causas e consequencias do crime no brasil

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Daniel Ricardo de Castro Cerqueira Causas e Conseqüências do Crime no Brasil Tese de Doutorado Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Economia do Departamento de Economia da PUC-Rio. Orientador: Prof. João Manoel Pinho de Mello Co-orientador: Prof. Rodrigo Reis Soares Rio de Janeiro Outubro de 2010

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  • Daniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Causas e Conseqncias do Crime no Brasil

    Tese de Doutorado

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor pelo Programa de Ps-graduao em Economia do Departamento de Economia da PUC-Rio.

    Orientador: Prof. Joo Manoel Pinho de Mello

    Co-orientador: Prof. Rodrigo Reis Soares

    Rio de Janeiro

    Outubro de 2010

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610522/CA

  • Daniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Causas e Consequncias do Crime no Brasil

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor pelo Programa de Ps-graduao em Economia da PUC-Rio. Aprovada pela Comisso Examinadora abaixo assinada.

    Prof. Joo Manoel Pinho de Mello Orientador

    Departamento de Economia PUC-Rio

    Prof. Rodrigo Reis Soares Co-orientador

    Departamento de Economia PUC-Rio

    Prof. Fernando A. Veloso IBMEC-RJ

    Prof. Leonardo Bandeira Rezende Departamento de Economia PUC-Rio

    Prof. Claudio Abramovay Ferraz do Amaral Departamento de Economia PUC-Rio

    Prof. Leandro Piquet Carneiro USP

    Profa. Mnica Herz

    Coordenadora Setorial do Centro de Cincias Sociais PUC Rio

    Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2010

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  • Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou parcial do trabalho sem autorizao da universidade, do autor e do orientador.

    Daniel Ricardo de Castro Cerqueira Mestre em economia pela Escola de Ps-Graduao da Fundao Getlio Vargas e Bacharel em economia pela Universidade Santa rsula. Foi analista do Banco Central do Brasil (1994 a 1996). Desde 1994 professor visitante da FGV nos cursos de MBA, tendo ainda atuado como coordenador acadmico do MBA de Economia e Finanas e do curso preparatrio para a ANPEC. Trabalhou na Coordenadoria de Segurana Pblica do RJ (1999 a 2000). Desde 1996 pesquisador do IPEA, onde tem desenvolvido uma agenda de pesquisas em violncia e criminalidade no Brasil, tendo inmeros artigos e captulos de livro publicados sobre o tema.

    Ficha Catalogrfica

    CDD: 330

    Cerqueira, Daniel Ricardo de Castro Causas e conseqncias do crime no Brasil / Daniel

    Ricardo de Castro Cerqueira ; orientador: Joo Manoel Pinho de Mello ; co-orientador: Rodrigo Reis Soares. 2010.

    168 f. ; 30 cm Tese (doutorado) Pontifcia Universidade Catlica

    do Rio de Janeiro, Departamento de Economia, 2010. Inclui bibliografia 1. Economia Teses. 2. Causas do crime. 3.

    Violncia. 4. Homicdios. 5. Custo de bem-estar. 6. Polcia. 7. Arma de fogo. 8. Drogas ilcitas. 9. Ambiente socioeconmico. 10. Segurana pblica. I. Mello, Joo Manoel Pinho de. II. Soares, Rodrigo Reis. III. Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Departamento de Economia. IV. Ttulo.

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  • minha me!

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  • Agradecimentos

    A histria desta tese comea em 1999 quando o Prof. Luiz Eduardo Soares

    me convocou para ajud-lo no desafio da segurana pblica no Governo do

    Estado do Rio de Janeiro. Essa experincia me permitiu observar por dentro do

    aparelho do Estado o processo completamente catico, sem rumo, fora de controle

    e meramente reativo aos incndios que se sucedem no dia a dia, que era operar a

    segurana pblica no Brasil. Faltavam os indicadores mais triviais, mecanismos

    de incentivo e punio e as anlises que permitiriam a adoo de polticas e de

    programas efetivos. Naquele momento senti que no caberia mais a mim as

    crticas gratuitas de um cidado que sofre quotidianamente pela violncia, mas o

    peso da responsabilidade de contribuir (ainda que minimamente) para propor

    polticas pblicas efetivas. Com aquele convite o Prof. Luiz Eduardo Soares me

    abriu os olhos para um mundo a ser desbravado, a quem agradeo enormemente.

    Contudo, essa agenda de pesquisa no teria avanado se no fosse a motivao, a

    liderana intelectual e a generosidade de colegas do IPEA, como Ricardo Paes de

    Barros, Ronaldo Seroa da Motta, Lauro Ramos e Eustquio Reis. Desde ento,

    tenho tido o privilgio de trabalhar com meus amigos e parceiros Waldir Lobo,

    Alexandre Carvalho e Rute Rodrigues.

    Ao longo desse processo de aprendizado e de crescimento pessoal, percebi

    que me faltavam instrumentos, conhecimento e mtodos que me permitissem

    avanar. Foi assim que resolvi tentar ingressar num dos melhores programas de

    doutorado em economia do pas. Fui acolhido com generosidade pelos professores

    do Departamento de Economia da PUC-Rio, a quem sou profundamente grato,

    principalmente aos professores e orientadores Joo Manoel e Rodrigo Soares, que

    desde o princpio tanto me incentivaram e me mostraram novos caminhos; e com

    quem tanto tenho aprendido. Tive ainda o privilgio e o prazer de ter alguns dos

    mais brilhantes professores como: Gustavo Gonzaga; Vinicius Carrasco; Srgio

    Firpo; Juliano Assuno; Leonardo Rezende; Marcelo Abreu; e Walter Novaes.

    Contudo, devo admitir que voltar sala de aula aos 39 anos no foi uma

    tarefa muito fcil. A concluso do programa no teria sido possvel sem o apoio

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  • da minha esposa, Iara, e de meus filhos Conrado e Laura, a quem tantas horas

    subtra de convvio e ateno.

    No processo de elaborao da tese, contei com a colaborao e o incentivo

    de tantos professores, colegas e amigos que corro aqui um srio risco de omitir

    alguns nomes. O segundo captulo, sobre crimes e armas, no teria sido produzido

    se no fosse o grande incentivo e generosidade de Tlio Kahn, que me convenceu

    sobre a importncia do tema e que me forneceu uma preciosa base de dados sobre

    crimes e armas em So Paulo. Marcelo Durante outro colega a quem sou muito

    grato por ter compartilhado comigo a difcil tarefa de tentar obter dados pblicos

    (mas no publicados) de rgos como a Polcia Federal, o que uma tarefa

    extremamente rdua num pas com democracia incompleta como o Brasil.

    Vrios colegas do Ipea tambm contriburam com preciosas sugestes que me

    permitiram avanar no trabalho de pesquisa. Particularmente, sou grato a Marco

    Antnio Cavalcanti, Danilo Coelho, Carlos Henrique Corseuil, Miguel Foguel,

    Alexandre Samy, Daniel Santos, Carlos Octvio Ock, Maurcio Reis, Waldery

    Rodrigues, Camilo Laureto e Pedro Henrique Albuquerque. Agradeo, por fim,

    aos vrios colegas da PUC pelos anos de intenso convvio e colaborao; e aos

    Profs. Leonardo Resende, Claudio Ferraz, Leandro Piquet Carneiro e Fernando

    Veloso, alm dos orientadores, que aceitaram participar da banca de defesa desta

    tese e que me deram inmeras e frutferas sugestes que me ajudaram a aprimorar

    o trabalho.

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  • Resumo

    Cerqueira, Daniel Ricardo de Castro; de Mello, Joo Manoel Pinho (Orientador); Soares, Rodrigo Reis (Co-orientador). Causas e Consequncias do Crime no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. 168p. Tese de Doutorado - Departamento de Economia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    Um milho de homicdios no Brasil. Esta a triste marca a ser alcanada em 30

    anos de informaes disponveis. Quais os fatores demogrficos, socioeconmicos e relacionados ao sistema de justia criminal que explicam esse fenmeno? Quais so as conseqncias e os custos econmicos impostos pelo crime? A presente tese objetiva investigar essas duas questes. No primeiro captulo mostramos como a evoluo observada dos homicdios desde os anos 80 pode virtualmente ser explicada por sete fatores. Nesse captulo, em primeiro lugar, apontamos como o aumento vertiginoso da violncia letal na dcada de oitenta esteve associado estagnao, desigualdade socioeconmica e ao aumento da prevalncia de armas de fogo e de drogas ilcitas. Em segundo lugar, verificamos a reao da sociedade na busca pela auto-proteo que, nos anos noventa, fez crescer de forma substancial a indstria de segurana privada e de armas de fogo sem, contudo, deter a marcha acelerada dos homicdios. Por fim, mostramos como a reverso nesse cenrio, ocorrida a partir de 2001, pode ser explicada pela conjuno de alguns fenmenos: diminuio da desigualdade econmica; diminuio da proporo de jovens na populao; aumento no efetivo policial; aumento das taxas de encarceramento; e maior controle da demanda por armas de fogo. Nesse ltimo perodo, aparentemente, a diminuio dos homicdios s no foi mais significativa em face do aumento no consumo de drogas, que fez expandir os mercados ilcitos em vrios estados brasileiros. No Captulo 2, centramos ateno questo da arma de fogo. Nesse captulo fizemos uma ampla resenha crtica da literatura e elaboramos um modelo terico para entender os canais que relacionam a demanda por armas de fogo aos crimes violentos contra a pessoa e contra o patrimnio. Por fim, investigamos empiricamente a relao causal entre armas e crimes. Nessa anlise, utilizamos informaes sobre vrios tipos de delitos ocorridos em todos os municpios do Estado de So Paulo, de 2001 a 2007. Para identificar o efeito causal entre essas duas variveis, utilizamos como instrumento principal uma mudana de Lei, que se deu com a sano do Estatuto do Desarmamento. Os resultados evidenciaram um substancial efeito das armas de fogo sobre os crimes violentos, em particular sobre os homicdios (elasticidade em torno de 2,0). Por outro lado, no encontramos evidncias de qualquer efeito sobre outros crimes com motivao econmica, o que sugere a irrelevncia do eventual efeito da dissuaso pela vtima potencialmente armada. No Captulo 3, ns estimamos o custo de bem-estar da violncia letal no Brasil e analisamos como as heterogeneidades regionais, educacionais e de gnero afetam esse resultado. Na abordagem empregada, calculamos a disposio marginal a pagar para evitar o risco de morte prematura devido violncia. Os resultados, obtidos a partir de informaes das caractersticas de cada indivduo morto e de dados socioeconmicos e demogrficos da populao, indicaram que o custo de bem-estar da violncia letal representa 78% do PIB. Nossas anlises evidenciaram ainda que o emprego de dados agregados para efetuar tais clculos, sem levar em conta as heterogeneidades supramencionadas, pode conduzir a um vis de at um quarto do valor que seria obtido caso aquelas diferenas socioeconmicas fossem consideradas.

