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Laboratório de Ensino de História N.º 6 Agosto/2012 ISSN 1807 - 572x
BOLETIM LEH
Desde sua criação, em 1999, o LEH procura oferecer para professores e estudantes de História um espaço de interlocução e debate dos temas e assuntos relativos ao trabalho do profissional de História. Aberto à comunidade acadêmica e escolar o LEH abriga, também, Projetos de Extensão e Ensino dirigidos a estabelecer uma maior articulação entre os diferentes saberes históricos que se constituem no espaço da universidade, das escolas e da comunidade local. Para apoiar o desenvolvimento dos processos de formação inicial e continuada de professores o LEH conta com um acervo diversificado de livros, filmes, materiais didáticos, periódicos, livros didáticos e paradidáticos.
Neste ano de 2012 estamos retomando o projeto de publicação do Boletim LEH. Sua ultima edição data de 2005. Desde então, devido à sobrecarga de trabalho e a falta de professores não foi possível manter o projeto. Considerando a dificuldade de alterar este quadro no curto prazo e entendendo que o Laboratório deve constituir-se num espaço democrático de formação inicial e continuada apostamos em uma nova estratégia. Apoiados no trabalho coletivo de professores estudantes o Laboratório de Ensino de História retomou a tarefa de produzir Boletim LEH.
Acreditamos que o Boletim é um importante veículo de promoção da articulação entre as atividades de pesquisa e a prática docente, porque oportuniza ao pesquisador-professor exercitar a reflexão engajada à realidade concreta. Desenvolver a reflexão teórica à luz da experiência da docência é parte fundamental do ofício de todo o profissional de História que orienta sua prática pelo princípio da indissociabilidade entre ensino e pesquisa.
Nesta direção os artigos de Maria Cristina, de Castro Pereira e Cíntia Wolfart presentes nesta edição indicam o esforço de relacionar os estudos de pesquisa bibliográficas e documentais ao exercício da docência. De outro lado, o artigo apresentado por Ricardo Callegari historiciza e analisa o significado social de uma experiência educacional popular, recuperando outras possibilidades de ensino de História fora dos espaços institucionais. Por fim, o artigo de Marcio Both apresenta uma necessária discussão sobre o significado e os sentidos do uso das novas tecnologias da comunicação no processo de ensino e aprendizagem.
A todos boa leitura!
Editorial Leia Nessa Edição
Artigos:
A Construção da “nação brasileira” e o ensino de História
Maria Cristina de Castro Pereira...................
Educação no campo: apontamentos sobre o Assentamento José Eduardo Raduan em Marmeleiro/Paraná.
Ricardo Callegari ..........................................
Processos Judiciais: uma possibilidade de fonte para a História
Cíntia Wolfart ................................................
O ensino de História e as novas tecnologias da informação e da comunicação: apontamentos iniciais.
Marcio Both ..................................................
Resenha:
O campo e a cidade na História e na Literatura, de Raymundo Willians
Lucas André Berno Kölln..........................p
p.2
p.4
p.6
p.8
Campus de Marechal Cândido Rondon Centro de Ciências Humanas, Educação e Letras - CCHEL
Colegiado do Curso de História
A CONSTRUÇÃO DA “NAÇÃO BRASILEIRA” E O ENSINO DE HISTÓRIA
Boletim LEH Marechal Cândido Rondon, Agosto de 2012
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Acadêmica do 3.º ano do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Maria Cristina de Castro Pereira
utilização de livros didáticos nas escolas
brasileiras tem incitado inúmeras Adiscussões e debates, apresentando os
mais diversos posicionamentos. Enquanto alguns
educadores os rejeitam firmemente, culpando-os pela
precariedade da educação no país, outros o tomam
como suporte para suas aulas, usando-os como guia
diante das dificuldades do dia-a-dia em sala de aula - o
que pode ser perigoso, afinal, ao usá-lo como base
para o planejamento de suas aulas, sem prévia
análise, o professor pode contribuir com a propagação
de um conjunto de valores, uma ideologia e/ou uma
cultura com a qual pode não concordar.
A problematização do uso do livro didático ainda é
pouco evidente dentro das universidades e demais
instituições de ensino. E considerando que ele, ao
divulgar, pode legitimar um determinado modo de
conceber a história, o tema deveria ser discutido com
mais frequência e com maior intensidade. Afinal, basta
uma rápida folheada para perceber a versão da
história que se quer impor. Em um dos livros didáticos
utilizados atualmente no ensino público paranaense,
do Projeto Araribá, Unidade 3, obra coletiva, produzido
pela Editora Moderna, por exemplo, é facilmente
perceptível a tentativa de construir para o Brasil atual -
"uma nação forte e unida" - uma história que legitime
um suposto progresso, mesmo que para isso se volte
ao passado com anacronismos e preconceitos.
Além da abordagem do livro citado ser puramente
política e econômica, vulgarizando a análise marxista,
ainda se constrói a partir de marcos históricos,
estabelecendo datas, criando heróis, personificando
conflitos, enfim, ocultando e mistificando os
complexos processos históricos. Inclusive, no livro em
questão, os autores privilegiam o papel das elites,
enaltecendo-as e colocando-as como agentes
determinantes do "bom andamento" da nação. E se o
livro didático trata o processo desta maneira, encontra
respaldo na historiografia.
Para o historiador José Murilo de Carvalho, por
exemplo, em “A construção da ordem”, o Estado,
quando estava em processo de construção, teve
como agentes influentes e decisivos nas escolhas
tomadas neste percurso, apenas os componentes
da elite, os quais ele tenta definir. Com maior ou
menor poder se destaca a Igreja, os comerciantes,
financistas, jornalistas, políticos, o exército e a
marinha, os burocratas e os funcionários públicos.
Estes, uma vez com os poderes de decisão,
guiavam-se apenas por seus interesses pessoais sem
sofrer nenhuma pressão de outras camadas sociais.
Os partidos políticos, nesta versão, humanizados, têm
seus interesses independentemente dos sujeitos que
os compõem. Definições abstratas de grupos sociais
são realçadas em detrimento dos sujeitos históricos, e
as relações de poder e as tensões parecem ocorrer
apenas dentro dos gabinetes. Isto porque, para o
autor, os movimentos sociais - que além de não
representarem ações políticas - foram problemas
locais, desvinculados do âmbito nacional. Desta
maneira, juntamente com o uso das fontes como
dados reais e com o “congelamento” do processo,
Carvalho confirma em sua “pesquisa” suas hipóteses
iniciais: apesar das divergências entre grupos da
classe dominante, estes se uniram para manter o
sistema e permanecerem no poder. E se, em
determinado momento, surgiu à república, foi graças
às “ambiguidades” existentes dentro da própria elite
(CARVALHO, 1981).
Este modo de conceber a história, no livro didático é
repetido com uma linguagem mais acessível ao
público jovem, e conduz em vários momentos à
simplificação - o que limita uma formação intelectual
mais autônoma por parte dos estudantes. Ao
simplificar questões complexas, como por exemplo, a
inconfidência mineira e baiana (por mim mais
detidamente analisadas), possivelmente impediu-se
reflexões ou possíveis discordâncias por parte dos
leitores. Vinculado a ocultação de tais reflexões, tal
intenção está quase sempre presente na mídia, na
literatura e até mesmo na historiografia, de construir
um passado que justifique o “progresso” e o “sucesso”
atual do Brasil como nação unida, forte e em constante
desenvolvimento.
