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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO CLÁUDIA ALBUQUERQUE DA SILVA A USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

CLÁUDIA ALBUQUERQUE DA SILVA

A USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

FORTALEZA 2014

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CLÁUDIA ALBUQUERQUE DA SILVA

A USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DO DIREITO

FUNDAMENTAL À MORADIA

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Direito do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.

FORTALEZA 2014

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CLÁUDIA ALBUQUERQUE DA SILVA

A USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DO DIREITO

FUNDAMENTAL À MORADIA

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Professor Ms. .........................................

_________________________________________________ Professora Ms. .........................................

_________________________________________________ Professor Esp. .........................................

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Dedico este trabalho primeiramente а Deus, por ser essencial em minha vida, autor do meu destino, meu guia e protetor, e à minha mãe querida e amada, pois sem ela eu não teria forças nessa longa jornada.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, que iluminou o meu caminho durante esta caminhada.

A minha mãe Maria de Fátima Andrade de Albuquerque, irmã Rosany Albuquerque

da Silva e ao meu amor José Hugo de Alencar Linard Filho, quero agradecer de

forma destacada e grandiosa, pois me incentivaram a seguir em frente e concluir

mais esta etapa em minha vida.

.

As minhas tias Laura, Maria do Carmo, Almerinda e Mazinha, que sempre estiveram

na torcida pelo meu sucesso.

A minha amiga Rafaela Ferreira Chagas, que sempre esteve presente nesta jornada,

ajudando-me nos trabalhos e incentivando-me nos momentos mais difíceis.

A minha orientadora Teresa Cristina Pinto Moreira que além de ter mostrado os

caminhos para a realização e conclusão deste trabalho, inspirou de maneira especial

os meus pensamentos, levando-me a buscar mais conhecimentos.

A todos os professores pelos ensinamentos, acolhimento e disponibilidade.

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“Se o dinheiro for a sua esperança de independência, você jamais a terá. A única segurança verdadeira consiste numa reserva de sabedoria, de experiência e de competência.” (Henry Ford)

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RESUMO

A presente monografia pretende apresentar um estudo sobre a mais recente

modalidade de usucapião instituída no ordenamento jurídico brasileiro, a qual fora

criada pela Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, denominada usucapião pró-família.

Apresentando os requisitos genéricos e específicos, dando especial enfoque ao

polêmico “abandono do lar” conjugal pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, a

usucapião pró-família inovou o Código Civil Brasileiro de 2002, apresentado-se

como instrumento garantidor do direito fundamental à moradia e de proteção às

famílias. Primeiramente, foram analisados os conteúdos de ordem histórica e geral,

comum a todas as modalidades de usucapião positivadas nos diplomas legais

brasileiros. Em seguida, analisou-se a moradia como um direito humano

fundamental. Empós, estreou-se a análise da usucapião pró-família, a qual iniciou

pelo estudo das entidades familiares, considerando todas as formas de constituição.

Por fim, foram analisados desde a concepção da usucapião pró-família,

perpassando-se pela resolução da antinomia aparente surgida com a referida

usucapião, seus requisitos, (in)aplicabilidade da norma, até a análise de questões

processuais pertinentes dando ênfase, na interpretação sistemática de acordo com

os preceitos constitucionalmente assegurados

Palavras-chave: Usucapião Pró-famíla. Direitos Humanos Fundamentais. Moradia.

Proteção à família.

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ABSTRACT

This monograph aims to present a study on the latest prescription modality

established in Brazilian law, which was created by Law 12,424, of June 16, 2011,

called pro-family prescription. Introducing the generic and specific requirements,

giving special attention to the controversial "abandonment of the home" married the

ex-spouse or ex-partner, the pro-family prescription innovated the Brazilian Civil

Code of 2002, is presented as guarantor instrument the fundamental right to housing

and support for the families. First, the historical and general contents were analyzed,

common to all forms of adverse possession positive in Brazilian legislation. Then

analyzed the housing as a fundamental human right. Debuted the analysis of pro-

family adverse possession, which began the study of family entities, considering all

forms of constitution. Finally, we analyzed from the design of pro-family prescription if

traversing-for resolving the apparent contradiction arising with that prescription, your

needs, (in) applicability of the standard, to the analysis of relevant procedural issues

with emphasis on interpretation systematic according to the precepts guaranteed

constitutional

Keywords: Adverse possession Pro-Family. Fundamental Human Rights. House.

Family protection

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 USUCAPIÃO .......................................................................................................... 13

2.1 Conceito .............................................................................................................. 13

2.2 Origem e evolução histórica ................................................................................ 15

2.3 Usucapião no Direito Brasileiro ........................................................................... 17

2.4 Fundamento Jurídico da usucapião..................................................................... 21

2.5 A usucapião no direito comparado ...................................................................... 22

3 USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS ......................................................................... 25

3.1 Os pressupostos ou requisitos da usucapião ...................................................... 25

3.1.1. A Posse ........................................................................................................... 25

3.1.2. A coisa hábil .................................................................................................... 26

3.1.3. O Lapso Temporal ........................................................................................... 28

3.1.4. O Justo Título e a Boa-fé ................................................................................. 29

3.2 As modalidades de usucapião de bens imóveis .................................................. 30

3.2.1. Usucapião Extraordinária ................................................................................ 30

3.2.2. Usucapião Ordinária ........................................................................................ 31

3.2.3. Usucapião Especial ......................................................................................... 32

3.2.3.1. Usucapião Especial Rural .......................................................................... 32

3.2.3.2. Usucapião Especial Urbana....................................................................... 32

3.2.4. Usucapião Pró-família ..................................................................................... 33

3.2.5. Usucapião Indígena......................................................................................... 33

3.2.6. Usucapião Urbana Coletiva ............................................................................. 34

4 MORADIA, UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL .......................................... 36

5 USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA ................................................................................. 45

5.1 A Entidade Familiar ............................................................................................. 45

5.2 Denominação, conceito, origem e fundamento da Usucapião pró-família........... 49

5.3 Antinomia aparente entre o art. 197, inciso I e o art. 1.240-A, ambos do Código

Civil de 2002 .............................................................................................................. 55

5.4 Requisitos, interpretação e aplicabilidade da usucapião pró-família ................... 56

5.5 Causas impeditivas a incidência da usucapião pró-família ................................. 62

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5.6 Da competência para processar e julgar o instituto e outras questões

processuais ............................................................................................................... 63

6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 65

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67

ANEXOS ................................................................................................................... 72

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1 INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Carta Magna de 1988 e ascensão do princípio

da dignidade da pessoa humana, tem-se buscado, com a máxima atenção e

prioridade, a promoção dos direitos humanos fundamentais e a tutela da família,

considerada a base da sociedade.

Com isso, nota-se que as leis e as políticas públicas vêm sendo

impulsionadas a se preocuparem cada vez mais com a concretização desses

direitos básicos, inerentes a todos os seres humanos, assegurados

constitucionalmente.

O presente trabalho, cujo tema é “A Usucapião pró-família como

instrumento garantidor do direito fundamental à moradia”, tratará do mais recente

modo de aquisição originária da propriedade, a Usucapião pró-família.

A Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, que, substancialmente, trata de

normas relativas ao programa de incentivo habitacional do Governo Federal,

Programa Minha Casa Minha Vida, introduziu o artigo 1.240-A ao atual Código Civil

Brasileiro/2002, dando origem a nova modalidade usucaptiva.

Com a problemática na interpretação e aplicação da nova usucapião,

tornou-se imprescindível trazer a baila os motivos e o contexto em que foi posta, à

luz do direito e princípios constitucionalmente tutelados. Sobretudo, porque,

hodiernamente, os direitos relativos ao ser humano vêm sendo privilegiados em face

aos direitos de natureza, essencialmente, patrimonial.

Nesse contexto, e em consonância com os direitos humanos, o direito à

moradia e a proteção das famílias, verifica-se que a usucapião pró-família constitui

um tema extremamente relevante e atual no mundo jurídico.

Ter-se-á por principal objetivo a interpretação equitativa do novo artigo

1.240-A do Código Civil Brasileiro/2002, qual seja possível vislumbrar a usucapião

pró-família como instrumento garantidor do direito humano fundamental à moradia e

de proteção às famílias, quando suportado, por elas, desproporcionalmente, os ônus

financeiro, econômico e patrimonial decorrentes do rompimento fático do matrimônio

ou união estável e do abandono material.

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Este estudo é composto por quatro capítulos, os quais objetivam alicerçar

o instituto da usucapião pró-família como um instrumento garantidor do direito

humano fundamental à moradia e proteção da família.

Inicialmente serão abordados o conceito, origem e evolução do instituto

da usucapião (gênero) na história, bem como o seu fundamento e o instituto no

direito comparado. Empós, serão estudados os pressupostos e modalidades de

usucapião de bens imóveis existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Em momento posterior tratar-se-á da moradia como um direito humano

fundamental, o qual visa, precipuamente, garantir a todas as pessoas um lar e, com

isso, uma vida digna.

Em seguida, com fundamento no instituto da usucapião pró-família,

propõe-se a propriedade uma destinação segundo a sua função social, bem como

segurança e estabilidade jurídica às famílias.

À frente tratar-se-á da família como entidade familiar, compreendendo

suas diversas formas de constituição, perpassando-se brevemente pelas relevantes

mudanças jurídicas que vem ocorrendo ao longo do tempo no contexto familiar, até

chegar nos diversos direitos e princípios voltados a sua proteção.

Por fim, será abordado o instituto da usucapião pró-família, principal

objeto de estudo deste trabalho, de forma a analisar desde o conceito, origem e

motivos pelos quais se deu a institucionalização da nova modalidade usucaptiva ,

até as divergentes interpretações e aplicabilidade conforme a Carta Maior/1988.

Serão feitas breves considerações e análises acerca dos principais

requisitos da usucapião pró-família, principalmente no que tange aos diversos

entendimentos acerca do termo “abandono de lar”.

Será averiguada também, a antinomia aparente entre o art. 197, inciso I e

o art. 1.240-A, assim como, as causas impeditivas à incidência da usucapião pró-

família e a discussão existente sobre o suposto regresso do instituto da culpa que

havia sido abolido pela Emenda Constitucional nº 66/2010.

No que concerne à instrumentalidade da usucapião pró-família, buscar-

se-á esclarecer a competência para processar e julgar as suas ações, assim como

outras questões processuais relativas à matéria.

Desta forma, propõe-se vislumbrar algumas soluções trazidas com a

regulamentação da usucapião pró-família, em conformidade com os primados da

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Constituição Federal/1988 e as demais normas e princípios norteadores do direito

brasileiro.

Quanto à metodologia aplicada, a temática do presente trabalho se

desenvolverá através de pesquisas documentais e bibliográficas.

Com a pesquisa documental, mediante análise de medidas provisórias,

emendas, projetos de leis, exposição de motivos, se pretenderá buscar a origem e

os motivos determinantes à regulamentação da usucapião pró-família no

ordenamento jurídico brasileiro.

Quanto às pesquisas bibliográficas, por meio de livros, artigos, obras

publicadas, elas embasarão todo o conteúdo histórico, conceitual, classificações,

assim como interpretações e ensinamentos dos mais relevantes doutrinadores e

juristas brasileiros.

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2 USUCAPIÃO

2.1 Conceito

A etimologia da palavra usucapião deriva do latim, capio que significa

“tomar” e usu “pelo uso”, ou seja, “tomar pelo uso”. O vocábulo, usucapião, pode ser

usado tanto no gênero masculino, adotado pelo Código Civil de 1916, como no

feminino, como passou a ser usado pelo atual Diploma Civilístico de 2002.

(VENOSA, 2004, p. 210). Sendo este último, o perfilhado por este trabalho, a

usucapião.

No que tange ao conceito do instituto da usucapião, é possível destacar

os seguintes posicionamentos doutrinários:

O clássico e renomado jurista Clóvis Beviláqua entende que, “usucapião é

a aquisição do domínio pela posse prolongada” e recorda que para “Modestino: Est

adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definiti (D. 41. 3, fr.

3)” (p.1.031).

Para R. Limongi França (1999, p. 409), “usucapião é um modo originário

de adquirir a propriedade, fundado primacialmente na posse continuada do objeto,

de acordo com os requisitos previstos em lei.”

Flávio Tartuce em seus ensinamentos, conceitua da seguinte forma:

Na esteira da melhor doutrina, a usucapião - grafada pelo CC/2002 no feminino -, constitui uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada. Assim, permite a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica (a aquisição originária da propriedade) (TARTUCE, 2011, p. 825).

Segundo Venosa, “denomina-se usucapião o modo de aquisição da

propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas

condições” (2004, p. 209).

Maria Helena Diniz (2004) defende que através da usucapião é possível

adquirir, não só a propriedade, mas também outros direitos reais, tais como:

servidão, usufruto, uso, habitação e a enfiteuse.

A usucapião é também denominada como prescrição aquisitiva e dessa

forma é definida por Carlos Roberto Gonçalves:

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A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos artigos 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo influindo na aquisição e na extinção de direitos.

A primeira, regulada no direito das coisas, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei; a segunda, tratada na parte geral do Código, é a perda da pretensão e, por conseguinte, da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela durante determinado espaço de tempo (GONÇALVES, 2011, p. 256/257).

Beviláqua, remetendo-se ao Diploma de 1916, justifica que:

O Código denominou usucapião a prescrição aquisitiva, para evitar confusões, provenientes da identidade de certos cânones, que formam o tecido dos dois institutos: a prescrição propriamente dita ou liberatória, e o usucapião ou prescrição aquisitiva (BEVILÁQUA, p. 1.031/1032).

Quanto ao modo de aquisição da propriedade, por meio da usucapião, se

originário ou derivado, Washington de Barros Monteiro entende que:

Discute-se se o usucapião é modo originário ou derivado de adquirir a propriedade. Trata-se de questão obscura e até agora não solucionada pela doutrina, que se inclina, porém, no sentido de conceituá-lo como modo originário, porquanto, para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular surge como direito novo, independente da existência de qualquer vinculação com seu predecessor, que, se por acaso existir, não será o transmitente da coisa (MONTEIRO, 2013, p. 145).

Por todo o exposto, depreende-se que a usucapião é um instituto jurídico

que confere ao possuidor de um bem, seja ele móvel ou imóvel, o direito de adquirir,

originariamente, o título de sua propriedade ou de outro direito real, após exercer,

com animus domini, a posse mansa, pacífica e contínua, durante determinado lapso

temporal, preenchido os demais requisitos exigidos pela Constituição Federal,

Código Civil Pátrio, ou em outras leis extravagantes, consoante cada modalidade

específica regulamentada.

Observa-se ainda, que a posse usucapível origina-se a partir da

acumulação de três elementos basilares: a posse, o lapso temporal e o animus

domini, sendo impossível a dissociação destes do referido instituto.

Nesse mesmo sentido, Flávio Tartuce nos ensina, conforme segue:

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[...] Posse ad usucapionem – [...] é a que se prolonga por determinado lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela usucapião, desde que obedecidas os parâmetros legais. Em outras palavras, é aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos seus elementos. A posse ad usucapionem deve ser mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, ininterrupta e com intenção de dono (animus domini - conceito de Savigny) (TARTUCE, 2011, p. 771/772) (GRIFO NOSSO).

