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RecensoCentro e Periferia, de Edward Shils

Universidade da Madeira

CENTRO DE ESTUDOS DE ARTES E HUMANIDADES MESTRADO EM ESTUDOS REGIONAIS E LOCAIS HISTRIA DAS INSTITUIES REGIONAIS Professor Doutor Nelson Verssimo 2009 / 2010

[23 de Junho de 2010] Ana Cristina de Neves Ferreira Rodrigues Discente n 2048006

Recenso

Edward Shills, Centro e Periferia, Lisboa, Difel, 1992, 525 pginas.

Centro e Periferia, editado pela primeira vez em 1974 pela Universidade de Chicago, apresentado nesta edio de 1992 sem os ltimos seis captulos de ensaios. O tradutor, Jos Hartuig de Freitas, possui j diversos livros traduzidos na rea das cincias sociais, transformando este numa leitura obrigatria para quem se interessa pela temtica da polis e a sua influncia no territrio nacional. A capa da responsabilidade de Emlio Tvora Vilar, nascido em Faro em 1964 e licenciado em Design de Comunicao pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, onde professor auxiliar e coordenador de licenciatura em Design de Comunicao. Detentor do grau de Doutor em Gesto e Mestre em Cincias Empresariais pelo ISCTE, desenvolve investigao na rea do Marketing. Enquanto isso, tem tambm colaborado na ilustrao de vrias obras de relevncia nacional1. O autor, Edward Albert Shils (1910-1995), famoso socilogo americano, concluiu o Bacharelato em Lnguas Estrangeiras na Universidade de Pensilvnia com vinte anos de idade. Durante vrios anos exerceu a sua actividade profissional como assistente social e, em 1932, ingressou na Universidade de Chicago onde, juntamente com alguns professores intelectualmente insaciados, se envolve numa atmosfera de curiosidade e descoberta, comeando procura de respostas para as grandes perguntas1

Entre as quais destacamos Histrias dos Jernimos, de Ana Margarida Magalhes e Isabel Alada, Ed. Caminho, 1989, Segredos de Belm: guia dos Jernimos, da Torre e do Bairro, de Ana Margarida Magalhes e Isabel Alada, editado pelo Instituto Portugus do Patrimnio Cultural em 1991, Histria de Portugal, de Jos Mattoso, Ana Margarida Magalhes e Isabel Alada, Ed. Caminho, 1993-1995, Cores para o futuro: ilustrao infantil e juvenil portuguesa, no qual tambm contribui com textos, numa edio D.L. 1997, assim como trs produes originais, Imagem da organizao, Ed. Quimera, 2006, Fidelidade e imagem na banca: influncias recprocas e Marketing bancrio: um modelo de imagem da banca, ambos da Ed. Quimera em 2008, informao recolhida em BLX - Rede Municipal de Bibliotecas de Lisboa, Emlio Tvora Vilar, consultado a 19 de Junho em: http://catalogolx.cmlisboa.pt/ipac20/ipac.jsp?session=12C482N1U7171.581&profile=rbml&uindex=AW &term=Vilar,%20Em%C3%ADlio,%201964-aspect=basic_search&menu=search&source=~!rbml#focus

