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i PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Cláudia Moreira dos Santos CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM São Paulo 2015

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i

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Cláudia Moreira dos Santos

CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O

ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

São Paulo

2015

ii

Cláudia Moreira dos Santos

CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O

ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutora em Linguística

Aplicada e Estudos da Linguagem.

Orientação: Doutora Sumiko Nishitani Ikeda.

São Paulo

2015

iii

Santos, Claudia Moreira dos Causa, condição e concessão em função da persuasão sob o enfoque sistêmico-funcional. / Claudia Moreira dos Santos. - São Paulo, 2015. ___f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL. Linha de Pesquisa: Linguagem e Trabalho. Orientadora: Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda. Cause, condition and concession as a function of persuasion under the systemic-functional approach. 1. Causa. 2. Condição. 3. Concessão. 4. Persuasão. 5. GSF 1. Cause. 2. Condition. 3. Concession. 4. Persuasion. 5. SFG

iv

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução

parcial ou total desta tese através de fotocópias ou meios

eletrônicos.

________________________ Cláudia Moreira dos Santos

São Paulo

2015

v

CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O

ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL

Banca Examinadora:

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

São Paulo

2015

vi

Dedicatória:

Ao meu marido Robinson,

pelas palavras de apoio e carinho constantes.

vii

AGRADECIMENTOS

Esta tese é uma construção coletiva, fruto de várias representações. Portanto,

presto a minha gratidão:

A Deus, que guia todos os meus passos.

Em especial à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Sumiko Nishitani Ikeda, pela

paciência infinita e orientações assertivas. Suas orientações, que vão além dos

conteúdos, fizeram e farão parte não só da minha formação no âmbito profissional,

mas também no humano.

À professora doutora Ângela B. C. T. Lessa (PUC-SP) e ao professor doutor

Antonio Roberto Chiachiri Filho (Faculdade Casper Líbero), pelas contribuições nos

exames de qualificação.

Às professoras doutoras Maria Aparecida Caltabiano M. Borges da Silva (PUC-

SP), Dieli Vesaro Palma (PUC-SP), Leiko Matsubara Morales (USP-SP) e Elizabeth

Del Nero Sobrinha (Faculdade Casper Líbero), pelas contribuições nos exames de

qualificação e por aceitarem gentilmente o convite para participar da Banca de Defesa.

Às Professoras doutoras Elizabeth Brait (PUC-SP) e Maria Otília G. Ninin

(UNIP), que também integram a Banca de Defesa como professoras suplentes.

Ao Marcelo Saparas, pelo apoio com relação à revisão da tradução dos

exemplos em inglês.

À Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo e à EFAP (Escola

de Aperfeiçoamento de Professores), pela concessão da Bolsa Doutorado, para que

eu pudesse aprofundar meus conhecimentos.

À Maria Lúcia e Márcia, funcionárias do LAEL, que gentilmente me apoiaram,

sempre prestativas.

Ao meu marido, Robinson Rosário Pitelli, pelas discussões tão enriquecedoras,

pelas contribuições pontuais, pelo carinho, companheirismo e com o qual tive a

satisfação de partilhar medos, alegrias e sonhos.

À minha companheira de sempre, Eliane Alves de Sousa, pelo companheirismo

e incentivos constantes.

A todos os colegas de curso, com os quais tive a honra de partilhar discussões,

dificuldades e sonhos.

viii

Epígrafe

Não diga que a vitória está perdida, se é de batalhas

que se vive a vida. (RAUL SEIXAS, 1003)

ix

RESUMO

Esta tese de doutorado, de cunho crítico, propõe o exame das funções interpessoais

dos conectivos causais, condicionais e concessivos - envolvendo também os casos

de sua omissão - com enfoque no processo persuasivo exercido por esses conectivos.

A pesquisa centra-se na função pragmática exercida por esses conectivos, além do

seu conhecido papel de sinalizar a dependência sintático-semântica em relação à

oração principal. Em textos marcadamente argumentativos, tais como, a conversa e o

artigo de opinião, os conectivos serão examinados tanto como elementos interativos,

orientando o leitor no percurso do texto, quanto como elementos interacionais,

contribuindo no processo persuasivo, ao estabelecer a lógica da argumentação. Por

outro lado, em termos da estrutura dos dois gêneros, cuja textura tem apoio nos

modos textuais – descrição, narração e argumentação – a pesquisa examina a

prevalência desses conectivos em cada um desses modos, nos diferentes gêneros

examinados, bem como o modo como exercem sua função persuasiva. A pesquisa

tem o apoio da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) - proposta apontada como a

mais adequada para a aplicação da Linguística Crítica. A GSF é um modelo

multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a

interpretação da língua em uso - a qual constrói três significados simultâneos:

Ideacional, Interpessoal e Textual. A referida simultaneidade deve-se ao fato de a

língua possuir um nível intermediário de codificação, a lexicogramática, um conjunto

de opções de formas linguísticas concretas, que se relacionam com a estrutura

profunda, onde se encontram, por exemplo, posições ideológicas subjacentes. A GSF

propicia, assim, o exame da interface gramática/discurso, a aliança entre as formas

morfossintáticas da língua com as funções semânticas e pragmáticas a que elas

servem na comunicação, ou seja, no uso da língua. A presente pesquisa, com o apoio

teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-Funcional, responde às seguintes

perguntas: (a) Como são realizadas as relações de causa, condição e concessão nos

textos examinados?; (b) Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o

texto argumentativo? As análises mostram os usos dos conectivos de causa,

condição e concessão com diversas formas de expressão, implícitas e explícitas, com

diferentes funções discursivas.

Palavras-chave: Causa. Condição. Concessão. Persuasão. GSF.

x

ABSTRACT

This critical natured doctoral dissertation, proposes examining the interpersonal

functions of the causal, conditional and concessional connectors - also involving cases

in which they do not occur - focusing on the persuasive process created by these

connectors. The research focuses on the pragmatic function performed by these

connectors in addition to its known role to signal the syntactic-semantic dependence

on the main clause. In markedly argumentative texts, such as conversation and opinion

article, the connector will be examined as interactive elements, guiding the reader in

the the course of the text, and as interaction elements, contributing to the persuasive

process by setting the logic of the argument. On the other hand, in terms of the

structure of both genres, whose texture is supported in text modes - description,

narration and argument - the research examines the prevalence of these connectors

in each of these modes in different examined genres, as well as how such persuasive

function occurs. The research is supported by the Systemic Functional Grammar

(SFG) - considered the most suitable proposal for the application of Critical Linguistics.

The SFG is a multi-perspective model, designed to offer analysts more choice for the

interpretation of the language in use - which builds three simultaneous meanings,

according to the orientation of the GSF: Ideational (information), interpersonal

(interaction) and textual (linguistic organization of two other meanings). Such

simultaneity is due to the fact that languages have an intermediate coding level, the

lexicogrammar, a set of concrete forms language options that relate with the deep

structure, where, for example, underlying ideologies are found. The SFG provides thus

examining the interface grammar / speech, the alliance between the morphosyntactic

forms of language with the semantic and pragmatic functions they serve in

communication, viz., the use of language. This research, with theoretical and

methodological support of the Systemic Functional Grammar attempts to answer the

following questions: (a) How are the relations of cause, condition and concession

realized in the examined texts?; (b) what is the role of these relations in the persuasion

that runs along the argumentative text? The analyzes show the uses of connective

cause, condition and concession with various forms of implicit and explicit expression,

with different discursive functions.

Keywords: Cause. Condition. Concession. Persuasion. SFG.

xi

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Expressão da Causalidade .............................................................. 12

Quadro 2 - Análise do texto em orações principais e subordinadas ................... 26

Quadro 3 - Modalidade ...................................................................................... 28

Quadro 4 - Exemplos de Avaliatividade ............................................................. 30

Quadro 5 - Meios de ativação da Avaliatividade ................................................ 31

Quadro 6 - Os sub-sistemas da Avaliatividade .................................................. 32

Quadro 7 - As teorias aplicadas à análise ......................................................... 47

Quadro 8 - Expressão da Causalidade .............................................................. 52

Quadro 9 - Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e

Concessividade no Artigo ................................................................

73

Quadro 10 - Causa e Efeito nos estágios de gênero do Artigo “O ataque careca” 76

Quadro 11 - Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e

Concessividade no Diálogo ............................................................

93

Quadro 12 - A ordem inversa de Relação de Causalidade na construção da

argumentação .................................................................................

102

Quadro 13 - A Ordem da Concessividade na Construção da Argumentação .... 106

xii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ocorrência e Expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo ...............................................................................................

75

Tabela 2 - Ocorrência e Expressão de Causa, Condição e Concessão no Diálogo ............................................................................................

96

Tabela 3 - Número de ocorrências Causa, Condição e Concessão em cada modalidade ......................................................................................

98

Tabela 4 - Persuasão de Causa no Artigo de Opinião e no Diálogo ................. 100

Tabela 5 - Persuasão de Causa no Diálogo ...................................................... 100

Tabela 6 - Tipos de Condição ........................................................................... 103

Tabela 7 - Persuasão de Condição no Artigo de Opinião e no Diálogo............. 104

Tabela 8 - Função persuasiva da Concessão no Artigo e no Diálogo .............. 105

xiii

LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 Artigo na íntegra “O ataque careca”, de Túlio Kahn........................ 117

Anexo 2 Trecho original extraído do Inquérito “Diálogo entre dois informantes”, No 343- BOBINA No 130- INFS. No 441 e 442 do Projeto NURC/SP ...........................................................................

119

Anexo 3 Normas para transcrição ................................................................. 121

xiv

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 01

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................... 08

2.1 A Causalidade ............................................................................... 09

2.1.1 A função da causalidade ................................................................ 12

2.2 A Condição .................................................................................... 14

2.2.1 Condição e Argumentação ............................................................. 17

2.3 A Concessão ................................................................................. 21

2.3.1 O esquema da concessiva cardinal ................................................ 22

2.4 Os universais linguísticos ............................................................ 25

2.5 A Gramática Sistêmico-Funcional ............................................... 27

2.5.1 A Avaliatividade .............................................................................. 30

2.5.2 A Linguística Crítica ........................................................................ 32

2.6 A persuasão ................................................................................... 34

2.6.1 Argumentação e o modelo de Toulmin ......................................... 37

2.6.2 A polidez ......................................................................................... 38

2.7 Gêneros do discurso: a conversa casual e o artigo de opinião ...........................................................................................

40

2.7.1 A conversa casual .......................................................................... 40

2.7.1.1 Projetabilidade e contingência ........................................................ 42

2.7.2 O artigo de opinião como um gênero ............................................. 43

2.7.2.1 Estrutura do artigo de opinião ...................................................... 44

2.7.2.2 Os modos textuais .......................................................................... 45

3 METODOLOGIA ............................................................................. 48

3.1 Dados ............................................................................................. 49

3.2 Procedimentos de Análise ........................................................... 50

xv

4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...... 53

4.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, de Tulio Kahn 54

4.1.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque no Contexto Situacional (Registro) .......................................................

55

4.1.2 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque nos estágios e finalidades de gênero .....................................................

56

4.1.2.1 Discussão Geral da Análise de gênero no Artigo de opinião “O ataque careca” ................................................................................

60

4.1.3 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque em: (a) Causa, Condição e Concessão; (b) Modalidade/Avaliatividade e (c) Modos Textuais .......................................................................

61

4.1.3.1 Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no Artigo de opinião ...............................................

72

4.1.3.2 Discussão Geral da Análise da Expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo de opinião ......................................................

75

4.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes” ................. 76

4.2.1 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque no Contexto Situacional (Registro) ..................................................

79

4.2.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque em estágios e finalidades, seguida de (a) Causa, Condição e Concessão; (b) Modalidade/Avaliatividade e (c) Modos Textuais

80

4.2.2.1 Discussão Geral da Análise de Gênero no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ............................................................................

92

4.2.2.2 Resumo da Análise da Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ........................................................

93

4.2.2.3 Discussão Geral das Expressões de Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ..................

96

4.3 Resultados Gerais: comparação entre as duas modalidades .. 97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 107

6 REFERÊNCIAS .............................................................................. 110

7 ANEXOS ......................................................................................... 117

1

INTRODUÇÃO

2

INTRODUÇÃO

Leciono a disciplina Língua Portuguesa há dezenove anos, no Ensino

Fundamental II e no Ensino Médio. Nesse trajeto, ensinando redação a meus alunos,

constatei que muitas dificuldades surgem a cada passo que eles avançam em direção

ao domínio da modalidade escrita da língua materna, um processo que sabemos ser

constante e inacabado.

Percebendo que havia ainda muito a aprender para poder embasar minhas

aulas teoricamente, entrei em contato com o curso "O Estudo Funcional da Gramática"

(COGEAE/PUC-SP) e, assim, com as modernas pesquisas sobre propostas que

colocam o estudo das estruturas linguísticas a serviço das funções que a língua deve

cumprir na interação comunicativa. Notei, então, que ali seria um caminho que me

proporcionaria intravisões úteis sobre alguns aspectos específicos referentes à

construção de um texto escrito, e decidi-me por desenvolver uma pesquisa em nível

de doutorado. Um assunto que me chamou a atenção decorreu da percepção da

função pragmática exercida pelas orações subordinadas, além do seu conhecido

papel de sinalizar a dependência sintático-semântica, em relação à oração principal.

O curso acima referido tem como embasamento principal a teoria conhecida

como Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), proposta por Halliday (1994, 2004), “um

modelo multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para

a interpretação da língua em uso" (MARTIN; WHITE, 2005, p. 7). Nessa proposta, a

língua serve para construir três significados simultâneos: Ideacional (informação),

Interpessoal (interação) e textual (a organização linguística dos dois outros

significados). A referida simultaneidade deve-se ao fato de a língua possuir um nível

intermediário de codificação, a lexicogramática, um conjunto de opções de formas

linguísticas concretas, que se relacionam com a estrutura profunda, onde se

encontram, por exemplo, posições ideológicas subjacentes (VAN DIJK, 1985). Assim,

certas estruturas sintáticas como as construções passivas, ao omitir ou ao

desenfatizar agentes da posição de sujeito, atribuem maior poder a certos indivíduos

ou grupos sociais, denunciando a ideologia aí presente. A GSF propicia, assim, o

exame da interface gramática/discurso, a aliança entre as formas morfossintáticas da

língua com as funções semânticas e pragmáticas a que elas servem na comunicação,

ou seja, no uso da língua.

3

Por outro lado, há que se ter em mente que, na língua falada, o conteúdo

ideacional desenrola-se frouxamente, por meio de padrões oracionais que podem

tornar-se altamente complexos nesse movimento (HALLIDAY, 1994) - no sentido de

intrincados, resultando em estrutura que já foi chamada de sintaxe alambicada, pois

se assemelha às inúmeras voltas da serpentina de resfriamento de um alambique.

Vejamos exemplos nas interlocuções de corretores de imóveis, da elaboração do

cartão da empresa1:

(3) M: [...] Os cartões, primeiro a gente tinha Sol Imobiliária Perdizes, aí, ó, resolvemos tirar Perdizes pra poder atuar e vender para o cliente, que a gente atua em Higienópolis Jardins [?] então, foi ótimo ... aí, nós tiramos o nome da empresa M.K. & P.

I: O que foi ótimo. <risos>

M: Estava super poluído, três empresas num cartão só. Aí, a gente mudou. R: Tirou o endereço. M: A gente mudou pra Construtora e Imobiliária, mudamos bem, perfeito! Agora a gente

quer colocar o CRECI <Apontando> I: Não, mas não vai colocar o CRECI da empresa embaixo, pô!

Notemos, nessa conversa, a ausência quase total de conectores subordinativos

(com exceção para do "pra", "que"), e o uso de outros conectivos de uso corrente na

modalidade oral ("aí", "então"). As orações fragmentam-se, juntam-se a outros

fragmentos, resultando em omissão de itens lexicais, em especial os conectivos, que

precisam ser preenchidos pelo ouvinte. Essa situação deve-se, de um lado, à pressão

de tempo que cada turno conversacional sofre na interação, e, de outro, porque o

respeito à ordem canônica completa de uma oração tornaria cansativa a conversa.

Mostrar essa diferença aos alunos torna-os conscientes da distância que separa a

construção linguística de uma interação oral e da escrita.

Outra questão importante que permeia essa construção diz respeito ao fato de

que não há um mapeamento simples um-a-um entre ideias e expressões linguísticas,

porque não se expressa tudo o que se tem na mente. Além disso, se considerarmos

o desenvolvimento do ser humano – a ontogenia - há uma tendência a se passar de

um mapeamento quase um-a-um para um mapeamento menos transparente (isto é,

menos explícito) das ideias. Assim, um texto de uma criança é mais 'transparente' do

que o de um adulto. Vejamos um exemplo:

1 Essa gravação foi feita pela pesquisadora Thaís Bittencourt da Rocha Bressane, do LAEL, e está disponível no arquivo do Projeto DIRECT, desenvolvido pela PUC-SP.