2.2 Origem e evolução histórica

Embora se imagine o instituto da usucapião como algo novo, advindo com

a promulgação da atual Carta Magna de 1988, como sendo um desdobramento da

primada função social da propriedade, há registro de sua origem na Lei das XII

Tábuas, isto é, na legislação do antigo direito romano, antes de Cristo.

Assim, ratifica a doutrina de Maria Helena Diniz:

A sua primeira manifestação caracterizou-se por uma posse prolongada durante o tempo exigido pela Lei das XII Tábuas: 2 anos para os imóveis e 1 ano para os móveis e as mulheres, pois o usus também foi uma das formas de matrimônio na antiga Roma. Posteriormente, o prazo para bens imóveis passou para 10 anos entre presentes e 20 entre ausentes. (DINIZ, 2004).

Pedro Nunes, nessa mesma linha, entende que, “a origem do usucapião

remonta às leis das XII Tábuas, onde foi primeiramente regulado [...].” (1984, p. 14).

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa ensina que “a Lei das XII Tábuas

estabeleceu que quem possuísse por dois anos um imóvel ou por um ano um móvel

tornar-se-ia proprietário. Era modalidade de aquisição do ius civile, portanto apenas

destinados aos cidadãos romanos” (2004, p. 210).

Compreende-se, então, que a usucapião, àquela época já considerada

modo de aquisição da propriedade, era um direito de natureza material, que assistia,

apenas, os legítimos cidadãos romanos, não podendo ser alegado por estrangeiros,

ou seja, por peregrinos, assim chamados pelos romanos (VENOSA, 2004).

Maria Helena Diniz leciona que, “mais tarde passou-se a exigir uma posse

apoiada num justo título e na boa fé”, e fundamentando-se em Arangio Ruiz, a

doutrinadora diz que o surgimento de sucessivas leis passou a restringir o direito de

usucapir determinados bens, tais como, as coisas furtadas (Lei Atínia), as obtidas

pela violência (Leis Júlia e Pláucia) e as servidões prediais (Lei Scribônia) (2004, p.

152).

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Após a usucapião ser disciplinada pela Lei das XII Tábuas, surge no

Direito Clássico Romano, a longi temporis praescriptio, instituto distinto daquele, mas

de “mesma índole” (VENOSA, 2004, p. 210).

A Longi temporis praescriptio era um meio de defesa, de natureza

processual, que permitia ao proprietário de um bem, o direito de usar desse

instrumento, caso fosse ameaçado no exercício da posse de sua propriedade

(VENOSA, 2004).

Nesse contexto, Maria Helena Diniz afirma: “inicialmente, a praescriptio

longi temporis não passou de um processo destinado a suprir uma lacuna no direito

civil. [...] Daí podemos afirmar que, nessa época, a prescrição ainda não era um

meio aquisitivo, senão um processo criado pelo Pretor” (2004, p. 152/153).

Somente tinha legitimidade para promover a referida praescriptio, o

sujeito intitulado como proprietário detentor da longa posse, devendo esta alegação

estar inserida na respectiva fórmula da ação (DINIZ, 2004).

Registra-se que, diferentemente da usucapião, a longi temporis

praescriptio poderia ser exercida também por estrangeiros e “a prescrição era de 10

anos contra presentes (residentes na mesma cidade) e 20 anos entre ausentes

(residentes em cidades diferentes)” (VENOSA, 2004, p. 210).

Esclarece Silvio Meira, que a longi temporis praescriptio incidia sobre as

terras provinciais e a usucapião sobre as propriedades itálicas (quiritárias). E quanto

à fundamentação deste último, entende, ainda, o autor que:

Os romanos partiam do princípio – que aliás tornou-se universal – de que os proprietários devem estar vigilantes na defesa de seus bens [...], ou se os transferiam sem as formalidades legais [...], ou se deixavam que terceiro passassem por donos, a ponto de alienarem o bem alheio [...], a paz social exigia que se consolidassem tais situações. E os proprietários omissos ou relapsos eram assim punidos, sob a alegação de que o direito não socorre aos que dormem (Dormientibus non sucurriti jus) (MEIRA, 1986, p. 89, on line).

A usucapião e a longi temporis praescriptio coexistiram paralelamente

durante o Direito Clássico, até “fundirem-se” no Direito de Justiniano. (DINIZ, 2004,

p. 153).

No Direito pós-clássico, introduziu-se forma especial de usucapião, a longissimi temporis praescriptio, que os juristas modernos assimilam como usucapião extraordinária. Nessa modalidade, quem possuísse por 40 anos, de boa-fé, mas sem justa causa, poderia defender-se com essa exceção [...] (VENOSA, 2004, p. 210).

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Observa-se que, embora a doutrina utilize o termo “fusão”, hoje é possível

o entendimento de que houve a incorporação, pela usucapião, das regras da longi

temporis praescriptio, tendo em vista que àquela prevaleceu e perpetuou-se no

tempo, até os dias atuais. Desse acontecimento, nasceu à essência do que hoje se

entende por usucapião.

Nesta esteira, Venosa explica o motivo pelo qual a doutrina denomina a

usucapião como prescrição aquisitiva. Diz o autor: “desaparecendo a distinção entre

terrenos itálicos e provinciais, os dois institutos surgem já unificados na codificação

de Justiniano, sob o nome usucapião. Daí a razão de, com frequência, utilizar-se da

expressão prescrição aquisitiva” (VENOSA, 2004, p. 210).

De acordo com Diniz, “no direito romano, sob o mesmo vocábulo,

surgiram duas instituições jurídicas: a primeira de caráter geral destinada a extinguir

todas as ações, e a segunda, um modo de adquirir, representado pela antiga

usucapião” (2004, p. 153).

Consoante Washington de Barros Monteiro, a partir de Justiniano, a

usucapião destacou-se com a “sua dupla face, aquisitiva e extintiva, sendo a

primeira, modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada, e a segunda, meio

pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo” (2013, p. 144).

2.3 Usucapião no Direito Brasileiro

No Brasil, através da história, percebe-se que houve uma grande

influência do direito romano no direito brasileiro. Segundo Carlos Roberto Gonçalves

“a prescrição aquisitiva é uma instituição multissecular, que nos foi transmitida pelos

romanos” (2011, p. 257).

Assim, nos ensina Pedro Nunes, ao se remeter a legislação que regulava

a usucapião no Brasil, anterior a Codificação Civil de 1916:

Até a data em que entrou em vigor o Código Civil, o instituto do usucapião se subordinava ao direito romano, através das Ordenações, da Consolidação das Leis Civis, de TEIXEIRA DE FREITAS (art. 1.325, nota) e, principalmente, da Nova Consolidação das Leis Civis, de CARLOS DE CARVALHO (arts. 428-442), do Direito das Coisas, de LAFAIETE (§§ 59-63 e 70) e do Direito das Coisas, de LACERDA DE ALMEIDA (§ 44) (NUNES, 1984, p. 19).

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Nessa linha já lecionava Pinto Ferreira, que entende:

No direito anterior ao Código, o usucapião dividia-se em: a) imemorial, que era ‘uma presunção de aquisição legal’ (Lafayette); b) extraordinário, completando-se em 30 ou 40 anos (longissimi temporis praescripitio); c) ordinário, completando-se em 3, 10 ou 20 anos (usucapio sui longi temporis praescriptio) (FERREIRA, 1983, p. 162).

Clóvis Beviláqua, em sua obra Código Civil dos Estados Unidos do Brasil

Comentado, ao se referir a legislação anterior ao sobredito Código (1916), também

se remeteu às Ordenações e à doutrina. Assim disse o autor ao falar da usucapião

extraordinária e da ordinária, respectivamente:

Direito anterior – A lei era omissa quanto a prescrição aquisitiva extraordinária de trinta anos, pois a Ord. 4, 3, § 1º, fala apenas, da prescrição da ação real do credor; mas a doutrina ensinava que a diuturnidade do tempo fazia presumir o título , não a boa-fé.

[...]

Direito anterior – O mesmo, segundo construção da doutrina, salvo quanto ao conceito de presente ou ausente, que se referia à comarca e não ao município (Ord. 4, 3, § 1º; dec. n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 232) (BEVILAQUA, p. 1.030) (GRIFO NOSSO).

Complementa, ainda, Clóvis Beviláqua, ao esclarecer que o Código Civil

de 1916, ao prever a usucapião extraordinária, “não introduziu o Código uma

inovação, com a regra que o artigo consagra; antes ultimou uma evolução de um

instituto, que se vinha formando no direito pátrio” (BEVILAQUA, p. 1.032).

Diante disso, abstrai-se o entendimento de que, no período em que

vigorou a primeira Constituição Brasileira de 1824 (Brasil Império) e a segunda

Constituição de 1891 (Brasil República), a usucapião não foi enredo dos referidos

diplomas.

Com o advento do Código Civil dos Estados Unidos do Brasil de 1916, o

instituto “do usocapião”, assim intitulado pela norma, foi integrado ao ordenamento

jurídico pátrio, e, com isso, foram codificados dois institutos: usucapião

extraordinário - artigo 550; e usucapião ordinário - artigo 551 (BEVILÁQUA, p.

1030/1033; FERREIRA, 1983).

Assim diziam os dispositivos, respectivamente:

Art. 550. Aquele que, por trinta anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de

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título de boa fé, que, em tal caso, se presumem; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a inscrição no registro de imóveis.

Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele quem, por dez anos entre presentes, ou vinte entre ausentes, o possuir como seu, continua e incontestadamente, com justo título e boa fé. Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município, e ausentes os que habitam municípios diversos (BRASIL, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916).

Apenas depois, com a Lei nº 2.437, de 07 de março de 1955, houve

redução no lapso temporal dos institutos “do usucapião”, tendo o tempo da

usucapião extraordinária passado de 30 anos para 20 anos e o da usucapião

ordinária, entre ausentes, de 20 anos para 15 anos. (BEVILÁQUA, p. 1033).

Diferentemente das Constituições anteriores, a terceira Constituição

Brasileira, de 1934 (Segunda República), não só faz menção a usucapião, mas

institui nova modalidade, a usucapião pro labore. Assim nos ensina Clóvis

Beviláqua, in verbis:

A Constituição de 1934, art. 125, criou uma figura nova de usucapião, que dispensa título e boa-fé, em favor do brasileiro, que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra, até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nêle a sua morada. Será transcrita a sentença declaratória dessa aquisição (BEVILÁQUA, p. 1032/1.033).

Consoante os ensinamentos de Pinto Ferreira (1983), a previsão da

usucapião pro labore permaneceu nas Constituições brasileiras de 1937 (Estado

Novo), de 1946, de 1967 (Regime Militar), e tendo sido tratada também pelo Estatuto

da Terra, Lei nº 4.504/1964.

Em 1981, a usucapião pro labore foi reformulada e passou a ser

denominada usucapião especial. A Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981,

passou a regulamentar a aquisição de imóveis rurais, através da usucapião especial,

bem como estipulou regras para seu processamento (RODRIGUES, 2002).

Assim diz o artigo 1º, da Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981, in

verbis:

Art. 1º - Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado

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produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis.

Parágrafo único. Prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares.

Na então vigente Constituição Cidadã de 1988, a usucapião pro labore ou

usucapião especial ainda permanece, mas, reformulada mais uma vez, e em

contexto mais atual, é também chamada pela doutrina de usucapião especial rural

ou usucapião constitucional pro labore e sua previsão está situada no art. 191, com

o lapso temporal de cinco anos. A propriedade deve ser em área rural e com espaço

não superior a 50 hectares, diferentemente do previsto no diploma criador (DINIZ,

2004; VENOSA, 2004).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e com o objetivo de

atender as demandas por uma política urbana de habitação, a usucapião especial foi

estendida ao solo urbano, criando-se uma nova modalidade de usucapião, a qual é

denominada pela doutrina usucapião especial urbana, ou usucapião constitucional

habitacional, ou, ainda, usucapião pro habitacione ou “pro misero”. Sua previsão

está situada no artigo 183, §§ 1º a 3º, da CF/1988 (DINIZ, 2004; VENOSA, 2004).

Quanto aos imóveis públicos, a Carta Magna de 1988 enfatizou ao prever

de forma taxativa que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”,

consoante previsão em dois de seus artigos; o art. 183, § 3º e o art. 191, parágrafo

único.

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, também

introduziu nova modalidade de usucapião no ordenamento pátrio, a usucapião

coletiva, tendo em vista as pressões sociais das ocupações no perímetro urbano das

cidades. (VENOSA, 2004)

Assim foi determinado pelo art. 10 da citada lei:

As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001).

O novo Diploma Civilístico de 2002 entrou em vigor contemplando

institutos da Codificação de 1916 com algumas mudanças, bem como, fez a

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previsão de nova modalidade, como a usucapião habitacional que a Constituição

Federal de 1988 instituiu (VENOSA, 2004).

Comparando os dois diplomas civis, de 1916 e de 2002, inicialmente

percebe-se que o atual Código, diferentemente do anterior, passou a adotar o termo

usucapião, no feminino, “da usucapião”.

Seguiu prevendo, o atual Diploma de 2002 a usucapião extraordinária

(art. 1.238 e parágrafo único), mas tendo sido reduzido o lapso temporal para 15

anos e, ainda, podendo reduzir para 10 anos, quando o possuidor houver

estabelecido sua moradia habitual (usucapião extraordinária habitacional); e a

usucapião ordinária ou comum, para imóveis (art. 1.242 e parágrafo único) com

prazo de 10 anos, independentemente do suposto proprietário estar presente ou

ausente, podendo ser reduzido para 05 anos (usucapião ordinária habitacional),

caso o possuidor tenha adquirido o imóvel de forma onerosa e nele tenha

estabelecido sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e

econômico, e para usucapião de bens móveis (arts. 1.260 e 1.261) permaneceram

os mesmos prazos e condições do Código de 1916 (VENOSA, 2004).

De novidade, o novo Código de 2002, com influência da Constituição

Cidadã de 1988, recepcionou os institutos: da usucapião especial urbana, nos

termos do artigo 1.240 e parágrafos, e da usucapião especial rural, nos termos do

art. 1.239. Nesse contexto, esclarece Venosa que “a contagem do tempo deve

iniciar-se com a vigência da Constituição”, visto que a Carta Maior de 1988 as

regulamentaram primeiro (VENOSA, 2004, p. 226).

A usucapião coletiva (do Estatuto da Cidade) também “apresenta-se sob

a mesma filosofia e em paralelo” ao Código de 2002, neste fazendo tal previsão no

artigo 1.228, § 4º, quando trata de imóvel reivindicado (VENOSA, 2004, p. 227).

E por fim, a mais recente inovação, objeto de estudo da presente

monografia, atendendo a uma ótica “pró-familia”, é instituída a “usucapião familiar”,

pela Lei Ordinária nº 12.424, em 16 de junho de 2011, a qual inseriu a nova

modalidade no, então vigente, Código Civil de 2002, nos termos do artigo nº 1.240-

A.