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acerca ds funes sociais do Eu. A influncia recebida pelos economistas Frank H. Knight e John U. Nef, assim como pelo socilogo Robert E. Park, proporcionam-lhe descobertas em novas reas do comportamento at ento escondidas. Com isto, e apesar da considervel reduo salarial a que ficou sujeito, tornou-se investigador assistente do Departamento de Sociologia no se tendo empenhado em fazer o doutoramento pois, segundo palavras suas, as exigncias de tal grau acadmico ficavam abaixo dos seus padres de exigncia. Graas s suas excelentes capacidades lingusticas, teve contacto com os socilogos alemes de relevo, tais como Georg Simmel, Max Webber e Karl Mannheim, assim como com o socilogo francs Emile Durkeim. Enquanto esteve em Chicago, a convivncia com estes escritores foi moldando as suas ideias acerca das relaes sociais e do papel dos acadmicos e do ensino no desenvolvimento do ser humano e da sua relao com a vida em sociedade. Colaborador assduo de revistas da especialidade, ensina Sociologia no Instituto de Economia de Londres em 1946. Trs anos depois recebe um convite do socilogo Talcott Parsons para ir para a Universidade de Harvard e, em conjunto, elaborar Toward a General Theory of Action (1951), que veio a ser o livro de referncia de meados do sculo XX. Juntos, constroem uma teoria sociolgica que permite a compreenso de uma sociedade unida em que todos os factores sociais se encontram interligados. Em 1952 e 1953 lecciona na Universidade de Manchester tendo, no final deste ano, regressado Universidade de Chicago onde ficou at reforma, em 1985, momento em que lhe foi atribudo o grau de distino de Professor / Investigador, em reconhecimento do seu valor e contributo. Foi professor durante 56 anos e a sua ltima aula foi dada aos oitenta e quatro anos de idade. Durante os ltimos quinze anos de ensino concentrou a sua ateno no que ele chamou a conscincia da prpria sociedade, pois considerava-a uma verdadeira entidade. As suas obras, de imensurvel valor para o avano das cincias sociais, fazem parte do patrimnio cientfico e cultural do mundo: Selected Essays (1970), The Intellectuals and the Powers and Other Essays (1972), Center and Periphery: Essays in Macrosociology (1975), The Present State of American Sociology (1948), Political Development in the New States (1962), The Torment of Secrecy (1974, Tradition (1981), Cambridge Women: Twelve Portraits (1996) e Portraits: A Gallery of Intellectuals (1997). Em edies conjuntas temos Toward a General Theory of Action (1951) e Theories of3

Society (1961). Para alm disso, foi editor de inmeros artigos na revista Minerva, Criteria for Scientific Development: Public Policy and National Goals (1968)2. A iniciar a monografia est a Nota de Apresentao, em que os coordenadores anunciam o campo de pesquisa de Shils, assim como aspectos da conjuntura poltica e social da sua teorizao, a qual remonta ao perodo entre os anos 30 e a dcada de 70 do sculo XX. Tal perodo est repleto de instabilidades resultante das discusses intelectuais acerca do capitalismo, do totalitarismo e das sociedades livres, teorias associadas ao desemprego macio provocado pelas democracias capitalistas liberais. Na Introduo reconhecemos a preocupao do autor em informar o leitor sobre os principais conceitos que vai abordar partindo, assim, do de sociedade, e relacionando-o com os seus elos. Dividido em quatro partes, e estas subdivididas em dezoito captulos, a abordagem temtica segue a ordem do ttulo debruando-se sobre o conceito de sociedade, no qual imediatamente destaca as duas grandes esferas de aco, centro e a periferia. Ideias, perspectivas, formas de integrao social, a estratificao da sociedade de massas e teorias sociolgicas implcitas so aprimoradamente abordadas ao longo da primeira parte. Na segunda parte da obra, Shils vai referindo as foras e os mecanismos que falcultam sociedade a sua organizao e continuidade, assim como os elementos intervenientes decisrios, tais como o carisma, o consenso ou a tradio. A terceira parte do livro permite-nos vislumbrar as redes de autoridade e poder em funcionamento numa sociedade estratificada, sem esquecer o estatuto, o poder e a deferncia. Finalmente, as relaes de dependncia e independncia de poder tornam-se visveis mediante a expanso e correlao com o centro da sociedade. O ndice de autores mencionados ao longo do texto, assim como o ndice temtico, constituem uma mais-valia para a apreenso das ideias expressas. O ttulo da obra tem, implcita, no s a tarefa de chamar a ateno do eventual leitor, mas tambm a de resumir e concentrar o tema a abordar. Sendo o ttulo de carcter informativo, o seu aspecto descritivo assume-se bastante abrangente, dando uma ideia do assunto apesar de no antecipar qualquer indcio temporal. Assim, Centro

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Ann T. Keene, Shils, Edward Albert, American National Biography Online, em: http://www.anb.org/articles/14/14-01145.html

