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nova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_227-249_maio-agosto de 2009 Celso Furtado e o desenvolvimento regional Clélio Campolina Diniz Professor do Cedeplar/UFMG Palavras-chave desenvolvimento regional, estrutura espacial, políticas públicas, nordeste. Classificação JEL O18, R11, R12. Key words Celso Furtado, regional inequalities, Northeast (Brazil), SUDENE. JEL Classification O18, R11, R12. Resumo O presente texto visa analisar as contribuições de Celso Furtado para a interpretação dos determi- nantes das desigualdades regionais e para a for- mulação de políticas de desenvolvimento para as regiões menos desenvolvidas. Toma como pano de fundo os antecedentes teóricos e as principais experiências mundiais de políticas de desenvolvi- mento regional, que serviram de referência para Celso Furtado. Mostra a originalidade de Furtado ao articular as questões de desigualdades regionais à natureza das estruturas subdesenvolvidas. Mos- tra os fundamentos teóricos e empíricos na análi- se sobre a questão nordestina, as diretrizes para a atuação da futura SUDENE, as pressões políticas e as insuficiências na condução da política de de- senvolvimento para o Nordeste. Por fim, mostra a atualidade de Furtado, seja nas formulações an- teriores à criação da SUDENE como nos desen- volvimentos teóricos posteriores. Nesses, Furta- do supera a noção de região e passa a tratar de estruturas espaciais; introduz o papel central dos nódulos urbanos, de suas hierarquias e articula- ções, ou seja ,o papel da rede urbana no comando e estruturação do território; do papel central da tecnologia e dos processos de inovação e; por fim, da necessidade de um esforço interdiscipli- nar, tanto para o entendimento dos problemas re- gionais quanto para a formulação de políticas e de sua implementação. Abstract This text analyzes the contributions by Celso Furtado to interpreting the determinants of regional inequalities and to the formulation of development policies for less developed regions. It uses a backdrop the theoretical antecedents and principal global experiences of regional development policies, which served as a reference for Celso Furtado. It shows Furtado's originality when he linked questions of regional inequality with the nature of underdeveloped structures. It shows the theoretical and empirical foundations in the analysis of the Northeast question, guidelines for the future SUDENE, political pressures and the insufficiencies in the way development policies for the Northeast are carried out. Finally, it shows how Furtado's positions are still relevant, whether in the formulations prior to the creation of SUDENE or in the later theoretical developments. In these, Furtado overcomes the notion of region and begins to examine spatial structures; he introduces the central role of urban nodes, of their hierarchies and articulations; in other words, the role of the urban network in the command and structuring of the territory; of the central role of technology and innovation processes, and finally, of the need for an interdisciplinary effort for both understanding regional problems as well as for the formulation of policies and their implementation.

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nova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_227-249_maio-agosto de 2009

Celso Furtado e o desenvolvimento regional

Clélio Campolina DinizProfessor do Cedeplar/UFMG

Palavras-chavedesenvolvimento regional,estrutura espacial, políticaspúblicas, nordeste.

Classificação JEL O18, R11,R12.

Key words

Celso Furtado, regional

inequalities, Northeast

(Brazil), SUDENE.

JEL Classification O18, R11,R12.

ResumoO presente texto visa analisar as contribuições deCelso Furtado para a interpretação dos determi-nantes das desigualdades regionais e para a for-mulação de políticas de desenvolvimento para asregiões menos desenvolvidas. Toma como panode fundo os antecedentes teóricos e as principaisexperiências mundiais de políticas de desenvolvi-mento regional, que serviram de referência paraCelso Furtado. Mostra a originalidade de Furtadoao articular as questões de desigualdades regionaisà natureza das estruturas subdesenvolvidas. Mos-tra os fundamentos teóricos e empíricos na análi-se sobre a questão nordestina, as diretrizes para aatuação da futura SUDENE, as pressões políticase as insuficiências na condução da política de de-senvolvimento para o Nordeste. Por fim, mostraa atualidade de Furtado, seja nas formulações an-teriores à criação da SUDENE como nos desen-volvimentos teóricos posteriores. Nesses, Furta-do supera a noção de região e passa a tratar deestruturas espaciais; introduz o papel central dosnódulos urbanos, de suas hierarquias e articula-ções, ou seja ,o papel da rede urbana no comandoe estruturação do território; do papel central datecnologia e dos processos de inovação e; porfim, da necessidade de um esforço interdiscipli-nar, tanto para o entendimento dos problemas re-gionais quanto para a formulação de políticas ede sua implementação.

AbstractThis text analyzes the contributions by Celso Furtado

to interpreting the determinants of regional

inequalities and to the formulation of development

policies for less developed regions.

It uses a backdrop the theoretical antecedents and

principal global experiences of regional development

policies, which served as a reference for Celso Furtado.

It shows Furtado's originality when he linked

questions of regional inequality with

the nature of underdeveloped structures.

It shows the theoretical and empirical foundations in

the analysis of the Northeast question, guidelines for

the future SUDENE, political pressures and the

insufficiencies in the way development policies for the

Northeast are carried out. Finally, it shows how

Furtado's positions are still relevant, whether in the

formulations prior to the creation of SUDENE

or in the later theoretical developments. In these,

Furtado overcomes the notion of region and begins

to examine spatial structures;

he introduces the central role of urban nodes,

of their hierarchies and articulations;

in other words, the role of the urban network in the

command and structuring of the territory;

of the central role of technology and innovation

processes, and finally, of the need for an

interdisciplinary effort for both understanding

regional problems as well as for the formulation

of policies and their implementation.

1_ Antecedentes: origens,generalização, crise eretomada do planejamentoe das políticas regionais

Até a Segunda Guerra Mundial, a questãoregional era predominantemente tratadacomo uma matéria de localização das ati-vidades agrícolas e industriais, conformecomprovam os clássicos trabalhos de VonThune (1816: 1966), Weber (1907: 1969)e Losch (1933: 1954) ou da oferta de ser-viços e da consequente hierarquia dascentralidades urbanas, na formulação deChristaller (1939: 1966). A questão urba-na ainda não havia emergido como umproblema social e político, à exceção dosEstados Unidos, como bem retratam ostrabalhos da Escola de Chicago (Park,1926; Wirth, 1928; Munford, 1938).

A primeira experiência mundial deplanejamento regional pode ser considera-da como tendo origem na União Soviética,através do seu Plano de Eletrificação Naci-onal, estabelecido em 1925. Aquele planodefinia a construção de várias usinas hidro-elétricas, prevendo seu aproveitamento co-mo base para o desenvolvimento regional ede sua interligação futura.1 A ComissãoNacional de Planejamento, criada na UniãoSoviética, em 1928, introduziu a dimensãoregional e a preocupação geopolítica de ocu-pação da Sibéria, presente desde Catarina, a

Grande. Durante a Segunda Guerra Mun-dial, essa preocupação se tornou central, coma invasão alemã e com a alta concentraçãopopulacional e produtiva na Rússia euro-peia. A estratégia de defesa territorial levouà transferência de várias atividades para trásdos Urais, com a constituição de complexosprodutivos voltados para o aproveitamentode recursos naturais e o planejamento dodesenvolvimento de várias cidades na Sibé-ria, com localização de atividades industriais,especialmente industrial-militar. Mais tar-de, foi também planejado o desenvolvi-mento de centros urbanos dotados de ser-viços científicos e culturais como base parao desenvolvimento tecnológico, cujo me-lhor exemplo é a cidade científica de Aka-demgorodok, em Novosibirsk (Nekrasov,1971; Castells e Hall, 1994).