    Palavras-chave Causas do Crime; violncia; homicdios; Brasil; custo de bem-estar; polcia; arma

    de fogo; drogas ilcitas; ambiente socioeconmico; segurana pblica.

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  • Abstract Cerqueira, Daniel Ricardo de Castro; de Mello, Joo Manoel Pinho (Advisor); Soares, Rodrigo Reis (Co-advisor). Causas e Consequncias do Crime no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. 168p. Tese de Doutorado - Departamento de Economia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    As Brazil approaches the staggering 1-million-murder mark in just three decades,

    many challenging questions remain unanswered: What are the determinants of this phenomenon related to demographic, socioeconomic and Law enforcement issues? What are consequences and economic costs imposed by crime? This dissertation attempts to address these questions. In the first chapter of this thesis we show that, since the early 80s, the upward trend in homicides can be explained by seven factors. The increase of lethal violence in that period was associated with stagnation, socioeconomic inequality and a greater prevalence of weapons and illegal drugs. Secondly, we described the expansion of the businesses of private security and firearms during the nineties, which coincided with an increase in homicides rate. Finally, we showed how the reversal in murder rates which begun 2001, can be explained by the combination of several phenomena: a reduction of economic inequality, a decrease the proportion of young population, an increase in police force, an increase in the rates of incarceration, and a greater control of firearms. In this period, as we argue, the decrease in homicides was not greater due the increase in drug use, which lead to an expansion of the illicit markets in several states. In Chapter 2, we analyze the causal relationship between guns and crimes. First of all, we offer a critical review of the literature. Second, we develop a theoretical model to understand the channels linking demand for firearms to violent crimes against persons and against property. Finally, we investigate empirically the causal relationship between guns and crime, using data on various types of crimes occurred in all municipalities of So Paulo State, from 2001 to 2007. To identify the causal effect between these two variables, we used as instrumental variable the enactment of a "Disarmament Statute", which severely restricted rights to bear firearms. The results showed a substantial effect of firearms on violent crimes, especially homicide (elasticity around 2.0). Moreover, we found no evidence of any significant effects on other crimes with economic motivation, suggesting that the deterrence effect from armed victims is irrelevant. In Chapter 3, we estimated the welfare cost of lethal violence in Brazil. We analyzed too how the regional, educational and gender heterogeneities affect this result. In this approach, we calculated the marginal willingness to pay to avoid the risk of premature death due to violence. The results, obtained from information on the characteristics of each individual killed and socioeconomic and demographic data of the population, indicated that the welfare cost of lethal violence is 78% of GDP. Our analysis also showed that, without taking into account the aforementioned heterogeneities, the use of aggregate data to perform such calculations could result in a bias of up to one quarter of the value the total estimated welfare losses. Keywords

    Causes of crime; violence; homicides; Brazil; cost of welfare; police;

    firearms; illicit drugs; socioeconomic environment; public safety.

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  • Sumrio

    INTRODUO 11 CAPTULO I HOMICDIOS NO BRASIL: UMA TRAGDIA EM TRS ATOS

    15 1. Introduo

    16

    2. Crime e Homicdios: Fatores Causais

    20

    2.1. Os Fatores Candidatos a Explicar a Taxa de Homicdio no Brasil 20 3. Base de Dados Utilizada

    27

    4. Homicdios no Brasil: Uma Tragdia em Trs Atos

    31

    4.1. Primeiro Ato (1981 a 1990): A Dcada Perdida e a Falncia da Segurana Pblica

    34

    4.2. Segundo Ato (1990 a 2001): Cada Um Por Si ou o Crescimento da Indstria de Segurana Privada

    45

    4.3. Terceiro Ato (2001 a 2007): Resta Uma Esperana 52

    4.4. A Evoluo dos Homicdios nas Unidades Federativas, de 2001 a 2007

    55

    5. Concluses

    63

    6. Referncias

    68

    Anexos

    75

    CAPTULO II - MENOS ARMAS MENOS CRIMES

    77

    1. Introduo

    78

    2. Em Busca do Efeito Causal Entre Armas e Crimes

    82

    2.1. Correlao entre armas e crimes 82 2.2. Da Correlao para a Causalidade: Aspectos Metodolgicos 83 2.2.1. Proxies Utilizadas 83 2.2.2. Os Problemas de Simultaneidade, de Variveis Omitidas e de Erro de Medida

    85

    2.3. Mais Armas Causam Mais ou Menos Crimes? 87 3. Modelo Terico

    96

    3.1. Utilidade dos indivduos 96 3.2. Probabilidade associadas s escolhas 98 3.3. Esttica Comparativa 99

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  • 4. Abordagem Emprica 102 4.1. O Caso de So Paulo 103 4.2. Medida de Arma de Fogo Utilizada 106 4.3. Base de Dados 107 4.4. Modelo e Estratgia de Identificao 110 4.5. O Primeiro Estgio de Armas (proporo de suicdios por PAF) 114 4.6. Resultados 115 5. Concluses

    124

    6. Referncias

    127

    Anexos

    129

    CAPTULO III - CUSTO DE BEM-ESTAR DA VIOLNCIA LETAL NO BRASIL E DESIGUALDADES REGIONAIS, EDUCACIONAIS E DE GNERO

    130 1. Introduo

    131

    2. Medindo o Custo da Violncia

    133

    3. Modelo terico

    137

    4. Abordagem Emprica e Calibrao do Modelo

    141

    4.1. Base de Dados Utilizada 141 4.2. A Funo Sobrevivncia 145 4.3. Disposio Marginal a Pagar 147 5. Resultados

    150

    5.1. Resultados com Informaes Agregadas 150 5.2. Resultados com Informaes Discriminadas por Unidades Federativas (UF)

    151

    5.3. Resultados com Informaes Discriminadas por Gnero 152 5.4. Resultados com Informaes Discriminadas por Escolaridade 154 5.5. Resultados com Informaes Discriminadas por UF, Gnero e escolaridade

    156

    6. Concluses

    158

    7. Referncias

    160

    Anexos

    162

    CONCLUSES DA TESE

    163

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  • Introduo

    O perodo entre 1980 e 2003 foi marcado pelo crescimento acentuado,

    regular e sistemtico dos homicdios no Brasil. Apenas nos ltimos anos a marcha

    acelerada da violncia letal diminuiu em alguns estados sob a liderana de So

    Paulo. Porm, ainda hoje cerca de 47 mil vidas so perdidas a cada ano. Os

    direitos propriedade, livre circulao e liberdade de expresso no so

    garantidos em muitas regies do pas. Nas localidades mais violentas, o valor dos

    imveis diminui e, eventualmente, os negcios e a produo so prejudicados.

    No obstante o custo econmico da violncia e o drama vivido pela populao

    para fazer valer os seus direitos mais bsicos de cidadania, muito pouco se

    documentou em termos de indicadores precisos e confiveis de modo a

    permitir anlises consistentes, que gerem diagnsticos que venham a auxiliar a

    elaborao de polticas pblicas efetivas e eficientes.

    A presente tese antes de tudo um esforo para reunir informaes

    consistentes que possam contar a histria do crime nas ltimas dcadas, no Brasil.

    Pretendemos ainda, a partir da base de dados produzida, entender quais os fatores

    mais relevantes que ajudam a explicar o crescimento e a conteno desse

    fenmeno. Por outro lado, a partir de hipteses bastante conservadoras,

    calculamos o custo de bem-estar da violncia no Brasil.

    No Captulo 1, investigamos quais os principais fatores crimingenos,

    demogrficos e ambientais que esto associados dinmica dos homicdios no

    Brasil desde 1981, incrivelmente, um tema ainda pouco estudado pela academia1.

    Em particular, procuramos entender como a prevalncia das armas de fogo, a

    expanso dos mercados ilcitos de drogas e o consumo de bebidas alcolicas

    podem ter contribudo para o crescimento dos homicdios. Por outro lado, qual a

    resposta do Estado em termos do contingente policial empregado e em termos da

    efetividade do sistema para aprisionar os criminosos e conter o processo de

    aumento das taxas de homicdios em curso?

    1 Ou talvez, exatamente, uma conseqncia da ausncia de dados confiveis e consistentes, que afugenta os pesquisadores empricos.

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  • 12

    Nesse captulo, com base na literatura de economia do crime e com base

    em vrios indicadores que coletamos e formulamos, analisamos quais os

    potenciais fatores que mais influenciaram a dinmica dos homicdios nas ltimas

    trs dcadas. Esse captulo, portanto, procura contribuir com a literatura sob duas

    dimenses. Em primeiro lugar, por constituir um esforo para recuperar e elaborar

    informaes e indicadores inditos, que so absolutamente bsicos para qualquer

    anlise sobre as causas do crime2. Por outro lado, esse artigo pretende preencher

    uma lacuna, ao tentar dimensionar a importncia dos fatores que afetaram a

    dinmica dos homicdios e como o grau de importncia desses fatores foi alterado

    ao longo do tempo no Brasil e entre as unidades federativas. Para levar a cabo

    essa tarefa, alm de resgatar informaes sobre o efetivo policial e

    encarceramento desde a dcada de oitenta, elaboramos algumas medidas proxies

    para a profuso de armas de fogo e ingesto de drogas ilcitas e bebidas alcolicas,

    o que absolutamente indito para o Brasil.

    Neste primeiro captulo, em primeiro lugar, argumentamos como o

    aumento da violncia letal na dcada de 80, esteve associado s grandes mazelas

    socioeconmicas vividas, refletidas em termos da estagnao da renda e aumento

    paulatino da desigualdade social, que suplantaram um combalido sistema de

    segurana pblica. Segundo os dados revelam, o perceptvel aumento da

    impunidade associado ao aumento da demanda por drogas ilcitas e a aumento da

    prevalncia das armas de fogo, contribuiu para o substancial crescimento dos

    homicdios na virada da dcada e para a continuidade da marcha acelerada dos

    homicdios nos anos 90. Ante a ineficcia de um aparelho de segurana pblica

    despreparado para os grandes desafios da complexa violncia urbana, a sociedade

    reagiu do modo possvel, fazendo prosperar a indstria de segurana privada e a

    indstria de armas de fogo. A partir dos anos 2000, uma espcie de ciclo virtuoso

    teve incio o que fez com que a taxa de homicdios diminusse em 11 estados. De

    fato, alm da mudana de nfase no debate sobre as polticas pblicas, que

    envolveu o Governo Federal e governos municipais, vrios outros fatos

    ocorreram. A desigualdade social diminuiu consistentemente, junto com o

    2 Por exemplo, qualquer anlise desse tipo deveria conter informaes sobre o efetivo policial, a taxa de encarceramento, a demanda por armas, lcool e drogas ilcitas, entre outras. Contudo, no obstante a importncia do problema, incrivelmente, no h qualquer artigo que aponte dados sobre qualquer um desses indicadores para o Brasil da dcada de oitenta e noventa.