Outra característica do livro analisado (Projeto
Araribá) é a quantidade exorbitante de ilustrações, que
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que parecem concorrer com os textos escritos em
busca de espaço. E apesar da quantidade de
imagens, parece que não houve, por parte dos
autores, uma reflexão sobre o papel que efetivamente
desempenham no processo de ensino-aprendizagem,
v i s t o q u e e m n e n h u m m o m e n t o e s t ã o
problematizadas nos textos. Uma das exceções é a
famosa pintura "O grito do Ipiranga", de Pedro
Américo, que reproduzida em quase todos os livros
didáticos está sempre se prestando à constituição de
uma memória histórica. Neste livro, entretanto, está
acompanhada de uma série de questões que
permitem reflexões sobre sua produção (p.173).
Bom seria se todas as imagens apresentadas
estivessem articuladas com os textos, possibilitando
uma leitura crítica do acervo de fontes e documentos
selecionados. Os estudantes poderiam, por exemplo,
ter a oportunidade de refletir sobre como e por que foi
produzido; para que e para quem se fez; quando foi
realizada; entre outras questões. E não só as
imagens, como o próprio livro, poderiam ser tratadas,
assim, como documento.
Na análise realizada sobre a Independência e
sobre alguns dos conflitos relacionados a ela, também
não encontrei, infelizmente, referências sobre as
populações indígenas deste período. E não só os
índios não aparecem nesta "verdade histórica" que
tenta ser imposta, como também os escravos, negros
livres e demais trabalhadores pobres, que são
apontados como "massa", maleável e flexível de
acordo com os interesses das elites. Muito
interessante um trecho do capítulo que tratou deste
tema, destinado à comemoração dos 200 anos da
vinda da família real (p.174-179). O objetivo é claro:
mostrar como a "cidade maravilhosa" evoluiu e
progrediu tornando-se mais interessante depois da
vinda da corte. Também descrevem as várias
atividades árduas que os escravos eram obrigados a
realizar. Ignoram, entretanto, qualquer elaboração de
métodos de resistência, passando a idéia de que não
havia conflitos, sendo os escravos completamente
passivos e submissos.
Enfim, não só este, como qualquer outro livro
didático carrega consigo a defesa de uma
concepção de mundo. Por isso o professor, mediador
de reflexões, deve estar atento às suas práticas na
escola, para que não contribua com um conjunto de
valores que não condiz com suas expectativas e
perspectivas, ou mesmo com o avanço do debate e da
produção do conhecimento histórico. Levando em
conta tudo isso, o professor deveestar consciente de
que o livro didático é um auxiliar importante em seu
trabalho em sala de aula, e deve ser escolhido levando
em conta aspectos como: opção teórico-
metodológica; público à que se destina; de que
maneira escreve a história (narrativa, determinista,
temática, história oficial, dos vencidos, ficção);
trabalha ou não com fontes; relaciona ou não imagens
e textos, entre outros.
A consideração de todas estas dimensões é
fundamental se concebermos a educação como
formadora (ou não) de cidadãos críticos. E a ação do
professor também não se limita à escolha e
problematização do livro didático, sendo importante
que ele também esteja efetivamente inserido nos
conflitos e debates do seu tempo, trazendo para a sala
de aula a possibilidade de contato com diferentes
pontos de vista acerca do mesmo processo histórico,
para que o discente possa refletir e construir sua
perspectiva.
Referências:
CARVALHO, José M. Elites Políticas e Construção
do Estado; A Elite Política Nacional; Os Partidos
Políticos Imperiais: composição e ideologia;
Conclusão. In: A Construção da Ordem. A Elite
Política Imperial. Brasília: Ed. UnB, 1981, p. 23-
49;155-183.
PROJETO ARARIBÁ, Unidade 3. In: Obra Coletiva,
editora responsável Maria Raquel Apolinário Melani.
1a edição. São Paulo, Moderna, 2006.
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EDUCAÇÃO NO CAMPO: APONTAMENTOS SOBRE O ASSENTAMENTO JOSÉ
EDUARDO RADUAN EM MARMELEIRO/PARANÁRicardo Callegari
Acadêmico do 4.º ano do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
retendo trazer algumas discussões sobre a relação existente entre a luta, a educação e a Pterra e quais os significados que estas
possuem para as famílias assentadas em Marmeleiro. Não se trata encerrar o tema, mas sim apresentar alguns questionamentos que considero importantes para discutir a relação entre educação no campo e Reforma Agrária. Compreende-se que a luta feita pelo Movimento Sem Terra traz significados sobre a educação e a escola que se diferenciam do modelo tradicional e neoliberal de educação, principalmente por integrar a educação com a prática e a vivência dos alunos do assentamento. A educação serve para que haja meios de compreensão do mundo em que se vive e das relações que está inserido; serve para ver a história e as lutas buscando valorizar a formação da identidade – Sem Terra – através do conhecimento destas lutas. Para tanto analiso algumas entrevistas orais, materiais produzido pelo movimento e pelas entidades que apoiam a luta como a Assesoar, assim como com autores e pesquisadores que trata sobre a questão da educação e educação do campo; contraponho com os significados construídos pela classe dominante que transforma a educação em mercadoria.
Nesse artigo aponto as experiências vividas por sujeitos sociais do campo e suas experiências com a educação no Assentamento José Eduardo Raduan, existente no município de Marmeleiro, Paraná, no período de 1983 a 2003. Ao mesmo tempo pretendo fazer uma discussão a respeito da educação no campo e qual a sua importância num contexto em que cada vez mais há a saída de jovens do campo para as cidades (CALDART, 2000). Com o objetivo de correlacionar o modelo neoliberal de educação e a evasão do campo por parte dos jovens.
Para empreender tal análise serão analisadas entrevistas orais produzidas no ano de 2012, assim como fontes documentais do período enfocado, como algumas Atas que retratam a situação das escolas no Assentamento e da luta por elas, além de discutir com referencial bibliográfico sobre o assunto. Baseado na experiência destes sujeitos pode-se perceber sentidos e significados diferenciados a respeito da educação e das escolas (SCHWENDLER, 2003 e MORISSAWA, 2001), parte-se do pressuposto que a luta empreendida para se ter escolas no assentamento se caracteriza como um processo de resistência e está presente não só em ações do MST, mas também de outras entidades favoráveis com a causa, como a Assesoar.
Estes significados também se relacionam com a luta ao passo que veem neles um espaço conquistado pela luta e que deve ser utilizado na luta. Acrescentando, assim, as reuniões e discussões sobre questões pertinentes ao acampamento/assentamento com um momento de formação educacional, com o uso do espaço da escola para estes momentos.
O MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – passa a lutar por escolas para se contrapor a um modelo educacional vigente, em que as escolas localizadas no meio rural estão sendo fechadas e os alunos são retirados do campo, inclusive do assentamento, para irem estudar nas cidades. No caso do Assentamento José Eduardo Raduan escolas foram fechadas. Neste sentido, passou-se a pressionar o município a reabrir as escolas de 1ª a 4ª série. A forma de pressionar se dava através de
comissões de dentro do assentamento, um representante de cada comunidade, em que levariam as discussões para o restante das famílias da comunidade. E através de reuniões desta comissão com os vereadores, prefeito, diretores e professores, como a que ocorreu no dia 13 de março de 2000, em que:
Ficou decidido, então, nessa reunião que vai reabrir os dois núcleos no Assentamento Eduardo Raduan na comunidade de Barra Bonita e Novo Progresso. (...) com o prazo de até trinta dias, após o prazo de vinte e quatro de março, que era o prazo da comissão, para regulamentar o funcionamento dos núcleos e transporte.2 (ASSENTAMENTO JOSÉ EDUARDO RADUAN. Ata de reunião. Marmeleiro/PR: nº 2, 13/03/2000).