A crise de 1929, ao provocar gene-ralizada recessão econômica no mundo ca-pitalista, colocou às claras o problema dasdesigualdades regionais na maioria dos paí-ses industrializados, as quais vinham seformando desde o século anterior, mas nãoeram explicitadas A tomada de consciênciadessas desigualdades e a mudança na con-cepção do papel do Estado, com a revolu-ção keynesiana e o avanço das técnicas epráticas de planejamento, promoveram acriação de políticas de redução das desi-gualdades regionais e de reordenamento

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1 Aquele plano exerceu forteinfluência sobre o Plano deEletrificação de Minas Gerais,elaborado em 1948 eimplantado com a criação daCemig, a partir de 1952. VerPlano de Eletrificação, 1949(Diniz, 2008).

do território em vários países, com a criaçãode instituições específicas para a implemen-tação dessas políticas. O caso mais claro foio dos Estados Unidos, com a criação doTVA (Tennesse Vale Authority), em 1933, co-mo parte do New Deal. O TVA introduziuuma nova sistemática de planejamento como intuito de promover o desenvolvimentoda região, composta de seis Estados. Os ob-jetivos eram amplos e generalizados: obraspara controle de cheias; construção de usi-nas hidroelétricas; desenvolvimento da na-vegação; transporte rodoviário; expansão emodernização da agricultura, inclusive pro-gramas de irrigação; crescimento e moder-nização da indústria; desenvolvimento ur-bano e dos serviços.

No pós-guerra, além da continuidadeda política e dos programas do TVA, foramcriados programas para outras bacias hidro-gráficas, estabelecida a Area Redevelopment

Administration (ARA), em 1961, transfor-mada em Economic Development Area (EDA),e criado o programa especial para os Apa-laches, ambos em 1965. Essas instituiçõese os respectivos programas estabeleciamcréditos e critérios especiais para alavancaro desenvolvimento regional. Naquele mo-mento, havia se generalizado a prática doplanejamento e das políticas regionais nosEstados Unidos, com grande influência so-bre o sistema acadêmico-universitário e a

concepção de programas de pós-gradua-ção em desenvolvimento regional e urbanoem várias universidades (Cumberland, 1973;Rothblat, 1971; Chinitz, 1969; Friedman,1961; Isard, 2003).

Ainda antes da Segunda Guerra, naInglaterra, a crise e a estagnação das re-giões mineradoras e das áreas da velha in-dustrialização pesada do norte do país, emcontraste com a concentração industrialem Londres e seus arredores, trouxeram àtona o que ficou conhecido como a “divi-são norte-sul”. Como decorrência, foi ins-tituída a Comissão Barlow (1937-40), daqual nasceu, no pós-guerra, a política ori-entada para a recuperação e expansão daindústria da região norte (Hall, 1975).

Na Itália, a diferença entre os rit-mos de desenvolvimento entre o norte e osul do país tornou-se um problema grave,especialmente na fase de redemocratizaçãodo pós-fascismo. Em função disso, foi cri-ada a Cassa del Mezzogiorno, em 1950, e umaambiciosa política de industrialização parao sul da Itália. Essa política introduziu asistemática de uso de incentivos fiscais parao barateamento da formação de capital eda produção, a qual foi assimilada e genera-lizada para outros países, a exemplo do sis-tema de incentivos fiscais para a industriali-zação do Nordeste do Brasil, por ocasiãoda criação da Sudene (Carvalho, 1979). Pos-

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teriormente, a reavaliação dessas políticasdemonstrou as dificuldades de o Sul compe-tir com o Norte, pelo dinamismo do último,caracterizando as dificuldades de superar odualismo (Chenery, 1964; Amendola e Ba-rata, 1978). Posteriormente, houve uma con-trovertida interpretação de que o desenvol-vimento do Sul havia sido obstaculizadopela falta de capital social (Putnam, 1993).

Na França, a grande concentraçãopopulacional em Paris e o esvaziamento docampo levantaram o alerta para os riscosdessas tendências. Esse fenômeno está bemretratado no célebre livro de Gravier (2003)“Paris e o deserto francês”, no qual o autorindica, em tom dramático e moralista, asconsequências dessa concentração. A fimde enfrentar esse desafio, foi estabelecidaambiciosa política de desconcentração pro-dutiva e de reordenamento do território,através de um conjunto de instrumentos.Entre esses, destacam-se a orientação dosinvestimentos das empresas estatais pararegiões selecionadas e um audacioso e di-versificado programa de infraestrutura, en-faticamente implementado a partir do finalda década de 1940 (Datar, 2003). Após váriosajustes institucionais, foi criada a poderosaDelegation Dámanagement du Territoire (Datar),em 1963 (Datar, 2003). Entre as novas po-líticas e objetivos, ressalta-se o fortaleci-mento de uma rede de cidades, denomina-

das “metrópoles de equilíbrio”, com con-centração de investimentos industriais eequipamento público, com destaque paraaqueles de natureza cultural e educacional.

A generalização das políticas regio-nais nos países centrais foi assimilada pelospaíses periféricos. Na América Latina, amaioria dos países criou programas especí-ficos de desenvolvimento regional, a exem-plo dos programas de fronteira e de bacias,no México; da região de Guayana, na Ve-nezuela; do Cuyo e da Patagônia, na Ar-gentina. Segundo levantamento realizadopor Sthor (1972), à época foram listados 73planos ou programas de desenvolvimentoregional nos países latino-americanos. Noconjunto dessas políticas, cabe destaque àspolíticas brasileiras para o Nordeste e para aAmazônia, o que será tratado de forma maisdetalhada em outra parte deste trabalho.

Ao lado da continuação e da gene-ralização das políticas de desenvolvimentoregional, foi desenvolvido grande esforçode interpretação teórica sobre a questãodas desigualdades regionais e da concen-tração, bem como de metodologias e técni-cas de planejamento e de intervenção pú-blica. Esse esforço pode ser sintetizado noque ficou conhecido como duas “escolas”de pensamento. Uma delas resgatou a tra-dição germânica das teorias da localizaçãoe adaptou-a ao pensamento econômico neo-

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clássico, constituindo a chamada “ciênciaregional”, inclusive com a criação da Asso-ciação de Ciência Regional (Regional Science

Association), sob a liderança de Walter Isard.Essa “escola” trabalhou com noção de mo-delos de equilíbrio, com ênfase no papel doscustos de transporte, em mercados concor-renciais, desenvolvendo, paralelamente, umconjunto de técnicas de análise regional, en-tre as quais os modelos de insumo-produto.Essas contribuições estão sintetizadas emdois livros que se transformaram em verda-deiras “bíblias” da denominada “ciência re-gional”, a saber: Location and space economy e

Methods of regional and interregional analysis

(Isard, 1956 e 1960). Posteriormente, Isardorganizou a história da ciência regional e daassociação de ciência regional (Isard, 2003).