4

(1) Tinha uma mesa na cozinha. Em cima da mesa tinha um pote de geleia e então as formigas entraram na cozinha e subiram na mesa e daí comeram a geleia.

A mensagem da criança é mais “transparente”, pois respeita a ordem

cronológica dos acontecimentos e expressa a maior parte dos acontecimentos. Assim,

também, é a redação de quem não conhece bem uma língua ou de quem tem

dificuldade na elaboração da escrita.

Já o adulto não cita fatos que podem ser subentendidos ou recuperados pelo

contexto (que pode ser de natureza cultural, situacional, co-textual) e nem respeita a

ordem cronológica dos acontecimentos. Veja como ele diria o mesmo conteúdo

informacional:

(2) As formigas comeram a geleia que estava na mesa da cozinha. (BRANSFORD;

FRANKS, 1971, p. 139, tradução minha)

A linguagem do adulto perde em transparência, mas ganha em rapidez de

processamento mental graças a processos sofisticados de codificação. Notemos o

uso de uma oração subordinada (sublinhada no texto). Dizemos, então, que essa

linguagem é madura em termos lexicogramaticais.

Já, na escrita, os padrões oracionais são em geral mais simples; mas o

conteúdo ideacional é densamente empacotado em construções coesas (HALLIDAY,

1994), graças a diversos recursos, como os marcadores discursivos, dentre os quais

se destacam os conectores oracionais, as conjunções. Porém, os estudantes, ao

serem expostos ao estudo formal da linguagem escrita, têm em sua mente a

modalidade oral em que se comunicam com pais, amigos e colegas, em que constata

a quase total ausência de conectores subordinativos (com exceção de alguns:

"porque", "se", "quando"), ou seja, nossos discentes só começam a entender a

importância dos conectores na construção de textos coerentes e coesos a partir da

iniciação no processo da escrita. E esse processo será mais rápido e eficiente se a

escola estiver preparada para tanto.

Nesse contexto, a Secretaria Estadual da Educação preocupa-se com a

necessidade da criação de metas para elevar os índices de aprovação nos resultados

obtidos exames do SARESP (Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado

de São Paulo) ou do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), hoje utilizado como

5

meio de ingresso por muitas universidades. A partir dessa reflexão e, tendo em vista

contribuir para a melhora da escrita dos meus alunos, optei por pesquisar a função

pragmática dos elos de conexão discursiva efetuados pela causalidade, pela

condicionalidade e pala concessividade na presente pesquisa, nos gêneros conversa

e artigo de opinião2.

Além disso, um trabalho pedagógico com as conjunções de forma

contextualizada e em textos autênticos é uma condição imprescindível para o

desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas, quais sejam:

Analisar, interpretar, e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção bem como confrontar opiniões, pontos de vistas sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 2000).

O estudo dos conectores oracionais tem sido alvo de várias pesquisas

acadêmicas: Dottori (2005) tratou da causalidade; Santos (2010), das construções

condicionais; Ikeda, Oda e Saparas (2012), da relação entre a concessão e

adversidade. Portanto, todos esses trabalhos revelam a relevância desse tema para

o processo de ensino-aprendizagem. Daí a motivação para contribuir com um estudo

que, em uma perspectiva interpessoal – interacional e interativo – enfocasse, em uma

argumentação, o papel pragmático de persuasão, exercido por alguns conectivos.

Nesse contexto, um assunto que interessa a esta pesquisa diz respeito à noção

de textura. Reynolds (2000) busca mostrar que textura é a instanciação no discurso

de duas ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura linguística e a estrutura de

gênero. Textura é um conceito funcional que inclui a coesão descrita pelos linguistas

sistêmico-funcionais, mas também, e mais importante, a coerência que eles tendem a

explicar. Textura é o resultado da mistura de modos textuais – descrição, narração e

argumentação - que juntos abrangem o discurso e correspondem a funções para as

quais precisamos da língua e a usamos, continua o autor.

2 Tanto a conversa, quanto o artigo de opinião só serão consideradas “gênero”, no amplo sentido Bakhtiniano: “Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo cotidiano até a exposição científica” (Bakhtin, 1920~1970 [1992]. A conversa envolve subtipos, como: diálogo, entrevista; a dissertação-argumentativa envolve: editorial, artigo de opinião, tese acadêmica etc.

6

O objetivo desta tese de doutorado é examinar as funções interpessoais das

relações causais, condicionais e concessivas - as três relações lógicas fundamentais

da língua (JORDAN, 1998) - incluindo também os casos de sua omissão - com

enfoque no processo persuasivo exercido por essas relações. Em textos

marcadamente argumentativos, na modalidade oral e escrita, essas relações serão

examinadas, do ponto de vista da persuasão, na interface da morfossintática com a

semântica e a pragmática, tanto como elementos interativos, orientando o leitor no

percurso do texto, de acordo com as intenções do escritor, quanto como elementos

interacionais, por meio de avaliações explícitas ou implícitas, tendo sempre em vista

a persuasão envolvida na interação. Foram enfocados os gêneros: artigo de opinião

e conversa casual. Portanto, a presente pesquisa, à luz da Linguística Crítica, com o

apoio teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-Funcional, deve responder às

seguintes perguntas: (a) Como são realizadas as relações de causa, condição e

concessão nos textos examinados?; (b) Qual é o papel dessas relações na persuasão

que percorre o texto argumentativo? Para isso, conta com as teorias apontadas a

seguir.

Capítulo 1 – Introdução. Capítulo 2 – Fundamentação Teórica, que enfoca a

Causa (JORDAN, 1998); Condição (MAZZOLENI , 1994; DANCYGIER E

SWEETSER, 1996, 2000); Concessão (COUPER-KUHLEN e THOMPSON, 2005); a

respeito da importância da sintaxe na comunicação de uma mensagem (SLOBIN,

1980); a Teoria-Metodológica da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1985,

1994; HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004), com enfoque na metafunção Interpessoal,

examinando, na microestrutura, os elementos persuasivos que percorrem o texto, a

saber: Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003); Linguística Crítica (FOWLER, 1991);

Crypto-argumentação (KITS e MILAPIDES, 1997); Contrabando de Informação

(LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007); Apito do cão (MANNING, 2004); Modelo de

Toulmin (TOULMIN, 1958; TOULMIN et al, 1984); Polidez (BROWN e LEVINSON,

1978; 1987). Gênero (MARTIN, 1984); Conversa casual (SCHEGLOFF e SACKS, et

al, 1974); Artigo de opinião (BRÄKLING, 2000); Estrutura do Gênero (PORTA,

THOMPSON, 2001, 2002; HOEY, 1994; VIGNER, 1988) e Textura (REYNOLDS,

2000). Capítulo 3 – Metodologia, em que se apresenta o corpus de estudo e os

procedimentos utilizados para a análise. Capítulo 4 - Análise e Discussão dos

7

Resultados, em que se apresentam as análises dos dois textos escolhidos. Está

dividido em: (i) análise de Registro; (ii) análise da microestrutura: Causa, Condição e

Concessão, Modalidade/Avaliatividade, entre outros recursos persuasivos e Modos

textuais; (iii) discussão referente à macroestrutura discursiva; (iv) Discussão Geral,

com a comparação entre as duas modalidades (oral e escrita). Capítulo 5 –

Considerações Finais em que se apresentam as perguntas de pesquisa com as

respectivas respostas e as contribuições desse estudo no âmbito educacional e

acadêmico.

8

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

9

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Apresentamos, a seguir, as teorias que embasam esta pesquisa. Iniciamos com

os autores que trataram da causalidade (JORDAN, 1998), condicionalidade

(MAZZOLENI,1994 e DANCYGIER; SWEETSER, 1996, 2000) e concessividade

(COUPER-KUHLEN, THOMPSON, 2000); a respeito da importância da sintaxe na

comunicação de uma mensagem (SLOBIN, 1980); Teoria-Metodológica da Gramática

Sistêmico-Funcional (HALLIDAY,1985,1994; HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004), com

enfoque na metafunção Interpessoal, examinando, na microestrutura, os elementos

persuasivos que percorrem o texto, a saber: Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003);

Linguística Crítica (FOWLER, 1991); Crypto-argumentação (KITS e MILAPIDES,

1997); Contrabando de Informação (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007); Apito do

cão (MANNING, 2004); Modelo de Toulmin (TOULMIN, 1958; TOULMIN et al, 1984);

Polidez (BROWN e LEVINSON, 1978; 1987); Gênero (MARTIN, 1984); Conversa

casual (SCHEGLOFF e SACKS, et al, 1974); Artigo de opinião (BRÄKLING, 2000);

Estrutura do Gênero (PORTA, THOMPSON, 2001, 2002; HOEY,1994; VIGNER, 1988)

e Textura (REYNOLDS, 1997).

2.1 A Causalidade

Tendo em vista a primeira pergunta de pesquisa: (a) Como são realizadas as

relações de causa, condição e concessão nos textos examinados?, apresentamos

algumas propostas que mostram que a expressão da causalidade não se restringe à

citada nas gramáticas normativas, abrangendo não somente as conjunções

subordinativas causais, mas também preposições, relações entre orações e outros

recursos como veremos a seguir.

Com base em trabalho que define a relação causa-efeito como uma das três

relações lógicas da língua, Jordan (1998) demonstra no inglês como os meios de

sinalização de causa-efeito são usados em diferentes registros e em diversas

situações gramaticais e textuais. Entre as sinalizações discutidas, incluem-se

indicações nulas (ou omissão de conectivo), preposições, advérbios de tempo,

gerúndios e orações-que, bem como elementos mais reconhecidos como: isto, causa,

efeito, assim, daí, porque, devido a. Muitos fatores limitam essas possibilidades de

10

sinalização da relação causal, tais como: registro, comprimento da sentença, ênfase,

pressuposição, variedade de sinalização, coesão e semântica associativa,

complexidade gramatical ou a necessidade de um novo Tema. O autor mostra que,

embora os sinais da relação causa-efeito sejam bem conhecidos, sabemos pouco

sobre como e quando eles são empregados no uso da língua em situação real.

Sabe-se que itens lexicais como causa e resultado, continua Jordan (1998),

nem sempre indicam a presença da relação causa-efeito. Por outro lado, algumas

relações de causa-efeito não são indicadas de forma explícita. Muitas outras

aparecem subentendidas por meio de preposições: em, depois de, com, ou por meio

da conjunção quando, e outras fornecem indicações de local e tempo que, dentro do

significado total da comunicação, podem ser percebidas como indicação de causa-

efeito, e de tempo também.

Segundo Jordan (1998), o pronome “isto” proporciona a reentrada da oração

ou do grupo nominal em nova oração para criar uma relação lógica entre o referente

e o predicado da nova sentença.

(1) O fato de muitas fórmulas vitamínicas não serem equacionadas adequadamente pode prejudicar a sua absorção.

(2) O fato é que muitas fórmulas vitamínicas não são equacionadas adequadamente. Isto

pode prejudicar a sua absorção.

Algumas relações entre partes do texto podem não ser sinalizadas (MANN;

THOMPSON, 1986).

(3) Na noite de 21 de outubro, o Universe Leader, um navio-tanque de 93.000 toneladas,

começou a carregar óleo cru no terminal Whiddy Island do Golfo. Na manhã seguinte, 2500 toneladas do óleo cru estavam na Baía de Bantry Bay, em vez de estar nos tanques do navio. Alguém tinha aparentemente deixado aberta a válvula por cerca de meia hora.

(4) Os idosos também sofrem dos danos do fumo.

Também a ordem cronológica pode indicar a causalidade.

(5) Kenneth Gibson (82) foi morto ao anoitecer da quinta-feira, quando o seu Oldsmobile derrapou numa curva e bateu num hidrante.

Sobre a variedade e comprimento de sentença, o autor lembra a possibilidade

de transformar uma oração em um grupo nominal, nos termos de Halliday (1994) para

converter a relação de causa-e-efeito entre duas sentenças em uma entre o sujeito

11

(causador) e seu objeto, através de expressões como: isso causa, isto resulta em,

etc.

(6) Para mudar a transmissão, a hidráulica ou empurra os lados da polia juntos ou puxa-os para separar. Isso força a roldana a correr para cima ou para baixo no encaixe, assim encolhendo ou expandindo efetivamente o diâmetro das polias.

(7) Em geral, as partículas não tratadas se reúnem na parte inferior do conduto, causando aumento gradual de pH conforme a água descartada atravessa a linha.

(8) Os componentes da fumaça de cigarros danificam o interior das veias, o que pode levar ao desenvolvimento da arteriosclerose.

(9) A temperatura do combustível armazenado nos tanques do navio ou nos tanques da parte inferior aproxima-se da temperatura do mar, que raramente excede a 30º C, e assim a exigência da SOLAS é plenamente satisfeita quanto aos 40º do ponto de fusão do combustível.

(10) O aquecimento dos oceanos pode estar encolhendo o tamanho do salmão do Pacífico.

(11) Nós somos também o pioneiro em gerenciamento de centro-de-gravidade. Nosso sistema de monitoramento e controle de combustível, construído em cooperação com a Hercules Aerospace, é um meio de reduzir custos de combustível para jatos para os operadores.

A propósito dos elos assindéticos (ausência de conectivo), Gohl (2000) nota

que esse é um instrumento frequente, especialmente na conversa informal. Nesse

caso, é quase impossível especificar a relação de coerência que existe entre dois

enunciados adjacentes sem olhar para a sequência mais ampla do contexto

circunstancial (linguístico e não-linguístico) desses enunciados. A propósito, Grice

utilizou exemplos para demonstrar a ocorrência da Máxima de Modo (“seja claro”),

como se vê a seguir:

(12) Ele tirou as calças e foi deitar.

A conjunção e sinaliza uma relação de sequência temporal (e então), que pode

ser entendida pela ideia de que, salvo indicações contrárias, os fatos foram contados

em sua ordem natural.

Apresentamos a seguir o Quadro 1 que resume as categorias de análise da

expressão causal:

12

Quadro 1: Expressão da Causalidade

Código: ► = causa e ♦ = consequência Podem indicar causa Exemplos

1. Substantivos: causa, razão, motivo Em geral, as partículas não tratadas se reúnem na parte inferior do conduto, (assim) causando aumento gradual de pH conforme a água descartada atravessa a linha.

2. Preposições: em, depois de, com [típico de linguagem jornalística]

Os idosos também sofrem dos danos do fumo.

3. Pronome indefinido: isto O fato é que muitas fórmulas vitamínicas não são equacionadas adequadamente. Isto pode prejudicar a sua absorção.

4. Pronome relativo: que Os componentes da fumaça de cigarros danificam o interior das veias, o que pode levar ao desenvolvimento da arteriosclerose.

5. Conjunção: assim ►A temperatura do combustível armazenado nos tanques do navio [..] raramente excede a 30º C, e assim a exigência da SOLAS é plenamente satisfeita quanto aos 40º C do ponto de fusão do combustível.

6. Expressão é que Nasceram por acaso. É que a tabela não funcionou.

7. Entre partes do texto, mas sem Sinalização

Na noite de 21 de outubro, o Universe Leader, [..] começou a carregar óleo cru no terminal WIG. ♦Na manhã seguinte, 2500 toneladas do óleo cru estavam na Baía de Bantry Bay, em vez de estar nos tanques do navio. ►Alguém tinha aparentemente deixado aberta a válvula por cerca de meia hora.

8. Entre sujeito e predicado, com redução de oração

►O fato de muitas fórmulas vitamínicas não serem equacionadas adequadamente ♦pode prejudicar a sua absorção.

9. Ordem cronológica Quando a bomba estourou, ela desmaiou.

10. Títulos indicam causa por meio de tópico conhecido pelos leitores.

O aquecimento dos oceanos pode estar encolhendo o tamanho do salmão do Pacífico.

11. Anáfora indica ponte entre causa e efeito.

Nosso sistema de monitoramento e controle de combustível, construído em cooperação com a Hercules Aerospace, é um meio de reduzir custos de combustível para jatos para os operadores.

Fonte: Jordan (1998)

2.1.1 A função da Causalidade

Uma vez mostrados os recursos de expressão da causalidade, e para

responder à segunda pergunta de pesquisa, ou seja, Qual é o papel dessas relações

na persuasão que percorre o texto argumentativo?, vamos examinar algumas

propostas que tratam do assunto.

Sweetser (1990) relaciona os conectivos discutidos com a questão da

coerência e sugere que uma conexão entre conectivos empregados semanticamente

13

relaciona-se à metafunção Ideacional (HALLIDAY, 1994), enquanto uma conexão

entre conectivos empregados pragmaticamente relaciona-se à metafunção

Interpessoal (HALLIDAY, 1994), isto é, a um apelo para o ouvinte fazer alguma coisa.

