que pretende ser, não foge dessa lógica de estruturação e funcionamento. No caso, o elemento central é o risco, compreendido na perspectiva anteriormente enunciada. E o princípio reitor do sistema seria justamente a necessidade e importância da preocupação do direito penal com o resguardo e proteção das pessoas contra os novos riscos inerentes à sociedade pós-industrial.147

Assim é que a compreensão do atual estágio da civilização, e o

reconhecimento dos riscos a que está ela submetida, justificam grandemente o

crescimento do Direito Penal Econômico, o qual se consolida como uma face do

Direito Penal do risco. E, como se não bastasse, tal consolidação torna-se expansão

diante de outro fenômeno, igualmente relevante: a globalização.

142 GUARAGNI, 2009, p. 140. 143 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade do risco”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 33, jan./mar. 2001, p. 43. 144 PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 47, mar./abr. 2004, p. 37. 145 AZZATO, María Victoria; MAZZÓN, Mariela E. Algunas repercusiones de la expansión del derecho penal en el ámbito económico argentino. In: RUBINSKA; ALMENAR (coord.), 2010, p. 188. 146 GRACIA MARTÍN, Luis. A modernização do direito penal como exigência da realização do postulado do Estado de Direito (social e democrático). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 19, n. 88, jan./fev. 2011, p. 99. 147 MACHADO, 2011, p. 103.

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2.3 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

2.3.1 A Globalização

A globalização é uma das características que definem os modelos sociais

pós-industriais.148 Fala-se, pois, que a sociedade pós-industrial é “global”. Tal

expressão – surgida no início da década de 1980, nas grandes universidades

americanas como Harvard, Columbia e Stanford – transformou-se em conceito

mundial através da imprensa econômica de língua inglesa e, em pouquíssimo

tempo, proliferou-se de forma surpreendente.149 Atualmente, o termo

“globalização”150 não tem um conceito definido, podendo ser analisado sob vários

enfoques, tais como o econômico, político, social e jurídico.

Conforme adverte Boaventura de Souza Santos151, trata-se de um processo

complexo e amplo, que atinge as mais diversas áreas da vida social. Fala-se, por

exemplo, da globalização dos sistemas produtivos e financeiros, do avanço da

tecnologia, da crise dos Estados nacionais, da imigração, do turismo, das novas

práticas culturais e do consumo globalizado. É, portanto, a intensificação das

relações sociais em escala mundial.152

Contudo, de todas elas, sobressaem as relações econômicas. De fato,

“Embora os aspectos sociais, culturais e políticos da globalização sejam muito

importantes, a dimensão mais efetiva e relevante desse processo é, sem dúvida, a

econômica.”153 Logo, se a ideia de globalização é também, na sua essência, o

148 SILVA SÁNCHEZ, 1998, p. 68. 149 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 23. 150 Vive-se, atualmente, a quarta onda globalizadora na história da civilização. A primeira surgiu com a expansão do Império Romano na Antiguidade; a segunda operou-se com a expansão marítima e colonial a partir do Século XV; e a terceira deu-se com a “Revolução Industrial” na Inglaterra, no Século XVIII. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Globalização e Direito Econômico. In: LEÃO, Adroaldo et alii. (coord.). Globalização e Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 154. 151 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Os processos de globalização. In: SOUZA SANTOS, Boaventura de (org.). A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 11. 152 GIDDENS, 1991, p. 76. 153 GRACIA MARTÍN, Luis. Globalização econômica e direito penal. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 609.

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resultado de um fenômeno econômico, não se estranha sua influência no Direito

Penal Econômico.154

Pode-se falar, portanto, que a globalização e a integração econômica

ampliaram sobremaneira o campo do Direito Penal Econômico.155 De acordo com

Carlos Martínez-Bujan Perez “[...] dos nuevos fenómenos característicos de las

sociedades postindustriales, la globalización y la integración supranacional,

operarían como ‘multiplicadores’ o potenciadores de la expansión.”156 A relação

entre Direito Penal Econômico e globalização funciona, em simples comparação, “A

la manera de esas bacterias que son huéspedes permanentes del organismo pero

que, en ciertas circunstancias, se multiplican y conforman un cuadro patológico.”157

São emblemáticas as palavras de Luis Gracia Martín158:

Dado que a dimensão mais relevante da globalização é a econômica, não é surpresa alguma que a criminalidade da globalização tenha um caráter, por um lado, fundamentalmente econômico, em razão de seu conteúdo, e marcadamente empresarial, por outro lado, em razão não só de que do significativo número de fatos delitivos que têm lugar nesse contexto estão relacionados a atividades tipicamente econômico-empresariais, mas também porque as possibilidades de realização, inclusive de fatos delitivos relacionados a atividades ab initio ilícitas, estão fortemente condicionadas pela necessidade de utilizar sólidas redes logísticas e eficientes estruturas organizacionais, e isso motiva a adoção e colocação em prática de formas tipicamente empresariais de atuação como as mais adequadas para a realização dos fatos delitivos em questão.

Convoca-se, portanto, o Direito Penal para responder às exigências da

globalização e de integração supranacional, reforçadas pelas rupturas de barreiras

jurídicas na livre circulação de bens e de pessoas, assim como a responder ao novo

catálogo de perigos existentes na sociedade contemporânea.159 Neste ponto, surge

a expansão do Direito Penal Econômico. Isto porque “Criminalidad organizada,

criminalidad internacional y criminalidad de los poderosos son, probablemente, las

expresiones que mejor definen los rasgos generales de la delincuencia de la

154 FONSECA, 2005, p. 170. 155 BARRILARI, Claudia Cristina. Algumas considerações sobre os crimes de perigo e o direito penal econômico. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 440. 156 MARTINEZ-BUJAN PÉREZ, 2007, p. 81. 157 HENDLER, Edmundo S. Una aproximación al tema de los delitos economicos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 13, jan./mar. 1996, p. 34. 158 GRACIA MARTÍN, 2011, p. 617-618. 159 GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel; REGO, Davi Uruçu. Funções dogmáticas e legitimidade dos tipos penais na sociedade do risco. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 483-484.

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globalización.”160 Observe-se, por oportuno, que, na América Latina, a expansão do

Direito Penal Econômico é justificada igualmente pelo sensível crescimento de

setores privados que tomaram o controle de atividades que eram tuteladas por

empresas estatais.161

A ampliação da incidência do Direito Penal Econômico fez surgir

interessantes debates.162 Destaca-se, nesta oportunidade, apenas um deles: a

discussão acerca da administrativização do Direito Penal e seus reflexos na

sociedade global e de riscos.

2.3.2 A Administrativização do Direito Penal

O processo de expansão do Direito Criminal gerou na doutrina penal dois

discursos ideológicos e político-criminais antagônicos. O primeiro – resistente à

expansão – tem suas maiores vozes na Escola de Frankfurt, com Winfried Hassemer

e Cornelius Prittwitz. Para os adeptos do discurso da resistência, a “modernização”

do Direito Penal rompe com as garantias próprias do Direito Penal liberal, tais como

os princípios da lesividade, da subsidiariedade e da ultima ratio, tornando-o

simbólico e afastando-o de sua essência. Segundo a visão crítica de seus

representantes, o chamado Direito Penal do risco é expansivo e possui um caráter

tridimensional: a acolhida de novos bens jurídicos tutelados (tais como meio

ambiente, saúde pública, mercado de capital, processamento de dados e tributos), o

adiantamento das barreiras entre o comportamento punível e o não-punível e a

redução das exigências para a reprovabilidade.163

Neste sentido, Winfried Hassemer critica o Direito Penal enquanto mero

instrumento de política social e econômica, num sistema no qual “efetividade e

economia convertem-se em definições centrais para a Política criminal.”164 Segundo

160 SILVA SÁNCHEZ, 1998, p. 69. 161 VÁZQUES ROSSI, Jorge. Consideraciones sobre el derecho penal economico y especial en la sociedad democratica contemporanea. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 532. 162 Dentre eles, no âmbito do direito penal, pode-se citar, exemplificativamente, a possibilidade de utilização de tipos penais de perigo abstrato, a maior incidência de normas penais em branco, a responsabilização da pessoa jurídica, dentre outros. 163 ALFLEN DA SILVA, 2004, p. 80. 164 HASSEMER, Winfried. Direito Penal – fundamentos, estrutura, política. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 142.

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ele, o expansionismo penal e a busca por um Direito Penal eficiente o torna

simbólico e contraprodutivo. Neste sentido, atesta que a intervenção do Direito Penal

deve ocorrer apenas em último caso, sendo necessário um freio à expansão e o

retorno ao Direito Penal nuclear. Caso contrário, o Direito Penal clássico perderá a

sua força e sua coerção.

São suas essas palavras:

Las experiencias com los "déficit de ejecución" del derecho penal moderno, y com el "derecho penal simbólico" enseñan que el agravamiento del instrumental del derecho penal (more of the same) no siempre mejoran su idoneidad para la solución de los problemas; esto puede originarse en que la subsdiariedad del derecho penal en relación con otras estrategias de solución jurídica, o en su caso, estatales o sociales, no es solamente un principio normativo, sino que, además, está bien fundamentado empíricamente; los medios del derecho penal sirven solamente para algunas pocas situaciones problemáticas.165

Por outro lado, o entendimento adepto à expansão encontra voz nas lições de

Luis Gracia Martín e Bernd Schünemann, dentre outros. Para eles, é necessária a

adequação do Direito Penal às novas realidades sociais, inovando em alguns

aspectos dogmáticos, sem, com isso, flexibilizar os princípios e garantias do Estado

de Direito. Conforme o estudioso alemão, “[...] es insostenible querer luchar contra la

criminalidad avanzada con un Derecho Penal retrógrado, recusando toda

modernización en el ámbito del Derecho Penal y reclamando para la lucha contra la

criminalidad del siglo XXI los medios del Derecho Penal del siglo XIX.”166 No âmbito

do Direito Penal Econômico, a tarefa fundamental do discurso de modernização

consiste em formular os enunciados e determinar os objetos que permitam incluir a

criminalidade das classes sociais poderosas no discurso político-criminal.167

As observações acima não têm a pretensão de adentrar nos intrincados

embates acerca do tema. Com efeito, foge ao âmbito do presente estudo uma

análise crítica sobre cada um dos posicionamentos apontados. Quer-se, apenas,

fazer uma constatação: a flagrante expansão do Direito Penal na atualidade. Assim,

seja qual for o posicionamento adotado, as correntes opostas partem de um mesmo

paradigma, qual seja o expansionismo penal. Alguns concordam; outros criticam,

165 HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy. 2. ed. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2003, p. 65. 166 SCHÜNEMANN, 2009, p. 39. 167 Esse embate dos discursos ideológicos do direito penal da atualidade é muito bem retratado por Luis Gracia Martín. GRACIA MARTÍN, 2011, p. 105-108.

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mas ninguém nega a sua existência.168 Pode-se falar, inclusive, no paradoxo da

globalização: enquanto no mundo global os demais ramos do direito flexibilizam-se,

a esfera penal se agiganta. Conforme adverte Wilfried Hassemer169, há nitidamente

um aumento da moldura penal.

A expansão do Direito Penal na sociedade atual ocorre, segundo Jesús Maria

Silva Sánchez170, por uma série de razões, tais como a aparição de novos interesses

e o aumento de valor de alguns interesses já existentes; o aparecimento de novos

riscos; a institucionalização e a difusão da sensação de insegurança; a configuração

de uma sociedade de sujeitos passivos; a identificação social com a vítima e o

descrédito de outras esferas de proteção.

Neste sentido, José Luiz Diéz Ripollés171 assevera que a política criminal que

pretende dar a resposta adequada à sociedade de risco é alicerçada em quatro

aspectos: na ampliação da intervenção penal diante das novas realidades sociais;

na perseguição à criminalidade dos poderosos; na preferência da atuação do Direito

Penal em detrimento de outros instrumentos de controle social e na necessidade de

acomodar os conteúdos do Direito Penal e do Direito Processual Penal clássicos à

nova realidade.

Como consequência, o Direito Penal resultante desta nova política criminal

corresponde ao aumento da criminalização, com o predomínio de estruturas típicas

de simples atividade e o incremento dos crimes de perigo abstrato; traduz-se, ainda,

na antecipação do momento de intervenção penal e nas modificações no sistema de

imputação de responsabilidades e no conjunto de garantias penais e processuais.172

Portanto, vive-se um momento em que se recorre ao Direito Penal como

prima e não como ultima ratio.173 O que surgiu foi um Direito Penal do risco que,

longe de qualquer ambição de permanecer fragmentário, sofreu uma mutação para

uma desenfreada expansão.174 Assim, diante da grande quantidade de situações

que foram sendo abarcadas pelo Direito Penal, este acabou se administrativizando,

168 Com tal constatação não se quer defender a posição expansionista. Objetiva-se, apenas, constatar, de maneira empírica e avalorativa, que o Direito Penal vem atuando cada vez mais ativamente na sociedade. 169 HASSEMER, 1994, p. 46. 170 SILVA SÁNCHEZ, 2002, p. 27-41. 171 DIÉZ RIPOLLÉS, José Luis. Estudios penales y de política criminal. Lima: Idemsa, 2007, p. 124. 172 Ibid., p. 125. 173 FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa. Direito penal secundário, inflação legislativa e white-collar crimes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 18, n. 87, nov./dez. 2010, p. 305. 174 PRITTWITZ, 2004, p. 38.

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ou seja, sancionando condutas que poderiam ser remetidas a outra área do

direito.175

Dentre os caracteres fundamentais do Direito Penal, destacam-se sua

natureza sancionatória e constitutiva. Aquela permite a conclusão de que as normas

incriminadoras são dotadas de sanções específicas a serem aplicadas na hipótese

de violação aos bens tutelados pelo tipo penal. Esta, por sua vez, resulta do

princípio da reserva legal e da exigência de prévia definição dos crimes e suas

reações e dos seus objetivos de tutela.176

No Direito Penal Econômico, nota-se um destaque maior para o seu caráter

sancionador. Explica-se. Não raro, os crimes econômicos têm nitidamente uma

função instrumental: ultrapassa-se a barreira do bem jurídico para fazer do Direito

Criminal um instrumento de força na consecução dos objetivos da Administração

Pública. É o caso, por exemplo, do que ocorre nos delitos tributários: uma vez

efetuado o pagamento do tributo, extingue-se a punibilidade do réu. A criminalização

da sonegação fiscal torna-se, pois, uma técnica auxiliar de arrecadação do Estado.

A utilização do Direito Penal para tais fins é objeto de contundente censura. É

do imortal Nelson Hungria177 a lição segundo a qual, em casos tais:

A relação punitiva passa a ser uma ‘relação de débito’. O delinquente deixa de ser um trecho vivo de humanidade, para ser o ‘sujeito devedor da pena’. Mais uma polegada e o crime seria uma espécie de contrato por adesão: o delinquente aceita a ‘obrigação de sofrer a pena’ para ter ‘direito’ à ação criminosa’. Os problemas jurídico-penais, que derivam da alma humana e da realidade inquieta, são transformados num monótono e inexpressivo mecanismo conceitual.

Miguel Reale Junior178, em severa crítica à mencionada administrativização –

por ele tida como um neoabsolutismo originário da inflação legislativa penal –

assevera:

A administrativização do Direito Penal torna a lei penal um regulamento, sancionando a observância a regras de conveniência da Administração Pública, matérias antes de cunho disciplinar. No seu substrato está a concepção pela qual a lei penal visa antes a ‘organizar’ do que a proteger,

175 NASCIMENTO PEREIRA, Dirce do. Administrativização do direito penal – reflexos da expansão do direito penal nos delitos de “lavagem” de capitais. In: CÂMARA (coord.), 2009, p. 117. 176 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 119. 177 HUNGRIA, Nelson apud DOTTI, op. cit., p. 120. 178 REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21-22.

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sendo, portanto, destituída da finalidade de consagrar valores e tutelá-los. Diversamente, em um Estado de Direito Democrático, a configuração penal – por se constituir na forma mais gravosa de interferência, com custos elevados ao infrator e também à sociedade – deve se ater aos fatos que atinjam valores por via de uma conduta efetivamente lesiva destes valores. A intervenção penal deve ser aquela necessária, como único meio, forte, mas imprescindível, para a afirmação do valor violado, e para a sua proteção, visando à manutenção da paz social.

No mesmo sentido adverte José de Faria Costa179:

Devemos, pois, pedir ao direito penal aquilo que ele nos pode dar. Sejamos humildes no pedir na medida em que só esta virtude pode racionalmente travar a soberba de o querermos transformar alquimicamente em coisa outra, com consistência e recortes, esses sim, bem indefinidos, a que se deve juntar a imprevisibilidade das consequências em todo o nosso modo de ser colectivo e individual.

E André Luís Callegari180:

Dentro dessa nova perspectiva de intervenção, as legislações rapidamente sofrem uma mudança e, o que no passado dizia respeito ao Direito Administrativo, hoje já se encontra abarcado pelo Direito Penal. Esse rápido câmbio de paradigma encontra várias explicações, porém, uma delas rapidamente surge da ineficiência do próprio Estado em resolver problemas que aparentemente (efeito simbólico) encontram uma melhor resposta quando passam para este ramo do direito (penal).

Neste contexto, surgiram na Europa várias teses buscando não apenas

esclarecer como a nova concepção social afetou o Direito Penal, mas também quais

as alternativas políticas capazes de manter hígida a ciência criminal no atual estágio

da humanidade. Neste sentido, fala-se, exemplificativamente, no Direito Penal do

inimigo, de Günther Jakobs, no Direito Penal secundário, de Jorge de Figueiredo

Dias, na segunda velocidade do Direito Penal, de Jesús Maria Silva Sanchez e no

direito de intervenção, de Wilfried Hassemer.

Conforme afirmado anteriormente, a análise de cada um dos posicionamentos

acima foge ao âmbito do presente estudo. Aqui, pretende-se apenas demonstrar

que, na atual sociedade global e de riscos, há um nítido expansionismo penal, o qual

reflete, por óbvio, no Direito Penal Econômico. E a crítica que se faz é a mesma: o

179 FARIA COSTA, José de. Apontamentos para umas reflexões mínimas e tempestivas sobre o direito penal de hoje. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 17, n. 81, nov./dez. 2009, p. 47. 180 CALLEGARI, André Luís. Legitimidade constitucional do direito penal econômico: uma crítica aos tipos penais abertos. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 384.

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Direito Penal, no combate e prevenção da criminalidade econômica, não pode

apresentar-se como um instrumento simbólico, utilizado além dos limites necessários

ao controle social.

Com efeito, o Direito Penal Econômico não pode servir de salvaguarda para

situações de descontrole do Estado.181 Não se quer dizer com isso, é oportuno frisar,

que tal ramo do direito está completamente administrativizado. O que não é possível

são os excessos.

Conforme René Dotti182:

É fundamental salientar que embora reconhecida a necessidade de se limitar o âmbito de ação do Direito Penal, reservando-se as suas formas de reação para as hipóteses mais graves de lesão, seria de todo inconveniente reduzir-se demasiadamente a sua possibilidade de controle. Com efeito, na criminalidade dos negócios se manifestam fatores de ordem complexa e violações que se caracterizam como formas de desobediência ativa e passiva de normas da Administração que exigem a atuação jurisdicional penal.

Não se nega, pois, a legitimidade do Direito Penal Econômico como meio de

controle em uma sociedade global e de riscos. Critica-se, apenas, a ampliação

desenfreada de normas penais criminalizando condutas e aumentando

injustificadamente penas. Vive-se um momento de uma “dimensão elefantíaca da

legislação penal”, um momento em que a “nomorréia penal já assume proporções

alarmantes.”183 A consequência do referido expansionismo pode ser comprovada

pela inflação legislativa que tomou conta do ordenamento jurídico brasileiro nos

últimos anos, conforme a seguir demonstrado.

2.3.3 A Proliferação Legislativa

O tema não é novo. Nelson Hungria184, nos idos de 1950, já afirmara:

181 CALLEGARI, 2011, p. 399. 182 DOTTI, 2011, p. 725. 183 LUISI, Luiz. Direitos humanos – repercussões penais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 6, n. 21, jan./mar. 1998, p. 79. 184 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. VI. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 269.

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Mas o prurido legisferante no Brasil é coceira de urticária. Muda-se de lei como se muda de camisas. Reformam-se periodicamente as leis sem quê nem para quê, ou pelo só capricho de as reformar. E quase sempre para pior. Quando se anuncia a reforma de uma lei em torno de algum instituto jurídico ou fato social, tem-se a impressão de que vai ser corrigida uma falha sensível ou introduzido um critério de solução mais conforme com o estilo da vida contemporânea. Pura ilusão. E ainda bem quando tudo se limita a uma simples mão de cal nas paredes e a mudar-se o número da casa. As mais das vezes, porém, o que vem a ocorrer é o meticuloso desarranjo daquilo que estava arrumado, ou uma inadequação maior do que a anterior.

Ainda em 1989, René Ariel Dotti externava sua preocupação com a inflação

legislativa do Direito Penal Econômico.185 Passados quase 25 (vinte e cinco) anos, o

panorama não mudou, conforme assevera em sua mais recente obra186:

São inúmeras as leis especiais que a todo momento estão sendo impostas desordenadamente no mercado jurídico que trata dos delitos e das penas, tornando antiga e nostálgica a sensação de que o mundo dos códigos foi o mundo da segurança.

De fato, nas últimas décadas, proliferaram leis relativas ao Direito Penal

Econômico. Analisando a atual situação, Charles Melman187 observa que:

Tal evolução da justiça participa de uma filosofia mais geral, que afirma que quanto mais o papel do Estado se torna incerto na regulação econômica e na condução do social, mais ele busca manifestar sua vigilância, funcionando como uma espécie de companhia de seguros a todo risco.

No Brasil, é de se mencionar, por exemplo, as leis 7.492/86 (relativa aos

crimes contra o Sistema Financeiro Nacional); 8.078/90 (a qual tipifica os delitos

contra o consumidor); 8.137/90 (atinente aos crimes contra a ordem tributária);

8.176/90 (define crimes contra a ordem econômica); 8.666/93 (relativa aos crimes

em licitação); 9.605/98 (que versa sobre os crimes ambientais); 9.613/98 (abordando

a lavagem de dinheiro), 9.983/2000 (elencando os delitos previdenciários) e

11.101/2005 (relativa aos crimes falimentares). Se somados, são dezenas de tipos

penais, dirigidos basicamente aos empresários e agentes financeiros.

185 DOTTI, 2011, p. 718. 186 DOTTI, 2012, p. 252. 187 MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003, fls. 153.

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Com efeito, criminalizaram-se condutas até então relegadas a outras esferas

do Direito ou da Administração Pública. A não anotação em Carteira de Trabalho e

Previdência Social, por exemplo, é, hoje, crime punido com reclusão de 2 a 6 anos

(CP, art. 297, §3º, II e §4º). A simples manutenção de divisas no exterior sem a

declaração à autoridade competente é, igualmente, um delito autônomo, de igual

apenamento (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único).

Além da quantidade de tipos penais relativos à atividade econômica, critica-se

igualmente a sua qualidade. Com efeito, conforme assevera Paulo Salvador Frontini,

na legislação pátria predominou o empirismo e a assistematização.188

Conforme Celso Eduardo Faria Coracini189:

[...] a legislação brasileira ainda evidencia flagrante descompasso entre essa nova forma de criminalidade e o direito penal tradicional, sendo resultado uma produção legislativa de baixa qualidade técnica, constantemente – e com uma velocidade cada vez mais inescondível – defasada.

Trata-se de problema que não se circunscreve ao Brasil. Analisando a

legislação portuguesa, Jorge de Faria Costa assevera190:

Toda a produção legislativa parece ser levada a cabo, não com o propósito sério e empenhado de uma solução estável e consequente para um determinado problema, mas antes como remédio tópico que pode estancar momentaneamente os efeitos, mas não, por certo, as causas. As leis e a produção legislativa não são fruto, repetimo-lo de maneira acintosa, de uma consequente política criminal, mas antes erupções descoordenadas e motivadas por casos pontuais, quer da vida nacional, quer da vida internacional.

É flagrante, pois, que a expansão do Direito Penal Econômico culminou com a

proliferação de leis pouco técnicas. Vide, por exemplo, a insuficiência do disposto no

art. 4º, parágrafo único da Lei 7.492, que incrimina a conduta de “gerir

temerariamente” instituição financeira, sem que se saiba, ao certo, o que isso

188 FRONTINI, Paulo Salvador. Crime Econômico por meio da empresa. Relevância da omissão causal. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 2, 2011, p. 221. 189 CORACINI, 2011, p. 416-417. 190 FARIA COSTA, Jorge de. A criminalidade em um mundo globalizado: ou plaidoyer por um direito penal não-securitário. In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA (coord.), 2006, p. 93.

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significa. Ou ainda, a má redação – a qual acarreta constante confusão – entre o

disposto no art. 1º, II e art. 2º, I, da Lei 8.137/90, relativas aos crimes tributários.191

2.4 A IDEOLOGIZAÇÃO NO COMBATE AO CRIME ECONÔMICO

No panorama apresentado, há ainda outro fator a merecer destaque: a

ideologia que impregna a nova criminalidade econômica. Com efeito, a alça de mira

do Estado volta-se ao criminoso de terno e gravata, ao sócio de uma empresa, ao

gerente de uma instituição financeira e, até mesmo, à própria pessoa jurídica, nos

casos de crimes ambientais (Lei 9.605/98).

Não se pretende, aqui, afirmar que se trata de um novo inimigo, rotulado e

etiquetado nos moldes da teoria de Gunther Jacobs. Fala-se, apenas, do atual “ódio

político contra a atividade econômica ostensiva.”192 A criminalidade do colarinho

branco passa a ser um emblema da nova criminologia.193 Conforme Vera Regina

Pereira de Andrade, “[...] a demanda é mobilizada, ao que tudo indica, por um

sentimento de indignação contra as elites ilesas.”194

O criminoso do colarinho branco, que era o exemplo por excelência da

inexistência de estigmatização em face da omissão de meios legais de controle das

atividades econômicas das chamadas altas classes, torna-se agora o objeto do

Direito Penal.195 De fato, conforme Germán Aller196:

El delincuente de cuello blanco pareceria ajeno a la estigmatización a priori [...] Apesar de esto, le asiste razón a Clinard al exhibir que desde la Segunda Guerra Mundial surgió una rotulación que se cierne sobre ciertas personas también poderosas, que abarca cuestiones éticas, culturales, sociales, económicas [...].

191 Prefere-se a expressão crimes tributários, e não crimes fiscais, uma vez que aquela nomenclatura encontra assento constitucional, conforme se verifica do Título VI da Carta Magna. 192 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. Direito penal do inimigo e criminalidade econômica. In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA (coord.), 2006, p. 742. 193 SERRANO MAÍLLO, 2011, p. 347. 194 PEREIRA DE ANDRADE, Vera Regina. O controle penal no capitalismo globalizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 17, n. 81, nov./dez. 2009, p. 349. 195 CRUZ SANTOS, Cláudia Maria. O crime de colarinho branco (da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal). Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 141. 196 ALLER, 2011, p. 172.

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Assim é que, não obstante sua relevância, é certo que a figura do empresário

é vista atualmente como um caçador de lucros, um egoísta insensível às questões

sociais e o ícone de um capitalismo desumano e de exclusão da grande massa da

população. É, assim, o vilão da sociedade pós-industrial.

Cite-se, por exemplo, o pensamento do jornalista francês Hervé Kempf197, que

imputa aos “ricos empresários” da “oligarquia global e predadora” todos os fracassos

da sociedade contemporânea. Segundo ele, a ideologia capitalista não sabe fazer

outra coisa que não festejar a si mesma. Em crítica contundente, afirma ser falaciosa

a alegação de que a tecnologia e o progresso diminuem o atraso e os problemas

sociais e trabalha com a equação de que o crescimento material só faz aumentar a

degradação ambiental.

Observando o fundamentalismo anticapitalista sugerido por este e por tantos

outros autores, Fabio Tokars198 afirma que “Não são incomuns passagens

doutrinárias de demonização da atividade empresarial. Nelas, os empresários são

vistos como os agentes promotores de toda desigualdade, de toda injustiça social.”

E, em outro texto199, assevera com precisão:

Um preconceito comum entre os aplicadores do direito é imaginar o empresário como alguém que merece uma tutela jurídica mais rigorosa do que outras categorias. Sendo o agente mais visível de uma estrutura capitalista que carrega o peso da culpa pelas mazelas sociais, o empresário tende a ser considerado o vilão da história. De qualquer história.

Na mesma esteira as observações de Emerson Castello Branco Simenes200:

No Brasil, ser empresário é quase sinônimo de ser vilão. Se um empresário ganhar dinheiro, então é um explorador. Se o mercado entra em crise e há a necessidade de dispensa de funcionários, o empresário passa a ser tido na conta praticamente de um bandido.

Vive-se, pois, numa época em que o vilão não é o assassino ou o assaltante

de bancos. Modifica-se a perspectiva dos clássicos tipos criminológicos de autor.

197 KEMPF, Hervé. Como os ricos destroem o planeta. São Paulo: Globo, 2010. 198 TOKARS, Fabio. Da necessidade de aproximação entre o direito e as empresas. Disponível em http://www.parana-online.com.br/colunistas/277/75703. Acesso em 16 jan. 2012. 199 TOKARS. Fabio. Quem é o empresário brasileiro? Disponível em http://www.parana-online.com.br/colunistas/277/53183. Acesso em 16 jan. 2012. 200 SIMENES, Emerson Castello Branco. Uma distorção da realidade econômica. Disponível em www.padariamoderna.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=872. Acesso em 16 jan. 2012.

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Não é mais a prostituta, o homossexual, o estuprador, o ladrão - para indicar

somente alguns - o foco da classificação preconceituosa. É o empresário o alvo

preferido pelos manipuladores midiáticos e forenses dos dias atuais e o lucro passa

a ser o corpo de delito do processo discriminatório. E a empresa torna-se, na visão

de muitos, automaticamente uma organização criminosa.201

No âmbito legislativo, não apenas novas leis surgiram em profusão, como é

manifesta a desproporção das penas cominadas aos delitos econômicos em

comparação aos crimes comuns.202 Faz-se, pois, uma legislação estigmatizante aos

agentes de alto status social.203 Quanto maior e mais significativos os papéis

econômicos e sociais desempenhados por alguém, maior é o número de figuras

penais nas quais poderá ser enquadrado.204

Tal preconceito reflete, inclusive, na atuação da mídia e das autoridades

policiais quando o crime em referência é de natureza econômica. Conforme Alberto

Zacharias Toron, “A novidade, no caso brasileiro do fim dos anos 80 para cá, é que

toda a atenção da mídia, sobretudo para escrachar publicamente o envolvido, agora

é estendida ao segmento mais bem aquinhoado da sociedade [...]”205

Assim:

[...] está evidente no Brasil a escolha da atividade econômica de porte, industrial, comercial, de serviços e agrícolas, como alvo de ações, no mínimo discriminatórias e espalhafatosas, em verdadeira escolha do inimigo propiciada pela amplitude dos tipos incriminadores e por outros motivos tais como a luta de poder e prestígio.206

Trata-se de grave equívoco. Enxerga-se o agente, e não a conduta; vê-se o

personagem, e não o ato em si. Verifica-se, assim, na “luta contra o delito”

201 FELDENS, Luciano. A criminalização da atividade empresarial no Brasil: entre conceitos e preconceitos. Revista Bonijuris. Curitiba, v. 23, n. 11, Nov. 2011, p. 6-11. 202 Nota-se, por exemplo, que, no Brasil, sonegar tributos (Art. 1º da Lei 8.137/90 - reclusão, de 2 a 5 anos), é mais reprovável que produzir lesões corporais de natureza grave em outrem. Gerir temerariamente instituição financeira (art. 4º, parágrafo único da Lei 7.492/86 – reclusão, de 2 a 8 anos) é mais gravoso que cometer crimes como homicídio culposo, furto e estelionato. Salta aos olhos, ainda, verificar que a pena máxima do delito de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei 7.492/86 - 3 a 12 anos) é superior ao teto do apenamento do estupro. 203 FIGUEIREDO, 2010, p. 305. 204 RODRÍGUEZ ESTÉVEZ, Juan María. Legalidad y eficiencia en material penal empresaria. In: RUBINSKA; ALMENAR (coord.), 2010, p. 356. 205 TORON, Alberto Zacharias. Notas sobre a mídia nos crimes de colarinho branco e o Judiciário. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 36, out./dez. 2001, p. 263. 206 GRECO, 2006, p. 742.

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(Verbrechensbekämpfung) um pragmatismo imediato acientífico, uma verdadeira

cruzada contra o mal, sem nenhuma dogmática ou racionalidade.207

Neste sentido adverte José Carlos Tórtima208:

Tão nefasta quanto a ideia, herdada da criminologia positivista, do estereótipo do criminoso pertencente às ‘classes inferiores’, é a inversão do preconceito, o estigma às avessas, o incentivo e o aplauso a toda sorte de abuso ou arbitrariedade dirigido aos outrora inatingíveis acusados de delitos econômicos.

No mesmo diapasão, vale a referência a Alberto Silva Franco209:

[...] a doutrina penalista, precisamente no momento em que a Justiça Penal começa a dedicar suas atenções também aos grandes da economia e da política, não pode patrocinar, nem inconscientemente, um retorno ao passado, que outra coisa não pode significar senão a restauração de um estereótipo de delinquente recortado sobre classes perigosas.

Urge, portanto, que o Direito Penal Econômico seja analisado despido de

estigmas e preconceitos, sob pena de prejudicar toda a dogmática que o embasa,

bem como restaurar o antigo e nefasto Direito Penal do autor, já abolido do

ordenamento jurídico brasileiro.

Está erigido, pois, o primeiro pilar do presente estudo. A análise ora feita

buscou demonstrar, de forma sucinta e seguindo um fio condutor de causalidade,

que: a) o Direito Penal Econômico é, hoje, um relevantíssimo campo de atuação do

Direito Penal, o qual deve ser identificado pela perspectiva jurídico-dogmática, que

vincula diretamente tal criminalidade ao conceito de ordem econômica; b) a sua

consolidação veio com o advento do Estado Social e de Direito, da filosofia da

alteridade e da sociedade global e de riscos da atualidade; c) a sua expansão –

fruto, sobretudo, da globalização – deu-se através da administrativização do Direito

Penal e pode ser demonstrada pela proliferação legislativa dos últimos anos; d)

instaura-se, assim, um Direito Penal ideologizado contra as altas classes, inclusive

empresários e sócios de pessoas jurídicas.

207 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Retos científicos y retos políticos de la ciencia del derecho penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 36, out./dez. 2001, p. 44-45. 208 TORTIMA, Jose Carlos. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (uma co ntribuição ao estudo da Lei n.º 7.492/86). 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 4. 209 SILVA FRANCO, Alberto. Globalização e criminalidade dos poderosos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, n. 31, jul./set. 2000, p. 129.

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3 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

Se é certo que o Direito Penal Econômico vive um momento de expansão, é

igualmente correto afirmar que o Direito Processual Penal deve caminhar, cada vez

mais, para uma perspectiva garantista em um sistema acusatório alicerçado em

direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados. Assim, a

utilização crescente do Direito Penal, inclusive no campo econômico, deve encontrar

limite no processo penal constitucional da atualidade, conforme se demonstra a

seguir.

3.1 A FORÇA VINCULANTE DA CONSTITUIÇÃO

Lamentavelmente, mencionar a constitucionalização do Direito virou lugar

comum. A reiteração da expressão a banaliza, tornando-a etérea e vazia. O seu

conteúdo dá lugar a frases prontas, cabíveis em todo e qualquer momento e para

toda e qualquer ocasião. Para não incorrer no apontado erro, é preciso, pois, pensar

como, por que e quais as consequências de um Direito cada vez mais

constitucionalizado.

3.1.1 A Crise do Positivismo, a Contingência e a Historicidade

A constitucionalização deita raízes em duas premissas: a insuficiência do

pensamento positivista na atualidade e o reconhecimento da contingência e das

mudanças de valores e conceitos em realidades históricas distintas.

A Teoria Pura do Direito foi, para os estudos jurídicos do século XX, a

expressão do pensamento moderno, cartesiano e matemático. Seu expoente

máximo, Hans Kelsen (1881-1973), foi extremamente influenciado pelo positivismo

lógico do Círculo de Viena, famoso movimento histórico surgido no período entre as

grandes guerras, que buscava um paradigma da “verdadeira ciência”, isto é, de um

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conhecimento puro e lógico que limitasse as reflexões filosóficas e metafísicas. De

fato, “El positivismo supone un intento de extraer consecuencias filosóficas de los

métodos propios de las ciencias físico-matemáticas”.210

Apesar de não ter sido um ativo participante do mencionado círculo de

pensamento, é certo que este exerceu sobre Kelsen uma grande influência. Sua

ideia era transpor, para o Direito, os métodos próprios das ciências matemáticas, a

fim de se atingir a “pureza” do conhecimento. E para tal intento, era necessário

depurá-lo, através de uma separação rígida entre fatos e valores:

O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão desses últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato.211

A reclusão do Direito em uma redoma inquebrantável garantiria, assim, a

segurança tão almejada pela modernidade, que, enfim, poderia afirmar ter

descoberto a verdadeira ciência jurídica. Nesta concepção, em que o Direito é

absolutamente avalorativo, estratificado em um sistema hierarquizado e de axiomas

imutáveis, as codificações passaram a ser os instrumentos para a garantia do bom

andamento da ciência jurídica. Os códigos são, assim, consequência desta

racionalidade.212

Contudo, o fracasso deste modelo era questão de tempo. O positivismo

jurídico tem dificuldades em lidar com valores, interesses e finalidades do Direito.

Não se pode olvidar que as normas foram feitas pelo homem, mas, principalmente,

para o homem. E o homem muda. A sociedade muda. Os valores mudam.

Com efeito, o sistema normativo “[...] tem, por sua natureza, um conteúdo

instável e variável, suscetível de ser somente compreendido graças à lógica

dialética.”213 A normatividade não se esgota no texto. É o somatório da lei com a

210 MIRETE, José Luis. La utilización de la razón y el positivismo jurídic o. Murcia: Diego Marin, 2007, p. 126. 211 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico – lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 135. 212 COELHO, Luis Fernando. Introdução histórica à filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 126. 213 REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 83.