A outra “escola” foi desenvolvidana França, sob liderança de François Per-roux. Partindo da noção de economia do-minante e empresa dominante e dos efeitosinterindustriais, foi desenvolvido o concei-to de polo de crescimento e do papel cen-tral da empresa motriz para o crescimentodesses polos. Na sua concepção de empre-sa motriz, Perroux havia recebido forte in-fluência de Schumpeter, com o conceito deinovação, já que Perroux havia traduzido,em 1935, a Teoria do Desenvolvimento Eco-nômico, de Schumpeter, do alemão para ofrancês. O conceito de dominação e de po-

lo de crescimento levaram Perroux à con-cepção das diferentes naturezas do espaço,com sua ideia de espaço homogêneo, espa-ço polarizado e espaço plano (Perroux,1967).2 Essas noções de espaço, sem conti-guidade geográfica, foram adaptadas porBoudeville (1969), com a concepção de re-gião homogênea, região polarizada e regiãoplano, que serviram de base e critério paraa regionalização do território e para o esta-belecimento de políticas regionais.

A linha do desenvolvimento polari-zado e desequilibrado recebeu grande con-tribuição de vários autores que se tornaramclássicos, como Myrdal (1957), Hirschman(1958), Kaldor (1966 e 1970), entre outros.Esses autores analisaram os efeitos da po-larização na criação e na manutenção dasdesigualdades regionais e apontaram possí-veis saídas. A partir da década de 1960, acriação e o fortalecimento de polos de de-senvolvimento passaram a ser generaliza-damente utilizados como metodologia einstrumento de desenvolvimento regionalna maioria dos países. Nos últimos anos,esses polos ganharam nova roupagem, co-mo a concepção de distritos industriais,“clusters”, parques tecnológicos, entre ou-tras denominações.

Embora essas duas “escolas” par-tissem de proposições teóricas e analíticasdistintas, elas têm em comum a ideia de re-

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2 A obra de Perroux foiproduzida ao longo dasdécadas de 1940 e 1950, emvários artigos, e uma grandesíntese encontra-se emEconomia do século XX

(Perroux, 1967).

lações interindustriais ou insumo-produ-to, como elemento central no processo dedesenvolvimento regional e da criação deexternalidades. Em torno dessas duas “es-colas”, foram derivadas várias linhas de in-terpretação e de ação à escala mundial.

Após o auge da produção teórica e daimplementação de políticas de desenvolvi-mento regional, nas décadas de 1950 e 1960,a atividade entrou em crise. Entre os ele-mentos explicativos dessa crise, podem serlistados: a) o sucesso da expansão econômi-ca do pós-guerra e a redução da preocupa-ção com a questão regional; b) reações po-lítico-ideológicas contra a intervenção doEstado na economia; c) insatisfação e críti-ca dos resultados das políticas regionais pe-los grupos de esquerda; d) incapacidadeteórica de explicar os novos fenômenos(desindustrialização, emergência de novoscentros baseados em alta tecnologia, mu-danças na divisão internacional do traba-lho, com os NICs); e) enfraquecimento daspolíticas regionais nos Estados Unidos, coma ascensão de Nixon e dos governos repu-blicanos; f) enfraquecimento das políticas re-gionais, por países, na Europa, com o avan-ço da União Europeia; g) crise do Estadointerventor, com déficit público e proces-sos inflacionários; h) alegação de corrup-ção em várias das instituições encarregadasdas políticas regionais; i) desenho de uma

nova visão do papel do Estado, o que ficouconhecido como “neoliberalismo”.

No bojo deste último ponto, foi de-senvolvida a corrente de pensamento docrescimento endógeno que procurava de-monstrar que o mercado, deixado livre, le-varia à convergência de rendas entre paísese regiões. Caberia ao Estado resolver osproblemas de educação, dotação de infra-estrutura e estabilidade político-institucio-nal (Romer, 1994; Sala-y-Martin, 1996).

Passada a tormenta crítica e o desâ-nimo com as políticas regionais, nas décadasde 1970 e 1980, a questão voltou à tona,teórica e praticamente, a partir da décadade 1990. Do ponto de vista prático, osavanços da União Europeia mudaram anatureza das políticas regionais. Além dadiversidade interna em cada país, as dife-renças entre países passaram a ser vistascomo problemas regionais de escala trans-nacional para o conjunto da região (UniãoEuropeia). Isso obrigou a União Europeiaa avançar na formulação e prática da políticaregional. Simultaneamente, os problemasde integração regional em outras partes domundo e o arrefecimento das esperadasconvergências de renda recolocaram a po-lítica regional na agenda das regiões e dosgovernos. Por outro lado, as aceleradas mu-danças tecnológicas e a emergência de no-vos centros produtores baseados em tec-

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nologias avançadas abriram a corrida paraa busca da inovação como mecanismo dedesenvolvimento regional (Diniz e Gon-çalves, 2005; Diniz, Santos e Crocco, 2006).

Do ponto de vista teórico, a cres-cente integração da economia mundial, acriação de regiões preferenciais de comércioe o aumento dos fluxos comerciais recolo-caram a questão do comércio internacionalcomo um assunto do comércio inter-regio-nal. A integração da economia mundial su-perou as fronteiras nacionais e estabeleceuum sistema de fluxos onde as localidadesse articulam diretamente, recolocando aquestão das economias de aglomeração edas externalidades como elementos centraisnos padrões locacionais e no sucesso com-petitivo. Nessa linha de raciocínio, entra decheio o economista Paul Krugman (1991)com uma nova teoria da relação centro-pe-riferia, introduzindo concorrência imper-feita e economias de escala na geração deexternalidades e dos retornos crescentes pa-ra explicar os padrões de concentração ter-ritorial da produção. Paralelamente, a geo-grafia econômica passou a buscar diferenteselementos explicativos para o entendimentoda reorganização territorial da produção àescala mundial (Storper, 1995; Swyngedouw,1989; Markusen, 1985; Brenner, 1999). Es-tão, pois, postas as condições para uma vi-gorosa retomada do debate teórico e das

políticas de desenvolvimento regional, nomundo e no Brasil.

2_ A questão regionalbrasileira

2.1_ As secas nordestinas,a geopolítica amazônicae a origem das ações regionais

A preocupação com o problema regionalno Brasil esteve presente desde o séculoXIX, embora não tivesse essa denomina-ção, em função das consequências sociaisdas secas, no Nordeste, e da necessidadede controle do território da Amazônia,como retratam as várias comissões e ten-tativas de políticas realizadas desde aque-le século.