Nesse contexto, com apoio em Dottori Filho (2005), tratamos da função da

conjunção “porque”. Desde os estudos do círculo de Bakhtin, o uso da língua é

considerado dialógico por natureza. Dentro dessa perspectiva, Ford (1994) sugere

que a conjunção “porque” emerge em geral depois de relações retóricas de contraste

e negação, ou mais genericamente, depois de proposições que vão contra as

expectativas partilhadas.

Em alguns casos, o emprego de “porque” não é negociado na interação. É o

que acontece em um contexto jornalístico, em que o diálogo se dá entre o jornalista e

o leitor, presumindo-se aí que o leitor seja capaz de interpretar o uso da conjunção

sem recorrer à sequência conversacional originalmente precedente, o que pode

originar uma frase final de “porque” como resultado do diálogo entre falante e ouvinte

(ou autor e receptor), na ausência de um receptor presente.

Ford (2000) analisa as funções do contraste na interação. A autora considera o

contraste em termos amplos, envolvendo contraste neutro, concessão e antítese,

reconhecendo que contrastes podem ser manifestados como desacordos entre

interlocutores. Quando há algum contraste entre os interlocutores envolvidos em uma

interação face-a-face, surge a necessidade de explicações ou soluções, em que o

falante esclarece o contraste apresentando uma razão muito importante ou uma

consequência para o fato.

A autora analisa tipos de combinação retórica recorrente e esperável, que

compõem a maioria dos casos presentes nos dados: contraste seguido de

explicação, e contraste seguido de solução. Os casos são diversos com relação às

funções dos contrastes, isto é, a apresentação da incompatibilidade ou da oposição

atende a diferentes finalidades da interação.

Dentre os modelos estudados de contraste seguido de explicação, e de

contraste seguido de solução, há evidências de que existe um modelo mais geral,

através do qual os contrastes são seguidos de uma explicação introduzida por um

conectivo, dentro de uma sequência padronizada. A pesquisa verifica uma

regularidade relevante associada aos usos de explicações e soluções após

contrastes.

14

Em alguns desses casos – ordens de autoridade, correção, falas específicas–

certas ações parecem exercer uma força de atuação pelo menos em parte por meio

da ausência de mudanças voltadas para explicação e solução. Nesse caso, os

contrastes podem ainda ser associados a explicações e soluções, mas o falante pode

indicar a autoridade da qual está falando, por produzir estrategicamente um contraste

não-elaborado, ou pode apresentar uma interpretação da existência de um problema

como uma reclamação, ao oferecer uma posição de simpatia ao invés de um impulso

de remediação.

Gohl (2000) usa os achados de Ford (1994, 2000) sobre os contextos nos quais

as explicações e justificativas emergem regularmente, ou marcados por porque.

Contudo, o achado de Ford de que as explicações são em geral produzidas em

contextos envolvendo algum tipo de contraste é apenas aplicável a parte do material

analisado por Gohl (2000). A ocorrência de explicações parece não estar diretamente

ligada à estrutura linguística que o enunciado anterior expresso, mas a um tipo de

ação realizada pelo enunciado anterior.

A autora trata de: (a) após explicações segunda ação não-preferida (ou seja, a

resposta que contraria as expectativas do falante); (b) explicações depois de

avaliações; e (c) explicações para pedidos. Com base nesses itens, a autora afirma

que os pedidos são atividades que ameaçam a face porque obrigam o receptor a fazer

algo: ou na forma de ação verbal (fornecendo informação), ou na forma de ação não-

verbal (fazer algo). Esse formato torna os pedidos em ações sensíveis em termos

conversacionais – e por isso é provável que sejam seguidos por explicações. Da

mesma forma, queixas e reprimendas requerem, em geral, uma explicação.

2.2 A Condição

A condição – outro elemento foco da análise desta pesquisa - também tem sido

foco de algumas considerações como veremos a seguir. As construções condicionais

(doravante, CCs) são tradicionalmente consideradas como constituídas por duas

partes: a oração subordinada adverbial condicional e a oração principal

(BECHARA,1969). Em lógica, a proposição correspondente à oração subordinada é

chamada prótase e à oração principal, apódose), como no exemplo (1) Se ele

conseguir dinheiro, ele irá a Portugal:

15

Se conseguir dinheiro, ele irá para Portugal.

subordinada adverbial condicional Principal

PRÓTASE APÓDOSE

Mazzoleni (1994), estudando as CCs no italiano, constatou que certos tipos de

CC só, 2001b ocorrem no modo indicativo, não admitindo a forma subjuntiva. Esse

fato foi constatado para o português também (IKEDA, 2001). Para ele, existiriam então

dois tipos básicos de CCs: “normais” e “pragmáticas”3.

(a) CCs normais - As CCs normais, ou preditivas, são conhecidas também como

CCs de conteúdo. Mazzoleni (1994) diz que o uso do se tem dois efeitos

correlatos:

• o valor verdade da (proposição expressa pela) prótase (p) afeta o

status da apódose (q);

• a proposição no antecedente de uma CC não é afirmada, mas deixada

em aberto: fazendo assim, o falante não assume a responsabilidade da

verdade4 de p e q.

Enunciando a prótase, o falante hipotetiza a proposição que serve como uma

condição para a proposição expressa pela apódose. Mas na conversa diária, (1), por

exemplo, sugere que uma saída tardia (i.e., não p) resultará em enfrentar

‘congestionamento’, (i.e., não q):

(1) Se sairmos cedo, não haverá congestionamento de trânsito.

Em termos de Geis e Zwicky (1971, apud Mazzoleni, 1994), a sentença do tipo 'se p,

q' envolve a inferência convidada 'se não p, não q'; o exemplo (2) seria a inferência

convidada de (1).

3 Também chamadas de preditivas e não-preditivas, respectivamente por Sweetser & Dancygier (1996, 2000). 4 Verdade ou valor verdade como abreviação para o valor verdade e/ou relevância comunicativa de q.

16

(2) Se não sairmos cedo, o tráfego estará congestionado.

(b) CCs pragmáticas ou não-preditivas - Na classificação das CCs pragmáticas,

Mazzoleni alista quatro possibilidades, às quais Dancygier e Sweetser (1996)

acrescentam mais uma, a CC Epistêmica.

(i) CC Epistêmica - Neste caso, p expressa uma proposição que é

pressuposta como sendo verdadeira, o que leva à verdade de q.

(3) Se ele foi a Portugal, ele conseguiu o dinheiro.

(ii) CC de Atos de Fala- Neste caso, o valor verdade de p não afeta o valor

verdade de q, mas a felicidade do ato de fala realizado no enunciado. Diferentes

tipos de ato de fala podem ser condicionados desta maneira, tais como, oferta,

elogio, pergunta, pedido e afirmações.

(4) [Eu pergunto a você] Se está com sede, há cervejas na geladeira.

Ato de fala de pergunta

(iii) CC "Sentença do Holandês" - A falsidade óbvia de q autoriza a

inferência convidada que automaticamente leva à interpretação de p

como falsa.

(5) Se você é tão esperto, por que não conseguiu o dinheiro?

(iv) CC imperativa (versão da CC hipotética) - É em geral usada para

realizar um ato de fala 'proposital' cuja meta principal é a realização de

um efeito perloCucionário: o falante quer produzir ou evitar uma

situação, cujo controle (pelo menos parcialmente) depende do ouvinte.

Para isso, o falante pode contribuir com (i) efeitos desejáveis ou (ii) indesejáveis.

(6) (i) Me lava o carro e eu te dou cinco reais. (CC hipotética: Se você me

lavar...)

17

(ii) Me diga isso outra vez e eu te quebro os ossos.

(v) CC metalinguística - No exemplo abaixo, proposta por Dancygier e

Sweetser (1996), q não depende de p, já que o primeiro atua no nível

do conteúdo e o segundo no nível metalinguístico. O falante expressa

um conteúdo essencialmente incondicional e permite um modo

alternativo de expressar esse conteúdo.

(7) Meu ex-marido, se este é o termo correto para ele, foi visto em Las Vegas.

2.2.1 Condição e argumentação

Reynolds (2000), ao tratar da argumentação, cita a hipótese como um dos

fatores que aumentam a sua força persuasiva. No modo argumentativo, diz

Vestergaard (2000, p. 103-5), há muitas funções, que, juntas, formam a natureza

persuasiva desse modo. Ele alista cinco tipos, que chama de “avaliativo” (não-

verificável), tipos ilocucionários, como propostas, avaliações, previsões,

interpretações e explicações causais, notando que esta não é uma lista exaustiva.

Reynolds (2000) trata de dois deles, predição e avaliação, já que elas estão sempre

presentes na argumentação de editoriais, e acrescenta: declaração e hipótese.

Abordaremos, a seguir, a predição, a declaração e a hipótese. A Avaliação será

tratada no item: Persuasão e Avaliação.

(a) Predição - Podemos distinguir, diz Reynolds (2000), entre predição

inferencial, que pertence inteiramente ao modo argumentativo, e a

referência futura, que é ou narrativo, ou narrativo-com-argumento. Em (8) a

predição é puramente inferencial.

(8) There will be widespread support for Mr. Straw’s assertion that most children in this age group know the difference between right and wrong.

[Haverá grande apoio para a declaração do Sr. Straw de que a maioria das crianças

nesta faixa-etária sabe a diferença entre certo e errado5.]

5 As traduções dos exemplos são minhas.

18

Em (9), a seguir, há tanto um uso do modal will, inferencialmente preditivo, nas

duas primeiras sentenças, com o modo argumentativo reforçado pelo uso de dois

advérbios avaliativos understandably e naturally, e o uso do will narrativo na terceira

sentença.

(9) As long as the Labour leadership maintains its vow of silence on taxes, the public will understandably remains suspicious and rely on their memories of past Labour

governments. The Tory publicity machine will naturally try to persuade voters to assume the worst. Indeed, a Tory campaign to expose Labour’s secret tax plans will begin in the very first week of the New Year. [Enquanto a liderança do Partido Trabalhista mantiver seu voto de silêncio sobre os impostos, o povo permanecerá compreensivelmente receoso e confiará em suas memórias a respeito dos governos trabalhistas anteriores. A máquina publicitária Tory naturalmente tentará persuadir os eleitores a assumir o pior. Na verdade, uma campanha da Tory mostrará os planos de imposto secreto do Partido Trabalhista que começará ainda nesta primeira semana de Ano Novo.]

A “predição” na terceira sentença é factualmente baseada, enquanto que as

duas primeiras sentenças não são. Contudo, um tom avaliativo na terceira sentença –

‘a exposição’ de ‘um plano secreto’ – é igualmente evidente: daí, narrativo-com-

traduzir.

Uma fusão de hipótese [1], predição inferencial [2] e conselho deôntico [3] está

evidente no seguinte exemplo do modo argumentativo:

(10) [1] If the Conservatives are evicted from office this week, [2] they will doubtless move swiftly to the leadership question. [3] They would do well to consider the local democracy issue with equal intensity.

[1] Se os conservadores forem despejados do escritório nesta semana, [2] sem dúvida,

eles se moverão rapidamente para a questão da liderança. [3] Eles fariam bem em considerar a questão da democracia local com igual intensidade.

(b) Declaração - São afirmações do modo argumentativo que são feitas sem

nenhum fundamento específico ou garantias explícitas apresentadas no

discurso (embora, é claro, as garantias sejam recuperáveis, como suposições

subjacentes ou pressuposições pragmáticas).

(14) Yesterday’s Guardian-ICM poll was not a rogue, even though last night’s polls from other companies seemed to suggest that Labour’s lead is holding up more strongly than the five-point margin we reported in yesterday’s edition.

19

[A votação da ICM-Guardian de ontem não foi enganosa, embora as últimas pesquisas de opinião de outras empresas, ontem à noite, pareciam sugerir que a liderança do Partido Trabalhista esteja se apresentando mais fortemente do que a margem de cinco pontos que nós informamos na edição de ontem. ]

(15) Despite the fact that the election has become a presidential context, the real choice is still the choice that individual voters make about individual candidates.

[Apesar do fato de que a eleição se tornou um contexto presidencial, a escolha real é

ainda a escolha que os eleitores individuais fazem sobre os candidatos individuais. ]

Declarações, como já foi sugerido, frequentemente servem como portadores

de metamensagens ideológicas, e particularmente quando na forma do que Lyons

(1977:763, apud Reynolds, 2000) chama de declaração ‘categórica’, i.e., declarações

que não são modalizadas. Vejamos os exemplos abaixo.

(16) Workfare is expensive. The cheapest way to deal with unemployment is to pay a Giro cheque.

[Mão de obra é cara. A forma mais barata de lidar com o desemprego é pagar um

cheque de Giro. ]

Nenhuma evidência é citada como garantia para essa declaração, que não é

inesperada por jornal da ala direita (Conservadores) como o The Times. Garantias

implícitas apoiando um argumento como essa incluiria a importância do corte de taxas,

a necessidade dos indivíduos serem autônomos (confiáveis por si) e uma

“interferência mínima” do governo.

(17) The PTA (Prevention of Terroriim Act) is an act unacceptable, arbitrary power. (G19: last para., sent.1)

[A PTA (Ação de Prevenção de Terroriim) é um ato inaceitável, um poder arbitrário. (G19: último parágrafo, enviado.1)]

Como em (16), uma reivindicação é feita na forma de uma declaração sem a

presença de mitigação, sem fundamentos ou garantias. Esse é o caso em que ela é

elaborada para se alinhar com o leitor de inclinação de esquerda, como é o esperado

do The Guardian. Isso pode ser visto pela forma em que o poder é problematizado

como potencialmente merecido e maligno. É também o caso do exemplo seguinte, em

que a afirmação pressupõe a importância da benevolência da democracia como uma

forma de vida política. Esse uso de pressuposição exemplifica o argumento forte

20

defendido por Sbisá (1999) de que a pressuposição na mídia jornalística é

frequentemente empregada para propósitos persuasivos, servindo a fins ideológicos.

(18) Voting matters. It changes things, as we hope it will do today. (G22 [no dia da eleição]: para.3, sent. 3-4)

Questões de voto. Ele transforma as coisas, como nós esperamos que ele fará hoje. (G22 [no dia da eleição]: parágrafo 3, enviado. 3-4)

No exemplo seguinte de declaração não-modalizada, a garantia (que a

associação livre é desejável) está mais claramente implícita do que em outros

exemplos.

(19) Identity cards, even if voluntary, are a dangerous step further away from Britih customs of free association. (t9:para4, sent.3).

[Cartão de identidade, mesmo que voluntário, é um passo perigoso longe do costume

britânico de livre associação. (t9: parágrafo 4, enviado 3)].

Por fim, podemos observar que em todos esses exemplos de declaração não-

modalizada, o modo argumentativo não está fundido com nenhum outro. Isso é

argumento direto.

(c) Hipótese - Uma função do argumento é posicionar algum possível estado de

coisas como um prelúdio para a afirmação, de maneira tão persuasiva quanto

possível, tal que o estado de coisas é o caso, com ou sem evidência de prova.

Essa é a essência da hipótese, e um meio sintático para sua sinalização é o

uso da oração ‘se’. Que o argumento é em geral tanto especulativo quanto

persuasivo ao mesmo tempo é demonstrado através da combinação da

modalidade deôntica com a condicionalidade, como no exemplo:

( ) If the Lib Dems negotiate an active relationship with a future Labour government, their first priority ought to be to bring sanity back into the vital area of fiscal policy.

[Se os Democratas Liberais negociarem uma relação ativa com um futuro governo trabalhista, a sua primeira prioridade deve ser a de trazer a sanidade de volta para a área vital da política fiscal. ]

(d) Avaliação – que foi apresentada no item 2.3.2, Avaliatividade.

21

2.3 A Concessão

Um rápido exame das situações de concessão, em três diálogos gravados pelo

Projeto NURC (CASTILHO; PRETTI, 1987, 1988), mostrou-nos (IKEDA et al, 2012)

que, em dois deles, a conjunção subordinativa concessiva embora como sendo a

expressão de concessão, citada primordialmente pelas gramáticas normativas não se

fazia presente. Não se fazia concessão nesses diálogos? Porém, um exame mais

detido, mostrou que, sim, havia muitas situações de concessão, e que, na maioria dos

casos, o conectivo mas, uma conjunção coordenativa adversativa, integrava situações

de concessão.

Mas, antes de outras considerações, vejamos como era tratada a conjunção

embora, que, segundo Cunha (1972, p. 394)6, inicia uma oração concessiva em que

se admite um fato contrário à ação principal, mas incapaz de impedi-la:

(1) É todo graça, embora as pernas não ajudem... (CUNHA, 1972, p. 394)

Observemos que, no exemplo (1), é possível a substituição da conjunção

embora pela conjunção mas, como se vê em (2):

(2) É todo graça, mas as pernas não ajudam...

Porém, nem sempre é o que acontece:

(3) O João é gordo, mas o Pedro é magro.

(4) (?) O João é gordo, embora Pedro seja magro.

O exemplo (4) seria possível em outro contexto, mas não como substituto de

(3).