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  • 13

    aumento da renda e do emprego. Ao mesmo tempo, vrios estados, inclusive So

    Paulo, assistiram a uma diminuio relativa da coorte dos jovens na populao.

    Aliado s melhorias no campo do debate poltico e nas questes socioeconmicas

    e demogrficas, o aumento das despesas em segurana pblica que se seguiu nos

    anos 2000 parece ter surtido algum efeito, tendo em vista o aumento das taxas de

    encarceramento e de condenaes a penas alternativas. Por fim, o Estatuto do

    Desarmamento, uma Lei nacional de controle e restrio ao acesso e uso de armas

    de fogo, de alguma forma ajudou a conter o crescimento na demanda das mesmas.

    O grande problema observado no perodo refere-se ao aumento do consumo de

    drogas psicoativas proibidas, em particular do crack, que ensejou ao crescimento

    de mercados ilcitos principalmente nos estados do nordeste. Ainda assim, a

    despeito da questo das drogas, a melhoria observada nos demais indicadores

    contribuiu para que aps 11 anos consecutivos de aumento na taxa de homicdios

    essa comeasse a retroceder.

    No segundo captulo nos dedicamos, exclusivamente, a entender o papel

    causal da difuso das armas de fogo em relao aos crimes violentos e contra a

    propriedade. Para tanto, centramos nossa ateno no caso de So Paulo, por dois

    motivos. Em primeiro lugar, o estado de So Paulo foi o que logrou obter a mais

    significativa queda na taxa de homicdios no pas, o que constitu, alis, um

    verdadeiro case internacional de sucesso, comparvel a Bogot e Nova Iorque.

    Em segundo lugar, o motivo mais contundente, So Paulo um dos raros estados

    brasileiros que possuem uma base de dados de crimes, consistente, confivel, por

    municpio e mensal.

    Portanto, esse captulo conjuga, de certa forma, dois temas explosivos: o

    papel causal da arma de fogo sobre crimes e o mistrio de So Paulo. H uma

    enorme controvrsia sobre se armas causam mais ou menos crimes, sobretudo nos

    EUA. Pelo lado daqueles que procuram evidenciar a relao mais armas mais

    crimes, alguns dos trabalhos mais importantes so devidos a: Duggan (2001);

    Sherman; Shaw e Rogan (1995); Stolzenberg e DAlessio (2000); McDowall

    (1991); McDowall e Loftin (1983); Cook (1979, 1983); Newton & Zimring

    (1969); Sloan et al. (1988) e Ludwig (1998); entre outros. No outro front,

    daqueles que procuram demonstrar que mais armas, menos crimes, h Lott,

    Plassmann e Whitley (2002), Lott (1998), Lott e Mustard (1997), Wright e Rossi

    (1986), Kleck (1997), e Bartley e Cohen (1998).

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  • 14

    Devido a nfase do governo paulista, desde o final dos anos 90, de

    desarmar o estado, com a priorizao das apreenses de armas de fogo em

    situao ilegal, e tambm ao Estatuto do Desarmamento, intitulamos esse segundo

    captulo como: Menos Armas Menos Crimes. Neste trabalho o propsito foi o

    de testar duas hipteses: i) a disponibilidade de armas faz aumentar os crimes

    violentos? ii) a disponibilidade de armas faz diminuir os crimes contra a

    propriedade?

    Para analisar as duas questes propostas tivemos que elaborar uma

    estratgia de identificao que contornasse os problemas de endogeneidade

    presentes, alm de superar o problema da inexistncia de uma varivel observada

    para a disponibilidade de armas. De fato, mesmo nos EUA, a principal varivel de

    interesse no observvel, o que fez com que muitos autores utilizassem proxies

    para o estoque de armas de fogo nas localidades de validade bastante discutvel,

    como o nmero de revistas vendidas especializadas em armas de fogo3 [Moody e

    Marvell, 2002; Duggan, 2001], ou mesmo a produo e importao de armas de

    fogo [Kleck, 1979]. Para alm da controvrsia sobre qual a melhor medida para

    arma de fogo, h ainda o problema da simultaneidade e de variveis no

    observadas nas localidades, que podem ser fixas ou variveis no tempo e podem

    ou no se correlacionar com a varivel de interesse (armas), que fazem com que

    os estimadores obtidos pelo mtodo dos mnimos quadrados sejam viesados e

    inconsistentes.

    Para superar esses obstculos, formulamos uma medida proxy para difuso

    de armas de fogo nos municpios, sendo ela a proporo de suicdios por

    Perfurao de Arma de Fogo (PAF), em relao ao total de suicdios. Para

    contornar os problemas de endogeneidade propusemos um conjunto instrumentos,

    construdos a partir de trs variveis, sendo eles: o Estatuto do Desarmamento

    (ED); a prevalncia mdia de armas em 2003 (antes da introduo do ED); e o

    tamanho das cidades. O uso dos instrumentos permitiu-nos explorar a dimenso

    temporal e cross-section da variao dos crimes e das armas nos municpios

    paulistas. Com base nas proxies e nos instrumentos formulados examinamos o

    3 Refere-se s quatro revistas especializadas em armas, de maior circulao nos EUA: American Rifleman, American Hunter, American Handgunner e Guns & Ammo.

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  • 15

    papel das armas sobre vrios tipos de crimes violentos contra a pessoa e contra a

    propriedade.

    A nossa hiptese identificadora que o Estatuto do Desarmamento (ED),

    uma Lei nacional4 sancionada em 22/12/2003, funcionou como um choque

    exgeno disponibilidade de armas nos municpios. Por outro lado, esperamos

    que o efeito do ED fosse mais efetivo nas cidades onde a demanda por armas era

    maior antes da aplicao da Lei. Ainda, admitimos ainda que a prevalncia de

    armas dependa do tamanho das cidades.

    Entre os resultados encontrados, conforme o prprio ttulo do trabalho

    sugere, estimamos que a mdia das elasticidades estimadas da arma de fogo aos

    homicdios gira em torno de 2,0. Por outro lado, no encontramos evidncias que

    os crimes contra a propriedade sejam afetados pela maior ou menos

    disponibilidade de arma pela populao.

    Por fim, no terceiro captulo, ns estimamos o custo de bem-estar da

    violncia letal no Brasil e analisamos como as heterogeneidades regionais, de

    gnero e de escolaridade afetam esse resultado. Para tanto, ns aplicamos um

    abordagem de disposio marginal a pagar para evitar o risco de morte prematura

    devido violncia, na linha dos trabalhos de Rosen (1988), Murphy e Topel

    (2003) e Soares (2006). Os clculos foram baseados em informaes das

    caractersticas de cada indivduo morto e em dados socioeconmicos e

    demogrficos da populao. Nossos resultados indicaram haver uma significativa

    perda de bem-estar devido diminuio na expectativa de vida que, na mdia,

    subtrai 0,7 ano de cada brasileiro. Segundo as estimativas, o custo de bem-estar da

    violncia representa o equivalente a 78% do PIB, ou um custo anual de 2,3% do

    PIB. Nossas anlises indicaram ainda que o emprego de dados agregados para

    efetuar tais clculos, sem levar conta as heterogeneidades supramencionadas, pode

    conduzir a um vis de at um quarto do valor que seria obtido caso aquelas

    diferenas socioeconmicas fossem consideradas.

    4 Lei 10.826, de 22/12/2003.

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  • CAPTULO I HOMICDIOS NO BRASIL: UMA TRAGDIA EM TRS ATOS

    Resumo

    No obstante a tragdia social que representa a violncia letal no Brasil nas

    ltimas trs dcadas, ainda hoje muito pouco se sabe para compor um quadro que

    permita a compreenso dos fatores que impulsionaram a sua evoluo. Nesse

    trabalho elaboramos uma base de dados indita com informaes sobre efetivo

    policial, taxas de encarceramento, prevalncia de armas de fogo, de drogas ilcitas

    e de ingesto de bebidas alcolicas, entre outras. Em segundo lugar, investigamos

    a importncia potencial dos fatores socioeconmicos, demogrficos, de justia

    criminal e crimingenos para explicar a evoluo da taxa de homicdios no Brasil,

    desde a dcada de 80. Alm disso, analisamos a importncia dos mesmos para

    explicar a heterogeneidade na evoluo dos homicdios entre as unidades

    federativas a partir de 2001. Os resultados de nossa anlise indicaram no haver

    um puzzle acerca do crescimento e, nos ltimos anos, da queda dos homicdios no

    Brasil, mas que a teoria e o conhecimento disponveis do conta de explicar cerca

    de 66% da variao da taxa de homicdios nas ltimas trs dcadas. A importncia

    de cada um desses elementos mudou de forma substancial a cada perodo

    analisado. Ainda, os resultados indicaram estar em curso um processo de

    convergncia das taxas de homicdios nas unidades federativas brasileiras,

    potencialmente, impulsionado pelo alastramento dos mercados de drogas ilcitas

    para novas regies do pas.

    Palavras-chave: homicdios; Brasil; armas; drogas; demografia; encarceramento

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  • 1 Introduo

    O ministrio da sade adverte: um milho de homicdios no Brasil. Esta

    a triste marca a ser alcanada em 30 anos de informaes disponveis, segundo a

    nica base de dados confivel sobre incidentes violentos e que cobre toda a

    extenso nacional5. Tal indicador coloca o Brasil no seleto grupo de pases mais

    violentos do mundo, ao lado de algumas naes africanas e outras da Amrica

    Latina.

    No obstante a dimenso do problema, contudo, esse um tema ainda

    pouco estudado. Qual o papel dos fatores crimingenos, demogrficos e

    ambientais que esto associados dinmica dos homicdios no Brasil desde 1980?

    Em particular, como a prevalncia das armas de fogo e a expanso dos mercados

    ilcitos de drogas concorreram para o crescimento dos homicdios? Qual a

    resposta do Estado em termos do contingente policial empregado e em termos da

    efetividade do sistema para aprisionar os criminosos e conter o processo de

    aumento das taxas de homicdios em curso?

    O objetivo desse captulo consiste em reconstituir a histria dos

    homicdios no Brasil desde os anos oitenta e analisar em que grau os fatores

    socioeconmicos, demogrficos, de justia criminal e crimingenos podem ter

    influenciado esse fenmeno. A anlise desenvolvida tem por inspirao trabalhos

    anlogos feitos para outros pases, como em Levitt (2004), Soares e Naritomi

    (2009) e Zimring (2007). A contribuio desse artigo se d em duas dimenses.