Para o caso nordestino, como decor-rência das secas, em 1877 foi criada a Comis-são Imperial, encarregada de analisar o pro-blema e propor soluções. Aquela comissãosugeriu o desenvolvimento dos transpor-tes, a construção de barragens e a transpo-sição do rio São Francisco. As ações foram,no entanto, limitadas e lentas, enquanto seaprofundava o problema social da região.Estima-se que, como consequência das se-cas e dos problemas sociais, tenham morri-do entre 100 e 200 mil pessoas nas últimasdécadas do século XIX. Estima-se tam-bém que, entre o final do século XIX e iní-cio do século XX, aproximadamente 500

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mil pessoas tenham se transferido ou fo-ram transferidas para a região amazônica,na expectativa das oportunidades de traba-lho vinculadas à exploração da borracha,que emergia como novo produto de ex-portação (Furtado, 2001; Cano, 1977 e 1985).Em 1904, foram criadas comissões paraanalisar o problema das secas no Ceará eno Rio Grande do Norte e, no mesmo ano,criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas(IOCS), transformada em Inspetoria Fede-ral de Obras Contra as Secas (IFOCS), em1906, e em Departamento Nacional deObras Contra as Secas (DNOCS), em 1945.Em 1920, havia sido criada a Caixa Especialde Obras de Irrigação de Terras Cultiváveisno Nordeste do Brasil, com 2% do orça-mento da União. Em 1923, a ConstituiçãoFederal fixou em 4% do orçamento federalpara o controle das secas. Em 1945, se-guindo a experiência do TVA, foi criada aCompanhia Hidroelétrica do São Francis-co. A nova Constituição Federal, aprovadaem 1946, estabeleceu vinculações orçamen-tárias específicas para o desenvolvimentodas regiões Nordeste e amazônica. Por essarazão, foi criada a Comissão de Desenvol-vimento do Vale do São Francisco (Code-vasf), em 1948. Em 1951, seria instituído oBanco do Nordeste do Brasil (BNB).

No que se refere à Amazônia, em1912, foi criada a Superintendência de De-

fesa da Borracha, preocupada com a con-corrência asiática, transformada em Insti-tuto Internacional da Hileia Amazônica,em 1945; em Superintendência do Planode Valorização Econômica da Amazônia(SPVEA), em 1953; e em Superintendên-cia de Desenvolvimento da Amazônia (Su-dam), em 1966. Em 1942, no bojo dosacordos de Washington, foi criado o Bancode Crédito da Borracha, transformado emBanco de Crédito da Amazônia, em 1957,e em Banco da Amazônia S.A. (Basa), em1966. Em 1967, seria criada a Suframa.

A generalização da política regionallevou à criação de superintendências para asdemais regiões do País, a saber: Superinten-dência do Plano de Valorização Econômi-ca da Região da Fronteira Sudoeste do País(SPVERFSP), em 1961, transformada emSudesul, em 1967; a Comissão de Desenvol-vimento do Centro-Oeste (Codeco), em1961, transformada em Sudeco, em 1967.

Conclui-se que o Brasil foi pioneirona busca de instrumentos e ações para ala-vancar o desenvolvimento do Nordeste eda Amazônia. A primeira, pelas graves cri-ses sociais e pela força regionalista de suaelite. A segunda, pela preocupação com ocontrole político do vasto território ama-zônico. As críticas a essas instituições, a ale-gada existência de corrupção e as mudançasna concepção e no papel do Estado, duran-

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te a era neoliberal, levaram ao esvaziamen-to e posterior fechamento da maioria delas.Foram mantidos a Suframa, o BNB e o Ba-sa. A Sudene foi transformada em Adenee, posteriormente, recriada a Sudene. Mo-vimento semelhante ocorreu com a Su-dam, transformada em ADA e novamenterecriada. A Sudeco foi extinta e recriada.

2.2_ Celso Furtado, o subdesenvolvimentoe a questão regional

A origem nordestina, a trajetória intelec-tual e pessoal de Celso Furtado e o mo-mento histórico do pós-Segunda Guerrase conscientizaram para o problema dosubdesenvolvimento e, por consequência,das desigualdades dos ritmos de desen-volvimento entre os territórios, seja entrenações, seja entre espaços sub-regionaisdentro de cada país. Inicialmente, seu es-forço se concentrou na busca do enten-dimento do Brasil, através da análise dasua formação histórica e dos condicio-nantes estruturais que essa herança haviadeixado, refletido na sua tese de doutora-mento sobre a economia colonial brasile-ira, concluída em 1948 (Furtado, 2001).

Posteriormente, Furtado aprofun-dou seus estudos sobre o subdesenvolvi-mento, durante o período em que trabalhouna Comissão Econômica para a América

Latina e o Caribe (Cepal), entre 1949 e1957, durante o qual manteve profícua con-vivência profissional com Raul Prebish. Naqualidade de chefe da Divisão de Desenvol-vimento da Cepal, ele realizou vários traba-lhos sobre países específicos e aprofundousua interpretação sobre a problemática dosubdesenvolvimento latino-americano. NoGrupo de Trabalho Cepal/BNDE, Furta-do retomou seus estudos sobre a econo-mia brasileira, cujo relatório influenciou odiagnóstico e a montagem do Programa deMetas do Governo Juscelino Kubitschek.3

Nesse período, Furtado consolida sua for-mação teórica e sua capacidade de inter-pretação do subdesenvolvimento como umaquestão histórico-estrutural. No ano aca-dêmico de 1957/58, como visitante e fellow

do Kings´s College, em Cambridge, Furtadoorganiza suas reflexões, o que seria retrata-do nas obras seminais publicadas nos anosseguintes. Entre essas obras, destacam-seFormação econômica do Brasil, publicada em1959; Desenvolvimento e subdesenvolvimento, pu-blicada em 1961 e republicada em versãoexpandida como Teoria e política do desenvolvi-

mento econômico, em 1967, e Dialética do desen-

volvimento, publicada em 1964, às vésperasdo golpe militar.

No nosso entendimento, o livro For-

mação econômica do Brasil pode ser lido comoa primeira interpretação do desenvolvimen-

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3 Embora Lucas Lopesmencione em suas memóriasque não estava interessado emmacroeconomia e que nãoconhecia o trabalho deFurtado, o Programa de Metasfoi fundamentalmentedesenvolvido e gerido dentrodo BNDE. Como as equipesdo BNDE estavam tambémenvolvidas no Grupo deTrabalho Cepal/BNDE, nãohá como desvincular essasexperiências. A ComissãoMista Brasil-Estados Unidos,que deu origem ao BNDE eda qual Lucas Lopes faziaparte, havia sido extinta.Com a posse de JK, LucasLopes assume a presidênciado BNDE e a secretaria doConselho de Desenvol-vimento, responsável pelacondução do Programade Metas.

to regional brasileiro.4 Segundo Furtado, suaanálise do processo histórico de formação daeconomia brasileira parte de uma visão am-pla, procurando captar a cadeia de causali-dades nesse processo de desenvolvimento.