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e Periferia admite a existncia de duas grandes reas de qualquer sociedade, interligadas e interdependentes. O contexto para esta produo avalizado pelo cenrio histrico em que a mesma foi sendo elaborada ao longo dos seus cinquenta anos de estudo. A leitura dos escritores do sculo XIX, no s americanos, mas essencialmente franceses, russos e alemes, levantaram-lhe dvidas que, mais tarde, afirmar-se-iam de cariz sociolgico. De entre todas nascia uma ideia fulcral, a de que todos os indivduos se ligam de modo mpar sociedade que os viu crescer. O assunto reflecte a ideia de que a sociedade resulta das diversas relaes entre os indivduos, apontando os pequenos grupos, colectividades, classes sociais e as naes, apesar de as ideologias e crenas de cariz mais ou menos permanente e com maior ou menor importncia. Para isso, observa o encadeamento dos acontecimentos no desenrolar natural da histria da Humanidade, e no somente aspectos isolados. O verdadeiro objecto de estudo da sociologia detectar as razes que levam a que uma sociedade permanea unida ou se desmorone. Nem o aparecimento da obra de Karl Mannheim, em 1935, permitiu descobrir como se mantiveram as sociedades sem sofrerem as mudanas drsticas estruturais propostas. Shils medita no consenso e nas crenas ligadas ao centro e fica, assim, mundialmente conhecido por criar uma teoria sociolgica universal resultante da associao entre o empirismo da sociologia americana e o pensamento terico dos socilogos europeus. As condecoraes recebidas definem-no como um cientista moral e social. O contedo subdivide-se em alguns aspectos essenciais, antes de o autor nos guiar atravs de uma temtica mais especfica. O objecto de estudo de Edward Shils apresentar um conceito de sociedade assaz abrangente, mencionando todas as suas estruturas variadas e englobantes, as quais podem ser analisadas na sua forma ou padro social, ou na intensidade da integrao efectuada, tornando este fenmeno bastante complexo, inclusiver, pelos modos de conservao e de alterao que vo surgindo. Mediante uma perspectiva macrossociolgica pode-se afirmar que a sociedade constituda por um centro e uma periferia. Este centro, do qual emana toda a liderana, detm uma posio espacial bem definida e centralizada enquanto rgo gerador dos sistemas centrais institucionais e culturais. No entanto, sabido que as sociedades no so todas iguais, e que o que as diferencia entre si , precisamente, a relao que se5

estabelece entre centro e periferia. Enquanto algumas sociedades desenvolvem tendncias macroenceflicas, em que todas as decises so tomadas no centro e todo o desenvolvimento tecnolgico, cientfico, educativo e cultural parte do centro e se estende at periferia, outras h em que o centro principal, correndo o risco de diminuir a sua autoridade e o seu poder de influncia, opta pelo desenvolvimento de centros secundrios que vo, certamente, reduzir a centralidade do primordial. Sendo a sociedade considerada a colectividade mais inclusiva e coesa em virtude de ser formada por diversas partes, tambm a que identifica os indivduos nela nascidos atravs do nome que partilham com o territrio e com o Estado. Assim, no basta algum ser reconhecido em funo do gnero ou da raa, informar acerca do nome de famlia ou da profisso que desempenha mas, para ser reconhecido na ntegra, tem de mencionar a nacionalidade. Ao faz-lo, identifica no s o territrio de nascimento, mas tambm a sociedade a que pertence. Semelhantemente, a multiplicidade de intervenes existentes no seio da sociedade toma forma. A influncia que essa estrutura mais englobante opera na vida dos indivduos, enquanto parte de grupos variados e interligados (famlia, vizinhana, escola, igreja, associao, comunidade, classe social, grupo tnico, localidade, regio, pas), e a influncia intermitente desses mesmos indivduos sobre as partes componentes, refletem as conexes bidireccionais que, enquanto fluxo e refluxo do processo de sociabilizao, so comuns a todos os seres humanos, constitundo a base estrutural da sociedade alargada. Mas o conceito shiliano de sociedade ainda mais abrangente, pois ele defende que a sociedade s pode ser vista como um todo se analisada atravs das diversas perspectivas significativas, tais como a poltica e a econmica. Por isso, vai ter em considerao as noes de totalitarismo, capitalismo ou democracia, consideradas domnios menores da poltica e economia enquanto relacionados com o Estado, assim como o territrio e a nacionalidade assumem suma importncia para a sociedade. mediante os diversos fenmenos de integrao das esferas da sociedade, em que as partes menores se ligam entre si formando uma sociedade alargada e una, que surgem as relaes entre centro e periferia. Estes fenmenos de integrao nada mais so do que as vrias relaes que o centro estabelece com todas as periferias.