Este modelo que era contestado pelo movimento se baseava em diretrizes neoliberais, numa relação que visava à formação de técnicos (mão de obra especializada) para suprir a falta de mão de obra no mercado e que transforma o ensino em mercadoria. E neste contexto se delineavam algumas prerrogativas que visavam à saída do campo, principalmente dos jovens, para buscar este mercado de trabalho, o que acaba contribuindo também para o envelhecimento do campo. Em geral as famílias que se encontram no campo têm seus filhos morando ou trabalhando na cidade, como no caso de Maria:2
Dá pra contar nos dedo quanto sobraram aí. (...) Na verdade a gente mora aqui, mas que nem ele trabalha fora, né. Eu tenho meu serviço. Se fosse tirar o sustento só daqui, que nem o pai trabalha com leite, não tem condições de se sustentar, é muito pouco. Então ... a questão de trabalho, né. 3
Devido às dificuldades financeiras, questão esta vivida na agricultura de produção familiar, mas, em grande parte, também esta mudança do campo para a cidade era motivada pelo modelo educacional vigente, pois ao se referir ao campo, não desconstruía a ideia do campo como lugar de/do atraso. Neste sentido, é interessante analisar as comemorações “caipiras”, tidas como tradicionais, geralmente nos meses de junho ou julho, quando não fazem em agosto (agostina) ou setembro (setembrina). Estas festas juninas – caso for em junho – mobilizam o colégio, tendo o envolvimento de professores, funcionários e alunos, além, é claro, de estarem aprovadas pelas secretarias de educação. Montam bingos, jogos, brincadeiras, comidas e a tradicional dança caipira em que os alunos se “vestem” de caipira, montando casais.
É possível afirmar que esta forma de relação produz significados sobre o modo de vida camponês, estando, portanto, imbricada de interesses. Ao passo que os alunos se “vestem a caráter” com roupas rasgadas, com palha de milho no bolso, geralmente com dente pintado de preto para r e p r e s e n t a r a f a l t a d e l e , c o m p a l a v r e a d o “propositadamente errôneo” e barba por fazer. Produz-se uma determinada visão sobre a “vida na roça”, remetendo as condições simples, talvez até precárias, de vida e de trabalho, firmando, legitimando e “naturalizando” vários preconceitos sobre os camponeses ou colonos. Todavia, esse modo caipira junino de marcar as festas populares não se compara à vida nas condições de intensa marginalidade que os mais pobres têm nas cidades maiores.
Essas construções, que se dão de forma hegemônica no âmbito da escola para o mercado, contribuem para que os jovens cada vez menos pretendam ficar na roça. Passam, eles, a ver o esforço que devem fazer, baseados na experiência com seus pais, para terem uma renda significativa e se voltam, na maioria das vezes, à vida nas cidades, reatualizando o êxodo rural. Nem todos conseguem melhores condições de trabalho e renda, mas são incentivados a permanecer na cidade. Na contramão, àqueles que permanecem no campo são apresentados a todo o momento, através da mídia e da escola (educação) para a modernidade da cidade em contraponto do atraso do campo e da pequena produção familiar.
É importante fr isar que se democratizou horizontalmente o acesso ao ensino, mas não o conhecimento (HADDAD, 2008). De forma alguma ele é emancipador, não busca a transformação social, mas sim a manutenção das estruturas sociais. E mesmo esta democratização no acesso ainda permanece restrita ou limitada, pois são necessárias as condições (sociais, econômicas, deslocamento e de tempo) para estudar, realidade que ainda não permite a todos iniciarem ou continuarem os estudos.
Pode-se dizer que no capitalismo, a burguesia agrária mais especificamente neste caso, no seu processo de expansão se apropria de elementos que têm por objetivo a expropriação, sob as mais variadas formas e meios (terra, sementes, ambientes e territórios sociais) para se estruturar e expandir. Elementos que no discurso dão a impressão de que realmente mudarão algo, mas que na prática seguem os interesses da classe dominante. Esses discursos são motivados, na maioria das vezes, para “acalmar” os conflitos entre burguesia e trabalhadores. Foi assim com a CLT, o Estatuto da Terra, o I PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), o Prouni (Programa Universidade para Todos) e a Reforma Universitária, que são propagandeados ao conjunto da sociedade civil como conquistas, mas que não resolvem o problema e sim reafirmam-os cada vez mais.
O caso do Estatuto da Terra (MENDONÇA, 2006), “queria” fazer a reforma agrária, mas sem efetivar nenhuma desapropriação de fazendas improdutivas. Como? O mesmo ocorreu com o Prouni que diz democratizar o ensino investindo muito mais em fundações e faculdades privadas do que em públicas, ao passo que sucateavam os espaços públicos no intuito de privatizá-los. Com a confluência de variados aparelhos, como a mídia, educação e uso frequente de violência, busca-se “vender” estes discursos na tentativa de “anestesiar” as lutas por mudanças sociais e estruturais do sistema.
Os governos nunca fizeram a Reforma Agrária, embora todos eles tenham dito que buscaram alternativas, mas que ficaram longe de trazer significativas mudanças na estrutura agrária. Desta maneira, em um movimento contraditório, mas “programado”, assentam famílias em pequenos lotes, devido às pressões dos movimentos e da sociedade civil organizada, mas sem amparar ou dispor de políticas agrícolas capazes de propiciarem condições para organização da pequena produção, não facilita o acesso aos financiamentos que ficam com juros altos. Com juros altos, sem assistência técnica capaz de organizar a propriedade, educação falha, o resultado é o endividamento dos assentados, dos pequenos produtores, pois o lote não consegue pagar o financiamento.
Por este motivo, entre outros, que as escolas do campo e as escolas Itinerantes são tão importantes e fazem parte da reivindicação dos movimentos. Neste âmbito
podemos afirmar e destacar que as escolas do MST estão intimamente ligadas à formação e às experiências do próprio movimento (CALDART, 2006), que ao longo de sua história percebeu a necessidade de lutar por novos espaços de formação política e assim se formam novos significados para a educação, para a escola e para a luta das famílias Sem Terra.
Quando o MST organiza escolas Itinerantes em vários de seus acampamentos busca com isto apresentar uma noção de escola que não se limita à dinâmica restrita da sala de aula, por outro lado leva a escola para o acampamento na tentativa de dialogar a todo o momento com a realidade vivida pelos alunos, filhos de sem terra. Essas são noções que estão vinculadas com os significados adquiridos ao longo das experiências dentro de movimentos sociais de luta pela terra, que percebem a necessidade de lutar não apenas por terra, mas por condições de nela viver, permanecer e pertencer. Neste sentido, a educação das escolas do MST busca contribuir para (in)formação de seus militantes e dos lutadores.
Foi falado a respeito da educação na área, principalmente de 1ª a 4ª série, que é um direito nosso de funcionar o núcleo de ensino dentro da área.
A conquista da escola é um grande passo para os acampamentos e assentamentos, pois esse é tido como mais um local de disputa com a classe dominante. Portanto, as escolas do MST constituem um papel muito importante de formação de indivíduos preocupados com as questões do assentamento. Neste mesmo âmbito, as escolas são um espaço de discussões a respeito dos significados da terra, sempre na busca de valorizar os camponeses e a agricultura familiar, assim como funcionar com uma alternativa que visa a permanência do jovem no campo.