A obra se concentra na análise dostrês grandes ciclos e atividades: açúcar, noNordeste; ouro e diamante, em Minas Ge-rais, em Goiás e no Mato Grosso; e café noSudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo,Minas Gerais e São Paulo). Além do pró-prio efeito dessas atividades e suas articula-ções locais, os efeitos de expansão e declí-nio dessas deram origem a movimentos deocupação territorial, configurando o maparegional brasileiro. No caso do Nordeste,as crises açucareiras e a invasão holandesaprovocaram movimentos de deslocamentopopulacional para o Norte, com espasmosde ocupação no Ceará, no Maranhão e noPará. No final do século XIX, os desloca-mentos populacionais se dirigiram à Ama-zônia, alargando a dimensão da ocupaçãoterritorial. No caso do ouro e do diamante,além da extensão das áreas de exploração(Centro e Vale do Jequitinhonha, em MinasGerais, Centro de Goiás e Mato Grosso), anecessidade de alimentos, animais de cargae couro fortaleceu a integração entre as re-giões mineradoras, São Paulo e Oeste deMinas (passagem para Goiás e Mato Gros-so), e o Sul do Brasil. No que se refere ao

café, este se expande procurando as terrasmais apropriadas (Rio de Janeiro, EspíritoSanto, Minas Gerais, São Paulo e Paraná).A introdução do trabalho livre, os efeitosde encadeamento da atividade cafeeira, osprocessos migratórios, a demanda de ali-mentos, insumos e matérias-primas e a ex-pansão ferroviária exerceram forte impac-to na integração territorial do País.

Nesse sentido, pode-se concluir quea interpretação do desenvolvimento brasi-leiro, entre os séculos XVI e XX, contidana Formação econômica do Brasil, pode ser lidacomo uma interpretação das condicionan-tes, dos efeitos e dos resultados da dinâmi-ca econômica e populacional sobre a dinâ-mica territorial do País.

2.3_ Celso Furtado e a questão nordestinaAs experiências mundiais e brasileira, antesindicadas, eram de amplo conhecimentode Furtado, seja pela sua condição de es-tudante de doutorado na Sorbonne, emParis, no imediato pós-guerra, pela suapassagem por Cambridge, na Inglaterra,seja pelo trabalho na Cepal. A oportuni-dade aberta com a incumbência recebidado presidente JK, para pensar uma solu-ção para o dramático problema social eeconômico do Nordeste brasileiro, res-saltado, uma vez mais, com as graves se-cas de 1958, permitiu a Celso Furtado a

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4 As obras de Simonsen(1944) e Prado Junior (1996)trazem os elementosexplicativos da ocupaçãoterritorial no Brasil(açúcar, pecuária, mineração,café, borracha, mate etc.).No entanto, Furtado foi oprimeiro a articular essesfundamentos com odesenvolvimento regionale com a formação deestruturas subdesenvolvidas.

sistematização de suas ideias. Resgatandoa própria interpretação sobre o desenvol-vimento brasileiro e a interpretação daCepal (1950), Furtado formula um sinté-tico, porém profundo, diagnóstico dasrazões do subdesenvolvimento nordesti-no e cria as bases para a sua superação.No diagnóstico, constante do relatóriodo GTDN, elaborado em 1959 (GTDN,1967), Furtado começa por negar as vi-sões correntes de que o problema econô-mico e social do Nordeste decorria dassecas. Negava, assim, a solução hidráuli-ca através da construção de açudes, o quevinha sendo feito pelo governo federalatravés do DNOCS, mas que beneficiavaapenas os proprietários de terra. Contes-ta também a visão de que o subdesenvol-vimento era uma etapa do processo dedesenvolvimento econômico, como for-mulado por Rostow (1959) e amplamen-te aceito na literatura internacional. Aocontrário, demonstra que o subdesenvol-vimento é o resultado de uma formaçãohistórico-estrutural particular e que elesó pode ser superado por transforma-ções estruturais.

Toma os fundamentos históricos dacolonização regional como determinanteda dicotomia social da região. Em primeirolugar, na faixa litorânea úmida, a empresaagrícola exportadora de açúcar estava base-

ada em trabalho escravo. Quando esse foiformalmente extinto, no final do século XIX,mantiveram-se relações de trabalho pré-ca-pitalistas, por meio de diferentes formas desemiescravidão, semisservilismo, de “meia”e de cambão. Em segundo lugar, ao deman-dar animais de carga e alimentos, a econo-mia exportadora criou a própria periferiano interior, a ela subordinada e dependente.O crescimento demográfico empurrava apopulação para terras mais áridas, agravan-do as próprias condições de subsistência.Em terceiro lugar, a fazenda do semiáridose baseava em uma população camponesa,sem terra e sem salário, a qual trabalhavapara o dono da terra na forma de “meia”(partilha da produção) para as culturas deexportação, principalmente algodão e, emcompensação, podia produzir a sua subsis-tência. Essas três características perdurarampor séculos, caracterizando uma situaçãoestrutural de subdesenvolvimento. Ou se-ja, mantinha-se uma estrutura agrária duale arcaica, com relações mercantis para fora,ao lado de relações de trabalho pré-capita-listas ou não mercantis, especialmente dasatividades voltadas para a subsistência.

Adicionalmente, as elites regionais,ligadas ao setor exportador ou ao aparelhode Estado, assumiam padrões de consumocosmopolitas, incompatíveis com o nívelda renda regional. Nessa condição, os exce-

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dentes eram consumidos e não investidos,impossibilitando a sustentação de um pro-cesso de desenvolvimento. Esse era tambémum dos fundamentos da má distribuiçãode renda, tema recorrentemente retomadona maioria dos seus trabalhos posteriores,mas, de maneira enfática, em Subdesenvolvi-

mento e estagnação na América Latina e em Aná-

lise do modelo brasileiro (Furtado, 1966 e 1972).À sua interpretação teórica do sub-

desenvolvimento, Furtado adaptou a análi-se cepalina de relação centro-periferia, bus-cando demonstrar que a relação entre oNordeste e o Centro-Sul do Brasil tinhaum efeito extremamente negativo sobre aeconomia da primeira. Furtado deixa, por-tanto, de analisar a região de forma isoladae passa a examiná-la por meio da articula-ção de sua estrutura interna com o exteriore com a região Centro-Sul do País. Nega osprincípios das vantagens comparativas na-turais ou ricardianas, baseada na dotaçãoregional de fatores (terra e trabalho) e o de-senvolvimento dessa corrente pelo pensa-mento neoclássico. De forma semelhante àanálise da Cepal para as relações entre paí-ses centrais e periféricos, a relação comer-cial entre o Nordeste e o Centro-Sul doBrasil tinha um duplo efeito de transferên-cia de renda da primeira para a segunda ede impedimento do processo de industria-lização do Nordeste.

Por um lado, os superávits comerciaisdo Nordeste com o exterior eram utiliza-dos para financiar as importações da regiãoCentro-Sul do Brasil, beneficiando esta úl-tima. O crescimento e a concentração in-dustrial na região Centro-Sul, a política cam-bial protecionista e a manutenção de umaeconomia primária no Nordeste faziam comque este importasse bens industrializadosdo Centro-Sul, a preços mais altos que osdo exterior, e exportasse matérias-primas ealimentos para este, Centro-Sul. Adicio-nalmente, a indústria tradicional do Nor-deste havia sido afetada pela construção darodovia Rio-Bahia, facilitando a penetra-ção dos bens industriais do Centro-Sul noNordeste e devastando a indústria têxtil des-sa região.