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A integrao, articulao entre a expectativa e a realizao individual ou de cada grupo que parte integrante da sociedade, sempre heterognea, irregular e intermitente, pois varia de acordo com as partes envolvidas, uma vez que a mesma sociedade pode ser bem adaptada a uns sectores e apresentar deficincias de integrao em outros. Para estudar a integrao das sociedades urge examinar a relao estabelecida entre centro e periferia. Esta integrao pode fazer-se por coerso (assim como por ameaa de coerso, a qual , na maioria das vezes, a mais eficaz uma vez que gere as crenas instauradas) ou por consenso. Este essencial no processo de integrao da sociedade, apesar de muitas opinies o apontarem como uma das principais fraquezas do pensamento moderno, visto a dissoluo do consenso levar desintegrao da sociedade moderna, a qual defende a reduo drstica da coerso e manipulao em prol da liberdade de escolha. pelo facto das sociedades desenvolverem conflitos endmicos, normalmente resultantes da ausncia de consenso e da desejada integrao, que Shils dedica grande parte da sua abordagem ao estudo deste assunto. Das caractersticas gerais de uma sociedade destacamos a grande importncia dada s fronteiras, uma vez que possuem a tendncia de se expandirem ao longo de uma superfcie no interrompida por cursos de gua ou por outras sociedades mais antigas com crenas diferentes. Por isso, o autor afirma que sociedade tudo o que acontece dentro das suas fronteiras. de forma simples, mas no simplista, e surpreendendo o leitor menos instrudo, que o conceito de crena surge na linha de pensamento. Dotado de uma funo preponderante na estruturao da sociedade, reflecte-se em atitudes de solidariedade entre aqueles que partilham convices. Comeando por denomin-la de f, este termo passa a ser substitudo por ideologia, em especial nos pases de lngua inglesa. O facto de os racionalistas desacreditarem a maioria das crenas, isso no os impede de admitirem a importncia do seu reconhecimento. No entanto, a atitude das sociedades modernas capitalistas e liberais democrticas diverge da dos regimes totalitrios. Enquanto estes apresentam um conjunto de valores comuns e persuasivos que vo ao encontro da necessidade de solidariedade dos cidados, aquelas institucionalizam a religio como resultado de um individualismo excessivo e ausente de crenas. Assim, a sociedade extensa, como a caracteriza Shilds, resultado da articulaao de diversos fenmenos pertencentes ao domnio dos valores e crenas numa esfera de7

aco em que as actividades, as funes e as pessoas, inseridas numa determinada rede de instituies, encarnam esses mesmos valores e crenas. A sociedade divide-se em sistemas e sub-sistemas sociais independentes e, simultaneamente, interdependentes. Entre os sistemas mais evidentes destacamos o sistema poltico, econmico ou cultural e respectivas instituies, as quais tm a seu cargo a conservao dos valores cientficos, educacionais e culturais atravs de instituies adequadaas ao efeito, tais como as escolas, universidades e sistema eclesistico. Cada uma destas organizaes possui uma autoridade, uma elite, onde um ou mais indivduos de uma organizao toma decises. A permanncia de tais instituies encontra-se acima dos prprios sistemas que lhes do forma pois, ante a improbabilidade de uma sociedade sucumbir, no se prev a obrigatoriedade de as instituies por ela criadas serem extintas. Quanto aos subsistemas, Shilds considera que existem vrios graus de afirmao resultantes desta rede de organizaes ligadas entre si, nos quais existe uma autoridade comum s relaes pessoais, aos contratos ou partilha de interesses, caracterstica de cadaum deles. A participao activa de cada uma das partes na vida da sociedade directamente proporcional ao relacionamento entre os sistemas e subsistemas do centro em relao a todo o territrio. O facto de todas as sociedades possuirem um centro implica, tambm, a existncia deuma ou vrias periferias com as quais as populaes perifricas, espontaneamente, se identificam. Um facto largamente comprovado o da dificuldade que a maioria dos seres humanos sente em manter uma relao intensa, directa e contnua com o centro da sua sociedade, em virtude da dimenso e diversidade o que, ao mesmo tempo, impede o centro de conhecer todas as periferias na ntegra. O centro, comum a todas as sociedades, tem o alvo de influenciar e orientar o comportamento dos cidados, impondo as decises tomadas pela coerso ou manipulao sempre que tal no seja possvel atravs do consenso. Ao mesmo tempo que personifica a validao dos valores e crenas, propaga-os por toda a rede de actividade da sociedade, de forma a serem por todos observados, uma vez que o centro no , apenas, uma mera localizao geogrfica sita dentro de uma rea territorial devidamente delimitada por fronteiras. Tal atitude no invalida que, resultante da estratificao social centralizada, a soma dos diversos valores e crenas aceites pela sociedade em geral seja equivalente ao sistema central de valores8