Por outro lado, examinando-se os exemplos (5) e (6), abaixo, notamos que a

impossibilidade da substituição de embora por mas deve-se ao fato de mas, sendo

uma conjunção coordenativa, não poder iniciar o período (NEVES, 1999).

6 Outros autores examinados a respeito do assunto foram Almeida (1967), Cegalla (1971), Neves (1999), Bechara (2005).

22

(5) Embora você queira, nada acontecerá. (ALMEIDA, 1967, p. 514)

(6) *Mas você queira, nada acontecerá.

Contudo mas pode iniciar uma oração em (7):

(7) A: Vamos comer pizza no jantar?

B: Mas a gente comeu ontem mesmo!

A literatura funcionalista menciona a existência de uma relação complexa entre

concessivas e adversativas, tal que “a resolução dessa relação não é simples”

(NEVES, 1999, p. 545). Para Halliday e Hasan (1976), a relação de contraste que

compreende as construções adversativas e as concessivas tem o significado básico

de “contrariedade à expectativa”. Nesse sentido, Lopes (s/d: 3, apud NEVES, 1999,

p. 549-550) diz que “todo jogo das relações entre construções contrastivas (isto é,

concessivas ou adversativas) [...] envolve a intervenção de pelo menos uma negação”.

Essas afirmações mostram, então, que há pontos de convergência entre as

concessivas e as adversativas; contudo, nem sempre esse fato se verifica, como

demonstram vários exemplos examinados.

Couper-Kuhlen e Thompson (2000) mostram como a concessão é realizada na

conversa, como os falantes revelam seu conhecimento dos padrões de concessão e

como eles os manipulam para suas finalidades interacionais, e propõem o esquema

da Concessiva Cardinal (CCard) para entender como os falantes realizam essas

atividades.

2.3.1 O esquema da Concessiva Cardinal

Couper-Kuhlen e Thompson (2000) estudam a concessão na conversa – como

meio de evitar confronto e a ameaça à face (BROWN; LEVINSON, 1987) - e, embora

seu objetivo não seja a relação entre embora e mas, o esquema da Concessiva

Cardinal (doravante CCard), que propõem, é esclarecedor nesse particular para o

nosso estudo.

Couper-Kuhlen e Thompson, após mostrarem como a concessão é realizada

na linguagem oral; como os falantes revelam seu conhecimento dos padrões de

23

concessão; e como eles os manipulam para suas finalidades interacionais, propõem

o esquema da Concessiva Cardinal (CCard) para entender como os falantes realizam

essas atividades.

As autoras afirmam que a concessão é, num sentido fundamental, diádica,

envolvendo a CCard, uma sequência de três partes em que um primeiro falante coloca

algum ponto (X) e um segundo falante reconhece a validade desse ponto (X'), mas

prossegue para expor seu ponto potencialmente contrastante (Y’). O CCard pode se

realizar em uma sequência interacional de três partes, envolvendo dois ou mais

falantes:

(X) A: Declara algo ou expõe seu ponto de vista

(X') B: Reconhece a validade dessa declaração ou ponto de vista

(concessão)

(Y') B: Prossegue argumentando a validade da declaração potencialmente

contrastante.

As autoras consideram também muitas implicações funcionais e sociais desse

padrão na linguagem oral, em que, talvez, a tese mais interessante seja a de que a

concessão tem seu uso determinado pela necessidade de expressar alinhamento ou

desalinhamento entre os interlocutores. Elas propõem o esquema da CCard, a partir

de exemplos como:

Joanne e Lenore estão conversando sobre um amigo em comum que tem o

vício de beber.

(a) Joanne: mas ele é saudável como um TOURO. (b) esse rapaz. (c) (---) (h) esse rapaz é SAUDÁVEL como um tou:ro (d) Lenore: [ seu fígado, (e) exceto pelo fígado. (f) Joanne: (-) eh, (g) mas o que estou falando é (h) como se (i) você sabe (j) pelo tanto que ele ABUSA do fígado (k) e todas as outras (-) outras coisas da vida (l) ele ainda é SAUDÁVEL como um TOURO

24

As autoras enfocam aqui a concessão nas linhas (d) e (e) em que Lenore

aponta que o fígado do amigo não está saudável. Na linha (j), Joanne concorda com

Lenore, mas na linha (l) continua irredutível em sua declaração de que o rapaz “ainda

é saudável como um touro”. Elas apresentam o esquema do Quadro 7, em que

acrescentamos a última coluna (auxiliar) a título de esclarecimento da relação

concessiva/adversativa:

Esquema 1: A Concessiva Cardinal

X Lenore: a não ser pelo fígado

X’ Joanne: pelo tanto que ele abusou de seu fígado,

concessiva (embora ele tenha abusado...)

Y Joanne: ele ainda está saudável como um touro.

adversativa (mas ele ainda está saudável)

Fonte: Couper-Kuhlen; Thompson (2000)

Continuando, as autoras afirmam que esses padrões surgem de tarefas em que

os participantes se veem continuamente confrontados na interação. O CCard está

adaptado para introduzir um desacordo com um acordo parcial ou fraco no contexto

de uma atividade de avaliação, segundo Pomerantz (1984). Como Pomerantz e outros

afirmam, conceder é um modo de que dispõem os falantes para introduzir um

desacordo potencialmente destruidor.

Há uma ressalva que Ikeda et al (2012) julga necessário fazer em relação ao

esquema 1. Para compreender a concessão no exemplo, o esquema deveria iniciar-

se com a fala de Joanne: "mas ele é saudável como um TOURO esse rapaz",

afirmação contra a qual Lenore reage: "a não ser pelo fígado". Esse acréscimo ajuda

a compreender o funcionamento da concessão, estabelecendo a "contrariedade à

expectativa", de que nos fala Iten, além da coerência exigida pelas palavras das

próprias autoras: "mas na linha (Y), Joanne continua irredutível em sua declaração de

que o rapaz: é saudável como um touro”.

Oda (2008, apud IKEDA, 2012) propõe, assim, o Esquema 2, a seguir:

25

Esquema 2: Esquema revisado da Concessiva Cardinal

Y Joanne: mas ele é saudável como um TOURO

X Lenore: a não ser pelo fígado

X’ Joanne: pelo tanto que ele abusou de seu fígado, concessiva (embora ele tenha abusado...)

Y' Joanne: ele ainda está saudável como um touro. adversativa (mas ele ainda está saudável)

Fonte: Oda (2008)

A seguir, na medida em que esta pesquisa trata de elementos conectores de

orações, apresentamos as considerações feitas por Slobin (1980) a respeito da

importância da sintaxe na comunicação de uma mensagem.

2.4 Os universais linguísticos

Slobin (1980) tratando dos universais linguísticos, acumulou muitas

informações a respeito das línguas do mundo, as quais revelaram padrões comuns

surpreendentes (GREENBERG, 1978, apud SLOBIN, 1980). Os universais

linguísticos devem basear-se em universais psicológicos e socioculturais, para, assim,

contribuir na construção de uma teoria geral da natureza do pensamento humano e

da interação social, segundo Slobin (1980). Assim, todas as línguas sofrem restrições

devido a: (a) tendências humanas a pensar e imaginar de certa maneira; (b)

exigências de realização impostas por um código que se enfraquece rapidamente e é

temporariamente ordenado (seja fala auditiva ou sinal visual); e (c) natureza e metas

da interação humana. A questão das orações subordinadas, sobre as quais recai o

enfoque desta pesquisa, está envolvida no item (c).

Assim, continua o autor, usa-se a sintaxe para dirigir a atenção do ouvinte para

o fio de um argumento. Veja-se, o exemplo de Slobin, na breve declaração abaixo:

(1) Na noite passada, eu iria a um concerto, no lugar onde Judy costumava representar, mas o evento foi cancelado".

Uma oração subordinada adjetiva restritiva e uma construção passiva juntam

essa série de proposições com um mínimo de repetição. Se faltasse esse complexo

aparato sintático, poderíamos dizer mais ou menos o seguinte:

26

(2) Ontem à noite eu ia a um concerto. Judy costumava representar numa praça. O concerto era naquela praça. Fui àquela praça. Eles haviam cancelado o concerto.

Em (1), diz Slobin, a sintaxe torna o enunciado compacto e coerente. O

indivíduo precisa de meios para se referir ao que foi dito antes; para qualificar o que

está sendo introduzido; e para coordenar o ponto de vista do falante e do ouvinte. Tais

pressões do discurso, tanto temporais quanto sociais, estão constantemente atuando

no sentido de modelar a forma da língua. Em suma, diz o autor, quando viermos a

entender mais a respeito das pressões funcionais sobre a língua, poderemos explicar

melhor a razão da forma especial que a língua humana tomou para seu uso.

A razão da existência das orações subordinadas liga-se a várias funções que

elas exercem no texto, em especial, no texto escrito. Apenas para exemplificar,

examinemos um trecho de uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, "Homens",

publicada na revista VEJA:

(3) Deus, que não tinha problemas de verba, nem uma oposição para ficar dizendo

"Projetos faraônicos!". Projetos faraônicos!", resolveu, numa semana em que não tinha mais nada para fazer, criar o mundo. E criou o céu e a terra e as estrelas e viu que eram razoáveis. Mas achou que faltava vida na sua criação e sem ter uma idéia muito firme do que queria começou a experimentar com formas vivas.

Se separarmos as orações principais de suas subordinadas, teríamos a

situação apresentada no Quadro 2.

Quadro 2 - Análise do texto em orações principais e subordinadas

Oração Principal Oração Subordinada

Deus, Que não tinha problemas de verba, nem uma [...]

resolveu, numa semana em que não tinha mais nada para fazer

criar o mundo.

E criou o céu e a terra e as estrelas e viu Que eram razoáveis.

Mas achou Que faltava vida na sua criação

e sem ter uma idéia firme do que queria

começou a experimentar com formas vivas

Fonte: Luis Fernando Veríssimo – Revista VEJA abril de 1988.

27

Vemos que as ações feitas por Deus estão na oração principal e que a

descrição do contexto em que essas ações ocorreram estão nas orações

subordinadas. Ou seja, uma das funções das orações subordinadas é a construção

do pano de fundo em que as ações que desejamos priorizar acontecem.

Podemos perguntar o motivo desse contraste. Pesquisas psicolinguísticas

mostram que o ser humano tem a necessidade de distinguir forma e fundo, a forma

(foreground) salientando-se sobre o fundo (background), para poder entender o que é

primordial naquilo que seu interlocutor lhe transmite. Essa distinção é realizada por

vários recursos linguísticos como os tempos verbais (perfeito X imperfeito - vejamos

sublinhados no Quadro 2); tema X rema; oração principal x oração subordinada etc.

Essa característica da língua não só marca o contraste forma X fundo, mas também

sinaliza a porção da mensagem que o autor deseja privilegiar, orientando, assim, a

interpretação que ele espera do leitor. Em termos do processo persuasivo, pode-se

entender a importância que esse modo discreto de sugerir determinada interpretação

traz para o texto argumentativo.

Apresentamos, a seguir, a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), de Halliday

(1994) e Halliday e Matthiessen (2004), uma gramática da oração (LI, 2010), que

entende a língua como uma "rede de opções entrelaçadas" (Halliday, 1994) e uma

gramática do significado. A GSF vê a língua como um sistema de significados

realizados por meio de funções realizadas através do rico recurso de opções

gramaticais selecionadas pelo usuário da língua. Essas escolhas são descritas em

termos funcionais para que sejam significativas semântica e pragmaticamente.

2.5 A Gramática Sistêmico-Funcional

Na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), a língua é vista como uma prática

social, e é o resultado da relação entre dois aspectos fundamentais - sua

sistematicidade e sua funcionalidade (MARTIN, 1997). A funcionalidade está refletida

no discurso através da estrutura gramatical interna da língua, isto é, as funções da

língua fornecem as motivações para a sua forma e a sua estrutura (HALLIDAY, 1978).

A gramática da língua é representada por redes sistêmicas, derivadas das

escolhas realizadas pelos usuários nas mais diversas situações comunicativas

28

(HALLIDAY, 2004, p. 23). Para Halliday, a língua serve para construir três significados

- ou metafunções: Ideacional (Experiencial + lógico) (a informação e a conjunção

dessas informações), Interpessoal (interação) e Textual (construção do texto,

envolvendo as duas outras metafunções).

A metafunção Interpessoal, enfocada em especial nesta tese, organiza a

oração como um evento interativo, envolvendo falante (ou escritor) e audiência. Os

tipos interpessoais fundamentais de papel de fala são apenas dois, para Halliday

(1994): (i) dar, e (ii) pedir; além disso, esses tipos se relacionam com a natureza do

produto que está sendo permutado: (a) bens e serviços [Proposta] ou (b) informação

[proposição].

O significado interpessoal abrange os sistemas gramaticais de:

(a) MOOD (estabelece relações entre papéis de falante e ouvinte, através de

verbos modais ou adjuntos modais e também o tempo primário e a

modalidade. Quanto ao Mood, uma oração pode ser: declarativa (afirmativa

ou negativa); interrogativa (i) sim/não ou (ii) qu-; imperativa; subjuntiva;

exclamativa.

(b) MODALIDADE (expressa a avaliação dos interlocutores sobre o conteúdo da

mensagem). Halliday (1985, p.163-164) menciona também os epítetos

atitudinais (que estudaremos em Avaliatividade, de Martin 2000). Vejamos o

Quadro 3.

Quadro 3 - Modalidade

DAR PEDIR Produto MODALIDADE

Informação Proposição → (Informação)

Modalização probabilidade (epistêmica): talvez

e.g. São duas horas. e.g. Quem você viu lá? frequência: geralmente, sempre

Bens e Serviços Proposta → (Bens & Serviços)

Modulação obrigação (deôntica): deve, precisa

e.g. Deu-lhe flores. e.g. Me empresta isso? desejabilidade: quero Fonte: Halliday (1994)

29

NOTA: Autores (e.g., LEMKE 1992, p. 86) notam que essa abordagem tende a

confundir as funções interpessoais e a função do ‘ intrometimento’ pessoal. Assim,

Thompson e Thetela (1995) propõem que se faça uma distinção no interior da

metafunção interpessoal, e vê-la abrangendo duas funções relacionadas, mas

relativamente independentes: a pessoal e a interacional, além do interativo (este

para guiar o leitor através do texto: em resumo, como dissemos antes etc.).

Por outro lado, é importante para a GSF a questão da relação entre língua e

contexto. Alguns fatos mostram que língua e contexto estão interrelacionados, diz

Eggins (1994): (a) um texto carrega aspectos do contexto em que foi produzido; (b)

somos capazes de predizer a língua através de um contexto; e (c) sem um contexto

não somos capazes, em geral, de dizer que significado está sendo construído.

Portanto, ao fazermos perguntas funcionais, não é suficiente enfocarmos somente a

língua, mas a língua usada em um contexto. Mas quais as feições desse contexto

afetam o uso da língua?

Para responder a essa questão, os sistemicistas lançam mão de dois conceitos:

gênero e registro. O gênero representa os processos sociais em estágios orientados

para uma finalidade de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma

reportagem, um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral rotulados de

contexto de cultura. No caso desta pesquisa, os gêneros analisados são: o artigo de

opinião e a conversa casual.

O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992).

Na GSF, o registro é organizado pelas três variáveis contextuais, Campo (assunto),

Relações (status dos interactantes) e Modo (organização do texto). Essas três

variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da

linguagem (HALLIDAY, 1978).

Há também um terceiro contexto − o ideológico − que mais recentemente tem

sido abordado pela GSF. A ideologia ocupa um nível superior de contexto, referindo-

se a posições de poder, a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e

perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, e tem chamado a atenção

dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em qualquer gênero, o

uso da língua será sempre influenciado pela nossa posição ideológica. A análise dos

aspectos ideológicos tem sido feita, dentre outros, pela Linguística Crítica (FOWLER,

1991).

30

A GSF abriga, em sua metafunção Interpessoal, a noção de Avaliatividade, a

semântica da avaliação, que leva em conta o posicionamento dos interlocutores em

relação a sentimentos, julgamento ético e apreciações estéticas que os interlocutores

deixam transparecer durante a interação oral ou escrita. A Avaliatividade -

apresentada a seguir - contribui para a compreensão das funções dos conectores

oracionais.

2.5.1 A Avaliatividade

A avaliação tem sido estudada na GSF com o nome de Avaliatividade (tradução

de Appraisal), de Martin (2000, 2003), que, assim, acrescenta à metafunção

interpessoal da GSF a semântica da avaliação, isto é, o modo como os interlocutores

estão sentindo, os julgamentos que fazem e a apreciação de vários fenômenos de sua

experiência. A categoria principal ou sub-sistema é o AFETO, que trata da expressão

de emoções (felicidade, medo, etc.). Relacionado a ele há mais dois sub-sistemas:

JULGAMENTO (tratando de avaliação moral (honestidade, generosidade, etc.) e

APRECIAÇÃO (tratando da avaliação estética (sutileza, beleza etc.). É o que mostra

o Quadro 4.