Esse duplo mecanismo de transfe-rência de renda provocava um efeito sobrea economia nordestina semelhante ao efei-to dos países centrais sobre a periferia, ca-racterizado no clássico diagnóstico da de-terioração dos termos de intercâmbio daCepal (Cepal, 1949). Assim, a política deindustrialização do Brasil era benéfica paraa região Centro-Sul e nefasta para o Nor-deste. Furtado negava o argumento de queesses efeitos fossem compensados pelastransferências públicas de recursos via go-verno federal. Alegava que as transferências,mediante mecanismos comerciais, destina-

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vam-se ao financiamento de investimentosprodutivos no Centro-Sul, e que as transfe-rências públicas para o Nordeste tinhamcaráter assistencial e, portanto, destinadasao consumo pessoal, sem criar capacidadeprodutiva. A consequência de sua análiseera de que a distância entre o Nordeste e oCentro-Sul tenderia a aumentar.5 Aliás, essaafirmativa estava corroborada nos dadospor ele utilizados mostrando que a rendaper capita do Nordeste havia caído de 48%para 37% da média nacional, entre 1948 e1956, e que o peso da região no total darenda nacional havia caído de 15% para13% no mesmo período.

Na mesma linha do diagnóstico daCepal, ele argumentava que a única saídapara o Nordeste seria através da industriali-zação. Concluía de forma dramática “casose demonstre que a solução é inviável, nãorestaria ao Nordeste senão a alternativa entredespovoar-se ou permanecer como regiãode baixíssimo nível de renda” (GTDN,1967). Enfatizava a importância do pro-gresso técnico e as dificuldades para a suageração e assimilação nas regiões subdesen-volvidas. Por essa razão, no diagnóstico enas ações propostas, estava explícita a ideiade criação de centros endógenos de decisãoe de industrialização. Ou seja, de uma indus-trialização autônoma e de fortalecimento daburguesia regional. Além de sua forte cren-

ça na industrialização, o argumento era re-forçado pelos problemas climáticos e pelaslimitações de terras agricultáveis, pelo menoscom os padrões tecnológicos da época. Em-bora sua proposta contivesse duas grandesdiretrizes para a transformação do setoragropecuário na faixa úmida e no semiárido,Furtado propunha uma saída para o exce-dente de trabalho por meio do desloca-mento da população para uma nova fron-teira agrícola no Estado do Maranhão.

As diretrizes do Plano de Desenvol-vimento para o Nordeste, contidas no rela-tório do GTDN, podem ser sintetizadasem quatro grandes linhas ou programas:industrialização; transformação da agricul-tura da faixa úmida; transformação da eco-nomia do semiárido e deslocamento dafronteira agrícola para o Maranhão. Observa-se, portanto, que o plano de Furtado tinhacaráter reformista e modernizador, comforte influência das visões keynesiana, deintervenção do Estado para a solução dosproblemas econômicos e sociais, e de Ma-nheim,6 que defendia o planejamento co-mo solução para a busca da democracia eda justiça social.

As tentativas de implementação des-sas diretrizes vão estar contidas nas primeirasações do Conselho de Desenvolvimentodo Nordeste (Codeno), criado logo após aconclusão do relatório do GTDN, em 1959,

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5 Esses argumentos foramcontestados por váriosautores, como sintetiza Cano(1985), sem, contudo, negarema relação centro-periferia entreo Nordeste e o Centro-Suldo País.6 Manheim (1951) analisaas crises do século XX (duasguerras, Revolução Russa,nazismo), refuta as soluçõestotalitárias (stalinismo efascismo) e defende a reformado sistema através doplanejamento. Os trabalhosde Manheim tiveramgrande influência sobreCelso Furtado.

e no Primeiro Plano Diretor da Sudene, ela-borado logo após sua criação, mas somen-te aprovado em 1961.

2.4_ A Sudene, as dificuldades políticase as falhas de orientação

O Codeno e a sucessora Sudene inicia-ram suas ações sob a liderança de CelsoFurtado e dentro das linhas estabeleci-das pelo relatório do GTDN. Essas li-nhas de ação foram ampliadas e detalhadasno I Plano Diretor preparado pela Sude-ne, em 1960, para o período 1961-1963,o qual assumiu uma postura de planeja-mento compreensivo, incluindo infraes-trutura, reestruturação agrícola, coloniza-ção, desenvolvimento industrial e mineral,oferta de alimentos, saúde pública, educa-ção, levantamentos cartográficos, entre ou-tros aspectos.

No entanto, desde sua criação, a Su-dene enfrentou fortes reações político-ide-ológicas de parcela significativa das elitesempresariais, políticas e intelectuais do Nor-deste, no que se refere às suas linhas de ori-entação e proposições. As atas do Conse-lho Deliberativo da Sudene, para o perío-do, detalhadamente analisadas por Lima(2008), confirmam essas dificuldades. Oprojeto da Lei de Irrigação, enviado aoCongresso, em 1959, nunca foi aprovado,uma vez que trazia os meios para o contro-

le do uso da terra e da água, bases para a re-forma agrária. Isso obviamente suscitou asmais diferentes reações das elites nordesti-nas. Igualmente, o projeto do I Plano Dire-tor sofreu fortes reações dentro do próprioConselho Deliberativo da Sudene e, poste-riormente, dentro do Congresso Nacional,atrasando sua aprovação. As reações eramdiversificadas: governadores de Estado, For-ças Armadas, DNOCS, elites políticas e em-presariais e também do sociólogo GilbertoFreyre (Lima, 2008). Assim, a Sudene se-guia pelas linhas de menor resistência.

As mudanças políticas decorrentesdo golpe militar de março de 1964 alterarama ênfase nas linhas de ação. Essas foramconcentradas em apenas duas frentes: ex-pansão da malha de infraestrutura (trans-portes, energia elétrica e saneamento) e su-porte à industrialização. A primeira, com aaplicação direta de 60% a 70% dos recur-sos aprovados nos Planos Diretores. A se-gunda, pelo sistema de incentivos fiscaiscanalizados através do mecanismo conhe-cido como “34/18”,7 que conjugava a isen-ção tributária sobre a produção e o financi-amento dos investimentos mediante o usode parcela do imposto de renda devido pe-las empresas, transformados em debêntu-res e, portanto, não reembolsáveis. Ficouestabelecido também que tanto os recursosorçamentários quanto os recursos advin-

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7 A Lei Federal n. 3.692, de1959, que criou a Sudene,estabeleceu em seu art. 18 osincentivos fiscais (isençãotributária) para projetosindustriais novos e deexpansão a ser implementadosno Nordeste. A Lei Federal n.3.995, de 1961, que aprovou oI Plano Diretor, estabeleceuno seu art. 34 o direito de asempresas brasileiras (pessoasjurídicas) vincularem parcelado imposto de renda a serpago para aplicação emprojetos industriais noNordeste. Esses doismecanismos eram utilizadosde forma conjunta,conhecidos como“arts. 34/18”.

dos da isenção de imposto de renda paraaplicação em projetos de investimento noNordeste deveriam ser depositados no Ban-co do Nordeste do Brasil, reforçando seupapel de agente financeiro.