2.4 Fundamento Jurídico da usucapião

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O fundamento da usucapião é permeado por institutos que corroboram

com o dever de se dar a propriedade estabilidade e uma destinação de acordo com

a sua função social, como p. ex. a moradia e o trabalho.

Para Carlos Roberto Gonçalves “o fundamento da usucapião está

assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar

segurança e estabilidade à propriedade, bem como se consolidar as aquisições e

facilitar a prova do domínio” (2011, p. 258).

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, na usucapião:

Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se [...]. Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo de imóvel (ou móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem oposição (VENOSA, 2004, p. 211).

Com a promulgação da atual Constituição Federal de 1988 e do Código

Civil de 2002, evidenciou-se maior consideração a esses princípios norteadores da

propriedade: a função e a paz social, visto que tais diplomas estabeleceram prazos

inferiores aos que vinham sendo estipulados anteriormente, justifica Venosa (2004).

Maria Helena Diniz complementa ao defender que:

[...] a usucapião tem por fundamento a consolidação da propriedade, dando juridicidade a uma situação de fato: a posse unida ao tempo. [...] é garantir a estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito de sanar a ausência de título do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do titulo que esse mesmo possuidor, porventura tiver (DINIZ, 2004, p. 156).

Em síntese, o fundamento da usucapião sustenta-se na “paz social e

estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas,

[...], planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o

consenso unânime dos povos antigos e modernos” (GONÇALVES, 2011, p. 258).

2.5 A usucapião no direito comparado

Renata Karla Mantovani Acosta, ao fazer uma análise do direito

comparado, afirma que “inexiste ordenamento jurídico que discorra sobre tantas

modalidades de usucapião como o brasileiro, que prevê mais de dez hipóteses de

aquisição da propriedade pela posse prolongada no tempo” (2013, p. 19).

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Contudo, é possível identificar diversos países os quais contemplam o

instituto da usucapião em seus diplomas legais. Daniela Bernardo Vieira dos Santos

cita alguns desses países, conforme segue:

1. PORTUGAL: Na legislação portuguesa, a Usucapião encontra-se tratada no Capítulo VI do Dec. L. nº 4.7344, de 25 de Novembro, isto é, o Código Civil. denominou-se a usucapião como sendo a prescrição positiva, exigindo no seu artigo 517, justo título, boa fé, pacificidade, continuidade e publicidade. Determina o artigo 526 como lapso temporal, o prazo de cinco anos no caso de registro de mera posse de imóveis e dez anos no caso de registro do título de aquisição, contados da data do registro.

2. ESPANHA: O artigo 609 do Código Civil Espanhol trata do instituto da usucapião, estabelecendo que a propriedade e os demais direitos sobre os bens podem ser adquiridos pela prescrição. O artigo 1940 estabelece que

para a prescrição ordinária do domínio e demais direitos reais, necessita-se que a posse seja de boa-fé e que se tenha justo título por tempo determinado por lei. O artigo 1941 prevê ainda, que a propriedade seja tida a título de dono, pública, pacífica e ininterrupta. O artigo 1957 estabelece que o domínio e demais direitos reais sobre bens imóveis, prescrevem-se pela posse durante dez anos entre presentes e vinte anos entre ausentes, com boa fé e justo título.

3. FRANÇA - Através do Código Civil Francês, no artigo 2.265: “Aquele que adquire de boa-fé e por justo título um imóvel, adquirirá a propriedade, por prescrição, em dez anos, se o verdadeiro proprietário habitar na jurisdição da corte de apelação nos limites na qual o imóvel está situado; e em vinte anos, se estiver domiciliado fora da respectiva jurisdição”.

4. ARGENTINA - No artigo 3.999 do Código Civil Argentino está reproduzido o art. 2.265 do Código Francês, com a diferença de se tratar de província ao invés de Corte de apelação para se determinar se presente ou ausente. O projeto de reforma deste código, em seu art. 1.545, não faz distinção entre presentes e ausentes. (SANTOS, D., 2013, on line)

“A noção de direito civil como direito privado comum remonta ao direito

romano”, tendo este, inspirado legislações de diversos países. (GONÇALVES, 2009,

p. 15).

Na Itália, o seu Código Civil é dividido em títulos e seções, semelhante à

divisão do Código Civil brasileiro. A usucapião é definida, expressamente, como

forma de aquisição da propriedade (art. 922) e está prevista nos artigos 1.158 a

1.167 do Código Civil italiano (PADIN, 2010).

Existem, ainda, no Código Civil italiano, outros requisitos equivalentes ao

previsto no direito brasileiro, tais como: a impossibilidade de se adquirir, por

usucapião, bens pertencentes ao tesouro nacional, à menores ou interditados por

enfermidade mental; o legislador fez previsão de redução de prazos quando há boa-

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fé com base em título; e a posse deve ser exercida de forma contínua, ininterrupta e,

imprescindivelmente, com animus de ser dono da coisa (PADIN, 2010).

Embora, o Código alemão (1.896) tenha influenciado a elaboração do

Código Civil brasileiro de 1.916 (GONÇALVES, 2009), quanto à usucapião,

hodiernamente, os Diplomas Civis da Alemanha e do Brasil seguem divergindo

sobre alguns requisitos.

Assim esclarece Patrícia Waldmann Padin, in verbis:

Ressalta-se que, tanto para bens móveis, quanto para bens imóveis, boa-fé é condição necessária para aquisição da propriedade. É neste ponto que reside a principal diferença entre a usucapião no Brasil e na Alemanha.

Em nossa legislação o pressuposto para concessão do instituto é o lapso temporal necessário que difere para cada tipo de posse. Já, na Alemanha, sempre deverá existir a boa-fé, sendo o lapso temporal de 30 (trinta) anos para bens imóveis e 10 (dez) anos para bens móveis. (PADIN, 2010, p. 23)

Ao buscar as fontes no direito comparado, foi possível identificar que em

alguns países a usucapião é bem semelhante a algumas modalidades previstas no

ordenamento jurídico pátrio, contudo, não foi possível vislumbrar quaisquer institutos

semelhantes ou equivalentes à usucapião pró-família instituído no Brasil.

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3 USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS, SEUS PRESSUPOSTOS E AS

MODALIDADES REGULAMENTADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Como fora estudado, ao longo do tempo foram incorporadas, pelo

ordenamento jurídico brasileiro, diversas modalidades de usucapião, cada uma com

seus pressupostos ou requisitos próprios, os quais fazem diferenciar cada

modalidade positivada.

Diante mão, ressalta-se que o presente capítulo se debruçará

especificamente sobre a usucapião de bens imóveis, tendo em vista que o instituto

pró-família se aplica exclusivamente sobre essa modalidade de bens (FARIAS,

2013).

3.1 Os pressupostos ou requisitos da usucapião

Maria Helena Diniz (2004), seguindo a doutrina de Gomes e Muñoz,

entende que, para um bem ser objeto em uma ação de usucapião, faz-se necessário

a compreensão de três tipos de requisitos: formal (elementos necessários e comuns

do instituto), pessoal (exigências relativas ao possuidor e proprietário) e real

(relaciona-se com os bens e direitos suscetíveis ou não a usucapião).

Conforme estudado no capítulo anterior, a usucapião possui elementos

básicos estruturais, quais sejam: a posse, o lapso temporal e o animus domini. No

entanto, dentre outros requisitos bem específicos, se somam, ainda: a coisa hábil,

também basilar, o justo título e a boa-fé. Com exceção da coisa hábil, estes são os

requisitos formais (DINIZ, 2004; GONÇALVES, 2011).

A posse, o animus domini, a coisa hábil, o lapso temporal são exigidos em

todas as modalidades de usucapião, mas o justo título e a boa-fé são requisitos

específicos da usucapião ordinária (GONÇALVES, 2011).

3.1.1 A Posse

A posse deve ser mansa, pacífica e contínua, ou seja, sem qualquer

manifestação de oposição ou contestação na esfera judicial, por quem tenha

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legítimo interesse na coisa, o proprietário, e sem intervalos ou interrupção, até que

se alcance o lapso temporal legalmente previsto (GONÇALVES, 2011).

Gonçalves esclarece que “o fato de mudar-se para outro local não

significa, necessariamente, abandono da posse, se continuou comportando-se como

dono em relação à coisa” (2011, p. 283).

Para Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves, o animus domini

(intenção de ser dono) é requisito intrínseco a posse ad usucapionem, pois o

usucapiente mantém a coisa em sua posse como se sua fosse, com o ânimo de ser

proprietário, dono da coisa. Diante disso, é possível diferenciá-la da posse exercida

sem o animus de ser dono, como por exemplo: na locação e no comodato. Pois,

nestas hipóteses, o possuidor tem a consciência de que deverá restituir o bem ao

proprietário, no final do compromisso pactuado (DINIZ, 2004; GONÇALVES, 2011).

O artigo 1.243 combinado com o artigo 1.207, ambos do Código Civil de

2002, autoriza a accessio possessionis, ou seja, a soma ou união das posses no

instituto da usucapião (GONÇALVES, 2011). Assim disciplinam os referidos

dispositivos, in verbis:

“Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. [...]

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

Dessa forma, na hipótese do filho suceder o pai na posse do imóvel, ao

ajuizar a respectiva ação de usucapião, ele poderá considerar para efeito da

contagem do lapso temporal, a posse exercida pelo seu antecessor, mesmo que ele,

o filho, particularmente não tenha o exercido a posse pelo tempo estabelecido em

lei.

3.1.2 A coisa hábil

A coisa hábil, requisito real, é o bem, móvel ou imóvel, passível de ser

apropriado e de estar sujeito à prescrição aquisitiva, como os bens de domínio

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particular, ou, ainda, os direitos reais, os quais recaiam sobre bens prescritíveis,

como: a servidão, o usufruto, a enfiteuse etc (DINIZ, 2004; GONÇALVES, 2011).

Não podem ser objeto de usucapião os bens fora do comércio, os

legalmente indisponíveis e os que pela vontade humana não podem ser usucapidos.

Assim especifica, detalhadamente, Carlos Roberto Gonçalves, conforme segue:

Consideram-se fora do comércio os bens naturalmente indisponíveis (insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico, a água do mar), os legalmente indisponíveis (bens de uso comum, de uso especial e de incapazes, os direitos da personalidade e os órgãos do corpo humano) e os indisponíveis pela vontade humana (deixadas em testamento ou doados, com cláusula de inalienabilidade) (GONÇALVES, 2011, p. 275).

A Constituição Federal de 1988, bem como o atual Código Civil, vedam

expressamente, em diversos dispositivos, a possibilidade dos bens públicos serem

objeto de usucapião. E esse foi o entendimento ratificado pelo Supremo Tribunal

Federal através da Súmula nº 340, que, ao se reportar ao Diploma de 16, diz: “desde

a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não

podem ser adquiridos por usucapião” (GONÇALVES, 2011, p. 277).

O artigo 1.244, do Código Civil de 2002, disciplina que, ao possuidor

usucapiente, se aplicará o disposto quanto ao devedor acerca das causas que

obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, ou seja, devem ser aplicadas ao

instituto da usucapião, as normas previstas nos artigos 197 a 202, do mesmo

diploma legal, os quais consistem nos requisitos pessoais a serem observados

(DINIZ, 2004); (GONÇALVES, 2011); (TARTUCE, 2011).

Assim elencam os artigos 197 a 202, do Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;

II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva;

II - não estando vencido o prazo;

III - pendendo ação de evicção.

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Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Nesse diapasão, Maria Helena Diniz, esclarece, conforme segue:

Em todos os casos, não obstante tratar-se de imóvel suscetível de ser usucapido, devido a situação especial existente, seja em face da pessoa do possuidor, como no caso dos incapazes, por exemplo, seja ante a especial relação que há entre o possuidor titular da propriedade (p.ex., entre marido e mulher, entre ascendente e descendente), a lei considera obstado o nascimento da usucapião e, se a posse já se iniciou, sua marcha se interrompe enquanto durar a causa obstativa (DINIZ, 2004, p. 157/158).

No entanto, com o advento da recente modalidade de usucapião pró-

família, nota-se que, o próprio Diploma Civil, de 2002, instituiu uma exceção, tendo

em vista que esta modalidade autoriza a prescrição aquisitiva entre cônjuges, na

constância da sociedade conjugal, conforme estabelece o seu novo artigo 1.240-A.

3.1.3 O Lapso Temporal

No que tange o lapso temporal, este é o elemento condicionado ao prazo

previsto em lei, ou seja, a posse deverá ser exercida durante o espaço de tempo

legalmente estabelecido para aquela modalidade de usucapião, a qual se enquadra

o usucapiente (GONÇALVES, 2011).

Observa-se que, com a vigência do atual Código Civil, surgiram

mudanças nos prazos dos institutos da usucapião, ocasionando situações que

pendem no campo direito intertemporal, visto que existiam posses com lapso de

tempo iniciado e regido, ainda, na constância do antigo Código de 16 (VENOSA,

2004).

Contudo, o atual Código Civil já trouxe em seu bojo a previsão de regras

para regular as situações alcançadas pelo direito intertemporal. Dessa forma regula

os seus respectivos artigos 2.028, 2.029 e 2.030, in verbis:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

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Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei n

o 3.071, de 1

o de janeiro de 1916.

Art. 2.030. O acréscimo de que trata o artigo antecedente, será feito nos casos a que se refere o § 4

o do art. 1.228 (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de

janeiro de 2002).

Quanto à forma de contagem dos prazos, Carlos Roberto Gonçalves

afirma que, “há decisões no sentido de que a posse exercida entre a propositura e o

julgamento da ação pode ser computada no prazo exigido para a aquisição por

usucapião. [...] O prazo começa a fluir no dia seguinte ao da posse” (2011, p. 286).

3.1.4 O Justo Título e a Boa-fé

O justo título e a boa-fé estão intimamente vinculados, e são requisitos

imprescindíveis à Usucapião Ordinária, devendo a boa-fé subsistir durante todo o

lapso de tempo em que a posse for exercida (VENOSA, 2004).

Tem-se por justo título qualquer instrumento ou documento, o qual se

possa abstrair o fato gerador da posse e sua transmissão, restando evidente,

consequentemente, a boa-fé do adquirente, que acreditou ter obtido a propriedade

do bem através do referido título (VENOSA, 2004).

Adequadamente esclarece Sílvio de Salvo Venosa quando diz: “o

vocábulo da lei não se refere evidentemente ao documento perfeito e hábil para

transcrição. Se houvesse, não haveria necessidade de usucapir” (2004, p. 218).

Os Enunciados 302 e 303, da IV Jornada de Direito Civil, elucidam,

respectivamente, in verbis:

302 – Art.1.200 e 1.214. Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil.

303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse (SARAIVA, 2013, p. 2002).

No que concerne à boa-fé, esta resta evidenciada quando “o possuidor

ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa”, defende Carlos

Roberto Gonçalves (2011, p. 290).

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3.2 As modalidades de usucapião de bens imóveis regulamentadas no ordenamento

jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil Brasileiro de 2002 juntos

preveem cinco modalidades de usucapião cujo objeto é a propriedade imóvel. São

elas: Usucapião Extraordinária, Usucapião Ordinária, Usucapião Especial, a qual se

subdivide em usucapião especial rural ou pro labore, e usucapião especial urbana

ou pró-moradia; e a Usucapião Familiar ou pró-família.