    Em primeiro lugar, por constituir um esforo para recuperar e elaborar

    informaes e indicadores inditos sobre crime no Brasil6. Por outro lado,

    pretendemos preencher uma lacuna na literatura, ao tentar dimensionar a

    5 Estamos nos referindo ao Sistema de Informaes de Mortalidade (SIM), organizado pelo Ministrio da Sade, com dados desde 1979, e que segue a metodologia adotada pela Organizao Mundial de Sade. A previso que tenha havido cerca de um milho de homicdios entre 1980 e 2009. Porm os ltimos dados disponveis do SIM so de 2007. 6 Por exemplo, qualquer anlise desse tipo deveria conter informaes sobre o efetivo policial, a taxa de encarceramento, a demanda por armas, lcool e drogas ilcitas, entre outras. Contudo, no encontramos qualquer artigo que aponte dados sobre qualquer um desses indicadores para o Brasil da dcada de oitenta e noventa.

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  • 18

    importncia potencial dos fatores que afetaram a dinmica dos homicdios nas

    ltimas trs dcadas no pas.

    O presente captulo est organizado em mais quatro sees, alm dessa

    introduo. Na Seo 2 discutimos o papel dos elementos causais do crime e, em

    particular, dos homicdios. Na Seo 3 apresentamos a base de dados empregada

    em nossa anlise, onde detalhamos o mtodo utilizado para a elaborao de seis

    indicadores inditos no Brasil (de 1981 a 2007), sendo eles: Indicador de taxa de

    efetivo policial (por 100 mil habitantes); taxa de encarceramento; taxa de efetivo

    da segurana privada; indicador da taxa de consumo de drogas ilcitas; indicador

    da taxa de consumo de bebidas alcolicas; e indicador da prevalncia de armas de

    fogo. Na quarta seo, analisamos a dinmica dos homicdios nas ltimas dcadas.

    Essa seo, por sua vez, est subdividida em quatro partes, onde

    descrevemos, em primeiro lugar, o aumento da violncia letal na dcada de 80,

    que foi marcada por grandes mazelas socioeconmicas, refletidas em termos da

    estagnao da renda e do aumento paulatino da desigualdade social. Nesse

    perodo, a despeito do aumento do efetivo policial, observou-se uma deteriorao

    no sistema de justia criminal, caracterizada pela paulatina diminuio

    proporcional nas condenaes de homicidas. Na segunda parte, mostramos como

    o aumento na demanda por armas de fogo e por drogas ilcitas ocorreu pari passu

    com o crescimento dos homicdios na virada da dcada e durante os anos noventa,

    momento em que a indstria de segurana privada prosperou. Na terceira parte,

    discutimos a reverso do quadro de piora da violncia letal que seu deu aps a

    virada do sculo. A partir de 2000 os governos federal e municipais comearam a

    atuar mais decisivamente nas questes de segurana pblica. Alm da mudana na

    nfase da poltica pblica, as condies socioeconmicas melhoraram ao mesmo

    tempo em que se observou uma diminuio relativa da coorte dos jovens na

    populao. Nesse perodo houve ainda um aumento na taxa de crescimento do

    encarceramento e das condenaes a penas alternativas. Por fim, para completar o

    cenrio favorvel, se conseguiu proceder a um relativo controle na difuso das

    armas de fogo. O grande problema observado neste ltimo perodo refere-se ao

    crescimento do mercado de drogas psicoativas ilcitas. Ainda assim, aps 11 anos

    consecutivos de aumento na taxa de homicdios essa comeou a retroceder. Na

    quarta parte, analisamos o padro de homicdios desde 2001, no nvel das

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  • 19

    unidades federativas, de modo a tentar compreender as similaridades e diferenas

    que impulsionaram a evoluo das taxas de homicdios nas vrias regies do pas.

    Na ltima seo seguem as concluses principais, quando levantamos

    algumas questes ainda em aberto.

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  • 2 Crime e Homicdio: Fatores Causais

    Metodologicamente, h que se reconhecer que o fenmeno dos homicdios

    contm, na verdade, inmeras subcategorias de diferentes fenmenos criminais,

    cuja motivao para o perpetrador pode variar enormemente, como nas questes

    que envolvem honra e crimes passionais, preconceitos homofbicos, raciais e de

    gnero, ganhos econmicos, distrbios psquicos, entre outros.

    Os homicdios podem ser causados por diversos fatores presentes em

    diferentes instncias7. No plano individual, vrias disfunes psquicas, ou

    biolgicas podem estar associadas a um histrico de vida familiar para motivar o

    indivduo a cometer assassinatos. Por outro lado, as associaes e relaes

    pessoais podem explicar determinados incidentes com vtimas fatais, que no

    ocorreriam em outros contextos. Ainda, os conflitos interpessoais e o uso da

    violncia letal podem ser largamente influenciados pela presena de fatores

    crimingenos como armas e drogas psicotrpicas. Condicionando as aes dos

    indivduos h os elementos estruturais de ordem social, econmica e demogrfica,

    como renda, desigualdade socioeconmica, adensamento populacional e estrutura

    etria. Por fim h a ao coercitiva do Estado para prevenir e reprimir o crime, por

    meio do sistema de justia criminal. A seguir, discutiremos alguns dos fatores que

    influenciam na deciso dos indivduos pelo uso da violncia, que sero objeto de

    nossa anlise neste trabalho.

    2.1 Os Fatores Candidatos a Explicar a Taxa de Homicdio no Brasil

    Um dos objetivos do presente captulo investigar o grau de importncia

    potencial de determinados fatores para explicar a evoluo das taxas de

    homicdios no Brasil desde os anos oitenta, bem como sua regularidade entre as

    7 Para uma discusso mais aprofundada sobre os arcabouos tericos em etiologia criminal, ver Cerqueira e Lobo (2004a).

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  • 21

    unidades federativas. Os fatores considerados, que discutiremos abaixo, so

    aqueles em que h maior consenso segundo a literatura especializada.

    No primeiro grupo de potenciais fatores explicativos, inclumos as

    variveis socioeconmicas. Em particular, consideramos a renda e a desigualdade

    de renda. De fato, sobre o papel dessas variveis para condicionar crimes existe

    uma larga tradio nas abordagens de fundo sociolgico, desde Merton (1938)

    [strain theory], passando por Sutherland (1973 [1942]) [aprendizado social] e

    Hirschi (1969) [controle social]. Conforme apontado por Messner e Rosenfeld

    (2001), a baixa obteno de renda relativa, para indivduos residentes numa

    localidade, representaria um indicador de barreiras estruturais ao acesso universal

    dos meios econmicos para atingir o ideal de sucesso. A frustrao e o stress

    gerado pela privao relativa constituiriam os principais motivos para cometer

    crimes, inclusive os que resultam em homicdios por razes interpessoais ou

    interesses econmicos. Vrios autores que se basearam nessa abordagem terica

    documentaram empiricamente a relao entre desigualdade de renda e crimes

    violentos, como Blau e Blau (1982), Messner (1989) e Pratt e Godsey (2003). A

    abordagem racional do crime, desenvolvida primeiro por Becker (1968), que

    centra a ateno na anlise do benefcio e custo esperado de cometer crimes,

    tambm imputou grande nfase ao papel da renda e da desigualdade de renda.

    Conforme apontado por Becker, existem basicamente dois conjuntos de fatores

    que condicionam o comportamento do potencial criminoso. De um lado, a favor

    do crime, inserem-se as oportunidades no mercado criminal que tem relao com

    a desigualdade de renda8. Jogando contra o crime existem fatores como o salrio

    no mercado de trabalho legal (que constitui o custo de oportunidade para

    participar do mercado criminal) e os elementos dissuasrios (deterrence), como a

    eficincia do aparelho policial, a probabilidade de punio e a dureza das penas.

    Vrios estudos empricos sob orientao da escolha racional foram feitos, em que

    se investigou a relao do crime com: renda, desigualdade, dissuaso policial,

    demografia e urbanizao, entre outras variveis. Alguns trabalhos que

    destacamos so devidos a Ehrlich (1973), Wolpin (1978), Freeman (1994), Zhang

    8 A idia quanto maior a desigualdade, maior a diferena esperada de renda entre os indivduos nos estratos inferiores e superiores de renda e, portanto, maior o ganho esperado relativo expropriao pelos menos afortunados (no mercado de crimes contra a propriedade).

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  • 22

    (1997), Entorf e Spengler (2000), Fajnzylber, Lederman e Loayza (2002), Soares

    (2004) e Cerqueira e Lobo (2004b).

    Outro importante determinante do crime se relaciona estrutura

    demogrfica e de gnero da populao, mais especificamente proporo de

    homens jovens na populao. Um resultado consagrado nos estudos sobre

    etiologia criminal que o crime no uma constante no ciclo de vida do indivduo

    [Thorneberry (1996 p.200)]. As estatsticas e padres internacionais mostram

    ainda que a maior prevalncia de ofensas criminais ocorre no apenas na

    juventude, mas ainda para os indivduos do sexo masculino. Esses padres que

    relacionam idade e gnero do perpetrador, foram descritos em vrios trabalhos,

    como em Graham e Bowling (1995) e Flood-Page et al. (2000). Em igual medida,

    os jovens do sexo masculino tambm so os mais vitimados, de acordo com os

    padres e estatsticas internacionais, conforme descrito por Legge (2008) e

    Hunnicutt (2004). Segundo Hirschi e Gottfredson (1983), a relao entre idade e

    crime seria um dos poucos fatores invariantes entre as condies sociais e

    culturais em todos os grupos sociais e em todos os tempos. Mello e Schneider

    (2004) argumentaram que a dinmica da estrutura etria ocorrida no Estado de

    So Paulo nos anos 1990 e 2000 foi um dos fatores principais que explica o

    crescimento dos homicdios na dcada de 90 e a queda nos anos seguintes.

    Segundo os autores, a elasticidade da proporo de jovens entre 15 e 24 anos na

    populao em relao s taxas de homicdios igual a 4,5.