Quadro 4 – Exemplos de Avaliatividade

AFETO – emoções RITA Eu adoro esta sala. Eu adoro aquela janela. E você gosta também? FRANK O quê?

JULGAMENTO – ética (avaliando comportamento) FRANK E é o seguinte, entre você, eu e as paredes, eu sou na verdade um professor péssimo. Na maioria das vezes, veja, nem interessa realmente – dar aulas péssimas está bem para a maioria dos meus alunos péssimos.

APRECIAÇÃO – estética RITA Sabe, a Rita Mae Brown, que escreveu Rubyfruit Jungle? Você leu esse livro? Ele é fantástico.

Fonte: Martin (2000)

Quando a avaliação está explicitamente realizada, é fácil a análise da atitude

em positiva ou negativa em relação a algum evento: Felizmente/Infelizmente, o Brasil

31

desafiou os EUA na ALCA. Mas o que fazer em casos onde a avaliação não está

inscrita explicitamente), como em: O Brasil desafiou os EUA na ALCA. Esse fato levou

Martin a postular uma distinção importante. Vejamos o Quadro 5, abaixo:

Quadro 5 - Meios de ativação da Avaliatividade

Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.

Evocada (implícito) (tokens ‘fatuais’) As crianças conversavam enquanto ele dava aula.

Implícita provocada (alguma linguagem avaliativa)

A professora já estava na sala, mas as crianças continuavam falando.

Fonte: Martin (1995)

Toda instituição está carregada com pareamentos (ideacional + avaliação)

desse tipo, diz Martin (2000), e a socialização em uma disciplina envolve tanto um

alinhamento com as práticas institucionais envolvidas quanto uma afinidade com as

atitudes que se espera que tenhamos em relação a essas práticas. Talvez devesse

ser enfatizado que os analistas da Avaliatividade deveriam declarar sua posição de

leitura – já que a avaliação por evocação depende da posição institucional que se

toma ao ler um texto. Assim, muitos leitores se alinhariam com Rita e não com Frank

em termos de textos populares como o citado Rubyfruit Jungle.

Sobre a relação entre a avaliação e a ideologia, diz Hunston (1993) que esse

conceito pode ser definido como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em

relação ao valor de uma entidade no texto. O sistema de valores constitui um aspecto

importante da ideologia e, segundo a autora, pode ser descrito linguisticamente em

termos da avaliação presente nos textos.

A avaliação pode ser definida como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em relação ao valor de uma entidade no texto ou mesmo em relação ao interlocutor. Em muitos gêneros, continua Hunston (1993), essa avaliação é articulada em termos de julgamento pessoal, mas pode não ser pessoal, e ser social ou institucional; além disso, a avaliação dos itens em relação àquele sistema pode ser expressa em termos metafóricos e de maneira implícita. (HALLIDAY, 1985, p. 332)

32

Martin diz que a expressão de atitude não é simplesmente uma questão de

posicionamento pessoal, mas uma questão interpessoal, pois a razão básica de

adiantar uma opinião é provocar uma resposta de solidariedade do interlocutor. A

seguir, o Quadro 6 apresenta um detalhamento do sistema da Avaliatividade.

Quadro 6 - Os sub-sistemas da Avaliatividade

ATITUDE

(a) Afeto

(in)Felicidade (in)Segurança (in)Satisfação

(b) Julgamento

Estima Social

Normalidade [frequente/raro] Capacidade Tenacidade

Sanção Social Veracidade Propriedade [ética]

(c) Apreciação

Reação (impacto): [Isso me cativa?] Reação (qualidade): [Eu gosto disso?] Composição (equilíbrio): [Eles combinam?] Composição (complexidade): [Fácil de compreender?] Valoração [Vale a pena?]

COMPROMISSO

(a) monoglóssico (sem negociação) (b) heteroglóssico (com negociação)

GRADUAÇÃO (a) Força Aumenta [completamente devastado]

Diminui [um pouco chateado]

(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]

Fonte: Martin (2000)

A seguir, a proposta de Fowler (1991), que foi denominada de Linguística

Crítica, mostra a importância das escolhas lexicogramaticais feitas pelo autor, já que

é por meio delas se revela a ideologia presente no texto. Cada relação de causa-e-

efeito, de condição, de concessão terá em seu bojo, segundo a proposta, um viés

ideológico.

2.5.2 A Linguística Crítica

A Linguística Crítica (LC), uma das correntes formadoras da análise do discurso

crítica, é uma abordagem que foi desenvolvida por um grupo da Universidade de East

Anglia, Inglaterra, na década de 1970 (FOWLER et al., 1979; KRESS e HODGE,

33

1979). Segundo Fairclough (1992a, p. 46): “Eles tentaram casar um método de análise

linguística e textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e

ideológicos, recorrendo à Gramática Sistêmico-Funcional”.

Em termos gerais, a LC rejeitou o tratamento dos sistemas linguísticos como

autônomos e independentes do “uso” da linguagem e a separação entre “significado”

e “estilo”. Na LC, a hipótese Sapir-Whorf, de que a linguagem incorpora visões de

mundo particulares, é acatada e estendida, entendendo-se, assim, que todo texto

incorpora ideologias. O objetivo dessa abordagem é a interpretação crítica de textos:

"a recuperação dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas

linguísticas à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos" (FOWLER et al.,

1979, p. 195-196). Para Fowler (1991), na medida em que sempre há valores

implicados no uso da língua, deve ser justificável praticar um tipo de linguística

direcionada para a compreensão de tais valores.

O ponto teórico principal na análise de Fowler é o de que qualquer aspecto da

estrutura linguística carrega significação ideológica; seleção lexical, opção sintática,

etc., todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa

e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem

distinções ideológicas (e assim diferenças de representação).

A análise crítica está interessada no questionamento das relações entre signo,

significado e o contexto socio-histórico que governam a estrutura semiótica do

discurso, usando um tipo de análise linguística. Ela procura, estudando detalhes da

estrutura linguística à luz da situação social e histórica de um texto, trazer, para o nível

da consciência, os padrões de crenças e valores codificados na língua – que estão

subjacentes à notícia e que são invisíveis para quem aceita o discurso como algo

“natural”.

A seguir, tendo em mente a aceitação do fato de que o ato de argumentar, de

orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, “constitui o ato linguístico

fundamental” (KOCH, 1987, p. 19), trataremos da persuasão, um hiper-processo, que

inclui numa relação de espécie-para-gênero os processos da convicção e a sedução

(KITIS; MILAPIDES, 1997).

34

2.6 A persuasão

Persuadir, conforme Abreu (2000), é saber gerenciar uma relação, é falar à

emoção do outro. Persuadir é construir algo no campo das ideias: quando

convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós e realiza algo que

desejamos que realize. Para Kitis e Milapides (1997), a persuasão envolve: (a)

convicção [por meio de evidências] e (b) sedução [por meio do apelo à emoção].

Enquanto o ato de convencer se dirige à razão, tecendo de um raciocínio estritamente

lógico e por meio de provas objetivas, sendo, assim, capaz de atingir um auditório

universal, a sedução, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento dos

interlocutores por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis, de caráter

ideológico, subjetivo, temporal, dirigindo-se, pois, a um auditório particular: o primeiro

conduz a certezas, ao passo que o segundo, leva a inferências que podem conduzir

esse auditório à adesão aos argumentos apresentados. Nesse sentido, Hunston

(1994, p. 193) propõe que:

Para ser convincente a persuasão deve parecer uma reportagem. Segue-se que a avaliação, através da qual a persuasão é realizada, deve ser altamente implícita e, assim, evitará a linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal.

A propósito, Latour e Woolgar (1979, p. 240) afirmam que “o resultado de uma

persuasão retórica é que os participantes devem ser convencidos de que não foram

convencidos”. Segue-se que a persuasão tende a ser altamente implícita e a evitar a

linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal, dependendo

em grande parte, por exemplo, do sistema de valores partilhados (Halliday, 1985).

Martin (2003, p. 173) alerta, então, para o fato de que “o apego a categorias explícitas

significa perder-se uma grande porção do significado atitudinal implicada pelos

textos”. Esse tipo de persuasão, que acontece cumulativamente conforme o texto se

desenrola pode ser extremamente eficaz em certos contextos.

Apresentamos, a seguir, alguns exemplos de persuasão implícita:

35

i) a crypto-argumentação – ou argumentação secreta – aquela que subjaz a um

texto narrativo e descritivo, em cuja verificabilidade o autor se apoia para

implicitamente persuadir o leitor (KITIS; MILAPIDES, 1997);

(ii) o contrabando de informação - A adequação do frame (conjuntos de

informação aceitos culturalmente que acompanham qualquer termo lexical) é

também muito importante para “contrabandear” uma informação, a inserção

sub-reptícia de informação (negativa) em declaração. Cada escolha lexical

desencadeia uma rede ampla de associações presentes no uso do termo

escolhido (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007);

(iii) a política do apito do cão (dog-whistle politics), frase cunhada para capturar

a forma de avaliação implícita, aparentemente neutros, mas que devem ser

“entendidos” como uma mensagem negativa pela comunidade alvo

(MANNING, 2004);

(iv) a falácia (ou raciocínio) falho e o entimema (um procedimento sistemático para

a reconstrução de um tipo específico de significado implícito, ou seja, a

premissa não-expressa de um argumento. O entimema é um silogismo

abreviado, um argumento incompleto ao qual a audiência provê

inconscientemente a premissa que falta;

(v) a Teoria do Mundo Textual - as escolhas linguísticas determinam

interpretações diferentes da realidade, criando diferentes visões de mundo. O

discurso é um esforço deliberado por parte do produtor e do receptor para criar

um “mundo" dentro do qual as proposições apresentadas são coerentes e

fazem sentido (DOWNING, 2003).

A persuasão na escrita de textos argumentativos exige que seu produtor vá ao

encontro das expectativas da audiência em termos não só da apresentação, mas

também da troca de informação, interagindo com a audiência por meio de escolhas

lexicogramaticais cuidadosas, ao mesmo tempo em que expõe o conteúdo da

mensagem. Isto quer dizer que parte do que torna coerente uma escrita está fora do

36

texto, nos processos interpretativos dos leitores. A dimensão interpessoal em textos

bem escritos pode, assim, ser vista como a relação entre as funções interativa e

interacional (LEE, 2008; THOMPSON; THETELA, 1995). A finalidade dessa relação é

a ajuda ao leitor para negociar o texto mais facilmente e ao escritor para melhor

expressar sua mensagem.

Por outro lado, é hoje aceito que arguir é mais do que meramente ‘fazer lógica’,

e que uma sólida teoria da argumentação é a que trata não somente da questão da

estrutura conceitual de argumentos, mas também a que trata do uso argumentativo

da linguagem (OSWALD, 2007). O desenvolvimento da pragmática leva

historicamente a concepções de comunicação que forneceram respostas a questões

para as quais as abordagens da lógica formal não haviam sido felizes. Assim, a

Pragma-Dialética (Pragma-Dialectics), de van Eemeren e Grootendorst (1984, 1992,

1996, 2004) é provavelmente um dos paradigmas mais influentes nos estudos da

argumentação, que integra intravisões pragmáticas e dialéticas.

A argumentação, para ser aceita, deve fazer sentido, deve ser coerente. Para

entendermos essa questão, trazemos a visão de Bednarek (2005), para quem, a

coerência de textos é re (construída) pelo ouvinte, e é o resultado de uma interação

complexa de contexto linguístico e conhecimento não-linguístico, ou enquadres

(frames) - estruturas mentais de conhecimento que permitiriam ao receptor atribuir

coerência ao texto. Esse fato explicaria a razão de um mesmo texto ser coerente para

uns e não para outros. Esse modo de entender o texto é importante para a minha

pesquisa, já que relaciona a exposição frequente do público leitor a certo modo de ver

a realidade - que constituirá o seu enquadre -, contribuindo, assim, para sua atribuição

de coerência a textos cujo conteúdo vem ao encontro das expectativas contidas nesse

enquadre.

Devido aos vários recursos retóricos usados para persuadir o interlocutor, seja

na modalidade oral, seja na escrita, como foi mencionado nos itens de (i) a (iv) acima,

a argumentação deve passar por uma espécie de crivo de autenticação que

examinasse as etapas de sua constituição. É o que faz o chamado “Modelo de

Toulmin”, que apresentamos a seguir.

37

2.6.1 Argumentação e o modelo de Toulmin

Tem havido muitos trabalhos nos últimos cinquenta anos sobre o que poderia

ser chamado de “aplicações de Toulmin”, incluindo Toulmin e seus colaboradores

(TOULMIN 1958; TOULMIN et al. 1984). O que inspirou Toulmin foi em parte a

insatisfação com a rigidez da lógica formal. Seu modelo move-nos ao longo do

espectro, para longe da lógica formal extrema, e tem sido desenvolvido por Douglas

Walton (1989) e outros no movimento da lógica informal.

O modelo é atraente porque fornece um enquadre no qual alunos e professores

de diferentes áreas e disciplinas podem comparar e contrastar suas práticas

argumentativas e tem uma presença importante no pensamento do século XX, nos

estudos da comunicação e da composição. Por outro lado, ele apenas alcança uma

aplicação plena quando colocada em contextos específicos. Poder-se-ia afirmar,

então, que sua função como um modelo para compor um argumento é ao mesmo

tempo convidativo e perigoso.

Lauerbach (2007) propõe uma metodologia que alia a abordagem de análise (crítica)

do discurso e métodos de análise do argumento. A argumentação é uma prática

discursiva essencialmente dialógica: reivindicação e desafio, reivindicação e contra-

reivindicação, são prototipicamente realizados de forma dialógica. Portanto, são

sequências de pergunta-resposta que subjazem à lógica do argumento cotidiano.

Segundo a teoria de Toulmin (1958), cada uma de suas categorias teóricas [de

Reivindicação, Dados, Garantia, Qualificação, Refutação e Apoio] está

potencialmente sujeita a desafios com respeito à sua validade. A sequência de

movimentos dialógicos mostrados abaixo foi reconstruída por Lauerbach a partir do

modelo de Toulmin aplicado a um diálogo argumentativo fictício entre A e B (cf.

Toulmin, 1958: 94-107):

(a) Reivindicação: asserção pela qual nos comprometemos. [e.g. Tom é

cidadão britânico. ]

(b) Dados: fatos que oferecemos para apoiar a reivindicação. [Ele nasceu nas

Ilhas Bermudas.]

38

(c) Garantias: registro, implícito, da legitimidade do passo envolvido para

passar dos Dados para a Reivindicação (2006 [1958], p. 143). [Há uma lei

que garante essa reivindicação. ]

(d) Qualificação: inserção de um qualificador [Ele é certamente um cidadão

britânico. ]

(e) Refutação: circunstâncias nas quais não se aceita a autoridade geral da

garantia. [Mas seus pais não são cidadãos britânicos. ]

(f) Apoio: afirmações categóricas que são expressas quando refutador não

aceita validade da Garantia. [A afirmação de que os estatutos sobre a

nacionalidade britânica foram de fato transformados em lei.] (TOULMIN,

2006 [1958], p. 153).

Uma das questões que cercam o uso dos conectores oracionais refere-se à

cautela em não “ameaçar a face” do interlocutor, fenômeno também conhecido como

“polidez”. A seção seguinte traz a teoria da polidez (BROWN; LEVINSON, 1987).

2.6.2 A polidez

A teoria da polidez, de Brown e Levinson (1987), embora tenha sido objeto de

uma quantidade considerável de críticas (IDE, 1989; MATSUMOTO, 1988, 1989;

MAO, 1994; TING-TOOMEY; KUROGI, 1998; ARUNDALE. 1999, etc.), ainda é

enormemente influente e continua a gerar uma grande quantidade de pesquisa em

várias disciplinas relacionadas, incluindo sociolinguística e pragmática. Na esteira de

Goffman (1974), Brown e Levinson, baseiando-se na teoria da polidez sobre o

conceito de "face" (a autoimagem pública que qualquer membro quer reivindicar para

si) argumentam que:

Face é algo que é um investimento emocional, e que pode ser perdida, mantida ou melhorada, e deve ser constantemente focalizada na interação. Em geral, as pessoas cooperam (e assumem a co-operação do outro) para manter a face na interação, em que a co-operação baseia-se na mútua vulnerabilidade da face (BROWN e LEVINSON, 1987, p. 61).

39

Sua hipótese central é de que a polidez é, antes do que qualquer outra coisa,

a preocupação dos indivíduos e que

No contexto de mútua vulnerabilidade da face, qualquer agente racional procurará evitar ações de ameaça a face, ou empregará certas estratégias para minimizar essa ameaça (BROWN e LEVINSON 1987, p. 68).

Para esse fim, os falantes fazem escolhas a partir de uma variedade de

estratégias linguísticas as quais Brown e Levinson (1987) esquematizam numa

hierarquia, exemplificada em considerável detalhe.