Mais duas modalidades estão previstas em legislações especiais, quais

sejam a Usucapião Indígena prevista na Lei nº 6.001/1973, a qual dispõe sobre o

Estatuto do Índio e a Usucapião Urbana Coletiva prevista na Lei nº 10.257/2001, que

dispõe sobre o Estatuto da Cidade (TARTUCE, 2011).

3.2.1 Usucapião Extraordinária

A Usucapião Extraordinária está prevista no artigo 1.238 do Código Civil

de 2002 e tem como pressupostos: a posse contínua, mansa e pacífica de no

mínimo quinze anos, e o animus domini. Caso o possuidor tenha estabelecido, no

imóvel, sua moradia habitual ou nele houver realizado obras ou serviços de cunho

produtivo, o prazo será minorado para dez anos. Para esta modalidade, não é

exigível o justo título e a boa fé (GONÇALVES, 2011).

Quanto à inexigibilidade do justo título e da boa-fé, Carlos Roberto

Gonçalves conclui, conforme segue:

Corresponde à espécie de usucapião mais comum e conhecida. Basta o ânimo de dono e a continuidade e tranquilidade da posse por quinze anos. O usucapiente não necessita de justo título nem de boa-fé, que sequer são presumidos: simplesmente não são requisitos exigidos. O título, se existir, será apenas reforço de prova, nada mais (GONÇALVES, 2011, p. 260).

Para Carlos Roberto Gonçalves, quando a redução do prazo para dez

anos for pleiteada a vista de obras ou serviços, estas não restam comprovadas,

apenas, com o mero pagamento de tributos, mas com a ‘posse-trabalho’, ou seja,

com obras as quais se incorpore e valorize o imóvel, dando-lhe, de fato, um caráter

produtivo ou até mesmo cultural (2011).

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Sílvio de Salvo Venosa, ao se referir sobre a inovação trazida para a

usucapião extraordinária, a redução do prazo para dez anos, defende que:

A modificação possui evidente caráter social ao ampliar a possibilidade de usucapião e dispensa o requisito da boa-fé. A perda da propriedade imóvel pelo antigo proprietário pelo usucapião, se houver, reside então, como é evidente, na sua inércia em recuperar a coisa, nesse período de dez anos (VENOSA, 2004, p. 221).

3.2.2 Usucapião Ordinária

A Usucapião Ordinária está prevista no artigo 1.242 do Código Civil de

2002 e tem por requisitos: a posse ininterrupta, mansa e pacífica de no mínimo dez

anos, o animus domini, o justo título e a boa-fé. Nesta modalidade, o prazo poderá

ser minorado para cinco anos em duas hipóteses, quais sejam: se o imóvel houver

sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo

cartório, cancelada posteriormente, e nele tiverem estabelecido a sua moradia; ou se

houver realizado, no imóvel, investimentos de interesse social e econômico

(GONÇALVES, 2011).

Para Sílvio de Salvo Venosa, o contrato de compra e venda quitado não é

título hábil a fundamentar a usucapião ordinária com prazo de cinco anos, tendo em

vista que o legislador fez a previsão, apenas, de título registrado no respectivo

cartório, mas que fora cancelado posteriormente por quaisquer vícios de forma ou

consentimento (2004).

Combate Flávio Tartuce esse ponto, pois entende que:

Pela literalidade da norma parece que tal elemento é realmente imprescindível. Todavia, este autor: entende de forma contrária, pois a posse-trabalho é que deve ser tida como elemento fundamental para a caracterização dessa forma de usucapião ordinária, fazendo que o prazo caia pela metade. Em suma, prevalece a função social da posse (TARTUCE, 2011, p. 830).

Conclui o jurista supracitado, “a existência de instrumento, seja público ou

particular, não é fator essencial. O tecnicismo e o formalismo exagerado são

substituídos pela funcionalização do instituto da posse” (TARTUCE, 2011, p. 769).

Nota-se que o legislador não limitou o tamanho do imóvel ou área nos

institutos da Usucapião Extraordinária e Ordinária, diferentemente, das demais

modalidades, as especiais Rural e Urbana, e a Pró-família.

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3.2.3 Usucapião Especial

A Usucapião Especial é modalidade a qual se subdivide em duas

espécies: usucapião especial rural ou pro labore e usucapião especial urbana ou

pró-moradia (GONÇALVES, 2011).

3.2.3.1 Usucapião Especial Rural

A usucapião especial rural ou pro labore, tem sua previsão legal

estabelecida no artigo 191 da Constituição Federal de 1988, no artigo 1.239 do

Código Civil de 2002 e na Lei nº 6.969 de 10 de dezembro de 1981, lei especial a

qual dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais através da usucapião especial

(GONÇALVES, 2011).

A supradita usucapião tem por pressupostos: a posse contínua, mansa e

pacífica de no mínimo cinco anos; o animus domini, de área não superior a

cinquenta hectares situada em zona rural, tendo tornado produtiva por seu trabalho

ou de sua família; nela ter fixado sua moradia, e não ser titular de outro imóvel rural

ou urbano (GONÇALVES, 2011).

Para Carlos Roberto Gonçalves, “a usucapião especial rural não se

contenta com a simples posse. O seu objetivo é a fixação do homem no campo,

exigindo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o

usucapiente” (2011, p. 262).

3.2.3.2 Usucapião Especial Urbana

A usucapião especial urbana ou pró-moradia está legalmente prevista no

artigo 183 da Constituição Federal de 1988, no artigo 1.240 do Código Civil de 2002

e no artigo 9º da Lei nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade (TARTUCE, 2011).

A supracitada usucapião tem por requisitos: a posse ininterrupta mansa e

pacífica de no mínimo cinco anos; o animus domini, de área urbana limitada a

duzentos e cinquenta metros quadrados, A QUEM nela houver fixado sua moradia

ou de sua família; A CIRCUNSTÂNCIA DAQUELE QUE PRETENDE USUCPIR não

ser proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano. O título de domínio e a

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concessão de uso podem ser concedidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,

sendo irrelevante o estado civil, não podendo tal direito ser reconhecido ao mesmo

possuidor mais de uma vez (GONÇALVES, 2011).

O § 3º do artigo 9º do Estatuto da Cidade, prevê expressamente que, o

herdeiro legítimo, desde que já resida no imóvel no momento abertura da sucessão,

terá pleno direito a continuar a posse de seu antecessor, portanto, sendo possível a

união das posses diante de causa mortis (TARTUCE, 2011, p. 833).

Consoante à usucapião especial, considerando as duas espécies possuir

como condição a utilização do imóvel como moradia, isto pressupõe a construção de

imóvel na respectiva área, não sendo válida, portanto, a posse consubstanciada em

área sem nenhuma edificação, e nem mesmo poderá ser alegada por pessoa

jurídica. Contudo, não exigível o justo título e a boa-fé (GONÇALVES, 2011).

Carlos Roberto Gonçalves esclarece, ainda, que, “o uso para fins outros

que não o residencial é vedado pela própria lei, não estando afastada hipótese de

utilização de parte do imóvel para pequeno comércio [...], com moradia do

usucapiente ou de sua família no local” (2011, p. 268).

3.2.4 Usucapião Pró-família

E a mais recente modalidade introduzida no ordenamento jurídico pátrio,

a Usucapião Pró-família ou familiar, objeto de estudo do presente trabalho, portanto,

será tratada, observando todos os seus aspectos, em capítulo próprio.

3.2.5 Usucapião Indígena

A Usucapião Indígena pressupõe como usucapiente o índio, seja ele

integrado ou não à civilização. Quando o índio houver adquirido a capacidade plena,

nos termos do artigo 9º da Lei nº 6.001/1973 (Estatuto do Índio), poderá ele mesmo

propor a ação de usucapião, do contrário deverá ser representado pela Fundação

Nacional do Índio – FUNAI, órgão indigenista oficial instituído pela União, para atuar

na proteção da população indígena brasileira (GONÇALVES, 2011).

Esta modalidade especial de usucapião acha-se regida no artigo 33, do

Estatuto do Índio, e estabelece in verbis:

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Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal (BRASIL, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de1973).

Ante o dispositivo supracitado, são requisitos da usucapião indígena: a

posse contínua, mansa e pacífica de no mínimo dez anos, o animus domini de área

de terra de no máximo cinquenta hectares (GONÇALVES, 2011).

3.2.6 Usucapião Urbana Coletiva

A Usucapião Urbana Coletiva está prevista, exclusivamente, na Lei nº

10.257/2001 - Estatuto da Cidade, a qual regulamenta os artigos 182 e 183, da

Constituição Federal de 1988, capítulo que trata da política de desenvolvimento

urbano na esfera municipal, e dentre outras providências, estabelece diretrizes

gerais da política urbana (GONÇALVES, 2011).

O referido instituto dispõe de um grande valor social e tem por finalidade

atender a política urbana de regularização fundiária e urbanização, regularizando

áreas de favelas ou de massa de residenciais as quais não possuem situação

passível de legalização, e, assim, ordenar de forma organizada o pleno

desenvolvimento da função social da propriedade (GONÇALVES, 2011).

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa leciona que, “a lei cria, portanto,

modalidade de usucapião coletiva, atendendo à pressão social das ocupações

urbanas. Possibilita que a coletividade regularize a ocupação, sem os entraves e o

preço de uma ação individual de usucapião” (2004, p. 227).

Os seus requisitos estão dispostos no artigo 10, do Estatuto da Cidade,

conforme segue:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001).

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Consoante o legislador não ter especificado o significado de “população

de baixa renda”, segundo Carlos Robertos Gonçalves este é um termo de conceito

aberto, o qual tende a variar de região para região, no entanto, “entende-se abranger

a camada da população sem condições de adquirir, por negócio oneroso, simples

imóvel de moradia” (2011, p. 270).

Quanto ao pressuposto de área “onde não for possível identificar os

terrenos ocupados por cada possuidor”, muito bem esclarece Sílvio de Salvo

Venosa: “na prática até que os terrenos podem ser identificados; ocorre que essa

identificação mostra-se geralmente confusa ou inconveniente nesse emaranhado

habitacional” (2004, p. 227).

No final, Venosa conclui que “o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a

cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe,

salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais

diferenciadas”, conforme determina o artigo 10, § 3º, do Estatuto da Cidade (2004, p.

228).

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4 MORADIA, UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

O presente capítulo abordará um dos principais fundamentos da

usucapião, a base que alicerça o instituto há muitos anos, conforme estudado em

sua própria história, que visa, precipuamente, dar a propriedade destinação segundo

a sua função social, ou seja, a moradia, um direito humano fundamental para todos.

No Brasil, desde o Império até os dias atuais, a tutela dos direitos

humanos passou por diversos avanços e retrocessos. “A história da luta pelos

Direitos Humanos no Brasil acompanha, de certa forma, a história da própria

Civilização Brasileira. Significa dizer que essa luta se manifesta desde o século 16,

com a colonização portuguesa [...]”, esclarece Adelino Brandão (2001, p. 13).

Após o término do Regime Militar e promulgada a atual Constituição

Federal, em 05 de outubro de 1988, os direitos humanos “passaram a ocupar uma

posição de supremacia no ordenamento jurídico brasileiro” (OS DIREITOS..., 2008,

on line).

Considera-se aqui, direitos humanos e direitos fundamentais como sendo

institutos sinônimos, visto que, essencialmente, serão estudados os seus conteúdos.

Os direitos humanos fundamentais “colocam-se como uma das previsões

absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o

respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar ao pleno

desenvolvimento da personalidade humana”, defende Alexandre de Moraes (2007,

p. 02).

Os direitos fundamentais são “os direitos considerados básicos para

qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas. São

direitos que compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos

submetidos a uma determinada ordem jurídica”, leciona João Trindade Cavalcante

Filho (2010, on line).

José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior esclarece que os direitos de

segunda dimensão ou geração, embalados pelo princípio da igualdade e

impulsionados pela Revolução Industrial, impuseram ao Estado o dever de

consagrar políticas públicas, as quais pudessem conferir aos indivíduos “direitos à

saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, entre

outros” (2012, on line).

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Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi instituído o

Estado Democrático e Social de Direito, que dentre outros direitos e deveres, firmou

compromisso na defesa dos direitos sociais (SANTOS, E., 2013).

Nesse contexto, Nadja Furtado Bortolotti afirma que os direitos sociais:

[...] são fundamentais para o exercício da igualdade, uma vez que estão relacionados à garantia de uma vida com dignidade para todas as pessoas. Os direitos sociais são fundamentais para o estabelecimento de um verdadeiro Estado Democrático (BORTOLOTTI, 2014, p. 115).

E conclui que, “os direitos sociais são direitos humanos que visam

garantir condições para que todas as pessoas possam usufruir de uma vida digna”

(BORTOLOTTI, 2014, p. 117).

Os direitos sociais estão elencados no artigo 6º, da Carla Magna de 1988,

e são eles: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência

aos desamparados” (BRASIL, Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988).

Finalmente, merece destaque o direito a moradia. Observa-se que a

moradia é um direito social e consequentemente um direito humano fundamental,

inerente e necessário a qualquer indivíduo, no entanto, a realidade habitacional

brasileira tem mostrado que este direito, até então, não é alcançado por uma grande

parcela da população, sendo o déficit habitacional um dos principais problemas

sociais a ser, definitivamente, solucionado.

Não obstante os direitos sociais terem recebido a tutela da Carta Magna

de 1988, o direito à moradia recebeu, expressamente, status de garantia

constitucional, apenas, em 14 de fevereiro de 2000, com a edição da Emenda

Constitucional nº 26 (LOPES, 2012).

Todavia, para Ingo Wolfgang Sarlet, o direito à moradia já havia adquirido

a natureza de direito materialmente fundamental antes mesmo da referida Emenda

nº 26/2000, tendo em vista a sua proteção subentendida em outros dispositivos

constitucionais. Assim exemplifica o autor:

A vinculação social da propriedade (art. 5, XXIII, e artigos 170, inciso III e 182, parágrafo 2º), bem como a previsão constitucional do usucapião especial urbano (art. 183) e rural (art. 191), ambos condicionando, dentre outros requisitos, a declaração de domínio à utilização do imóvel para moradia, apontam para a previsão ao menos implícita de um direito fundamental à moradia já antes da recente consagração via emenda

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constitucional. [...] Por outro lado, por força do art. 5º, parágrafo 2º, da nossa Constituição, tendo em conta ser o Brasil signatário dos principais tratados internacionais em matéria de direitos humanos, notadamente (e isto por si só já bastaria) do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, já formalmente incorporado ao direito interno, e partindo-se dessa premissa largamente difundida pela melhor doutrina[...], poder-se-á sustentar que o direito à moradia já era até mesmo expressamente consagrado na nossa ordem interna, pelo menos na condição de materialmente fundamental (SARLET, 2009/2010, p.12/13, on line).