imposto. Por isso h que saber gerir bem a sociedade no seu todo sem deixar escapar aspectos de menor importncia aparente, de forma a conciliar a tendncia megalmana da centralidade com a limitao que a mesma enfrenta para levar a cabo todas as tarefas. Quando se pensa em gerir bem, tal significa faz-lo com proficincia, de forma a evitar animosidade e resistncia. Assim, o centro apresenta duas vertentes bem definidas: a dos valores e crenas e a da esfera de aco que , no fundo, o funcionamento da rede de actividades de uma forma mais prtica, pois tem a funo de as pessoas e funes dentro da rede de instituies colocarem esses mesmos valores e crenas em funcionamento. Shils apresenta-se contra um novo provincianismo que defende que as ideias desenvolvidas para o estudo das sociedades ocidentais no serve para o estudo das sociedades de outros continentes. Em primeiro lugar, o autor entende que esta teoria falha pelos seus pressupostos, pois no foram os cientistas sociais dos pases ocidentais que exigiram que as sociedades dos novos estados fossem mais integradas, mas sim os centros polticos, intelectuais e militares, os quais reivindicaram uma integrao mais abrangente das suas prprias sociedades. Em segundo lugar, as cincias sociais s podem representar uma tradio intelectual quando debatidas ao longo das geraes. Qualquer apresentao e discusso de regras quanto a inovaes e alteraes institucionais, ou padres intelectuais, assume-se ilegtima face inexistncia de reflexo histrica do passado da sociedade. Sabemos que, nos pases cujo regime poltico no permitia interaco com o exterior, como era o caso da Polnia, tal clausura era plasmada na velha forma de tomar decises no viabilizando, por exemplo, a reforma geral das instituies de ensino universitrio, cujos contedos mudaram apenas ligeiramente de forma a torn-las instituies virtualmente intocveis 3. Os centros formam-se e conservam-se mediante a atribuio de caractersticas a pessoas, funes e instituies, e esta esfera de aco que permite aos indivduos desempenharem as suas funes dentro das instituies. atravs da difuso de valores e crenas que a sociedade assume aquilo que se denomina de uma natureza sagrada.Janusz Mucha e Pawel Zalecki, Zdzislaw Krasnodebski (rev.), Commentrio reportagem The state of sociology in Poland, 1990-2000, GESIS Leibniz Institute for the Social Sciences, consultado a 30-032010, em: http://www.cee-socialscience.net/archive/sociology/poland/report1_review1.html3

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Apesar de esforos em contrrio, todas as sociedades tendem para a centralidade, e todos os cidados tendem a rejeit-los. O modo de distribuio de conhecimento por toda a sociedade um dos aspectos da sua integrao, ou seja, a articulao das relaes entre os governos central e locais est sempre presente. Assim sendo, o conjunto de instituies legitimado pelo sistema central de valores denominado de sistema institucional central, do qual fazem parte as instituies polticas, econmicas, religiosas e culturais, pois so as que, mediante a autoridade e a coerso, persuadem e controlam a aco dos cidados. Aparenta ser importante mencionar que, na poca em que esta obra foi escrita, a influncia do Clero era muito mais evidente do que na actual sociedade do sculo XXI. Por essa razo, atrevemo-nos a no considerar as instituies religiosas como parte do sistema institucional central actual. Apesar da reduo visvel da anterior posio dominante, sendo a autoridade, anteriormente legtima, agora substituda por alguma autoridade carismtica, passa a fazer companhia aos sistemas familiares, mantendo a tarefa de reforar o sistema institucional central. Isto porque nenhuma sociedade permanece igual ao que foi no seu passado pois, apesar da tentativa de manuteno de uma continuidade e estabilidade, h que ter em conta as tenses internas, com todas as suas magnitudes e ritmos. A estabilidade entre todas as instituies, centrais ou perifricas, mantida atravs das relaes de poder baseadas nas expectativas e vantagens que legitimam a ligao entre os seus membros, as quais podem ser primordiais (de parentesto, etnia ou nacionalidade, ligao amorosa ou partilha de habitao), pessoais (resultante de qualidades ou defeitos que originam empatia ou inimizades), sagradas (partilha das mesmas crenas) e civis (enquanto membros de uma sociedade com partilha da mesma civilidade). Quando maior for a sociedade, mais subsistemas desenvolve na sua esfera de aco, sendo a coordenao adequada conseguida mediante o exerccio adequado de poder com o alvo primordial de estabilizao das aces, tanto no domnio das instituies pblicas, como das particulares. A periferia, por seu turno, so todos aqueles sectores da sociedade que recebem ordens ou interiorizam crenas e valores que no foram por elas criadas nem difundidas. Ocupando, na generalidade, uma vasta rea em redor do centro, enfrenta situaes menores de distribuio e atribuio de recompensas, assim como de oportunidades. Quanto menos poderosa for a periferia, menor recompensa obter. Quanto menos10