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realidade e os valores nela inseridos. Robert Alexy214 cita, em uma de suas obras,

julgados do Tribunal Constitucional da Alemanha que, já na década de 1940, decidia

que “[...] um positivismo legal desprovido de valoração” foi “[...] há muito superado na

ciência e na prática jurídica”, concluindo que “[...] o direito não é idêntico à totalidade

das leis escritas.”

Lenio Luiz Streck, ao considerar o positivismo como “um saber dogmático

corroído pela estandartização” 215, conclui:

As tentativas de ‘aprisionar’ o direito no interior de conceitos fracassaram de forma retumbante. Definitivamente, a razão teórica não tem ‘vida autônoma’, separada/cindida do modo como lidamos com o mundo, nossas escolhas, etc. (razão prática). Autoritarismos, duas grandes guerras e ditaduras: esses foram os resultados da ‘pureza do direito’. Conceitos sem mundo prático: definitivamente, o positivismo fracassou, embora continue dominando o imaginário dos juristas.216

É certo, pois, que “O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já

não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e

norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo

civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade.”217

A racionalidade moderna se foi e, com ela, as verdades absolutas da Teoria

Pura do Direito. Com o advento da pós-modernidade218, é necessária uma nova

racionalidade jurídica, menos semântica e mais pragmática. O objetivo deve ser

pensar o direito a partir da norma, sem prejuízo de avançar além dela. Nasce, assim,

o raciocínio pós-positivista, que deve preservar a segurança jurídica do positivismo,

sem descurar da realidade fática e histórica, dos valores atuais da sociedade e da

dialética que move o universo jurídico.

Era necessário mudar. O processo de racionalização da modernidade causou

o engessamento do Direito. Olvidou-se que a ação social é contingente e que a

verdade é historicamente construída. Daí porque o pós-positivismo prega a

214 ALEXY, Robert. Conceito e validade do Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 10. 215 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79. 216 Ibid. p. 107. 217

BARROSO, 2001, p. 19. 218 Conforme mencionado no capítulo anterior, o pensamento pós-moderno trouxe consigo alta carga de relativismo, de pluralidade de razões e questionamentos sobre as “verdades” impostas pela modernidade.

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necessidade de agregar, aos componentes sintáticos e semânticos do Direito,

igualmente as necessidades pragmáticas e hermenêuticas.

Na pós-modernidade, portanto, a racionalidade do Direito assume caráter

fragmentário. Neste sentido, Daniel Sarmento219 observa que “O direito pós-moderno

é refratário à abstração conceitual e à axiomatização: prefere o concreto ao abstrato,

o pragmático ao teórico, e rejeita as grandes categorias conceituais do Direito

moderno.” E complementa que a atual visão “[...] pretende-se também mais flexível e

adaptável às contingências do que o direito coercitivo e sancionatório, próprio da

modernidade.”220

Percebe-se, pois, que o pós-positivismo é a resposta da sociedade atual ao

dogma positivista, afastando-se os ideais absolutos de cientificidade e neutralidade,

aproximando o direito da ética e da moral e reavivando-o em uma sociedade

mutável e de multifacetados valores.

Nesta nova perspectiva, há o ressurgimento do fenômeno histórico-social

enquanto elemento essencial para a elaboração, a compreensão, a aplicação e a

eficácia do Direito. É certo que o resgate da análise histórico-social inibe o

congelamento do Direito a uma realidade que não mais subsiste. Com efeito, “ […]

derecho y sociedad se determinan recíprocamente de maneras distintas en cada

caso según las épocas históricas.” 221 É a historicidade que permite vislumbrar não

apenas os valores de uma sociedade em determinada época, mas, igualmente, os

símbolos e significados que dela fazem parte. Assim, o valor absoluto da lei deve ser

relativizado e flexibilizado diante das contingências humanas em determinado

contexto histórico e social.

É preciso, pois, compatibilizar a segurança jurídica – melhor herança do

positivismo – com a concretude dos fatos, os valores sociais, a realidade política e

cultural de um povo. E o único instrumento capaz de conseguir tal intento de forma

legítima é a Constituição. É ela, enquanto norma positiva fundante e, ao mesmo

tempo, termômetro social e político de uma nação, que permite a mencionada

compatibilização. Assim é que, em um cenário de crise do pensamento positivista e

219 SARMENTO, Daniel Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social (Pós-Modernidade Constitucional?). In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.). Crise e desafios da Constituição: perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 408. 220 Ibid., p. 409. 221 CIARAMELLI, Fabio. Instituciones y normas. Sociedad global y filosofia del derecho. Madrid: Editorial Trotta, 2009, p. 25.

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de resgate de valores morais e éticos da sociedade, a constitucionalização surge

como alternativa de sobrevivência do Direito.

3.1.2 A Constitucionalização do Direito

Na atualidade, as Constituições permitem a “estabilização da variabilidade”222,

de forma a garantir a segurança jurídica sem abrir mão dos valores histórico-sociais.

Com efeito, a aplicação efetiva da Constituição afigura-se, a um só tempo, como o

porto seguro desejado pela segurança jurídica, e como o grito de liberdade contra as

amarras do positivismo. A eficácia das normas constitucionais, ainda que abertas,

apresenta-se como a alternativa adequada às intempéries da pós-modernidade, sem

perder de vista a estrutura formal que deve existir em qualquer Estado de Direito.

De fato, é necessária a irradiação dos valores e interesses insertos na

Constituição sobre toda a legislação infraconstitucional. Nunca, em toda a história do

Direito, foi tão necessário retornar aos preceitos constitucionais, em um processo de

“[...] incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas,

subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador

ordinário.”223

Em obra específica sobre o tema, assevera Alfonso de Julios-Campuzano224:

Desse modo, a perda da função primordial da lei como fonte primária de produção normativa, sua “descentralização” como critério diretamente de validade formal e material das diversas “peças” que integram o ordenamento jurídico, provocou a consagração do valor primordial da Constituição, cujo caráter de norma suprema é agora elevado como elemento articulador da totalidade do ordenamento jurídico.

Segundo ele, se é certo que durante séculos a consistência teórica do direito

dependeu da lógica de suas proposições normativas, hoje se pode afirmar que a sua

nova argamassa é a congruência material dos referidos conteúdos. Vale dizer: é

necessária a concordância substantiva com o conjunto de postulados que 222 GIORGI, 1998, p. 159. 223 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 376. 224 JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 45.

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identificam as necessidades humanas, acarretando a presença de um forte conteúdo

material na Constituição que se irradia por todo o ordenamento jurídico.225

Gianluigi Palombella226, por sua vez, adverte que os preceitos constitucionais

têm aplicação efetiva, ainda quando se tratem de normas abertas:

No puede negarse fuerza jurídica a las normas (o normas de principio, o princípios) que se encuentren en el nível más alto de un ordenamento, incluso quando éstas sean poco definidas, abiertas, ambíguas, susceptibles de adecuación, de mutación semântica, como los Bill of Rights o los textos constitucionales en general.

Assim, em uma sociedade maleável e surpreendente, como a pós-moderna,

são necessárias as Constituições como mecanismos de estabilização e controle das

mudanças sociais, como adverte Dieter Grimm227:

En las sociedades modernas casi todo es cambiante, pero sólo un certo grado resulta suportable en cambios simultáneos o abruptos. Las constituciones estabilizan la relación entre continuidad y cambio a la vez que institucionalizan una mayor continuidad tanto en el plano de los princípios y el procedimento como en de su realización y concreción; y no lo hacen tanto impidiendo el cambio como aumentando las exigências de justificación y consenso, poniendo dificultades al procedimiento o retrasando la decisión. Con esta contracción de distintos horizontes temporales en la politica, las constituciones configuram la autoprotección de la sociedad frente a actuaciones precipitadas y crean el marco para el aprendizaje social.

Nesta concepção, o Direito justo não ignora as normas positivadas, mas

busca a consciência crítica de que o processo de concretização e a aplicação do

Direito passam por uma leitura moral da Constituição.228 E tal análise passa pela

realidade histórica e seus valores, aos quais a Lei Maior está condicionada.229 Vive-

se, pois, em um momento de vida do constitucionalismo normativo.230

225 JULIOS-CAMPUZANO, 2009, p. 72-73. 226 PALOMBELLA, Gianluigi. La autoridad de los derechos: Los derechos entre instituciones y normas. Madrid: Editorial Trotta, 2009, p. 127. 227 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 201. 228 BONIFACIO, Artur Cortez. Normatividade e concretização: a legalidade constitucional. In: MOURA, (org.), 2009, p. 224. 229 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 24. 230 PEREIRA COUTINHO, Luís Pedro. A autoridade moral da Constituição. Da fundamentação da validade do direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 721.

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A palavra de ordem é, portanto, constitucionalização. É fato que, conforme

observa Lênio Streck, há um salto paradigmático, evoluindo-se de um legalismo

rasteiro – que reduzia o elemento central do direito a um conceito estrito de lei ou a

um conceito abstrato-universalizante de norma – para uma concepção de legalidade

que só se constitui sob o manto da constitucionalidade.231

Paolo Comanducci232, com autoridade, ressalta:

Se trata de um proceso al término del cual el derecho es ‘impregnado’, ‘saturado’ o ‘embebido’ por la Constituición: un derecho constitucionalizado se caracteriza por una Constituición invasiva, que condiciona la legislación, la jurisprudencia, la doctrina y los comportamientos de los actores políticos.

Para ele, as principais condições para a constitucionalização são a rigidez da

Constituição, que deve incorporar os direitos fundamentais; sua garantia jurisdicional

e força vinculante, a aplicação direta das normas constitucionais e a interpretação

constitucionalizante das leis.233

No Brasil, uma das vozes mais atuantes na defesa do constitucionalismo

como a solução para os tempos contemporâneos é de Luis Roberto Barroso.

Segundo ele234, o pós-positivismo “inicia sua trajetória guardando deferência relativa

ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade.

O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma

reaproximação entre ética e Direito.”

Em continuação, assevera:

O constitucionalismo chega vitorioso ao início do milênio, consagrado pelas revoluções liberais e após haver disputado com inúmeras outras propostas alternativas de construção de uma sociedade justa e de um Estado democrático. A razão de seu sucesso está em ter conseguido oferecer ou, ao menos, incluir no imaginário das pessoas: (i) legitimidade – soberania popular na formação da vontade nacional, por meio do poder constituinte; (ii) limitação do poder – repartição de competências, processos adequados de tomada de decisão, respeito aos direitos individuais, inclusive das

231 STRECK, 2010, p. 79. 232 COMANDUCCI, Paolo. Constitucionalización y neoconstitucionalismo. In: ______. Positivismo jurídico y neoconstitucionalismo . Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2009, p. 86-87. 233 COMANDUCCI, loc. cit. Uma interessante análise sobre o tema foi feita por Alexy, que sustenta a existência de um constitucionalismo discursivo, que nasce do enlace dos conceitos de direitos fundamentais, de ponderação, de discurso, de jurisdição constitucional e de representação. ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 155. 234

BARROSO, 2001, p. 19.

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minorias; (iii) valores – incorporação à Constituição material das conquistas sociais, políticas e éticas acumuladas no patrimônio da humanidade.235

E complementa:

O novo século se inicia fundado na percepção de que o Direito é um sistema aberto de valores. A Constituição, por sua vez, é um conjunto de princípios e regras destinados a realizá-los, a despeito de se reconhecer nos valores uma dimensão suprapositiva. A idéia de abertura se comunica com a Constituição e traduz a sua permeabilidade a elementos externos e a renúncia à pretensão de disciplinar, por meio de regras específicas, o infinito conjunto de possibilidades apresentadas pelo mundo real. Por ser o principal canal de comunicação entre o sistema de valores e o sistema jurídico, os princípios não comportam enumeração taxativa. Mas, naturalmente, existe um amplo espaço de consenso, onde têm lugar alguns dos protagonistas da discussão política, filosófica e jurídica do século que se encerrou: Estado de direito democrático, liberdade, igualdade, justiça.236

Segundo ele, e na esteira de Paolo Comanducci, três foram os motivos que

reconheceram no constitucionalismo a resposta urgente aos anseios da pós-

modernidade: a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição

constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação

constitucional.237

Vive-se, portanto, a era da força vinculante da Constituição238, de um resgate

da essência dos valores da sociedade e da efetividade dos direitos constitucionais.

Neste sentido, o Direito só será válido e legítimo quando estiver em consonância

com a Constituição e sua carga principiológica.239 Assim é que a Carta Magna deve

ultrapassar a “[...] mera retórica política ditada pelos fatores reais do poder, de

caráter orientador ou meramente programático”240, para passar a ter uma efetiva

força normativa vinculante. E, neste processo, os direitos e garantias fundamentais

são a principal engrenagem para o seu funcionamento; o verdadeiro motor que deve

movimentar toda a estrutura político-jurídica de uma nação.

235 BARROSO, 2001, p. 7. 236 Ibid., p. 24. 237 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 262. 238 Eduardo Ribeiro Moreira utiliza a expressão “força invasora” da Constituição. Contudo, não obstante o inegável impacto das palavras utilizadas, prefere-se a utilização da expressão “força vinculante”, uma vez que a invasão, via de regra, pressupõe violação de direitos. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. São Paulo: Método, 2008, p. 48. 239 COSTA LYRA, Francisco Dias da. Direito Penal, Constituição e Hermenêutica: pela superação do positivismo jurídico e a possibilidade do acontecer do direito num ambiente de neoconstitucionalismo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 19, n. 91, jul./ago. 2011, p. 37. 240 CARMO DA SILVA, Edimar. O princípio acusatório e o devido processo legal. Porto Alegre: Núria Fabris, 2010, p. 56.

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3.2 ALGUMAS NOTAS SOBRE OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

A constitucionalização do universo jurídico tem na consagração dos direitos e

garantias fundamentais a sua nota mais marcante. Assim, torna-se imprescindível o

estudo, ainda que não exaustivo, dos referidos direitos e suas garantias. Durante

muito tempo, tal estudo restou esquecido diante da busca de uma ciência jurídica

pura, lógica e avalorativa. Como adverte Adauto Suannes241, “Falar sobre direitos

fundamentais do ser humano era, até pouco tempo, como que blasfemar”.

É certo, porém, que a nova realidade jurídico-social alterou este panorama,

diante do resgate dos valores, direitos e garantias que, antes esquecidos e de base

puramente jusnaturalista, passaram a ser positivados e encontraram morada na

constitucionalização operada pelos Estados Democráticos de Direito. Assim, não

obstante ser possível o estudo dos direitos fundamentais sem uma abordagem

constitucional, tal se mostra desaconselhável, diante da íntima ligação entre a

Constituição e tais direitos.242 Se é certo que as raízes históricas dos direitos

fundamentais remontam à Antiguidade, igualmente correto que eles só assumem

posição de destaque com o advento do Estado Moderno e das Constituições.243 É

insuscetível de dúvidas, pois, que “Los derechos fundamentales son un producto de

las revoluciones burguesas de finales del siglo XVIII y pertenecen al programa del

moderno Estado Constitucional, del cual proceden.”244

Neste panorama, não mais se discute sua existência e importância.245 Os

direitos fundamentais existem, têm força vinculante e são, ao mesmo tempo, o porto

seguro das sociedades contemporâneas e a diretriz que deve nortear sua atuação.

241 SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 70. 242 BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Direitos Fundamentais, Constituição e Reforma Constitucional. Revista Jurídica – Faculdades Integradas Curitiba. Curitiba, edição especial n. 13, 2000, p. 51. 243 BIAGI, Cláudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos funda mentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p. 18. 244 GRIMM, 2006, p. 77. 245 Citando Bobbio, Suannes assevera que, atualmente, o problema principal em relação aos direitos fundamentais do homem não é mais, como foi no passado, o de se encontrarem argumentos para justificar sua realidade, mas o de buscar meios para protegê-los, pois tal assunto já adquiriu o status de verdade sabida e inquestionável. SUANNES, op. cit., p. 77.

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Em um primeiro momento, sua essência é de garantia individual contra o gigantismo

estatal; ou seja, fala-se em direitos de defesa dos particulares e deveres de

abstenção do Estado.246 Com o advento do chamado Estado Social, surgem os

chamados direitos à prestação, isto é, a passividade estatal dá lugar a ações

concretas buscando a efetivação dos direitos fundamentais. E, finalmente, nos

tempos atuais, surgem os direitos à fraternidade e solidariedade.

3.2.1 Noções Gerais

Os direitos fundamentais são os direitos humanos constitucionalizados.247

Com efeito, de um ponto de vista histórico, os direitos fundamentais são,

originalmente, direitos humanos. Contudo, para fins epistemológicos, há quem os

diferencie justificando que os direitos fundamentais são as manifestações positivas

do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, ao passo que

os direitos humanos voltam-se a uma dimensão suprapositiva.248 Não obstante, é

predominante a orientação de Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a distinção reside na

sede legal dos institutos: nas legislações internas dos Estados (marcadamente na

Constituição), fala-se na presença de direitos fundamentais. Caso tais direitos

estejam contemplados em tratados ou convenções internacionais, serão chamados

de direitos humanos.249

246 Na lição de Bernard Edelman, “a antropologia que sustenta a tradição dos direitos do homem é uma antropologia guerreira; tudo se passa como se esse homem vivesse em um mundo perigoso e que lhe fosse necessário, para se proteger, estar envolvido por uma barreira protetora.” EDELMAN, Bernard. Universalidade e direitos do Homem. In: DELMAS-MARTY, Mireille (org.). Processo penal e direitos do homem : rumo à consciência européia. Barueri: Manole, 2004, p. 124. 247 NUNES, Anelise Coelho. A titularidade dos direitos fundamentais na Constit uição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 21. 248 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001, p. 37. 249 Conforme Sarlet, “[...] o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica àqueles direitos (em geral atribuídos à pessoa humana) reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e em todos os lugares, de tal sorte que revelam um caráter supranacional (internacional) e universal.” SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 249.

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Sugerindo a expressão “direitos fundamentais do homem”, José Afonso da

Silva250 expõe as razões jurídicas de sua escolha e conceitua tal categoria de

direitos. Para ele:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre, e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.

Em sucinta, porém precisa definição, Antonio E. Perez Luño251 sustenta que:

Los derechos fundamentales constituyen la principal garantia con que cuentam los ciudadanos de un Estado de Derecho de que el sistema jurídico y político en su conjunto se orientará hacia el respeto y la promoción de la persona humana; en su estricta dimensión individual (Estado liberal de Derecho), o conjugando ésta con la exigencia de solidaridad, corolario de la componente social y colectiva de la vida humana (Estado social de Derecho).

Os direitos fundamentais seriam, pois, “[...] declarações da

imprescindibilidade de um rol de situações jurídicas de vantagem que

corresponderia a um núcleo mínimo de direitos necessários, essenciais e

fundamentais para o desenvolvimento do homem.”252 Justamente em razão de sua

importância, são inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.253 São, ainda,

universais, pois todos os homens os têm na mesma medida.254

Fala-se, neste ponto, da fundamentalidade destes direitos sob os aspectos

formal e material. A primeira diz respeito à sua necessária constitucionalização. José

Joaquim Gomes Canotilho255 descreve sua importância destacando que as normas

250 AFONSO DA SILVA, 2002, p. 178. 251 PEREZ LUÑO, Antonio E. Los derechos fundamentales. 6. ed. Madrid: Editorial Tecnos S.A., 1995, p. 20. 252 CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição. Princípios constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 15. 253 AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 181. 254 NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente e a função jurisdicional. In: ______. Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 303. 255 CANOTILHO, 2002, p. 377.

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que consagram os direitos fundamentais devem ser inseridas no topo da pirâmide

jurídica e dificilmente podem ser modificadas. Já a fundamentalidade material,

segundo Cláudia Perotto Biaggi256, demonstra que os direitos fundamentais são

essenciais para a estrutura normativa básica do Estado e da própria sociedade,

caracterizando-se como o fundamento de todo o ordenamento jurídico.

Por outro lado, além da consagração dos referidos direitos, são necessárias

medidas que os protejam: fala-se das garantias, verdadeiros mecanismos que

permitem sua efetivação concreta e evitam o descumprimento de seus preceitos. É

certo, portanto, que “[...] estabelecidos os direitos fundamentais do indivíduo, devem

ser, igualmente, estatuídas as garantias a ele correspondentes, a fim de preservá-

los e tutelá-los mediante atuações judiciais, tanto quanto possível rápidas, prontas e

eficazes.”257 Assim é que as garantias são instrumentos pelos quais se asseguram o

exercício e gozo dos direitos.258

Na Constituição da República de 1988, a expressão “direitos e garantias

fundamentais” (constante na epígrafe do Título II), é o gênero do qual são espécies

os “direitos e deveres individuais e coletivos” (Capítulo I), os “direitos sociais”

(Capítulo II), os “direitos à nacionalidade” (Capítulo III) e os “direitos políticos”

(Capítulo IV), inserindo-se nestes os “partidos políticos” (Capítulo V).

3.2.2 Direitos Fundamentais, Estado de Direito e Democracia

Os direitos do homem, as liberdades fundamentais, o respeito à pessoa

humana e o Estado de Direito encontram-se sob o signo único da democracia, ou

seja, de um sistema político que os realiza.259

É inegável a relação umbilical entre direitos fundamentais e democracia,

como alicerces sólidos e intangíveis do Estado de Direito. Os direitos fundamentais

constituem elemento básico para a realização do princípio democrático, pois

256 BIAGI, 2005, p. 21. 257 TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 51. 258 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. Defesa penal: Direito ou garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1993, p. 111. 259 EDELMAN, 2004, p. 131.

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concedem legitimidade à democracia.260 Não há como se conceber o princípio em

questão sem os direitos fundamentais, assim como é inconcebível uma Constituição

de um Estado de Direito que não garanta os direitos do homem.261

Com efeito, o ideal democrático é realizado, principalmente, pelo

compromisso na efetivação dos direitos fundamentais, assim como pelo

engajamento do povo no processo político como manifestação de sua real

cidadania, que, por sua vez, é viabilizada com a promoção e realização dos

mencionados direitos.262 Aliás, no que se refere à inegável importância destes

direitos, Peter Häberle263 já disse que “A democracia do cidadão está muito próxima

da ideia que concebe a democracia a partir dos direitos fundamentais e não a partir

da concepção segundo a qual o povo soberano limita-se apenas a assumir o lugar

do monarca.” Resta claro, assim, que um dos traços mais marcantes das

democracias dos dias de hoje é o reconhecimento e a garantia constitucional dos

direitos fundamentais.264

É oportuna a explicação de Mádson Ottoni Almeida Rodrigues265:

Os direitos fundamentais são conditio sine qua non do Estado constitucional democrático, uma vez que desempenham o papel de elemento operativo-constitutivo desse mesmo Estado: operativo na medida em que definem os limites da ação legítima do Estado, sendo requisito de validação substancial do exercício do poder político; constitutivo no sentido de comporem a base e o fundamento da própria existência do Estado constitucional democrático.

É simbiótica, pois, a relação entre os direitos fundamentais e a democracia.

Aqueles somente encontram morada definitiva nos Estados Democráticos e de

Direito. E esta depende daqueles para manter-se segura.

260 NUNES, 2007, p. 22. 261 BERTONCINI, 2000, p. 57. 262 BIAGI, 2005, p. 24. 263 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 38. 264 ZAGANELLI, Margareth Vetis. Intervenções corporais, processo penal e direitos fundamentais. In: LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (coord.). A renovação processual penal após a Constituição de 1988: Estudos em homenagem ao Professor José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 195. 265 RODRIGUES, Mádson Ottoni Almeida. A prestação jurisdicional na efetivação dos direitos fundamentais. In: MOURA, (org.), 2009, p. 376.

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3.2.3 As Dimensões dos Direitos Fundamentais

Por outro lado, não se pode compreender os direitos fundamentais sem tratar

de suas dimensões.266 Com efeito, a sua trajetória histórica possui duas grandes

fases, que nortearam sua evolução: a primeira, originária do Estado Liberal e a

segunda, fruto do ideário do Estado Social. Naquela a busca era por estabelecer

limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados. A luta

pela demarcação de uma rígida fronteira entre o Poder Público e os particulares

traduziu-se no surgimento de direitos fundamentais como direitos públicos subjetivos

oponíveis em face do Estado. No Estado Social, por sua vez, assistiu-se a um

crescente intervencionismo estatal em prol das partes mais fracas da relação social.

Com isso, o Estado viu-se obrigado a cumprir prestações positivas, traduzindo-se

numa nova dimensão dos referidos direitos.267 E, atualmente, fala-se de uma nova

dimensão, consubstanciada na atuação estatal em busca da fraternidade e da

defesa do próprio gênero humano.

Neste sentido, o jurista tcheco Karel Vasak formulou, em 1979, baseando-se

na bandeira francesa, que consagra a “liberdade”, a “igualdade” e a “fraternidade”,

as três dimensões de direitos fundamentais: a primeira, originária das revoluções

burguesas, seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na abstenção estatal

e na liberdade; a segunda, traduz-se nos direitos econômicos e sociais, a fim de

reparar os problemas causados pela Revolução Industrial e consubstancia-se em

atos positivos do Estado para a busca da igualdade material. Finalmente, a terceira,

traria os direitos de solidariedade, esquecidos nas barbáries da 2ª Guerra Mundial e

resgatados na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Tem-se,

portanto, o resgate da fraternidade.268

Assim:

266 Anelise Coelho Nunes noticia discordância na doutrina quanto à referida expressão. Isto porque alguns doutrinadores – como Celso Ribeiro Bastos e Manoel Gonçalves Ferreira Filho – preferem a expressão “gerações” de direitos fundamentais. Contudo, segundo ela, o termo “dimensões” – utilizado por Norberto Bobbio, Paulo Bonavides e Ingo Wolfgang Sarlet, dentre outros – é o mais adequado, já que compreende um processo acumulativo de aquisição de direitos fundamentais, prevalecendo sobre a simples leitura temporal inserta na palavra “gerações”. NUNES, 2007, p. 30. 267 SARMENTO, 2003, p. 377-390. 268 SARLET, 2012, p. 258.

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Na primeira geração encontram-se os direitos individuais, que traçam a esfera de proteção das pessoas contra o poder do Estado, e os direitos políticos, que expressam os direitos da nacionalidade e os de participação política, que se sintetizam no direito de votar e ser votado. Na segunda geração estão os direitos sociais, econômicos e culturais, referidos normalmente como direitos sociais, que incluem os direitos trabalhistas e os direitos a determinadas prestações positivas do Estado, em áreas como educação, saúde, seguridade social e outras. Na terceira geração estão os direitos coletivos e difusos, que abrigam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos do consumidor. Já se fala em uma quarta geração, que compreenderia o direito à democracia e ao desenvolvimento.269

Portanto, os direitos fundamentais de primeira dimensão são os direitos do

indivíduo frente ao Estado, apresentando um caráter negativo, já que administram

uma abstenção deste. São, em essência, derivados das conquistas do pensamento

liberal, que relegava ao Estado a função de mero mantenedor do status quo daquela

sociedade:

Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade – representados pelo direito à vida, direito à liberdade, direito à propriedade e direito à igualdade perante a lei – simbolizaram a marca registrada da nova concepção de Estado que se formava naquela oportunidade, cuja finalidade última consistia na manutenção do espírito revolucionário francês de 1789, calcado nos cânones da liberdade, igualdade e fraternidade. [...] Diante da necessidade de proteger os direitos individuais de liberdade, o constitucionalismo ocidental cuidou de armar o cidadão com instrumentos de defesa perante o Estado, impondo a este uma conduta negativa no tocante a asseguração dos direitos de liberdade, que tanto são maiores quanto menor a intromissão estatal.270

Após a Revolução Industrial e as desigualdades sociais dela decorrentes,

surge a segunda dimensão de direitos fundamentais, baseada no ideal de igualdade

material, traduzindo-se em prestações sociais estatais aos indivíduos, como os

direitos à saúde, assistência social, trabalho e educação. É a transição, pois, do

Estado Liberal para o Estado Social, consagrada inicialmente nas Constituições do

México (1917), da Rússia (1918) e de Weimar (1919). Fala-se, assim, de uma

atitude ativa do Estado, e não mais em um abstencionismo:

Entre los derechos fundamentales reciben el nombre de derechos sociales aquellos cuyo contenido consiste en una obligación de hacer por parte del

269 BARROSO, 2009, p. 177-178. 270 RODRIGUES, 2009, p. 377-378.

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Estado, en tanto que se denominan derechos de libertad los que tienen por contenido la obligación del Estado de abstenerse de toda interferencia.271

Finalmente, fala-se dos direitos fundamentais de terceira dimensão, os quais

abarcam os direitos a paz, solidariedade, fraternidade e segurança mundiais, bem

como o desenvolvimento dos povos, a proteção ao meio ambiente e a conservação

do patrimônio comum da Humanidade:

Os direitos de terceira dimensão são os direitos de fraternidade ou de solidariedade, cujo conteúdo, de natureza coletiva, confere titularidade tanto aos Estados quanto aos indivíduos, a saber: direito à paz, direito ao meio ambiente sadio, direito à preservação do patrimônio da humanidade, direito de comunicação e direito ao desenvolvimento.272

Esta visão tridimensional dos direitos fundamentais permite a exata

compreensão de sua extensão. Para o presente estudo, interessam os direitos

fundamentais de primeira dimensão, particularmente os de índole processual,

conforme analisado no próximo capítulo.

3.2.4 As Perspectivas dos Direitos Fundamentais

Afora as dimensões apontadas, pode-se examinar os direitos fundamentais

tomando-se por base a sua perspectiva: subjetiva ou objetiva. Aquela é a sua

dimensão clássica, focada no titular do direito, e corresponde à exigência de uma

ação negativa ou positiva de outrem. Fala-se nas garantias individualmente

consideradas, isto é, nos direitos fundamentais enquanto garantias individuais que

protegem o indivíduo contra a intervenção – inclusive estatal – em seus direitos e

liberdades.

Contudo, após os horrores da 2ª Guerra Mundial, os juristas germânicos

buscaram resgatar os direitos fundamentais, tão desrespeitados e vilipendiados pelo

regime nazista. Para tanto, ao promulgarem a Lei Fundamental de Bonn, em 1949,

vislumbraram os direitos fundamentais transcendendo a perspectiva de garantia de

271 PALOMBELLA, 2009, p. 49. 272 RODRIGUES, 2009, p. 378.

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posições individuais e alcançando a estatura de normas que expressam valores

básicos de uma sociedade, que devem ser difundidos para todo o direito positivo.273

Fala-se, assim, de sua dimensão objetiva. Nesta, os direitos fundamentais

ultrapassam a perspectiva de garantias individuais e alcançam a estrutura de

princípios básicos da ordem constitucional, erigindo-se como princípios

conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e

atuar.274 Assim, os direitos fundamentais, mesmo aqueles de matriz liberal, deixam

de ser apenas limites para o Estado, convertendo-se em norte de sua atuação.275

Observa Daniel Sarmento276:

[...] os direitos fundamentais no constitucionalismo liberal eram visualizados exclusivamente a partir de uma perspectiva subjetiva, pois cuidava-se apenas de identificar quais pretensões o indivíduo poderia exigir do Estado em razão de um direito positivado na ordem jurídica. Sem desprezar este papel dos direitos fundamentais, que não perdeu a sua essencialidade na teoria contemporânea, a doutrina vai agora desvelar uma outra faceta de tais direitos, que virá para agregar-lhe novos efeitos e virtualidades: trata-se da chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

E continua:

Uma das mais importantes consequências da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o reconhecimento da sua eficácia irradiante. Esta significa que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário.277

Esta concepção produz uma consequência importantíssima: a possibilidade

de se considerar os direitos fundamentais não apenas sob uma perspectiva

individualista, mas, igualmente, que os bens por eles tutelados sejam vistos como

um valor em si, a ser preservado e fomentado.278 De fato, essa despersonalização

dos direitos fundamentais traduz-se em um novo horizonte no estudo desses

direitos:

273 BIAGI, 2005, p. 39. 274 GUERRA FILHO, 2001, p. 38. 275 SARMENTO, 2003, p. 254. Vale lembrar a lição de Perez Luño: “[...] los derechos fundamentales han dejado de ser meros limites al ejercicio del poder político, o sea, garantias negativas de los intereses individuales, para devenir un conjunto de valores o fines directivos de la acción positiva de los poderes públicos.”. PEREZ LUÑO, 1995, p. 21. 276 Ibid., p. 253. 277 Ibid., p. 279. 278 MENDES, 2007, p. 256.

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A constatação de que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, na medida em que podem, em princípio, ser considerados tanto como direitos subjetivos individuais, quanto elementos objetivos fundamentais da comunidade, constitui, sem sombra de dúvidas, uma das mais relevantes formulações do direito constitucional contemporâneo, de modo especial no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais.279

E, a partir da constatação de que os direitos fundamentais possuem não

apenas o enfoque subjetivo, mas igualmente a perspectiva objetiva, pode-se concluir

pela necessidade de que tais direitos sejam eficazes, e não apenas meras

promessas despidas de qualquer efetividade.

3.2.5 A Efetividade dos Direitos Fundamentais

O escritor português José Saramago afirmou, certa feita, que as declarações

de direitos humanos e fundamentais assemelham-se “[...] àquelas relíquias de

santos mártires que são exibidas aos fiéis em datas certas, não porque alguém

esteja à espera de que vá acontecer um milagre, mas simplesmente porque o

calendário assim o determinou.”280 Sua crítica, contundente, dizia respeito à pouca

efetividade na aplicação de tais direitos, que se perdem em promessas constantes

de Constituições e Declarações internacionais.

Sua irresignação tem razão de ser. De fato, durante muito tempo os direitos

fundamentais não passavam de ditames amplos, abstratos e etéreos, de pouca ou

nenhuma aplicabilidade efetiva. Contudo, os tempos mudaram. Conforme lembra

Luiz Antônio Câmara, “O constitucionalismo social, objetivando possibilitar o

exercício dos direitos fundamentais, faz a Constituição evoluir da retórica dos

direitos individuais para a adoção efetiva de preceitos garantidores da

operacionalidade de tais direitos.”281 Assim é que surge “ [...] a Constituição

279 MENDES, 2007, p. 166. 280 SARAMAGO, José. Direito e os sinos. In: _______. Perspectivas do direito no início do século XXI. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 39. 281 CÂMARA, Luiz Antonio. Medidas cautelares pessoais: prisão e liberdade provisória. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 38.

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dirigente, que supera a denominação de ‘normas programáticas’ ou ‘normas

compromissárias’.”282

Portanto, não é mais possível visualizar os ditames constitucionais como

normas abstratas e genéricas. Trata-se, isto sim, de entendê-las como regras de

aplicação efetiva e concreta. O Direito Constitucional deve ser tratado com realismo

jurídico.283 A eficácia e a aplicabilidade imediata das normas constitucionais são a

“garantia das garantias.”284 Vale dizer: a normatividade constitucional constitui-se

em um compromisso com a efetividade de suas normas285, as quais são superiores

e supremas às demais, e não podem ser alteradas por vias legislativas ordinárias.286

Com efeito, “Hoje não são os direitos fundamentais que se movem no âmbito da lei,

mas é a lei que deve se manter no âmbito dos direitos fundamentais.”287 De fato,

“[...] os valores de berço constitucional são o hierárquico referencial de todos os

outros valores de matriz infraconstitucional.”288

Vale a observação de Paulo de Tarso Brandão289:

Não há a menor dúvida de que o Estado assume constitucionalmente uma série de compromissos com os Direitos Fundamentais conquistados historicamente pelos cidadãos, consagra-os em regras e princípios e eles são e devem ser cobrados do próprio Estado de forma que não sejam meros ‘programas’ para atendimento quando bem entender. Os Direitos Fundamentais são previstos na Constituição para serem cumpridos, e a sua previsão constitucional é um instrumento importante de que dispõe a sociedade civil e os cidadãos para a implementação da promessa.

É oportuno lembrar os ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho290:

A constitucionalização tem como conseqüência mais notória a protecção dos direitos fundamentais mediante o controlo jurisdicional da

282 KELLER, Arno Arnoldo. A exigibilidade dos direitos fundamentais sociais n o Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007, p. 232. 283 ARAÚJO, Sérgio Luiz Souza. Ideologia e eficácia do preâmbulo nas Constituições. Uma leitura Constitucional Penal. In: _______. Notáveis do Direito Penal. Livro em homenagem ao Emérito Prof. René Ariel Dotti. Brasília: Consulex, 2006, p. 517. 284 AFONSO DA SILVA, 2002, p. 465. 285 KELLER, op. cit., p. 173. 286 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional brasileira. Barueri: Manole, 2003, p. 97. 287 CÂMARA, 2011, p. 43. 288 BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 88. 289 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Reflexões sobre a flexibilidade dos direitos fundamentais. In: NUNES, Antônio José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coord.). O direito e o futuro. O futuro do direito. Coimbra: Almedina, 2008, p. 528-529. 290 CANOTILHO, 2002, p. 376.

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constitucionalidade dos actos normativos reguladores destes direitos. Por isso e para isso, os direitos fundamentais devem ser compreendidos, interpretados e aplicados como normas jurídicas vinculativas e não como trechos ostentatórios ao jeito das grandes ‘declarações de direitos’.

Logo, “[...] havendo consciência acerca da eficácia dos direitos e garantias

fundamentais, é necessário lhes conferir efetividade.”291 A jurisdição constitucional é,

hoje, a jurisdição dos direitos fundamentais.292 A moderna constitucionalização do

Direito constitui, portanto, não apenas a eleição da Carta Magna como norma

fundante do sistema jurídico, mas, sim, como norma de aplicação efetiva.

A insuficiência do entendimento segundo o qual a Constituição da República

abarca apenas diretrizes a serem seguidas pelos dispositivos infraconstitucionais é

muito bem relatada por Jorge de Figueiredo Dias293, quando assevera:

Durante muito tempo o pensamento jurídico tendeu a ver nas normas constitucionais – máxime nas que continham garantias fundamentais – simples ‘princípios pragmáticos’, meras directrizes dirigidas ao legislador ordinário que este podia afeiçoar à sua vontade [...] Hoje, porém, tende por quase toda a parte ver-se na Constituição verdadeiras normas jurídicas que, mesmo contendo uma reserva segundo a qual o direito que asseguram será mantido só ‘nas condições determinadas pela lei’, proíbem à lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade material, que contenha uma regulamentação eliminadora do núcleo essencial daquele direito.