Ingo Wolfgang Sarlet corrobora ainda, com importante fundamentação

trazida da jurisprudência do Conselho Constitucional Francês, quanto ao direito à

moradia, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana. Assim alude o

autor, nestas palavras:

[...] vale lembrar exemplo garimpado do direito comparado, designadamente, da jurisprudência francesa, de onde extraímos importante aresto do Conselho Constitucional (Decisão nº 94-359, de 19.01.95), reconhecendo que a possibilidade de toda pessoa dispor de um alojamento decente constitui um valor de matriz constitucional, diretamente fundado na dignidade da pessoa humana, isto mesmo sem que houvesse previsão expressa na ordem constitucional (SARLET, 2009/2010, p.12/13, on line).

Segundo as lições de Simone Dalila Nacif Lopes, ao passo que o Estado

resguardou o direito à moradia e impôs a Administração Pública o dever de

implementar políticas públicas (ações positivas) que o assegure para os cidadãos, o

próprio Estado Social de Direito impõe a sua observância e atendimento, também,

por toda a sociedade. Assim defende a autora, in verbis:

[...] há que se ter sempre em mente que os direitos fundamentais, de que é exemplo à moradia, além de sua eficácia vertical, que os torna exigíveis do Estado, também apresentam uma aplicabilidade horizontal, pois a vinculação se estende às relações de direito privado. [...] todos estamos obrigados a observá-lo nas relações sociais e jurídicas, incluindo-se a Administração Pública, os Legisladores, o Poder Judiciário e os particulares.

[...] o Estado e a sociedade são vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais, cujos imperativos devem ser observados em seus atos, negociais ou não, tanto nas relações jurídico-sociais verticais, como no setor privado (eficácia horizontal dos direitos fundamentais) (LOPES, 2012, p. 278).

Nesse ínterim, Gabriela Neves Gallo relembra que o modo de ver a

propriedade também sofreu e vem sofrendo significativas mudanças, conforme

segue:

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[...] a visão sobre o Direito de Propriedade vem sofrendo grande mudança no decorrer da história da humanidade, evoluindo de uma concepção individualista de propriedade privada, para uma visão publicista desta, ou seja, sob o aspecto coletivo dando-se ênfase ao seu fim social. [...] A própria Constituição Federal, ao mesmo tempo em que diz ser o direito de propriedade inviolável, trata de restringir seu exercício, condicionando-o ao cumprimento de sua função social, ou seja, a utilização passa a ser compulsória, não sendo mais permitido o não-uso da propriedade (GALLO, 2007, p. 1549, on line).

Nesse contexto, Carlos Roberto Gonçalves esclarece que tais

modificações relativas à propriedade tiveram início no século XX e receberam forte

influência religiosa e ideológica da época. Assim leciona o autor, com atenção:

Após a Revolução Francesa, a propriedade assumiu feição marcadamente individualista. No século passado, no entanto, foi acentuado o seu caráter social, contribuindo para essa situação as encíclicas Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, e Quadragésimo Ano, de Pio XI. O sopro da socialização acabou, com efeito, impregnando o século XX, influenciando a concepção da propriedade e o direito das coisas (GONÇALVES, 2011, p. 244).

O direito à propriedade é também direito fundamental assegurado

constitucionalmente, conquanto, a própria Constituição Federal de 1988 o relativizou

ao garanti-lo mediante o atendimento de uma condição, a função social

(GONÇALVES, 2011).

Assim estabelece o artigo 5º, incisos XXII e XXII, da Constituição Federal

de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social (BRASIL, Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988).

O direito de propriedade, consoante os ensinamentos de Washington de

Barros Monteiro:

[...] não mais se reveste de caráter absoluto e intangível, de que outrora se impregnava. Está ele sujeito, na atualidade, a numerosas limitações, impostas no interesse público e no interesse privado, inclusive nos princípios da justiça e do bem comum (MONTEIRO, 2013, p. 111).

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Esse, também, foi o raciocínio seguido pelo Código Civil de 2002 ao

prever, em seu artigo 1.228, § 1º, que “o direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais [...]” (BRASIL, Lei nº

10.406, de 10 de janeiro de 2002).

“O atual Código Civil, com essa regra, procurou despertar no homem

comum o exercício da cidadania, impondo limitações de caráter social ao direito de

propriedade”, afirma Washington de Barros Monteiro (2013, p. 103).

Para Flávio Tartuce, a função social “pode se confundir com o próprio

conceito de propriedade, diante de um caráter inafastável de acompanhamento.

Assim, a propriedade deve sempre atender aos interesses sociais, ao que almeja o

bem comum” (2011, p.798).

Corroborando, Gabriela Neves Gallo esclarece que a função social

significa:

[...] a subordinação do direito individual ao interesse coletivo, numa aplicação clara do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. O Poder Público estabelecerá qual a função social da propriedade visando o bem estar de todos (GALLO, 2007, p. 1550, on line).

Diante disso, Ingo Wolfgang Sarlet faz, brilhantemente, interpretação

sistemática entre os dois institutos fundamentais, conforme segue:

[...] em se tornando como referencial o critério da fundamentalidade substancial (material) e, nesta quadra, a conexão com o direito a uma existência digna, o direito à moradia poderá assumir, em diversas situações, posição preferencial em relação ao direito de propriedade, no mínimo para justificar uma série de restrições a este direito, que, de resto – e de acordo com previsão constitucional expressa – encontra-se limitado pela sua função social, de tal sorte que, já há algum tempo – expressiva doutrina sustenta que apenas a propriedade socialmente útil (isto é, que cumpre sua função social) é constitucionalmente tutelada (SARLET, 2009/2010, p. 17, on line).

De acordo com o estudado no Capítulo I, tópico “1.3 Fundamento”, o qual

tratou das bases, as quais fundamentam a usucapião, observou-se que o referido

instituto está consubstanciado de elementos os quais propiciam ao bem imóvel, uma

destinação de modo a atender a sua função social.

Veja, na usucapião, o verdadeiro proprietário perde o bem, por

permanecer alheio a ele durante todo o lapso temporal em que a posse é exercida

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por terceiro e, este por ter o animus de ser dono da coisa, acaba por lhe dar a

destinação devida e adequada, seja para laborar ou, simplesmente, morar,

atendendo os fins sociais preceituados constitucionalmente.

Segundo a doutrina de Maria Helena Diniz, “o direito de propriedade,

subjetivo que é, dentro dos limites temporais fixados por lei, se desfaz, por parte do

proprietário inerte, e se ganha, por parte do usucapiente, pelo período de tempo

estabelecido para seu exercício e sua conservação” (2004, p. 156).

Nesse contexto, leciona Ingo Wolfgang Sarlet, in verbis:

[...] a facilitação da aquisição da propriedade pelo usucapião, especialmente a partir da Constituição Federal de 1988, mediante a prova da posse exercida de forma mansa e pacífica, por um período de cinco anos, desde que demonstrada a utilização (dentre outros requisitos) do imóvel para moradia própria e da família, revela [...] que a moradia atua como fundamento da aquisição da propriedade em face de outros particulares (no caso, aquele em nome de quem está registrado o imóvel), revelando que, de certo modo, poder-se-á até mesmo (e nos parece razoável este ponto de vista) sustentar uma eficácia nas relações particulares da dimensão prestacional do direito à moradia (SARLET, 2009, p. 38, on line).

À mesma ideia filia-se Flávio Tartuce ao lecionar, conforme segue:

A usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião (TARTUCE, 2011, p. 825).

Já era esse o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa que, ao se referir à

instituição do atual Código Civil de 2002, diz:

[...] assume uma nova perspectiva com relação à propriedade, ou seja, seu sentido social. Como o usucapião é instrumento originário mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilização da terra, há um novo enfoque no instituto. Alia-se a isso a orientação da Constituição de 1988, que realça o instituto e alberga modalidades mais singelas do instituto (VENOSA, 2004, p. 220).

Por oportuno, cabe a sábia lição de José Carlos de Moraes Salles quando

fundamenta o instituto da usucapião, relacionando-o com a função social da

propriedade. Assim disserta, com atenção:

[...] todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante a sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando

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desinteressadamente como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade (SALLES, 2003, p. 26).

Para Evaniele Antônia de Oliveira Santos, o direito à moradia deve ser

garantido de maneira que o indivíduo tenha qualidade de vida. Assim leciona a

autora, in verbis:

O acesso a uma habitação digna é essencial para atingir uma vida satisfatória e a realização da vida humana. Devemos compreender que esse direito ultrapassa aquilo que podemos entender como simples sobrevivência. Nesse sentido, o direito a moradia não deve se estabelecer limitado a ideia de um simples abrigo que seja apenas suficiente para proteger o homem das forças da natureza. A moradia é o espaço, por excelência, onde as pessoas podem ter segurança e satisfazer as suas necessidades psicológicas ao terem posse de um lugar pessoal, privado e inviolável (SANTOS, E., 2013, p.119).

“O direito a moradia é muito importante para uma sociedade mais digna e

pacífica, pois é na casa que as pessoas podem vivenciar os laços da família humana

que, por sua vez, se configura como a unidade constitutiva da sociedade” (SANTOS,

E., 2013, p.121).

Para Everson Manjinski “a usucapião do cônjuge residente se mostra

como uma alternativa viável para resolver os problemas enfrentados na

regularização de imóveis, o que atenderá a função social da propriedade em razão

do fortalecimento da estabilidade familiar” (2012, on line).

Com efeito, Sílvio de Salvo Venosa defende que “a possibilidade de a

posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico

das coisas” (2004, p. 211).

“As diversas modalidades de usucapião previstas no Código Civil têm

como fundamento, como justificativa para a perda da propriedade pelo usucapido e

consequente aquisição pelo usucapiente, a utilidade social da propriedade”,

argumenta Elpídio Donizetti (2011, on line).

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Essa já vem sendo a tese sustentada pelos Tribunais brasileiros, ao

atribuir a função social da propriedade a posse ad usucapionem, bem como seus

reflexos ao alcançar direito à moradia e, consequentemente, a dignidade da pessoa

humana. Assim a jurisprudência vem consolidando, conforme segue:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. O DIREITO À MORADIA ESTÁ INTIMAMENTE VINCULADO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO, NA FORMA DO ART. 330, I, DO CPC, CONDENANDO A AUTORA AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE R$ 1.500,00 (MIL E QUINHENTOS REAIS), OBSERVADO O ART. 12, DA LEI 1.060/50. APELO DA AUTORA ALEGA CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, REQUERENDO A ANULAÇÃO DO DECISUM OU A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. O JUIZ É O DESTINATÁRIO DAS PROVAS, COMPETINDO-LHE AVALIAR A NECESSIDADE DE SUA PRODUÇÃO. POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA, COM ANIMUS DOMINI, EXERCIDA SOBRE O IMÓVEL DESDE 09.02.1982. POSSE EXERCIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA CONFIGURADA, COM O TRANSCURSO DE MAIS DE 20 (VINTE) ANOS DURANTE A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PRAZO OCORRIDO NO CURSO DO PROCESSO, PARA RECONHECIMENTO E DECLARAÇÃO DA USUCAPIÃO, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 462, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA EFETIVIDADE DO PROVIMENTO JUDICIAL. AUTORA QUE EXERCE A POSSE DO BEM HÁ MAIS DE 30 (TRINTA) ANOS, SEM INTERRUPÇÃO OU OPOSIÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, § 1º-A, DO CPC (TJ-RJ - APL: 00022460819938190002 RJ 0002246-08.1993.8.19.0002, Relator: DES. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO, Data de Julgamento: 11/11/2013, SEGUNDA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 12/03/2014 12:57).

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - POSSE SEM OPOSIÇÃO, ININTERRUPTA, DEZ ANOS E MORADIA HABITUAL - REQUISITOS PREENCHIDOS - ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC - RECURSO IMPROVIDO. Restando preenchidos os requisitos intrínsecos da usucapião extraordinária, como a posse ad usucapionem, estabelecer como sua moradia habitual sem oposição e interrupção pelo prazo de 10 anos, logo, exercendo a função social da propriedade, aludido no artigo 5º, XXIII da Constituição Federal, resta-lhe garantido, mediante a usucapião, a propriedade do imóvel (TJ-MS - APL: 00006739520118120034 MS 0000673-95.2011.8.12.0034, Relator: Des. Divoncir Schreiner Maran, Data de Julgamento: 03/06/2014, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/06/2014).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO QUANDO O PRAZO EXIGIDO POR LEI SE EXAURIU NO CURSO DO PROCESSO. PRECEDENTES DO STJ. INTELIGÊNCIA DO ART. 462DO CPC. FATO SUPERVENIENTE E CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. 1. Deve-se analisar o instituto da usucapião não apenas na estreita via da questão da propriedade específica, obtida pela prescrição aquisitiva, mas, principalmente, verificar como notório e importante meio de se atingir a função social da propriedade e, por conseguinte, a paz social. 2. Nos termos do art. 462 do CPC, o

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fato superveniente que influi no julgamento da lide deve ser levado em conta pelo julgador, mesmo que de ofício. A sentença deve refletir a situação dos fatos no momento em que prolatada. 3. É possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo. Precedentes do STJ. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. DECISAO: Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em sessão pelos integrantes da Terceira Turma Julgadora da Quinta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer da Apelação e provê-la,

nos termos do voto do relator (TJ-GO - APL: 3697-

23.2009.8.09.0152(200990036979), Relator: DR. DELINTRO BELO DE ALMEIDA

FILHO, QUINTA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 10/07/2013).

Por todo o exposto, abstrai-se com facilidade que alguns direitos tornam-

se desdobramentos de outros e, desta feita, busca-se garanti-los com efetividade, ou

seja, o manejo de uma ação de usucapião, especialmente a usucapião especial e a

pró-família, por ser instituto jurídico eficaz ao regularizar a posse fática, desde que

atendidos os requisitos legais, torna-se instrumento capaz de garantir o

reconhecimento e o pleno exercício do direito à moradia, que por sua vez, atende

sobremaneira a função social da propriedade e o princípio universal da dignidade da

pessoa humana.

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5 USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA

O presente capítulo tratará do principal objeto deste estudo, a mais

recente modalidade de usucapião integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, a

usucapião pró-família.

No entanto, antes de iniciarmos a análise da usucapião pró-família, faz-se

necessário tecer breves considerações acerca da entidade familiar, pois é o seu

núcleo de proteção, e que desde a promulgação da Carta Maior de 1988, vem

recebendo especial tutela constitucional e infraconstitucional. E logo após, serão

analisados o conceito, a origem e institucionalização da usucapião pró-família, bem

como a sua interpretação e demais repercussões no mundo jurídico.

5.1 A Entidade Familiar

É cediço que a sociedade familiar, no Brasil, passou por diversas

transformações ao longo da história e com isso influenciou inúmeras situações na

seara da ciência jurídica.

Matheus Antônio da Cunha esclarece que, a única entidade familiar

juridicamente reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, antes da

promulgação da Constituição Federal de 1988, era, apenas, a decorrente do

casamento, ficando excluídos os filhos concebidos das relações extraconjugais e

mal tutelados os havidos por adoção. Assim discorre brevemente o autor com base

nas legislações já superadas, conforme segue:

A Constituição Federal de 1934 foi à primeira no Brasil a dedicar um capítulo à família, expressamente garantindo proteção especial do Estado a esta instituição, preceitos repetidos pelas constituições subsequentes.