    Num terceiro grupo de fatores, consideramos algumas variveis que esto

    associadas ao funcionamento do sistema de justia criminal para conter e prevenir

    o crime, entre as quais se inserem o efetivo policial, as despesas reais em

    segurana pblica e a taxa de encarceramento. Desde os anos setenta, vrios

    autores procuraram estimar a correlao entre polcia e crime, dentre eles

    Greenwood, Petersilia e Chaiken (1977), Kelling et alii (1974) e Spelman e

    Brown (1984), que no conseguiram demonstrar que a proviso de efetivo policial

    levaria ao aumento do aprisionamento e diminuio da criminalidade. Contudo,

    uma questo central no resolvida por todos os estudiosos que procuraram at

    ento estimar o efeito do policiamento diz respeito ao problema de endogeneidade

    motivado no apenas pela omisso de variveis relevantes, mas ainda pelo

    problema de simultaneidade, tendo em vista que os gestores da segurana pblica

    respondem ao aumento do crime. Para contornar tais problemas de endogeneidade

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  • 23

    Levitt (1997, 2002) desenvolveu uma estratgia de identificao com o uso de

    variveis instrumentais e obteve estimativas da elasticidade do efetivo policial

    per-capita em relao aos crimes violentos e aos crimes contra o patrimnio,

    respectivamente, de 0,435 e 0,501. interessante notar que vrios autores que

    buscaram identificar a relao entre crimes e polcia, encontraram elasticidades

    bastante prximas. Por exemplo, Marvell e Moody (1996) encontraram uma

    elasticidade de -0,30 em relao a um ndice total de crimes e Corman e Mocan

    (2000) encontraram uma elasticidade mediana, para vrios tipos de crime, igual a

    0,452.

    O efeito da taxa de encarceramento adviria dos canais incapacitao dos

    criminosos aprisionados e dissuaso ao crime para potenciais perpetradores.

    Novamente, a grande dificuldade de se mensurar os efeitos do encarceramento se

    relaciona aos problemas de endogeneidade. Uma soluo engenhosa para

    contornar essa questo foi empregada por Levitt (1996), que utilizou a ocorrncia

    do status de overcrowding litigation9, no sistema prisional de determinado

    estado americano, como instrumento para a populao carcerria. Nesse trabalho,

    Levitt estimou que a elasticidade da taxa de encarceramento em relao taxa de

    crimes violentos e em relao aos crimes contra a propriedade era igual a -0,379 e

    -0,261, respectivamente.

    Por fim, consideramos os elementos crimingenos discutidos na literatura,

    entre os quais a demanda por drogas ilcitas, por bebidas alcolicas e por armas de

    fogo. Conforme apontado por Goldstein (1987) e Resignato (2000), as drogas

    psicoativas ilcitas se relacionam com os crimes violentos, e em particular com os

    homicdios, potencialmente, como conseqncia de seus efeitos

    psicofarmacolgicos; da compulso econmica; e sistmicos. Enquanto nas duas

    primeiras categorias a violncia perpetrada pelo prprio usurio de drogas, no

    ltimo caso essa associada proibio, coero do Estado, disputas pelo

    controle do mercado de drogas ilcitas, e mecanismos para garantir a

    executabilidade de contratos.

    Conforme j documentado por inmeros estudos, os efeitos txicos do uso

    prolongado de drogas ou de sua dosagem excessiva podem levar o indivduo

    9 O status de overcrowding litigation no sistema prisional de determinado estado uma determinao judicial que decorre de algum litgio, acerca da superpopulao carcerria em determinado estado.

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  • 24

    irritabilidade, comportamentos violentos, delrios persecutrios e psicoses [Bickel

    e DeGrandpre (1996), Campbellce Stark (1990), entre outros]. Ainda assim, so

    poucas as evidncias empricas que atribuem ao uso das drogas e de seus efeitos

    emocionais e mentais sobre os indivduos a causa da violncia. [Goldstein

    (1987)]. Por outro lado, possvel que a presena de variveis omitidas, como o

    comportamento desviante do indivduo, seja o fator que leva a atos de violncia e,

    simultaneamente, ao consumo e dependncia de drogas. Os crimes violentos

    associados compulso econmica derivam da necessidade dos usurios obterem

    os recursos necessrios para manter o consumo, na ausncia ou esgotamento de

    suas posses legtimas. Contudo, segundo as evidncias disponveis, os crimes com

    motivao econmica levados a cabo pelos usurios no so violentos, conforme

    documentaram Goldstein (1987) e Kaplan (1983).

    Os fatores sistmicos dizem respeito aos elementos ocasionados pela

    interao entre proibio e coero do Estado para suprimir o mercado de drogas.

    A renda econmica gerada constitui o incentivo para que firmas e traficantes

    rivais disputem o mercado, utilizando como instrumento a violncia. Alm dos

    homicdios que podem resultar das guerras entre as gangues e grupos rivais, a

    ausncia de contratos executveis em corte faz com que a violncia e o medo

    funcionem como o principal instrumento para disciplinar comportamentos

    desviantes e fraudes levadas a cabo pelos prprios participantes de um mesmo

    grupo; para retaliar; para garantir a punio de devedores; e, de modo geral, para

    alinhar os interesses e garantir os direitos de propriedade das firmas instaladas,

    conforme discutido por Schelling (1971). H tambm a violncia levada a cabo

    pelo prprio Estado, que pode fazer vtimas que participam ou no do mercado

    ilegal. Por fim existem os efeitos indiretos que contribuem para o aumento da

    violncia, conforme discutido por Benson e Rasmussen (1991), que argiram que

    a violncia gerada pelos fatores sistmicos deslocam a alocao de recursos

    policiais para coibir as atividades do trfico de drogas, fazendo com que menos

    recursos sejam orientados para prevenir e controlar outros tipos de crime, o que

    faz diminuir a probabilidade de aprisionamento desses delitos. Por outro lado,

    para que o negcio de drogas ilcitas continue operando, muitas vezes, a renda a

    gerada compartilhada com agentes do prprio sistema de justia criminal, na

    atividade de pagamento de propinas. Com a corrupo dominando segmentos

    policiais, a produtividade do trabalho de polcia fica comprometida, fazendo com

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  • 25

    que as taxas de aprisionamento e de elucidao de crimes tornem-se ainda

    menores, o que estimula os demais segmentos criminais. Goldstein (1987)

    encontrou que dentre todos os homicdios relacionados a drogas, 74% eram

    devidos a fatores sistmicos. Benson et al. (1992) apontaram alguma evidncia de

    que o aumento do crime contra a propriedade na Flrida so parcialmente

    resultantes do redirecionamento de recursos para a poltica anti-drogas. Resignato

    (2000) encontrou fraca correlao entre crimes violentos e efeitos

    psicofarmacolgicos e compulso econmica dos usurios de drogas, mas achou

    alguma evidncia da relao entre crimes violentos e os efeitos sistmicos

    associados proibio e combate s drogas. De Mello (2010) estimou uma forte

    elasticidade entre o trfico de drogas e crimes violentos e levantou evidncias que

    tal relao seria devida aos efeitos sistmicos, melhor do que decorrente dos

    efeitos psicofarmacolgicos e de compulso econmica pelo uso de drogas.

    No que diz respeito especificamente s bebidas alcolicas, basicamente

    trs estratgias de investigao foram tomadas pelos pesquisadores que

    procuraram relacionar a sua ingesto violncia e, em particular, aos homicdios.

    Alguns autores, como Dearden e Payne (2009), procuraram analisar as

    caractersticas situacionais associadas aos incidentes envolvendo a ingesto de

    lcool e homicdios. Outros autores investigaram a relao entre o consumo de

    lcool e homicdios a partir de uma anlise quantitativa com dados agregados por

    localidade, entre os quais Rossow (2001), Parker e Cartmill (1998), Rossow

    (2004), Pridemore (2004), Stickley e Carlson (2005) e Razvodsky (2008). Por

    fim, em alguns poucos trabalhos, se explorou eventuais mudanas de legislao

    para tentar identificar a relao causal entre consumo de lcool e homicdios,

    como foi o caso de Parker e Rebhun (1995), Kivivuori (2002) e Biderman, De

    Mello e Schneider (2009).

    Finalmente, a relao entre a prevalncia das armas de fogo e crimes tem

    sido objeto de inmeras investigaes ao longo das ltimas dcadas. Alguns

    estudos cross-coutry procuraram evidenciar a correlao positiva entre armas,

    suicdios e homicdios. Por exemplo, Lester (1991) encontrou que, com base em

    informaes de 16 naes europias, existe uma alta correlao entre homicdios

    por Perfurao de Arma de Fogo (PAF) e duas medidas de proxy de difuso de

    armas de fogo nos pases, sendo elas a proporo de suicdios por PAF e a taxa de

    acidentes fatais envolvendo o uso de armas de fogo. Killias (1993) tambm

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  • 26

    evidenciou a correlao positiva entre a disponibilidade de armas de fogo e taxas

    de homicdio e suicdio por PAF para 14 pases diferentes. Para alm da

    correlao, inmeros artigos procuraram identificar uma relao causal do tipo

    mais armas mais crimes, como Duggan (2001), Sherman, Shaw e Rogan (1995),

    Stolzenberg e DAlessio (2000), McDowall (1991), McDowall et al. (1995), Cook

    e Ludwig (1998, 2002), Newton & Zimring (1969), Sloan et al. (1988) e Ludwig

    (1998), entre outros. O captulo II dessa tese dedicado especificamente a esse

    tema, onde identificamos uma relao causal positiva entre a difuso de armas de

    fogo e crimes violentos no estado de So Paulo.

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  • 3 Base de Dados Utilizada

    A histria dos homicdios no Brasil nas ltimas trs dcadas possui uma

    grande lacuna ocasionada pela inexistncia de sries de dados absolutamente

    cruciais para a anlise dos eventos criminais. Por exemplo, no conhecemos

    qualquer trabalho publicado que utilize na anlise emprica (relativa s dcadas de

    oitenta e noventa no pas) sries temporais sobre: efetivo policial; taxas de

    encarceramento; efetivo da segurana privada; consumo de drogas ilcitas e de

    lcool; e prevalncia de armas de fogo. A indisponibilidade desses dados mais

    triviais foi um dos fatores principais que alimentaram o desconhecimento dos

    fenmenos criminais e permitiram a proliferao de inmeros mitos sobre a

    segurana pblica no Brasil [Cerqueira et al (2007)]

    O maior esforo despendido neste trabalho foi justamente de resgatar

    informaes de vrias fontes diferentes parara produzir sries estatsticas como as

    descritas acima. Nesse processo, utilizamos informaes provenientes de sete

    fontes: i) Censos Populacionais do IBGE (1991 e 2000); ii) Pesquisas Nacionais

    por Amostra de Domiclios do IBGE (1981 a 2007); iii) Anurios Estatsticos do

    Brasil, do IBGE (vrios anos); iv) Informaes do Departamento Penitencirio

    Nacional, do Ministrio da Justia (DEPEN/MJ); v) Informaes de Execuo

    Oramentria da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministrio da Fazenda;

    vi) Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS) do Ministrio do Trabalho e

    Emprego; e vii) Sistema de Informao de Mortalidade do Ministrio da Sade

    (1981 a 2007). As duas primeiras fontes de informaes foram utilizadas na

    construo das variveis socioeconmicas e demogrficas. As seis primeiras

    fontes foram utilizadas para obter informaes sobre o sistema de justia criminal

    e sobre a segurana privada. A ltima fonte de informao foi utilizada para obter

    os dados de homicdios e as proxies para armas, drogas e lcool, que explicaremos

    a seguir.