Portanto, são concretos, e não utópicos, os direitos e garantias

constitucionais. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a legalidade (art. 5º, II),

o juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o devido processo legal (art. 5º, LIV) o

contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), dentre outros, são princípios reais e

efetivos a balizarem qualquer aplicação de normas infraconstitucionais, possuindo

aplicação imediata, nos termos do §1º do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

É neste cenário, de consagração e efetividade dos direitos e garantias

fundamentais, que deve ser analisada a tutela constitucional do processo e,

principalmente, do processo penal.

291 CÂMARA, 2011, p. 27. 292 COSTA, José Manuel M. Cardoso da. Algumas reflexões em torno da justiça constitucional. In: _______. Perspectivas do direito no início do século XXI. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124. 293 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal . Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 75.

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3.3 A TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO

O processo não é apenas um instrumento técnico; é, sobretudo, ético.294 Daí

porque a sua atividade neste generoso cenário de constitucionalização e

consagração dos direitos e garantias fundamentais é inconteste. Assim é que, com o

passar dos anos, o processo viu-se iluminado pelos progressos constitucionais295; e,

de forma clara, a ideia de democracia, insculpida na Constituição, atravessa o seu

ambiente estrutural, contaminando-o positivamente de diversos modos, em

diferentes momentos.296

Como um mecanismo de inegável importância em um Estado Democrático de

Direito, suas diretrizes foram, naturalmente, erigidas a direitos fundamentais,

passando a encontrar guarida constitucional. Assim, cada vez mais, fala-se em

constitucionalização do processo. É certo, pois, que a Constituição é o instrumento

jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do

processo e de seus princípios. De fato, “O íntimo relacionamento entre processo e

Estado exige a introdução cada vez maior nos textos constitucionais de princípios e

regras de direito processual.”297 Segundo Nelson Nery Junior298, o processo deve

ser analisado à luz das tarefas fundamentais da Constituição – integração,

organização e direção jurídica – e do caráter dirigente e diretamente aplicável dos

direitos fundamentais.

José Frederico Marques afirma: “Nesse conjunto de normas e preceitos

agasalhados no texto constitucional, é que a ciência processual vai haurir a seiva de

que se alimentam seus postulados e regras fundamentais.”299 Com efeito, “As regras

do jogo democrático devem ser garantidas de maneira crítica e constitucionalizada,

294 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 79. 295 GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. Panorama sobre los sistemas de enjuiciamiento penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 50, set./out. 2004, p. 157. 296 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. A conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 33. 297 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 22. 298 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 38. 299 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Volume 1. Campinas: Bookseller, 1997, p. 80.

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até porque com ‘Direito Fundamental’ (e as normas processuais o são), não se

transige, não se negocia, defende-se [...].”300

Ivo Dantas301, ao estabelecer a teoria constitucional do processo como um

necessário paradigma da fase atual da humanidade, estabelece algumas de suas

características, a saber: a) a elevação do processo ao nível constitucional visa,

antes de tudo, dar efetividade ao princípio da dignidade humana; b) todos os seus

elementos são inalcançáveis pela via do poder de reforma, sob pena de

inconstitucionalidade material, uma vez que o processo é garantia constitucional; c)

justamente em razão disso, incumbe a ele dar maior efetividade na prestação

jurisdicional eficiente.

Neste prisma, parte da doutrina faz distinção entre Direito Constitucional

Processual e Direito Processual Constitucional. O primeiro seria aquele que

contemplaria o estudo dos conceitos e instituições processuais consagrados na

Constituição. O segundo seria relacionado aos dispositivos constitucionais

destinados a assegurar a supremacia da própria Carta Magna. Em outras palavras:

“[...] existe um direito constitucional processual para significar o conjunto das normas

de direito processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um direito

processual constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a

denominada jurisdição constitucional.”302

Mário Lúcio Quintão Soares303 critica, todavia, a classificação apontada.

Segundo ele, ambos os ramos jurídicos guardam requisitos da existência ou de

exercício de direitos pelos princípios e institutos da instituição constitucional do

processo, devendo ser englobados na nomenclatura Processo Constitucional. Como

observa, não se trata “de um ramo autônomo do direito processual, mas de uma

colocação científica, de um ponto de vista metodológico e sistemático, do qual se

examina o processo em suas relações com a Constituição.”304

300 ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um processo penal democrático: crítica à metástase do sistema de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 71. 301 DANTAS, 2009, p. 334. 302 NERY JUNIOR, 2010, p. 41. 303 QUINTÃO SOARES, Mário Lúcio. Processo Constitucional, democracia e direitos fundamentais. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 407. 304 GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios e Garantias constitucionais. In: LIMA; SANTIAGO (coord.), 2009, p. 2.

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São oportunas as considerações de Maria Thereza Rocha de Assis Moura e

Cleunice A. Valentim Bastos305:

Estatuídos os direitos fundamentais do indivíduo, na Constituição, devem ser estabelecidas, igualmente, as garantias que lhe correspondem, a fim de preservá-los e tutelá-los, por meio de atuações judiciais tanto quanto possível rápidas, prontas e eficazes. E estas, por sua vez, efetivam-se por meio do processo, instrumento técnico e público de realização do direito.

Seriam, então, temas típicos ao Direito Processual Constitucional a

organização da estrutura judicial, com a distribuição da competência entre os

diversos órgãos da jurisdição; os princípios gerais do processo consagrados na

Constituição, tais como o do contraditório e do devido processo legal, e as ações

previstas na Lei Maior com o fim de resguardar a integridade e implementar o

próprio ordenamento constitucional.306

Sob este olhar, surge como preceito fundamental – a embasar todos os

demais princípios e garantias processuais de primeira dimensão – o devido processo

legal (CF, art. 5º, LIV), o qual “É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais

princípios e regras constitucionais são espécies.”307

Em sentido genérico, o devido processo legal caracteriza-se pelo trinômio

vida-liberdade-propriedade; tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou

propriedade está sob a proteção da due process of law. Em sentido material

(substantive due process), fala-se de sua incidência em seu aspecto substancial,

vale dizer, atuando no que diz respeito ao direito material. Em sentido processual

(procedural due process), tem-se o viés estritamente instrumental do devido

processo. No Brasil, este princípio é utilizado nesta última concepção, da qual se

extraem as inúmeras garantias processuais oriundas da Constituição.308

Assim, entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais

que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes

processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição.309

Os principais princípios constitucionais derivados do due process são a

isonomia (CF, art. 5º, caput e I), o juiz e o promotor natural (CF, art. 5º, XXXVII e

305 MOURA; BASTOS, 1993, p. 111. 306 GUERRA FILHO, 2001, p. 13-14. 307 NERY JUNIOR, 2010, p. 79. 308 Ibid., p. 81-85. 309 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2002, p. 82.

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LIII), a inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o contraditório e

a ampla defesa (CF, art. 5º, LV), a proibição da prova ilícita (CF, art. 5º, LVI), a

publicidade dos atos processuais e a motivação das decisões (CF, art. 5º, LX e 93,

IX), a presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) e a razoável duração do processo

(CF, art. 5º, LXXVIII). Alguns deles serão melhor analisados no capítulo seguinte.

3.4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL

A relação entre processo penal e Constituição é umbilical. Por isso, em

consagrada passagem, Claus Roxin310 afirma que “El Derecho procesal penal es el

sismógrafo de la Constitución del Estado.” É indubitável que o Direito Processual

Penal é o Direito Constitucional em movimento.311 A Constituição é “fonte delle fonti”

do processo penal.312 De fato, se é certo que todo o processo deve ser

constitucionalizado, com muito mais razão o processo penal. É cediço que a

Constituição determina muitos dos institutos básicos do processo.313 Contudo, na

seara processual penal o contato é ainda mais simbiótico. Assim, na persecução

penal, deve-se sempre ter em conta o telos dos direitos fundamentais, o que Pablo

Lucas Verdu314 chamou de “sentimento constitucional.” É obrigatória, pois, uma

“harmonia conteudística” entre o Código de Processo Penal e a Lei Fundamental.315

A íntima relação entre a Constituição e o processo penal decorre da

constatação de que, em essência, ambas lidam com a proteção de direitos

fundamentais316, os quais existem, dentre outros motivos, pela própria natureza

política do processo.317 Logo, a análise constitucional do processo penal – o qual

pode ser comparado a uma “sensibilíssima bandeira ao vento das mudanças

310 ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2003, p. 10. 311 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 1. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 32. 312 SIRACUSANO, Delfino et alii. Elementi di diritto processuale penale. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2007, p. 5. 313 BARACHO, José Alfredo de. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 122. 314 VERDU, Pablo Lucas. El sentimiento constitucional (aproximacion al estudio del sentir constitucional como modo de integracion politica). Madrid: Reus S.A., 1985, p. 179. 315 ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDEMANN, Klaus. Introdução ao direito penal e ao processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 157. 316 PRADO, 2006, p. 41. 317 PINHEIRO, Rui; MAURÍCIO, Artur. A Constituição e o Processo Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 13.

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sociais”318 – é uma exigência não só metodológica e jurídica, mas igualmente

político-institucional.319 No processo penal constitucional, “as normas são enfocadas

a partir da matriz contida no texto magno, acabando o processo por adquirir uma

feição para além da técnica, muito mais politizada e sem dúvida com outro

compromisso ético.”320

É possível afirmar, portanto, que o Direito Processual Penal é

verdadeiramente um Direito Constitucional aplicado, numa dupla dimensão: os seus

fundamentos são, simultaneamente, os alicerces constitucionais do Estado e

conformam a regulamentação processual penal de natureza infraconstitucional.321

Os direitos e garantias constitucionais são o alicerce para equilibrar – ou

tentar equilibrar – a confrontação entre Estado e indivíduo. Ocorre que os

personagens do processo penal são desiguais. Tal qual o confronto entre Davi e

Golias é a batalha entre réu e Estado. De um lado, o Estado-acusador, um Golias

possuidor de um aparato de poder, que detém – ainda que por órgãos distintos – as

funções de investigar, acusar, decidir e executar penas. De outro, um réu – Davi –

pessoa física que se defende das investidas de um gigante. Eis a importância da

Constituição como garantidora de um processo capaz de tornar justa essa luta.

Conforme a lição de Luiz Antônio Câmara322:

[...] talvez em nenhum outro ramo do Direito se vejam tantos reflexos da Constituição quanto no processo penal. A ligação estreita com a matriz constitucional é facilmente explicável: não há outro momento da vida coletiva em que o indivíduo se coloque tão à mercê do Estado como quando é criminalmente acusado.

A relevância da Constituição para o processo penal já era anunciada, no

Brasil, há mais de cinquenta anos, conforme se extrai das palavras de João Mendes

de Almeida Júnior323:

318 LOUREIRO, Flávia Noversa. A (i)mutabilidade do paradigma processual penal respeitante aos direitos fundamentais em pleno século XXI. In: MONTE, Mário Ferreira et alii. (coord.). Que futuro para o Direito Processual Penal? Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 269. 319 PRADO, 2006, p. 43. 320 CHOUKR, Fauzi Hassan. A ordem constitucional e o processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 2, n. 8, out./dez. 1994, p. 57. 321 ANTUNES, Maria João. Direito Processual Penal – “Direito Constitucional aplicado”. In: MONTE (coord.), 2009, p. 746. 322 CÂMARA, 2011, p. 35. 323

ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 13.

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O processo criminal tem seus princípios, suas regras, suas leis: princípios fundamentalmente consagrados nas constituições políticas; regras cientificamente deduzidas da natureza das coisas; leis formalmente dispostas para exercer sobre os juízes um despotismo salutar, que lhes imponha, quase mecanicamente, a imparcialidade. [...] As leis do processo são o complemento necessário das leis constitucionais; as formalidades do processo são as atualidades das garantias constitucionais.

A Constituição é, pois, o ponto de partida e de chegada do processo penal. E

tal caminho não é fácil. A história do Direito Processual Penal sempre foi

caracterizada por um binômio de difícil conciliação: de um lado, os direitos e

liberdades individuais; de outro, o interesse público de efetividade e eficiência na

intervenção penal. Busca-se, portanto, “[...] la síntesis entre la eficacia de la

intervención punitiva y la salvaguardia en grado máximo de las libertades del

ciudadano.”324 Deve-se conciliar “[...] as garantias necessárias à conservação da

ordem na sociedade com as garantias ao mesmo tempo reclamadas pela liberdade

individual.”325 É indiscutível, portanto, que “El Derecho, como sistema de garantias

individuales y sociales, debe procurar armonizarlas de forma tal que persona y

comunidad, como polos dialécticos de la estrutura social, se co-determinen sin

anularse [...].”326

Esse é o entendimento de Américo Bedê Júnior327:

Verifica-se, então, o dilema existencial do processo penal: efetividade da coerção penal x direitos fundamentais, sendo que, para se obter uma maior efetividade daquela, é necessária a limitação destes. Ao revés, ampliá-los importa inviabilizar a efetividade da coerção. Procura-se, assim, desesperadamente, um ponto de equilíbrio, pois em um Estado Democrático e de Direito, como o nosso, os fins nunca justificam os meios, devendo, portanto, a eficácia da coerção penal ser buscada com ética e respeito ao conteúdo mínimo dos direitos e garantias fundamentais.

Eis, portanto, o conflito intrínseco do processo penal, “que se revela en su

doble finalidad, inevitablemente conflitiva, de realizar el derecho penal sin

menosprecio de los derechos fundamentales del imputado.”328

324 ROXIN, Claus. Pasado, presente y futuro del derecho procesal pena l. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2009, p. 200. 325 ALMEIDA JÚNIOR, 1959, p. 12. 326 SEGUÍ, Ernesto. Limites al poder punitivo, coercitivo y normativo d el Estado. Rosario: Juris, 1993, p. 64. 327 BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal. Entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 24.

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Não se trata de tarefa fácil. A integral harmonia entre eficiência penal e

direitos e garantias individuais beira o impossível.329 Contudo, não se pode afirmar

que são paradigmas incompatíveis.330 Com efeito, é possível um direito que

assegure eficiência com garantismo.331

Neste sentido:

O pressuposto básico para que se busque a construção de um modelo processual encontra-se na possibilidade de conciliar as necessidades de garantia do cidadão com as não menos necessárias funcionalidade e eficiência do sistema jurídico-penal.332

A pedra de toque do processo penal ideal é a preservação dos direitos e

garantias individuais. A eficiência da persecução penal, por todos almejada,

encontra limites nos direitos fundamentais do acusado. É possível, sim, um processo

penal eficiente, desde que o seja igualmente garantista.

Conforme Antônio Scarance Fernandes333:

Será eficiente o processo que, em tempo razoável, permitir atingir-se um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do devido processo legal.

Neste cenário de preservação incondicional dos direitos fundamentais e

constitucionalização do processo penal, a palavra de ordem é garantismo. Com

efeito, “O garantismo no processo penal representa a efetivação das garantias do

devido processo legal, nos prismas subjetivo e objetivo: como garantias das partes,

essencialmente ao acusado, e como garantias do justo processo.”334 Não há dúvidas

que “La democracia demanda un sistema penal y un tipo de proceso – o unos tipos

328 PASTOR, Daniel. Acerca del derecho fundamental al plazo razonable de duración del proceso penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 13, n. 52, jan./fev. 2005, p. 205. 329 MALAN, Diogo Rudge. Processo penal do inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 14, n. 59, mar./abr. 2006, p. 249. 330 GRINOVER, Ada Pellegrini. Influência do Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América na legislação latino-americana. Convergências e dissonâncias com os sistemas italiano e brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 1, n. 1, jan./mar. 1993, p. 62. 331 FERNANDES, Antônio Scarance. O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 16, n. 70, jan./fev. 2008, p. 232. 332 SANTANA, Selma Pereira de. A tensão dialética entre os ideais de “garantia”, “eficiência” e “funcionalidade.” Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 13, n. 52, jan./fev. 2005, p. 268. 333 FERNANDES, op. cit., p. 234. 334 FERNANDES, loc. cit.

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de proceso, - que la expresen y correspondan: el garantismo sería su signo

característico.”335

Segundo o pensamento garantista, os direitos fundamentais são intangíveis e

ficam na esfera do não-decidível. A visão garantista deslegitima qualquer modelo

que coloca a “defesa social” acima dos direitos e garantias individuais.336 Por isso é

que “[...] el garantismo de los derechos fundamentales no es más que la otra cara,

por decir así, del constitucionalismo.”337 Entende-se, pois, que o exercício legítimo

do poder punitivo deve ser implementado de acordo com os princípios éticos

adotados expressa ou implicitamente na Carta Constitucional.338

Surgida na cultura jurídica italiana no final da década de 1970, a doutrina do

garantismo originou-se como resposta teórica à legislação de emergência que, à

época, reduziu, de diferentes formas, o sistema de garantias processuais.339 Seu

maior expoente, Luigi Ferrajoli, sustenta tratar-se de um parâmetro de racionalidade,

de justiça e de legitimidade da intervenção punitiva.340 Em uma primeira acepção, é

um modelo normativo de Direito; pode ser entendido, igualmente, como uma teoria

jurídica de validade e eficácia das normas; finalmente, compreende-se como uma

verdadeira filosofia política imposta ao Direito.341

Conforme Adolfo Alvarado Velloso342:

[...] como movimiento filosófico que en definitiva es, lo que el garantismo pretende es el irrestricto respeto de la Constitución y de los Pactos internacionales que se encuentram en su mismo rango jurídico [...] La voz garantista o su sucedâneo garantizador proviene del subtítulo que Luigi Ferrajoli puso a su magnífica obra ‘Derecho y Razón’ y quiere significar que, por encima de la ley con minúscula está siempre la Ley con mayúscula (la Constitución). En otras palavras: guarda adecuado respeto a la gradación de la pirâmide jurídica.

A teoria do garantismo tem campo fértil tanto no Direito Penal quanto no

Direito Processual Penal. Naquele, estão insertas questões tais como os princípios

da legalidade e da ultima ratio. No campo processual, fala-se das garantias do 335 GARCIA RAMÍREZ, 2004, p. 153. 336 BUENO DE CARVALHO, Amilton; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 19. 337 FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Madrid: Editorial Trotta, 2008, p. 65. 338 PRADO, 2006, p. 1. 339 FERRAJOLI, op. cit., p. 61. 340 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 8. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008, p. 851. 341 Ibid., p. 852-853. 342 ALVARADO VELLOSO, Adolfo. El garantismo procesal. Rosario: Juris, 2010, p. 56-57.

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processo, chamadas de orgânicas por Luigi Ferrajoli. Assim é que “O direito penal e

o processual penal passam a ser compreendidos, portanto, como lei do mais fraco,

em alternativa à lei do mais forte, que vigeria na sua ausência.”343

Conforme adverte José Antonio Paganella Boschi344, é um grave equívoco

afirmar-se que o approach garantista expressa uma opção pela impunidade. Em

lúcida ponderação, observa:

Em verdade, o garantismo apenas exige que o jus puniendi se efetive obedientemente ao devido processo legal e a todos os princípios constitucionais e legais dele decorrentes, que veiculam os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, nomeadamente, o da dignidade da pessoa humana. Nada mais.

Na mesma esteira, Luis Arroyo Zapatero345 critica aqueles que entendem

estar-se vivendo num momento de certa “orgia garantista”. Conforme observa, o

Estado, por melhor que pareça, é sempre Estado e tende ao excesso. Assim, afirma

que todo esforço para “encapsular” esse poder estatal é justo e necessário.

Didaticamente, é possível afirmar que o garantismo proposto por Ferrajoli nos

âmbitos penal e processual penal está fundado em 10 (dez) axiomas, sequenciais e

lógicos, conforme Luiz Flávio Gomes346:

a) Nulla poena sine crimine (não há pena sem crime); b) Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei); c) Nulla lex (poenalis) sine necessitate (não há lei penal sem necessidade); d) Nulla necessitas sine iniuria (não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico); e) Nulla iniuria sine actione (não há ofensa ao bem jurídico sem conduta); f) Nulla actio sine culpa (não há conduta penalmente relevante sem culpa, ou seja, sem dolo ou culpa); g) Nulla culpa sine judicio (não há culpabilidade ou responsabilidade sem o devido processo legal); h) Nullum judicium sine accusatione (não há processo sem acusação; nemo iudex sine actori); i) Nulla accusatio sine probatione (não há acusação sem provas, ou seja, não se derruba a presunção de inocência sem provas válidas); j) Nulla probatio sine defensione (não há provas sem defesa, ou seja, sem o contraditório e a ampla defesa).

343 BUENO DE CARVALHO; CARVALHO, 2008, p. 20. 344 BOSCHI, José Antonio Paganella. O devido processo legal: escudo de proteção do acusado e a práxis pretoriana. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 14, n. 58, jan./fev. 2006, p.236-237. 345 ARROYO ZAPATERO, Luis. A harmonização internacional do Direito Penal: ideias e processos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 18, n. 84, mai./jun. 2010, p. 59. 346 GOMES, Luiz Flávio. Limites do “jus puniendi” e bases principiológicas do garantismo penal. In: MOREIRA, Rômulo de Andrade (org.). Leituras complementares de processo penal. Salvador: Jus Podium, 2008, p. 54-55.

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Portanto, sob o enfoque do processo penal, o garantismo postula o

acatamento irrestrito da Constituição e a aplicação efetiva de sua garantia máxima: o

processo.347 De fato, o próprio processo torna-se uma garantia. Conforme Eugênio

Pacelli de Oliveira, “A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais

conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além

e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo

em face do Estado.”348

Aury Lopes Junior349 observa:

O processo não pode mais ser visto como simples instrumento a serviço do poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com a impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí porque somente se admite sua existência quando ao desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal).

Faz-se referência, ainda, a Daniel Pastor350: [...] un abuso de poder cometido en el proceso contra los derechos fundamentales del imputado y sus garantias excluye para siempre la posibilidad de aplicar la pena en ese caso, el proceso se torna así inadmisible, por carecer de objeto, y debe cesar definitivamente de inmediato.

A consequência desta nova concepção de processo penal é estrutural: o

acusado passa a ser sujeito de direitos, e não mais o mero objeto de uma

persecução penal. O procedimento criminal deixa de ser um simples aparato

instrumental para uma provável condenação – uma espécie de via crucis do

acusado – para se tornar uma garantia do réu de se ver julgado de forma

independente, imparcial, justa e com obediência a todos os princípios processuais.

347 ALVARADO VELLOSO, 2010, p. 98. 348 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 8. 349 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal . 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 72. 350 PASTOR, Daniel. Tensiones: derechos fundamentales ó persecución pen al sin limites? Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2004, p. 69.

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Alterna-se, portanto, de um processo penal redutivo-punitivo para um processo

penal holístico-garantista.351

Novamente, é oportuna a transcrição de Claus Roxin352:

El reconocimiento de derechos fundamentales precedentes al Estado tuvo como consecuencia que el imputado fuera reconocido como sujeto del proceso y fuera dotado de derechos autónomos, de los cuales los más importantes fueron el derecho al respeto de la dignidad humana y el derecho amplio a la defensa.

Logo, o Direito Processual Penal tem que assegurar que todos os métodos

estatais usados no processo se encontrem em harmonia com uma forma

processualmente válida e com respeito pelos direitos fundamentais.353 E, como base

capaz de sustentar este novo modelo, está o sistema acusatório, considerado como

um verdadeiro sistema de democracia processual.354 Afinal, “Mais do que acusatório,

o modelo tem que ser democrático.”355

Com efeito, a eleição ideológica do sistema acusatório é uma consequência

natural das influências do princípio democrático em relação ao direito.356 Somente

ele torna possível a efetivação do garantismo no processo penal. No infindável

debate entre os sistemas inquisitivo e acusatório, é elementar que apenas este é

compatível com um processo penal democrático e constitucional. Neste sentido é

que “[...] o marco constitucional se oferece doutrinariamente como limite às derivas

processuais de fundo autoritário, impondo um sistema processual que possa

considerar-se ele mesmo um aparelho limite do poder punitivo.”357

Daí a conclusão de Alberto Bovino358:

351 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 52. 352 ROXIN, 2003, p. 11. 353 VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção de inocência em d ireito processual penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 24. 354 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no seu lugar constitucionalmente demarcado. Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, n. 39, nov. 2010, p. 206. 355 MARTINS, Rui Cunha. O processo feito sistema, uma batalha da democracia brasileira na galáxia do direito. In: BONATO, Gilson (coord.). Processo penal, Constituição e crítica. Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 763. 356 PRADO, 2006, p. 34. 357 MARTINS, 2011, p. 764. 358 BOVINO, Alberto. Los principios políticos del procedimento penal. Buenos Aires: Del Puerto, 2009, p. 38.

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[...] la única opción posible, si pretendemos estabelecer un procedimiento penal que no vulnere las exigencias mínimas del Estado de derecho, consiste en la transformación de las prácticas de la justicia penal a través de la realización de los principios sustenciales derivadas del sistema acusatório.

O sistema acusatório tem por base o princípio dialético. Suas principais

características, segundo Paolo Tonini359, são a iniciativa probatória das partes, o

contraditório, a oralidade, o limite de admissibilidade das provas, a presunção de

inocência e o limite à custódia cautelar. Além destas, José Antônio Barreiros

acrescenta a imparcialidade do julgador e a publicidade.360 E, talvez a mais

importante de todas as características é lembrada por Roberto Falcone: “[...] la rígida

separación del juez de la acusación.”361

Em suma:

Es un método bilateral en cual dos sujetos naturalmente desiguales discuten pacificamente en situación de igualdad jurídica asegurada por un tercero que actúa al efecto en carácter de autoridad, dirigiendo y regulando el debate para, llegado el caso, sentenciar la pretensión discutida.362

Em notável síntese, Franco Cordero363 afirma que o referido sistema “Es un

espectáculo dialéctico, una lucha atlética, un combate abierto”, no qual “el proceso

se presenta insensible a la sobrecarga ideológica de donde se deriva la observación

inquisitorial.” Por isso, é a estrutura acusatória – democrática e de base

constitucional – que permite um processo penal garantista, apto a tornar efetivos os

direitos e garantias fundamentais.364

O Direito Processual Penal chegou ao novo século afastando-se do modelo

inquisitivo de outrora. Não há mais unidade entre julgador e acusador; a prisão

processual não é a regra; a publicidade do procedimento garante sua transparência

e a ampla defesa e o contraditório permitem um processo justo. Vive-se, pois, a era

359 TONINI, Paolo. Lineamenti di Diritto Processuale Penale. 5. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2007, p. 4-5. 360 BARREIROS, José Antônio. Processo Penal. Coimbra: Livraria Almedina, 1981, p. 12. 361 FALCONE, Roberto A. Las garantias del imputado frente a la persecución penal estatal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2007, p. 53. 362 ALVARADO VELLOSO, 2010, p. 30. 363 CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Tomo I. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis, 2000, p. 86. 364 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reforma do Código de Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, n. 31, jul./set. 2000, p. 65-66.

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de um processo penal democrático, iluminado pelos preceitos constitucionais e

embebido do sistema acusatório. Um processo penal garantista, portanto.

3.5 A REALIDADE BRASILEIRA

No Brasil, a situação é notoriamente paradoxal. O Código de Processo Penal

brasileiro data de 1941, época do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), e

traz consigo uma carga de autoritarismo e inquisitorialidade, eis que baseado no

ideário fascista italiano. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, tem em seu

bojo uma redenção dos direitos e garantias individuais, negados durante décadas à

população brasileira. O processo penal brasileiro vive, assim, uma crise de

identidade: precisa seguir o desejado rumo constitucional, garantista e acusatório,

utilizando-se de um instrumento ultrapassado e ideologicamente antagônico, como o

é o Código de Processo Penal.

Neste sentido, Fauzi Hassan Choukr365 assevera:

O Código de Processo Penal teria sobrevivido a todos os textos anteriores, sem embargo de sua essência, até a entrada em vigor do atual texto constitucional, fruto de um longo processo de superação (ao menos formal) da ditadura, e que culminou com a Carta de 1988, riquíssima em princípios processuais e organização judiciária e que adotou entre nós, de forma explícita, o modelo acusatório. Pode-se, então, afirmar que a situação brasileira é de marcante contradição. De um lado o texto constitucional com os valores acima mencionados; por outro lado o Código de Processo Penal, com seus resquícios inquisitivos.

O Código de Processo Penal de 1941 deita raízes notoriamente autoritárias,

pois foi inspirado na legislação processual penal italiana (Código Rocco) que vigia

nos anos de 1930, época do regime fascista liderado por Benito Mussolini. Com

efeito, tal texto normativo “ [...] foi parido sob a égide de um outro momento

sociopolítico e de estrutura altamente autoritária, além de mal construído

tecnicamente.”366 Tal constatação explica, assim, sua estrutura marcadamente

inquisitória: “O sistema processual penal brasileiro atual, assentado no CPP de 41

365 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da constituição . Bauru: EDIPRO, 1999, p. 16. 366 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 5.

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(cópia do Codice Rocco, da Itália, de 1930, o fascista Vincenzo Manzini na

dianteira), tem por base – e sempre teve – a estrutura inquisitorial.”367

Walter Nunes da Silva Júnior assinala368:

Seguindo a linha do Código de Processo Penal italiano de 1930 de índole fascista, o Código de 1941, além de se apresentar mais como um estatuto repressivo do que como um estatuto das liberdades, com perfil nitidamente policialesco, concebeu um sistema processual marcadamente burocrático, com o viés inquisitivo bastante acentuado.

No mesmo sentido conclui José Frederico Marques369, quando afirma que o

atual Código de Processo Penal

[...] não deixou de sentir os influxos autoritários do Estado Novo. A exemplo do que se fizera na Itália fascista, esqueceram os nossos legisladores do papel relevante das formas procedimentais no processo penal e, sob o pretexto de pôr cobro a formalismos prejudiciais, estruturou as nulidades sob princípios não condizentes com as garantias necessárias ao acusado, além de ter feito com um lamentável confusionismo e absoluta falta de técnica.

A influência política da época foi marcante. O Estado Novo caracterizou-se

como um dos períodos mais autoritários na história política do Brasil, com objetivos,

entre outros, de perseguição, censura e centralização do Governo. A legislação era

criada como um instrumento de controle social, para garantir a ideologia da lei e da

ordem.370 Com um pano de fundo nacionalista e fascista, a época era propícia para

um processo penal antidemocrático e opressor.

Segundo Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho371:

O Código de Processo Penal vigente (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), vindo a lume em pleno Estado Novo, em que a intervenção do Estado na esfera privada foi dramaticamente ampliada, demonstrando o traço político que o marcou, não estava, como não poderia estar, livre das influências políticas da época, constitucionalizadas pela Carta de 1937.

367 COUTINHO, 2010, p. 197. 368 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 1. 369 MARQUES, 1997, p. 108. 370 Uma interessante abordagem deste período histórico é feito por Mary Del Priore. DEL PRIORE, Mary. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta, 2010, p. 261. 371 CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 1.

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A essência inquisitória e de desprezo aos direitos e garantias fundamentais já

é notada na Exposição de Motivos. Nela, há expressa preferência à tutela social,

ainda que em detrimento dos direitos do indivíduo. Vale a referência à seguinte

passagem:

De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. [...] Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum.372

Percebe-se, pois, que “ [...] o atual código continua com os vícios de 60 anos

atrás, maculando em muitos dos seus dispositivos o sistema acusatório, não

tutelando satisfatoriamente direitos e garantias fundamentais do acusado [...]”.373

Não é preciso muito esforço para se constatar a completa antinomia de tal

orientação com o ideário garantista e democrático da Constituição da República de

1988. Esta – a constituição cidadã – surgiu após um longo período de ditadura

militar e de desprezo pelo repertório de direitos e garantias fundamentais, e é

resultado de uma perspectiva democrática e “[...] da afirmação dos direitos

fundamentais como núcleo de proteção da dignidade da pessoa”.374

No âmbito do processo penal, a mudança foi radical. A Constituição da

República chamou para si a responsabilidade de conduzir uma revolução copérnica

do Direito Processual Penal. É de se observar que, dos 78 (setenta e oito) incisos do

art. 5º da Constituição, 40 (quarenta) dizem respeito à ciência criminal e, desses, a

maioria é estritamente de natureza processual.375 Com efeito, demonstra-se que “A

Constituição de 1988 tratou a persecução penal com o zelo de quem edifica algo

novo, em substituição a uma ordem positiva superada pelo desuso do figurino

372 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Exposição de Motivos. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal. Organização de Luiz Flávio Gomes. 14. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. 373 ANDRADE MOREIRA, Rômulo de. A reforma do Código de Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 36, out./dez. 2001, p. 135-136. 374 MENDES, 2007, p. 221. 375 SCANDELARI, Gustavo Britta. Os atos jurisdicionais penais e sua vinculação às garantias constitucionais. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti de (org.). O novo processo penal à luz da Constituição: (análise crítica do Projeto de Lei nº 156/2009, do Senado Federal). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 183.

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autoritário que a inspirou [...]”.376 É inegável que “[...] as principais orientações

acerca do funcionamento do processo penal e do standard procedimental estão na

Carta de 88.”377 O processo penal no Brasil torna-se, então, constitucional.

Este processo é bem demonstrado por Walter Nunes da Silva Júnior378:

No Brasil, o resgate dessa concepção do processo penal somente se fez sentir na segunda metade dos anos 80, notadamente após a promulgação da Constituição de 1988, na medida em que os direitos fundamentais ganharam força normativa e hierarquia superior às regras jurídicas, passando a desempenhar função hegemônica em nosso sistema, e não apenas integrativa das lacunas do Direito, como era antes, circunstâncias que levam à assertiva de que seja mais apropriado falar em teoria constitucional do processo penal do que propriamente em teoria do processo penal.

A transformação é de essência e de paradigma. Muda-se a ideologia do

processo penal. Com efeito, “ [...] muita coisa mudou entre o Código de 1941 e a

Constituição de 1988; a alteração foi de estrutura, foi subjacente, o que provoca uma

ruptura de grande monta que deita raízes na estrutura jurídico-política.”379

De fato:

Depois de longa e sofrida vigência de uma codificação caduca em seus pontos estruturais – o CPP de 1941 –, a Constituição de 1988 não poderia ser mais bem vinda. E, por todas as suas virtudes, na instituição de garantias individuais e no estabelecimento de uma ordem jurídica fundada na afirmação e proteção dos direitos fundamentais, há de se manter bem viva.380

É certo que, até o presente momento, o Código de Processo Penal continua

vigendo, apesar de várias modificações pontuais e apropriadas.381 Não obstante, até

mesmo em razão da hierarquia das normas, é necessária uma análise constitucional

376 CHOUKR, 1994, p. 57. 377 PRADO, Geraldo. A reforma processual penal brasileira. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 40, out./dez. 2002, p. 147. 378 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 3. 379 CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 3. 380 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugenio. Processo e Hermenêutica na tutela penal dos direito s fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 1. 381 Dentre os textos legislativos posteriores a 1988 que alteraram o Código de Processo Penal vale a referência, por exemplo, à Lei 10.792/2003 (que alterou o procedimento do interrogatório), Lei 11.689/2008 (que trouxe modificações no procedimento do Júri), Lei 11.690/2008 (com alterações no regime de provas), Lei 11.719/2008 (que instituiu novas regras para os procedimentos ordinário e sumário) e Lei 12.403/2011 (que modificou a aplicação das medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro).

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de todo o arcabouço de regras processuais penais. A constitucionalização do

processo penal é medida que se impõe urgentemente. Com efeito, “A ciência do

processo penal brasileiro inicia o século XXI com pelo menos uma grande pretensão

de certeza: a de que não é mais possível empreender qualquer pesquisa dogmática

apartada do referencial constitucional.”382

Sobre o tema, assevera Eugênio Pacelli de Oliveira383:

Para nós, não é mais admissível compreender e muito menos seguir aplicando o processo penal sem a filtragem constitucional. O Código de Processo Penal de 1941 não está superado apenas pelo tempo; está superado também por força da incompatibilidade normativa com o texto de 1988, em cujo bojo construiu-se um sistema de garantias individuais com abrangência suficiente para fazer evaporar diversos dispositivos do nosso CPP.

Conclui-se, pois, que “[...] o Código de Processo Penal brasileiro não pode

mais ser interpretado à luz dos princípios de uma ordem jurídica superada.”384 A lei

processual penal brasileira pertence a um período de exceção, no qual as liberdades

públicas eram cerceadas pelo regime então vigente. Se é certo que o atual Código

conseguiu superar o milênio, igualmente correto que sua sobrevida somente é

possível com a harmonização aos ditames constitucionais.385

Não obstante as louváveis reformas ocorridas no ano de 2008, é fato que o

Código de Processo Penal ainda tem inúmeras facetas do sistema inquisitivo.386 O

Projeto de Lei n.º 156, do Senado Federal, atualmente tramitando na Câmara dos

Deputados, tenta, corajosamente, instituindo um novo e progressista estatuto,

adequar o procedimento criminal aos ditames e à essência da lei fundamental da

República.

Contudo, tal qual malabaristas, os operadores do Direito ainda trabalham

entre um texto constitucional garantista e uma norma infraconstitucional autoritária.

E, infelizmente, como adverte Lenio Streck, “há um certo fascínio pelo Direito

382 PACELLI DE OLIVEIRA, 2009, p. 1. 383 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4. 384 CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 3. 385 RANGEL, Paulo. O processo penal e a violência urbana. Uma abordagem crítica construtiva à luz da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 24. 386 Neste sentido, dentre outros, cite-se SCANDELARI, 2010, p. 177-184.

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infraconstitucional, a ponto de se ‘adaptar’ a Constituição às leis ordinárias... Enfim,

continuamos a olhar o novo com os olhos do velho”.387

A significativa mudança apontada encontra, pois, alguma resistência,

sobretudo hermenêutica. Isso porque, não raro, interpreta-se o texto constitucional,

que é hierarquicamente superior, à luz do Código de Processo Penal:

No confronto entre realidades tão distintas, ainda se vê prevalecer, sobretudo e de modo particular no processo penal, uma interpretação ainda mais atrelada ao perfil da legislação de 1941 do que às transformações inauguradas pela nova ordem constitucional de 1988.388

Isso precisa ser mudado. O erro hermenêutico é evidente. O Código de

Processo Penal é hierarquicamente inferior à Constituição, ideologicamente

antagônico a ela e cronologicamente anterior. Torna-se óbvio, pois, que quem deve

se submeter ao regramento constitucional é a legislação infraconstitucional.