Referências
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000;CALDART, Roseli Salete; DOLL, Johannes; PALUDO, Conceição (organizadores). Como se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianças e educadores. Brasília: PRONERA, 2006;MENDONÇA, Sonia Regina. A Classe Dominante Agrária: natureza e comportamento – 1964-1990. São Paulo: Expressão Popular, 2006;MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. 21 edição. São Paulo: Expressão Popular, 2001;SCHWENDLER, Sônia Fátima; VARGAS, Maria Cristina (organizadores). Escrevendo nossa luta, nossa história. 20. ed., Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2003;ASSENTAMENTO JOSÉ EDUARDO RADUAN. Ata de reunião. Marmeleiro/PR: nº 2, 13/03/2000;
Notas
1 ASSENTAMENTO JOSÉ EDUARDO RADUAN. Ata de reunião. Marmeleiro/PR: nº 2, 27/03/1999).
2 Os nomes dos entrevistados aqui estão substituídos
por pseudônimos3 Entrevista realizada por Ricardo Calligari com Maria [pseudônimo], 25 anos. Marmeleiro/ PR: 11 de jan. 2012, 102 min..
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PROCESSOS JUDICIAIS: UMA POSSIBILIDADE DE FONTE PARA A HISTÓRIA
Cíntia Wolfart
Acadêmica do 4.º ano do Curso de História na Universidade Estadual do oeste do Paraná
Introdução
Não é de hoje que historiadores vêm usando processos criminais como fonte para a análise histórica, seja como forma para compreender melhor as relações entre os agentes sociais em outra época ou sociedade, ou para estudar a própria Justiça (GRINBERG , 2001,121) Mas, notadamente, a partir dos anos 1980 essa documentação passou a ser mais usada pelos(as) historiadores(as). Verificamos que existem muitos trabalhos de conclusão de curso (TCCs), dissertações e artigos que usam desta fonte de análise abordando diferentes temporalidades: século XVIII, século XIX, bem como, trabalhos mais recentes a partir dos anos 1900 até a atualidade.
A família, as relações amorosas, a paixão, o corpo, o desejo, as emoções, a doença, a loucura, violência sexual e psicológica, costumes e valores, são temas que atualmente tem sido objetos vistos a partir de diferentes olhares. Além disso, houve um grande aumento de investigações históricas, por meio de variados enfoques. No entanto, há alguns problemas relacionados à metodologia e às fontes que tratam a respeito de alguns destes temas.
Um dos primeiros obstáculos ao historiador é a ausência ou escassez de documentos diretamente produzidos pelos camponeses, pelos artesãos, pelos operários, pelas mulheres e homens da camada baixa. As fontes de que dispomos para estudar esses sujeitos históricos são indiretas, ou seja, quem produz os discursos são os segmentos dominantes e/ou dirigentes (ENGEL, 1997, 306).
Nesse sentido, uma das possibilidades para estudar essas temáticas são os processos jurídicos, civis ou criminais, pois eles possibilitam conhecer aspectos das vivências sociais, condições de vida, informações sobre o cotidiano dos envolvidos, seus valores e formas de conduta.
Em relação aos processos criminais, tratam-se de fontes oficiais que são produzidas pela Justiça, a partir de um evento específico: o crime e seu andamento nas instituições policiais e judiciária. Por conta disso, como já foi referido anteriormente, são documentos produzidos por uma instituição (poder judiciário), sendo uma de suas funções contribuir com a manutenção da “ordem pública”, podendo ser vistos como “mecanismos de controle social” (ENGEL, 1997,126).
Para entender um processo criminal um dos fatores importantes é saber trabalhar com as versões e compreender como elas foram construídas, analisando como os agentes apresentaram diversas interpretações para cada episódio. Além disso, devemos estar atentos para as narrativas repetidas, as histórias que as pessoas acreditavam, bem como, aquelas que não acreditavam. Os processos criminais podem apresentar contradições, incoerências e tergiversações. Portanto, refletir sobre seu método de produção é fundamental.
O objetivo do historiador não é descobrir o culpado de um crime: o que nos importa é o processo de transformação de atos em autos (ENGEL, 1997, 128). E seguindo a indicação de Grinberg, há que se estabelecer as possíveis diferenças de usos dos processos enquanto
Na folha seguinte, repetiam-se algumas informações, apresentava o motivo da queixa, dados sobre o queixoso, o nome do réu e da vítima. Em alguns casos, haviam dados sobre o acusado, como nacionalidade, estado civil, idade, profissão, local de residência, bem como, outras informações, no caso, a data do crime e local, a idade da vítima e o crime previsto no Código Penal vigente.
Quando o “queixoso” não apresentava condições para arcar com os custos do processo era realizado um documento referente à aprovação da miserabilidade do mesmo. Em seguida, eram intimados os peritos para o teste de conjunção carnal na vítima e constava um termo de promessa do escrivão, assinado pelo mesmo e pelo delegado de polícia.
Na página seguinte, constava o auto-exame de conjunção carnal, realizado na vitima. No exame, era verificado se havia ocorrido a cópula carnal ou não, identificando a data provável em que havia ocorrido a conjunção, se a vitima era virgem antes da prática deste ato, bem como se o crime havia sido praticado mediante uso da violência física, resultando incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, ou perigo de vida. Além disso, eram apontados se havia debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração de parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido, função, deformidade permanente ou aborto. Ainda era verificado se havia qualquer outra causa que tivesse impossibilitado à vitima resistir. O documento apresentava a data, o mês, ano e hora, cidade, hospital, as pessoas que estariam presentes no ato do exame, como o nome do delegado, escrivão e os nomes dos peritos, o nome da vítima e as questões a serem respondidas pelos peritos.
Quando a jovem não apresentava registro de nascimento, era realizado o exame de identificação de idade. Neste exame, era verificado se a paciente já tinha os quatro últimos grandes molares, ou dentes ciso. Caso isso fosse confirmado, era verificado se eles estavam completamente desenvolvidos e usados. Analisava-se se a paciente apresentava nas regiões do externo, axilar e pubia
fontes. Ou seja, debater a pluralidade de resignificações que o uso dos processos como fontes, já que eles permitem dialogar com uma historicidade que diferencia, por exemplo, o interesse de um jurista com relação aos processos, e o ofício do historiador.
Um exemplo de processo Judicial: os casos de sedução
As diversas partes que compõem um processo criminal contêm uma riqueza de elementos a serem analisados. Podem ser estudadas, as declarações das testemunhas, vítimas e réus prestadas na delegacia de Polícia, a investigação policial, os exames de corpo de delito, e até mesmo os autos de perguntas e condenação.
Os processos-crime de sedução foram organizados em várias etapas e compunham várias páginas. A página inicial apresentava o nome da delegacia de polícia, local onde ocorreu o registro, a queixa, bem como o nome do escrivão, do acusado e da vítima. Além disso, a autuação onde constava a data em que o crime foi registrado, a cidade e endereço, o estado, a assinatura do escrivão e a natureza da infração.
Boletim LEH Marechal Cândido Rondon, Agosto de 2012
Notas
1 A análise que se segue, foi realizada a partir de processos
crimes de sedução, disponíveis para estudo no Núcleo de
Documentação, Informação e Pesquisa (NDP), localizado
na Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
UNIOESTE, campus de Toledo.