Cada estratégia fornece internamente um amplo grau de polidez (ou

minimização do risco à face), e assim o F (falante) terá em mente o grau de ameaça

a face ao escolher as realizações linguísticas adequadas e na construção e

composição de expressões verbais minimizadoras (BROWN e LEVINSON 1987, p.

91).

O exercício dessas estratégias é, na visão de Brown and Levinson's,

universalmente manifestada em diversas culturas e contextos de interação, e é

essencial para que a comunicação aconteça sem problemas e rupturas.

Brown and Levinson (1987) sustentam que: a “face” consiste em dois aspectos

relacionados: face negativa (reivindicação básica de um indivíduo por territórios,

domínios pessoais, autodeterminação) e face positiva (a autoimagem positiva que

indivíduos reivindicam para si). Em termos gerais, Brown e Levinson argumentam que

certos tipos de atos, sejam verbais ou não verbais, intrinsecamente ameaçam à face,

podendo ameaçar a face negativa ou a positiva ou ainda ameaçam ambas as faces.

Ao escolher fazer uma FTA (ato de ameaça a face) explícita, um indivíduo pode

recorrer a um ato (redressive) para reduzir a ameaça e neutralizar o dano potencial à

face do destinatário, por meio de polidez negativa (estratégias orientadas

principalmente para a face negativa) ou polidez positiva (estratégias orientadas

principalmente para a face positiva).

Controvertidamente, Brown e Levinson (1987) associam alguns atos do

discurso com ameaças tanto a face negativa (por exemplo, a maioria das formas de

diretiva, incluindo ordens, solicitações, sugestões e advertências e ameaças etc.)

quanto a face positiva (por exemplo, as expressões de desaprovação, críticas,

queixas, acusações, contradições, desafios etc.).

40

2.7 Gêneros do discurso: a conversa casual e o artigo de opinião

Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados

elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo cotidiano

até a exposição científica, conforme Bakhtin (1997).

Os gêneros podem ser primários (simples) e secundários (complexo).

Durante o processo de formação, os gêneros secundários absorvem e transmutam os

gêneros primários, e estes adquirem uma característica particular: perdem sua relação

imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios.

Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam

a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e

à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre

a língua e a vida, continua o autor. A língua penetra na vida através dos enunciados

concretos que a realizam.

Na GSF, Martin (1984, p.25) definiu a noção de Gênero como sendo "uma

atividade, organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes

se envolvem como membros de uma determinada cultura". Mais tarde, Martin (1985b,

p. 248) explicou mais informalmente que "Gêneros são como as coisas são feitas,

quando a linguagem é usada para efetivá-las. Grande parte do choque cultural é de

fato choque de gênero".

Outra proposta que esclarece a questão vem de Vestergaard (2000), para

quem o Gênero motiva e formata socialmente o discurso e a participação discursiva

de fora, enquanto a língua na qual um discurso ocorre restringe e capacita a expressão

de dentro. Para o autor, as distinções de gênero ocorrem na intersecção da meta

comunicativa com o registro.

2.7.1 A conversa casual

Segundo Zagoto (2011), a AC, caracterizada por sua natureza empírica e

qualitativa, criou um modelo próprio e uma terminologia específica. Assim, Sacks et

al. (1974), na tentativa de explicar o modo como uma conversa pode acontecer,

formularam um modelo descritivo sobre o modo como os falantes gerenciam a tomada

41

de turno na conversa cotidiana. De acordo com os autores, o sistema de tomada de

turno constitui-se de dois componentes: um de construção e outro de distribuição.

O componente de construção de turno é formado por vários tipos de unidades

(e.g. sentença, oração, frase), com as quais o falante pode iniciar a construção de um

turno. As unidades constituem-se em um recorte situado de fala, facilmente

reconhecido pelos participantes na interação, podendo ser identificado por duas

características básicas: (a) a projeção, isto é, a capacidade de cada participante, no

curso da interação, de identificar o tipo de turno e o lugar onde ele acaba e (b) o lugar

de relevância de transição, que torna possível legitimar a transição de turnos entre

falantes.

O componente de distribuição de turno é formado pelas técnicas de atribuição

de turnos entre os interlocutores, e pressupõe direitos e obrigações iguais entre eles.

Essas técnicas estão divididas em dois grupos: (a) aquelas em que o próximo turno é

atribuído pela seleção do próximo falante, pelo falante atual; e (b) aquelas em que um

próximo turno é atribuído por auto-seleção Sacks et al (1974) sugerem que os falantes

reconhecem pontos de mudança potencial de falante porque os falantes falam em

unidades que eles chamam de unidade de construção de turno (UCT). Eles definem

uma unidade de construção de turno como uma unidade gramatical completa, tal

como a sentença, oração ou frase, e que atende a critérios de natureza sintático-

semântico-pragmática e a critérios entonacionais, incluindo o silêncio; o final de uma

unidade de construção de turno representa para os interactantes um ponto em que é

possível ocorrer a transferência de falante, cuja definição deve atender.

Um conceito relacionado ao sistema de tomada de turnos é o de sequências,

estudado principalmente por Schegloff e Sacks (1974). A AC concebeu o que para

muitos é a contribuição mais significativa da análise da interação: a identificação dos

pares adjacentes (PAdj). A AC reconhece que há de fato dois tipos de segunda-parte-

do-par:

(a) uma segunda-parte-do-par preferida; (b) uma alternativa arbitrária – que em

termos da AC é chamada de segunda-parte-do-par despreferida. As respostas

preferidas tendem a ser mais breves; de apoio ou de aceitação; orientada em direção

ao fechamento; e linguisticamente mais simples. As respostas despreferidas tendem

a ser mais longas, já que os respondentes podem procurar desculpar-se, explicar ou

justificar sua resposta despreferida.

42

2.7.1.1 Projetabilidade e contingência

O termo projetabilidade é usado na AC para se referir à maneira complexa

como os participantes são capazes de antecipar a direção e a complementação de

turnos, a fim de poderem iniciar turnos subsequentes com um mínimo de atraso ou

sobreposição (SACKS et al., 1974).

Ford (2004), retomando Sacks et al. (1974), questiona alguns fatores que

ocorrem durante a interação e enfatiza a projetabilidade. A autora argumenta que a

projetabilidade não é suficiente para explicar todos os fatores que ocorrem na fala

durante a interação, pois o momento de precisão, descrito por Sacks et al. (1974),

depende da existência não só de unidades projetáveis, mas também de recursos

compartilhados pelos participantes na fala. Ford diz que nunca podemos planejar

completamente a interação espontânea: nem nossas próprias articulações, nem as

contribuições dos outros. Com base nessa evidência, a autora defende a contingência

nas unidades da interação. Segundo ela, as unidades de construção de turno, embora

sejam projetáveis (portanto, recorrentes e previsíveis) são, ao mesmo tempo,

profundamente contingentes e inteiramente dependentes das exigências de

atividades colaborativas entre pessoas reais, em momentos específicos de interação.

De acordo com a autora a contingência manifesta-se na fala de inúmeras

maneiras e está presente no decorrer da produção de qualquer unidade de fala, longa

ou curta. Ela afeta os mecanismos interacionais por meio dos quais interactantes

manobram tanto a chegada de possíveis fechamentos de unidades quanto à maneira

e os termos da transição de turnos, manifestando-se também por meio do ocultamento

de ações projetáveis. A contingência pode então ser definida como toda e qualquer

possibilidade de algo acontecer na fala e é dependente das exigências de atividades

colaborativas entre pessoas reais, em momentos específicos da interação.

Portanto, segundo Ford (2004), para explicar as práticas interacionais, as

descrições de turno devem abranger a contingência em relação a, pelo menos, duas

feições centrais na interação: (a) a co-construção dinâmica e estendida, a co-autoria

ou a produção colaborativa da conversa (DURANTI; BRENNEIS, 1986; JACOBY;

OCHS, 1995; GOODWIN, 2002); e (b) a produção simultânea de trajetórias múltiplas,

incluindo som, gesto corporal, lexicogramática e estruturas recorrentes de ação

colaborativa (FORD et al., 1996; GOODWIN, 2002).

43

2.7.2 O artigo de opinião como um gênero

O Manual de redação do jornal Folha de S. Paulo define artigo de opinião como

um texto no qual o autor se coloca, toma partido, manifesta uma preferência e

apresenta argumentos que a justificam.

Bräkling (2000) define o artigo de opinião como um gênero discursivo no qual

se busca convencer o outro sobre determinada ideia, influenciando-o e transformando

seus valores por meio da argumentação a favor de uma posição, e de refutação de

possíveis opiniões divergentes. Dada a ampla audiência dos artigos de opinião que

estão entre os mais lidos gêneros em jornais (BELL, 1991; REAH, 1998 apud

DAFOUZ-MILNE, 2008) servem para adquirir e reforçar muito do conhecimento e

crenças dos leitores (VAN DIJK, 1988, apud DAFOUZ-MILNE, 2008.

Os artigos de opinião, ao contrário dos editoriais, são assinados por

especialista e pode não refletir a avaliação oficial do jornal. Segundo Pereira (2006,

apud BRÄKLING, 2000), na sequência argumentativa, o autor pode se colocar de

modo pessoal (em primeira pessoa: na minha opinião, penso que etc), ou de modo

impessoal (em terceira pessoa: é provável que, é possível que, não se pode esquecer

que, convém lembrar que etc). Segundo Dafouz-Milne (2008), o discurso jornalístico,

e os artigos de opinião em especial, podem ser considerados "alguns dos exemplos

de escrita persuasiva mais adequados em todos os países, estabelecendo padrões

para a escrita persuasiva" (CONNOR, 1996, p. 143).

Apesar da natureza persuasiva desses textos, a aceitação automática das

ideias neles apresentadas nem sempre ocorre. Para persuadir, os articulistas devem

apresentar o material proposicional de uma forma que a audiência potencial o julgará

mais convincente e atrativo.

Nesse contexto, segundo Reynolds (2000), a função de um editorial - e aqui

incluo o artigo de opinião - é comentar, via modo argumentativo, os eventos correntes,

expressos através dos modos narrativos e descritivos. Nas palavras de Vestergaard

(2000, p.102):

[...] um artigo prototipicamente de destaque é um texto que descreve um problema corriqueiro, tipicamente político, sugere uma ou duas soluções, e pesa seus méritos relativos à luz de possíveis consequências. O artigo de destaque prototípico será [...] persuasivo ou expositivo, dependendo se contem apelo direto para a adoção da solução propagada.

44

2.7.2.1 Estrutura do artigo de opinião

A organização dos estágios de um determinado gênero é o que proporciona

sua identidade e o distingue de outros gêneros (PARODI, 2014). Os gêneros que

abrigam a argumentação – como é o caso do artigo de opinião – apresentam, em

termos gerais, a seguinte estrutura proposta pelos autores PORTA, THOMPSON,

2001, 2002; HOEY, 1994; VIGNER, 1988:

(a) Situação;

(b) Problema;

(c) Proposta de Solução (ou pontos de vista sobre a questão);

d) Argumentos em prol da proposta;

(e) Avaliação ou Tese

A propósito, Porta (2002) faz algumas distinções que são importantes para quem

vai escrever uma dissertação-argumentativa, que aqui incluo o artigo de opinião, por

pertencer à mesma família do argumentar em prol de uma tese.

Descrição e Problema: Sobre a descrição da experiência, diz Porta (2002):

Certamente, o descrever a experiência pode desempenhar um papel

preponderante em vários sentidos; o que não pode é eliminar o problema

enquanto tal. Isso não significa que o descrever adequadamente não seja um

fator decisivo na "solução", reformulação e, inclusive, dissolução do problema

original. Entendamos: dissertar somente sobre uma questão, sem apresentar um

problema e a argumentação em defesa de um ponto de vista sobre essa

questão, não constitui uma dissertação-argumentativa.

Hipótese e Tese: É um enunciado capaz de ser declarado verdadeiro ou falso. As

proposições podem ser: (i) afirmadas ou (ii) não-afirmadas. Nem toda proposição

é necessariamente afirmada. Entre as proposições afirmadas situamos a tese.

Uma hipótese é um candidato a tese.

45

Solução de problema: As "teses filosóficas" cumprem uma condição: elas são

solução de um problema. O estabelecimento da tese principal de uma

determinada obra depende, portanto, da correlativa fixação do seu problema

básico.

Tese: O tema é aquilo sobre o que o autor fala; tese é o que ele fala a respeito do

tema.

Argumento: A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras

alternativas são descartadas. Tal optar parte da exigência de que a resposta seja

"pertinente", o que limita em boa medida toda arbitrariedade. Entretanto, e óbvio

que isso ainda não basta. Às vezes, há várias respostas igualmente "pertinentes"

para a mesma pergunta. É aqui que os argumentos desempenham um papel

essencial. O que legitima a opção por uma determinada tese são os argumentos.

A argumentação pertence à família das ações humanas que têm como objetivo

persuadir (BRETON, 2003)7. Numerosas situações de comunicação têm, de fato,

como finalidade persuadir uma pessoa, um auditório, um público, para que adotem

determinado comportamento ou que eles compartilhem de uma opinião.

2.7.2.2 Os modos textuais

Um importante conceito para a nossa pesquisa são os modos textuais.

Reynolds (2000) busca mostrar como a textura do discurso é criada por meio da

mistura de modos textuais, no contexto de um gênero específico – o editorial de jornal.

Primeiramente deve ser dito que “gênero” está sendo usado num amplo sentido

bakhtiniano – que é, não no conceito literário, mas como um conceito que se aplica a

todo discurso como seu princípio, como “uma forma de ação social” (MILLER, 1984),

ou melhor, como ação sócio-retórica. O gênero gera, isto é, motiva e formata

7 BRETON, Philippe. A argumentação na comunicação. SP: EDUSC, 2003.

46

socialmente o discurso e a participação discursiva de fora, enquanto a língua na qual

um discurso ocorre restringe e capacita a expressão, como se fosse, de dentro.

Se a língua e o gênero juntos fornecem a estrutura para o discurso, diz

Reynolds, então esses são realizados como textura. Textura, isto é, é a instanciação

no discurso de duas ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura linguística e a

estrutura genérica (REYNOLDS, 1997). Textura é um conceito funcional que inclui a

coesão descrita pelos linguistas sistêmico-funcionais, tais como Halliday e Hasan

(1976, 1989) e Martin (1992), mas também, e mais importante, a coerência que eles

tendem a explicar. Textura é o resultado da mistura de modos textuais, que juntos

abrangem o discurso e correspondem a funções para as quais precisamos da língua

e a usamos. Para usar uma metáfora, tecemos fato (descrição e narração) e opinião

(argumentação) juntos no discurso: daí a ‘textura’.

Os termos – “narrativo” e “argumentativo” não são “gêneros” por si, continua o

autor, mas descritores dos modos textuais que se combinam para formar gêneros. A

combinação de modos textuais não é, contudo, um assunto aleatório. Em gêneros

específicos, como resultado da ‘exigência’, ou motivo social (MILLER, 1984), da ação

retórica que está sendo praticada, um ou outro modo será predominante, e.g. narrativo

para contar uma brincadeira ou uma anedota, argumento em artigos acadêmicos ou

discurso judiciário.

Segundo Reynolds (2000), em termos do modo textual, o editorial – é

predominantemente um modo argumentativo fundido com a narrativa e a descrição.

A razão para tal fusão deriva da necessidade de apoiar o argumento com evidência.

Isso porque a natureza da verdade das afirmações expressas no discurso deve passar

pelo seguinte teste: a verdade é verificável literalmente ou não? Se a resposta é “sim”,

então é narrativa ou descrição; se “não”, é um argumento.

Contudo, deve-se admitir, diz Reynolds, que nem sempre é fácil distinguir com

absoluta certeza entre narrativa e descrição, já que ambos, juntamente com o

argumento, podem vir em fusão linear (quando se sucedem uns aos outros) ou

escalada (quando se misturam). A seguir, o Quadro 7 traz um resumo das teorias até

aqui apresentadas.

47

Quadro 7 – As teorias aplicadas à Análise

Pesquisa de natureza crítica com apoio da Gramática Sistêmico-Funcional

Foco da pesquisa CAUSA – CONDIÇÃO - CONCESSÃO

Dados Examinados GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO

GÊNERO CONVERSA CASUAL

Comparação da presença e da função dos conectores oracionais nesses

gêneros

Teorias de Apoio

UNIVERSAIS LINGUÍSTICOS A necessidade da sintaxe

GSF: AVALIATIVIDADE Avaliação como meio de persuasão

PERSUASÃO E MODELO DE TOULMIN

Toulmin: Checagem da persuasão

POLIDEZ Cuidados com a ameaça à face

MODOS TEXTUAIS

Textura

48

METODOLOGIA

49

3. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo interpretativista, uma pesquisa que examina uma

unidade, cujos limites são esclarecidos em termos de resposta a perguntas feitas, de

fontes de dados e do contexto envolvido. A pesquisa de caráter qualitativa é

caracterizada pela investigação e interpretação do pesquisador, e tem o apoio da

Gramática Sistêmico-Funcional, uma proposta teórico-metodológica de Halliday

(1994), que possibilita relacionar as escolhas lexicogramaticais do texto à estrutura da

ideologia e das relações de poder do discurso. A seguir, abordaremos a descrição

dos dados e dos procedimentos adotados na análise.