Conforme observa Aury Lopes Júnior389:

[...] o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não ao contrário. Os dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941.

A constitucionalização do processo penal é uma realidade emergente no

Brasil. Com tal constatação, sedimenta-se o segundo pilar do presente estudo.

Demonstrou-se, assim, que: a) a constitucionalização é a resposta adequada à

falência do pensamento positivista e às contingências sociais; b) no contexto da

constitucionalização são imprescindíveis os direitos e garantias fundamentais, em

todos os seus aspectos e com aplicação efetiva e concreta; c) neste cenário, o

próprio processo é constitucionalizado e entendido enquanto garantia fundamental;

d) a relação do processo penal com a Constituição é ainda mais simbiótica e está

em sintonia com o garantismo e o sistema acusatório e; e) no Brasil, a prevalência

da Constituição deve ser ainda mais obedecida diante do caráter inquisitivo do atual

Código de Processo Penal. 387 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 30-31. 388 PACELLI DE OLIVEIRA, 2010, p. 2. 389 LOPES JUNIOR, 2012, p. 73.

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4 A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS

Por tudo o que já foi exposto, percebe-se que o momento atual revela um

Direito Penal Econômico expansionista e em franco desenvolvimento e, ao mesmo

tempo, a necessária busca por um processo penal que deve caminhar de modo

democrático e garantista. Assim, de um lado, tem-se o aumento da preocupação

com a reprimenda penal da criminalidade econômica; de outro, luta-se por um

processo voltado à efetivação das garantias constitucionais. Da confrontação de tais

objetivos nasce o problema apresentado. A consequência do confronto entre o

direito penal incriminador e o processo penal garantista é o surgimento de questões

como a que se pretende discutir: a usual prática de denúncias genéricas, com a

imputação de crimes indistintamente e sem individualização de condutas, a todos os

sócios, gestores e diretores de uma pessoa jurídica.

Não é possível afirmar com precisão em que momento iniciou-se a utilização

de acusações genéricas no Brasil. Contudo, há notícia390 de que tal prática foi pela

primeira vez admitida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas

Corpus 51.451/SP (1973), relatado pelo então Ministro Rodrigues Alckmin. Tratava-

se de caso de crime contra a propriedade intelectual, em cuja ementa constou que

“Não é possível exigir, para a propositura da ação penal por crimes em matéria de

propriedade industrial, que a queixa descreva a atividade de cada querelado nas

deliberações reservadas tomadas na sociedade: tal exigência tornaria imunes à

persecução penal esses delitos.”391

A partir do início da década de 1990, essa prática tornou-se a regra,

sobretudo nos crimes tributários. E assim se sucedeu pela soma de dois fatores: o

aumento das persecuções penais relativas à nova criminalidade econômica, aliado

ao despreparo e, sobretudo, falta de estrutura funcional do Ministério Público e da

Polícia Judiciária para a investigação de tais delitos.

Conforme observou Andreas Eisele392:

390 MALAN, Diogo Rudge. Considerações sobre os crimes contra a Ordem Tributária. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 96, n. 865, nov. 2007, p. 469. 391 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 51.451/SP, da 1ª Turma. Relator: Min. Rodrigues Alckmin. Julgado em 19.11.1973. DJ 2.1.1974. 392 EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Dialética, 1998, p. 202.

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Tais posições extremadas têm um motivo histórico, consistente no fato de que, após a vigência das Leis n.º 8.137/90 e 8.212/91, o volume de ações penais envolvendo crimes fiscais aumentou desproporcionalmente ao aprimoramento técnico imediato dos órgãos encarregados da persecução penal.

Desde então, são acalorados os debates doutrinários e jurisprudenciais sobre

o tema. Os argumentos impressionam: tanto aqueles que defendem a utilização de

denúncias genéricas quanto os que a criticam possuem justificativas coerentes com

seus pontos de vista. Se a opção for pela maior repressão aos crimes econômicos e

societários, será aceita a denúncia genérica. Se, por outro lado, a escolha for pela

preservação dos direitos e garantias fundamentais, tal prática acusatória será

refutada.

A problemática da questão pode ser assim resumida: De um lado, predomina a preocupação com a punibilidade dos crimes praticados na intimidade das empresas, com a repressão à criminalidade econômica; de outro, verifica-se uma preocupação mais acentuada com a eficácia das garantias constitucionais, em especial com os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 393

Com efeito, defrontam-se, nesses casos, dois interesses contrapostos: o da

sociedade, que quer a repressão a tais crimes, e o interesse do indivíduo, que tem o

direito de se defender de uma imputação clara, precisa e determinada.394 Neste

sentido, a acusação genérica relativiza o postulado da necessária individualização

de condutas nas denúncias formuladas pelo Ministério Público, o qual justifica sua

postura, principalmente, em razão da excepcionalidade do Direito Penal Econômico

e da dificuldade em verificar a autoria nesta modalidade criminosa.

A atualidade da discussão é demonstrada não apenas pela divergência

doutrinária a respeito, mas igualmente pela constante oscilação da jurisprudência,

que ora aceita a denúncia genérica, ora a repele.

Desde logo, fixa-se posição pela impossibilidade de adoção de tal

procedimento. Os motivos pelos quais é feita essa escolha serão demonstrados ao

longo do presente capítulo. Para tanto, é necessário estabelecer algumas

proposições básicas.

393 PRATES, Renato Martins. Acusação genérica em crimes societários. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 85. 394 FERNANDES, Antonio Scarance. A correlação entre imputação e sentença no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 18, n. 85, jul./ago. 2010, p. 328.

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4.1 PREMISSAS ESSENCIAIS

4.1.1 A Dificuldade de Identificação da Autoria em Crimes Econômicos

É indubitável que os crimes econômicos são, em sua esmagadora maioria,

empresariais. Segundo pesquisa realizada na Alemanha pelo Instituto Max Planck –

instituição de ponta no campo da pesquisa científica e social – cerca de 80% (oitenta

por cento) dos crimes econômicos ocorrem no âmbito de pessoas jurídicas.395 E,

como é cediço, nestas ocorre um aparente “sumiço” de responsabilidades, que se

esvaem na sua complexa estrutura organizacional. Torna-se difícil identificar a

autoria de um crime, diante da existência de um quadro orgânico hierarquizado nas

atividades empresariais.396 A natureza orgânica, a descentralização na tomada de

decisões e a divisão de funções entre os integrantes da sociedade dificultam

(quando não impedem) uma fácil definição dos autores de tais modalidades delitivas.

A empresa atual pressupõe uma estrutura que, por conta das características

de sua organização, traz dificuldades quando da determinação de

responsabilidades, inclusive por conta do anonimato de seus integrantes.397 Com

efeito, o processo de tomada de decisões é progressivamente descentralizado,

provocando uma aparente diminuição da responsabilidade individual.398 Assim é

que, nas empresas, “se monta un sofisticado mecanismo de relojería, donde existen

roles diferenciados, personas en puestos clave, transmisores de las decisiones, y

que una vez echado a andar, el mecanismo funciona casi automáticamente.”399

395 NUÑEZ CASTAÑO, Elena. Responsabilidad penal en la empresa. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2000, p. 22. 396 CÂMARA, Luiz Antônio. Apresentação. ESTORILIO, Jairo Amodio. Investigação criminal nos delitos empresariais. Curitiba: Juruá, 2007, p. 13. 397 CICCIARO, Juan Esteban. Legitimación pasiva en la persona juridica: de la dogmática al proceso penal. In: LAPORTA (coord.), 2010, p. 827. 398 TERRADILLOS BASOCO, Juan M. Empresa y Derecho Penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2001, p. 36. 399 CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa desde una visión garantista. Buenos Aires: Editorial B de F, 2005, p. 140.

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O mencionado mecanismo carrega consigo uma pulverização de atos e

vontades. A face visível torna-se a própria pessoa jurídica. Ficam invisíveis os seus

dirigentes, diante do aparato organizacional construído para a gestão das empresas.

A dificuldade de imputação torna-se, assim, manifesta.

Vale a referência de Vincenzo Musacchio400:

En el ambito de la responsabilidad penal, se producen problemas importantes para la determinación de la responsabilidad individual cuando el delito es cometido en el contexto de una empresa por las siguientes características del comportamiento: delegación de funciones, división del trabajo, complejización de los nexos causales, pluralidad de sujeitos intervinientes, todo esto produce, en definitiva, una disociación entre quienes actúan y quienes responden penalmente, pudiendo recaer el peso de la responsabilidad en la jerarquia de la organización (responsabilidad del titular de la empresa) o en la base de la misma (responsabilidad de los representantes).

Portanto, a complexidade da organização empresarial e as suas formas de

existência horizontal (divisão de funções e tarefas) e vertical (regras de hierarquia)

dificultam sobremaneira a responsabilização das pessoas físicas nos crimes

empresariais.401 Vale dizer: a própria estrutura das empresas transforma-se em

escudo para dificultar a persecução penal.

O crime torna-se, então, um fenômeno de escassa visibilidade.402 Aspectos

como a estrutura organizacional da pessoa jurídica e a distinção entre titularidade,

poder e condução da sociedade constituem dificuldades a serem superadas em

casos tais.403 Os delitos são cometidos às sombras, ocasionando um natural

sentimento de impunidade.404

É inegável, portanto, a dificuldade de se determinar a autoria e a participação

nos delitos cometidos no âmbito das empresas. Neste sentido, doutrina e

400 MUSACCHIO, Vincenzo. Derecho penal economico, criminalidad organizada y Union Europea. Revista Brasileira de Ciências criminais. São Paulo, ano 14, n. 60, mai./jun. 2006, p. 221. No mesmo sentido, Maximiliano Rusconi afirma: “La empresa genera, además, inumerables inconvenientes para el control jurídico penal de los comportamientos lesivos: la permanente distribución de competencias, traslado de decisiones y fragmentación de la responsabilidad; la tendencia a la descentralización en la gestión de los diversos ámbitos, la enorme magnitud burocrática que impide, incluso para los empleados y órganos internos, la comprobación del comportamiento institucionalmente desviado.” RUSCONI, Maximiliano. Normativismo, bien jurídico y empresa. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005, p. 60. 401 CERVINI; ADRIASOLA, 2005, p. 139. 402 PRATES, 2000, p. 11. 403 CESANO, José Daniel. La imputación penal en el âmbito de la empresa y las estructuras omisivas: bases para su análisis. In: LAPORTA (coord.), 2010, p. 179. 404 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 2000, p. 27.

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jurisprudência vêm buscando alternativas para uma mais eficaz imputação de

responsabilidades àqueles que cometem crimes escudados pela organização

empresarial. E, dentre as alternativas, está a utilização de denúncias genéricas.

4.1.2 A Necessária Conceituação de Denúncia Genérica

Não é possível adentrar ao tema proposto sem antes buscar um conceito bem

delimitado da expressão “denúncia genérica”. É inviável o estudo sobre o seu

cabimento se não houver uma análise conceitual prévia capaz de funcionar como o

ponto de partida da discussão que se seguirá.

É certo que todas as expressões linguísticas são indeterminadas em maior ou

menor grau. Todos os termos “[...] trazem em si uma vagueza, o que exige a

participação do intérprete na fixação do seu sentido, e sempre dentro do contexto

em que está inserido.”405

Com a expressão “denúncia genérica” não é diferente. Como observa

Andreas Eisele, “o conceito de imputação genérica, ou a adjetivação de seu

instrumento (denúncia), pertence à categoria designada como conceitos jurídicos

vagos.”406 Trata-se, pois, de uma expressão multiuso, que carece de limitações para

a exata compreensão da problemática proposta.

Na tentativa de buscar um conceito delimitado e capaz de fornecer a

segurança jurídica necessária para o estudo do tema, optou-se por pesquisar, na

doutrina e na jurisprudência, a definição mais adequada para a compreensão do

problema. E, para tanto, optou-se pelo estudo de grupos de casos407, a fim de extrair

a conceituação ora desejada.

A pesquisa voltou-se à doutrina especializada e aos julgados sobre o tema.

Assim é que, afora os artigos e obras consultadas, foi feita a análise de 204

(duzentos e quatro) precedentes, relativos a julgamentos ocorridos no Supremo

405 REALE JUNIOR, Miguel. Razão e subjetividade no Direito Penal. In: DOTTI; PRADO (org.), Volume 1, 2011, p. 304. 406 EISELE, Andreas. A denúncia genérica e os crimes contra a ordem tributária. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 78. São Paulo, maio/1999. 407 Tal forma de abordagem é bastante comum nos trabalhos de Claus Roxin. Vide, por exemplo, ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 10, n. 38, abr./jun. 2002, p. 13.

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Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, a partir de 1988 até os dias

atuais, e que tratavam das chamadas “denúncias genéricas”.408

A esmagadora maioria dos estudiosos do tema409 e dos Ministros dos

Tribunais superiores não destoa na sua concepção: denúncia genérica é aquela

peça inaugural de acusação que não individualiza as condutas410 de cada um dos

autores ou partícipes de um crime. Em outras palavras: é uma denúncia preocupada

única e exclusivamente com a descrição dos fatos, olvidando da análise

individualizada da conduta de cada acusado na prática delitiva. Inexiste, pois, a

demonstração da contribuição causal dos agentes para os fatos narrados pelo titular

da ação penal, tampouco a verificação do vínculo subjetivo.

Assim é que, sucintamente, pode-se falar que o conceito de denúncia

genérica envolve dois elementos comuns: a) o concurso de pessoas; e b) a falta de

individualização da conduta a ser imputada a cada um dos acusados.411

Trata-se, pois, da formalização de acusação sem a indicação específica da ação ou

da omissão de cada um dos autores em crimes cometidos em concurso de pessoas.

Por todos, vale a referência de Renato Martins Prates412:

408 A análise detalhada dos referidos julgados, bem como da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca da questão será realizada no capítulo seguinte. 409 Cite-se, por exemplo, Hugo de Brito Machado (BRITO MACHADO, Hugo de. Estudos de direito penal tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p. 135), Fauzi Hassan Choukr (CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 141), Luciano Feldens e Andrei Zenkner Schmidt (FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e ação penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 112), Salo de Carvalho e Alexandre Wunderlich (CARVALHO, Salo de e WUNDERLICH, Alexandre. Criminalidade Econômica e Denúncia Genérica: Uma prática inquisitiva. In: BONATO, Gilson (org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 207), Damásio de Jesus (JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 56), Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 148), Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2004, p. 392), Rômulo de Andrade Moreira (ANDRADE MOREIRA, Rômulo de. Direito processual penal. Salvador: JusPodium, 2007, p. 264) e Aury Lopes Junior (LOPES JUNIOR, 2012, p. 426), dentre tantos outros. 410 Conforme observa Fábio Guaragni, o conceito de conduta humana é um supraconceito, aplicável a crimes dolosos e culposos, comissivos e omissivos. Trata-se, outrossim, do substrato mínimo dos desvalores da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 352. 411 SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna. Criminalidade econômica, denúncia genérica e devido processo legal. In: GALUPPO, Marcelo Campos; FEITOSA, Raymundo Juliano; MEZZAROBA, Orides (Org.). Anais do XVI Congresso Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, v. 1, p. 2226. 412 PRATES, 2000, p. 17.

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A acusação genérica, em breve definição, é aquela em que não se imputa individualmente, com as circunstâncias necessárias, uma conduta criminosa ao acusado [...] Em outras palavras, narra-se genericamente o fato delituoso e atribui-se a responsabilidade dele aos mandatários da sociedade, sem, porém, precisar a participação individual no ilícito praticado em nome ou em proveito da sociedade.

É oportuno mencionar, neste ponto, a posição divergente capitaneada por

Eugênio Pacelli de Oliveira, que faz a distinção entre denúncia geral e denúncia

genérica. Para ele, se a peça acusatória imputa a todos os sócios o mesmo fato

delituoso, trata-se de uma denúncia geral e, portanto, válida, já que é claro o fato de

que se defende o acusado. Por outro lado, é genérica – e, portanto, inepta – quando

vários são os fatos típicos e sócios da pessoa jurídica, sem se esclarecer quem

cometeu cada fato típico ou cada conduta narrada na denúncia:

[…] quando o órgão da acusação imputa a todos, indistintamente, o mesmo fato delituoso, independentemente das funções exercidas por eles na empresa ou sociedade (e, assim, o poder de gerenciamento ou de decisão sobre a matéria), a hipótese não será nunca de inépcia da inicial, desde que seja certo e induvidoso o fato a eles atribuído. A questão relativa à efetiva comprovação de terem eles agido da mesma maneira é, como logo se percebe, matéria de prova, e não pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo. […] Questão diversa poderá ocorrer quando a acusação, depois de narrar a existência de vários fatos típicos, ou mesmo de várias condutas que contribuam ou estão abrangidas pelo núcleo de um único tipo penal, imputá-las, genericamente, a todos os integrantes da sociedade, sem que se possa saber, efetivamente, quem teria agido de tal ou qual maneira [...] A hipótese seria de inépcia da inicial, por ausência de especificação da medida da autoria ou participação, por incerteza quanto à realização dos fatos.413

Na jurisprudência, tal posicionamento é visivelmente minoritário em ambos os

tribunais superiores, não obstante o aumento, a partir de 2007, de julgados que

distinguem denúncia geral de denúncia genérica.414 Neste sentido, já se decidiu que

413 PACELLI DE OLIVEIRA, 2012, p.164-165. Este parece ser, igualmente, o entendimento de Mirabete: “Entretanto, pela própria natureza da conduta criminosa, como nos crimes societários, de autoria coletiva ou multitudinários, não se pode exigir que a denúncia discrimine os atos específicos de cada um. Havendo a descrição única, mas homogênea, da conduta dos agentes que não tenham praticado atos isolados e distintos, é de ser recebida.” MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal . 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 113. 414 No Superior Tribunal de Justiça, tal entendimento foi encampado pelo Ministro Felix Fischer [como, se observa, exemplificativamente, no HC 91.725/SP (j. 20.11.2007 – DJ 18.2.2008), HC 91.725/SP (j. 20.11.2007 – DJ 18.2.2008) e HC 131.153/PA (j.16.6.2009 – DJ 3.8.2009)] e pela Ministra Jane Silva [RHC 22.171/SP (j. 25.9.2008 – DJ 13.10.2008), HC 114.988/SP (j. 17.11.2009 – DJ 22.2.2010) e HC 115.244/SP (j. 3.2.2009 – DJ 16.2.2009)]. Mais recentemente, observa-se este posicionamento em voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze no HC 136.904/MT (j. 1.12.2011 – DJ 1.2.2012). No Supremo Tribunal Federal, a distinção sugerida é acolhida nos votos do Ministro Joaquim Barbosa, como se observa do HC 98.840/SP (j. 30.6.2009 – DJ 25.9.2009).

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“[...] é geral, e não genérica, a denúncia que atribui a mesma conduta a todos os

denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos

envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo

fim.”415

Não obstante o esforço doutrinário da referida distinção, é certo que, em

essência, a denúncia geral não deixa de ser genérica.416 De fato, tal posicionamento

é correto ao definir como genéricas as denúncias que não individualizam a atividade

de cada acusado quando vários são os fatos ou condutas narrados. Contudo,

igualmente são genéricas as acusações quando a imputação é de apenas um fato

ou conduta sem a necessária individualização. Com tal prática, dificulta-se a defesa

dos acusados, pois um fato é imputado a todos, sem a preocupação com a análise

individualizada de cada uma das condutas dos denunciados.

Diante da aparente complexidade da distinção, vale a utilização de exemplos:

a) ‘A’, ‘B’ e ‘C’ são sócios da empresa ‘X’. Contra todos é oferecida denúncia

pelos crimes de sonegação fiscal (Lei 8.137/90, art. 1º) e falsidade documental (CP,

art. 297). A exordial acusatória não estabelece quem, especificamente, cometeu o

crime tributário, tampouco qual dos acusados cometeu o crime de falso. Trata-se,

por óbvio, de caso de denúncia genérica.

b) ‘A’, ‘B’ e ‘C’ são sócios da empresa ‘X’. Contra todos é oferecida denúncia

pelo crime de evasão de divisas (Lei 7.492/86, art. 22), uma vez que foram

detectadas remessas ilegais de valores da empresa ao exterior. Na descrição dos

fatos, o Ministério Público afirma que os denunciados entraram em contato com um

“doleiro”, os denunciados foram à casa de câmbio, os denunciados forneceram os

dados da conta bancária no exterior, os denunciados receberam o correspondente

em reais dos valores remetidos. Há, portanto, um único fato típico, mas com a

narrativa de várias condutas que o integram, as quais não estão individualizadas.

Fala-se, novamente aqui, de caso de denúncia genérica.

415 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 22.171/SP, da 5ª Turma. Relatora: Min. Jane Silva. Julgado em 25.9.2008. DJ 13.10.2008. 416 Vale lembrar a lição de Agustín Gordillo, para quem “las palabras no son más que rótulos de las cosas para hablar de ellas, y por ende las palabras no tienen más relación con las cosas, que la que tienen los rótulos de las botellas con las botellas mismas”. O que se quer afirmar, com isso, é que uma coisa não deixa de ser ela mesma pela utilização de um rótulo diferente. GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo . Tomo I. 4. ed. Buenos Aires: FDA, 1997, p. 1-3.

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c) ‘A’, ‘B’ e ‘C’ são sócios da empresa ‘X’. Contra todos é oferecida denúncia

por sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A), a qual seria devida

pela pessoa jurídica. A acusação – lacônica – diz apenas que os três sócios

“sonegaram contribuição previdenciária”, narrando apenas um fato típico e uma

única conduta. Tal situação é, também, de denúncia genérica.

Para aqueles que advogam a distinção entre denúncia genérica e denúncia

geral, as duas primeiras hipóteses seriam de acusações genéricas – e portanto

inválidas – ao passo que a terceira seria caso de denúncia geral – que, segundo

esse entendimento, seria válida.

Trata-se de grave equívoco. A denúncia geral, repita-se, é igualmente

genérica. Se é certo que há a imputação de um único fato delituoso, tal não significa

que tenha havido uma única conduta. No exemplo acima, é evidente que, não

necessariamente, todos os sócios contribuíram para o evento criminoso. É possível

que um deles seja minoritário e sequer trabalhe na empresa. Outro, eventualmente,

pode coordenar uma área completamente alheia ao setor financeiro. Como presumir

que os três sócios, de comum acordo, tomaram essa decisão? Como se pode supor

que todos convocaram o contador da empresa e lhe repassaram essa orientação?

Assim, mesmo a denúncia que narra apenas um fato delituoso pode ser

genérica. Não basta narrar o fato. É necessário narrar as condutas que conduziram

ao evento. E a narrativa de uma única conduta, imputada a todos os denunciados,

conduz igualmente à inépcia da denúncia.

Portanto, para os fins do presente estudo, entender-se-á denúncia genérica

como aquela que deixa de analisar a conduta individual de cada um dos acusados

por suposto crime cometido em concurso de pessoas. E tal situação pode acontecer

em denúncia que narra mais de um crime sem definir a autoria de cada qual; em

acusação que narra apenas um crime, mas várias condutas, sem individualizá-las

entre os denunciados, ou ainda quando há a imputação de um crime e apenas uma

conduta, como se todos os acusados tivessem praticado exatamente os mesmos

atos, com unidade de desígnios, que levaram à prática delitiva.

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4.2 A IMPOSSIBILIDADE DE DENÚNCIA GENÉRICA

Nas primeiras páginas de seu imortal O processo, Franz Kafka (1883-1924) já

estabeleceu as regras do procedimento ao qual seria submetido o personagem

Josef K:

- Não – disse o homem junto à janela, atirando o livro sobre uma mesinha enquanto se erguia. – O senhor não tem permissão para sair. O senhor está detido. - É o que parece – disse K. – Mas por quê? – perguntou então. - Não fomos incumbidos de dizê-lo. Vá para o seu quarto e espere. O procedimento acaba de ser iniciado e o senhor ficará sabendo de tudo no devido tempo.417

Esta inusitada situação jurídica, na qual a dúvida e o desconhecimento da

acusação impedem qualquer possibilidade de defesa por parte do acusado, tornou a

expressão “kafkaniano” sinônimo de “incomum”, “absurdo” e “fora da realidade”.418

Contudo, muitos dos acusados por crimes econômicos no Brasil sofrem da

mesma apreensão que o personagem do mestre da literatura universal. São aqueles

que têm contra si acusações por delitos graves, mas sequer sabem a razão pela

qual são denunciados já que, muitas vezes, seu “crime” é figurar em um ato

constitutivo de determinada pessoa jurídica ou ser gerente de uma instituição

financeira.

É preciso cautela na persecução penal dos delitos societários. De um lado,

consideram-se as situações nas quais todos os administradores operam

conjuntamente, com plena consciência de suas condutas, seja nas práticas

deliberativas, seja na efetiva execução. De outro, há aquelas situações em que não

há tal participação efetiva, mas apenas aparente. No primeiro caso, não há dúvidas

da possibilidade de responsabilização penal dos administradores. O problema – e

aqui está inserida a denúncia genérica – é a segunda situação.419

417 KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 9. 418 É oportuna a afirmativa de José Antonio Paganella Boschi: “Realmente, no atual estágio da evolução da sociedade humana não é sequer imaginável que alguém possa ser processado, julgado e condenado sem saber os porquês, isto é, sem conhecer o fato e sua repercussão típica, ignorando os limites da acusação quanto à própria participação. A condenação de Josef K., narrada por Kafka, o escritor do absurdo, pode ser aqui apontada como paradigmática em termos de desrespeito a essas exigências”. BOSCHI, 2006, p. 249-250. 419 MUSCO, Enzo. Diritto Penale Societario. Milano: Giuffrè Editore, 1999, p. 31.

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Neste sentido adverte Antônio Cláudio Mariz de Oliveira420, referindo-se ao

início dessa modalidade de acusação:

Em regra os crimes tributários envolvem pessoas jurídicas e a perquirição da responsabilidade pessoal, corolário fundamental do Direito Penal não tem sido a preocupação primeira da polícia e do Ministério Público, que tem denunciado pela simples condição objetiva de ser o acusado diretor, gerente, administrador ou mesmo mero sócio da empresa.

Em casos tais, cria-se um verdadeiro litisconsórcio passivo necessário na

ação penal de crimes societários, descurando-se que a aptidão de uma acusação é

uma condição social, uma matriz de segurança da sociedade. Não se desconhece

que “Estamos todos expuestos al poder de castigar, culpables o no”421; contudo,

esse poder deve ser exercido de maneira a garantir todos os meios de defesa do

acusado, bem como a preservação dos direitos e garantias fundamentais

historicamente adquiridos pelos cidadãos que vivem em um Estado Democrático de

Direito. Vale dizer: acusar é possível, assim como é legítimo o poder de castigar;

mas, para tanto, não se deve transigir com qualquer tipo de violação às

prerrogativas inerentes ao cidadão.

A exigência legal de individualizar condutas ao acusar encontra fundamento

em duas razões: uma de ordem processual e outra de ordem penal. Do ponto de

vista processual, se a peça acusatória não narra os fatos e condutas, é evidente que

está cerceando inúmeros direitos, tais quais o de defesa. Do ponto de vista penal, a

obrigatoriedade de narrar os fatos está vinculada à moderna concepção da

culpabilidade, que deve ser do fato, não de autor.422

Neste sentido, é possível concluir que a denúncia genérica traz consigo uma

ideia de eficientismo em detrimento de direitos individuais. A persecução penal

nestes termos corrói postulados que deveriam ser intangíveis no ordenamento

jurídico pátrio, inclusive o da dignidade da pessoa humana. Com efeito, “[...] Em

nome de uma eficiência isenta de ciência, (re) legitima-se e (re) potencializa-se o

420 MARIZ DE OLIVEIRA, Antônio Cláudio. A responsabilidade nos crimes tributários e financeiros. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Direito Penal Empresarial (tributário e das relaçõe s de consumo). São Paulo: Dialética, 1995, p. 27. 421 CORDERO, Tomo I, 2000, p. 13. 422 GOMES, Luiz Flávio. Acusações genéricas, responsabilidade penal objetiva e culpabilidade nos crimes contra a ordem tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 245.

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sistema inquisitivo de processo penal, em clara afronta a principiologia garantista

prevista na Constituição da República.”423

Conforme será demonstrado a seguir, violam-se não apenas princípios

constitucionais, mas, igualmente, pactos internacionais e o próprio Código de

Processo Penal, que, mesmo com sua alta carga inquisitiva, não permite a denúncia

genérica. Da mesma forma, fere-se de morte a necessária justa causa para o início

da ação penal, bem como faz resgatar a famigerada responsabilidade objetiva, que

é manifestamente incabível no atual estágio das ciências penais.

Não há razão para excepcionalizar, nos crimes societários, o tratamento

acusatório dado aos crimes convencionais. Com efeito, a questão pragmática da

dificuldade de inculpação dos dirigentes de organizações societárias responsáveis

por ilícitos penais não pode ocasionar a negação dos princípios que regem o

ordenamento jurídico pátrio.424

De fato:

De toda sorte, diante de uma ordem constitucional que consagra os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da pessoalidade da pena, e em face da previsão legal expressa do art. 41 do Código de Processo Penal, é de se crer que também em relação aos crimes societários, à semelhança dos demais crimes, não pode a denúncia ou a queixa cingir-se a descrever objetivamente o fato delituoso sem que haja a imputação pessoal da conduta criminosa. E, mais, é necessário que tal imputação encontre-se apoiada em um mínimo de substrato probatório, sem o que não se constata a existência de justa causa para o desenvolver da ação penal, que se caracteriza como temerária e violadora do status dignitatis do acusado.425

Conforme adverte Fernando da Costa Tourinho Filho, “[...] a prática de incluir

todos os sócios ou diretores de uma empresa em acusação criminal relacionada ao

desempenho dessa empresa é mais que uma ilegalidade: é um equívoco que

desserve a própria Justiça Criminal, e é equívoco de muitas faces”.426

Eis, portanto, algumas faces desse equívoco.

423 CARVALHO; WUNDERLICH, 2002, p. 206. 424 TÓRTIMA, 2002, p. 152. 425 PRATES, 2000, p. 13. 426 TOURINHO FILHO, 2004, p. 392.

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4.2.1 Violações Constitucionais

As denúncias genéricas violam alguns dos mais basilares princípios previstos

na Carta Magna, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o devido

processo legal (art. 5º, LIV), a presunção de inocência (art. 5º, LVII) e a ampla

defesa e o contraditório (art. 5º, LV).

Por questões didáticas, a análise das afrontas a tais dispositivos será feita de

forma separada. Contudo, vale ressaltar que os princípios constitucionais do

processo penal possuem fortes elos entre si, de modo que, muitas vezes, seus

conceitos e, sobretudo, o seu âmbito de incidência, confundem-se.427 Deve-se

atentar, assim, não apenas para a microestrutura das garantias (com sua visão

isolada), mas para a sua macroestrutura, enquanto verdadeira política de proteção

geral dos cidadãos.

Assim, não obstante a análise individual de cada garantia ou princípio

constitucional, sua interpretação deve ser conjunta, a fim de formar a necessária

macroestrutura.428

4.2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Não há como se iniciar o estudo da denúncia genérica sob o aspecto

constitucional sem abordar o princípio da dignidade da pessoa humana, alçado

como fundamento de existência do próprio Estado Democrático de Direito (art. 1º,

III). Trata-se de um princípio mater, que exerce atração sobre um sem-número de

direitos individuais e sociais. A Carta Magna buscou inspiração no art. 1º da

Constituição Portuguesa, a qual, por sua vez, inspirou-se no art. 1º da Lei

Fundamental de Bonn, em razão dos crimes praticados pelo Estado nacional-

socialista alemão.429

427 CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 139. 428 BINDER, Alberto B. O descumprimento das formas processuais. Elementos para uma crítica da Teoria Unitária das Nulidades no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 58. 429 MACIEL, Adhemar. Aspectos penais na Constituição. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 13, jan./mar. 1996, p. 94.

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Com efeito, a aludida Carta Política, emergindo dos destroços causados à

dignidade da pessoa humana, assim declarava:

Artigo 1 [Dignidade da pessoa humana – Direitos hum anos – Vinculação jurídica dos direitos fundamentais] (1) A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protege-la é obrigação de todo o poder público. (2) O povo alemão reconhece, por isto, os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana como fundamento de toda comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. (3) Os direitos fundamentais, discriminados a seguir430, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Com muito acerto, já se disse que a dignidade é a vida em plenitude.431 Em

essência, ninguém vive sem dignidade – apenas sobrevive. Consagração mais

evidente do humanismo432, trata-se de um dique de contenção contra ações políticas

e jurídicas que desrespeitem, violem ou restrinjam direitos consagrados à pessoa

humana.433 Conforme Ernesto Seguí434, “La dignidad humana, cimentada en el

respeto a la vida, racionalidad y libertad de la persona, constituye un valladar

intangible por parte de toda regulación jurídica substancial o adjetiva.”

É delicada a relação da dignidade da pessoa humana com o processo penal.

Este, enquanto “el espectáculo de la suprema angustia del hombre,”435 traz reflexos

extremamente nocivos ao acusado, sob todos os aspectos: social, familiar,

profissional e psicológico. Não raro o processo criminal é mais danoso para o

acusado do que a própria condenação.436 Basta a lembrança das midiáticas

operações policiais, que expõem simples acusados – muitos dos quais

posteriormente absolvidos – à execração pública. Quando se inicia a persecução

penal, o imputado é “[...] despido na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito

430 São discriminados, dentre outros, o direito à igualdade perante a lei, liberdade de crença e consciência, liberdade de opinião, arte e ciência e liberdade de locomoção e domicílio. 431 ZENNI, Alessandro Severino Valler. O direito na perspectiva da dignidade humana. Transdisciplinariedade e contemporaneidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2011, p. 106. 432 BRITTO, 2010, p. 38. 433 GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 235. 434 SEGUÍ, 1993, p. 78. 435 MARTÍNEZ PINEDA, Ángel. El proceso penal y su exigencia intrínseca. 2. ed. México D.F.: Editorial Porrúa, 2000, p. 16. 436 GUIMARÃES, op. cit., p. 235.

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em pedaços. E o indivíduo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização

que deveria ser protegido.”437

A utilização de denúncias genéricas ofende o princípio da dignidade da

pessoa humana por uma razão elementar: dentre os denunciados, podem existir

aqueles que não guardam nenhuma relação com o fato delituoso, e ali estão por um

simples acaso (seus nomes constam do contrato social de uma empresa ou

participaram de determinada reunião ou assembleia, por exemplo). Estes – ainda

que absolvidos ao final da ação penal – certamente trarão consigo a marca indelével

de terem sofrido as agruras de um processo de grave repercussão na esfera dos

direitos da personalidade. É certo concluir que toda acusação traz consigo uma

carga de dor ou sofrimento que nenhuma sentença consegue aplacar.438

A peça acusatória deve ser redigida com extrema cautela. A denúncia vazia,

que, sem justa causa, joga pessoas aos leões439, acarreta um mal incomensurável

àqueles que nada devem:

De fato, a peça vestibular que inicia a ação penal, traz implicitamente um sério gravame para o acusado, na medida em que o coloca em situação constrangedora perante seus familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho e, explicitamente, apresenta uma situação de eventual e futura privação de liberdade, razão pela qual deve seguir rigorosamente as condições e limites estabelecidos no Código de Processo Penal.440

A submissão de alguém ao tormento de uma acusação penal não pode ser

banalizada ou operada sem quaisquer barreiras, inclusive processuais:

O atual panorama constitucional, que assenta-se na dignidade da pessoa humana e na consectária presunção de inocência, não se pode olvidar que o recebimento de uma denúncia carreia para o acusado diversas conseqüências, como, v.g., a estigmatização social e jurídica e o sofrimento

437 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. 6. ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 48. 438 TOVO, Paulo Cláudio. Denúncia genérica no processo penal condenatório: um retorno aos tempos medievais. Revista da Faculdade de Direito do Alto Paranaíba , Araxá: Santa Délia, v. 3, p. 53, 1999. 439 Conforme lembra Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, no âmbito penal, o princípio da dignidade da pessoa humana guarda estreita relação com a justa causa. CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 33. 440 GAMEIRO, João Augusto Prado da Silveira; ANTONELI, Osvaldo Gianotti. Direito penal tributário: proteção ou agressão. In: REALE, Miguel; REALE JÚNIOR, Miguel; FERRARI, Eduardo Reale. Experiências do Direito. Campinas: Millenium Editora, 2004, p. 441.

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psíquico, o constrangimento inerente à submissão ao exercício do poder estatal, o tormento da incerteza e as limitações profissionais decorrentes.441

A elaboração da acusação formal deve ser criteriosa, fruto de reflexão

amadurecida e profunda. Não se pode conceber a produção de denúncias – e

denunciados – em série, dada a gravidade dos reflexos advindos de tal ato. O

proceder autômato e mecanizado do agente do Ministério Público olvida que o

acusado é ser humano e, como tal, tem dignidade. Atrás de seu nome de registro

civil está ele próprio, como ser humano.

Pelo exposto, é possível verificar que a denúncia genérica tende à reificação

do acusado. Vale dizer: ele é visto não como um ser humano, mas como um objeto,

sem racionalidade ou emoção. Olvida-se que os denunciados são seres humanos, e

não coisas, e a simples existência de uma ação penal já ofende sua dignidade. Não

se trata, pois, de ser processado e depois absolvido; trata-se, sim, de perceber a dor

que uma acusação injusta provoca. Vale o questionamento de Carnelutti:

“Considerar o homem como coisa: pode-se ter uma forma mais expressiva de

incivilidade?”442

Aqueles que advogam a possibilidade de acusações genéricas têm, dentre

suas justificativas, a de que a participação dos envolvidos poderá ser analisada

durante a instrução processual. Essa orientação demonstra, só por si, o flagrante

desrespeito à dignidade humana, na medida em que autoriza um procedimento

criminal – invasivo por natureza – ignorando o sofrimento que tal acarreta em todo e

qualquer acusado.