criativa se apresentar, menor investimento cultural alcana do centro. Quanto menor for a influncia recebida pelo sistema institucional central, mais perifrica se torna a periferia. Dentro da periferia h, tambm, reas que so mais perifricas do que outras. Isto porque o centro possui um poder de atraco natural, o qual exige ateno e sujeio. E , precisamente, nesta conjuntura estratgica de integrao que se evidencia a existncia de um elemento, simultaneamente, canalizador e catalizador, que se considera essencial para o bom funcionamento das relaes sociais. Referimo-nos autoridade do centro em articulao com as autoridades das periferias, cuja ligao ao sistema central de valores se vai atenuando medida que se afasta do centro, apesar de ter como objectivo a tomada de decises em consonncia com os sistemas ou subsistemas similares, e o respectivo cumprimento das mesmas. Autoridade a que comum a todos os subsistemas que integram a sociedade, ou seja, cada um dos subsistemas formado por uma rede de instituies ligadas entre si por uma autoridade comum. Enquanto isso, autoridades so as que variam dentro desses mesmos subsistemas. Por este facto, sempre que mencionamos centro e periferia, ou governos central e locais, no devemos olvidar as importantes questes da integrao nem o facto de as sociedades no democrticas funcionarem sob elevada concentrao de autoridade. Ora, do conhecimento geral que qualquer ideia de sociedade implica integrao e que tal fenmeno se aplica a todas as sociedades, independentemente das suas variaes, forma ou padres adoptados e / ou a intensidade dessa mesma integrao, contribuindo para a sua complexidade. Para que uma sociedade possa existir h que haver assimilao e as tentativas de integrao tambm podem suscitar apreenses. O aparecimento de movimentos separatistas, de ideais regionalistas extremas ou o aumento tendencial da corrupo podem dar origem a grupos de indivduos que, apesar de pertencerem ao mesmo pas e de se encontrarem sujeitos legislao do mesmo Estado, se consideram membros de sociedades independentes, apesar do impacto que as novas ideologias possam exercer nas anteriores. De igual modo, o impacto das mudanas econmicas pode ser mais uma reaco do que uma reforma consciente, sendo isso visvel mediante o baixo grau de eficincia e a ausncia de objectivos definidos por uma sociedade menos funcional.11

Por tudo isto no devemos apenas referir as articulaes mais comuns entre centro e periferia como nicas, uma vez que a periferia pode circundar o centro ou pode distanciar-se-lhe bastante. Quando tal acontece, a periferia situa-se fora do raio de aco imediata do centro e, na grande maioria dos casos, a localizao remota leva a um sentimento de abandono que s se v interrompido pela cobrana de impostos. Quando tal afastamento toma lugar, surge a tendncia dessas periferias criarem os seus prprios centros detentores de alguma autonomia, visto a descontinuidade do poder central facultar tal legitimidade a estes centros perifricos. Apesar de todas as tentativas de aproximao e de imitao do poder cental, ser periferia significa estar distante do centro, ou seja, ter acesso reduzido aos mais importantes meios de divulgao culturais e cientficos, para alm da reduzida, ou praticamente inexistente, visibilidade internacional. Com isto, referinmo-nos a centro nacional, mas o que dizer de um centro internacional? escala mundial, quais so os pases perifricos? A que distncia est cada um deles do centro? E a que centro internacional nos referimos? Se o centro , independentemente do cunho, o orgo emissor de normas e valores, sejam eles de mbito nacional ou internacional, como deve a periferia aproximar-se? Sabemos que um pas pode ocupar uma posio perifrica em determinada rea, econmica, cientfica ou cultural, no significando que o faa em todas as reas do conhecimento, pois uma das caractersticas determinantes para distinguir o centro de uma periferia ou, pelo menos, para encurtar a distncia entre eles, a capacidade para inovar. Se nos referimos s investigaes de carcter cientfico, parece-nos relevante que os pases perifricos reunam esforos para enviarem os seus elementos acadmicos e investigadores para treinamento nos pases centrais, a par e passo com o incentivo da publicao de artigos em revistas cientficas internacionais. Se assim no for, este fenmeno que tem vindo a alterar radicalmente a vida dos cidados de todo o universo e ao qual chamamos globalizao, perde toda a sua eficcia perante a cristalizao das distncias, ao invs da esperada diluio. Atrevemo-nos a adiantar que possumos todas as condies para que tal no acontea. A conscincia poltica aliada preservao da identidade, as adequadas infra-estruturas facilitadoras de comunicao em tempo real que praticamente todas as naes possuem, assim como12