3.1 Dados

O corpus compõe-se de um diálogo (subgênero da conversa) extraído do

Projeto Nurc e um artigo de opinião publicado no jornal Folha de S. Paulo. A escolha

de um texto da modalidade escrita e um da modalidade oral foi motivado pelo fato de,

segundo Halliday (1994), a língua escrita ser mais complexa por ser lexicalmente

densa, empacotando grande número de itens lexicais em cada oração; enquanto que

a língua falada é complexa por ser gramaticalmente complexa, construindo orações

elaboradas complexas recorrendo à parataxe e à hipotaxe (coordenação e

subordinação, respectivamente).

Ocorre que a escola recebe alunos que dominam a modalidade oral, que

utilizam cotidianamente, o que não acontece com a modalidade escrita. Poucas

pesquisas se detêm no exame da sintaxe da modalidade oral, com exceção louvável

para a coletânea da “Gramática do Português Falado”, que reúne pesquisadores da

área. Essa situação reflete-se nas salas escolares em que o aluno acaba produzindo

textos “escritos” ditos “oralizados”, ou seja, sem a adequação às regras sintáticas da

modalidade escrita. Daí a ideia de fazer a comparação, em que foram selecionados

os conectores oracionais de causa, condição e concessão.

50

(a) Artigo de opinião:

O artigo “O ataque careca”, de Túlio Kahn, publicado no jornal Folha de

S.Paulo, em 14 de fevereiro de 2000, no Caderno Opinião A3, disponível em:

http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1402200010.htm. Acesso em

14/08/2014. O original se encontra no ANEXO 1. O artigo trata da morte de um

jovem que "parecia" ser homossexual, por um grupo homofóbico, denominado

"carecas”. Este artigo foi escolhido por ser constituído de elementos que

permitem mostrar como os fenômenos de análise (causa, condição e

concessão) podem potencializar a persuasão almejada pelo escritor.

(b) Diálogo:

O “Diálogo entre dois informantes”, um homem de 26 anos, solteiro,

engenheiro, paulistano, pais paulistas e uma mulher de 25 anos, solteira,

pscóloga, paulistana, pais paulistas, extraído do Inquérito No 343, Bobina No

137- INFS. No 472 E 473”, do PROJETO NURC/SP (Norma Urbana Culta – São

Paulo), (CASTILHO; PRETI, 1987, p. 29) e gravado em 15/03/76, gira em torno

do tema “A cidade e o comércio”. O diálogo tem duração de 80 minutos. Porém,

a análise baseia-se em um trecho composto por oitocentas e vinte palavras,

conforme original mostrado no ANEXO 2. A transcrição seguiu as convenções

adotadas pelo Projeto NURC. As regras de transcrição encontram-se no

ANEXO 3. Esse trecho foi selecionado pelo fato de favorecer a localização de

preferida e despreferida - conceitos relacionados aos usos das relações

causais, condicionais e concessivas ocorridas na conversa.

3.2 Procedimentos de Análise

A análise deve proporcionar resposta às seguintes perguntas: (a) Como são

realizadas as relações de causa, condição e concessão nos textos examinados?; (b)

Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o texto argumentativo?

Cada um desses textos – o artigo de opinião e o diálogo, – após apresentação

na íntegra do texto a ser analisado, será enfocado da seguinte forma:

51

1º Passo: Estabelecimento do contexto situacional, ou Registro (Campo, Relações

e Modo), a fim de minimizar a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).

2º Passo: Análise do gênero, discriminando-se os seus estágios e finalidades.

3º Passo: Verificação da existência de causalidade, condicionalidade e

concessividade.

4º Passo: Análise de Modalidade e de Avaliatividade.

5º Passo: Análise dos Modos Textuais

Para mapear as ocorrências de causalidade e seus tipos de expressão, uso os

seguintes códigos de indicação:

(a)

Causa (Negritada)

→ Consequência

Ex.: Estava com sede por isso bebi água

Resumindo: Causa → Consequência

(b)

Consequência

← Causa (Negritada)

Ex.: Bebi água porque estava com sede

Resumindo: Consequência ← CAUSA

Lembremo-nos da proposta de Gohl (2000) para quem a causalidade tem as

seguintes funções:

(a) explicações após segunda ação não-preferida (ou seja, a resposta que contraria

as expectativas do falante);

(b) explicações depois de avaliações;

(c) explicações para pedidos.

52

Como lembrete, também, trago novamente o Quadro 6, que alistou os modos

como a causalidade pode ser expressa.

Quadro 8 - Expressão da Causalidade

Podem indicar causa

1. Substantivos: causa, razão, motivo

2. Preposições: em, depois de, com [típico de linguagem jornalística]

3. Pronome indefinido: isto

4. Pronome relativo: que

5. Conjunção: assim

6. Expressão: é que

7. Entre partes do texto, mas sem sinalização

8. Entre sujeito e predicado, com redução de oração

9. Ordem cronológica

10. Títulos indicam causa por meio de tópico conhecido pelos leitores.

11. Anáfora indica ponte entre causa e efeito.

As ocorrências de condição e concessão, em caso de não serem explicitadas

no texto, serão registradas com observação entre colchetes.

Após a análise de cada trecho do texto, haverá uma Discussão explicitando a

análise feita.

Para efeito de contagem final, o Resumo, após a Discussão, mostrará: (a) o

tipo de relação (causal, condicional, concessiva); (b) a expressão explícita por meio

de conjunção ou implícita sem a conjunção.

Feito isso, segue-se uma Discussão Geral sobre a análise feita.

53

ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

54

4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Apresentamos a seguir a análise do Contexto Situacional, a análise detalhada

de Gênero e das expressões de causa, condição e concessão nos dois gêneros:

diálogo e artigo de opinião.

4.1. Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, de Tulio Kahn

Começaremos com a apresentação, na íntegra do texto.

O ATAQUE CARECA

Tulio Kahn

ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS PORQUE DEFENDEM IDEIAS ADORMECIDAS NA SOCIEDADE

O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio".

As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira?

Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável por pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão de idéias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos.

A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual", foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus.

Mas, mais que um perigo físico para as minorias - estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais simbólica.

Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram responsáveis pelo sofrimento e pela morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem bandeiras e idéias que se encontram adormecidas na sociedade, ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Idéias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável.

55

Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos", "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os demais de "baianos" e afirmam que jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura.

São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma unidade da FEBEM perto de suas casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades. Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo "pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais adequado para algumas categorias de pessoas.

São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos. É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de grau.

Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro - um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema.

A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise social é menor que aqui.

O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira.

776 palavras, incluindo o título e lide

4.1.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque no Contexto

Situacional (Registro)

Iniciamos a análise pelas variáveis de Registro para esclarecer o contexto de

situação (Campo, Relação e Modo) do evento relatado no artigo de opinião, a fim de

minimizar a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).

Campo: O artigo aborda o assunto do assassinato do adestrador de cães Edson

Neris da silva por um grupo extremista, denominado “carecas”.

Relações: Folha de S.Paulo e leitores do Caderno A. O articulista procura

convencer os leitores do jornal do perigo representado por grupos

extremistas, que defendem ideias adormecidas na sociedade.

56

Modo: Artigo de opinião, modalidade escrita, na norma culta da língua

portuguesa, de cunho argumentativo, por meio de escolhas

lexicogramaticais feitas nas três metafunções.

4.1.2 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque nos estágios

e finalidades de gênero

Examinamos aqui os estágios do artigo de opinião, tendo como orientação os

estágios sugeridos por autores (PORTA, THOMPSON, 2001; HOEY, 1994; VIGNER,

1988), que em geral são os seguintes:

(a) Situação

(b) Problema

(c) Proposta de Solução (ou pontos de vista sobre a questão)

(d) Argumentos em prol da proposta

(e) Avaliação ou Tese

TEXTO

Estágios do

gênero

O ataque careca

Tulio Kahn

14/02/2000

Título, autor e

data

ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS PORQUE DEFENDEM IDEIAS

ADORMECIDAS NA SOCIEDADE

Lide (antecipa o

problema)

57

(1) O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson

Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas

somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à

eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a

atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio.

Situação

(2) As discussões durante a semana passada foram travadas muito

muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as

diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que

músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus

integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o

perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade

brasileira?

Situação +

Problema

(sublinhado)

(3) Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na

Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo

monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra

facção tem sido apresentada como responsável por pichações

difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias,

difusão de ideias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas

por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram

responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e

raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia,

estupros, agressões físicas e assassinatos.

Situação

(perigo mundial)

(4) A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual",

foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono

que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros

"inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de

Situação

(perigo no Brasil)

58

muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo

simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus.

(5) Mas, mais que um perigo físico para as minorias –

estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios

dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -

, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais

simbólica.

Hipótese

(sublinhado)

(6) Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se

apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram

responsáveis pelo sofrimento e pela morte de milhões de pessoas.

Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem

bandeiras e ideias que se encontram adormecidas na sociedade,

ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Ideias que não

se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do

que seria desejável.

Argumento 1

(7) Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de

extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que

compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o

resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos",

"os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os

demais de "baianos" e afirmam que (eles) jamais votariam numa

nordestina ou num negro para a prefeitura.

Argumento 2

(8) São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma

instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas

casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao

59

uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente

que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades.

Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem

enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo

"pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais

adequado para algumas categorias de pessoas.

Argumento 3

(9) São versões apenas um pouco menos radicais do que as

presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos.

É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar

alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de

grau.

Argumento 4

(10) Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido

da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas

últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos

tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro - um

eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em

candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema.

Argumento 5

(11) A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o

estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de

vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não

obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e

branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo

na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise

social é menor que aqui.

Argumento 6

60

(12) O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e

skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de

violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam

em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas

pela falácia da democracia racial brasileira.

TESE (hipótese

(demonstrada)

4.1.2.1 Discussão Geral da Análise de gênero no Artigo de opinião “O ataque careca”

Em seu artigo, Túlio Kahn trata do assassinato do adestrador de cães Edson

Neris da Silva, em plena praça da República por um grupo de carecas, porque "parecia

homossexual".

O objetivo central de um artigo de opinião é de persuadir o leitor sobre um

determinado ponto de vista. Dentro dessa perspectiva, Kahn pretende mostrar aos

leitores da Folha de S.Paulo o real perigo desses grupos extremistas, denominados

“Os carecas”, defendendo a tese de que o perigo reside no fato que esses grupos

defendem ideias adormecidas na sociedade. Para isso, o autor estrutura seu artigo

em doze estágios da seguinte forma:

O artigo apresenta a situação em quatro estágios, incluindo o problema no

segundo. No primeiro estágio, o autor apresenta a situação que deu início ao artigo, a

partir de uma situação individual de Neris da Silva. No segundo estágio, o autor aponta

o problema em forma de questionamento “Qual é o real problema desses grupos

extremistas? Para dar início à discussão (no terceiro estágio), o autor amplia a questão

mostrando fatos semelhantes ocorridos em outros países e (no quarto estágio) volta

sua atenção ao Brasil.

No quinto estágio, o autor expressa sua hipótese, indicando como causa do

problema questões de natureza de ordem simbólica, e por isso mais difíceis de serem

identificadas. A favor dessa hipótese, Kahn enumera seis argumentos, distribuídos em

5 estágios os quais mostram como a discriminação de certas minorias da sociedade

persiste de maneira silenciosa, indireta, implícita, oculta. Daí o perigo. Para ele não

há diferença entre esse tipo atitude e um assassinato, ambos igualmente cruéis. E

com isso constrói o caminho em direção à persuasão do leitor.

61

No último estágio, os argumentos confirmam a tese. E, assim, o autor volta para

a hipótese aventada para o problema, ou seja, de que os incidentes concretos e

visíveis como um assassinato encerram em si realidades muito significativas para a

sociedade.

4.1.3 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque em:

(a) Causa, Condição e Concessão;

(b) Modalidade/Avaliatividade;

(c) Modos Textuais

A análise das expressões de Causa, Condição e Concessão será feita contra

um fundo em que se encontram elementos utilizados por Tulio Kahn em “O ataque

careca”, com vistas a persuadir o leitor: os Modos Textuais (descrição, narração e

argumentação), além dos elementos interpessoais de Modalidade e Avaliatividade.

OBS.: A finalidade de cada estágio de gênero, verificada na análise precedente, foi

colocada no início de cada estágio, como lembrete.

TEXTO

O ataque careca Tulio Kahn 14/02/2000

LIDE ANTECIPA O PROBLEMA

ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS ← PORQUE DEFENDEM IDEIAS ADORMECIDAS NA SOCIEDADE Avaliação Social (-) Monoglóssica Apreciação (-) token

Resumo:

EFEITO (perigosos) ← porque CAUSA (são ideias adormecidas) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-) CAUSA: indicada por “porque” – após afirmação categórica, monoglóssica.

62

Interpretação: O lide – em modo argumentativo (REYNOLDS, 2000) - indica

a posição do autor: o perigo desses ataques reside no fato de existirem ideias que

permanecem adormecidas na sociedade, e que podem eventualmente despertar

como no caso do ataque careca. O Efeito recebe Avaliação Social negativa; a

Causa, recebe Avaliação Social negativa, porém implícita (token), já que

depende de contexto. “Ideias adormecidas” aumenta a força persuasiva referente

ao perigo dos carecas, pelo desconhecido implicitamente insinuado no texto.

Situação

(1) O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva Julgamento (-) em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões Graduação (↑) Avaliação Social (-) token Avaliação Social (-) contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade Avaliação Social (-) na Áustria, → despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio". Avaliação Social (-)

Resumo: CAUSA (vários episódios de ódio) → EFEITO (despertaram a sociedade...) Avaliatividade (-) Avaliatividade (+) CAUSA: por ordem cronológica – preparando para Argumentação Interpretação: Em modo narrativo, na causa são citados fatos conhecidos pelos

leitores que permitem a Kahn expressar sua Reivindicação (“despertou [...]

incidentes de ódio”) (TOULMIN, 1958). O efeito traduz o argumento do autor.

As Avaliatividades negativas na CAUSA contribuem para persuadir o leitor,

conscientizando-o sobre o perigo que ameaça a sociedade.

63

Situação + Problema

(2) As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de Apreciação (-) token (↑) aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads Apreciação (-) e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, → deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o Avaliação Social (-) (↑) perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira? Avaliação Social (-)

Resumo:

CAUSA (aspectos secundários) → EFEITO (deixou de lado a questão crucial) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por or. causal reduzida de gerúndio – preparando para a Argumentação.

Interpretação: No modo descritivo, Kahn mostra que, em relação à morte de

Edson, não se questionou o real perigo dos carecas para a sociedade: as

discussões sobre aspectos secundários desses grupos (causa), revelam a

alienação do povo, bem como confirmam a Reivindicação (TOULMIN, 1958)

de Kahn referente ao Problema (efeito). A causa aqui surge como explicação para

um posicionamento que contraria as expectativas do falante (GOHL, 2000).

Situação (perigo mundial)

(3) Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) em 1992,→ as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas Avaliação Social (-)

64

autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável← por Apreciação (-) pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) de ideias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas ← pelo envolvimento

em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições Apreciação (-) (↑) Apreciação (-) como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos. Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-)

Resumo:

1. CAUSA (atos de violência) → EFEITO (monitoramento de grupos) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por ordem cronológica “desde” – como embasamento da Argumentação

2. EFEITO (responsabilizados) ← CAUSA (pichações) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: preposição + artigo “por” – como embasamento da Argumentação

3. EFEITO (responsabilizados) ← CAUSA (pelo envolvimento em incidentes) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por preposição + artigo “pelo” – como embasamento da Argumentação

Interpretação: No modo descritivo, Kahn contextualiza sua argumentação por

meio de relações de causalidade, situando o perigo desses episódios de ódio

termos internacionais. Por meio de categorias lexicogramaticais plenas de

Avaliatividades negativas, o autor fortalece seu poder de persuasão, preparando

o leitor para o modo como deve entender sua argumentação (MAO, 1993, p.265).