No entanto, as novas cartas constitucionais pouco modificaram as normas do diploma civil de 1916, sendo mantida a estrutura patriarcal, o casamento como forma exclusiva de formação da família, o expresso tratamento discriminatório dado aos filhos nascidos fora do casamento e aos havidos por adoção e a ausência de referências ao companheirismo, seja ela na forma de união estável, seja na forma do concubinato. [...]

Assim, mesmo com as diversas alterações constitucionais e legislativas desde a promulgação do Código Civil de 1916, até o advento da Constituição Federal de 1988, a única instituição reconhecida como familiar era o casamento, enquanto a união estável e o concubinato eram ignorados pelo legislador, e a adoção era deixada para segundo plano por meio de expressas diferenças de direitos e de tratamento entre os filhos sangüíneos e os adotados, sendo de pouca relevância jurídica o afeto nas relações familiares (CUNHA, 2010, on line).

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A concepção de família patriarcal e hierarquizada, sustentada durante

muitos anos pelo Código de 1916, não mais existe, tendo em vista a nova dimensão

e princípios concebidos pela Constituição Federal de 1988, que nas palavras de

Sílvio de Salvo Venosa:

[...] representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar (226, § 7º) representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio. É nesse diploma que se encontram princípios expressos acerca do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1, III). Nesse campo, situam-se os institutos do direito de família, o mais humano dos direitos, com a proteção à pessoa dos filhos, direitos e deveres entre cônjuges, igualdade de tratamento entre estes etc (VENOSA, 2014, p. 7).

Nesse contexto, Matheus Antônio da Cunha leciona que:

Ao mesmo tempo em que a nova Constituição confirmou normas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, como a gratuidade do casamento e a garantia de efeitos civis ao casamento religioso, inovou ao reconhecer como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, ao igualar o homem e a mulher na sociedade conjugal, e ao vedar a quaisquer diferenças de direitos, de qualificação ou de tratamento entre os filhos havidos na constância do casamento ou fora dele, ou por adoção (CUNHA, 2010, on line).

“Isso tudo porque a sociedade muda, a família se altera e o Direito deve

acompanhar essas transformações” (TARTUCE, 2011, p. 994).

Para Flávio Tartuce a entidade familiar, em vista da concepção

constitucional de família prevista no artigo 226, da Carta Magna de 1988, pode

decorrer do (a):

a) Casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito civil o casamento religioso, nos termos da lei (art. 226, §§ 1º e 2º).

b) União estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (art. 226, § 3º).

c) Família monoparental, comunidade formada por, quaisquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º) (TARTUCE, 2011, p. 995).

Todavia, o rol constitucional familiar é meramente exemplificativo, sendo

atualmente aceitas, pela doutrina e jurisprudência, outras formas de entidades

familiares, visto que a tendência é ampliar o seu conceito para além das previstas

pelo Texto Maior/1988 (TARTUCE; SIMÃO, 2011).

Para Maria Berenice Dias, são consideradas entidades familiares:

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a) Família matrimonial: decorrente do casamento;

b) Família informal: decorrente da união estável;

c) Família homoafetiva: decorrente da união de pessoas do mesmo sexo.

d) Família monoparental: constituída pelo vínculo existente entre um dos genitores com seus filhos, no âmbito de especial proteção do Estado.

e) Família anaparental: decorrente ‘da convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade e propósito’, tendo sido essa expressão criada pelo professor Sérgio Resende Barros [...].

f) Família eudemonista: conceito que é utilizado para identificar a família pelo seu vínculo afetivo [...] (DIAS, 2007, apud TARTUCE; SIMÃO, 2011, p. 55/56).

Maria Helena Diniz entende haver três acepções jurídicas do termo

família, são elas: em sentido amplíssimo, lato e restrito. Assim define, in verbis:

a) No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do artigo 1412 § 2º do Código Civil, em que as necessidades do usuário compreendem também as das pessoas do seu serviço doméstico. [...]

b) Na acepção “lata”, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes de linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os artigos 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto-lei n. 3200/41 e a Lei n. 8.069/90, art. 25, parágrafo único, acrescentado pela Lei n. 12.010/2009.

c) Na significação restrita é a família (CF, art. 226 §§ 1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts, 1567 e 1716) e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o art. 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, independente de existir o vínculo conjugal que a originou [...] (DINIZ, 2014, p. 23/25).

Maria Berenice Dias, que utiliza o termo direito “das famílias” ao intitular

suas obras, acerca da definição do termo “família”, defende que o ordenamento

jurídico refere a:

[...] família no plural, porque a família passou a ser um conceito plural. Não é mais constituída exclusivamente pelo casamento. Não mais serve para manter a mulher presa no recinto doméstico, para que o homem tenha certeza de que seus filhos são sangue do seu sangue. Hoje, o que identifica uma família é o afeto, esse sentimento que enlaça corações e une vidas. A família é onde se encontra o sonho de felicidade (DIAS, 2011, on line).

À mesma ideia filia-se Cristiano Chaves de Farias que defende, “a

entidade familiar deve ser entendida hoje como grupo social fundado,

essencialmente, por laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar

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à luz do texto constitucional” (FARIAS, 2004, p. 30 apud TARTUCE; SIMÃO, 2011,

p. 57).

Na esteira desse entendimento, Maria Helena Diniz vislumbra:

[...] na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para realização integral do ser humano (DINIZ, 2014, p. 23/25).

Consoante à doutrina de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, “mesmo

não constando a expressão afeto no Texto Maior como sendo um direito

fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade

humana” (2011, p. 50).

Nesse sentido, considerando a eficácia imediata e horizontal dos direitos

fundamentais, e, ainda, que os “princípios são as normas-chave de todo sistema

jurídico” 1, a entidade familiar já é tutelada por diversos princípios de natureza

fundamental. São eles: Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art.

1.º, III, da CF/1988); Princípio da solidariedade familiar (art. 3.°, I, da CF/1988);

Princípio da igualdade entre filhos (art. 227, § 6.°, da CF/1988 e art. 1.596 do CC);

Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5.·, da CF/1988, e

art. 1.511 do CC); Princípio da não intervenção ou da liberdade (art. 1.513 do CC);

Princípio do maior interesse da criança e do adolescente (art. 2 27, caput, da

CF/1988, e arts. 1.583 e 1.584 do CC); Princípio da afetividade; e Princípio da

função social da família (art. 226, caput, da CF/1988) (TARTUCE, 2011).

Merece destaque o princípio do maior interesse da criança e do

adolescente e o Princípio da função social da família, visto que, como bem leciona

Evaniele Antonia de Oliveira Santos, a família, embora considere não ser privilégio

de todos, merece larga atenção e efetiva tutela, pois:

É a partir do seio familiar que recebemos as bases da nossa educação, dos nossos princípios e dos nossos valores. É na família que construímos o nosso caráter, aprendemos aquilo que é certo e o que é errado. É no lar também que podemos nos deparar com os primeiros conflitos da nossa vida, mas, ao mesmo tempo, aprendemos a medir quem errou e quem exagerou, fazer julgamentos sensatos, adquirir o bom senso, aprender a lidar com as diferenças, a perdoar, a conviver pacificamente e valorizar as pessoas que estão ao nosso redor (SANTOS, E., 2013, p. 121).

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 10.

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Diversas leis trazem conceitos ampliados de família, contudo, destaca-se

a Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, pois além de definir entidade familiar, ainda

reconheceu, para seus fins, todas as espécies legalmente previstas, alcançando por

completo todas as formas de família estabelecidas pelo ordenamento jurídico

brasileiro. Assim institui a lei:

Art. 1º [...] Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I - grupo familiar: unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos que contribuem para o seu rendimento ou têm suas despesas por ela atendidas e abrange todas as espécies reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se nestas a família unipessoal (BRASIL, Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011).

5.2 Denominação, conceito, origem e fundamento da Usucapião pró-família

A fim de obter a diretriz correta para interpretação de uma norma, torna-

se indispensável, preliminarmente, a análise da conjuntura em que foi posta e qual

foi o bem jurídico que o legislador buscou tutelar, para dar fundamento a sua criação

e institucionalização.

A usucapião pró-família é disciplinada pelo artigo 1.240-A, do atual

Código Civil Brasileiro de 2002, que assim dispõe, in verbis:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor

mais de uma vez.

§ 2o (VETADO) (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Ao ser instituído, o instituto ganhou diversos termos, são exemplos:

usucapião pró-familia, usucapião familiar, usucapião especial urbana por abandono

do lar, usucapião conjugal, usucapião do lar, etc.

No entanto, neste trabalho, opta-se pela expressão “usucapião pró-

familia”, tendo em vista ser o termo utilizado, precipuamente, pelo deputado André

Vargas, relator da medida provisória que originou no referido instituto, e por acreditar

ser o mais apropriado à finalidade a que se destina. (BRASÍLIA, 2011, p. 14)

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A usucapião pró-familia é a mais nova modalidade de usucapião especial

urbana, a qual foi inserida no Código Civil Pátrio, através do artigo nº 1.240-A, com o

advento da Lei Ordinária nº 12.424, em 16 de junho de 2011 (MATURANA, 2012, on

line).

A Lei Ordinária nº 12.424/2011, embora tenha feito a referida alteração no

Código Civil/2002, em sua essência, é diploma alterador da Lei nº 11.977/2009, que

trata do programa de incentivo habitacional do governo federal “Programa Minha

Casa Minha Vida - PMCMV” e de medidas de regularização fundiária de

assentamentos localizados em áreas urbanas (MATURANA, 2012, on line).

A Lei Ordinária nº 12.424/2011 tem a sua origem na Medida Provisória nº

514, de 01 de dezembro de 2010, a qual passou por 52 emendas, no entanto,

concluiu-se, conforme consulta à Câmara dos Deputados, que a inclusão do

dispositivo que institui a usucapião pró-família se deu, apenas, no momento em que

foi apresentado o Projeto de Lei de Conversão nº 10/2011, pelo relator Deputado

André Vargas, que o fez utilizando de suas prerrogativas regimentais. (ANEXO I)

Alvo de muitas críticas, a usucapião pró-família foi instituída com a

finalidade de “proteger a pessoa que fica incumbida de dar conta da casa,

geralmente acompanhada dos filhos” (MATURANA, 2012, on line).

O relator da Medida Provisória nº 514/2010 na Câmara dos Deputados,

deputado André Vargas (PT-PR), em declaração dada ao Jornal do Senado

defendeu que: ‘vamos possibilitar a assinatura de convênio pelas mulheres, é o

chamado usucapião pró-familiar, que pode ser usado quando o cônjuge não estiver

mais no lar, possibilitando a resolução da posse’ (MATURANA, 2012, on line).

Já o relator da referida Medida Provisória no Senado Federal, senador

Waldemir Moka (PMDB-MS), também em declaração dada ao Jornal do Senado

“explica que não houve tempo de debater a questão do usucapião familiar em

audiências públicas, por exemplo. Ele lembra, no entanto, que se demonstrou

preocupação com a subjetividade do requisito abandono de lar” (MATURANA, 2012,

on line).Justifica, ainda, o senador:

Como sempre acontece nas votações de medidas provisórias, nosso prazo era muito curto. Depois de tramitar na Câmara, o texto chegou ao Senado cerca de 20 dias antes de perder a validade. E o foco principal era o Programa Minha Casa, Minha Vida. Já que não houve oposição à proposta, o texto foi aprovado (MATURANA, 2012, on line).

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Frederico Viegas, professor de Direito Privado da Universidade de Brasília

(UnB), acredita que a nova usucapião traz mais malefícios que benefícios. Assim

declarou ao Jornal do Senado:

É uma lei casuística. Estamos prestes a ver pessoas convivendo em ambiente ruim, em prejuízo dos filhos, por causa do patrimônio. Há outros mecanismos para garantir o direito de lar à família sem ser usucapião: direito real de uso durante 20 ou 30 anos, por exemplo (MATURANA, 2012, on line).

Elpídio Donozetti, também criticou a nova modalidade de usucapião, pois

entende que o referido instituto não dispõe de nenhum benefício. Assim argumenta o

doutrinador:

No caso da usucapião pelo abandono do lar, entretanto, não se enxerga a razão, tampouco a finalidade que levou o legislador a inserir o artigo 1240-A no Código Civil. Trata-se de um “Frankestein” que surge no meio de uma lei instituidora do programa “Minha Casa, Minha Vida”, o qual tem por finalidade a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas e a construção de casas para famílias de baixa renda. [...] De minha parte, só vislumbro malefícios nessa modalidade de usucapião.” (DONIZETTI, 2011, on line)

Nesse contexto, seguiu José Fernando Simão ao indagar “Usucapião

familiar: problema ou solução?”. Assim respondeu, in verbis:

A utilidade do novo instituto é clara. Havendo abandono do lar, a usucapião pode ocorrer após o lapso de 2 anos. As dificuldades são evidentes. O prazo é exíguo demais para a elaboração do luto elo fim da conjugalidade. Por que um prazo inferior àqueles das demais modalidades constitucionais de usucapião?

Sinceramente, creio que teremos mais problemas que solução. Esta modalidade de usucapião significará acirramento de lutas patrimoniais no seio da família (mesmo acabada a família conjugal, prossegue a parental) comprometendo a manutenção de bons vínculos parentais, no mais das vezes. Estas reflexões iniciais servirão certamente de provocação para o aprofundamento do debate (SIMÃO, 2013, on line).

Nessa linha, Washington Monteiro de Barros entende que a usucapião

pró-família “não apenas subverte regras e institutos tradicionalmente vigentes no

Direito Civil, como, sem qualquer fundamento aparente, produz danosa insegurança

jurídica” (2013, p. 156/157).

Enquanto isso, Flávio Tartuce é otimista e diz, com atenção:

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A nova categoria merece elogios, por tentar resolver inúmeras situações que surgem na prática. [...] Por certo, vários debates jurídicos surgirão a respeito dessa nova modalidade de usucapião especial urbana, que representa, a meu ver, interessante inovação, com grande amplitude social. Para solucionar os problemas é que existem os intérpretes, os advogados, os julgadores, os professores, os doutrinadores, os profissionais da área jurídica em geral. Aceitemos os bônus e os ônus, enfrentando os desafios que virão (TARTUCE, 2011, on line).

Cristiano Chaves de Farias em processo de definição dos parâmetros

necessários para especificação da nova modalidade de usucapião, que a vista

desse trabalho é considerada a tese mais acertada, defende que:

[...] a pretensão normativa é mais simbólica do que concreta. Não se pretende incentivar o requerimento de usucapião, mas, ao contrário disso, colaborar para que as pessoas que se separam faticamente regulamentem, em definitivo, a sua situação, evitando deixar pendências jurídicas, econômicas e sociais – para além das pendências afetivas que foram deixadas pela erosão afetiva...

Até porque a parte que permanece no imóvel assume, sozinha, as obrigações pecuniárias que dele decorrem, como o pagamento de tributos e despesas com a manutenção da coisa. Por isso, parece razoável que, havendo um abandono por tempo considerável (dois anos), ocorra a aquisição originária da meação da outra parte (FARIAS, 2013, p. 126).