    Os indicadores, inditos no Brasil, que foram produzidas nesse trabalho

    (para o perodo de 1981 a 2007) so:

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  • 28

    1) Indicador de taxa de efetivo policial (por 100 mil habitantes);

    2) Taxa de encarceramento (por 100 mil habitantes);

    3) Taxa de efetivo da segurana privada (por 100 mil habitantes);

    4) Indicador da taxa de consumo de drogas ilcitas (por 100 mil habitantes);

    5) Indicador da taxa de consumo de bebidas alcolicas (por 100 mil

    habitantes); e

    6) Indicador da prevalncia de armas de fogo.

    Alm dos indicadores acima apontados, empregamos sries

    socioeconmicas e demogrficas, gastos reais em segurana pblica e resgatamos

    informaes sobre encarceramento e condenaes por tipo de delito, para a dcada

    de oitenta.

    Especificamente, dentre os indicadores demogrficos e socioeconmicos,

    alm da populao residente e do contingente populacional de homens jovens de

    15 a 24 anos, utilizamos a renda domiciliar per capita e a desigualdade de renda,

    medida pelo ndice de Gini.

    Para acompanhar o esforo por proviso de segurana pblica,

    empregamos trs indicadores. Para a dcada de oitenta obtivemos informaes

    sobre o efetivo das polcias civil e militar, a cada ano. Contudo, como essa

    informao s existe de 1983 a 198910, utilizamos adicionalmente outros dois

    indicadores. O primeiro refere-se despesa real em segurana pblica, segundo a

    alocao funcional por rubrica segurana pblica e defesa nacional11 (que existe

    aps 1985), com base nos dados da STN. Alternativamente, elaboramos uma

    proxy para a evoluo da taxa de efetivo policial por 100 mil habitantes. Tendo

    em vista a indisponibilidade de uma srie temporal com o efetivo policial militar

    nos anos oitenta e noventa, utilizamos o total de trabalhadores somado das foras

    armadas mais polcia militar12, que a nica informao disponvel desde 1981,

    10 Obtido no Anurio Estatstico do Brasil de 1992. Ainda hoje as informaes sobre os efetivos das polcias militares so consideradas sigilosas (e, portanto, censuradas nas grandes bases de dados nacionais, como na RAIS/MTE) por motivo de segurana nacional. 11 A despeito da rubrica se referir a segurana pblica e defesa nacional, as despesas se referem estritamente a segurana pblica, uma vez que as despesas feitas pelas unidades sub-federativas para a defesa nacional sempre igual a zero, ainda mais ser essa uma funo do Governo Federal. Por outro lado, conforme as pesquisas perfil policial (para os anos de 2003 a 2005) da Secretaria Nacional de Segurana Pblica (Senasp) do Ministrio da Justia indicam, mais de 92% do total das despesas em segurana pblica so para pagamento de pessoal. Portanto, parece ser essa varivel de despesa uma proxy razovel para o efetivo policial no estado. 12 Durante toda as dcadas de 80 e 90 no se disponibilizou informaes sobre o efetivo das polcias militar em funo de supostas questes de segurana nacional.

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  • 29

    obtida por meio das Pnads e Censos. Comparando essa srie com as informaes

    do efetivo apenas da polcia militar, que existe apenas depois de 2000,

    verificamos que as variaes das duas sries so praticamente idnticas, o que

    indica uma grande estabilidade do efetivo das foras armadas e que, portanto, nos

    d uma indicao de que basicamente toda a variao da srie conjunta devida a

    variao do efetivo da polcia militar. Portanto, como proxy para medir a variao

    do efetivo policial, utilizamos uma varivel que a soma do efetivo das foras

    armadas da polcia militar e da polcia civil (que dispnhamos separadamente)13.

    Ainda, no Censo de 2000 e nas Pnads a partir de 2002 tambm existe a

    classificao separada do efetivo das polcias civil e militar. Por fim, a Secretaria

    Nacional de Segurana Pblica (SENASP/MJ) disponibiliza os dados de efetivo

    policial por unidade federativa, a partir de 2003, ainda que haja muitos dados

    faltantes, devido ao fato dos estados no reportarem a informao ao Ministrio da

    Justia.

    J em relao taxa de encarceramento, utilizamos as informaes

    constantes dos Anurios Estatsticos do Brasil, com a populao prisional desde

    1981 at 1985. O Depen/MJ divulgou tambm informaes sobre o total de

    detentos, a partir de 1995. Para suprimir a ausncia de informao entre 1986 e

    1994, utilizamos o Censo de 1991, para obter o total da populao carcerria nesse

    ano14.

    As informaes sobre homicdios foram extradas do Sistema de

    Informaes de mortalidade (SIM/Datasus). At 1995, era utilizada a 9 Reviso

    do Cdigo Internacional de Doenas (CID-9), cuja classificao compreendia os

    cdigos E960 a E977. A partir de 1996, passou-se a utilizar o CID -10, com as

    mortes classificadas entre os cdigos X849 a Y099.

    Para a construo da proxy para consumo de drogas ilcitas, utilizamos os

    microdados do SIM/MS e verificamos se a causa que gerou o primeiro processo

    mrbido que levou o indivduo morte estava relacionada ao uso de drogas

    psicotrpicas. Dentre as 12.451 subcategorias de doenas categorizadas na 10

    13 Alm dessas informaes dispomos tambm duma srie de efetivo das polcias civil e militar de 1983 a 1989 (que saiu em um nico Anurio Estatstico do Brasil, no ano de 1992); e de dados sobre o efetivo para anos mais recentes, a partir de 2003, produzidos pela Secretaria Nacional de Segurana Pblica do Ministrio da justia (SENASP/MJ). 14 A populao carcerria no censo encontra classificada na categoria de domiclios permanentes, do tipo penitenciria.

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  • 30

    Reviso da Classificao Internacional de Doenas - CID-10, constantes no SIM,

    separamos 92 subcategorias que se relacionam com o consumo de substncias

    alucingenas, excetuando o lcool e outras drogas ministradas para tratamento de

    doenas. Dentre as drogas psicotrpicas que provocaram o processo mrbido e

    que compem a varivel morte-drogas existem: i) Canabinides; ii) Opiceas;

    iii) Cocana; iv) Anfetaminas; e v) outras substncias alucingenas15. Para o

    perodo anterior a 1996, utilizamos os cdigos 292, 304, 305, E851, E854, E855,

    E858, E939 e E940, constantes no CID-9. Para o uso dessa proxy, implicitamente,

    estamos supondo que em localidades onde a prevalncia do uso de drogas

    psicotrpicas maior, se observa tambm, com maior freqncia mais indivduos

    mortos pelos efeitos txicos dessas drogas

    A proxy para o consumo de lcool segue a mesma estratgia daquela

    associada ao consumo de drogas ilcitas. Vrios autores j utilizaram essa medida

    exatamente para avaliar a correlao entre lcool e homicdios em vrios pases,

    como apontado anteriormente nos trabalhos de Pridemore (2004), Stickley e

    Carlson (2006) e Razvodsky (2008), entre outros. Da lista de subcategorias do

    SIM associadas a mortes por ingesto de lcool constam 55 subcategorias16. Para

    o perodo anterior a 1996, utilizamos os cdigos 291 e 860, constantes no CID-9.

    Para a proxy sobre a difuso da armas de fogo na localidade, utilizamos (com

    base no SIM) a proporo de suicdios e homicdios cometidos com o uso da arma

    de fogo, em relao ao total de suicdios e homicdios, que uma medida

    consagrada na literatura, conforme descrito no Captulo II e tambm discutido em

    Kleck (2004).

    15 A lista com as subcategorias selecionadas do CID-10 so: F110 a F129; F140 a F149; F160 a F169; F190 a F199; P044; P961; R781 a R785; T400 a T409; T438 a T449; X420 a X429; X620 a x629; Z715; e Z722. 16 A lista com as subcategorias selecionadas do CID-10 so: E244; F04; F100 a F109; G312; K852; K860; P043; R780; T519; X450 a X459; X650 a X 659; Y150 a Y159; Y909 a Y919 e Z721.

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  • 4 Homicdios no Brasil: Uma Tragdia em Trs Atos

    A taxa de homicdios por cem mil habitantes no Brasil praticamente

    dobrou nas ltimas trs dcadas. Aps uma tendncia de crescimento, que vigorou

    at 2003, esse indicador comeou a diminuir, atingindo o patamar de 24,7, em

    2007, conforme apontado no Grfico 4.1, abaixo. Outro aspecto curioso que pode

    ser observado no grfico diz respeito dinmica dessa taxa na virada da dcada de

    80, que parece ter ultrapassado aquela que seria a taxa tendencial em 1989 e 1990.

    Existem vrias hipteses concorrentes para explicar os fatos, que tangenciam as

    questes socioeconmicas, demogrficas, o papel da polcia e a proliferao do

    mercado de drogas ilcitas e de armas de fogo. Porm, ser que o padro de

    evoluo temporal da violncia letal e dos seus condicionantes comporta essas

    explicaes? Quais os principais fatores consistentes com o aumento da taxa de

    homicdios at 2003, sua queda aps esse perodo e a ultrapassagem verificada

    no final da dcada de oitenta? Ser que o grau de importncia de cada um dos

    fatores permaneceu constante ao longo das trs ltimas dcadas?

    1015

    2025

    30Ta

    xa d

    e H

    omic

    dio

    s

    1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010Ano

    Taxas de Homicdios Por 100 Mil Habitantes no Brasil

    Fonte: SIM/MS

    Grfico 4.1

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  • 32

    Para analisar essas questes vamos calcular o potencial grau de

    importncia de cada um dos fatores condicionantes dos homicdios (apontados na

    Seo 2.7), com base no padro de evoluo dos dados e nas respectivas

    elasticidades obtidas em vrios trabalhos. Portanto, o pressuposto desse artigo o

    de fazer uma discusso informal, menos do que uma modelagem com

    identificao economtrica dos determinantes dos homicdios no Brasil. Tendo

    isso em mente, os resultados discutidos a seguir devem ser interpretados menos

    como uma medida precisa de como cada varivel afetou a taxa de homicdio; e

    mais como um indicador da ordem de grandeza dos efeitos potenciais das

    condies socioeconmicas, demogrficas, do sistema de justia criminal e dos

    elementos crimingenos sobre a violncia letal no Brasil. Com isso, queremos

    documentar quais as possveis explicaes que so consistentes com o padro de

    evoluo temporal e regional dos homicdios nas ltimas dcadas.