2 Nos processos crimes de sedução, nem sempre é
apresentada a mesma seqüência de elaboração. Por
exemplo, o auto-exame de conjunção carnal poderia
constar depois das declarações do pai ou da mãe da vitima,
da vitima e do acusado.
3 Nesse sentido, cabe observar que os exames médicos
legais não eram provas definitivas, serviam apenas como
referência, frequentemente eram manipulados por
advogados dos réus, para defender seu cliente.
4 As questões no auto de qualificação nem sempre eram
respondidas em sua totalidade.
Referências
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano
dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. 2º
ed. Campinas, Editora da Unicamp. São Paulo, 2001.
DIAS, Maria Odila Leite da silva. Quotidiano e poder em
São Paulo no Século XIX. Brasiliense. São Paulo, 1995.
ENGEL, Magali. História e sexualidade: a sexualidade
como objeto da história. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios
de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
GRINBERG, Keila. Processos Criminais: a história nos
porões dos arquivos judiciários. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (Orgs). O historiador e
suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011.
Segundo Chalhoub (2001,40) as histórias recuperadas nessa documentação são “uma encruzilhada de muitas lutas: das lutas de classes na sociedade”, que inclusive se apresentam em outros âmbitos em tentativas de se construir representações sociais do comportamento das classes populares. Na mesma medida, segundo o autor, essas lutas estão presentes nas contradições e conflitos do aparato jurídico-repressivo, no interior da classe trabalhadora manifestadas nos casos de conflitos por rivalidade de raça e nacionalidade, bem como, por meio das relações de poder dentro de um casal ou família.
na, desenvolvimento de pêlos, e, ao redor da depressão umbilical e da aureola mamária, uma pigmentação mais acentuada do que em outras partes do corpo. Por fim, os peritos verificavam a fisionomia, a voz e o modo de andar da jovem. Eles pretendiam precisar a idade aproximada da mesma ou, pelo menos, afirmar se ela era ou não menor de dezoito anos de idade, ou, de vinte e um anos.
Depois de respondidas as questões do auto-exame de conjunção carnal, a folha seguinte apresentava a conclusão do exame realizado anteriormente. A vítima era intimada a prestar suas declarações junto à delegacia de política. Eram ouvidas também as declarações do pai das vítimas e, por vezes, as da mãe, do réu e de demais testemunhas do crime. Parentes da família da vítima como vizinhos, militares, amigos entre outros sujeitos próximos dos “queixosos”, também eram intimados a prestar seus depoimentos.
O relatório continha informações acerca do crime feitas por meio das declarações prestadas pelos depoentes e de advogados de defesa acerca do fato ocorrido. Os réus deveriam responder a um “auto de qualificação”, no qual eram solicitados a dizer seu nome, filiação, idade, estado civil, profissão, nacionalidade, local de nascimento, grau de
alfabetização, nariz, boca, altura, olhos, cabelos, dentes, bigode, sinais particulares. Procurava-se saber, também, acerca da vida pregressa do acusado, filiação, se vivia em companhia dos pais, havia tido tutores e se estava em companhia dos mesmos, até quando havia freqüentado a escola, se trabalhava, data em que havia começado a trabalhar, a profissão que exercia, se já havia sido processado e por qual crime, sua situação econômica, vícios que possuía, se era casado e se tinha filhos, freqüentava a escola, se era arrimo de parentes, estado de animo antes e depois do crime.
Quando fosse necessário, o acusado era intimado a comparecer na sala de audiências. O meio usado para intimação, era um edital em jornal e\ou por meio do oficial de justiça. Outras testemunhas eram ouvidas caso as informações ainda fossem insuficientes para resolver o caso. Por fim, o relatório final trazia informações acerca das decisões tomadas pela justiça nos documentos referentes a crime de sedução.
Considerações finais
Os processos judiciais enquanto fontes para o campo da história apresentam possibilidades para ampliação da visão sobre os sujeitos sociais e o sistema judiciário e suas contradições. Por meio, dos dados obtidos nesses documentos, pode-se obter informações importantes, como: o cotidiano dos sujeitos envolvidos, o trabalho que realizavam, onde viviam, quem eram seus vizinhos, quantas pessoas moravam numa casa, situação econômica da família e valores familiares, etc.
As fontes judiciais constituem um terreno rico e fascinante para a crítica do historiador (DIAS, 1995, 40). Sidney Chalhoub (2001, 7), ao analisar processos criminais, afirma que o principal não é descobrir “o que realmente se passou”, apesar de ser possível em alguma edida, mas sim, compreender como foram produzidas e explicadas as diferentes versões que os diversos agentes sociais envolvidos apresentaram para cada caso. De tal modo, pretende mostrar, que é possível construir explicações válidas do social, por meio, das versões conflitantes apresentadas nos processos.
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Boletim LEH Marechal Cândido Rondon, Agosto de 2012
Marcio Antônio Both da Silva
Professor do Colegiado de História e do curso de Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
IntroduçãoAo longo das linhas que seguem, ainda que de forma rápida, serão abordados assuntos relativos ao ensino de história e ao emprego das denominadas novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC) em sala de aula. Escrevo denominadas porque é muito difícil definir com palavras precisas o quê e quais são exatamente as ditas novas tecnologias. Tal dúvida se torna ainda mais pertinente quando levamos em conta que as discussões sobre a recepção e emprego de algumas ferramentas definidas como “inovadoras”, na e para educação, são permeadas por lacunas, imprecisões e dúvidas. Assim, a questão central não será definir quais são as ditas novas tecnologias, mas levantar questionamentos sobre a sua u t i l i z a ç ã o e s u a e f i c i ê n c i a n o p r o c e s s o d e ensino/aprendizagem.Nestes termos, muitas das ferramentas que são enquadradas na categoria de “inovadoras” e que, em muitos casos, são definidas como essenciais para a superação de certos problemas educacionais, representam inovação apenas na medida em que permitem maior interatividade, mobilidade e grande espaço para armazenamento de dados. Qualidades admiráveis e de importância significativas sim, mas que se não forem adequadamente trabalhadas podem não representar muita coisa.Tendo em vista essa circunstância, o professor que substitui o aparelho de Vídeo Cassete pelo DVD ou pelo pen-drive ainda será a figura central no processo formativo. Cabe a ele o papel de, no diálogo com os discentes, traduzir o conteúdo presente em um filme/documentário ou uma imagem, contextualizando-os ao processo que está sendo estudado, de maneira que a informação alcance o status de conhecimento. Neste sentido e para iniciar a reflexão, cito duas questões relevantes em relação ao tema: a primeira é aquela que diz que a interação/diálogo e o respeito entre professores e alunos, como registra Paulo Freire (2008), é uma das principais bases sobre as quais se alicerça a produção do conhecimento em sala de aula. Logo, para alertar os adeptos da minimização do papel docente em prol das TIC, até a mais avançada das tecnologias educacionais não terá condições de funcionar, no sentido da construção do conhecimento, sem a existência de um mínimo de cumplicidade entre professores e alunos, pois educar e receber educação são, por excelência e historicamente, atos humanos. A segunda questão, por seu turno, nos diz que sempre é conveniente lembrar que as novas tecnologias são resultado de um determinado estágio de desenvolvimento das relações sociais, portanto, elas não estão desligadas da sociedade de onde emergem ecarregam muito de suas características e contradições.
Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e o processo de ensino-aprendizagem
Nas últimas décadas a história do ensino de história no Brasil vem recebendo maior atenção por parte de historiadores e pesquisadores da educação. Embora a produção bibliográfica, em termos quantitativos, não seja proporcional àimportância do tema, qualificativamente as análises produzidas lançam luz sobre uma série de debates e problemas. Das novas problemáticas que ultimamente vem recebendo atenção,ocupa papel de relevo a utilização das TICs como ferramentas para o ensino. Em linhas gerais, existem pontos de vista diferenciados a respeito do problema e, segundo Maria Mamede-Neves e Rosália Duarte (2008, p. 770), das interpretações possíveis destacam-se três:
1) daqueles que são entusiastas da aplicação das novas tecnologias em sala de aula e “defendem um só ponto de vista possível e legítimo para essa questão, calcados na crença de que somente haverá um mundo melhor graças àinstauração de uma sociedade mundial de informação” (Idem);
2) daqueles que são contrários e não veem avanço didático nesta utilização, sendo que percebem a “tradicionalidade das fontes do conhecimento com a qualidade de Paladino, em oposição às novas tecnologias da informação e da comunicação, uma 'caixa de Pandora'” (Idem) e, 3) daqueles que pensam ser possível a utilização de tais tecnologias desde que ela seja acompanhada de críticas e reflexões, tanto por parte dos professores como dos alunos.
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O ENSINO DE HISTÓRIA E AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO: APONTAMENTOS INICIAIS
Um primeiro ponto a ser destacado, quando se trata das TICs e seu uso para educação, é o de que uma porcentagem significativa dos professoresnão recebeu formação compatível ao emprego destas tecnologias. Contribui para isto, o fato de que esses professores – especialmente aqueles que fizeram sua formação em momentos anteriores ao grande boom das TIC, que aconteceu nas últimas décadas do século XX – são “imigrantes digitais” que precisam realizar uma tarefa de adaptação aos novos meios e ela vem acontecendo, em parte considerável dos casos, de maneira solitária e autônoma. Somado a isso, deve-se registrar a falta de investimento público na promoção de cursos de aperfeiçoamento. Invar iavelmente as pol í t icas governamentais de informatização das escolas acontecem de forma impositiva e não estão preocupadas em dar condições para o uso eficiente dos equipamentos.
Outra questão de não menos importância e que incide diretamente no problema da aplicabilidade das TICs é a própria estrutura escolar que não oferece as condições necessárias – salas, ambientes climatizados, acesso a Internet, entre outros – para instalação de laboratórios de trabalho e pesquisa, embora deva-se reconhecer que esta não é uma regra que possa ser generalizada. Assim e em alguns casos, salas de merenda ou de recreação, espaços físicos de bibliotecas, salas de reuniões e tantos outros ambientes que já ocupavam um lugar de importância no desenvolvimento do cotidiano escolar são transformados, muitas vezes do dia para noite, em laboratórios de informática (REMOLD, 2006). Fato que cria novas demandas às escolas, uma vez que as atividades que anteriormente eram realizadas nestes locais ficam desabrigadas.
Outro discurso muito presente quando se trata das TIC é o de que elas facilitam o acesso das pessoas ao ensino e, além disso, contribuem na formação dos professores, uma vez que poderão fazer cursos de aperfeiçoamento e formação a distância. Um exemplo disso é a série de investimentos governamentais voltados à implantação das TIC nas escolas, seja a partir do financiamento de computadores, doação de filmes e documentários, ou nos incentivos dados às universidades públicas e privadas para criação de cursos de formação a distância e de curta duração, por exemplo. Contudo, é preciso que se leve em conta que tais políticas não são objetos de discussão e chegam às escolas de maneira impositiva e, além disso, estão atreladas a demandas e interesses que não têma educação como um dos seus valores mais caros.
Ensino de História e Internet: algumas consideraçõesAinternet é de longe a mais apropriada, divulgada e
conhecida das novas tecnologias de informação e comunicação, neste sentido cabem algumas reflexões sobre as possibilidades de seu uso para educação, mais precisamente para o ensino de história. O primeiro ponto a ser destacado são as possibilidades que ela proporciona aos alunos e aos professores. A partir da Internet um aluno pode ter contato com textos, imagens, sons, vídeos e uma série de outros suportes, com os quais, na maioria dos casos, só entraria em contato caso realizasse uma viagem longa e dispendiosa. Assim, com alguns cliques é possível ao discente conhecer obras de arte clássicas expostas em diferentes museus situados em diversos lugares. Também é possível acessar documentos de épocas passadas, disponibilizados nos sítios de bibliotecas e de instituições de
NOTAS:Esta pesquisa foi organizada pelo professor Paulo Zarth da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul/UNIJUI e contou com a participação das professoras de história Ana Maria Sandri, Graciele Fabrício/Escola Estadual São Geraldo (rede pública) e Sandra Amaral/Escola Francisco de Assis (rede privada).Cf: http://jovensemrede.wordpress.com/ Dados mais precisos sobre as condições de acesso à Internet no Brasil podem ser encontrados em: COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil. São Paulo: CGI, 2010. Para aprofundar e conhecer alguns detalhes desta questão, ver: Julie Remold (2006).
Referências:ALONSO, Katia Morosov, (2008). Tecnologias da informação e comunicação e formação de professores: sobre rede e escolas. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 29, n. 104 – Especial, Out., p. 747-768.COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, (2010a). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil. São Paulo: CGI.FREIRE, Paulo, (2008). Pedagogia da autonomia. 12º ed. São Paulo: Paz e Terra.LEVY, Pierre, (1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34.MAMEDE-NEVES, Maria Aparecida Campos; DUARTE, Rosalia, (2008). O contexto dos novos recursos tecnológicos de informação e comunicação e a escola. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 29, n. 104 – Especial, Out., p. 769-789.REMOLD, Julie, (2006). Desigualdade social e novas tecnologias no sistema escolar brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual Marian e Arthur Edelstein. Disponível em www.centroedelstein.org.ZARTH, Paulo Afonso (Org.), (2001). Ensino de História e Internet: relato de experiências. Ijuí: UNIJUI.
à“exclusão digital” tenham sido superados completamente, pelo contrário, demonstram a necessidade de que as oportunidades de ingresso sejam cada vez mais ampliadas.
Em outros termos, é fundamental não esquecermos que as TIC fazem parte do mundo social e carregam também as desigualdades que caracterizam a sociedade. Seu controle é exercido por grupos mais bem posicionados socialmente e sua entrada nas escolas vem acontecendo por meio de imposições vindas de “cima para baixo”. Além disso, devemos lembrar que a necessidade de informatizar as escolas está muito diretamente atrelada àsexigências do mercado que vê neste nicho um espaço interessante para suas transações. Assim, os alunos que são introduzidos no mundo da informática nas escolas, mesmo que de forma esporádica e pouco orientada, tornam-se consumidores potenciais destes produtos. Logo, devemos relativizar a humanidade e solidariedade atribuídas a algumas indústrias de hardwares e softwares nas suas doações de máquinas e programas de computadores a algumas escolas, pois o conhecimento e sua construção certamente não é a intenção central dessas atitudes.
Assim, é necessário reconhecer que “a introdução de novos artefatos técnicos nas escolas não redunda em melhoria efetiva do processo ensino/aprendizagem” (ALONSO, 2008, p. 763). Embora as TIC – a Internet especialmente – possibilitem uma maior abertura para o acesso a informações e dados, elas não nos devem fazer esquecer que a escola é um espaço privilegiado da construção de conhecimento. Portanto, para alcançarmos êxito em nossas ações, como mostra Alonso, devemos levar em conta processos e situações que não necessariamente estão inscritos nas ou são devidamente contemplados pelas TIC.