Deve-se evitar, no processo, qualquer medida “coisificadora” do réu.443 Para a

ordem jurídico-constitucional, a concepção do homem-objeto, com todas as

consequências que daí podem ser extraídas, constitui justamente a antítese da

dignidade da pessoa humana.444 E esta deve prevalecer sempre, inexistindo razão

para ser diferente na persecução penal dos crimes econômicos.

441 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. A.P. 514, da Corte Especial. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em 16.6.2010. DJ 2.9.2010. 442

CARNELUTTI, 2005, p. 13. 443 SEGUÍ, 1993, p. 76. 444 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 9, jan./jun. 2007, p.381.

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4.2.1.2 Princípio do devido processo legal

O procedimento legitima o resultado do exercício do poder.445 Daí porque a

Constituição da República garante que “ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV). De fato, forma é garantia; é

através da obediência irrestrita aos ditames processuais – legais e constitucionais –

que se conduz um processo democrático e justo.

Em verdade, o devido processo legal é um superprincípio, uma vez que é

irradiado para inúmeros direitos e garantias constitucionais, tais como a ampla

defesa e o contraditório (art. 5º, LIV) e a inadmissibilidade de provas ilícitas (art. 5º,

LVI). De difícil e ampla conceituação, “[...] não pode ser definido e dissecado

tecnicamente, mas se manifesta e interpenetra no direito, e é sentido naturalmente

pelo homem comum e de bom senso, em virtude da carga de evidência que carrega

em si mesmo.”446

O devido processo é, simplesmente, o processo que respeita seus próprios

princípios.447 Consagrado após a constitucionalização do Direito, ultrapassa a

barreira teórica para garantir, na concretude do procedimento, um trâmite de

obediência aos ditames legais e constitucionais.

Osvaldo Alfredo Gozaíni448, neste exato sentido, leciona:

En suma, la constitucionalización del proceso supone crear condiciones para entender lo que ‘es debido’. No se trata, ahora, de un mensaje preventivo dirigido al Estado, ni de asegurar los mínimos exigibles en el derecho de defensa; hay una construcción específica que comienza desde la entrada al proceso y continúa através de toda la instancia culminando con el derecho a una sentencia suficientemente motivada, que pueda ser ejecutada y cumplida como los jueces han ordenado.

Percebe-se, pois, que da ideia individualista das garantias processuais, na

ótica exclusiva de direitos subjetivos das partes, passou-se ao enfoque das

445 MAGALHÃES GOMES, Mariângela Gama de. Devido processo legal e direito ao procedimento adequado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 13, n. 55, jul./ago. 2005, p.304. 446 SILVEIRA, Paulo Fernando da. Devido processo legal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 236. 447 ALVARADO VELLOSO, 2010, p. 51. 448 GOZAÍNI, Osvaldo Alfredo. El debido proceso. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2004, p. 27.

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garantias do “devido processo legal” como sendo qualidade do próprio processo,

objetivamente considerado, e fator legitimante do exercício da função jurisdicional.449

Neste sentido, a perspectiva formal de tal superprincípio projeta outros

princípios, os quais, sem prejuízo da punibilidade, buscam garantir a higidez, a

regularidade e a segurança do indivíduo na relação jurídico-processual. Desse

modo, é perfeita a orientação segundo a qual o devido processo legal e seus

consectários lógicos funcionam como verdadeiros escudos de contenção contra os

excessos do Estado-acusador.450

Mais do que isso: atualmente, não se deve obediência apenas ao devido

processo legal; a obediência deve ser, sobretudo, ao devido processo constitucional,

já que a esmagadora maioria dos direitos e garantias individuais – inclusive

processuais – encontra-se na Carta Magna.451 Vale lembrar que “A atipicidade

constitucional, no quadro das garantias, importa sempre uma violação a preceitos

maiores, relativos à observância dos direitos fundamentais e das normas de ordem

pública.”452

A denúncia genérica, ao violar os dispositivos constitucionais e ordinários

mencionados a seguir, automaticamente viola o devido processo constitucional e o

devido processo legal, respectivamente.

4.2.1.3 Princípio da presunção de inocência

É assente que o estado de inocência é indisponível e irrenunciável,

constituindo parte integrante da natureza humana.453 Não obstante seu inegável

aspecto suprapositivo, é certo que o princípio que garante a pressuposta inocência

encontra-se positivado em diversas legislações de vários países. Neste sentido,

449 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no Processo Penal. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 24. 450 BOSCHI, 2006, p.236-237. 451 Conforme Gozaíni, “De ser un proceso legal se pasó a estimar un proceso constitucional, con el agregado de principios y presupuestos que conciliaban en el argumento de que sin garantias procesales efectivas y certeiras, no había posibilidad alguna para desarrollar los derechos fundamentales.” GOZAÍNI, 2004, p. 25. 452 GRINOVER, op. cit., p. 24. 453 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais pen ais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 239.

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pode-se afirmar que foi na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de

1789, o primeiro momento de positivação da presunção de inocência (a qual estava,

naquele diploma, umbilicalmente ligada à prisão preventiva).

Mais do que um princípio, a presunção de inocência é uma garantia, pois

torna seguros os direitos dos cidadãos diante do poder punitivo estatal.454 Assim é

que, além de possuir cativo assento constitucional, a presunção de inocência é

colocada entre as garantias fundamentais que se encontram, por natureza,

destinadas a servir a liberdade.455 No Brasil, é esta a orientação do art. 5º, LVII.

Com efeito: Em uma situação tão carregada de conflitualidade como é o processo penal, optou-se pelo indivíduo na tensa relação antinômica que também envolve o Estado, ao se constitucionalizar a presunção de inocência e ao estender sua cobertura até o trânsito em julgado da condenação. Este princípio fundamental de civilidade é o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, inclusive ao preço da impunidade de algum culpado.456

Todos são, portanto, inocentes até prova em contrário. Fala-se, assim, que o

princípio da presunção de inocência tem duas facetas: uma de tratamento e a outra

probatória. Aquela diz que o acusado em nenhum momento pode ter restrições

fundadas em possível condenação, e esta diz respeito ao fato de que todos os ônus

da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente

sobre a acusação.457 O princípio constitucional da presunção de inocência veda a

inversão do ônus probatório no âmbito processual penal brasileiro.458

A denúncia genérica viola a presunção de inocência, pois inverte o ônus da

prova. Com efeito, ao se admitir a denúncia sem a necessária individualização de

condutas, cabe ao acusado, em juízo, demonstrar que não praticou o delito

imputado, quando o correto seria que a acusação provasse a autoria criminosa. É

dizer: com a inversão do ônus de provar, o acusado – reconhecidamente inocente

pela Constituição Federal – recebe um fardo processual que não é seu, precisando 454 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência: princípio e garantias. In: ______. Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 130. 455 VILELA, 2005, p. 20-21. 456 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. A real dimensão da presunção de inocência. In: LIMA; SANTIAGO (coord.), 2009, p. 93. 457 PACELLI DE OLIVEIRA, 2012, p. 48. 458 MORAES, Maurício Zanoide. Presunção de inocência no Processo Penal brasileiro : análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 549.

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fazer prova de inocência diante de um Estado que simplesmente o acusa, sem

justificar, de modo claro, o motivo. Olvida-se, por completo, a regra básica do ônus

da prova, segundo a qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (CPP, art.

156).459

O princípio da presunção de inocência traz, como consequência processual, a

obrigação do titular da ação penal comprovar a culpabilidade dos acusados. A

acusação deficiente, genérica, inverte tal raciocínio, obrigando a defesa a comprovar

a inocência do imputado.460 Trata-se de uma garantia do acusado no sentido de que

ele não pode ser perturbado em sua paz e nem arranhado em sua dignidade em

razão de imputações genéricas e abstratas.461 A alegação de que a

responsabilização será apurada na instrução em juízo não afasta a apontada

violação, eis que submete alguém presumidamente inocente às agruras de um

procedimento penal, sem qualquer justificativa para dar início à persecução criminal.

Portanto:

Aceitar a denúncia genérica para que, posteriormente, no curso da instrução, se individualize a conduta dos supostos criminosos, ou presumir o benefício dos sócios da empresa, é ignorar o princípio da presunção de inocência, esculpido em nossa Magna Carta, e criar o princípio da presunção de dolo, afrontado ao próprio Estado Democrático de Direito.462

É inconcebível, pois, supor qualquer abrandamento – ou a malsinada

expressão “flexibilização” – de tal garantia constitucional, mesmo em se tratando de

criminalidade econômica, de difícil identificação de autoria. Neste sentido, aliás, foi a

Recomendação do já mencionado XIII Congresso Internacional da Associação

Internacional de Direito Penal, celebrado no Cairo, em 1984: “No obstante las

peculiaridades del Derecho Penal Económico y de la Empresa deberían aplicarse los

principios generales del Derecho Penal, especialmente aquellos que protegen los

derechos humanos. No debería trasladarse la carga probatoria al acusado.”

459 Conforme leciona Malatesta, “O princípio lógico baseia-se no fundamento de que a asserção negativa é menos facilmente provável que a positiva; e por isso, entre duas asserções de igual credibilidade, uma mais facilmente provável, a outra menos, parece natural dar o encargo da prova à mais facilmente provável, que é a asserção positiva.” MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Volume I. São Paulo: Saraiva, 1960, p. 142. 460 SANTIAGO, 2008, p. 2231. 461 SILVA JÚNIOR, 2009, p. 88. 462 GAMEIRO; ANTONELI, 2004, p. 448.

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Em severa crítica à postura de relativização da presunção de inocência

adotada por alguns tribunais pátrios, René Dotti463 aponta:

Essa jurisprudência permissiva tem invertido o ônus da prova como ocorre frequentemente em processos instaurados contra diretores de empresas cujos nomes constam no contrato social, requisitado para instruir o procedimento fiscal. Em muitos casos são denunciados diretores que não mais exercem, de fato, qualquer atribuição na empresa e, assim, não teriam participado de forma alguma para o apontado delito. E não são raras as aberturas de processo criminal contra a esposa do diretor ou gerente porque seu nome integra um dos conselhos.

Nos crimes societários, não se desconhece a presunção de que o

administrador, diretor ou sócio de uma pessoa jurídica tenha participado do iter

criminis.464 Há, neste sentido, a orientação segundo a qual “O sócio-gerente, ou

administrador que lhe faça as vezes, via de regra e até por presunção lógica, é, em

princípio, o autor intelectual da conduta, pois é responsável pelas tomadas de

decisões que determinam a atuação de seus prepostos na condução dos negócios

da empresa.”465

Contudo, tal presunção não supera, em hipótese alguma, a de inocência. Não

se pode admitir a responsabilização do sócio ou diretor por conduta de terceiro,

alheia ao seu conhecimento, ou esperar que se apure tal responsabilidade no curso

da ação penal. Tal hipótese inverte a ordem natural do processo, recaindo sobre o

acusado, desde o início da ação penal, a pecha de “culpado”.466 A fraqueza da

acusação estabelece a presunção de culpabilidade, transformando o processo numa

pena, ainda que culmine com posterior absolvição.467

A denúncia genérica inverte o ônus da prova. A inversão do ônus da prova

viola a presunção de inocência. E a violação da presunção de inocência traduz

grave ofensa constitucional, que afronta o Estado Democrático e de Direito,

constitucionalmente consagrado.

463 DOTTI, 2012, p. 455. 464 TIGRE MAIA, Rodolfo. Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Anotações à Lei Federal n. 7.492/86. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 146. 465 EISELE, 1998, p. 200. 466 GAMEIRO; ANTONELI, 2004, p. 448. 467 JESUS, 2009, p. 57.

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4.2.1.4 Princípio da ampla defesa e do contraditório

Contraditório e ampla defesa são as pedras fundamentais do processo

penal.468 É clássico o preceito constitucional segundo o qual aos acusados em geral

são assegurados o contraditório e a defesa ampla, com os meios e recursos a ela

inerentes (art. 5º, LV). Pode-se afirmar, assim, que o devido processo legal demanda

a ampla defesa que, a seu turno, encontra no contraditório o seu principal

instrumento. Não existe ampla defesa sem contraditório e nem este sem a defesa

plena.469 A relação é, portanto, umbilical:

Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao da ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.470

Em sentido comum, defesa é a repulsa a um ataque, a antítese da acusação.

É, por essência, o avesso da pretensão.471 Juridicamente, trata-se verdadeiramente

de expressão da liberdade jurídica, inerente ao status libertatis do cidadão.472 No

sentido subjetivo, consiste em direito individual. No sentido objetivo, é cânone geral

da ordenação jurídica.473

O direito à ampla defesa abrange, primeiramente, a autodefesa e, em termos

instrumentais ou processuais, a defesa dos litigantes e dos acusados no

processo.474 A garantia da ampla defesa envolve, modernamente, tríplice enfoque: o

direito à informação, a bilateralidade da audiência e o direito à prova legitimamente

obtida ou produzida.475

468 PACELLI DE OLIVEIRA, 2012, p. 44. 469 MARQUES, 1997, p. 343. 470 GRINOVER, 2011, p. 70. 471 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 38. 472 MOURA; BASTOS, 1993, p. 110-111. 473 Ibid., p. 114. 474 BOSCHI, 2006, p.263. 475 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 215.

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O contraditório, a seu turno, é, em resumo, a ciência bilateral dos atos e

termos do processo e a possibilidade de contrariá-los.476 Contraditar é contra-aditar,

isto é, afirmar em sentido contrário, contrariar.477 Cuida-se de tese e antítese e de

relação de oposição entre dois sujeitos parciais.478

A garantia do contraditório é essencial no processo penal constitucional. E

sua importância cresce ainda mais no período pós-positivista. Neste sentido, vale a

referência a Paolo Tonini, quando afirma que, a partir do momento em que se

considera a ciência algo limitado, incompleto e falível, deve ser obrigatória a

incidência do dito princípio, uma vez que cada parte tem o direito de questionar as

hipóteses de verdades construídas pela parte contrária.479

É através da garantia do contraditório que se atinge a igualdade processual,

reconhecida como a medula do princípio do devido processo legal.480 Ela se opera

com a garantia legal de que acusação e defesa terão os mesmos direitos, prazos,

oportunidades e deveres na marcha do processo, evitando assim privilégios

injustificados para quaisquer das partes. Conforme Rogério Lauria Tucci, a isonomia

processual ”reclama que aos sujeitos parciais sejam concedidas as mesmas armas,

a fim de que, paritariamente tratadas, tenham idênticas chances de reconhecimento,

satisfação ou asseguração do direito que constitui o objeto material do processo.” 481

A denúncia genérica é violadora da ampla defesa e do contraditório na

medida em que impede ao acusado o exercício completo de seu direito de se

defender na relação processual. Não há como se defender de algo indeterminado.

Amplitude de defesa envolve amplitude de acusação.482 O exercício do direito de

defesa, como antítese da acusação, pressupõe o conhecimento desta pelo réu.483

Pode-se falar, inclusive, que a acusação é garantia essencial à defesa, desde que

seja feita com clareza, já que ninguém pode defender-se sem ter a ciência da

imputação que lhe é feita.484

476 MENDES DE ALMEIDA, Joaquim Canuto. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 82. 477 BOSCHI, 2006, p. 271. 478 SAAD, 2004, p. 215. 479 TONINI, Paolo. Direito de defesa e prova científica: novas tendências do processo penal italiano. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 48, mai./jun. 2004, p. 200-202. 480 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49. 481 TUCCI, 2009, p. 122. 482 SANTIAGO, 2008, p. 2230. 483 MARQUES, Volume 1, 1997, p. 345. 484 PRATES, 2000, p. 53.

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Neste sentido, afirma Nestor Eduardo Araruna Santiago485:

A denúncia genérica afeta o princípio do contraditório e da ampla defesa. Esses princípios, que são vinculados diretamente ao devido processo legal, ficam bastante feridos quando a denúncia não individualiza as condutas praticadas, pois, para que o exercício da defesa seja amplo, é necessário o amplo conhecimento do fato que está sendo imputado aos agentes. Em outras palavras: a defesa do acusado somente será ampla se os fatos estiverem corretamente e exaustivamente descritos na denúncia.

É muito difícil ao acusado promover com eficiência sua defesa quando não se

encontra definida com precisão exigida na denúncia a imputação que o vincula ao

empreendimento delituoso.486 Assim, é necessário oferecer-lhe referências certas e

inequívocas que lhe permitam defesa clara e completa.487 Não se deve olvidar que,

“Uma vez que no fato delituoso tem o processo penal o seu objeto ou causa

material, imperioso se torna que os atos que o constituem venham devidamente

especificados, com a indicação bem clara do que se atribui ao acusado.”488

Novamente aqui vale uma observação quanto ao – insustentável – argumento

de que as condutas poderão ser individualizadas na instrução judicial. Tal

orientação, além de importar em flagrante ofensa à dignidade humana e à

presunção de inocência, acarreta inegável afronta à ampla defesa e ao contraditório.

Explica-se: a instrução importa, no mais das vezes, inquirição de testemunhas, as

quais são arroladas pela defesa logo após a citação do acusado. Diante de uma

denúncia genérica, sequer é possível destacar quais as pessoas a serem arroladas,

uma vez que não se sabe ao certo qual é a acusação e sua extensão. Essa

orientação, ao permitir que a acusação pormenorize a imputação durante a ação

penal, retira do réu a oportunidade de produzir adequadamente a prova testemunhal,

pois somente arrola testemunhas na resposta, ainda no início do feito, em momento

anterior à instrução.

Portanto, a denúncia bem elaborada, por mais paradoxal que seja, é conditio

sine qua non para o exercício da defesa com foros de efetividade.489 Aliás, “a

485 SANTIAGO, 2006, p. 2230. 486 MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal: à luz da doutrina e da jurisprudência. Barueri: Manole, 2005, p. 103. 487 BORGES DA ROSA, Inocêncio. Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 130. 488 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: volume 2. Campinas: Bookseller, 1997, p.153. 489 SILVA JÚNIOR, 2009, p. 87.

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narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é

causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios

constitucionais do contraditório e da ampla defesa.”490

A acusação genérica somente permite uma defesa genérica. Inviabiliza,

outrossim, o exercício do contraditório e impede a necessária igualdade processual.

Não há como se defender se não se sabe exatamente qual a conduta tida como

delituosa. É logicamente impossível. E, portanto, também por tais motivos, é prática

manifestamente inconstitucional.

4.2.2 Violações ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e ao Pacto de

São José da Costa Rica

As modernas declarações de direitos constituem o resultado de uma lenta

evolução, que teve início com a Magna Carta inglesa de 1215 e perdura até os dias

atuais.491 Em essência, protegem os direitos individuais e as liberdades

fundamentais conquistadas ao longo da história da Humanidade.492 Fala-se, assim,

em um núcleo universal de direitos inderrogáveis, não mais apoiado na

universalidade abstrata do jusnaturalismo, mas na universalidade concreta e objetiva

positivada nas normas imperativas de Convenções e Tratados internacionais.493

No Brasil, por força do disposto no art. 5º, §2º da Carta Magna, os Tratados

relativos a direitos humanos têm força constitucional, diferentemente dos demais

textos normativos internacionais de que o Brasil é signatário, os quais possuem

paridade hierárquica com a legislação ordinária. Vale dizer: em se tratando de

490 GRINOVER, 2011, p. 97. 491 FRAGOSO, Heleno Claudio. Direito Penal e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 119. Em notável obra, o jurista português Jorge Miranda organiza, com precisão, referidos documentos históricos, a partir dos grandes textos ingleses, passando pelas Revoluções Francesa e Americana, mencionando as declarações do Constitucionalismo Liberal do Século XIX, as Constituições de transição para o Estado Social de Direito e culminando com os principais tratados e convenções internacionais do Século XX. MIRANDA, Jorge. Textos históricos do Direito Constitucional. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1980. 492 TAMAYO, Carolina Loayza. Aplicación de la normatividad protectora de los derechos humanos en el ordenamento interno. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, n. 31, jul./set. 2000, p. 25. 493 MALHEIROS, Sylvia Helena Steiner. A universalidade dos direitos humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 10, abr./jun. 1995, p. 150.

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direitos e garantias fundamentais, deve-se reconhecer o valor jurídico constitucional

das cláusulas internacionais.494

Conforme Flávia Piovesan495:

Essa conclusão advém da interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional. A esse raciocínio se acrescentam o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.

Dois dos principais textos normativos internacionais de direitos humanos de

que o Brasil é signatário são o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

(1966), incorporado na legislação pátria através do Decreto 592/92, e a Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos (1969), incorporado pelo Decreto 678/92. E,

em ambos, há vedação expressa à denúncia genérica.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, vigente desde 6 de julho

de 1992, dispõe, em seu art. 14, n. 3, ‘a’ que “Toda pessoa acusada de um delito

terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: ‘a’) a ser

informada, sem demora, em uma língua que compreenda e de forma minuciosa, da

natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada.”

Já a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, igualmente

conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada em 25 de setembro de

1992, estabelece, em seu art. 8º, 2, ’b’: “Toda pessoa acusada de um delito tem

direito: [...] ‘b)’ de comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada.”

Da simples leitura dos mencionados dispositivos e de singela interpretação

literal, percebe-se que o Brasil se obrigou, nos processos judiciais, a exigir que as

imputações sejam feitas de forma “prévia”, “minuciosa” e “pormenorizada”. Dito de

outra forma: analisando tais textos internacionais conjuntamente, verifica-se que o

494 ARGUELHO, Silvana Sampaio. A incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ao direito brasileiro: a questão da prisão do depositário infiel. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 34, abr./jul. 2001, p. 118. 495 PIOVESAN, Flávia. A incorporação, a hierarquia e o impacto dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (coord.). O sistema interamericano de proteção dos direitos h umanos e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 160.

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acusado tem o direito líquido e certo de ser informado, previamente e de forma

pormenorizada da natureza e dos motivos da acusação.496

Portanto, além das afrontas aos princípios constitucionais explicitamente

elencados na Carta de 1988, a denúncia genérica agride aos apontados textos

internacionais, que possuem valor jurídico constitucional no ordenamento brasileiro.

4.2.3 A Responsabilização Objetiva

O art. 18 do Código Penal dispõe que a responsabilidade somente poderá

ocorrer a título doloso ou culposo. Não se admite, no Brasil, a responsabilidade

penal objetiva de outrora, segundo a qual o Direito Penal era puramente de

resultado.497 Tal proibição é corolário lógico do princípio da dignidade da pessoa

humana, que, ao inserir o homem no centro do Direito Penal, trata-o como um ser

livre e com capacidade de autodeterminação.498

Observa Luiz Vicente Cernicchiaro499:

O tipo descreve conduta. Invariavelmente encerra o verbo, vocábulo indicativo de comportamento que, por sua vez, traduz vinculação de vontade. Toda ação encerra vontade, projeto conscientemente exteriorizado. A dignidade pensante é privativa do homem. [...] A concepção clássica e moderna do crime convergem para um ponto comum: o delito é obra do homem. Hoje, está banida da melhor doutrina a ressalva de a responsabilidade objetiva reforçar o Direito Penal, facilitando definir o delinquente, prescindindo da busca de dados subjetivos.

Não existe, pois, na seara penal, uma responsabilidade objetiva, derivada

somente de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou

perigo de lesão para um bem jurídico.500 E assim o é pois “Imputar un daño o un

peligro para um bién jurídico, sin la previa constatación del vinculo subjetivo con el

496 GOMES, 1995, p. 246. 497 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 218. 498 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 38. 499 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 76-77. 500 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1996, p. 104.

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autor (o imponer una pena sólo fundada en la causación) equivale a degradar al

autor a una cosa causante.”501 Portanto, é claro que deve haver, para a

responsabilização penal, liame psíquico entre o fato criminoso e seu autor, e não

mera ligação entre ação (ou omissão) e resultado, tal qual ocorre na esfera cível.502

Em suma: “[...] a causação de um resultado sem intencionalidade ou sem

negligência, em situação de não cognoscibilidade da produção desse resultado, não

pode constituir crime, diante do pressuposto da responsabilidade subjetiva.”503

A denúncia genérica nos crimes econômicos, não individualizando o modo

como os agentes concorreram para o ilícito, adota a teoria da responsabilidade

objetiva, uma vez que o simples fato de ser sócio ou acionista de empresa é causa

para a sua persecução penal. Ou seja: alguém é submetido às agruras de uma ação

penal apenas por ter seu nome formalmente associado a uma pessoa jurídica. E “É

uma injustiça enorme colocar no polo passivo de uma ação penal todos os sócios de

uma empresa, sem individualizar a responsabilidade penal de cada um. O fato

criminoso só pode ser imputado a quem lhe deu causa (CP, art. 13, caput).”504

Não se pode, mesmo no âmbito da criminalidade empresarial, tolerar a

responsabilidade objetiva.505 Deve existir a informação dos elementos que ligam o

denunciado ao fato que se lhe imputa, sendo necessária a indicação do vínculo que

prende cada qual dos denunciados à conduta da qual são acusados.506 Assim, a

denúncia deve demonstrar o nexo causal entre o comportamento do administrador e

o crime que lhe é imputado, bem como, obrigatoriamente, os indícios de

culpabilidade.507

Nas denúncias genéricas, em regra, há a descrição das atividades da pessoa

jurídica, e não das pessoas físicas que dela fazem parte. Trata-se de grave

equívoco, pois “[...] na conduta humana é que há de centrar-se a acusação, nos

crimes societários, e não na atividade da pessoa jurídica. Não basta, portanto, que a 501 ZAFFARONI, 2002, p. 139. 502 GAMEIRO; ANTONELI, 2004, p. 450. 503 REALE JÚNIOR, 2002, p. 39. 504 BIANCHINI, Alice; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 364. 505 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; LUCAS, Flávio Oliveira. Um tema de criminalidade econômica: a posição de garante do dirigente de pessoa jurídica e o Direito Penal Brasileiro. In: BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal no Terceiro Milênio. Estudos em homenagem ao Prof. Francisco Muñoz Conde. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 297. 506 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 675. 507 COSTA JÚNIOR, Paulo José da; QUEIJO, Maria Elizabeth; MACHADO, Charles Marcildes. Crimes do Colarinho Branco. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 162.

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atividade desta seja descrita, mas que haja efetiva imputação de um fato a uma

pessoa humana.”508

Conforme Luiz Flávio Gomes509:

No âmbito do direito penal tributário, ad exemplum, não basta ao acusador provar que em determinada empresa houve ‘supressão’ ou ‘redução’ de tributo ou de contribuição social (esse é o ‘resultado’ exigido pelo crime). É também fundamental que a acusação comprove ‘quem’ ‘dolosamente’ (impõe-se recordar desde logo que não existe crime tributário ‘culposo’) causou esse resultado (foi o empresário?, foi o sócio-gerente?, foram todos os sócios?, foi o contador?, foi um empregado?, etc.)

Nos crimes societários, as condutas dos indivíduos aparentemente estão

entrelaçadas. Por isso, a individualização das condutas é necessária para evitar a

responsabilização de pessoas físicas que não possuem qualquer vínculo ou

conhecimento de eventual crime praticado no seio da empresa.510 De fato, só quem

não tem vivência do mundo empresarial pode supor que, no âmbito de uma pessoa

jurídica, todos os sócios, ou acionistas, ou mesmo diretores, sabem de tudo o que ali

acontece. Muitas vezes, pode ocorrer inclusive que um ilícito tributário, por exemplo,

seja cometido em detrimento da sociedade ou em proveito próprio do autor da

conduta ilícita, seja ele simples empregado, gerente, diretor ou acionista.511

É flagrante, pois, que nenhum cidadão pode ser denunciado apenas pelo fato

de ostentar a qualidade de sócio ou administrador da pessoa jurídica através da qual

a infração penal foi praticada.512

Em suma:

[...] não se pode afirmar que tão só a sua condição de sócio possa-nos levar à presunção de que tinha conhecimento dos negócios administrativos e fiscais da empresa. A prosperar essa tese, teríamos verdadeiro caso de responsabilidade penal objetiva, na medida em que a condição de sócio não pode ser erigida à categoria de presunção de culpabilidade. Com efeito, uma das decorrências do princípio constitucional da culpabilidade penal é a necessidade de o fato imputado caracterizar um dado reprovável socialmente e atribuível ao agente, no mínimo, a título de culpa. O resultado

508 PRATES, 2000, p. 39. 509 GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade penal objetiva e culpabilidade nos crimes contra a ordem tributária. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Direito Penal Empresarial (tributário e das relações de consumo). São Paulo: Dialética, 1995, p. 90. 510 GAMEIRO; ANTONELI, 2004, p. 443-444. 511 BRITO MACHADO, Hugo de. Responsabilidade penal no âmbito das empresas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3009>. Acesso em: 1 mar. 2012. 512 MALAN, 2007, p. 470.

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penalmente relevante, qualquer que seja o sentido dado à expressão (naturalístico ou normativo), para ser atribuído à conduta de uma pessoa, não depende apenas de um nexo de causalidade. Afirmar que alguém causou um resultado não é somente afirmar-se que a sua conduta caracterizou a causa sem a qual o resultado não se teria verificado, ou a causa necessária, adequada ou eficiente à sua produção. Somente fatos humanos podem ser tratados como delito, mas, dentre estes, somente aqueles em que o agente perseguiu o resultado lesivo a um bem jurídico penalmente protegido com consciência da ilicitude de sua conduta. Do contrário, teremos um delito sem desvalor social e, também, fruto de responsabilidade penal objetiva.513

A denúncia genérica, além de prestar um desserviço à economia do país –

pois pode inibir a atividade comercial diante do incremento do risco de uma ação

penal injusta contra o empresário – faz ressurgir a responsabilização objetiva,

afrontando um dos maiores pilares das ciências penais modernas.

4.2.4 Ausência de Justa Causa

A acusação sem a indicação de elementos capazes de individualizar as

condutas dos denunciados implica ofensa à justa causa para o início da persecução

penal. E, para tal constatação, é imprescindível uma breve incursão às condições da

ação no processo penal.

Sem a pretensão de esgotar o tema, definem-se como condições da ação

aqueles elementos ou requisitos que limitam o exercício do direito de ação em cada

caso concreto.514 Como esclarece José Antonio Paganella Boschi, “sem essas

travas, denominadas condições da ação, os juízos e tribunais poderiam então ser

inundados de ações e processos instrumentalizando pretensões esdrúxulas e

descabidas [...]”.515

Para aqueles que sustentam uma unidade científica do processo516, as

condições da ação penal seriam as mesmas da ação de natureza civil (possibilidade

jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir), apenas com

513 BITENCOURT, Cezar Roberto; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direito Penal Econômico aplicado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 10. 514 GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal : uma tentativa de revisão. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 127. 515 BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002, p. 94. 516 Como, por exemplo, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Frederico Marques e Vicente Greco Filho. CÂMARA, 2011, p. 86.

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algumas modificações. A possibilidade jurídica do pedido significaria que o Estado

tem possibilidade, em tese, de obter a condenação do réu. A legitimidade ad causam

– ativa e passiva – refere-se à pessoa que pode promover a ação penal, bem como

àquela supostamente responsável pelo delito supostamente cometido. E, finalmente,

o interesse de agir estaria relacionado com a necessidade, a adequação e a

utilidade da ação penal.

Tal visão unitarista do direito processual merece desde logo ser refutada,

diante da inexistência de uma teoria geral de processo, a qual impõe, em última

análise, institutos de processo civil no campo processual penal, olvidando sua

autonomia legal e científica.

Neste sentido, a doutrina atual traça severas críticas à utilização das mesmas

condições da ação civil no âmbito penal. Aury Lopes Junior517, por exemplo,

observa: “O problema está em que, na tentativa de adequar ao processo penal, é

feita uma verdadeira ginástica de conceitos, estendendo-os para além de seus

limites semânticos.” Segundo ele, “O resultado é uma desnaturação completa, que

violenta a matriz conceitual, sem dar uma resposta adequada ao processo penal.”

De fato, não se pode impor, a fórceps, institutos do Processo Civil ao Direito

Processual Penal, como se este fosse dependente daquele. É necessário afastar,

definitivamente, o complexo de Cinderela do Direito Processual Penal.518

Para referido autor, são condições da ação penal a prática de fato

aparentemente criminoso (fumus comissi delicti), a punibilidade concreta, a

legitimidade da parte e a justa causa.519 Tal concepção assemelha-se, em sua maior

parte, àquela sugerida por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, citado por Vladimir

Stasiak, em obra específica sobre o tema. Ele sugere como condições a tipicidade

aparente - adequação do fato à norma, isto é, a descrição contida na denúncia deve

estar prevista num tipo penal, com todas as elementares520 -; a punibilidade concreta

- o aparato jurisdicional somente deve se mobilizar diante de uma finalidade

517 LOPES JUNIOR, 2012, p. 369-370. 518 Citando um breve artigo de Carnelutti, “Cenerentola”, Aury Lopes Junior informa que o Processo Penal, como a Cinderela, sempre foi preterido em relação à sua irmã – Processo Civil –, tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas daquela. Mais do que vestimentas usadas, eram vestes produzidas para sua irmã (não para ela). LOPES JUNIOR, op. cit., p. 91. 519 Ibid., p. 373. 520 Neste ponto parece residir a diferença entre os entendimentos de Aury Lopes Junior e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. A primeira condição da ação sugerida por Lopes Junior – prática de fato aparentemente criminoso – é mais ampla do que a tipicidade aparente sugerida por Coutinho, uma vez que não se limita à análise da tipicidade, analisando igualmente as causas de exclusão de ilicitude.

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razoável, isto é, a possibilidade de se aplicar a sanção penal – a legitimidade ad

causam e a justa causa.521 Vladimir Stasiak, por sua vez, reduz a duas as condições

genéricas da ação: a legitimidade ad causam e a justa causa.522 É esta última que

interessa ao presente estudo, eis que, como conceito jurídico indeterminado, é

comumente utilizado em várias acepções.

Se é certo que existem doutrinadores que enxergam a justa causa como uma

síntese das condições da ação523 ou como o próprio interesse de agir na seara

penal524, trata-se, em verdade, de condição autônoma da ação penal. A nova

redação dada ao art. 395 do Código de Processo Penal demonstra a opção

legislativa pela autonomia da justa causa como condição da ação.525

Neste sentido, justa causa nada mais é do que a demonstração dos indícios

de autoria e da materialidade de um fato supostamente criminoso. Segundo Aury

Lopes Junior, dois são os fatores a serem considerados na análise da justa causa:

não apenas a já mencionada existência de indícios razoáveis de autoria e da

materialidade, mas, também, o controle processual do caráter fragmentário da

intervenção penal.526 Assim, segundo ele, é necessária uma causa de natureza

penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas

processuais que ele contém. A aplicação do princípio da insignificância seria,

portanto, o reconhecimento da ausência de justa causa em determinado caso penal.

Em complemento à posição do professor gaúcho, vale ressaltar o

posicionamento de Luiz Antonio Câmara, ao afirmar que a justa causa possui duas

feições: uma positiva e a outra negativa. Pela primeira – positiva – a justa causa se

demonstra pela prova da infração penal e da autoria. A segunda – negativa – fica

evidenciada quando não há causas que excluam a criminalidade da conduta. Assim,

presentes situações que afastem a tipicidade, a ilicitude ou a culpabilidade, inexiste

a justa causa como condição para o exercício da ação penal.527

521 STASIAK, Vladimir. As condições da ação penal: perspectiva crítica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2004, p. 193. 522 Ibid., p. 356. 523 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 195. 524 BONFIM, 2009, p. 150. 525 DEMERCIAN, Pedro Henrique. O regime jurídico do Ministério Público no processo penal. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 94. 526 LOPES JUNIOR, 2012, p. 379. 527 CÂMARA, Luiz Antonio. Prefácio. STASIAK, op. cit., p. 20.

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O início da persecução penal em juízo sem uma causa justa acarreta

flagrante abuso na acusação, já que submete alguém ao sofrimento de um processo

criminal sem um substrato material mínimo para tanto. Não é justa a causa penal

iniciada contra quem não pesam elementos mínimos capazes de movimentar o

aparato repressivo estatal.

Assim:

[...] a exigência da justa causa como condição da ação é uma garantia muito cara, porque assegura que nenhuma pessoa será constrangida, por meio de processo criminal, quanto ao seu direito de liberdade e mesmo à honra e à imagem, sem ter contra ela provas de que o fato efetivamente ocorreu, assim como de indícios que, se não autorizam a conclusão de sua culpa, justificam que ela seja apontada como a possível autora do fato criminoso.528

É carente de justa causa a denúncia formulada contra o sócio de uma

empresa pela suposta prática de determinado crime econômico apenas pela sua

condição hierárquica na estrutura da pessoa jurídica. A posição dentro do

organograma empresarial não é elemento indiciário suficiente capaz de permitir, por

si só, a deflagração de uma ação penal. Em consequência, é inafastável a

necessidade da descrição das condutas de cada acusado para permitir ao

Magistrado, ainda na fase de admissibilidade, a análise da justa causa, tal qual

dispõe o art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

4.2.5 Violação à Literalidade do art. 41 do Código de Processo Penal

Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal que “A denúncia ou queixa

conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a

qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identifica-lo, a

classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Em clássica definição, João Mendes de Almeida Júnior529 analisa quais são

as circunstâncias do fato que devem constar da peça de acusação:

528 SILVA JÚNIOR, 2009, p. 87. 529 ALMEIDA JÚNIOR, 1959, p. 183.

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É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.

A legislação é clara e taxativa: uma denúncia somente será apta a dar causa

a uma ação penal quando contiver “a exposição do fato criminoso, com todas suas

circunstâncias”, com a indicação específica e pormenorizada de todas as

elementares típicas, objetivas e subjetivas. Ou seja, uma acusação formalmente

processável deve indicar a conduta concreta realizada pelo denunciado e subsumir

esses fatos (identificáveis por elementos probatórios palpáveis) à norma penal

supostamente violada, com a demonstração do preenchimento do tipo objetivo (ação

penalmente reprovável e prevista no tipo legal) e do tipo subjetivo (vontade

destinada àquele fim).