A usucapião pró-família foi institucionalizada como um instrumento

garantidor da proteção àquela família que fica em estado de vulnerabilidade por ter

suportado desproporcionalmente os ônus financeiro, econômico e patrimonial

advindos do rompimento afetivo.

O novo instituto, conforme dito alhures, teve seu embrião formado na

medida provisória que culminou na Lei Ordinária nº 12.424/2011. O núcleo da

referida norma tinha como foco, precípuo, alterar a Lei nº 11.977/2009, que trata do

Programa Minha Casa Minha Vida e das medidas de regularização fundiária de

assentamentos localizados em áreas urbanas. Ora, e o que isso significa?

Ao analisar a Lei 11.977/2009, percebe-se em diversos dispositivos a

prioridade dada às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar. A

referida lei já previa a formalização de contratos e registros no nome da mulher, e

após passou a prever, inclusive, a possibilidade da mulher adquirir o título de

propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, após a dissolução do

casamento ou união estável, exceto se os filhos do casal permanecessem no imóvel

com o pai. Assim dispões o seus artigos 35, 35-A, 73-A, respectivamente:

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Art. 35. Os contratos e registros efetivados no âmbito do PMCMV serão formalizados, preferencialmente, em nome da mulher.

Art. 35-A. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do orçamento geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS. (Incluído pela Lei nº 12.693, de 2012)

Parágrafo único. Nos casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título da propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido.

Art. 73-A. Excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS, os contratos em que o beneficiário final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social promovidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Redação dada pela Lei nº 12.693, de 2012)

§ 1o O contrato firmado na forma do caput será registrado no registro de

imóveis competente, sem a exigência de documentos relativos a eventual cônjuge. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 2o Prejuízos sofridos pelo cônjuge por decorrência do previsto neste

artigo serão resolvidos em perdas e danos. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) (BRASIL, Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009).

A fundamentação para tal medida está disposta na Exposição de Motivos,

nº 06/2012 - MCIDADES/MF/MP/MI, da Medida Provisória 561/2012 que deu origem

ao referido instituto, que assim justificou, in verbis:

[...] 24. Por fim, quanto às alterações efetuadas na Lei n° 11.977, de 2009, há que se destacar, ainda, a inclusão do art. 35-A que prevê que nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título da propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, com subvenções oriundas de recursos do Orçamento-Geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, exceto nos casos em que haja filhos e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro.

25. A opção por essa medida legislativa vem sinalizar a importância que este governo tem dado à mulher nos programas sociais, especialmente enquanto chefe e centro de inúmeras famílias. Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida já foram assinados por mulheres. (BRASÍLIA, 2012)

Portanto, isso significa que a usucapião pró-família tem o “DNA” dos

objetivos que fundamentam o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, bem

como da finalidade da regularização fundiária, tendo em vista consistir um conjunto

de medidas que visa garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das

funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado (BRASIL, Lei 11.977, de 07 de julho de 2009).

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Nesse contexto, José Fernando Simão faz a seguinte conclusão, com

atenção:

Creio ser adequada a denominação usucapião familiar em razão de sua origem, qual seja, o imóvel pertence aos cônjuges ou companheiros, mas só é utilizado por um deles após o fim do casamento ou da união estável. Algumas reflexões se fazem necessárias.

I - As reflexões.

A primeira é que o instituto tem origem no direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal. Trata-se de norma que protege pessoas, normalmente de baixa renda, que não têm imóvel próprio, seja urbano ou rural. A redação do dispositivo exige praticamente os mesmos requisitos previstos no art. 183 da Constituição para fins da chamada usucapião urbana ou pro moradia. [...]

A segunda reflexão diz respeito ao tipo de imóvel. Apenas o imóvel urbano pode ser objeto da usucapião familiar. É a moradia e não o trabalho que se privilegia. Por isto o artigo 1.240-A surge em sede de regulamentação do programa do Governo Federal ‘Minha casa, Minha vida’ (SIMÃO, 2013, on line).

Daí o motivo pelo qual o relator André Vargas justificou que a usucapião

pró-família possibilitará a assinatura de convênio por mulheres e a resolução da

posse, na hipótese do ex-cônjuge ou ex-companheiro deixar o lar, respeitados,

todavia, os demais requisitos.

O legislador foi destemido quando normatizou e introduziu a usucapião

pró-família no atual Código Civil Brasileiro de 2002. Nota-se que a redação dada ao

artigo 1.240-A, do Código Civil/2002, tutela a família independentemente de sua

formação, cuja finalidade, foi garantir a moradia para o indivíduo que ficou no imóvel

sozinho ou com sua família, após ter sido “abandonado”.

Sem dúvida a nova modalidade ratificou a soma de tantos direitos e

princípios até aqui estudados, tais como: a dignidade da pessoa humana, a função

social da propriedade, o direito humano fundamental à moradia, o princípio do maior

interesse da criança e do adolescente, a função social da família, dentre outros.

Diante disso, surge mais um novo instituto que mitiga o direito de

propriedade, dentre as demais modalidades de usucapião, elevando ainda mais a

possibilidade da sua perda em benefício da função social que lhe é inerente, mas

agora com a ótica “pró-familia”, ou seja, em favor e tutela da família, assegurando-

lhe o direito humano fundamental à moradia, conquanto, causando grande impacto e

repercussão no mundo jurídico, fomentando diversas teses entre os doutrinadores e

juristas brasileiros.

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5.3 Antinomia aparente entre o art. 197, inciso I e o art. 1.240-A, ambos do Código

Civil de 2002

O artigo 197, inciso I, do Código Civil de 2002, já determinava que não

poderiam fluir os prazos prescricionais entre os cônjuges, na constância da

sociedade conjugal.

Todavia, segundo mencionado alhures, com o advento da usucapião pró-

família, o Código Civil de 2002 passou a prever a prescrição aquisitiva entre

cônjuges ou companheiros, na constância da sociedade conjugal ou união estável,

conforme disciplina o artigo 1.240-A (FARIAS, 2013).

Com isso, criou-se uma antinomia aparente, visto a proibição que já vinha

expressa no artigo 197, inciso I, do mesmo diploma legal.

Segundo Silvia Bittencourt Varella, “as antinomias aparentes são os

conflitos de normas ocorridos durante o processo de interpretação e que podem ser

solucionados através da aplicação dos critérios hierárquico, cronológico e da

especialidade” (2012, on line).

Cada critério soluciona as antinomias aparentes, conforme segue:

O primeiro e mais relevante critério solucionador de antinomias é o hierárquico, pois não há o que se falar em norma jurídica inferior contrária à superior. [...]

O critério cronológico, fundamentado no artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, regula que norma posterior revoga a anterior: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. [...]

Por fim, o terceiro e último critério é o da especialidade o qual prescreve que a norma especial prevalece sobre a geral. Este critério encontra-se no artigo 2º, § 2o da Lei de Introdução ao Código Civil “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior” (VARELLA, 2012, on line).

Consoante à doutrina de Cristiano Chaves de Farias, a lei criou uma

exceção diante da regra geral que disciplina a prescrição no direito civil. Assim

esclarece o autor, in verbis:

Ora, considerando que o usucapião nada mais é do que a prescrição aquisitiva (submetida, por lógica, a todas as regras norteadoras da prescrição aquisitiva), nota-se que se excepcionou a regra geral, admitindo-se, assim, a fluência do prazo prescricional aquisitivo (usucaptivo) durante a relação conjugal, quando houver a separação de fato (ruptura da convivência) pelo período mínimo de dois anos (FARIAS, 2013, p. 122).

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Portanto, com a criação da modalidade usucaptiva pró-família, e

considerando, ainda, a interpretação conforme os critérios cronológicos e da

especialidade, pode-se afirmar que o Diploma Civil/2002 autorizou uma exceção

especial em vista à regra geral (anterior), quando possibilitou fluência da prescrição

diante da separação de fato, embora subsista formalmente a sociedade conjugal ou

união estável entre o casal, seja hetero ou homoafetivo, consoante interpretação

conforme a Constituição Federal/1988.

5.4 Requisitos, interpretação e aplicabilidade da usucapião pró-família

O presente estudo acadêmico tem como objetivo central apresentar uma

interpretação equitativa do art. 1.240-A do vigente Código Civil Brasileiro, qual seja

possível vislumbrar a usucapião pró-família como instrumento de proteção às

famílias em estado de vulnerabilidade, este decorrente do abandono material em

razão da dissolução do casamento ou da união estável. Isso é relevante para que o

novo instituto seja interpretado e aplicado como uma garantia da dignidade da

pessoa humana baseada no direito fundamental à moradia, e não como uma forma

de punição ou sanção do direito de família.

Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias “a possibilidade de usucapião

por abandono do lar figura, na sistemática do Código Civil, no art. 1.240-A, como

uma subespécie da usucapião especial urbana individual, admitido pelo Texto

Constitucional (art. 183) e disciplinado no dispositivo anterior” (2013, p. 126).

Diante disso, a usucapião pró-família alberga requisitos genéricos, de

extraídos do artigo 183, da Constituição Federal de 1988, e requisitos específicos à

matéria, os quais devem ser atendidos cumulativamente (FARIAS, 2013).

São quatro os requisitos genéricos, consoante à doutrina de Cristiano

Chaves de Farias, in verbis:

i) Imóvel situado em zona urbana, com metragem não superior a 250 metros quadrados;

ii) Finalidade de moradia (pro moradia) na utilização do bem;

iii) Inexistência de outra titularidade pelo usucapiente,seja de imóvel rural ou urbano;

iv) Impossibilidade de reconhecimento desta especial categoria de usucapião, ao mesmo possuidor, mais de uma vez (CF, art. 183, § 2º) (FARIAS, 2013, p. 127).

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No entanto, destaca-se a importância e atendimento do requisito “posse”,

tendo em vista que, para configuração de quaisquer das modalidades de usucapião

é imprescindível à prova que o bem demandado estava sob a posse do usucapiente.

Nesta modalidade, a norma fala em posse direta do bem. Todavia, esse

conceito já vem sendo flexibilizado, tendo em vista o entendimento majoritário

consolidado no Enunciado 502, da V Jornada de Direito Civil, que esclarece –

‘conceito de posse direta referida no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a

acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código’. “De fato, justifica-se a

solução, uma vez que a finalidade de moradia pode ser garantida através da

aferição de renda, decorrente, por exemplo, do aluguel, empregada na

concretização do chamado patrimônio mínimo (FARIAS, 2013, p. 127).

Quanto ao animos domini, tem-se a sua presunção absoluta, visto que o

usucapiente se comporta como dono do bem porque, simplesmente, o é de fato

(FARIAS, 2013, p. 127).

Entende-se, ainda, que a posse deve ser mansa, pacífica e com

exclusividade, ou seja, sem contestação e exercício pelo ex-cônjuge ou ex-

companheiro abandonado.

Nota-se que o instituto alberga tão somente os imóveis situados em zona

urbana, quedando-se excluídos da regra os imóveis situados em zona rural,

devendo estes, seguir as regras ordinárias de partilha dos bens, segundo o regime

de bens adotado pelo casal (FARIAS, 2013).

Contudo, regressando a finalidade precípua do instituto, até aqui

defendida, Cristiano Chaves de Farias faz a relevante consideração:

[...] tentando apresentar uma solução jurídica para inserir no âmbito da proteção o imóvel situado em zona rural, pode-se cogitar da utilização da técnica de interpretação ampliativa, por se tratar de uma garantia constitucional de índole social (o direito a moradia), para fazer com que a norma legal abranja, por igual, o imóvel situado em zona rural (FARIAS, 2013, p. 133).

No que tange os requisitos específicos, são três, segundo à doutrina de

Cristiano Chaves de Farias, conforme segue:

i) Lapso temporal mínimo de 02 (dois) anos;

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ii) O objeto da aquisição deve ser o imóvel residencial (único com essa natureza) da propriedade comum do casal;

iii) Comprovação do abandono de lar por um dos cônjuges ou companheiros (FARIAS, 2013, p. 128).

Quanto a estes últimos, serão feitas as seguintes considerações, para

compreensão do instituto:

O Lapso temporal mínimo de 02 (dois) anos, hodiernamente, é o menor

prazo de posse contínua prevista para aquisição de domínio, por meio de usucapião,

no ordenamento jurídico brasileiro, menor, até mesmo, que o estabelecido para bens

móveis que é de 03 (três) anos, conforme artigo 1.260, CC/2002 (FARIAS, 2013).

Segundo Flávio Tartuce, isso se justifica porque a “tendência pós-

moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo

contemporâneo exige e possibilita a tomada de decisões com maior rapidez” (2011,

on line).

Para Cristiano Chaves de Farias, regressando ao ponto de vista da

ruptura da relação afetiva:

[...] permitir que o cônjuge ou companheiro que abandonou o imóvel a mais de dois anos (exonerando-se do pagamento de tributos, das taxas de manutenção, das despesas decorrentes da sua manutenção, etc) possa reivindicar a sua fração ideal (cota-parte) se mostra incoerente, de fato (FARIAS, 2013, p. 128).

A fluência do prazo de 02 (dois) anos previsto para nova modalidade tem

início com a entrada em vigor da Lei nº 12.424/2011, conforme entendimento do

Enunciado nº 498, da V Jornada de Direito Civil (SARAIVA, 2013, p. 2009).

Vale lembrar que esse já era o imperativo posto pelo artigo 6º, da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual preceitua o efeito imediato e geral

da nova norma, entretanto, prima pelo princípio da irretroatividade da norma jurídica

ao garantir a segurança jurídica do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da

coisa julgada (FARIAS, 2013).

No que tange ao objeto da aquisição ser imóvel, cuja propriedade era

dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro, o Enunciado nº 500, da V Jornada de

Direito Civil, é cristalino ao esclarecer que a usucapião pró-família “pressupõe a

propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades

familiares, inclusive homoafetivas” (SARAIVA, 2013, p. 2009).

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Cristiano Chaves de Farias defende que “o usucapião conjugal somente é

possível quando se tratar de imóvel residencial (e único dessa natureza) pertencente

ao patrimônio comum do casal” (FARIAS, 2013, p 128).

Flávio Tartuce, por sua vez, consigna, in verbis:

[...] o novo instituto somente pode ser reconhecido uma vez, desde que o possuidor não tenha um outro imóvel urbano ou rural, o que está em sintonia com a proteção da moradia como fator do piso mínimo de direitos ou patrimônio mínimo (art. 6º da CF/1988) (TARTUCE, 2011, on line).

Em sentido oposto, Cristiano Chaves de Farias defende que, “havendo

outros imóveis de finalidades distintas, como, por exemplo, salas comerciais ou

imóveis rurais para exploração pecuária, continuará sendo possível a fluência do

prazo usucaptivo” (2013, p 128).

No entanto, tal entendimento contraria o dispositivo de lei, art. 1.240-A,

que diz “desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”, e diverge

do requisito genérico “inexistência de outra titularidade pelo usucapiente, seja de

imóvel rural ou urbano”, conforme destacado pelo próprio doutrinador ao elencar os

requisitos genéricos da usucapião pró-família (BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro

de 2002; FARIAS, 2013, 127).