Infraestrutura e incentivos ao cres-cimento industrial atendiam aos interessesda classe dominante e do sistema empresa-rial. Reestruturação do setor agrícola, tantona faixa úmida quanto no agreste e no se-miárido, implicava reforma agrária. Essaera exatamente a reivindicação das corren-tes progressistas, tão bem representadaspelas Ligas Camponesas, organizadas pelodeputado Francisco Julião. A contenda foiresolvida com o golpe militar de 1964, queaplastou as reivindicações políticas da clas-se trabalhadora e de suas lideranças e liqui-dou a proposta de reforma agrária.

Nesse sentido, Oliveira (1977) dizque a Sudene foi criada em consonânciacom os interesses da burguesia industrialda região Centro-Sul do Brasil e articuladacom os interesses da burguesia decadentedo próprio Nordeste. Foi também umaforma de segurar a pressão das forças po-pulares, cuja ação poderia apontar na dire-ção de uma desintegração do País, pelosmovimentos de caráter revolucionário quese despontavam na região, a exemplo dasLigas Camponesas. Na mesma linha, Cohn(1976) argumenta que a Sudene foi instituí-

da para atender às necessidades de solucio-nar os problemas sociais e políticos doNordeste. Assim, a Sudene teria vindo paramediar o conflito social e tornar possível aexpansão capitalista do Brasil.

No entanto, essa é uma racionaliza-ção a posteriori. O próprio Oliveira argu-menta que a Sudene foi um audacioso pro-jeto de transformação estrutural da região.O resultado poderia ir a direções diferentes,dependendo das forças políticas que pre-valecessem no processo. Além das reaçõesinternas contra o caráter reformista da Su-dene, houve forte pressão internacional con-tra os movimentos de cunho socialista. Ogoverno dos Estados Unidos, através daAliança para o Progresso e da Usaid, lide-rou programas que visavam a bloquear osmovimentos populares e o risco de uma re-volução socialista no Brasil. Com o golpemilitar de março de 1964, as forças popularesforam controladas e dominadas. Predomi-nou a orientação pela industrialização, peloavanço da infraestrutura e pela moderniza-ção conservadora da agricultura, com aabertura de novas frentes proporcionadaspelo avanço da tecnologia, como a agricul-tura irrigada e a dos cerrados, afastando aideia da reforma agrária.

Furtado (1989), em seu livro A fan-

tasia desfeita, confirma essas preocupaçõesdo governo americano ao relatar sua via-

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gem aos Estados Unidos e seu encontrocom o presidente Kennedy, em 1961. Na-quela ocasião, ficou claro o conflito de vi-sões do presidente Kennedy, mais flexível,e do Departamento de Estado, mais radi-cal. Acabou prevalecendo a orientação doDepartamento de Estado, como ficou com-provado pela ação do governo americano,que agiu no sentido de minar a ação, oprestígio e o poder da Sudene no períodoque precedeu ao golpe militar de 1964.

Assim, a ação da Sudene foi esvazia-da e alterada por três razões. A primeira foio aniquilamento das propostas de reformasestruturais. Sem a reforma agrária, a estru-tura de propriedade e exploração da terracontinuou intocada. Com ela, os problemasde distribuição de renda e de melhoria dascondições sociais. O segundo problema, peladrenagem dos recursos previstos no siste-ma de incentivos fiscais, ao ampliar a suaárea de aplicação para a região amazônica,ainda em 1963, e para vários setores (turis-mo, reflorestamento) em todo o País, emanos posteriores. Em terceiro lugar, por-que muitos projetos industriais aprovadosnas primeiras etapas da Sudene tiveramfuncionamento precário, levando ao encer-ramento das atividades. Em 1978, dos 763projetos industriais que receberam incenti-vos, 104 estavam funcionando com pro-blemas, e 88 haviam sido paralisados (Re-

bouças et al., 1979). Não há clareza sobre asrazões desses fracassos. Se por má concep-ção ou análise, se pela competição, ou sepor erros ou desvios de conduta. Qualquerque seja a razão, o fechamento de muitasplantas acabou por desacreditar e desmo-ralizar a Sudene.

Nesse sentido, é questionável a ori-entação contida no GTDN e no I PlanoDiretor, de ênfase em uma industrializaçãoautônoma no Nordeste, seja porque a eco-nomia brasileira estava integrada e, portan-to, o Nordeste teria que competir com asdemais regiões do País, seja pela debilidadede sua burguesia industrial. Isso só poderiaser feito se atendesse aos interesses empre-sariais das demais regiões, o que acabouacontecendo pelo uso dos incentivos fisca-is pelo empresariado de outras regiões; issofortaleceria a capacidade empresarial da re-gião e de fato vem acontecendo.

3_ Avanços posteriores e aatualidade de Celso Furtado

Afastado do cargo e do País, Furtado se de-dicou ao aprofundamento de sua interpre-tação do subdesenvolvimento e tambémda questão regional. Em 1967, publicouum artigo teórico sobre o desenvolvimen-to regional denominado “Intra-country dis-

continuities: towards a theory of spatial structu-

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res” (Furtado, 1967). Nesse artigo, além deuma reinterpretarão crítica dos principaispilares da Teoria do Desenvolvimento Re-gional, Furtado introduz pelo menos qua-tro grandes avanços ou superações das vi-sões anteriores. Em primeiro lugar, superaa noção de região e passa a tratar da es-trutura espacial, demonstrando as váriasarticulações inter e intraterritorial no pro-cesso de desenvolvimento, o que nos aju-da a entender a complexidade das rela-ções entre agentes e atores no território.Em segundo lugar e articulado ao prime-iro, enfatiza o papel da hierarquia de nó-dulos ou polos e a inter-relação entre es-ses. Ou seja, introduz, de forma explícitae direta, o papel do urbano e das cidadesna estruturação e no comando do territó-rio, cuja importância e complexidade sótêm se ampliado nos últimos anos. Emterceiro lugar, demonstra que as desigual-dades são produtos das formas em que seintroduzem e se distribuem as modernastecnologias, vale dizer dos processos ino-vativos. Por fim, Furtado ressalta a com-plexidade dos fenômenos espaciais, pro-pondo um esforço interdisciplinar comocaminho para a formulação de uma teo-ria das estruturas espaciais.

Como um pensador engajado, Fur-tado trabalha a sua construção teórica co-mo fundamento e base para a ação política.

Demonstra que as descontinuidades inter-regionais dentro de cada país são geradaspelos padrões locacionais, especialmente daindústria, e sua relação com as políticas ma-croeconômicas. Analisa a relação negativaentre concentração regional e distribuiçãode renda, demonstrando que os ganhos deprodutividade tendem a se concentrar. De-fende a criação de externalidades comoforma de beneficiar, em conjunto, empre-sas e consumidores. Conclui mostrandoque as mudanças espaciais dependem, fun-damentalmente, de quatro fatores, a saber:a) do ritmo de crescimento econômico, cu-jo aumento possibilita maior elasticidadeespacial; b) do número de novas plantas,especialmente de plantas motrizes; c) dasplantas de processamento secundário, nãodependentes de insumos e matérias-primasprimárias; d) das economias de escala, asquais se ampliam com o progresso técnico.Para tudo isso, a expansão da infraestruturafunciona como pré-condição ou pano defundo. Embora reconheça que as decisõessão de natureza política, Furtado enfatizauma abordagem interdisciplinar para umateoria da estrutura espacial, com ênfase nosestudos sobre os processos de urbanização,dos custos de comutação, das migrações.