o crescente uso da lngua inglesa como idioma de comunicao universal, so elementos facilitadores da reduo das diferenas ainda sentidas entre centros e periferias, apesar dos diferentes patamares de desenvolvimento em que cada uma delas se encontra. Aps esta diminuta contribuio para o incentivo da leitura de Centro e Periferia, de Edward Shils, podemos concluir que ele defende a existncia de semelhanas bsicas na estrutura de todas as sociedades, afirmando que os aspectos comuns so a existncia de uma zona predominante, qual ele d o nome de centro, e s restantes reas territoriais, que ele denomina de periferias. A partir da teorizao de Shils, centro est onde o poder e a autoridade se concentram. Tal viso conceptual obteve larga difuso e aceitao nas dcadas de 60 e 70 do sculo XX em todo o mundo, pois facilitara a compreenso do conceito de distncia, que deixa de estar limitado concepo quilomtrica real, tornando-se firectamente proporcional ao afastamento poltico, econmico, legal, educacional ou cultural. Tal metamorfoseou mentalidades ao nvel das relaes cientficas e dos factores intervenientes essenciais para a sua maior ou menor difuso. O conceito de distncia sofreu, tambm, uma outra alterao. Em vez de um impedimento, agora j no a distncia entre a periferia e o centro que afecta os cidados, mas sim o modo como estes se relacionam com o poder central. Fonte emanadora de valores e crenas para governar a sociedade, transmite s periferias noes de sagrado outrora desvalorizadas pela falta de meios humanos e tcnicos para ultrapassar essa mesma distncia. Sendo a sociedade formada por vrios sistemas intradependentes, tais como o poltico, legal, econmico, educacional e cultural, funciona esta como um todo e, ao mesmo tempo, articula-se com o que o autor denomina de subsistemas, ou as vrias organizaes interligadas que, segundo prticas comuns, manobram e se sujeitam mesma autoridade central apesar de, pela sua posio perifrica, poderem beneficiar de algumas autoridades concedidas. Segundo ele, o fundamental para que todo o sistema social funcione a existncia de um sistema central de valores que, mediante coerso, manipulao ou consenso, leve as zonas perifrias a adoptarem os modelos propostos. Disto resulta uma rede de influncias do centro em direco periferia com distribuio desigual de poder e autoridade, o que instiga a eterna luta pela hegemonia.A liberdade e a privacidade vivem em ilhas num mar consensual. Quando a mar subir podem vir a ser submergidas. Edward Shils, Centro e Periferia, p. 71.

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BIBLIOGRAFIA:

KEENE, Ann T., Shils, Edward Albert, American National Biography Online, consultado a 27-03-2010 em: http://www.anb.org/articles/14/14-01145.html

MUCHA, Janusz e ZALECKI, Pawel, KRASNODEBSKI, Zdzislaw (rev.), Commentrio reportagem The state of sociology in Poland, 1990-2000, GESIS Leibniz Institute for the Social Sciences, consultado a 30-03-2010, em: http://www.cee-socialscience.net/archive/sociology/poland/report1_review1.html

VILAR, Emlio Tvora, BLX - Rede Municipal de Bibliotecas de Lisboa, consultado a 19 de Junho em: http://catalogolx.cmlisboa.pt/ipac20/ipac.jsp?session=12C482N1U7171.581&profile=rb ml&uindex=AW&term=Vilar,%20Em%C3%ADlio,%201964&aspect=basic_search&m enu=search&source=~!rbml#focus

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