É facilmente verificável, portanto, que o texto legal exige que a denúncia

contenha a exposição circunstanciada do fato, vale dizer, a maneira como as

pessoas acusadas agiram, individualmente, para a consumação do ilícito.530 É

indubitável, logo, que nas denúncias é necessária a descrição da atuação de cada

acusado individualmente.531

De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho532:

Essa exigência de descrição circunstanciada, contida no art. 41 do CPP, torna-se mais essencial se a acusação é dirigida a diversas pessoas ou, melhor dizendo, quando convivem, na denúncia, várias acusações, e muito especialmente se essas pessoas são reunidas pela circunstância de exercerem cargos de direção ou serem sócias de uma empresa, sob pena de estarmos face a face com uma espécie de denúncia vazia, empregada essa expressão em todo o seu sentido semântico, gramatical.

A não obediência aos ditames do referido artigo conduz à inépcia da

denúncia, patologia processual – na feliz expressão de Franco Cordero533 – que, se

530 CARVALHO; WUNDERLICH, 2002, p. 214. 531 ACOSTA, Walter. O Processo Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1971, p. 152. 532 TOURINHO FILHO, 2004, p. 389-390. 533 CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Tomo II. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 2000, p. 408.

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passar despercebida no juízo prelibatório, significará inevitavelmente a nulidade

absoluta do processo, nos termos do art. 564, III, ‘a’ do Código de Processo Penal.

Percebe-se, pois, “[...] mesmo no interior de uma estrutura processual penal

inquisitiva, como o CPP de 1941, que a peça acusatória deve descrever o caso que

deseja provar crime com todas as circunstâncias.”534 As condutas dos autores e

partícipes de um crime fazem parte, pois, dessas circunstâncias.

É certo que a atual legislação é vaga quando se limita a exigir a “exposição do

fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”, sem mencionar quais seriam elas.

Contudo, conforme demonstrado, parece lógico que dentre essas circunstâncias

esteja a descrição das condutas dos acusados. E, a fim de reafirmar tal

interpretação, a leitura do Projeto de Lei 156, do Senado Federal, que institui o novo

Código de Processo Penal, não deixa margem a dúvidas quando determina:

Art. 270. A denúncia, observados os prazos previstos no art. 50, conterá a exposição dos fatos imputados, com todas as suas circunstâncias, de modo a definir a conduta do autor, a sua qualificação pessoal ou elementos suficientes para identificá-lo, a qualificação jurídica do crime imputado e a indicação das provas que se pretende produzir, com o rol de testemunhas.

A locução “de modo a definir a conduta do autor” demonstra, claramente, a

necessidade de individualização da ação ou omissão de cada um dos réus. Por tudo

isso, além das violações já apontadas, a denúncia genérica igualmente desobedece

ao art. 41 do Código de Processo Penal.

4.3 ANÁLISE DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À DENÚNCIA GENÉRICA

Do até aqui exposto, percebe-se que a denúncia genérica é vício de múltiplas

facetas: violam-se dispositivos constitucionais, de tratatados internacionais dos quais

o Brasil é signatário e mesmo a disposição expressa do Código de Processo Penal.

Como se não bastasse, tal prática permite ações penais carentes de justa causa e

faz ressurgir a responsabilidade penal objetiva.

534 CARVALHO; WUNDERLICH, 2002, p. 215.

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Em continuidade à análise ora proposta, é necessário refutar os argumentos

daqueles que entendem pela possibilidade de acusações despidas de

individualização de comportamentos humanos nos crimes econômicos.

4.3.1 A Relativização de Garantias nos Crimes Econômicos

De plano, deve ser afastada com veemência a afirmação de que é possível a

denúncia genérica diante das peculiaridades da moderna criminalidade. Não se

desconhece a orientação segundo a qual, diante de uma criminalidade global,

econômica e organizada, deve-se aceitar a supressão ou a chamada “relativização”

de garantias.535 Neste cenário, alguns afirmam ser aceitáveis a flexibilização das

regras de imputação e a relativização das garantias político-criminais, substantivas e

processuais.536 É o entendimento, por exemplo, de Nicolas Quinn, para quem “la

asignación al derecho penal de papeles relevantes en la respuesta a los ilícitos

propios de la globalización y de la integración supranacional implica una

flexibilización de categorias y relativización de principios.”537 As garantias são,

portanto, diminuídas em razão da exigência social de proteção dos bens jurídicos

supraindividuais.538

Trata-se de um raciocínio imediatista, assistemático, atécnico e, sobretudo,

perigoso. Os direitos fundamentais não são disponíveis; constituem um tesouro

coletivo, conquistado após séculos de lutas, e que não está aberto à negociação ou

afrouxamentos. Não é possível um mínimo de tolerância com essa deplorável

prática, sob pena de se admitir um retrocesso histórico e jurídico sem precedentes.

É oportuno lembrar: “Na verdade, Estados totalitários, repressivos e intolerantes

nasceram assim; nasceram desse aligeirar de exigência no respeito dos direitos

535 PEREIRA, Claudio José. O direito penal pós-moderno e a expansão econômica supranacional. In: FARIA COSTA; MARQUES DA SILVA (coord.), 2006, p. 816. 536 SILVA SÁNCHEZ, 1998, p. 66. 537 QUINN, 2010, p. 947. 538 HIRECHE, Gamil Föppel El. Notas sobre a (Des)Legitimação do Direito Penal Econômico. In: BITENCOURT, 2008, p. 403.

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fundamentais, do ‘fechar os olhos’ a determinadas ilegalidades; da tolerância do que

é verdadeiramente intolerável.”539

Assim é que, paulatinamente, violam-se direitos e garantias “sob a justificativa

de que a peculiaridade das relações que envolvem o Direito Penal Econômico

autoriza a quebra de tais princípios.”540 É um grave equívoco, pois resta claro que

“Está havendo uma tendência de passarmos da impunidade à fúria acusatória e

punitiva. Ambas as situações desrespeitam a lei, criam insegurança e levam, da

mesma forma, o desprestígio às instituições.”541

Conforme José de Faria Costa542:

Hipotecam-se as garantias dos arguidos em prol de uma luta mais eficaz contra aquela criminalidade que abala os alicerces da comunidade democrática, mas que, ao fim e ao cabo, acaba por fazer esta mesma comunidade pôr em risco a democracia em que assenta.

No mesmo sentido é o posicionamento de Luiz Flávio Gomes, ao asseverar

que “Mesmo em se tratando de macrocriminalidade, enquanto vigorar o velho

paradigma do processo conflitivo, não podemos admitir a erosão das garantias do

Direito Penal clássico, liberal.”543 De fato, na ciência penal pós-globalização cabe um

estudo e uma participação estatal racional, e não emotiva, sob pena de “passar por

cima de princípios tão fundantes como a presunção de inocência (...)”.544 É odiosa,

assim, toda e qualquer restrição aos direitos e garantias individuais,

independentemente do momento histórico em que se vive.

O discurso de relativização de garantias é impregnado de conteúdo totalitário

e antidemocrático. Não pode ser utilizado no combate à criminalidade econômica,

tampouco a qualquer outra forma de controle social. De todos os argumentos em

favor da denúncia genérica é, certamente, o mais ideológico e o menos técnico. E,

por isso, o mais nocivo.

539 SILVA LEAL, Rui da. Eu sou o arguido... amanhã. Os direitos de garantia. In: MONTE (coord.), 2009, p. 117. 540 BARRILARI, 2011, p. 441. 541 MARIZ DE OLIVEIRA, Antônio Claudio Mariz de. Reflexões sobre os crimes econômicos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 3, n. 11, jul./set. 1995, p. 92. 542 FARIA COSTA, 2006, p. 95. 543 GOMES, 2011, p. 639. 544 FARIA COSTA, José de. O fenômeno da globalização e o direito penal econômico. Revista Brasileira de Ciências criminais, São Paulo, ano 9, n. 34, abr./jun. 2001, p. 9-25.

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4.3.2 A Obediência ao Princípio da Obrigatoriedade

Uma interpretação equivocada do princípio da obrigatoriedade poderia

justificar a denúncia genérica. O entendimento errôneo – ingênuo, até – de que o

Ministério Público tem o dever institucional de oferecer denúncia sempre que

receber peças de informação ou autos de inquérito policial, pode acarretar a

aceitação de exordiais desprovidas de individualização de condutas.

É inegável que o redimensionamento da atuação do Ministério Público pode

ser considerado, do ponto de vista institucional, a maior novidade trazida pela

Constituição de 1988, eis que passou a ser independente de todos os Poderes do

Estado, com atribuição reforçada de representante da sociedade.545 Trata-se, pois,

de verdadeiro órgão de mediação entre a sociedade civil e os poderes soberanos

estatais.546

Ao Ministério Público – “pedaço vivo da Constituição”, na feliz expressão de

Paulo Bonavides547 – incumbe a difícil missão de ser, ao mesmo tempo, o titular da

ação penal pública e o defensor do regime democrático constitucional. Como

acentua Piero Calamandrei548:

Entre todos os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o Ministério Público. Este, como sustentáculo da acusação, devia ser tão parcial quanto um advogado; como guarda inflexível da lei, devia ser tão imparcial como um juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público se submete.

Não há dúvida de que a atuação repressiva do Ministério Público é o “coração

da tradição” do órgão de acusação.549 Contudo, paradoxalmente, dentre suas

545 KERCHE, Fábio. O Ministério Público e a Constituinte de 1987/88. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 7, n. 26, abr./jun. 1999, p. 233. 546 FERRARI, Eduardo Reale. O Ministério Público e a separação de poderes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 14, abr./jun. 1996, p. 147-148. 547 BONAVIDES, Paulo. Os dois Ministérios Públicos do Brasil: o da Constituição e o do Governo. In: MOURA JUNIOR, Flávio Paixão de et alii. (coord.) Ministério Público e a Ordem Social justa . Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 355. 548 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58. 549 GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. A atuação criminal do Ministério Público: entre a tradição e a efetividade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 12, n. 46, jan./fev 2004, p. 162.

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atribuições, possivelmente a menos estudada – ao menos no campo teórico – é a

função acusatória. Se é certo que inúmeras denúncias são oferecidas diariamente

pelos membros do Ministério Público, é igualmente correto que os operadores

jurídicos pouco estudam, com a necessária profundidade, a respeito.550

Quiçá por este déficit teórico, “a doutrina jurídica brasileira, de maneira

formalista e acrítica, atribui ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública

sentido absolutamente inflexível, concebendo o membro do Ministério Público como

um autômato formalizador de denúncias.”551

Não se pode “mecanizar” ou “subalternizar” a intervenção do órgão

acusatório.552 É elementar que o princípio da obrigatoriedade da ação penal impõe

ao agente do Ministério Público não apenas o dever funcional positivo – promovendo

a ação penal pública diante da existência de justa causa – mas, igualmente,

negativo, requerendo o arquivamento do inquérito ou das peças de informação

quando não existirem elementos suficientes que traduzam suspeita razoável de

autoria e materialidade.553

O princípio da obrigatoriedade jamais pode servir de respaldo a justificar

acusações genéricas. A obrigação de propor a ação penal somente surge quando há

a suspeita da prática de crime, ou seja, quando há justa causa para a persecução

penal. O Ministério Público, como primeiro juiz da causa, tem o poder de apreciar os

pressupostos técnicos do exercício da ação penal.554

Ademais, “[...] o princípio da obrigatoriedade deve conformar-se à

interpretação constitucional, que ordena que, para qualquer atividade estatal e para

qualquer restrição de direitos, deve-se observar os princípios da dignidade e da

proporcionalidade.”555

550 Conforme observa Gilberto Callado de Oliveira: “Mas a acusação também é, paradoxalmente, a menos estudada pelos juristas. É fácil notar na literatura jurídica a ausência de obras dedicadas a elaborar uma teoria acusatória sistematizada e completa. Uma e outra menção, geralmente expostas nos manuais e tratados de direito processual penal, permanecem indiferentes a um verdadeiro corpus de princípios fundamentais.” CALLADO DE OLIVEIRA, Gilberto. O conceito de acusação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 11. 551 GAZOTO, Luís Wanderley. O princípio da não-obrigatoriedade da ação penal pú blica: uma crítica ao formalismo no Ministério Público. Barueri: Manole, 2003, p. 90. 552 LYRA, Roberto. Teoria e Prática da Promotoria Pública. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 145. 553 DEMERCIAN, 2009, p. 96. 554 MARQUES, Volume 1, 1997, p. 311. 555 CASTANHO DE CARVALHO, 2009, p. 203.

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Por tais razões, o princípio da obrigatoriedade não é fundamento apto a

justificar a prática de denúncias genéricas, amplas, sem qualquer preocupação com

a delimitação da autoria e da participação dos acusados.

4.3.3 O adiamento da individualização para a fase de instrução

O – equivocado – argumento mais comumente utilizado pelos defensores das

denúncias genéricas é a possibilidade de discussão acerca da autoria criminosa

durante a instrução processual. Segundo este entendimento, em razão da já

apontada dificuldade de se individualizar as condutas de sócios de pessoas

jurídicas, não pode existir limitação da acusação, já que caberia à instrução criminal

(em juízo) a análise detalhada das circunstâncias do crime.

Este é, por exemplo, o posicionamento de Antônio Carlos Rodrigues da Silva,

ao afirmar que não se poderá exigir, para a instauração da ação penal, a descrição

da participação criminosa de cada diretor da pessoa jurídica. Segundo ele, cada um,

a qualquer tempo, poderá demonstrar sua não participação nos atos delituosos.556

Não destoa o entendimento de Fernando de Almeida Pedroso557:

No entanto, nem sempre desponta possível conhecer, desde logo, na abertura da ação penal, a atuação específica de cada co-autor ou partícipe, o que se verifica – via de regra – quando houver participação difusa ou multifária. Nesse caso, não elucidando a peça informativa a participação de cada um no crime cometido e não logrando ela, com o pedido de diligências, ostentar o devido esclarecimento, outra solução não há senão admitir o oferecimento da exordial com imputação genérica. Isso porque a ação penal não deve ficar prejudicada, no aguardo do cumprimento do lapso prescricional, pela impossibilidade de elucidação da atuação de cada partícipe. Não cabe exigir, de outra parte, proceda o representante do Ministério Público conforme lhe é impossível (ad impossibilia nemo tenetur) ou que, para uma descrição da forma pela qual despontou a co-autoria ou cumplicidade, dê asas à imaginação, em detrimento de seu prestígio e em franco divórcio – por falta de lastro informativo – com os elementos carreados na peça em que apóia sua denúncia.

556 RODRIGUES DA SILVA, Antônio Carlos. Crimes do colarinho branco: comentários à Lei n.º 7.492, de 16 de junho de 1986. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 171. 557 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal. O direito de defesa: repercussão, amplitude e limites. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 128-129.

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Conforme será demonstrado no capítulo seguinte, esta foi a orientação

majoritária dos Tribunais Superiores na década de 1990. A partir do ano 2000,

houve uma diminuição desta tendência, que, contudo, ainda pode ser encontrada

em alguns julgados recentes:

[...] modernamente, os crimes se têm tornado uma atividade de extrema sofisticação, muitas vezes exercida em condições tão especiais, que somente no curso da ação penal, com o emprego dos métodos judiciais de descoberta da realidade, é possível detectar-se toda a rede de agentes envolvidos na sua perpetração.558

Tem-se, assim, que este enfoque privilegia a atuação estatal para a

reprimenda dos crimes econômicos, deixando em segundo plano a preocupação

processual e a obediência às garantias fundamentais. Contudo, podem ser

apontados alguns equívocos nesse ponto de vista.

Este entendimento não pode prevalecer diante das possibilidades e liberdade

do Ministério Público para, requisitando elementos de prova e acompanhando o

procedimento investigatório, colher os elementos necessários para personalizar as

hipóteses de autoria, coautoria e participação. E se, a despeito disso, a apuração

resultar inócua, a consciência funcional deve propor o arquivamento como solução

de rotina forense quando a autoria é desconhecida. A providência cautelar prevista

no art. 18 do estatuto processual resguarda o interesse público quando novas

provas forem encontradas.

A prevalecer a estratégia do adiamento, estaria aberta a vala comum para

todos os crimes de autoria coletiva, sejam eles contra a pessoa, o patrimônio, a

administração pública e outros bens jurídicos. A instrução criminal não substitui e

nem complementa a omissão da denúncia que, para atender ao devido processo

legal, deve cumprir os princípios constitucionais da individualização da conduta e

personalidade da pena e as exigências do art. 41 do Código de Processo Penal. O

réu precisa saber, para se defender eficazmente, qual é o fato de que é acusado e a

modalidade de sua atuação.

Vale repetir que tal argumento ofende diretamente o princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana. Na medida em que há o afrouxamento do início da

persecução penal em juízo e se delega para a instrução a análise da autoria, olvida-

558 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 22.181/SP, da 5ª Turma. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 17.4.2008. DJ 19.5.2008.

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se a repercussão negativa que uma ação penal acarreta para alguém que é acusado

sem justa causa para tanto.

Da mesma forma, insiste-se na violação à ampla defesa e ao contraditório, já

que a delegação da individualização das condutas para a fase instrutória pode não

permitir uma produção probatória satisfatória à defesa, já que esta arrola suas

testemunhas em momento anterior à colheita judicial dos elementos de convicção.

Ainda: não é possível confundir os dois momentos processuais e suas

respectivas finalidades. A denúncia deve ser apta para dar início à persecução

penal, precisando ver preenchidos os requisitos formais (constantes do art. 41 do

Código de Processo Penal), as condições da ação (como a justa causa) e os

pressupostos processuais; a prova produzida na instrução, por sua vez, diz respeito

à análise do mérito, a qual evolui para a absolvição ou condenação. Em outras

palavras: o que se faz durante a instrução é a prova e não a imputação.559 As

denúncias que são completadas com a prova produzida na instrução são, em

essência, promessa de acusação, e não acusação propriamente dita.

Finalmente, vale frisar que a admissão de tal possibilidade importa o

reconhecimento, pelo próprio Estado, de sua ineficiência investigatória e de sua

incapacidade diante da moderna criminalidade.560 De fato, “não é possível

compensar o déficit investigatório com a quebra de garantias fundamentais. Para se

assegurar a eficácia do processo, não constitui meio válido a quebra de

garantias.”561 Assim, “Devemos sempre respeitar o interesse público de punição dos

delitos, mas na atividade persecutória não é lícito ignorar as garantias do acusado.

O equilíbrio é imprescindível.”562

Portanto:

O Judiciário não pode adotar o comodismo de relegar para o momento da sentença a apreciação dos requisitos que garantem o indivíduo. A peça acusatória, para prosperar, precisa individualizar a conduta, descrevendo-a em todas as suas circunstâncias. Não basta, merecendo recusa liminar, imputação que se restrinja a mencionar que o acusado ocupa na empresa um dos postos indicados na lei.563

559 GUZELLA, Tathiana Laiz. Crimes tributários: aspectos e crítica. Curitiba: Juruá, 2011, p. 141. 560 LUVISETI, Márcia Maria. Denúncia Genérica: a injustificada minimização das garantias fundamentais. In: CÂMARA (coord.), 2009, p. 290. 561 GOMES, 1995, p. 246. 562 Ibid., p. 247. 563 CERNICHIARO, 1990, p. 83-84.

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A transferência da individualização das condutas para a instrução é, assim,

um subterfúgio que, à toda evidência, demonstra a fragilidade do aparato

investigatório estatal e acarreta incomensuráveis prejuízos àqueles que são

denunciados sem qualquer prova relevante. Vale notar, inclusive, que, não raro, tais

pessoas, nesta fase, já estão sofrendo constrições em seu patrimônio, através da

decretação, ainda no início da ação penal, de medidas cautelares reais, tais como o

arresto e a hipoteca legal. Logo, resta claro que tal argumento não se sustenta.

4.3.4 A Possibilidade de Aditamento da Denúncia

O fundamento legal em que se baseiam os militantes favoráveis à denúncia

genérica é o art. 569 do Código de Processo Penal, segundo o qual “As omissões da

denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções

penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o

tempo, antes da sentença final.” Assim, e diante deste permissivo, nada obstaria

que, após a instrução, se proceda a um aditamento da denúncia para suprir as

falhas da inicial anteriormente proposta.

Trata-se de grave equívoco e de completo desvirtuamento da ratio do referido

dispositivo, uma vez que as omissões passíveis de serem sanadas antes da

sentença são aquelas que não dizem respeito a elementos essenciais da acusação,

tais como a análise da autoria. Com efeito, “[...] somente as omissões ou erros

materiais, que não obstem o exercício da ampla defesa, é que podem ser corrigidos

por meio do aditamento. Se o vício for insanável, a hipótese será de nulidade

absoluta, insuscetível de convalidação.”564

Não se pode admitir que o art. 569 seja uma porta aberta para a violação do

art. 41 do Código de Processo Penal. A prevalecer tal entendimento, a sociedade

viveria em constante sobressalto, com uma completa falta de segurança jurídica na

seara penal.

Assim:

564 BONFIM, 2009, p. 161.

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[...] a possibilidade de aditamento ou emenda da denúncia ou queixa, a qualquer tempo, em caso de omissão (artigo 569 do CPP), não pode significar transigência com a descrição fática dos elementos constitutivos do crime ou aqueles que sejam essenciais ao exercício da defesa [...].565

Em conclusão: a possibilidade de aditamento da denúncia a qualquer tempo

não importa em fazer tábula rasa das condições da ação e dos pressupostos

processuais, necessários para o início da persecução penal.

4.3.5 A Permissão de Denúncia “Mais ou Menos” Genérica

Sobretudo entre os anos 2000 e 2006 várias foram as decisões do Superior

Tribunal de Justiça admitindo a chamada denúncia “mais ou menos” genérica, nos

seguintes termos:

Isso porque, em se tratando de crimes societários, de difícil individualização da conduta de cada participante, admite-se a denúncia de forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do artigo 41 do Código de Processo Penal, uma vez que, nestes casos em que a autoria nem sempre se mostra escancarada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, dentro do contexto fático que dispõe o Ministério Público no limiar da ação penal.566

Neste sentido, ao tentar equilibrar a balança em que figura, de um lado, a

reprimenda aos crimes econômicos e, de outro, as garantias processuais, a

jurisprudência buscou exercer um papel pacificador, encontrando um meio termo

que, teoricamente, resolveria a questão.

Contudo, quer parecer que tal concepção afigura-se como um modelo

movediço, que não fornece a tranquilidade e a segurança jurídica necessárias nos

feitos criminais. De fato, a relativização, mínima que seja, das garantias

constitucionais, constitui terreno fértil para abusos, arbítrios, ou, no mínimo, uma

discricionariedade que não deve existir em preceitos garantidores da liberdade.

565 PRATES, 2000, p. 27. 566 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 11.831/MG, da 5ª Turma. Relator: Min. Gilson Dipp. Julgado em 27.6.2000. DJ 11.9.2000.

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É de se criticar a duvidosa expressão “mais ou menos genérica”, que conduz

à insegurança jurídica inviável em sede de defesa das garantias fundamentais. Daí

porque Adauto Suannes567 assevera:

Se a Constituição Federal assegura aos acusados o direito a uma defesa ampla, como entender que isso seja ladeado com a utilização de evidentes sofismas? De fato, ou algo é amplo ou é restrito. Uma mesa é larga ou é estreita. O contrário de mesa larga não é, até onde o bom senso permite afirmar, mesa inexistente. Logo, o contrário de defesa ampla é defesa restrita, reduzida, parca, escassa. Se a Constituição Federal exige que a defesa seja ampla, pena de nulidade, tem-se que – a menos que se revoguem os dicionários – uma defesa escassa, parca, reduzida, restrita, deverá levar à nulidade do processo.

A adoção de tal entendimento lembra – em rápida e aventureira incursão na

Filosofia – o pensamento sofista. É da essência da sofística a existência de uma

técnica de persuasão que deixa de analisar o conteúdo que está sendo discutido568.

Em outros termos: esvazia-se a essência do problema diante de um discurso de

convencimento. É, assim, o discurso pelo discurso; a palavra pela palavra. Basta

agradar o ouvinte. Caminha-se apenas no campo retórico, conduzindo a uma

sabedoria aparente (mas que não o é).569 A utilização do argumento segundo o qual

a denúncia pode ser “mais ou menos” genérica é um sofisma, na medida em que

não resolve o problema em si; simplesmente muda-se o discurso.

É certo, portanto, que a admissão da denúncia “mais ou menos” genérica é,

em verdade, uma aceitação da imputação genérica disfarçada, e não deve subsistir,

sob pena de, igualmente, cometer as violações apontadas anteriormente.

4.3.6 A Aplicação da Teoria por Domínio Organizacional

De todos os argumentos que buscam a admissão das denúncias genéricas, é

inegável que o mais sedutor é aquele que justifica tal modalidade de acusação por

conta da aplicação, para a criminalidade empresarial, da teoria da autoria em razão

do domínio de um aparato organizado de poder, formulada por Claus Roxin, na

567 SUANNES, 2004, p. 397. 568 VITA, Luís Washington. Pequena história da filosofia. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 17. 569 MARIÁS, Julián. História da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 40.

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década de 1960. Contudo, mesmo essa orientação deve ser afastada, conforme os

motivos a seguir declinados.

4.3.6.1 Autoria mediata e domínio do fato

Sem a pretensão de aprofundamento na pesquisa das teorias da autoria no

Direito Penal, é necessário, ao menos, fazer breves considerações acerca da autoria

mediata e da teoria do domínio do fato, já que necessárias para a compreensão do

tema.

A autoria mediata define a realização do tipo de injusto com a utilização de

um terceiro como instrumento, que realiza o fato típico em posição subordinada ao

controle do autor mediato.570 Neste sentido, “o papel fundamental, que é o que

permite imputar o fato a alguém como autor, deixa de ser do realizador material e

passa a ser da pessoa de trás.”571 Sua nota marcante consiste, portanto, em que o

domínio do fato pertence exclusivamente ao autor e não ao executor.572

É no campo da autoria mediata que se insere a teoria do domínio do fato, que

possui sua origem nos estudos de Hans Welzel sobre o finalismo, na década de 30.

Segundo tal teoria, autor é quem tem o poder de decisão sobre a configuração

central do fato.573 Afere-se a conduta do agente não apenas sob o aspecto objetivo,

mas igualmente sob o enfoque de sua contribuição subjetiva para a consecução do

ato criminoso: “El autor es el señor sobre el hecho, en cuanto él tiene el dominio

sobre la decisión y su ejecución.”574

Didaticamente, Figueiredo Dias575 observa:

570 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006, p. 354. 571 MIR PUIG, Santiago. Direito penal: fundamentos e teoria do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 343. 572 DOTTI, 2012, p. 445. 573 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro: volume 1. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 577. 574 WELZEL, Hans. Estudios de derecho penal. Buenos Aires: Editorial B de F, 2007, p. 83. 575 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais: a doutrina geral do crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 765-766.

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Autor é, segundo esta concepção e de forma sintética e conclusiva, quem domina o facto, quem dele é ‘senhor’, quem toma a execução nas suas próprias mãos’ de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica; nesta precisa acepção se podendo afirmar que o autor é a figura central do acontecimento. Assim se revela e concretiza a procurada síntese, que faz surgir o facto como unidade de sentido objectiva-subjectiva: ele aparece, numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objetivo.

Tal teoria encontra, hoje, ampla aceitação, como se infere das palavras de

Juarez Cirino dos Santos576:

A teoria do domínio do fato parece adequada para definir todas as formas de realização ou de contribuição para realização do fato típico, compreendidas sob as categorias de autoria e de participação: 1) autoria (a) direta, como realização pessoal do fato típico, (b) mediata, como utilização de outrem para realizar o fato típico e (c) coletiva, como decisão comum e realização comum do fato típico; 2) participação como contribuição acessória dolosa em fato principal doloso de outrem, sob as formas (a) de instigação, como determinação dolosa a fato principal doloso de outrem e (b) de cumplicidade, como ajuda dolosa a fato principal doloso de outrem.

A autoria por domínio do fato é o nascedouro da doutrina do domínio de

vontade em virtude dos aparatos organizados de poder, desenvolvida por Roxin, a

qual é utilizada, por alguns, para justificar acusações genéricas, ao argumento de

que o controle dos aparatos de poder é indício suficiente para a imputação da

autoria do fato delituoso aos dirigentes da empresa.

4.3.6.2 O domínio da vontade em virtude dos aparatos organizados de poder

Em seus estudos, Roxin distinguiu três formas de domínio do fato: por ação,

por vontade e por domínio funcional. O domínio por vontade, por sua vez, pode

ocorrer por coação, por erro, ou em virtude de aparatos organizados de poder

(domínio por organização).577

576 CIRINO DOS SANTOS, 2006, p. 352. 577 AMBOS, Kai. Dominio del hecho por domínio de voluntad en virtud e de aparatos organizados de poder. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 14.

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Quando vislumbrou esta última situação578, o jurista alemão tinha em mente

os abomináveis crimes cometidos no Holocausto, com a rede de campos de

concentração e extermínio construídos pelos nazistas.579 Segundo seu raciocínio,

era impensável e extremamente injusto punir os executores do genocídio e

preservar aqueles que efetivamente tinham o domínio do fato, em razão da estrutura

organizacional do Estado alemão da época.

A teoria criada – exclusiva para crimes dolosos – não se trata do tradicional

domínio de vontade da autoria mediata. Aqui, o instrumento de que se vale o

“homem de trás” é o próprio sistema, que está integrado por homens fungíveis em

função do fim proposto. O domínio não é, portanto, sobre uma vontade concreta,

mas, sim, sobre uma vontade indeterminada: qualquer que seja o executor, o fato

será produzido da mesma forma.580

Kai Ambos581 observa:

Partiendo del hecho de que los ejecutores son intercambiables (fungibilidad), no siendo siquiera necesario que el hombre de atrás los conozca, éste puede confiar en que se cumplirán sus instrucciones, pues aunque uno de los ejecutores no cumpla con su cometido,inmediatamente otro ocupará su lugar, de modo que éste mediante su negativa a cumplir la orden no puede impedir el hecho, sino tan sólo sustraer su contribución al mismo. Por conseguiente, los ejecutores tan sólo son ‘ruedas’ intercambiables ‘en el engrenaje del aparato de poder’, de modo que la figura central en el sucesso – apesar de la perdida de cercania con el hecho – es el hombre de atrás en virtude de su ‘medida de dominio de organización’.

Pode-se afirmar, assim, que três são os elementos da teoria formulada por

Roxin: a) que a organização tenha fins delitivos ou que a aparelhagem estatal seja

utilizada com finalidade ilícita; b) uma relação de mando vertical e; c) a fungibilidade

dos executores.582

578 A teoria do domínio da vontade em virtude dos aparatos organizados de poder foi apresentada por Roxin, em 1963, em conferência na cidade alemã de Hamburgo e foi exposta na obra Täterschaft und Tatherrschaft, que o habilitou como professor da Universidade de Göttingen. 579 MUÑOZ CONDE, Francisco; OLASOLO, Hector. La aplicación del concepto de autoría mediata a través de aparatos organizados de poder en América Latina y España. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 19, n. 88, jan./fev. 2011, p. 93. 580 AMBOS, 1998, p. 42. 581 Ibid., p. 15. 582 BERRUEZO, Rafael. Responsabilidad penal en la estructura de la empres a. Buenos Aires: Editorial B de F, 2007, p. 106.

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Em relação a este último elemento, vale a observação de Anne Carolina Stipp

Amador583, uma das poucas vozes nacionais a se debruçar sobre o tema:

Nestes casos há que se ter em conta que o delito deve ser tomado no plano global, partindo-se do princípio de que o ‘homem por detrás’ tem à sua disposição um aparelho organizado de poder, que funciona independentemente da pessoa do executor. É a denominada fungibilidade do instrumento, ou seja, o executor é figura anônima e facilmente substituível no seio da organização.

As lições de Roxin abordam a possibilidade de utilização de sua teoria em

delitos cometidos através de aparatos de poder de organização estatal e não estatal.

No que se refere ao primeiro, o seu protótipo são os Estados totalitários.

Nestes, muito embora a organização estatal tenha aparência lícita, o seu aparato é

utilizado com fins ilícitos. A aplicabilidade de sua doutrina foi demonstrada nas

sentenças exaradas no famoso Caso Eichmann, quando se concluiu que o “homem

de trás”, que conduzia ao genocídio, tinha maior responsabilidade que os autores

diretos dos crimes, já que estes eram meros executores fungíveis.584 Com efeito,

naquele julgamento decidiu-se que “o grau de responsabilidade aumenta quanto

mais longe nos colocamos do homem que maneja o instrumento fatal com suas

próprias mãos.”585

Quanto aos crimes cometidos através de aparatos de poder não estatais, fala-

se, sobretudo, na criminalidade organizada586, em estruturas como a máfia e

organizações terroristas. No Brasil, é possível mencionar organizações criminosas,

tais como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. A

importância da doutrina de Roxin para essas situações resta bem esclarecida por

Arthur Pinto Lemos Júnior587:

583 AMADOR, Anne Carolina Stipp. Autoria mediata através do domínio de um aparelho organizado de poder. Disponível em www.ibccrim.org.br. Acesso em 18 out. 2011. 584 AMBOS, 1998, p. 34. 585 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém . São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 268. 586 No Brasil, inexiste lei ordinária conceituando organização criminosa. A Lei 9.034, de 3.5.1995, dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, mas não as conceitua. Utiliza-se, assim, a definição utilizada pela Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), celebrada em 15.11.2000 e que encontra aplicabilidade na legislação brasileira através do Decreto 5.015, de 12.3.2004, segundo a qual organização criminosa é o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material” (art. 2º). 587 LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto. A responsabilidade criminal do “homem de trás” das organizações criminosas. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público . v. 1, 2004, p. 52.

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Esta teoria, sem dúvida, é a que melhor responde ao problema a responsabilidade jurídico-penal do chefe da organização criminosa estrita e, ao mesmo tempo, ajusta-se à lei penal de diversos países (Brasil, Portugal, Alemanha e Espanha). Considerá-lo como autor – na forma da autoria mediata – é dar a importância devida ao seu domínio do fato e reconhecê-lo como o cérebro, ou como o detentor do maior contributo responsável pelo evento criminoso.

Em síntese, fala-se que, nos âmbitos da organização estatal, militar ou de

criminalidade organizada, deve ser feita a avaliação do efetivo domínio do fato pelo

executor, isto é, o inferior hierárquico. Se é ele mero sujeito fungível, é necessária a

imputação daquele que efetivamente domina o aparato de poder.588

Zaffaroni589, ao tratar do tema, denomina a autoria por domínio organizacional

de “autoria de escritório”. Segundo ele, o autor mediato pressupõe uma “máquina de

poder”, que pode ser tanto um Estado sem qualquer apreço pela legalidade, quanto

organizações paraestatais ou mafiosas.

A doutrina de Roxin vem ganhando adeptos nos últimos anos. Em recente

artigo, Francisco Muñoz Conde e Hector Olasolo590 afirmaram:

Apesar de la inicial renuencia de la jurisprudencia nacional y internacional a recurrir al concepto de autoría mediata por aparatos organizados de poder, en um amplio alcance, la situación ha cambiado a través del tiempo. Este es el resultado de la creciente percepción de que la aplicación a este tipo de casos de las figuras jurídicas de responsabilidad accesoria de la participación, como la instigación o inducción y la cooperación o complicidad necesaria, aunque ciertamente no tenga ninguna repercusión en la pena finalmente aplicable, relega a los superiores a un secundario que no se corresponde realmente con su relevancia real.

Não obstante sua inegável importância para a definição de autoria em crimes

cometidos através dos aparatos de poder estatal e de organizações criminosas, a

teoria ora analisada não pode ser utilizada para a imputação de responsabilidades

na criminalidade empresarial comum, restando impossível, em consequência, a

denúncia genérica em casos tais.

588 YACOBUCCI, Guillermo Jorge. Criterios de imputación penal en la empresa. In: BITENCOURT, 2008, p. 75. 589 ZAFFARONI, 2011, p. 587. 590 CONDE; OLASOLO, 2011, p. 93.

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4.3.6.3 A inaplicabilidade da autoria por domínio organizacional nos crimes

empresariais

Diante da mencionada dificuldade de se determinar a autoria e a participação

nos delitos cometidos no âmbito das empresas, é sedutora a ideia de transposição

da teoria da autoria em razão do domínio de um aparelho organizado de poder para

a criminalidade empresarial. Com tal proceder, poder-se-ia cogitar, assim, de

denúncias genéricas, bastando a demonstração da condição hierárquica do acusado

na estrutura orgânica da pessoa jurídica.

No Brasil, Paulo Afonso Brum Vaz parece encampar tal ideia. Segundo ele,

em casos tais, “A teoria da responsabilidade própria, diante da falta de autonomia do

‘homem da frente’, enquanto mero executor da conduta criminosa, precisa ser

repensada.”591 Sugerindo a aplicação da teoria de Roxin para a criminalidade

empresarial, assevera592:

Por certo que alguns institutos tradicionais do Direito Penal precisam de uma releitura. Poder-se-ia cogitar, na hipótese, por exemplo, de um crime financeiro executado em sua materialidade por um empregado de instituição financeira no cumprimento das ordens de um de seus diretores, na hipótese de incidência dos institutos da autoria e da participação, quando em verdade, o que se tem é a figura da autoria mediata: um autor imediato, executando o delito, e um autor mediato, no caso, o dono do negócio, comandando, com o domínio da vontade, a atuação do executor.

E complementa593:

O que se sustenta, por derradeiro, é que, com as devidas adaptações, possa o nosso direito penal adotar o modelo da teoria do domínio da organização como critério mais racional para enfrentar-se a árdua tarefa de definição segura da autoria dos fatos criminosos quando praticados no seio dos aparatos empresariais econômicos, dada a insuficiência do instituto da coautoria, sobretudo porque o afastamento e o desconhecimento a respeito do iter concreto do fato por parte do homem de trás excluem realização conjunta com base na divisão de tarefas.

591 BRUM VAZ, Paulo Afonso. Direito penal econômico e Crimes contra o Sistema F inanceiro Nacional. São Paulo: Conceito Editorial, 2012, p. 53. 592 BRUM VAZ, loc. cit. 593 Ibid., p. 56.

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Contudo, analisando os alicerces da própria doutrina, verifica-se a

impossibilidade de utilização de tal critério de autoria nos delitos empresariais.

Repisem-se os elementos da teoria de Roxin: a) a organização deve ter fins

delitivos; b) deve possuir uma relação de mando vertical e; c) os executores são

fungíveis.