Nessa linha de interpretação, repen-sar a questão regional brasileira em termosatuais significa reinterpretar as estruturas

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espaciais e sociais atuais e suas tendências econjugá-las com os objetivos econômicos,sociais e políticos da Nação.

O primeiro ponto a ser discutidoestá relacionado com a superação de sepensar regiões isoladas, para se pensar a es-trutura espacial. Nesse sentido, uma políti-ca regional precisa ser concebida e formu-lada em uma perspectiva nacional, aindaque as diferentes regiões recebam trata-mento diferenciado, em função de suas ca-racterísticas e objetivos gerais. Assim, umanova política regional, guiada pelos objeti-vos de coesão econômica e social, necessi-taria também ser pensada em função dacoesão territorial. A coesão territorial, porsua vez, passa pelo menos por quatro di-mensões da integração. Integração territo-rial (no sentido físico), integração econô-mica (como complementaridade produtivaentre as sub-regiões), integração social (queconsidere a distribuição de renda, a geraçãode emprego e a incorporação social), inte-gração política (no sentido da recostura dopacto federativo).

Adicionalmente, há que ser consi-derada a integração com a América Latina(territorial, econômica, social e política), aquestão ambiental e a geopolítica brasileirae sul-americana. Tudo isso implicaria a bus-ca de um novo ordenamento do territórioque caminhasse no sentido de redução das

grandes desigualdades nos padrões de ocu-pação territorial do País e apontasse nosentido de um país mais integrado.

Do ponto de vista operacional, pen-sar uma política nacional de desenvolvi-mento regional implica pensar em uma novaregionalização do país para efeitos de polí-tica pública, em geral, e da política regional,em particular. No caso do Brasil, a regiona-lização atual com as cinco macrorregiões,que continua como base para as políticasregionais, está superada, exigindo uma novadivisão territorial do País. Uma nova regio-nalização deveria considerar três critérioscomplementares e articulados: econômico,ambiental e político.

O critério econômico deve ter comoreferência básica os efeitos de polarizaçãoexercidos pelas cidades, a partir de cuja hie-rarquia se definiriam as escalas de polariza-ção, as centralidades e suas áreas comple-mentares. O critério ambiental deveria buscaro ajuste dos recortes territoriais às necessi-dades de aproveitamento econômico dopatrimônio natural e da sustentabilidadeambiental. Por fim, o critério de represen-tação política deveria preservar a relaçãoentre o recorte territorial e a identidade cul-tural e política de seus habitantes e suasinstituições e, ao mesmo tempo, os aspec-tos de geopolítica e soberania nacional.Assim, respeitada a divisão político-admi-

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nistrativa do País em Estados e municípios,tornar-se-ia necessário estabelecer pelo me-nos duas escalas operacionais: uma macroe outra mesorregional, o que está propostoem recente trabalho realizado pelo Cede-plar e publicado pelo Ministério do Plane-jamento (2008).

Um segundo aspecto está relaciona-do com as fontes de financiamento e suaoperacionalização institucional. O Brasil pos-sui diferentes fontes de financiamento e di-ferentes formas institucionais de sua gestão.Muitas vezes essas fontes e as orientaçõesgovernamentais são conflitantes. Assim, umanova política nacional de desenvolvimentoregional teria que considerar a possibilidadede fusão dessas fontes em um fundo único,o qual vem sendo discutido no Brasil atravésdo Fundo Nacional de DesenvolvimentoRegional. Essa tarefa é complexa porque,além de exigir mudanças constitucionais,ela exige, antes de tudo, um pacto territorialentre a União e os Estados e destes entre si.

Tudo isso implicaria um novo dese-nho institucional adequado à gestão da novapolítica. Esse novo desenho, para que te-nha racionalidade e eficiência, deveria bus-car construir as formas institucionais doGoverno Central e da articulação dessascom as instâncias estaduais e de outras es-calas subnacionais. Além das dificuldadesintrínsecas, surge o problema das atuais

instituições de desenvolvimento regionalque vêm sendo recriadas, a exemplo da Su-dene, Sudam e Sudeco. Ora, a nova regio-nalização proposta quebra as continuidadesterritoriais constantes no recorte territorialda atuação dessas instituições. Por sua vez,essas estão sendo recriadas sem uma ade-quação de propósitos, instrumentos e for-mas de atuação, correndo o risco de queelas se transformem em “monumentos àsnecessidades do passado”, a exemplo doprédio da Sudene, no Recife.

Um novo ordenamento do territó-rio, guiado pelos objetivos de coesão eco-nômica, social e política, depende, funda-mentalmente, de duas grandes dimensõescom impactos estruturais duradouros: da in-fraestrutura, especialmente de transportese; da nova rede urbana. A infraestrutura detransporte condiciona o sentido dos fluxose da integração e os demais elementos dainfraestrutura e da logística (telecomunica-ções, energia, armazenamento, entre ou-tros). Por sua vez, o sistema de transportesdeve ser analisado tendo em vista a integra-ção inter-regional, em uma perspectiva na-cional, e a integração intrarregional. Estaúltima tem papel decisivo no fortalecimen-to de novas centralidades.

Uma nova rede urbana acarretaria anecessidade de se escolher ou selecionar no-vas centralidades urbanas a ser reforçadas,

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com pelo menos duas escalas: uma macro eoutra meso ou sub-regional. A escala macropermitiria mudar o desenho dos fluxos ma-croespaciais, freando o aumento da mega-concentração em alguns centros urbanos(São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Salvador,Recife, Fortaleza e Manaus) e fortalecendonovos macropolos. Esses novos macropo-los contribuiriam para integrar outras re-giões do País, como centros de consumo ede suporte à produção, neles mesmos e emseus entornos. Os mesopolos ou subpoloscontribuiriam para processos semelhantes,em escala mais reduzida. Essa conjugaçãopermitirá a constituição de uma rede urba-na mais integrada e melhor distribuída. Ofortalecimento dessas novas centralidadesdepende, afora a infraestrutura de integra-ção inter e intrarregional, da concentraçãode equipamentos públicos, que, além daoferta de serviços em si, contribuam para aatração do investimento produtivo priva-do. Uma orientação de tal natureza estabe-leceria condições básicas para a construçãode uma nação com metas, talvez “utópi-cas” ou de longo prazo, de um país poli-cêntrico, integrado em termos territoriais,econômico, social e político.

Por fim, na era do conhecimento ouda sociedade do conhecimento, educação,ciência e tecnologia devem ser vistos como

a base estrutural que assegura a cidadania eo avanço científico e tecnológico. Avançocientífico e tecnológico como base parauma nação soberana ou menos dependen-te, econômica e politicamente, para fora, esocialmente, para dentro.

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Artigo recebido em maio de 2009;aprovado em julho de 2009.