    A interpretao dos resultados deve ainda ser relativizada ante os

    diferentes nveis de certeza quanto ao papel desempenhado por cada um dos

    determinantes dos homicdios. Assim, razovel imaginar que o grau de

    confiana quanto aos efeitos das variveis socioeconmicas e demogrficas seja

    relativamente alto, no apenas porque h uma larga documentao com

    estimativas de seus efeitos causais, mas ainda pelo fato de que os efeitos dos

    homicdios sobre essas variveis, se existem, so de segunda ordem. No outro

    extremo, h uma menor confiabilidade acerca dos elementos crimingenos e do

    efetivo policial e taxas de encarceramento, tendo em vista os problemas de

    causalidade reversa presentes, alm da dificuldade encontrada na literatura para

    identificar corretamente as elasticidades associadas.

    Especificamente, para contabilizar o grau de importncia de cada um dos

    sete fatores, adotamos as elasticidades obtidas nos trabalhos, conforme descrito

    pela Tabela 4.1.

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  • 33

    Tabela 4.1 Elasticidades Adotadas

    Variveis Elasticidades Mede a Variao % na Taxa de Homicdio : Estudo

    Efetivo Policial-0.435

    Variao % do efetivo policialLevitt (2002)

    Taxa de Encarceramento-0.147

    Variao % do Nmero de Detentos Levitt (1996)

    % de Homens Jovens na Populao (15 a 25 anos)

    4.5

    Variao % da proporo de homens entre 15 e 25 anos

    na populao Mello e Schneider (2004)

    Drogas0.258

    Variao % da apreenso de drogas Resignato (2000)

    Armas1.32

    Variao % do suicdio por PAF Captulo 2 da Tese

    Renda-0.413

    Variao % da renda domiciliar per capita Cerqueira e Lobo (2004)

    Desigualdade 2.317

    Variao % do ndice de GiniCerqueira e Lobo (2004)

    Nota: Levitt (2002) estima o impacto do efetivo policial em relao aos crimes violentos.

    Para a escolha das elasticidades empregadas em nossa anlise utilizamos,

    preferencialmente, estimativas obtidas com base em estudos aplicados para o caso

    brasileiro. A questo socioeconmica aqui representada pelos dois indicadores

    em que h maior consenso sobre o seu papel para afetar homicdios17, que so a

    renda e a desigualdade de renda18. O determinante demogrfico aqui

    representado pela proporo de homens jovens na populao. Segundo a discusso

    da Seo 2.1, o sistema de justia criminal afeta crime basicamente por trs

    canais, a partir da taxa de aprisionamento (que uma funo do efetivo policial),

    da taxa de condenao e a da dureza ou tamanho das penas. Nesse artigo, como

    medidas de enforcement utilizaremos as elasticidades associadas ao efetivo

    policial e taxa de encarceramento. Os principais elementos com poder

    criminognico discutidos na literatura so o lcool, drogas ilcitas e armas de

    fogo. Conforme apresentado a seguir, no h evidncias que a prevalncia de

    lcool tenha variado razoavelemente ao longo das trs dcadas, com exceo dos

    primeiros anos dos oitenta. Com isso, para efeito de clculos no levamos em

    conta esse fator. Por outro lado, ainda que se considere a importncia da violncia

    sistmica oriunda da existncia de mercados ilcitos de drogas, a parca literatura

    17 Conforme discutido na Seo 2.1. 18 A taxa de desemprego no foi considerada nos clculos pois, conforme discutido em 2.1, ela teria maior importncia para explicar os crimes contra a propriedade, mas pouca ou nenhuma importncia (documentada) para condicionar os crimes violentos.

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  • 34

    com estimativas dos seus impactos sobre homicdios impe certo grau de

    incerteza quanto elasticidade adotada aqui. Por fim, a elasticidade referente

    prevalncia de armas foi obtida do Captulo II desta tese.

    Nas prximas subsees analisaremos a evoluo da taxa de homicdios e

    dos seus determinantes de 1981 a 2007, quando contabilizaremos o grau de

    importncia potencial de cada um desses fatores para explicar a evoluo da taxa

    de homicdio. Argumentaremos que existem trs perodos bastante distintos, em

    que a importncia dos fatores que mais influenciaram a evoluo da taxa de

    homicdios mudou decisivamente. O primeiro perodo, compreendido entre 1981 e

    1990, foi marcado por profundas adversidades socioeconmicas, quando se

    observou uma deteriorao nas condies de segurana pblica. Na dcada de

    noventa verificou-se uma escalada por auto-proteo, quando houve um

    crescimento vertiginoso na indstria de segurana privada e na demanda por

    armas de fogo, sem que houvesse, contudo, uma conteno da violncia letal.

    Finalmente, a partir de 2001, a despeito do drama associado ao consumo e ao

    trfico de drogas ilcitas, e em particular do crack, que aumentou em muitas

    regies do pas19, houve uma melhoria nos indicadores socioeconmicos e

    demogrficos, alm do maior controle das armas de fogo e aumento na taxa de

    encarceramento que, conjuntamente, devem ter contribudo para a diminuio da

    taxa de homicdios em vrias regies do pas.

    4.1 Primeiro Ato (1981 a 1990): A Dcada Perdida e a Falncia da Segurana Pblica

    A dcada de 80 foi marcada pela estagnao da atividade econmica,

    grandes desequilbrios macroeconmicos, alta inflao e crescente concentrao

    de renda, num perodo que ficou conhecido como a dcada perdida20 [ver Carneiro

    e Modiano (1990) e Giambiagi e Moreira (1999), entre outros]. O desajuste no

    setor externo da economia, a escassez de divisas internacionais e o aumento dos

    19 Em So Paulo, estado onde a violncia mais diminuiu a partir dos anos 2000, houve uma diminuio no trfico de cocana e crack exatamente nesse perodo, conforme documentado em De Mello (2010). 20 De fato, a estagnao e os inmeros problemas macroeconmicos atravessaram a dcada. Entre 1980 e 1993, o PIB per-capita ficou estagnado.

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  • 35

    juros internacionais em fins de 1980, levaram a economia brasileira a uma grande

    recesso j nos primeiros anos da dcada, o que fez o PIB per capita diminuir

    11,7% no perodo entre 1981 e 1983 [Baer, 1995]. Os graves problemas

    socioeconmicos foram sentidos principalmente nas grandes regies

    metropolitanas do pas, onde na ltima dcada havia tido um crescimento

    populacional de 47%, quando cerca de 12 milhes de habitantes vieram a se juntar

    aos 25 milhes de residentes dessas regies em 1970. A falta de oportunidades

    nos mercados de trabalho legais e a concentrao de renda engendram a um

    grande stress social nas grandes cidades e fizeram aumentar os incentivos a favor

    da participao nas atividades criminosas. Por outro lado, as restries fiscais do

    estado (ante a diminuio de tributos e a necessidade de conduzir a um ajuste das

    contas pblicas ocasionada pela escassez de capitais financeiros internacionais) e

    um aparelho de justia criminal burocrtico e que funcionava ainda nos mesmos

    moldes institucionais do modelo implantado nas reformas liberais do comeo do

    sculo XIX [ver Hollowey, (1997)], fazia com que o Estado no estivesse

    preparado para os grandes desafios que se avizinhavam, no que concerne ao

    controle e preveno do crime.

    O Grfico 4.2 apresenta a evoluo de alguns indicadores

    socioeconmicos selecionados. Um primeiro aspecto a notar nesse grfico o

    persistente aumento da desigualdade de renda que se deu na dcada de 80. De

    fato, conforme assinalado em Barros, et al. (1996, p.16), esse perodo foi marcado

    pelo declnio econmico e aumento do grau de desigualdade da renda, quando

    houve (...) uma taxa de crescimento negativa para todos os dcimos da

    distribuio de renda, (...) [sendo que] as perdas foram fortemente concentradas

    na cauda inferior da distribuio de renda. Analisando a evoluo anual da

    renda domiciliar per-capita percebe-se esta estagnao, a menos, especificamente,

    nos anos 1986 e 1989, quando houve aumentos temporrios do poder de compra

    (principalmente dos mais pobres), ocasionados pela introduo dos Planos

    Cruzado e Vero21, respectivamente. Este grfico apresenta ainda a taxa de

    desemprego na regio metropolitana de So Paulo22, cuja srie se inicia em 1985.

    21 Para maiores detalhes ver Carneiro e Modiano (1990). 22 Optamos por apresentar essa taxa de desemprego, em face da descontinuidade dos outros indicadores relativos ao emprego para todas as regies metropolitanas, obtidos a partir da Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE). A taxa de desemprego apresentada refere-se Regio

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  • 36

    Nesse primeiro momento, pode se observar uma alta taxa de desemprego, em

    torno de 12,5%, que ocorreu como reflexo da profunda recesso ocorrida nos

    primeiros anos da dcada. A partir desse momento, tendo o momento mais agudo

    da crise macroeconmica sido superado, a taxa de desemprego sofre uma

    diminuio, que prossegue at 1988, quando a mesma passa a apresentar uma

    tendncia crescente at 2002.

    Ou seja, o Grfico 4.2 deixa caracterizada a estagnao e concentrao de

    renda ocorrida na dcada de oitenta e ilustra ainda a diminuio da renda

    domiciliar e o aumento da concentrao de renda e da taxa de desemprego que

    ocorreu na segunda metade da dcada, o que coincide exatamente (ou com um ano

    de antecedncia) com o processo de ultrapassagem da taxa de homicdios

    verificada nos dois ltimos anos da dcada.

    6080

    100

    120

    140

    160

    Des

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    9510

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    511

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    ade

    1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010Ano

    Desigualdade Renda-pc Tx. Desemprego

    Indicadores Socioeconmicos no Brasil

    Nota: Os indicadores apresentados foram: o ndice de Gini e a mdia da renda domiciliar per-capita (baseados nas Pnads) e a taxa de desemprego (da Fundao Seade). Esses indicadores foram apresentados em base fixa, sendo 1981 = 100, para o Gini e a renda e 1985 = 100, para a taxa de desemprego.

    Grfico 4.2

    No obstante o aumento do adensamento populacional observado nas

    grandes regies metropolitanas, provavelmente o impacto da demografia nos anos

    que se seguiram at 1993 foi no sentido de diminuir a taxa de criminalidade

    Metropolitana de So Paulo e Compreende o desemprego oculto (trabalho precrio e desemprego por desalento) e o desemprego aberto.