De uma maneira geral, estes são alguns dos problemas relacionados a incorporação das novas tecnologias de informação e comunicação nas escolas. Longe de esboçar uma opinião contrária a esta introdução, o que se pretende aqui é grifar que as coisas não são e não acontecem de forma tão tranquila como os discursos oficiais pretendem fazer entender. No bojo de tais intenções escondem-se interesses dos mais diversos matizes e é preciso estar atentos para eles. No mesmo sentido, objetivou-se destacar o quanto asnovas tecnologias podem ser facil i tadoras do processo de ensino/aprendizagem, particularmente para o caso da disciplina de história. Contudo, isto só será possível a partir do entendimento de que elas são meios para educação e não o seu fim propriamente dito.
pesquisas. Em alguns casos, o internauta pode acessar livros não disponíveis na biblioteca da sua escola, pode elaborar um sítiopróprio, entrar em grupos de discussão, conhecer pessoas de outros lugares, com outros valores, enfim, o mundo do hipertexto é atravessado por possibilidades que, por vezes, parecem ilimitadas.
Desta forma, se um dos objetivos do ensino de história é formar pessoas/cidadãos capazes de pensar o mundo, respeitarem as diferenças e reconhecerem-se como participantes de uma determinada sociedade dona de valores próprios que não são únicos, portanto, variáveis de contexto para contexto, parece que a Internet é um suporte de valor inquestionável. Contudo as coisas não são tão simples assim, pois o conhecimento só se constrói de forma dinâmica e para construí-lo a interação é essencial. Por seu turno, por mais que se afirme que o “virtual é o real no futuro” (LEVY, 1999), esta interatividade deve ser também presencial. Em outros termos, é necessário que as informações coletadas na rede mundial de computadores em relação a um determinado assunto sejam contrapostas a outras fontes de pesquisa. Isto é, sem a devida orientação metodológica os resultados do uso da Internet, assim como qualquer outra fonte de pesquisa, especialmente por crianças em seus contatos iniciais com o mundo da escola e do aprendizado, são infrutíferos.
A importância de pensar a Internet como ferramenta para o ensino está no fato de que cada vez mais ela vem substituindo os meios tradicionais – manuais didáticos, jornais, revistas, enciclopédias, etc. – em que os alunos realizam suas leituras e pesquisas. De acordo com Mamede-Neves e Duarte (2008, p. 779), “o contato com a Internet é uma unanimidade entre os jovens”, sendo que mesmo entre os grupos mais pobres da sociedadeo acesso àrede mundial de computadores é corriqueiro, seja na escola, na casa de amigos, no trabalho, em cibercafés, lanhouses, etc. Fato que remete à outra peculiaridade do mundo contemporâneo: “as novas gerações estão integradas a uma nova cultura em formação, uma cultura em que a convergência das mídias vem transformando seu modo de viver e ver o mundo” (Idem, p. 781). Circunstância que deve ser levada em conta ao se tratar do processo de educação destas pessoas.
Em termos mais precisos, quanto àquestão da incorporação das TIC, experiências realizadas em diferentes escolas têm demonstrado que a resistência, principalmente por parte dos alunos, em adotar meios inovadores de pesquisa é quase inexistente. Neste sentido, dentro do campo do ensino da história, destaca-se o estudo realizado por um grupo de pesquisadores e professores ligados àuniversidade e a rede de ensino público e privado do município de Ijuí/Rio Grande do Sul no ano de 2001.
A referida pesquisa, realizada em um momento no qual a Internet e o computador ainda eram novidades nas escolas, tinha por objetivo discutir as repercussões, vantagens e desvantagens do seu emprego como fonte de pesquisa em história. A proposta do trabalho era perceber comoos alunos(as) de duas escolas do município de Ijuí – uma da rede privada de ensino e outra da rede pública – a partir do estabelecimento de um tema gerador – conhecer a história e situação dos grupos indígenas brasileiros – utilizariam a Internet para tratar da temática. Chama atenção nos relatos escritos pelos autores e alunos, o entusiasmo com que os alunos receberam a proposta e as dificuldades de acesso a Web características daquele contexto histórico (Ver, ZARTH, 2001).
Hoje em dia o acesso à Internet é mais generalizado do que era nos idos de 2001. Uma das pesquisas realizadas, no ano de 2008, pelo grupo de estudos Jovens em Rede, sediado no Departamento de Educação da PUC-Rio, ouviu cerca de mil jovens do terceiro ano do ensino médio procedentes de diversos bairros do Rio de Janeiro e constatou que 98% dos entrevistados “navegam na rede diariamente ou, no mínimo, 2 ou 3 vezes por semana” (MAMEDE-NEVES; DUARTE, 2008, p. 779). Embora se trate de um universo diferente daquele pesquisado por Zarth onde o acesso a Internet era mais corriqueiro entre os alunos da rede privada de ensino, bem como englobe uma quantidade maior de alunos consultados, as constatações da pesquisa Jovens em Rede apontam paraa expansão do emprego das TIC, principalmente da Internet, entre os estudantes nos últimos anos. Por seu turno, tal avanço não significa que os problemas relativos
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O Campo e a Cidade, publicado originalmente em 1973,
reclama para si uma tarefa bastante ousada: a de construir
uma análise historiográfica acerca de grande parte do
cânone literário inglês. O livro dialoga tanto com as
mudanças históricas e transformações da sociedade
inglesa, quanto com as mudanças nas produções literárias
no que tange a forma, estilo e temática, pensadas ambas,
como o título informa, a partir do campo e da cidade.
O “marxismo britânico” contou com nomes de peso para
a historiografia marxista contemporânea, tais como Eric
Hobsbawm, E.P. Thompson, George Rudé, Christopher Hill
etc. Os interesses investigativos desse grupo, como
afirmou certa vez Hobsbawm, estão “mais na relação entre
base e superestrutura que nas leis econômicas do
desenvolvimento da base” .
A contribuição não só de Williams, mas de grande parte
dos intelectuais dessa “renovação do marxismo”, foi
fundamental para desconstruir paradigmas de ignorância
ou subalternidade cultural das classes populares. Uma das
preocupações foi justamente mostrar como os costumes,
usos, hábitos, sistemas de valores, moral dessas classes
eram riquíssimos e fundamentavam uma concepção de
mundo e representação da vida social bastante cônscia de
seu lugar na dinâmica social.
E.P. Thompson, ao criticar o conceito althusseriano de
ideologia e propor uma análise mais sistemática sobre as
experiências e sistemas de valores populares, sintetiza boa
parte do élan que move o livro de Williams:
Examinemos os sistemas de valor do campesinato, da família patriarcal, os valores aquisitivos do capitalismo insurgente (e as intensas lutas em torno destes), os valores dos silvicultores, dos pequenos proprietários, dos artesãos, dos tecelões manuais, dos trabalhadores em fábricas. Examinemos isto como foco de conflito, em níveis inarticulados, subarticulados, sublimados, e em níveis complexos e violentamente contestados de articulação (sobre o que outra coisa versa The country and the city?)
Resenha de O Campo e a Cidade na História e na Literatura, de Raymond Williams
Lucas André Berno Kölln
Mestrando do Programa de Pós-Gradução História, Poder e Práticas Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.sta.
As mudanças que ocorriam na literatura não eram
"simplesmente" fruto da abstração imaginativa ou da
capacidade criativa dos autores, mas sim um processo de
apreensão da realidade vivenciada na experiência cotidiana
de um mundo em transformação constante.