Diante disso, compreende-se que, o entendimento consignado por Flávio

Tartuce, mostra-se o mais alinhado com a norma. Portanto, sendo, o pretenso

usucapiente, proprietário de outro(s) bem(ns) imóvel(is), não há o que se falar em

usucapião pró-família, pois o bem jurídico que se pretende tutelar é a moradia para

aquela família que suportou o ônus do “abandono material”, e não o enriquecimento

sem causa, pois na lógica, havendo a propriedade de outros imóveis, tais prejuízos

podem ser compensados no momento da partilha, mesmo que esta se dê após o

lapso temporal de dois anos.

José Fernando Simão ilustra a incidência deste instituto de acordo com o

regime de comunhão adotado pelo casal. Assim interpreta o autor, in verbis:

O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime da separação total de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher, companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum (comunhão do aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e

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posteriores ao casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião familiar pode ocorrer (SIMÃO, 2013, on line).

No que concerne à caracterização do abandono de lar, este é o de maior

divergência e debate perante a doutrina, pois, de todos os requisitos, o legislador

não foi feliz no uso da referida expressão (FARIAS, 2013).

Como mencionado, a usucapião pró-família foi recepcionada com muitas

críticas por doutrinadores e juristas, pois, dentre outros argumentos, muitos

entendem que a nova modalidade foi posta como mera punição daquele que

“abandona” o lar, havendo, com isso, um retrocesso jurídico, pois com ela voltaria o

instituto da culpa que já havia sido abolido pela Emenda Constitucional nº 66, de 13

de julho de 2010.

Nesse sentido é a lição de Elpídio Donozetti, in verbis:

O requisito nuclear da aquisição da propriedade pelo ex-cônjuge que permanece no imóvel é o abandono do lar pelo outro. Abandono do lar pressupõe culpa ou, no mínimo, falta de motivo justificado para não mais morar sob o mesmo teto. [...]

Estamos assistindo ao retorno do ingrediente denominado culpa, o qual foi abolido da indigesta receita das separações conjugais pela recente EC 66/2010 (DONIZETTI, 2011, on line).

Washington de Barros Monteiro, referindo-se a usucapião pró-família

como medida punitiva, defende que não há nada que justifique a punição daquele

que deixou o lar comum, por não mais suportar a convivência ali (2013).

Nessa linha, José Fernando Simão argumenta que, “se o imóvel foi

adquirido pelo casal, como resultado do esforço comum, seja ele material ou

espiritual, qual o motivo para permitir a usucapião? No meu sentir, há uma punição

patrimonial ao cônjuge ou companheiro que ‘abandona’ a família” (2013, on line).

Maria Berenice Dias compreende que a nova usucapião caracteriza um

entrave na solução dos conflitos familiares. Assim especifica, com atenção:

Boas intenções nem sempre geram boas leis.

Não se pode dizer outra coisa a respeito da recente Lei 12.424/2011 que, adespeito de regular o Programa Minha Casa, Minha Vida com nítido caráter protetivo, provocou enorme retrocesso.

A criação de nova modalidade de usucapião entre cônjuges ou companheiros representa severo entrave para a composição dos conflitos familiares. Isto porque, quando um ocupar, pelo prazo de dois anos, bem

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comum sem oposição do que abandonou o lar, pode se tornar seu titular exclusivo (CC 1.20-A). [...]

De forma para lá de desarrazoada a lei ressuscita a identificação da causa do fim do relacionamento, que em boa hora foi sepultada pela Emenda Constitucional 66/2010 que, ao acabar com a separação fez desaparecer prazos e atribuição de culpas (DIAS, 2014, on line).

Embora seja de grande impacto patrimonial a institucionalização da

usucapião pró-família, além de lhe ser atribuída o requisito “abandono de lar”, é

inadmissível a lógica de interpretação consubstanciada no instituto da “culpa” extinto

pela Emenda Constitucional nº 66/2010, por desacatar o fundamento ou razão de

ser estabelecido pela própria emenda. Nesse sentido, leciona Cristiano Chaves de

Farias, com atenção:

[...] é preciso patentear que a prova do abandono de lar não autoriza ressuscitar a culpa nas ações dissolutórias (felizmente, abolida pela Emenda Constitucional 66/10). Efetivamente, não se discutirá a culpa pela ruptura da convivência do casal. Até porque pensar em contrário seria repristinar a discussão sobre a culpa na dissolução do casamento – afrontando à lógica estabelecida pela Emenda Constitucional 66/10. Aqui trata-se da simples prova do abandono de lar, independentemente da culpa (FARIAS, 2013, p. 129).

Complementa, ainda, o sobrecitado doutrinador:

Mais claramente: a expressão “abandono de lar”, lamentavelmente utilizada pelo legislador, deve ser compreendida como indicativa da existência de uma separação de fato, desatrelada de qualquer perquirição do elemento subjetivo. [...]

É preciso que o abandono do lar esteja qualificado por atitudes (comissivas ou omissivas) que explicitam uma efetiva ruptura da vida conjugal, com o abandono material do consorte que permanece residindo sozinho (FARIAS, 2013, p. 129/130).

Depreende-se, portanto, que o requisito “abandono de lar”, deve ser

entendido como a ocorrência de uma separação de fato aliada ao abandono

material. Sendo irrelevante, para tanto, se perquirir o motivo pelo qual se deu a

ruptura e posterior saída do lar, ou, até mesmo, quem contribuiu para tal situação,

restando configurado para sua aplicação, apenas, a separação de fato e o abandono

material daquele que deixou o lar, excluindo-se o fator subjetivo.

Ressalta-se neste ponto, que mesmo havendo a separação de fato,

subsistem, ainda, os deveres de assistência familiar, em que ambos devem

contribuir financeira e economicamente para o sustento da família e educação dos

filhos, conforme preceitua o Código Civil de 2002.

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E, no caso de imóvel adquirido em conjunto com o ex-cônjuge ou ex-

companheiro, a separação de fato não faz cessar as obrigações financeiras,

econômicas, tributarias, condominiais ou de manutenção do bem. Portanto, a nosso

ver, nada mais justo que, àquele que se furtar de tais obrigações perca também os

direitos sobre a coisa, em detrimento daquele que o assumiu sozinho.

A Carta Magna de 1988 atribuiu especial proteção à família, conferiu à

moradia o status de direito fundamental e condicionou a propriedade o atendimento

de sua função social, diante disso, torna-se inviável qualquer interpretação que leve

a usucapião pró-família a confrontar com os direitos e princípios constitucionalmente

tutelados, e menos ainda, faz ressurgir o discurso acerca do instituto da “culpa”,

estando este definitivamente abolido do ordenamento jurídico pátrio.

O que se pretende é a proteção das famílias que suportaram

desproporcionalmente o ônus da separação de fato, garantindo-lhes a moradia,

mínimo existencial.

5.5 Causas impeditivas a incidência da usucapião pró-família

É possível afastar a prescrição aquisitiva pró-família nos casos em que há

a separação de fato, mas não há o abandono material, ou seja, se restar

configurado, no caso concreto, a permanência e a continuidade da assistência e

proteção da família e do próprio bem, por aquele que deixou o lar, mas não se furtou

das obrigações financeiras ou econômicas, consequentemente não há o que se falar

em usucapião da meação (FARIAS, 2013).

Não será admitida a usucapião pró-família, caso o afastamento do lar se

dê através de uma decisão judicial, como numa ação de separação de corpos, em

que o juiz determina a saída coercitiva do imóvel (FARIAS, 2013).

E por fim, conforme os ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias:

[...] não fluirá o prazo usucaptivo se o consorte (ou companheiro) saiu do lar conjugal, mas ajuizou uma ação de divórcio, requerendo a partilha do patrimônio comum, ou, simplesmente, promoveu a notificação extrajudicial, explicitando a intenção de discutir a titularidade do bem (FARIAS, 2013, p. 130).

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5.6 Da competência para processar e julgar o instituto e outras questões

processuais

Tendo em vista tratar-se de instituto jurídico que envolve direito de

natureza cível, mas que, em suma, compreende relação familiar, faz-se necessário

esclarecer qual o juízo será competente para processar e julgar uma ação

declaratória de usucapião pró-família (FARIAS, 2013).

O foro competente, onde devem tramitar as ações de usucapião, é o da

Justiça Estadual do local onde está situado o imóvel, podendo ser deslocada para a

Justiça Federal, quando houver interesse jurídico da União ou de quaisquer de suas

autarquias ou fundações públicas federais (VENOSA, 2004).

De acordo com o Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará,

compete as Varas Cíveis processar e julgar as ações não privativas de outros juízos,

e diante disso, as ações de usucapião, em regra, neste estado, são endereçadas ao

juízo cível (PINTO; SOARES, 2011).

Contudo, no que concerne a ação de usucapião pró-família, em particular,

o juízo competente será o da Vara de Família, visto que se trata de competência em

razão da matéria, sendo absoluta e, portanto, improrrogável pela vontade das partes

ou por decisão do magistrado (FARIAS, 2013).

A usucapião pró-família pode ser alegada tanto na ação de divórcio, como

na dissolução da união estável, seja na exordial, pelo autor, ou, na contestação

como matéria de defesa, conforme esclarece Cristiano Chaves de Farias, com

atenção:

[...] o procedimento das ações de divórcio litigioso e de dissolução de união estável é o comum ordinário, comportando, consequentemente, a cumulação de pedidos como reza o art. 292 do Código Instrumental. E sendo assim, o pedido de usucapião pode ser formulado na petição inicial pelo demandante, cumulativamente à dissolução nupcial ou da união estável. [...]

A outro giro, é de se sublinhar a possibilidade de alegação de usucapião, também, como matéria de defesa, dentro da própria contestação. É a chamada exceção de usucapião, que faz surgir, no processo, uma questão prejudicial à solução do meritum causae. [...]

Basta imaginar que o divorciando tenha promovido a ação de divórcio após ter abandonado o lar há mais de dois anos. Na espécie, poderá o réu, na própria contestação, além de controverter outras matérias (como, e.g., guarda e visitação de filhos, partilha de bens etc.) alegar a aquisição originária por usucapião pró-família (FARIAS, 2013, p. 139/141).

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No caso da presente usucapião, não é necessário adotar o procedimento

especial do artigo 943, do Código Processual Civil, tendo em vista tratar-se de

usucapião de meação, onde não há interesse da Fazenda Pública e nem de

possíveis terceiros juridicamente interessados, sendo desnecessária a intervenção

do Ministério Público e a citação de confinantes, pois já é sabido quem detém a

titularidade do bem, assim como a delimitação do imóvel objeto do referido

instrumento, sendo, imprescindível, no entanto, apenas a citação do outro meeiro

(FARIAS, 2013).

E sendo provido o pedido de usucapião pró-família requerido por uma das

partes, na inicial ou na contestação, diverso da regra geral de processamento da

usucapião, “o juiz determinará a lavratura do registro do imóvel somente em nome

do usucapiente (que, antes disso, tinha qualidade de coproprietário), extinguindo o

condomínio antes existente” (FARIAS, 2013, p. 141/142).

Impende destacar, que em qualquer modalidade de usucapião, a

sentença que a declarar, apenas, reconhecerá a existência da aquisição da

propriedade e não a sua constituição (VENOSA, 2004).

Assim determina o artigo 1.241, do Código Civil/2002, in verbis:

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.

Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

O registro será feito no Cartório de Registro de Imóveis após julgada

procedente a respectiva ação de usucapião, no qual o juiz expedirá mandado,

satisfeitas também as obrigações fiscais, conforme dispõe o artigo 945, do Código

Processual Civil Brasileiro (GONÇALVES, 2011).

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6 CONCLUSÃO

A usucapião, a família, a propriedade são institutos de enorme interesse

no mundo jurídico, e atravessam os séculos modificando-se e adaptando-se,

conforme as necessidades humanas e evolução das próprias sociedades, e,

atualmente observa-se que todas elas têm buscado, em comum, um objetivo

fundamentado na função social.

A recente Lei Ordinária nº 12.424, de 16 de junho de 2011, criou nova

modalidade de usucapião, a pró-família, e a inseriu, através do artigo 1.240-A, no

Código Civil Pátrio de 2002.

A usucapião pró-família prevê a possibilidade de ser usucapida a cota

parte do bem pertencente àquele que abandona o lar, em benefício do ex-cônjuge

ou ex-companheiro que permanece no imóvel (não superior a 250m²), exercendo a

posse sem oposição e com exclusividade, durante dois anos ininterruptos, desde

que utilizando-o para sua moradia ou de sua família e não seja proprietário de outro

imóvel urbano ou rural.

Considerada subespécie da usucapião especial urbana, a nova

modalidade alberga requisitos genéricos, extraídos do artigo 183, da Constituição

Federal de 1988, e requisitos específicos, que devem ser observados e atendidos de

forma cumulativa.

Alvo de muitas críticas, a usucapião pró-família nasceu em meio a

regulamentação de alguns dispositivos relativos ao Programa Minha Casa, Minha

Vida – PMCMV, que tem por finalidade a regularização fundiária com vistas à

consistir um conjunto de medidas que propõe garantir o direito social à moradia, o

pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado.

À vista disso, abstrai-se que a usucapião pró-família foi institucionalizada,

com a finalidade de proteger a família, passando a facilitar o meio de regularização

do domínio, quando preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 1.240-A, do

CC/2002, e, assim, garantir-lhe a estabilidade da propriedade e tutela da moradia.

Em que pese às diversas interpretações dadas ao dispositivo,

principalmente, em face do subjetivismo deixado pelo legislador em um de seus

requisitos, o “abandono de lar”, a usucapião pró-família deve ser interpretada de

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forma sistemática, sobretudo com a Constituição Federal/1988 e o Código

Civil/2002.

E diante disso, compreende-se que o “abandono de lar” corresponde,

objetivamente, a separação de fato aliada ao abandono material, portanto, restando

afastada qualquer interpretação que aponte o regresso do instituto da culpa, o qual

fora, definitivamente, abolido pela Emenda Constitucional nº 66/2010.

É impossível sustentar que a nova modalidade usucaptiva permite o

enriquecimento sem causa daquele que ficou no lar e menos, ainda, a punição

daquele que saiu, pelo contrário, o que se pretende é que cada um assuma

igualmente a parte que lhe cabe, tanto o ônus como o bônus.

Dessa maneira, seu objetivo principal é garantir à moradia para aquela

família que suporta todos os encargos advindos da separação de fato, unida ao

abandono material, esclarecendo, inclusive, ser um direito sujeito, apenas, a

reconhecimento judicial, já que o é de fato, como em qualquer outra modalidade de

usucapião.

Por outro lado, não fora olvidado a análise sobre as possíveis hipóteses

de sua inaplicabilidade, quando restar configurado a continuidade da assistência e

proteção à família, bem como a manutenção da responsabilidade e interesse sobre

o bem.

A dignidade da pessoa humana, a função social da propriedade, o direito

humano fundamental à moradia e tutela da família são princípios que, ao longo da

história, vêm ganhando destaque e tornam-se diretrizes capazes de fomentar

normas e políticas públicas para concretização de direitos, e, sem dúvida, a

usucapião pró-família ratifica essa evolução histórica no direito de família e no direito

real.

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