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  • 37

    violenta, isso porque se observou, durante todos esses anos, uma queda

    sistemtica da proporo de homens jovens na populao. Com efeito, conforme o

    Grfico 4.3 deixa apontado, a proporo de homens entre 15 e 24 anos diminuiu

    em mais do que 3%.

    9697

    9899

    100

    Pro

    por

    o H

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    100

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    Tx.H

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    1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010Ano

    Tx.Homicdio Populao % de Homens Jovens

    Taxa de Homicdio e Demografia

    Nota: Projees populacionais e ocorrncia de homicdios extrados do SIM/MS. Todos os indicadores foram apresentados em base fixa, 1981 = 100.

    Grfico 4.3

    Conforme descrito anteriormente, h uma literatura que relaciona a

    existncia de mercados de drogas ilcitas, de demanda por bebidas alcolicas e por

    armas de fogo, aos homicdios. A anlise dos nossos indicadores per capita

    associados a esses trs elementos parece contar duas histrias bastante diferentes

    em relao virtual importncia dos mesmos para o aumento dos homicdios na

    dcada de 80. At 1986, esses parecem ter importncia reduzida (talvez com

    exceo do lcool), ocorrendo o contrrio na segunda metade da dcada.

    Analisando a evoluo da nossa proxy de demanda por lcool, possvel apenas

    que esse fator tenha colaborado para o aumento da taxa de homicdios exatamente

    no momento mais agudo da recesso ocorrida entre 1981 e 1983, quando a taxa de

    mortalidade por ingesto de bebidas alcolicas per capita aumentou em mdia

    35%. Porm, conforme descrito no Grfico 4.4, esse indicador se mostra

    virtualmente estvel at 2007, o que sugere que o lcool no deve ter tido um

    papel relevante para explicar o aumento (e depois a queda) dos homicdios nessas

    trs dcadas. Ainda que a ingesto de bebidas alcolicas possa estar relacionada

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  • 38

    prevalncia da violncia letal no Brasil, conforme Biderman, De Mello e

    Schneider (2009) demonstraram.

    5010

    015

    020

    025

    0Ba

    se F

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    1981

    = 1

    00

    1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010Ano

    Tx.Homicdio ArmasDrogas lcool

    Taxa de Homicdio, Armas, Drogas Ilcitas e lcool no Brasil

    Nota: as proxies de drogas ilcitas e lcool so baseados em indicadores per capita de mortes causadas pela ingesto dessas drogas. A proxy para arma de fogo refere-se proporo dos suicdios perpetrados com o uso da arma de fogo em relao ao total dos suicdios. Todos os dados foram extrados do SIM/MS.

    Grfico 4.4

    J a demanda por drogas e por armas de fogo pareceu ter um papel

    secundrio para explicar o aumento dos homicdios nos primeiros anos da dcada

    (de 1981 a 1986). Nesse perodo, a demanda per capita por armas e por drogas

    ilcitas teria aumentado, respectivamente, em 3,7%, e 6,6%.

    Por outro lado, uma dinmica bastante diferente em relao evoluo

    desses dois elementos foi revelada na segunda metade da dcada. Entre 1986 e

    1989 h um significativo crescimento de 34,9% nas mortes (per capita)

    ocasionadas pela ingesto de drogas ilcitas, o que revela um acentuado

    crescimento da demanda e, portanto do trfico de drogas no Brasil. Justamente no

    perodo entre 1986 e 1990 h um aumento concomitante de 23,4% na demanda

    por armas de fogo. possvel que o aumento na demanda por armas esteja

    associado ao crescimento do mercado de drogas, tendo em vista a natureza dos

    mercados ilcitos, em que os criminosos necessitam utilizar a violncia para

    estabelecer mercados, garantir os contratos e granjear credibilidade.

    Aparentemente, o encontro do trfico de drogas e do trfico de armas na segunda

    metade dos oitenta ajuda a explicar (conjuntamente piora dos indicadores

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  • 39

    socioeconmicos) a ultrapassagem ocorrida na taxa de homicdios no final da

    dcada.

    No Grfico 4.5, apresentamos os indicadores de desigualdade, armas,

    drogas e homicdios. Note como o aumento da desigualdade e da demanda por

    drogas parece anteceder em um ano o aumento dos homicdios, sendo que o

    indicador de armas parece ser contemporneo. A dinmica associada aos

    mercados de drogas e armas parece dar ainda a tnica da evoluo dos homicdios

    na dcada seguinte, sobre o qual discutiremos na prxima seo.

    9510

    010

    511

    0D

    esig

    uald

    ade

    5010

    015

    020

    025

    0Tx

    .Hom

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    rmas

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    roga

    s

    1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010Ano

    Tx.Homicdio DrogasArmas Desigualdade

    Taxa de Homicdio, Desigualdade, Armas e Drogas no Brasil

    Nota: Os indicadores apresentados foram: o ndice de Gini. A proxy de drogas ilcitas baseada em indicadores per capita de mortes causadas pela ingesto dessas drogas. A proxy para arma de fogo refere-se proporo dos suicdios perpetrados com o uso da arma de fogo em relao ao total dos suicdios.

    Grfico 4.5

    A taxa de homicdios crescia paulatinamente nos anos oitenta, influenciada

    pelas adversidades socioeconmicas e, possivelmente, pelo fortalecimento do

    trfico de drogas e armas na segunda metade da dcada, conforme discutido. Por

    outro lado, o sistema de segurana pblica estava longe de poder oferecer

    solues satisfatrias para ao menos conter o processo de criminalidade violenta

    em curso. De fato, esse sistema reproduzia fielmente o modelo burocrtico

    adotado na reforma judicial de 1841, orientado para a defesa do Estado, com base

    na represso ostensiva, no estando preparado para intervir nos complexos

    fenmenos de violncia urbana. Como sublinhou Holloway (1997, p. 157) (...)

    continuam em vigor at hoje caractersticas importantes da estrutura

    institucional criada na reforma judicial de 1841, bem como atitudes e

    procedimentos informais da polcia que amadureceram em meados do sculo

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  • 40

    XIX.. Vem desde essa poca, por exemplo, a situao sui generis da organizao

    das instituies policiais no Brasil, onde o ciclo policial repartido, o que cria

    enormes obstculos para o trabalho de investigao e preveno ao crime, com as

    polcias militar e civil, disputando informaes e muitas vezes se sabotando

    mutuamente23. Outro aspecto importante a se observar a herana do carter

    repressivo do aparelho de justia criminal brasileiro [para garantir o statu quo e

    o Estado], melhor do que um mecanismo para a salvaguarda dos direitos civis ou

    humanos [Holloway (1997, p. 260)]. Condizente com essa inspirao, o modelo

    de policiamento tradicional adotado focado meramente no incidente, melhor do

    que na preveno aos fatores que geram os problemas de ordem urbana, pequenos

    delitos e grandes crimes. Desse modo, a eficcia do sistema depende

    primordialmente da presena ostensiva do efetivo policial para reprimir e coibir o

    crime24.

    Como resposta ao aumento da taxa de crimes violentos no comeo dos

    anos 80, o efetivo das polcias foi reforado. O Grfico 4.6 mostra que a taxa do

    efetivo policial aumentou cerca de 28% entre 1983 e 1989, quando passou de 156

    para 200 policiais por 100 mil habitantes. Sendo que o crescimento da taxa do

    efetivo militar (31%), foi superior ao efetivo da polcia civil (24%).

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    PC PM PM + PC

    0.0

    50.0

    100.0

    150.0

    200.0

    250.0

    Taxa de Efetivo Policial no Brasil(por 100 Mil Hab.)

    PC PM PM + PC

    Fonte: Dados extrados do Anurio Estatstico do Brasil, de 1992, com informaes fornecidas pelo Ministrio da justia. Secretaria de Administrao Geral, Coordenao Geral de Planejamento Setorial.

    Grfico 4.6

    23Ver Soares, L.E. (2000, p.265), para entender o emblemtico problema da polcia carioca. 24 H inmeros trabalhos que analisam as deficincias ontolgicas das organizaes policiais no Brasil, por exemplo, ver Soares, L.E. (2000), Lemgruber et al. (2003), Zaverucha (2004). Soares, L.E. (2003), Mingardi (1991), entre outros.

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  • 41

    Apesar do esforo dos governos para aumentar o efetivo policial, em meio

    a um ambiente de restrio oramentria, o resultado, como se sabe, ficou longe

    do desejvel. Ainda que o nmero de detentos tenha aumentado at 1985, esse

    crescimento se deu com base no aprisionamento temporrio, tendo em vista que o

    nmero de detentos condenados e, em particular, daqueles condenados por

    homicdio, diminuiu no perodo. De fato, entre 1981 e 1985, a taxa de

    encarceramento por 100 mil habitantes aumentou quase 26%, ao passo que as

    taxas de detentos condenados e, em particular, de condenados por homicdio

    diminuram em 11% e 14%, respectivamente, conforme ilustrado25 no Grfico 4.7.

    1981 1982 1983 1984 1985

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    Taxa de Encarceramento no Brasil, 1981 a 1985

    Tx Encarceramento Condenado por HomicdioTx Encarceramento de CondenadoTx Encarceramento

    Fonte: Dados extrados do Anurio Estatstico do Brasil, Vrios anos, de 1982 a 1992, com informaes fornecidas pelo Ministrio da justia, Secretaria de Planejamento, Coordenadoria de Informaes para o Planejamento.

    Grfico 4.7

    Para entender um pouco melhor a reao do Estado ao aumento da

    criminalidade no comeo da dcada oportuno analisarmos no apenas o estoque

    de detentos ao final do ano, mas ainda o fluxo de detentos e, em particular o

    aprisionamento ocorrido ano a ano. No Grfico 4.8, apresentamos a relao entre

    o estoque de detentos no sistema de execues penais, ao final do ano, e as prises

    efetuadas no ano. Para cada 100 prises efetuadas, havia em mdia 35 detentos no

    final de 1982, e apenas 25 detentos no final de 1985. Duas hipteses so razoveis

    25 Esses fatos so consistentes com duas interpretaes. Podem ser conseqncia de uma polcia ineficiente, que at prende mais, no apenas porque o efetivo aumentou, mais porque a taxa de crime aumentou. Por outro lado, essa polcia ineficiente no consegue instruir inquritos consistentes para que o Ministrio Pblico e a Justia possam condenar o ru. Uma segunda interpretao que o problema no estaria na polcia, mas no MP e na Justia. Em todo caso, os dados revelam uma deteriorao no funcionamento do sistema de justia criminal, em um cenrio de aumento dos crimes violentos.

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    para explicar esse fato: i) ou a poltica de deteno passou a privilegiar crimes de

    baixo potencial ofensivo (motivo pelo qual os detentos passam menos tempo

    presos; ou ii) houve uma perceptvel deteriorao do sistema de seg