No início do livro, a presença do campo é mais
recorrente. O campo era o palco principal onde a história
dos homens se desenrolava, os sentidos atribuídos a ele
eram freqüentemente de lugar sagrado, de contornos belos
e de inspiração divina. A própria forma rebuscada com que
Virgílio construiu sua obra Bucólicas, no século I a.C.,
demonstra a celebração e elogio do campo enquanto
espaço de realização humana plena.
O desenvolvimento de relações sociais de produção
diferenciadas, principalmente as presentes no medievo,
modificam o campo. Surgem novos modos de vida e de
cultura, assim como novos conflitos e contradições no seio
dessa nova sociedade nascente. As relações feudais de
produção e a predominância agrária influenciaram a
produção literária do período. Começam a aparecer novos
elementos na literatura, como o conceito de terra, as
relações políticas da época, a base fundiária e as relações
de propriedade, que vão revelando nuances da luta de
classes que permeou esse processo.
O “refúgio bucólico” que o campo representava estava
sendo modificado pelas novas relações sociais da época,
marcadas pelo domínio da terra por parte de senhores
feudais e aparecimento (ainda bastante tímido) de cenários
urbanos em contraposição à vida rural, por exemplo.
A nostalgia em relação ao "refúgio" que era o campo
permanece. Ele é idealizado, visto como um refúgio, e
mostrado com contornos edênicos, mesmo que essa
imagem não corresponda à realidade do campo, onde havia
exploração e miséria dos camponeses, por exemplo. A
melancolia também marca a leitura desse processo: modos
de vida são destruídos e as chamadas "comunidades
orgânicas" se transmutam para a literatura como a
celebração de um “mundo” que era solapado pelas relações
capitalistas. Porém, como Terry Eagleton bem nota, “o
único fato comprovado quanto às sociedades orgânicas é
que elas sempre desapareceram”, ou seja, apesar da
idealização que a literatura conferiu às sociedades e aos
modos de vida pré-capitalistas, eles não representavam a
justiça ou o paraíso. Tal construção é curiosa, pois a
existência dessa sorte de imaginário só prova como havia
profunda resistência e insatisfação com a realidade
vivenciada, que se tornava cada vez mais capitalista.
A contraparte da idealização idílica do campo é a
demonização da cidade, vista como antro de não-virtudes,
de sujeira e de bandidos. Essa imagem de cidade expressa
Boletim LEH Marechal Cândido Rondon, Agosto de 2012
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de forma pujante que uma classe que ganhava poder
valendo-se de expedientes que destoam profundamente
daqueles comuns ao modo de vida "pré-capitalista" em
geral.
A recorrência da cidade como local, material e de certa
forma personagem da literatura é visível. A aristocracia
rural de outrora dava lugar cada vez mais à burguesia
urbana, as relações sociais capitalistas vão se
intensificando e surgem novas moralidades e
racionalidades que devem pautar a sociabilidade incipiente
dos grandes centros que surgem, entre os quais Londres
ganha grande destaque, tanto no século XVIII como no
século XIX.
A literatura costuma sublinhar as condições desumanas
da cidade, marcadas pela industrialização destrutiva,
poluente e criadora de miséria e pobreza, assim como o
individualismo e o próprio caos com que os centros urbanos
vão se expandindo, como é o caso da obra de Charles
Dickens, no século XIX. O crescimento desenfreado e as
condições subumanas de muitos dos moradores das
cidades é uma das questões principais para os escritores. A
experiência citadina se mostrava muito mais criadora de
negatividade do que potencialmente emancipadora.
Dessa nova condição é que começam a se desenvolver
sentimentos de perda de objetivo e significado, ligados
justamente a experiência social que as cidades, a
industrialização e as relações capitalistas trazem em seu
bojo. Desse solo histórico é que brotam novas “abordagens
literárias”, que versaram fortemente sobre o mundo
fragmentário que tinha a cidade como palco.
A essa “estrutura de sentimentos”, Williams cita como
exemplo James Joyce e Virginia Woolf, cuja linguagem
complexif icada, introspectiva e marcada pela
incompreensão do mundo moderno são indícios da
transformação literária de profundas ressonâncias
históricas no início do século XX.
O livro de Raymond Williams aponta a necessidade de
ter sempre em mente que a literatura não é dimensão
desvinculada da realidade histórica mais ampla e
complexa, e que o diálogo entre modos de vida, relações
sociais, cultura, modo de produção e relações de força
estão organicamente imbricados na realidade, de modo
que estudar qualquer uma dessas facetas do processo
histórico requer considerá-las como parte constituinte
essencial das demais.
O campo e a cidade servem de escopo para que o autor
possa aprofundar suas análises sobre a história e a
literatura, concebendo-as como construções mutuamente
determinantes, e que, por serem parte do real, acabam por
dialogar com os múltiplos elementos que o compõem em
uma dialética permanente.
Referências
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma Introdução.
Tradução de Waltensir Dutra. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social.
Bauru, SP, EDUSC, 1998.
THOMPSON, E.P. A miséria da teoria ou um planetário de
erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na
literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.enriques Britto. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
Notas
ii HOBSBAWM, Eric J. apud FONTANA, J. História: análise do passado e
projeto social. Bauru, SP, EDUSC, 1998. p. 244.
iii A expressão “renovação” é usada por Josep Fontana, na obra
supracitada.
iv THOMPSON, E.P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio
de Janeiro: Zahar, 1981. p. 195.
v EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma Introdução. Tradução de
Waltensir Dutra. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 49.
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Boletim LEH Marechal Cândido Rondon, Agosto de 2012
O Boletim do LEH, publicação do Laboratório de Ensino de História, UNIOESTE/ Campus de Marechal Cândido Rondon, torna pública a sua CHAMADA DE COLABORAÇÕES para o número 7 de sua edição, referente ao ano de 2013.
Sua publicação é anual e tem como objetivo apresentar produções inéditas de autores que se interessem pelo debate sobre a produção do conhecimento histórico em sala de aula. Ele será composto de trabalhos de profissionais que atuam no Ensino de História, assim como por estudantes dos Cursos de História e professores PDE.
Para integrar este número, aguardamos contribuições para as sessões “Histórias na Sala de Aula”, “De Professor para Professor”, “Resenhas” e “Imagens & Versos”.
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO:
Artigos: 10.000 caracteres (com espaço), fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, justificado, margens 2,5, citação no texto (AUTOR, Ano, página), notas de fim e Referências (referências completas ao final, conforme ABNT 6023/2000)Título: centralizado (Negrito, Times New Roman, tamanho 14)Autor: (alinhado à direita com nota de vínculo institucional)
Resenhas: 4.000 a 6.000 caracteres (com espaço), margens 2,5, citação no texto (AUTOR, Ano, página), notas de fim e Referências (referências completas ao final, conforme ABNT 6023/2000)Título: centralizado (Negrito, Times New Roman, tamanho 14)
Autor: (alinhado à direita com nota sobre formação e vínculo institucional)Indicação da obra resenhada (livro ou filme): Conforme normas da ABNT 6023/2000 – após 2 linhas iniciar o Texto (Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, justificado)
Imagens & Versos: charges, desenhos e poemas (produção livre)
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O Boletim-LEH publica artigos, relatos de experiências didáticas, resenhas, poesias, charges e histórias em quadrinhos.
Todas as opiniões emitidas são da exclusiva responsabilidade de seus autores.
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