Em primeiro lugar, é certo que as empresas, em essência, não são

constituídas para o cometimento de crimes. Em sua esmagadora maioria, buscam

auferir lucros legalmente, e eventuais incidências penais de seus sócios são

casuísticas ou acidentais. Assim, desde logo, verifica-se não ser possível a

aplicação da teoria em tela às empresas; salvo, por óbvio, àquelas constituídas com

o único fim de cometimento de crimes. De fato, “os aparatos de poder devem

consistir em organizações criminosas, de forma que não se pode incluir aí as

empresas, pois estas não são criminosas por si mesmas, uma vez que perseguem a

obtenção legal de benefícios financeiros e as infrações são acidentais, a não ser que

estas sejam constituídas visando fins ilícitos.”594

Conforme Kai Ambos595:

De acuerdo con el estado de la cuestión, llevaría demasiado lejos el subsumir empresas bajo este grupo de casos. Ello deriva ya en el plano puramente conceptual de que ha de tratarse de ‘aparatos de poder’, es decir, de organizaciones criminales (incluyendo las organizaciones terroristas) destinadas a mantener o incrementar niveles de poder con uma estructura de organización y de mando correspondientemente estricta. Y como tales dificilmente – aun adoptando una posición crítica respecto de muchas estrategias de mercado agresivas – podrán calificarse las grandes empresas. Las empresas no son criminales per se, sino que lo que persiguen ante todo es la obtención legal de beneficios financieros. Puede suceder que la comisión de delitos se convierta en un fenómeno acompanhante de cierta estrategia de mercado, pero por regla general no conforme una parte fija de la politica de la empresa, es decir, que las infracciones son accidentales. Si la situación es diversa, es decir, si las ‘actitudes criminales’ son mayoritarias, se tratara de organizaciones criminales, con lo que estaremos en el ámbito del ‘crimen organizado de modo similar a la mafia’, y, por lo tanto, en el del grupo de casos aqui analizado.

No mesmo sentido, manifestando-se contrariamente à adoção da teoria de

Roxin para os crimes empresariais, Rafael Berruezo afirma que: “las empresas no

594 ALFLEN DA SILVA, Pablo Rodrigo. O domínio por organização na dogmática penal brasileira do concurso de pessoas. Revista do Curso de Direito da Ulbra São Jerônimo , v. 03, 2006, p. 13-14. 595 AMBOS, 1998, p. 44-45.

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son criminales per se, sino que lo que persiguen ante todo es la obtención legal de

beneficios financieros.”596

Mas há ainda outro elemento consistente, igualmente capaz de afastar a

incidência da autoria por domínio organizacional nos delitos cometidos no âmbito da

atividade empresarial: a hierarquia, nas empresas, nem sempre é vertical. Inexiste,

assim, uma ascendência linear entre os cargos, como ocorre com a organização

estatal, por exemplo, ou mesmo na estrutura das organizações criminosas ou na

máfia.

É sabido que o poder de direção de uma empresa está assentado em quatro

pilares: estrutura hierárquica, distribuição do trabalho, formação de um sistema de

conduta e poder de determinação sobre os meios de produção.597 Quanto maior e

mais complexa a empresa, mais gerais e menos decisivos são os poderes dos

diretores. A complexidade de interação dentro da empresa dificulta sua condução

individual.598 Pulverizam-se, pois, as decisões.

Por outro lado, igualmente o requisito da fungibilidade dos executores fica

fragilizado. Diferentemente do que ocorre com as estruturas estatais, por exemplo,

em que aquele que simplesmente executa o crime faz parte de uma massa de

manobra dos superiores hierárquicos, nos sistemas empresariais os funcionários,

em regra, são pessoas instruídas e esclarecidas, muitas das quais com

conhecimento específico de suas áreas de atuação.

Novamente, são oportunas as palavras de Kai Ambos599, ao se referir tanto à

descentralização das empresas como à inexistência de fungibilidade em

determinadas estruturas empresariais:

En las empresas con distribución funcional y descentralizados, faltaran ya los necesarios ‘procesos reglados’. Pero también en empresas organizadas de modo jerárquico y linear, en las que bajo determinadas circunstancias probablemente puedan desencadenarse ‘procesos reglados’ por instrucciones desde ‘arriba’, no podrá hablarse de que los ejecutores sean mecanicamente intercambiables en el sentido del criterio de fungibilidad.

596 BERRUEZO, 2007, p. 107. 597 GODINHO, Inês Fernandes. A actuação em nome de outrem em direito penal económico: entre a narrativa e a dogmática ou o outro lado do espelho. In: FARIA COSTA (coord.), 2005, p. 206. 598 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Cuestiones actuales de derecho penal económico. Buenos Aires: Editorial B de F, 2009, p. 15. 599 AMBOS, 1998, p. 44-46.

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Carlos Gómez-Jara Díez600 demonstra a impossibilidade de aplicação da

teoria de Roxin nas estruturas empresariais, eis que estas são complexas e

apresentam-se como um emaranhado sistema autopoiético. Segundo ele, nas

empresas somente é possível considerar que o homem de trás possui domínio sobre

um âmbito determinado, e não sobre a totalidade da organização.

Bernardo Feijoo Sánchez é, talvez, o mais fervoroso crítico daqueles que

buscam inserir a estrutura empresarial no rol daquelas máquinas de poder que

admitem a utilização da teoria de Roxin.

Em contundente passagem, assevera601:

Dicho de otra forma, las violaciones masivas y sistemáticas de derechos humanos en regímenes como el nacionalsocialismo en Alemania o las dictaduras militares de Chile o Argentina tienen poco que ver con la comercialización de un produto defectuoso por parte de una multinacional como Nestlé.

Soa perfeita, pois, a conclusão de Raúl Cervini e Gabriel Adriasola602, quando

afirmam:

[...] otros recursos dogmáticos de imputación contemporánea, como la autoria por dominio de un aparato organizado de poder u otras alternativas, e incluso intentos de solución dogmáticos más recientes, sólo resultarán aplicables a aquellas empresas essencialmente criminales u operativamente controladas por una organización criminal cuya finalidad trasciende el interés de la empresa dede el primer momento, canalizando los beneficios ilícitos en su exclusivo provecho. Fuera de estas situaciones son, a nuestro juicio, de aplicación los critérios de imputación tradicionales del Derecho penal, ya que como hemos expresado el Derecho penal, aun en estas circunstancias de especial sofisticación, no puede sacrificar sus paradigmas sustantivos y adjetivos clásicos por meras dificultades probatorias.

Denota-se, pois, que a teoria de Roxin não pode ser utilizada para a

criminalidade empresarial comum, clássica. O que se pode vislumbrar é a sua

utilização quando a própria empresa é para a prática de crimes, isto é, quando seja

constituída para tal fim e faça parte de uma efetiva criminalidade organizada.

Somente nestas situações, pois, aplicar-se-ia a doutrina da autoria do domínio por

organização. E, como é curial, a impossibilidade de utilização da apontada doutrina

600 GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. Responsabilidad penal de los directivos de empresa en virtud de su dominio de la organización? Algunas consideraciones críticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 15, n. 68, set./out. 2007, p. 177-178. 601 FEIJOO SÁNCHEZ, 2009, p. 11. 602 CERVINI; ADRIASOLA, 2005, p. 330.

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nos crimes econômicos comuns implica, naturalmente, a proibição de denúncias

genéricas em tais casos. 603

Vê-se, portanto, que nenhum dos argumentos utilizados para justificar

denúncias genéricas em crimes econômicos se sustenta. Assim, seja por conta das

violações constitucionais e legais elencadas, seja por conta da insubsistência das

justificativas apresentadas pelos seus defensores, é flagrante a impossibilidade de

utilização de denúncias genéricas no Brasil.

4.4 AS ALTERNATIVAS PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA

A denúncia genérica não é a solução para a persecução penal dos crimes

econômicos cometidos no seio das sociedades empresariais. A dificuldade de

identificação da autoria nesses casos não pode ser solucionada com a supressão de

direitos e garantias individuais, tampouco com a postergação do problema para a

instrução em juízo.

É certo que não existem fórmulas (mágicas) para a resolução da questão.

Deve-se buscar no próprio ordenamento jurídico e no aparato estatal de repressão a

melhor alternativa. E não há dúvidas de que a solução passa pela investigação. É

somente com a efetiva utilização da estrutura investigativa e com o incremento dos

meios de prova na fase pré-processual que será possível, se não eliminar, ao menos

minorar o problema da identificação da autoria nos crimes empresariais.

4.4.1 A Necessária Instauração de Inquérito Após Procedimentos Administrativos

Muitas denúncias genéricas são formuladas com base exclusiva em

procedimentos administrativos de órgãos não policiais. Assim é que, não raro,

acusações por delitos tributários são realizadas apenas com base em autos de 603 Não se afirma, com isso, que são possíveis denúncias genéricas em casos de efetiva aplicação da mencionada teoria na criminalidade organizada e nas empresas constituídas para fins criminosos. Quer-se, simplesmente, afirmar que, diante da não aplicação da referida doutrina nos crimes empresariais comuns, resta despicienda tal discussão.

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infração lavrados pela Receita Federal; imputações de lavagem de dinheiro são

baseadas apenas em procedimento do COAF (Conselho de Controle de Atividades

Financeiras) e denúncias por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são

lastreadas única e exclusivamente em procedimento do Banco Central do Brasil.

Ocorre que tais procedimentos, como é cediço, discutem eventual aplicação

de penalidades administrativas, de natureza extrapenal. Assim, contentam-se com a

análise pura e simples da responsabilidade objetiva, da pessoa jurídica e de seus

sócios, desprezando a verificação da autoria e/ou participação, bem como do

elemento subjetivo necessário para a responsabilização criminal:

Relativamente aos crimes societários, ganha relevo o teor dos procedimentos administrativos desenvolvidos no âmbito dos órgãos públicos. Há que se ter cautela, todavia, em toma-los como fonte única dos indícios do crime. É que eles se contentam com a apuração da responsabilidade da pessoa jurídica, detendo-se, por vezes, muito superficialmente na análise da autoria do crime por parte das pessoas naturais que em seu nome atuam.604

Vale observar que tais procedimentos prévios são, na maior parte das vezes,

também insuficientes nas ações de responsabilidade civil promovidas pela pessoa

jurídica, após assembleia geral, em face de seus administradores (Lei 6.404/76, art.

159), onde, igualmente, não se admite a responsabilização objetiva. Com efeito,

somente é possível o ajuizamento de ações judiciais quando o administrador

procede com culpa ou dolo e violando a lei ou o estatuto social (art. 158, incisos I e

II). Há, ainda, a observação legal segundo a qual “O administrador não é

responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for

conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar

de agir para impedir a sua prática [...]” (§1º).

Portanto, devem ser instaurados inquéritos em casos de crimes empresariais.

Não há contraindicação para tanto. Por certo que “[...] pela amplitude possível dada

à investigação, não se justifica o recebimento de denúncias genéricas que acabem

por direcionar todo o ônus probatório para a defesa.”605 É de se observar, inclusive,

que dentre os deveres funcionais do Ministério Público dos Estados (Lei 8.625/93,

art. 26, IV) e do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/93, art. 7º, II) está

604 PRATES, 2000, p. 29. 605 GUZELLA, 2011, p. 143.

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a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,

sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais.

Vale a referência a Luciano Feldens e Andrei Zenkner Schmidt606:

Cremos que a solução mais adequada consiste em ponderar as circunstâncias do caso concreto: sempre que haja a possibilidade, mediante a realização de alguma diligência, do esclarecimento a respeito da possível participação de cada réu, a denúncia deve respeitar tal formalidade, como forma de dinamização do princípio da ampla defesa. Tal hipótese é muito comum em crimes fiscais, em que a representação fiscal para fins penais oriunda da Receita Federal/Estadual/Municipal normalmente preocupa-se, apenas, em identificar formalmente a responsabilidade civil (fiscal/tributária) dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Sucede o mesmo, mutatis mutandis, com as representações oriundas do Banco Central do Brasil, nos crimes financeiros. Consequentemente, pode-se tornar conveniente – ou até mesmo necessário, dependendo das circunstâncias – a realização de alguma diligência preliminar tendente à verificação acerca da efetiva autoria delitiva, quando dos elementos fornecidos pelo órgão noticiante não se possa percebê-la com a segurança necessária à propositura da ação penal.

Trata-se de providência extremamente simples que, muitas vezes, não é

adotada. É possível afirmar, bastando analisar a prática forense, que um sem-

número de denúncias reconhecidas como ineptas pelo Poder Judiciário em razão da

ausência de individualização de condutas não o seriam se precedidas de

investigação policial, a fim de identificar a autoria do fato criminoso.

4.4.2 O Incremento dos Meios de Prova na Fase Pré-processual

Por outro lado, se é certo que a criminalidade econômica é complexa,

também deve ser a estrutura investigatória.607 É inegável que “El proceso penal

‘convencional’ no es eficaz para la persecución de los delitos ‘no convencionales.’”608

Os meios tradicionais de investigação são, em sua maioria, insuficientes para a nova

criminalidade.

Assim, devem ser utilizados – desde que dentro da mais estrita legalidade –

meios de prova modernos e capazes de buscar a autoria nos crimes cometidos no

interior de pessoas jurídicas. Provas tais, como interceptações telefônicas, quebra 606 FELDENS; SCHMIDT, 2007, p. 114-115. 607 SANTIAGO, 2008, p. 2232. 608 PASTOR, 2004, p. 16.

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de sigilo bancário e fiscal e mesmo perícias técnicas elaboradas por experts na área

econômica, podem ser instrumentos eficazes para esse intento.609 Trata-se de

alternativa eficiente e capaz de evitar as denúncias genéricas e as ofensas aos

dispositivos constitucionais e legais já apontados.

Assim:

[...] basta que melhor se aparelhem, material e intelectualmente, os organismos policiais, os órgãos do Ministério Público e a própria magistratura, em face de uma criminalidade mais sofisticada, mais organizada e mais complexa. Não é a arbitrariedade ou a quebra das garantias constitucionais que resolvem o problema da má-formação e da pouca familiaridade de tais instituições – Polícia, Ministério Público e Magistratura -, com os meandros do funcionamento da vida empresarial, do mercado de capitais, da contabilidade oficial e “paralela”, da informática e de seus ‘truques’. É preciso, antes de tudo, conhecer para poder agir. É lembrar-se, a propósito, a lição de Beccaria: ‘Quereis prevenir os crimes? Marche a liberdade acompanhada das luzes.’610

Através de uma interceptação telefônica pode-se, por exemplo, captar

conversa entre diretores e destes com terceiros que têm participação com o evento

criminoso; por meio da quebra do sigilo bancário, é possível que se observe

movimentação financeira suspeita na conta de determinado sócio, e assim por

diante. Da mesma forma, e levando-se em consideração que os crimes econômicos

tendem à transnacionalidade (como se infere, por exemplo, dos crimes de evasão de

divisas e lavagem de dinheiro), é necessário um incremento das alternativas de

cooperação internacional.611

Reitera-se, apenas, que a utilização dos meios de prova apontados deve ser

feita com a maior cautela possível, bem como dentro dos mais estreitos limites

legais.

Nas palavras de Carla Moura Masiero612:

Contudo, apesar de a necessidade por esses novos meios advir em face do papel constitucional do Estado em prevenir e controlar a expansão de uma criminalidade que atinge bens jurídicos coletivos relevantes para a sociedade, eles não podem ser usados indistinta e arbitrariamente. Devem

609 Vale a referência, neste ponto, à obra de Jairo Amodio Estorilio, que trata especificamente sobre o assunto em questão, destacando as interceptações telefônica e ambiental e a quebra dos sigilos fiscal e bancário como exemplos do incremento dos meios de prova nos crimes econômicos. ESTORILIO, 2007, p. 126-154. 610 PRATES, 2000, p. 88-89. 611 BRUM VAZ, 2012, p. 83. 612 MASIERO, 2010, p. 53.

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as novas técnicas de investigação ser usadas excepcionalmente, como medidas extraordinárias que são, uma vez que, regra geral, penetram na esfera reservada do homem, assim como de terceiros.

A utilização correta dos novos meios e métodos de provas para a

criminalidade econômica é um bom caminho para se buscar a autoria de um fato

criminoso cometido no seio de uma pessoa jurídica e, assim, evitar a denúncia

generalizadora.

4.4.3 A Utilização dos Meios Tradicionais de Prova

Deve-se destacar, por fim, que a utilização de novas formas de investigação

não substitui o uso dos já consagrados meios de prova, tais como a inquirição de

testemunhas, a acareação e o interrogatório. Tais diligências podem ser suficientes

para a definição da autoria nos crimes societários.

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5 A DENÚNCIA GENÉRICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNA IS

Diante da relevância do tema, e da inegável controvérsia a seu respeito, a

jurisprudência pátria apresenta-se extremamente oscilante. Para melhor

compreender as tendências dos Tribunais Superiores e a atual realidade da

discussão, foi necessária uma pesquisa ampla, com a análise de decisões proferidas

pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça nos últimos anos.

5.1 CRITÉRIOS DA PESQUISA

A pesquisa ora apresentada decorre da análise do inteiro teor de 204

(duzentos e quatro) precedentes, dos quais 165 (cento e sessenta e cinco) são do

Superior Tribunal de Justiça e 39 (trinta e nove) do Supremo Tribunal Federal. A

disparidade do número de decisões entre os Tribunais Superiores decorre,

obviamente, da maior incidência e discussão do tema no Superior Tribunal de

Justiça.

Todos os julgados analisados são posteriores a 1988. Não obstante a

existência de julgamentos anteriores a esse período, optou-se pela análise

jurisprudencial da denúncia genérica à luz da Constituição da República.

A busca foi feita no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal

(www.stf.jus.br) e do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br), utilizando-se

como verbetes de pesquisa as expressões “denúncia genérica”, “crimes

econômicos” e “crimes societários”. Foram desconsiderados os julgados que

tratavam das acusações genéricas em crimes convencionais.

5.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto à denúncia genérica

alterou-se consideravelmente nos últimos 20 (vinte) anos. Das decisões da década

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de 1990 que aceitavam, escancaradamente, a denúncia genérica, passou-se, no

início do novo século, a aceitá-la com a camuflagem de denúncia “mais ou menos”

genérica. E, a partir de meados dos anos 2000, a maioria das decisões exige a

descrição da conduta de cada denunciado, ainda que de forma não pormenorizada.

Por óbvio, tal evolução não é linear.613 Já na década de 1990 há relevantes

decisões inadmitindo as denúncias genéricas e, ainda hoje, há muitos julgados que

a admitem. Contudo, da análise geral dos precedentes, é possível traçar esse

caminho, sem a pretensão de torna-lo definitivo.

Assim, pode-se falar que a jurisprudência do final do último século foi

marcadamente favorável à denúncia genérica.614 Nessas decisões, aceitava-se a

busca da individualização das condutas na fase de instrução, sobretudo ao

argumento da possibilidade de aditamento da denúncia até a sentença.

Confira-se:

Nos crimes societários é possível o acolhimento da denúncia, mesmo sem a definição da conduta de cada um dos participantes do delito. A instrução

613 Vale observar que, ao longo do período apontado, houve inclusive mudanças de orientação de alguns dos Ministros, que se posicionavam pela admissibilidade de denúncia genérica e, nos últimos anos, passaram a entender pelo seu descabimento. 614 Conforme, dentre outros, o RHC 1.961-3/RJ (Relator: Min. Adhemar Maciel – 6ª Turma – j. 30.11.1992 – DJ 17.12.1992); RHC 2.862/SC (Relator: Min. Pedro Acioli – 6ª Turma – j. 7.12.1993 – DJ 7.3.1994); RHC 4.117-0/SP (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 30.11.1994 – DJ 6.2.1995); RHC 3.129/SC (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 22.2.1994 – DJ 20.6.1994); Ag. Reg. no HC 3.267-5/RJ (Relator: Min: Adhemar Maciel – 6ª Turma – j. 14.3.1995 – DJ 19.6.1995); RHC 4.251/SP (Relator: Min. Jesus Costa Lima – 5ª Turma – j. 15.2.1995 – DJ 6.3.1995); RHC 4.306/SP (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 18.6.1996 – DJ 22.4.1997); RHC 5.701/RS (Relator: Min. Fernando Gonçalves – 6ª Turma – j. 10.12.1996 – DJ 3.3.1997); HC 4.721/RJ (Relator: Min. William Patterson – 6ª Turma – j. 18.11.1996 – DJ 28.4.1997); RHC 6.696/BA (Relator: Min. José Arnaldo – 5ª Turma - j.16.12.1997 – DJ 16.3.1998); RHC 6.889/SP (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 17.11.1997 – DJ 19.12.1997); HC 6.077/AM (Relator: Min. Fernando Gonçalves – 6ª Turma – j. 6.10.1997 – DJ 20.10.1997); RHC 6.021/SP (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 2.6.1997 – DJ 30.6.1997); RHC 5.836/SP (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 26.5.1997 – DJ 12.8.1997); RHC 7.256/SC (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma - j.16.4.1998 – DJ 18.5.1998); RHC 6.619/SP (Relator: Min. Cid Flaquer Scartezzini – 5ª Turma – j. 5.2.1998 – DJ 15.6.1998); RHC 6.265/SP (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 14.4.1998 – DJ 18.5.1998); RESP 136.452/RJ (Relator: Min. Anselmo Santiago – 6ª Turma – j. 30.6.1998 – DJ 14.9.1998); RHC 6.377/SP (Relator: Min. Cid Flaquer Scartezzini – 5ª Turma – j. 19.3.1998 – DJ 15.6.1998); RHC 7.378/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 28.4.1998 – DJ 29.6.1998); HC 10.873/SP (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 2.12.1999 – DJ 21.2.2000); RHC 9.010/MG (Relator: Min. Félix Fischer – 5ª Turma – j. 26.10.1999 – DJ 22.11.1999); RESP 179.017/SP (Relator: Min. Félix Fischer – 5ª Turma – j. 20.6.2000 – DJ 14.8.2000); RHC 10.163/PA (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 7.12.2000 – DJ 5.3.2001); RHC 9.453/GO (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 5.10.2000 – DJ 13.11.2000); HC 12.236/GO (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 24.10.2000 – DJ 12.3.2001); RHC 10.497/SP (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 14.11.2000 – DJ 11.12.2000); HC 13.170/RJ (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 13.11.2000 – DJ 11.12.2000) e HC 10.988/AC (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 21.3.2000 – DJ 15.5.2000).

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processual suprirá essa suposta falha. [...] Se o inquérito não foi capaz de detalhar a participação dos réus, não é de recusar-se a inicial que não conseguiu ainda elementos para tal mister. Ora, se a denúncia pode ser, em qualquer tempo, aditada, tudo leva a crer que, oportunamente, a suposta falha pode ser suprida.615

A presunção de culpabilidade dos gestores das pessoas jurídicas era a regra.

A premissa era: “Nos crimes societários a responsabilidade é, em princípio, dos

diretores da empresa, definida a participação de cada um no curso da ação.”616

Assim é que, em manifesta inversão ao ônus da prova, decidia-se:

[...] no crime societário ou coletivo, não havendo elementos probatórios que permitam descriminar a participação de cada sócio no delito, a denúncia pode descrever a infração genericamente, sem pormenorizar o envolvimento de cada réu, que exercitará sua defesa no curso do processo.617

A justificativa para tal permissividade era, por óbvio, a dificuldade de

identificação da autoria em crimes cometidos no seio da estrutura empresarial. A

denúncia, embora omissa, seria a única alternativa viável para a persecução penal

nesses casos:

Exigir-se mais seria algo alheio à realidade, tornando a repressão criminal, no campo deste tipo de delito, mero academicismo. São crimes cometidos às ocultas, em escritórios, etc. A pormenorização seria uma exigência impossível ou quase impossível de ser alcançada.618

Contudo, o que se percebe da infinidade de decisões admitindo a denúncia

genérica nos crimes econômicos é a ausência de discussão aprofundada sobre o

assunto. É uma jurisprudência autopoiética, que se retroalimenta. Assim, o

fundamento de um precedente são os demais. São decisões que, em suma,

mencionam a existência de outras no mesmo sentido como justificativa em prol das

denúncias incompletas.

615 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 906/MG, da 6ª Turma. Relator: Min. José Cândido. Julgado em 18.12.1990. DJ 18.2.1991. 616 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 3.279-0/SC, da 6ª Turma. Relator: Min. José Cândido. Julgado em 8.3.1994. DJ 6.6.1994. 617 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 4.828/SP, da 5ª Turma. Relator: Min. Flaquer Scartezzini – Julgado em 6.9.1995. DJ 9.10.1995. 618 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 7.725/MA, da 5ª Turma. Relator: Min. Félix Fischer – Julgado em 5.11.1998. DJ 14.12.1998.

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Destoando do coro favorável às acusações genéricas, a primeira voz

marcante foi a do saudoso Ministro Francisco de Assis Toledo. Em julgamento

ocorrido em 1995, asseverou:

Ser ‘acionista’ ou ‘membro do conselho consultivo’ da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia. A denúncia, pelas consequências graves que acarreta, não pode ser produto de ficção literária. Não pode, portanto, deixar de descrever o porquê da inclusão de cada acusado como autor, co-autor ou partícipe do crime.619

Trilhando o mesmo caminho, o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro passou a

demonstrar a necessidade de individualização das condutas, conforme a ementa a

seguir:

A denúncia deve satisfazer duas condições: formal – descrição do fato com todas as suas circunstâncias; material – evidência fática, no âmbito do juízo de probabilidade, de a imputação puder ser reconhecida, no juízo de mérito. Tais exigências não fazem distinção quanto à natureza da infração penal. Envolve, portanto, os crimes societários, de pluralidade subjetiva e de co-autoria. Exigência constitucional para efetivar os princípios do contraditório e da defesa plena. Para ser incluído na denúncia, não basta ser sócio de pessoa jurídica, ou, nela, exercer atividade de administração. Fundamental é evidenciar (juízo de probabilidade) haver praticado a conduta (comissiva ou omissiva), penalmente relevante.620

Em seu voto, esse notável Magistrado declara: “Sempre me bati contra a

afirmação de nos chamados crimes societários, ou nos delitos de pluralidade

subjetiva, ou em co-autoria, ser dispensada a descrição do comportamento de cada

acusado. A exigência é constitucional. Decorre dos princípios do contraditório e da

defesa plena, irrenunciáveis.” E complementa: “Só é possível responder, ou

demonstrar o contrário, definida a acusação, com todas as suas circunstâncias.”

E, em outro julgado, assevera: “O agente de infração penal, no Brasil, deve

desenvolver conduta. Não basta, outrossim, a responsabilidade objetiva. É

necessária a relevância da vontade. E mais. A responsabilidade é pessoal”,

619 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 4.214-1/DF, da 5ª Turma. Relator: Min. Assis Toledo – Julgado em 22.2.1995. DJ 27.3.1995. 620 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 5.834/RJ, da 6ª Turma. Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – Julgado em 5.11.1996. DJ 8.9.1997.

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concluindo que “[...] Não basta lançar um fato. É necessário o fato evidenciar,

quantum satis, o delito imputado a alguém, com a respectiva autoria.”621

Ainda no final dos anos 1990, a última voz dissonante veio dos julgados de

relatoria do Ministro Edson Vidigal. Plantando a semente da atual orientação do

Superior Tribunal de Justiça, admitia a atenuação dos rigores do art. 41 do Código

de Processo Penal, mas sem descurar da necessidade de individualização das

condutas.

Confira-se:

[…] o consagrado direito penal da culpa não admite a responsabilidade objetiva. Mesmo nos crimes societários a denúncia deve indicar a conduta de cada um dos partícipes ou co-autores, de modo a ensejar a plenitude de defesa [...] Sabe-se que, em se tratando de crimes coletivos ou societários a jurisprudência vem mitigando os rigores do artigo 41 do CPP. Mas isso não significa admitir-se denúncias genéricas, fictícias, sem a descrição das condutas que vinculem cada uma das pessoas ao evento delituoso, impossibilitando, desse modo, o exercício do contraditório e da ampla defesa.622

Em crítica à delegação da análise da autoria para a instrução em juízo,

afirmou, em outro julgado:

Dispensada a instauração do inquérito policial, torna-se evidentemente mais simples oferecer denúncia contra todos os sócios ou gerentes de empresas, delegando-se assim ao Judiciário, na instrução processual, a tarefa de perquirir sobre aquilo que deveria ter sido apurado na fase pré-processual: a existência do crime e os indícios de autoria.623

621 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 7.522/CE, da 6ª Turma. Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – Julgado em 17.9.1998. DJ 8.2.1999. No mesmo sentido: HC 5.053/RJ (Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – 6ª Turma – j. 22.10.1996 – DJ 7.4.1997); RESP 167.791/RJ (Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – 6ª Turma – j. 23.11.1998 – DJ 17.2.1999); RHC 8.283/DF (Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – 6ª Turma – j. 16.4.1999 – DJ 31.5.1999); RESP 195.547/RJ (Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – 6ª Turma – j. 20.4.1999 – DJ 21.6.1999); RHC 8.444/SP (Relator: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – 6ª Turma – j. 4.5.1999 – DJ 21.6.1999) e RHC 9.396/MG (Relator: Min. Jorge Scartezzini – 5ª Turma – j. 16.3.2000 – DJ 15.5.2000). 622 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RESP 135.264/GO, da 5ª Turma. Relator: Min. Edson Vidigal – Julgado em 5.5.1998. DJ 17.8.1998. 623 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 6.807/RJ, da 5ª Turma. Relator: Min. Edson Vidigal – Julgado em 28.4.1998. DJ 25.5.1998. No mesmo sentido: HC 5.647/SP (Relator: Min. Edson Vidigal –5ª Turma – j. 25.8.1997 – DJ 29.9.1997); HC 8.258/PR (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma –– j. 20.4.1999 – DJ 6.9.1999) e RHC 7.244/RJ (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 16.3.1999 – DJ 31.5.1999).

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O panorama pouco mudou no início dos anos 2000. A orientação majoritária

continuou sendo a possibilidade de oferecimento de acusações sem a imputação

individual a cada réu:

Em faltando à Acusação Pública, no ensejo do oferecimento da denúncia, elementos bastantes ao rigoroso atendimento do seu estatuto formal (Código de Processo Penal, artigo 41), principalmente nos casos de crime coletivo ou societário, é válida a imputação genérica do fato-crime, sem a particularização das condutas dos agentes, co-autores e partícipes, admitindo, como admite, a lei processual penal que as omissões da acusatória inicial possam ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (Código de Processo Penal, artigo 569).624

Conforme já asseverado, a quase totalidade dos precedentes que validam a

denúncia genérica tem, como justificativa, a existência de outros julgados em igual

sentido. Vale dizer: não há uma análise, com o rigor técnico necessário, dos

argumentos favoráveis e contrários às acusações sem distinção de condutas.

A novidade do início do novo século veio com a orientação, capitaneada pelo

Ministro Gilson Dipp e encampada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, da

nefasta possibilidade de denúncias “mais ou menos” genéricas. Conforme crítica

realizada no capítulo anterior, trata-se, em verdade, de um mal disfarçado jogo de

624 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC 14.891/SP, da 6ª Turma. Relator: Min. Hamilton Carvalhido – Julgado em 20.4.2004. DJ 21.6.2004. No mesmo sentido: RHC 11.604/RJ (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 21.8.2001 – DJ 24.9.2001); RHC 10.054/GO (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 17.5.2001 – DJ 13.8.2001); RESP 221.723/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 28.6.2001 – DJ 20.8.2001); EDCL NO RESP 252.715/RS (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 15.5.2001 – DJ 13.8.2001); RHC 9.950/BA (Relator: Min. Fernando Gonçalves – 6ª Turma – j. 27.3.2001 – DJ 23.4.2001); HC 15.852/RS (Relator: Min. Edson Vidigal – 5ª Turma – j. 7.6.2001 – DJ 13.8.2001); HC 18.952/PE (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 17.12.2002 – DJ 10.3.2003); RHC 13.195/RS (Relator Min. Jorge Scartezzini – 5ª Turma – j. 4.2.2003 – DJ 24.3.2003); RESP 243.073/RJ (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 20.5.2003 – DJ 30.6.2003); RESP 499.927/RS (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 18.9.2003 – DJ 28.10.2003); RESP 291.201/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 9.12.2003 – DJ 1.3.2004); RESP 412.886/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 12.8.2003 – DJ 15.9.2003); RHC 15.235/RS (Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 1.4.2004 – DJ 3.5.2004); HC 35.138/PR (Relator Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 17.8.2004 – DJ 13.9.2004); HC 30.025/SP (Relator Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 16.3.2004 – DJ 12.4.2004); HC 38.620/ES (Relator Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma – j. 7.12.2004 – DJ 14.2.2005); ED no RESP 573.396/RS (Relator Min. José Arnaldo da Fonseca – 5ª Turma –j. 24.8.2004 – DJ 27.9.2004); HC 28.763/SP (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 4.3.2004 – DJ 5.4.2004); RHC 15.277/AC (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 7.10.2004 – DJ 8.11.2004); RHC 15.452/MG (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 14.12.2004 – DJ 28.2.2005); RHC 15.135/SP (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 14.12.2004 – DJ 28.2.2005); AgRg no RESP 625.003/RS (Relator Min. Paulo Medina – 6ª Turma – j. 21.10.2004 – DJU 29.11.2004); HC 31.294/PR (Relator Min. Hamilton Carvalhido – 6ª Turma – j.19.8.2004 – DJ 9.10.2006); RHC 17.267/RS (Relator Min. Arnaldo Esteves Lima – 5ª Turma – j. 26.4.2005 – DJ 1.7.2005); HC 41.948/SP (Relatora Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 5.5.2005 – DJ 13.6.2005); HC 32.233/SP (Relator Min. Paulo Medina – 6ª Turma – j. 7.6.2005 – DJ 1.8.2005) e HC 27.225/SC (Relator Min. Paulo Gallotti – 6ª Turma – j. 6.9.2005 – DJU 14.8.2006).

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palavras, que nada altera a essência da orientação majoritária daquela Corte à

época.

Tanto é assim que o fundamento das referidas decisões confunde-se com

aquele que permite as denúncias incompletas, conforme se nota a seguir:

Entender diferente seria inviabilizar a acusação e tolher a oportunidade do dominus litis provar a denúncia, pois a fase de instrução criminal é que se presta para esclarecer e pormenorizar a participação dos réus nos delitos, permitindo ampla dilação dos fatos e provas, momento em que a defesa poderá se valer de todos os aspectos relevantes para provar a inexistência de configuração da autoria, da materialidade do crime, ou, ainda, da existência de excludente de culpabilidade.625

É certo que, mesmo neste período, há decisões inadmitindo a denúncia

genérica. Entendeu-se, por exemplo, que “A imputação genérica, que culmina por

inverter o ônus da prova, fazendo incumbência do denunciado demonstrar que nada

teve a ver com o fato descrito na acusatória inicial, nega a garantia constitucional à

ampla defesa.”626 E, ainda, que “[...] a denúncia nos crimes societários não deve ser

625 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 39.598/SP, da 5ª Turma. Relator: Min. Gilson Dipp – Julgado em 7.4.2005. DJ 2.5.2005. No mesmo sentido: HC 11.831/MG (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 27.6.2000 – DJ 11.9.2000); RHC 8.991/AL (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 26.9.2000 – DJ 23.10.2000); RESP 236.548/RJ (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 13.11.2000 – DJ 4.12.2000); HC 13.322 (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 28.11.2000 – DJ 19.2.2001); RESP 265.766/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 6.4.2001 – DJ 20.8.2001); RHC 9.868/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 8.5.2001 – DJ 11.6.2001); RHC 10.894/RS (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 16.10.2001 – DJ 8.4.2002); RESP 111.081/PE (Relator: Min. Gilson Dipp –5ª Turma – j. 4.12.2001 – DJ 4.2.2002); RHC 12.019/RJ (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 6.12.2001 – DJ 4.2.2002); EMB. DIV. NO RESP 278.084/RJ (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 13.3.2002 – DJ 29.4.2002); HC 23.714/RS (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 21.11.2002 – DJ 3.2.2003); HC 23.291/SP (5ª Turma – Relator: Min. Gilson Dipp – j. 17.12.2002 – DJ 24.3.2003); HC 25.754/RJ (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 1.4.2003 – DJ 12.5.2003); HC 24.994/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 11.3.2003 – DJ 5.5.2003); HC 28.378/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 5.8.2003 – DJ 22.9.2003); RESP 509.488/SC (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 19.8.2003 – DJ 22.9.2003); RESP 336.619/SP (Relator Min. Gilson Dipp –5ª Turma – j. 1.4.2003 – DJ 12.5.2003); RESP 445.541/RS (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 10.6.2003 – DJ 25.8.2003); HC 34.441/PB (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 18.5.2004 – DJ 21.6.2004); HC 23.291/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 5.8.2004 – DJ 6.9.2004); HC 30.898/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 13.4.2004 – DJ 24.5.2004); RESP 573.399/RS (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 16.9.2004 – DJ 3.11.2004); RESP 628.867/PR (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 21.10.2004 – DJ 29.11.2004); RESP 496.551/SC (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 25.5.2004 – DJ 2.8.2004); RHC 15.542/CE (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 25.5.2004 – DJ 2.8.2004) e HC 39.360/MG (Relator Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 3.3.2005 – DJ 28.3.2005). 626 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 34.364/MG, da 6ª Turma. Relator: Min. Hamilton Carvalhido – Julgado em 4.10.2005. DJ 11.9.2006.

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panorâmica exatamente porque não há responsabilidade objetiva, já que a

responsabilidade penal é pessoal.”627

No mesmo sentido:

A atribuição de responsabilidade penal para a pessoa física que não tenha praticado a ação típica ou concorrido, de qualquer modo, objetiva ou subjetivamente, para a sua prática ou, no caso de ação típica em que o sujeito ativo seja pessoa jurídica, pela só qualidade que nela tenha a pessoa física, independentemente da existência de qualquer vínculo, objetivo ou subjetivo, com a conduta criminosa, é recolher, no mais primitivo, a responsabilidade penal objetiva que transigia até mesmo com o fato de terceiro e que, em qualquer das suas expressões penais, se mostra inconciliável com o Estado de Direito e com o Direito Penal, cujas essências recolhem, como elemento próprio, a democracia.628

Foi a partir da segunda metade da última década que se iniciou uma alteração

– ainda que tímida – do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Se é certo

que não foram poucos os julgamentos admitindo a denúncia genérica629 – sobretudo

da 5ª Turma – é facilmente verificável o aumento de precedentes que a repelem.

627 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 14.271/SP, da 6ª Turma. Relator: Min. Fontes de Alencar – Julgado em 7.6.2001. DJ 4.2.2002. 628 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RESP 312.266/RJ, da 6ª Turma. Relator: Min. Hamilton Carvalhido – Julgado em 25.6.2002. DJ 17.2.2003. No mesmo sentido: HC 13.196/MS (Relator: Min. Fontes de Alencar – 6ª Turma – j. 3.10.2002 – DJ 24.3.2003); RHC 17.206/AM (Relator Min. Hélio Quaglia Barbosa – 6ª Turma – j. 19.5.2005 – DJ 10.3.2008) e HC 35.251/MG (Relator: Min. Hamilton Carvalhido – 6ª Turma – j. 4.10.2005 – DJ 1.8.2006). 629 Vide, por exemplo: RHC 16.173/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 2.2.2006 – DJ 20.3.2006); RESP 800.745/RJ (Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima – 5ª Turma – j. 4.4.2006 – DJ 24.4.2006); HC 60.689/PB (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 18.12.2007 – DJ 7.2.2008); AÇÃO PENAL 295/RR (Relator: Min. Antônio de Pádua Ribeiro – Corte Especial – j. 5.9.2007 – DJ 8.10.2007); RHC 18.776/PR (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 13.2.2007 – DJ 12.3.2007); HC 63.118/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 18.12.2007 – DJ 18.2.2008); RHC 17.690/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 16.10.2007 – DJ 5.11.2007); HC 84.435/RS (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 15.4.2008 – DJ 5.5.2008); HC 85.022/MG (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 14.10.2008 – DJ 24.11.2008); HC 89.386/RJ (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 18.9.2008 – DJ 20.10.2008); RHC 22.181/SP (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 17.4.2008 – DJ 19.5.2008); HC 80.182/SP (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 17.11.2009 – DJ 14.12.2009); HC 97.072/MT (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 19.11.2009 – DJ 22.2.2010); HC 113.657/SP (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 3.9.2009 – DJ 5.10.2009); HC 118.462/SP (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 18.8.2009 – DJ 21.9.2009); HC 113.476/PE (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 19.3.2009 – DJ 27.4.2009); HC 176.456/TO (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 16.11.2010 – DJ 13.12.2010); HC 197.876/BA (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 5.5.2011 – DJ 9.6.2011); HC 157.133/PE (Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 5ª Turma – j. 5.5.2011 – DJ 9.6.2011); HC 171.168/SP (Relator: Min. Adilson Vieira Macabu – 5ª Turma – j. 22.2.2011 – DJ 21.3.2011); HC 128.706/RS (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 27.9.2011 – DJ 10.10.2011); HC 129.031/SP (Relator: Min. Vasco Della Giustina – 6ª Turma – j. 2.8.2011 – DJ 14.9.2011) e HC 139.696/PE (Relatora: Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. 8.11.2011 – DJ 21.11.2011).

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Até mesmo a concepção de denúncia “mais ou menos” genérica mereceu

uma revisão e abrandamento, conforme o precedente a seguir:

O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente –, não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada.630

Os julgados deixaram, assim, de ser chapas prontas, aprofundando-se o

estudo sobre o tema. A análise da denúncia genérica sob a luz dos princípios

constitucionais conduziu, em inúmeros precedentes, à inadmissão das acusações

desprovidas de individualização das condutas.

Confira-se:

A denúncia que não descreve de modo adequado e suficiente a conduta de cada um dos denunciados, sem que com isso se exija a descrição de minúcias, viola os princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, do contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). [...] A denúncia genérica acaba por inverter o ônus da prova, pois a inobservância por parte do órgão acusador do ônus da descrição mínima da conduta imputada na exordial, com a demonstração da potencial participação do denunciado nos fatos narrados, em última análise implica na incumbência do denunciado em demonstrar a sua não participação nos fatos.631

E ainda:

630 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 56.955/SP, da 5ª Turma. Relator: Min. Gilson Dipp – Julgado em 1.6.2006. DJ 19.6.2006. De igual teor: HC 67.530/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 7.12.2006 – DJ 5.2.2007); HC 73.747/SP (Relator: Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – j. 17.5.2007 – DJ 29.6.2007) e RESP 856.367/PR (5ª Turma – Relator: Min. Gilson Dipp – j. 8.5.2007 – DJ 29.6.2007). 631 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 69.240/MS, da 5ª Turma. Relator: Min. Félix Fischer – Julgado em 14.6.2007. DJ 10.9.2007. Seguem a mesma orientação: HC 63.753/PA (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 17.10.2006 – DJ 4.12.2006); RHC 18.838/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 20.6.2006 – DJ 4.9.2006); HC 76.189/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 19.6.2007 – DJ 17.9.2007); HC 74.991/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 21.6.2007 – DJ 10.9.2007); RHC 21.541/RS (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 7.8.2007 – DJ 8.10.2007); HC 75.813/SP (Relator Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 2.10.2007 – DJ 5.11.2007); HC 86.718/SP (Relator: Min. Felix Fischer – 5ª Turma – j. 18.10.2007 – DJ 3.12.2007); RESP 302.542/SP (Relator: Min. Hamilton Carvalhido – 6ª Turma – j. 27.3.2007 – DJ 22.10.2007); HC 62.786/SP (Relator: Min. Haroldo Rodrigues – 6ª Turma – j. 15.9.2009 – DJ 5.10.2009); RHC 24.390/MS (Relator: Min. Celso Limongi – 6ª Turma – j. 19.2.2009 – DJ 16.3.2009); RHC 24.515/DF (Relator: Min. Celso Limongi – 6ª Turma – j. 19.2.2009 – DJ 16.3.2009); HC 74.691/PE (Relator: Min. Haroldo Rodrigues – 6ª Turma – j. 9.8.2011 – DJ 26.10.2011) e AgRg no RHC 25.454/AC (Relator: Min. Celso Limongi – 6ª Turma – j. 17.5.2011 – DJ 30.5.2011).

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Em suma, com a admissão de denúncia genérica, desobrigando o acusador de descrever a conduta de cada réu, esboroam-se, por via transversa e oblíqua, o Estado Democrático de Direito e seus mais caros princípios: de nada valem o devido processo legal, em suas faces processual e substancial, os princípios da ampla defesa, do contraditório, do duplo grau de jurisdição, do juízo natural, da obrigatória fundamentação das decisões emanadas pelo Poder Judiciário e tantos outros, se ao acusador se permite o oferecimento de denúncia genérica. Ou, em outras palavras, com esse afrouxamento de princípios constitucionais, corremos todos o risco de um Estado policialesco e autoritário, a frustrar as expectativas de que, com a Constituição-cidadã, não mais haveria abusos e arbítrios.632

Da mesma forma, passou-se a analisar criticamente a questão sob a ótica dos

requisitos da denúncia, constantes no art. 41 do Código de Processo Penal:

Como se tem reiterado, a denúncia deve trazer os sete elementos do injusto, indispensáveis à adequação de qualquer fato criminoso, conforme magistério doutrinário, a saber: a) Quem praticou o delito (quis)? b) Que meios ou instrumentos empregou (quibus auxiliis)? c) Que malefício ou perigo de dano produziu o injusto (quid)? d) Que motivos determinaram a prática (cur)?; e) Por que maneira praticou o injusto (quomodo)? f) Em que lugar o praticou (ubi)? g) Em que tempo, ou instante, deu-se a prática do injusto (quando)?633

Há, ainda, decisões que agregam os fundamentos constitucionais e

infraconstitucionais para justificar a impossibilidade de denúncias genéricas:

A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu pleno exercício do direito de defesa (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 04/09/1996). Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007). A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal ao postulado do devido processo legal. É que a imputação penal contida na peça acusatória não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador. Este, para validamente formular a denúncia, deve ter por suporte necessário uma base empírica idônea, a fim de que a acusação penal não se converta em expressão ilegítima da vontade arbitrária do Estado. Incumbe ao Ministério Público apresentar denúncia que veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da cláusula constitucional da

632 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 134.044/SP, da 6ª Turma. Relator: Min. Celso Limongi – Julgado em 29.6.2009 – DJ 17.8.2009. 633 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 65.463/PR, da 6ª Turma. Relatora: Min. Maria Thereza de Assis Moura – Julgado em 7.5.2009 – DJ 25.5.2009.

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plenitude da defesa (HC 72.506/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 18/09/1998).634

É oportuno ressaltar decisão da Corte Especial, segundo a qual “A denúncia

genérica resta por inverter o ônus probandi, haja vista que a inobservância por parte

do órgão acusador da descrição mínima da conduta imputada às acusadas, bem

como do fato ocorrido, em última análise implica a incumbência das denunciadas em

demonstrar a não participação no ilícito penal.”635

Contudo, o que se verifica é que tais decisões, embora refutem a denúncia

omissa, entendem ser dispensável a descrição pormenorizada das condutas. É

dizer: o entendimento atual é de repúdio às acusações genéricas, aceitando-se,

porém, uma individualização abrandada.

A suma de tal entendimento é demonstrada na seguinte decisão:

Em se tratando de crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações, quando nem sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar uma descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em consequência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem como violador do regramento de regência. Ainda que assim seja, não se tem admitido, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta, denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve detalhamento da atuação de cada um dos indiciados, visto que, por certo, inviabiliza o exercício amplo do direito de defesa.636

Tem-se, portanto, a atual realidade da discussão: inadmite-se a denúncia

genérica, exigindo-se, em consequência a individualização das condutas. Contudo,

tal individualização não precisa ser exaustiva.

Conforme Diego Pereira Machado637:

[...] o repertório majoritário da jurisprudência é no sentido de aceitar uma denúncia, no caso de crimes societários, com os seguintes requisitos: 1 – deve haver demonstração de vínculo entre o fato narrado e a pessoa do denunciado; 2 – não é necessária a pormenorização de condutas para cada

634 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RESP 1.161.830/PR, da 5ª Turma. Relator: Min. Félix Fischer – Julgado em 2.9.2010 – DJ 4.10.2010. 635 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AÇÃO PENAL 459/AC, da Corte Especial. Relator: Min. Luiz Fux – Julgado em 1.12.2010 – DJ 17.12.2010. 636 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 58.157/ES, da 6ª Turma. Relator: Min. Haroldo Rodrigues – Julgado em 18.8.2009 – DJ 8.9.2009. 637 MACHADO, Diego Pereira. Reflexão sobre as condições da ação penal e a denúncia genérica. Revista Jurídica FAMA. Iturama, FAMA, 2008, n.4, jan./dez. 2008, p. 33.

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denunciado; e 3 - a mera condição de sócio de uma empresa não induz responsabilidade penal.

Da análise realizada, é inegável o avanço da postura do Superior Tribunal de

Justiça nos julgamentos sobre o tema. Após um entendimento (robótico e

mecanizado) que admitia a denúncia genérica, passando pela sua admissibilidade

camuflada – a denúncia “mais ou menos” genérica – finalmente caminha-se para o

afastamento da responsabilidade penal objetiva e a necessidade de individualização

de condutas nos crimes societários.

É certo, porém, que o posicionamento atual ainda não é o ideal. O ideal seria

a descrição pormenorizada das ações ou omissões pessoais, tal qual ocorre nos

crimes rotineiros. Toda e qualquer distinção, sobretudo em sede de direitos e

garantias individuais, é perigosa. A desnecessidade de indicação pormenorizada das

condutas traz consigo uma carga arriscada de subjetividade. Poder-se-ia confundir

tal entendimento, inclusive, com a famigerada denúncia “mais ou menos” genérica,

não obstante a inegável distinção entre ambas (já que uma nada mais é senão a

denúncia genérica com outro rótulo, e a outra exige a individualização de condutas,

ainda que de forma não exaustiva).638

Assim, aplaude-se a evidente mudança de pensamento do Superior Tribunal

de Justiça nos últimos anos, mas causa preocupação a indefinição da expressão

“desnecessidade de individualização pormenorizada” das condutas, a qual pode

acarretar interpretações lesivas aos direitos e garantias constitucionais e traduzir-se

em retrocesso na longa caminhada até o estágio atual de pensamento sobre o tema.

5.3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A análise histórica da orientação do Supremo Tribunal Federal destoa

daquela do Superior Tribunal de Justiça. Tal qual neste, nos primeiros anos após o

638 Afigura-se correto o entendimento de Márcia Maria Luviseti, quando afirma: “Essa postura mais recente revela certo progresso, em que pese não ser ela apta a assegurar plenamente os direitos fundamentais do cidadão. O mais adequado seria o repúdio total às acusações genéricas, bem como às mais ou menos genéricas, para que não houvesse qualquer tipo de vício (ou defeito, do qual só pode derivar séria ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, em especial.)” LUVISETI, 2009, p. 309-310.

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advento da Constituição da República o entendimento quase unânime era de ser

possível a denúncia genérica. Após 2005, houve uma sensível alteração de

posicionamento da Suprema Corte (não apenas pela alternância de Ministros, mas,

igualmente, pela modificação de entendimento de alguns dos julgadores, tais como o

Ministro Gilmar Mendes), repelindo-se as acusações genéricas. Atualmente, em

alguns julgados, regride-se para a orientação de possibilidade de denúncia genérica

e, em outros, segue-se o atual posicionamento do STJ, segundo o qual são inviáveis

as denúncias desprovidas de individualização de condutas, admitindo-se, contudo,

que tal individualização prescinde de exaustividade.

Na década de 1990 até meados dos anos 2000, o entendimento majoritário

era de se admitir a acusação genérica nos crimes societários. Afirmava-se que “Em

feitos dessa natureza, a impunidade estaria assegurada se se reclamasse do

Ministério Público, no momento da denúncia, a individualização de condutas, dada a

maneira de se tomarem as decisões de que resulta a ação delituosa.”639

A justificativa para tal orientação era sempre a mesma: a dificuldade de se

identificar a autoria nos crimes cometidos no âmbito das pessoas jurídicas, como se

observa do seguinte precedente:

Como sabido, esse entendimento jurisprudencial é principalmente resultante da dificuldade de se pormenorizar condutas que, em geral, são provenientes de decisões internas por parte dos administradores – legais ou de fato – da empresa, que, por motivos óbvios, não são registradas e, via de regra, também não são testemunhadas por outras pessoas que não seus próprios dirigentes. Daí a aceitação da denúncia genérica, necessária, segundo a orientação dominante, para evitar a impunidade dos chamados crimes societários.640

É certo que, no referido período, havia vozes dissonantes, tais como a do

Ministro Nelson Jobim. Criticando a jurisprudência da época, afirmou que “A

639 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 73.903-2/CE, da 2ª Turma. Relator: Min. Francisco Rezek – Julgado em 12.11.1996 – DJ 25.4.1997. No mesmo sentido: HC 73.419/RJ (Relator: Min. Ilmar Galvão – 1ª Turma – j. 12.3.1996 – DJ 26.4.1996); HC 74.791/RJ (Relator: Min. Ilmar Galvão – 1ª Turma – j. 4.3.1997 – DJ 9.5.1997); HC 75.868-8/RJ (Relator: Min. Maurício Corrêa – 2ª Turma – j. 10.2.1998 – DJ 6.6.2003); HC 82.242-8/RS (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 17.9.2002 – DJ 11.10.2002); HC 84.482-1/SP (Relator: Min. Joaquim Barbosa – 2ª Turma – j. 31.8.2004 – DJ 12.11.2004); HC 84.663-7/SP (Relator: Min. Joaquim Barbosa – 2ª Turma – j. 23.11.2004 – DJ 18.2.2005); HC 85.549-1/SP (Relator: Min. Sepúlveda Pertence – 1ª Turma – j. 13.9.2005 – DJ 14.10.2005); HC 85.579-2/MA (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 24.5.2005 – DJ 24.6.2005); HC 86.294-2/SP (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 27.9.2005 – DJ 3.2.2006) e HC 85.579-MA (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 24.5.2005 – DJ 24.6.2005). 640 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 83.369-12/RS, da 1ª Turma. Relator: Min. Carlos Ayres Britto – Julgado em 21.10.2003 – DJ 28.11.2003.

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autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não

pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada

agente na conduta delitiva.”

E conclui:

Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão do paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41, e os tratados internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.641

Observe-se, ainda, trecho do voto vencedor no Habeas Corpus 84.409-0/SP,

no qual o Ministro Gilmar Mendes, mudando sua orientação inicial, passou a

entender pela impossibilidade de acusações genéricas, sobretudo em razão da

violação ao princípio da dignidade da pessoa humana:

Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana que, entre nós, tem base positiva no art. 1º, III, da Constituição. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações (...) Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.642

É de se mencionar, finalmente, que foi ainda neste período que nasceu o

embrião da orientação consolidada nos últimos anos em ambos os Tribunais

Superiores, segundo a qual é dispensável a descrição pormenorizada da conduta de

cada sócio. Consta, em um dos pouquíssimos julgados neste sentido à época, que

“Uma coisa é admitir-se uma acusação em que não haja minuciosa descrição da

conduta do agente. Outra é intentar uma ação penal que, de tão abstrata, dela não

641 Destaca-se, ainda, trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no referido julgamento: “[...] o simples fato de fazer sentar-se no banco dos réus um cidadão já é um estigma para este. O Ministério Público exerce um papel fundamental que, relativamente à proteção da própria sociedade, deve estar calcado em indícios, em dados que levem, na primeira visão, à responsabilidade, sempre subjetiva, ante a culpa ou dolo do acusado.” 642 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84.409-0/SP, da 2ª Turma. Relator p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes – Julgado em 14.12.2004 – DJ 19.8.2005.

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se infere sequer qual a ação ou omissão delituosa imputada ao réu, de modo a

tornar impossível sua defesa.”643

Nos anos de 2005 e 2006, principalmente, o assunto foi motivo de

interessantes debates, passando a prevalecer a orientação segundo a qual não são

possíveis acusações genéricas. O entendimento contrário seria, segundo o Ministro

Cezar Peluso, uma “esdrúxula criação” que não mais poderia prevalecer na

jurisprudência relativa aos crimes societários.644

Foi, contudo, o Ministro Celso de Mello quem proferiu os mais sensíveis e

lúcidos votos sobre o tema. Aliando técnica e humanidade, asseverou, em mais de

um julgado, a impossibilidade de denúncias genéricas, por variados motivos.

Apesar de longa, vale a transcrição de trechos de seus votos:

O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do ‘due processo of law’, ter em consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas. [...] Sabemos todos que a denúncia há de descrever, de modo objetivo e pormenorizado, mesmo em se tratando do denominado ‘reato societario’, a participação individual de cada sócio na suposta prática delituosa alegadamente cometida por intermédio de organização empresarial [...], pois não basta, para satisfazer-se a exigência do devido processo legal, que o Ministério Público, ao deduzir imputação penal contra alguém, descreva-lhe, de modo genérico, a respectiva conduta, sob o argumento de que a participação individual do acusado, na prática de delitos societários, deverá ser perquirida durante a instrução criminal. [...] A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas consequências que daí podem resultar [...]. A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a ‘persecutio criminis’ sofre os condicionamentos que lhe impõe o

643 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. INQUÉRITO 1.656-0/SP, do Tribunal Pleno. Relatora: Min. Ellen Gracie – Julgado em 18.12.2003 – DJ 27.2.2004. No mesmo sentido: INQUÉRITO 1.578-4/SP, do Tribunal Pleno. Relatora: Min. Ellen Gracie – Julgado em 18.12.2003 – DJ 23.4.2004. 644 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RHC 85.658-6/ES, da 1ª Turma. Relator: Min. Cezar Peluso – Julgado em 21.6.2005 – DJ 12.8.2005.

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ordenamento jurídico. A tutela da liberdade, desse modo, representa uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.645

Com o passar dos anos, o entendimento esposado pelo Ministro Celso de

Mello passou a ser dominante.646 E seus votos continuaram a ser extremamente

elucidativos:

Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. [...] É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).647

É possível afirmar que esse foi o período áureo do Supremo Tribunal Federal,

para aqueles que advogam a impossibilidade absoluta de denúncia genérica nos

crimes societários.

Entretanto, nota-se, sobretudo a partir de 2008, um retorno à antiga e

temerária orientação segundo a qual é possível a denúncia genérica nos crimes

econômicos. Atualmente, salvo raras exceções, que formam uma barreira de

645 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84.436/SP, da 2ª Turma. Relator: Min. Celso de Mello – Julgado em 5.9.2006 – DJ 28.3.2008. Em igual sentido: HC 89.427-5 (Relator: Min. Celso de Mello –2ª Turma – j. 12.9.2006 – DJ 28.3.2008); HC 89.105/PE (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 15.8.2006 – DJ 6.11.2006); HC 87.768-1/RJ (Relator p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 9.5.2006 – DJ 27.10.2006); HC 85.948-8/PA (Relator: Min. Carlos Britto – 1ª Turma – j. 23.5.2006 – DJ 23.5.2006) e HC 85.327-7/SP (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 15.8.2006 – DJ 20.10.2006). 646 Conforme asseverou o Ministro Eros Grau no julgamento do Habeas Corpus 93.683-1/ES, “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no sentido de que a descrição genérica da conduta nos crimes societários viola o princípio da ampla defesa.” BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 93.683-1/ES, da 2ª Turma. Relator: Min. Eros Grau – Julgado em 26.2.2008 – DJ 25.4.2008. 647 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 83.947-9/AM, da 2ª Turma. Relator: Min. Celso de Mello – Julgado em 7.8.2007 – DJ 1.2.2008.

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resistência para tal modalidade de acusação648, a orientação dominante ora autoriza

por completo as narrativas genéricas de autoria649, ora, tal qual o Superior Tribunal

de Justiça, as afasta admitindo, porém, uma narrativa perfunctória e superficial.650

Verifica-se, em conclusão, que, não obstante atualmente sejam similares as

orientações do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, diversos

são os caminhos trilhados, bem como distintas são as perspectivas. Nota-se,

claramente, uma evolução no pensamento do Superior Tribunal de Justiça (que,

paulatinamente, tem demonstrado avanços quanto à questão da denúncia genérica)

e, ao mesmo tempo, uma involução da orientação da Suprema Corte (que regrediu

de um pensamento absolutamente contrário às acusações genéricas para um

entendimento mais flexível e menos constitucional da questão).

648 Conforme se depreende, por exemplo, do HC 85.000/MG (Relator: Min. Gilmar Mendes – 2ª Turma – j. 13.3.2012 – DJ 28.3.2012) e do HC 84.580-1/SP (Relator: Min. Celso de Mello – 2ª Turma – j. 25.8.2009 – DJ 18.9.2009). Neste último, o Relator assevera que “Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva.” 649 Confira-se: RHC 90.276/MS (Relatora: Min. Ellen Gracie – 2ª Turma – j. 5.8.2008 – DJ 22.8.2008); HC 88.525-0/SP (Relatora: Min. Ellen Gracie – 2ª Turma – j. 26.8.2008 – DJ 12.9.2008); HC 94.670-4/RN (Relatora: Min. Cármen Lúcia – 1ª Turma – j. 21.10.2008 – DJ 24.4.2009); HC 93.628-8/SP (Relator: Min. Ricardo Lewandowski – 1ª Turma – j. 31.3.2009 – DJ 17.4.2009); HC 95.156-0/AM (Relator: Min. Ricardo Lewandowski – 1ª Turma – j. 6.10.2009 – DJ 20.11.2009); HC 97.259/MG (Relator: Min. Ricardo Lewandowski – 1ª Turma – j. 15.12.2009 – DJ 22.2.2010); HC 98.840-7/SP (Relator: Min. Joaquim Barbosa – 2ª Turma – j. 30.6.2009 – DJ 25.9.2009); HC 101.754/PE (Relator: Min. Ellen Gracie – 2ª Turma – j. 8.6.2010 – DJ 25.6.2010) e HC 101.286/MG (Relator: Min. Dias Toffoli – 1ª Turma – j. 14.6.2011 – DJ 25.8.2011). 650 Citem-se, como exemplos, o HC 92.921-4/BA (Relator: Min. Ricardo Lewandowski – 1ª Turma – j. 19.8.2008 – DJ 26.9.2008); HC 94.773-5/SP (Relatora: Min. Ellen Gracie – 2ª Turma – j. 2.9.2008 – DJ 24.10.2008) e HC 96.100-2/RN (Relatora: Min. Cármen Lúcia – 1ª Turma – j. 23.6.2009 – DJ 7.8.2009).

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6 CONCLUSÃO

6.1 DIREITO PENAL ECONÔMICO

1. A criminalidade econômica moderna é difusa e apresenta características próprias

que diferem da criminalidade clássica, tais como a ausência de vítimas

especialmente identificadas, a pouca visibilidade imediata dos danos causados e

novas formas de atuação criminosa.

2. O Direito Penal Econômico foi a maior novidade do Direito Penal do século XX e

tem, na sua essência, um plus político, que vê na criminalização de condutas um

mecanismo estatal para normatizar e regular a ordem econômica.

3. Não há consenso quanto à conceituação de crime econômico e Direito Penal

Econômico, uma vez que este é um instrumento de inegável conteúdo político-

social, o qual é mutável em razão do tempo e do sistema em que está inserido.

4. É possível sugerir 4 (quatro) critérios de identificação dos crimes econômicos: a)

criminológico; b) da atividade empresarial; c) processual; e d) jurídico-dogmático.

5. O critério criminológico – sugerido por Edwin Sutherland – é absolutamente

insuficiente para identificar, com precisão técnica, o crime econômico, uma vez que

leva em consideração apenas rasgos sociológicos dos agentes criminosos.

6. É também insuficiente o critério da atividade empresarial, pois nem todo crime

econômico é cometido através de empresas e nem todo crime perpetrado através de

empresas é econômico.

7. Não deve prevalecer, ainda, o critério processual, pois é baseado apenas em

características extrínsecas – tais quais as suas particularidades procedimentais e a

criação de varas especializadas –, olvidando a sua essência material e a igual

existência de varas especializadas para outras modalidades criminosas.

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8. Dentre todos os critérios sugeridos pela doutrina, certamente o mais adequado é

o jurídico-dogmático, que busca delimitar a extensão do Direito Penal Econômico

tendo em conta o bem jurídico tutelado, qual seja, a ordem econômica.

9. O Direito Penal Econômico protege a ordem econômica em sentido lato,

abrangendo não apenas a regulação jurídica da intervenção estatal na economia

(sentido estrito), mas, igualmente, os delitos que afetam a produção, a distribuição e

o consumo de bens e serviços.

10. É possível destacar três principais razões para o amadurecimento e evolução do

Direito Penal Econômico: a) no campo político, o surgimento dos Estados Sociais e

de Direito, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial; b) no campo filosófico, a filosofia da

linguagem e a noção de alteridade; e, finalmente, c) no campo sociológico, os

estudos atinentes à sociologia do risco.

11. A consolidação do Direito Penal Econômico deu-se com a superação do perfil

individualista que caracterizou o pensamento do século XIX e com a nova condição

de Estado “dirigente” e atuante no campo social-econômico.

12. A filosofia da linguagem e a percepção do outro permitiu a aproximação do

Direito Penal com os bens supraindividuais, como os tutelados pelo Direito Penal

Econômico.

13. A atual conjuntura social, caracterizada pelo risco e pela sensação de

insegurança, é a razão mais contundente a explicar o novo Direito Penal. Diante dos

riscos apresentados, a sociedade atual prefere trocar liberdades por segurança,

fazendo surgir o Direito Penal do risco. O direito punitivo torna-se um instrumento de

gestão dos problemas sociais e econômicos, consolidando, em consequência, o

Direito Penal Econômico.

14. A globalização e a integração econômica ampliaram sobremaneira o campo do

Direito Penal Econômico.

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15. O processo de expansão do Direito Penal gerou, na doutrina, dois discursos

ideológicos e político-criminais antagônicos: o de resistência – consagrado,

sobretudo, pela Escola de Frankfurt – que vê na expansão o rompimento das

garantias próprias do Direito Penal clássico; e o de concordância – de juristas como

Luis Gracia Martín e Bernd Schünemann – que prega a necessidade de adequação

das ciências penais às novas realidades sociais, inclusive com a reanálise de alguns

aspectos dogmáticos do Direito Penal.

16. Qualquer que seja o posicionamento adotado é incontroverso que há um nítido

expansionismo penal, o qual reflete, por óbvio, no Direito Penal Econômico. Fala-se,

assim, na administrativização do Direito Penal.

17. É merecedora de críticas a ampliação desenfreada de normas penais

criminalizando condutas e aumentando injustificadamente penas. A inflação

legislativa do Direito Penal Econômico permite a existência de leis de técnica

sofrível, gerando insegurança jurídica e social.

18. O chamado criminoso do colarinho branco, antes imune ao aparelho repressor

estatal, torna-se, agora, um dos objetos frequentes do sistema penal.

19. Deve-se repudiar o deplorável preconceito às chamadas altas classes e,

especialmente, aos empresários. Em regra, não são eles criminosos, tampouco são

as empresas organizações criminosas.

6.2 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

1. Vive-se em um momento de crise do pensamento positivista e de resgate de

valores morais e éticos da sociedade, sendo a constitucionalização a melhor

alternativa de sobrevivência do Direito.

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2. A aplicação efetiva da Constituição afigura-se, a um só tempo, como o porto

seguro desejado pela segurança jurídica, e como o grito de liberdade contra as

amarras do positivismo.

3. A constitucionalização do universo jurídico tem, na consagração dos direitos e

garantias fundamentais, a sua nota mais destacada.

4. É simbiótica a relação entre os direitos fundamentais e a democracia. Aqueles

somente encontram morada definitiva nos Estados Democráticos e de Direito. E esta

depende daqueles para manter-se segura.

5. Os ditames constitucionais não devem ser vistos como normas abstratas e

genéricas, mas sim, devem ser entendidos como regras de aplicação efetiva e

concreta.

6. A constitucionalização ilumina o processo. A Constituição é o instrumento jurídico

de que se deve utilizar o processualista para o completo entendimento do processo

e de seus princípios.

7. A Constituição é a principal fonte do processo penal. O sentimento constitucional

deve impregnar todos os atores, atos e diligências do processo, devendo os

operadores jurídicos buscar sempre o espírito da Constituição. Os direitos e

garantias da lei fundamental são o alicerce na busca do equilíbrio entre Estado e

indivíduo.

8. A eficácia da persecução penal encontra limites nos direitos fundamentais do

acusado. É possível um processo penal eficiente, desde que seja garantista.

9. A doutrina do garantismo é fator importante no momento de constitucionalização

do processo penal. O acusado deve ser visto como sujeito de direitos, e não objeto

de uma persecução penal. Por outro lado, o procedimento criminal não deve ser

visto como um simples aparato instrumental, mas, sim, como uma garantia do réu de

se ver julgado de forma independente, imparcial, justa e com obediência a todos os

princípios processuais.

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10. O sistema acusatório, enquanto verdadeiro sistema de democracia processual, é

o mais adequado para a efetivação do processo penal constitucional.

11. O processo penal brasileiro vive uma crise de identidade, pois precisa seguir o

desejado rumo constitucional, garantista e acusatório, mas está estabelecido em um

Código ultrapassado e ideologicamente antagônico aos valores e exigências da lei

fundamental.

12. No Brasil, a prevalência da Constituição deve ser ainda mais atendida frente ao

caráter inquisitivo do atual Código de Processo Penal. É este que deve adequar-se

aos ditames constitucionais, e não o inverso.

6.3 A DENÚNCIA GENÉRICA NOS CRIMES ECONÔMICOS

1. É inegável, geralmente, a dificuldade de se determinar a autoria e a participação

nos delitos cometidos no âmbito das empresas, diante da complexidade de suas

organizações e da diluição de atividades e responsabilidades dos gestores.

2. Dentre as alternativas para a persecução penal dos crimes empresariais, surge a

denúncia genérica, que relega à instrução processual a análise das condutas de

cada um dos acusados.

3. Entende-se por denúncia genérica aquela que não individualiza as condutas de

cada um dos autores, coautores e partícipes do crime.

4. Mesmo a denúncia geral – entendida como aquela que imputa a todos os agentes

o mesmo fato delituoso – é genérica, pois também não individualiza condutas.

5. A denúncia genérica privilegia uma suposta eficiência em detrimento de direitos e

garantias individuais.

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6. A denúncia genérica viola o princípio da dignidade da pessoa humana e tende à

“coisificação” do réu, na medida em que a simples existência de ação penal já é

causa suficiente de sofrimento e desapreço do acusado.

7. A denúncia genérica viola o princípio do devido processo legal, uma vez que este

alberga os princípios da presunção de inocência, ampla defesa e contraditório, todos

fulminados pelas acusações ineptas.

8. A denúncia genérica viola o princípio da presunção de inocência, na medida em

que inverte o ônus da prova, cabendo ao acusado demonstrar que não praticou o

fato imputado, quando o correto seria que a acusação provasse a autoria e/ou

participação criminosa.

9. A acusação genérica permite somente uma defesa genérica. Não é possível uma

defesa plena se não é possível saber qual é a conduta tida como delituosa. A

denúncia genérica é violadora da ampla defesa e do contraditório na medida em que

impede ao acusado o exercício completo de seu direito de se defender na relação

processual.

10. Os dois principais textos normativos internacionais de direitos humanos de que o

Brasil é signatário – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (1969), ambos com status

constitucional – vedam a denúncia genérica e exigem que as acusações sejam feitas

de forma “prévia”, “minuciosa” e “pormenorizada”.

11. A denúncia genérica nos crimes econômicos adota a teoria da responsabilidade

objetiva, uma vez que o simples fato de ser sócio ou acionista de empresa não pode

ser causa para a sua persecução penal.

12. É carente de justa causa a denúncia formulada contra o sócio de uma empresa

pela suposta prática de determinado crime econômico, somente pela sua condição

hierárquica na estrutura da pessoa jurídica. A posição dentro do organograma

empresarial não é elemento indiciário capaz de permitir, por si só, a deflagração de

uma ação penal.

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13. A denúncia genérica viola a literalidade do art. 41 do Código de Processo Penal,

que exige a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias, dentre as

quais a maneira como as pessoas acusadas agiram, individualmente, para a

consumação do ilícito.

14. O discurso de relativização de garantias para a persecução penal da moderna

criminalidade é impregnado de conteúdo totalitário e antidemocrático e não pode ser

utilizado como justificativa para as acusações genéricas nos crimes econômicos.

15. O princípio da obrigatoriedade jamais pode servir de respaldo a justificar

acusações genéricas, uma vez que é dever do Ministério Público apreciar as

condições da ação – dentre as quais a justa causa – e os pressupostos processuais.

16. A dilação da etapa da individualização das condutas para a instrução é violadora

de princípios constitucionais e demonstra a fragilidade do aparato investigatório

estatal.

17. A possibilidade de aditamento da denúncia não pode ser uma porta aberta para

as denúncias genéricas, uma vez que cabível apenas para omissões que não digam

respeito a elementos essenciais da acusação, tais como a análise da autoria,

coautoria e participação.

18. A admissão da denúncia “mais ou menos” genérica importa reconhecer

manifesto silogismo e é, em verdade, uma aceitação da acusação genérica

camuflada.

19. Não é possível a utilização da doutrina do domínio da vontade em virtude dos

aparatos organizados de poder para os crimes empresariais e, consequentemente,

não se pode justificar a denúncia genérica com a referida teoria. As empresas, em

sua esmagadora maioria, buscam aferir lucros legalmente, e eventuais incidências

penais de seus sócios ou dela mesma são casuísticas ou acidentais.

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20. É somente com a efetiva investigação e com o incremento dos meios de prova

na fase pré-processual que será possível, se não eliminar, ao menos minorar o

problema da identificação da autoria nos crimes empresariais.

21. Não é aconselhável o oferecimento de denúncias nos crimes econômicos tendo

como base apenas procedimentos administrativos de autoridades não-policiais, uma

vez que estes, via de regra, contentam-se com a análise pura e simples da

responsabilidade objetiva, da pessoa jurídica e de seus sócios.

22. É exigível a existência de inquérito em casos de crimes empresariais.

23. A utilização correta dos novos meios de provas para a criminalidade econômica

é um excelente modo para se buscar a autoria de um fato criminoso cometido no

âmbito de uma pessoa jurídica.

24. Muitas vezes, a utilização eficiente dos tradicionais meios de prova consagrados

no Código de Processo Penal já é suficiente para a definição da autoria, coautoria e

participação nos crimes societários.

6.4 A DENÚNCIA GENÉRICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS

1. Apesar de não linear, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto à

denúncia genérica alterou-se consideravelmente nos últimos 20 (vinte) anos. Das

decisões da década de 1990 (que aceitavam, sem ressalvas, a denúncia genérica),

e do início do novo século (que a aceitavam, com a camuflagem de denúncia “mais

ou menos” genérica), passou-se, em meados dos anos 2000, ao entendimento

majoritário de exigência da descrição da conduta de cada denunciado, ainda que de

forma não pormenorizada.

2. Não obstante o avanço, o posicionamento atual ainda não é o ideal, uma vez que

a desnecessidade de descrição pormenorizada das condutas traz consigo uma

carga reprovável de subjetividade.

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3. A análise histórica da orientação do Supremo Tribunal Federal destoa daquela do

Superior Tribunal de Justiça. Tal qual neste, nos primeiros anos após o advento da

Constituição da República o entendimento era de possibilidade de denúncia

genérica. Após 2005, passou-se a repelir as acusações genéricas. Atualmente, em

alguns julgados, regride-se para a orientação de possibilidade de denúncia genérica

e, em outros, segue-se o atual posicionamento do STJ, não admitindo as acusações

desprovidas de individualização de condutas, admitindo-se, contudo, que tal

individualização prescinde de exaustividade.

4. Nota-se uma evolução no pensamento do Superior Tribunal de Justiça (que,

paulatinamente, tem demonstrado avanços quanto à questão da denúncia genérica)

e, ao mesmo tempo, uma involução da orientação da Suprema Corte (que regrediu

de um pensamento absolutamente contrário às acusações genéricas para um

entendimento mais flexível e menos constitucional da questão).

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Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

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Professor (a) Orientador (a) Curitiba, ____/_____/________

Recebido em: _______/________/________

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Secretaria