65

Situação (perigo no Brasil)

(4) A morte de Neris da Silva, atacado ← porque "parecia homossexual", foi, segundo Julgamento (-) Julgamento (-) token

um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído Julgamento (-) aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo Avaliação Social (-) Julgamento (-) token padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente← pelo Julgamento (-)(↑) (↓) Avaliação social (-) (↑) simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus. (↓) Julgamento (-) token Julgamento (-) token idem idem idem

Resumo:

1. EFEITO (morte de Neris) ← CAUSA (parecia homossexual) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por “porque” – após Avaliação retórica negativa

2. EFEITO (taques a indefesos) ← CAUSA (por serem negros, gays, judeus) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por preposição + artigo “pelo” – após Avaliação retórica negativa

Interpretação: Em modo narrativo com sequência linear com argumentação,

Kahn mostra que o perigo da discriminação existe também no Brasil, listando

como garantia Dados conhecidos pelo leitor. Em ambos os casos de violência, a

relação de causalidade emerge após retórica de avaliação negativa (FORD,

1994).

66

Hipótese (sublinhado)

(5) Mas, mais que um perigo físico para as minorias – estatisticamente baixo num país (↑) Apreciação (-) Monoglossia onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -, ← o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais Avaliação social (-) Avaliação social (-) simbólica. Apreciação (-)

Resumo:

EFEITO (homicídios) ← CAUSA (perigo de natureza simbólica) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)

CAUSA: por or. comparativa “mais que” – após declaração categórica, monoglóssica

Interpretação: No modo argumentativo, Kahn pode agora – após sua narrativa

em fusão escalada com a descrição - expressar sua hipótese para explicar a série

de violências que atemorizam o mundo todo: o perigo é de natureza simbólica e

jaz adormecido na mente das pessoas. A escolha lexicogramatical “natureza

simbólica” apresentada na causa fortalece a sua persuasão, pois constitui

contrabando de informação (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007), na

medida em que pode condensar uma ampla associação com fatos negativos

(violência simbólica doméstica, racial etc.) que podem ter em seu bojo um

preconceito velado. Notemos a relação causal surgindo após afirmação

categórica, monoglóssica (“mais que um perigo físico”).

Argumento 1

(6) Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como Obrigação: Token (Monoglossia) herdeiros de doutrinas que no passado foram ← responsáveis pelo sofrimento e pela

Avaliação Social (-) token Julgamento (-)

67

morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos Julgamento (-) (↑) Avaliação Social (-) Monolgossia porque defendem bandeiras e ideias que se encontram adormecidas na sociedade,

Apreciação (-) Token ainda, hoje, [concessão] mesmo que em versões mais moderadas. Ideias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável. (↑) Avaliação Social (-)

Resumo:

1. EFEITO (Cautela) ← CAUSA (responsáveis por milhões de mortes) Julgamento (-)

CAUSA: por sucessão de tempo – após afirmação categórica, monoglóssica

2. EFEITO (Perigo) ← CAUSA (defendem ideias adormecidas) Avaliação Social (-) Apreciação (-) Token

CAUSA: por “porque” – após afirmação categórica, monoglóssica

1. CONCESSÃO

Por meio de Concessiva cardinal: indicada por “mesmo que” – como função

heteroglóssica (alinhamento)

Interpretação: No modo descritivo em fusão escalada com argumentação, para

garantir com dados a sua Reivindicação (“é preciso ser cauteloso [...] esses

grupos são perigosos”) (TOULMIN, 1958), Kahn vale-se de relação de

Causalidade. Notemos que a relação Causal emerge após Reivindicação com

retórica negativa (FORD, 1994), expressa de forma monoglóssica. Para

demonstrar a natureza simbólica do perigo do extremismo discriminatório, Kahn

mostra que doutrinas responsáveis pela mortandade de milhões de pessoas ainda

têm seus seguidores. A escolha lexicogramatical cuidadosa de “doutrina” no

Efeito recebe Avaliação Social negativa, porém implícita (token), pois depende

de contexto. Além disso, constitui o fenômeno Apito do cão - pois apenas a

comunidade envolvida nesse contexto recupera a informação negativa associada

68

(MANNING, 2004). Notemos que, nos estágios (4), (6), (9) e (10), o autor inicia

os parágrafos com a Consequência, para a seguir mencionar a Causa. O que me

parece, nessa particularidade, é que uma vez estabelecida a situação reinante no

contexto, inicia-se uma fase em que se faz menção às consequências dos perigos

já citados.

Há, nesse estágio, a primeira ocorrência de uma Concessão “mesmo que em

versões mais moderadas”, que tem a função heteroglóssica de negociação com o

leitor, amenizando a Reivindicação aí presente. A Concessão torna-se aqui um

recurso altamente persuasivo.

Argumento 2

(7) Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco

andam de cabeças raspadas, [concessão] que compartilham em algum grau noções do

tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", [concessão] "nossas prisões estão cheias de

negros e nordestinos", [concessão] "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids";

[concessão] que xingam os demais de "baianos" e [concessão] afirmam que (eles)

jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura.

Resumo:

5 concessivas: por meio da Concessiva Cardinal – como polidez.

Interpretação: Valendo-se do modo descritivo em fusão escalada com

argumento, Kahn, por meio de Concessões, descreve situações veladas de “ódio”,

orientando o leitor a aceitar a sua hipótese de que há ideias adormecidas na

sociedade. Fazendo uso dessas concessões, o autor atenua a ameaça à face,

evitando, assim, um julgamento mais contundente, como “Os cidadãos cometem

atos discriminatórios sem ter consciência”. Em todas elas podemos inferir o

conectivo “embora”.

69

Argumento 3 (8) São cidadãos que não calçam coturnos, [CONCESSÃO] mas que rejeitariam uma

instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas casas. Não vestem calças

camufladas, [CONCESSÃO] mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por

migrantes e [CONCESSÃO] concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam

desviados para outras cidades. Não escutam música ska, [CONCESSÃO] mas gostariam que

os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo

"pessoas de boa aparência" e [CONCESSÃO] consideram o elevador de serviço mais

adequado para algumas categorias de pessoas.

Resumo:

5 concessivas: por meio da Concessiva Cardinal, seguida pelo MAS

(Omitido em alguns casos) – como polidez

Interpretação: No modo descritivo, em fusão escalada com argumento, Kahn

reforça a sua hipótese de ideias adormecidas a partir de sua opinião marcada por

uma série de Concessivas Cardinais. Trata-se de um recurso fortemente

persuasivo, pois consegue mostrar as ações contrastantes de cidadãos, deixando

a cargo do leitor o julgamento negativo.

Argumento 4 [sem expressão de causa, concessão e condição]

(9) São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários

desses grupos que tanto vilipendiamos. [CONCESSÃO] É claro que há diferença entre

esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é

frequentemente apenas de grau.

Resumo:

CONCESSÃO

Indicada por meio da Concessiva Cardinal: por “É claro que” – como polidez

70

Interpretação: Em modo argumentativo, por meio de uma Concessão

subentendida, o articulista apresenta uma forte argumentação, reforçando a sua

hipótese. Para evitar ameaça à face, o autor faz uso de uma CCardinal. Pelo

intersubjetivismo, o autor adivinha que o leitor esteja pensando (É claro que há

uma grande diferença), e, por uma questão de polidez, faz essa concessão. Isso

constitui uma amenização, porém, com forte teor persuasivo, já que concorda

com o leitor, mas reforça seu argumento.

Argumento 5

(10) Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, Julgamento (-) token

votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, ← em parte Julgamento (-) token

pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também Julgamento (-) entre o eleitorado brasileiro - um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema. Apreciação social (-) token

Resumo:

1. EFEITO ( votado por 27% dos austrícacos) ← CAUSA (fadiga) Julgamento (-) token Julgamento (-)

CAUSA: por sucessão de tempo – como embasamento da Argumentação

Interpretação: Por meio da descrição, o articulista apresenta como Garantia de

sua Reivindicação um Dado comprovável (TOULMIN, 1958) por meio de uma

relação Causal. Nota-se que a relação Causal surge após Julgamento (-) (FORD,

1994) realizado implicitamente, já que o leitor tem que inferir que se é negativa

a restrição aos imigrantes na Áustria, também é negativa no Brasil.

71

Argumento 6

(11) A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu ← com o fascismo e onde a crise social é menor que (↑) Avaliação social (-) Avaliação Social (-) aqui.

Resumo:

EFEITO (Europa sofreu) ← CAUSA (fascismo) (↑) Avaliação social (-) Avaliação Social (-)

CAUSA: por sucessão de tempo – como embasamento da Argumentação

Interpretação: Por meio do modo descritivo em fusão escalada com argumento,

o autor embasa sua Reivindicação (A Europa que mais sofreu) fazendo uso de

uma Causalidade. A relação Causal emerge após Reivindicação com Declaração

monoglóssica com retórica negativa (FORD, 1994). Assim Kahn mostra o

sofrimento da Europa devido ao fascismo.

Quatro parágrafos realizam um estágio, em que Kahn mostra como funciona o

perigo que permanece latente nas mentes humanas. As pessoas não têm

consciência de suas atitudes e, muito menos, das consequências que a

contribuição pequena de cada um representa como um todo na sociedade. Esse

fato, mais a aparência inócua de certos comportamentos, e que estão na base –

são a Causa de sentimentos que acabam eclodindo em atos de ódio e violência.

Tese (Demonstração da Hipótese)

72

(12) O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca Aval. Social (-) não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, ← mas Monoglossia no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, Apreciação social (-) ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira. Apreciação social (-)

Resumo:

EFEITO (Perigo) ← CAUSA (questões malresolvidas) Apreciação social (-) Apreciação social (-)

CAUSA: por sucessão de tempo – após afirmação categórica, monoglóssica.

Interpretação: Por meio do modo argumentativo, Kahn defende a sua tese (o

perigo está em questões mal resolvidas). Esse argumento é expresso por uma

relação Causal, após afirmação monoglóssica. Após citar os vários movimentos

que provocam incidentes e crimes em todo mundo, por meio de uma sucessão de

Efeito – Causa, Kahn mostra o real perigo que habita as subjacências desses atos,

o que dificulta a sua erradicação. São crenças e valores cultivados sem um real

conhecimento de suas potencialidades, e ainda incentivados por interesses

escusos, o que dificulta o seu esclarecimento e alimenta mentes conturbadas.

4.1.3.1 Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no

Artigo de opinião

Segue abaixo um quadro que resume as ocorrências das três relações causais,

condicionais e concessivas dentro de cada estágio do artigo de opinião “O ataque

careca”:

73

Quadro 9: Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no Artigo

O ataque careca

Tulio Kahn (FSP - 14/02/2000)

EFEITO ← porque CAUSA Causa indicada por “porque”. Perigosos ← porque são ideias adormecidas

LIDE ANTECIPA O PROBLEMA

CAUSA → EFEITO CAUSA indicada por ordem cronológica Vários episódios de ódio → despertaram a sociedade

(1) Situação

CAUSA →EFEITO CAUSA indicada por oração subordinada adverbial causal reduzida de gerúndio. Aspectos secundários ← deixou de lado a questão crucial

(2) Situação + Problema

1. CAUSA → EFEITO

CAUSA indicada por ordem cronológica (“desde”) Atos de violência → monitoramento de grupos

2. EFEITO ← CAUSA

CAUSA indicada pela preposição + artigo “por” Facção apresentada como responsável

3. EFEITO ← CAUSA

CAUSA indicada pela preposição + artigo “pelo” Facção responsável pelo envolvimento em incidentes

(3) Situação (perigo mundial)

1. EFEITO ← CAUSA

CAUSA indicada pela conjunção “porque”. Morte de Neris ← parecia homossexual

2. EFEITO ← CAUSA

CAUSA indicada pela preposição + artigo “pelo”. Ataques a indefesos ← por serem negros, gays, judeus etc.

(4) Situação (perigo no Brasil)

EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por or.subord.adverb.compar. “mais que” Mais do que homicídios ← perigo de natureza simbólica

(5) Hipótese

74

1. EFEITO ← CAUSA

CAUSA indicada sucessão de tempo Cautela ← responsáveis por milhões de mortes

2. EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por “porque” Perigosos ← defendem ideias adormecidas

1. CONCESSÃO (CCard)

Indicada por “mesmo que”

(6) Argumento 1

5 CONCESSÕES (CCard)

Infere-se o conectivo “embora” pelo contexto.

(7) Argumento 2

5 CONCESSÕES (CCard) Infere-se o conectivo “embora” pelo contexto.

(8) Argumento 3

CONCESSÃO (CCard) Indicada por “é claro que”

(9) Argumento 4

EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por sucessão de tempo 27% ← fadiga

(10) Argumento 5

EFEITO ← CAUSA CAUSA indicado por sucessão de tempo Europa sofreu ← fascismo

(11) Argumento 6

EFEITO ← CAUSA CAUSA indicado por sucessão de tempo Perigo ← questões malresolvidas

(12) Tese (hipótese

demonstrada)

75

4.1.3.2 Discussão Geral da Análise da Expressão de Causa, Condição e

Concessão no artigo de opinião

A análise mostra como foi construída a argumentação. Nota-se a relação de

causalidade e concessividade servindo como embasamento para o argumento do

autor. Veja a tabela 1, a seguir:

Tabela 1 – Ocorrência e expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo

Causa

Tipos Ocorrências %

por 3 21%

porque 3 21%

cronologia 2 14%

mais que 1 7%

or reduzida 1 7%

Sucessão Tempo 4 29%

Total 14 100%

Condição

Tipos Ocorrências %

Nenhuma ocorrência 0 -

Total 0 -

Concessão

Tipos Ocorrências %

mesmo que 1 8%

“é claro que” 1 8%

com inferência de “embora” 10 83%

Total 12 100%

Com relação aos tipos de expressão, o quadro revela os diferentes tipos de

expressão para sinalizar a relação de Causa e Concessão.

Com relação às ocorrências, os dados mostram que, no artigo de opinião “O

ataque careca”, a argumentação recorreu a 14 ocorrências de Causa, 12 de

Concessão e nenhuma ocorrência de Condição. Esses números sugerem que um dos

elementos favoráveis à persuasão estaria na demonstração de que uma determinada

76

causa acarretou um feito, no caso, negativo, para fortalecer o posicionamento do

escritor.

Por outro lado, as concessões mostram a preocupação do autor com a questão

da ameaça à face, e assim, tem o cuidado de colocar lado a lado a opinião corrente

ou a do interlocutor, e a sua posição. Verifica-se que a conjunção concessiva “embora”

não ocorre no artigo para indicar a concessividade, sendo substituída pela “concessiva

cardinal”, em que – para evitar ameaça à face – o autor concede, reconhecendo um

posicionamento contrário ao seu ponto de vista (ex.: “não vestem calças camufladas”),

MAS prossegue argumentando a validade de seu posicionamento (ex.: “mas

apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes”).

É interessante notar a ausência de condição nesse artigo, o que pode sugerir

que o autor lance mão de um discurso mais monoglóssico do que heteroglóssico, ou

seja, tende a não condicionar seu posicionamento.

Um achado importante, ao nosso ver, encontra-se no Quadro 10. Parece haver

uma tendência a antecipar a causa em relação ao efeito nos estágios iniciais do

gênero, para inverter essa ordem nos estágios finais (incluindo o lide, que antecipa

esses estágios). Nos estágios finais, a ordem Efeito-Causa teria o efeito de

argumentar em favor de uma solução, como mostra a direção das setas.

Quadro 10 - Causa e Efeito nos estágios do gênero do artigo

LIDE SITUAÇÃO SIT+PROBLEMA SIT.MUNDIAL SIT.BRASIL HIPÓTESE

E ← C C → E C → E C → E E ← C E ← C 1.porque 2.cronologia 3.or.reduz. 4.cronologia 7.porque 9.mais que resp.inesp embasamento embasamento embasamento embasamento embasamento

E ← C E ← C 5.por 8.por embasamento embasamento

E ← C 6 por + o embasamento

4.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”

Iniciamos com a apresentação do texto do diálogo, na íntegra.

77

Trecho do Inquérito No 343, Bobina No 130- INFS. No 441 E 442”, do PROJETO NURC/SP, gravado em 15/03/76 – Trecho da linha 499 a 600

820 palavras:

L1 crescimento... o Brasil diz-se basicamente 500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo...

se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay? ... uma:: um caminho

L2 ahn ahn 505 L1 agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é melhor

ou é pior para eles isso? L2 não sei porque acho que aí quando se fala em

desenvolvimento geralmente está se falando num plano material né? ... concreto material ou melhores condições

510 materiais de vida... L1 é mas se não nã/ não:::...

[ L2 se Isso sabe L1 seja mais ampla... porque::... material envolve...

qualquer outro... junto...certo? 515 L2 nem sempre M. você vai::... assim:: o povo americano

não é um povo feliz... em termos de condições materiais:: está ótimo está está :: muito bem mas... realmente eu não sei te dizer se... se... se faz tanta diferença assim... ((barulho de motocicleta))

520 L1 então você quer dizer o quê? (vai) cair naquele básico que... dinheiro não traz felicidade?... então desenvolvimento está ruim ...

L2 mas que ajuda... NÃO estou dizendo que não SEI:: se:: se sabe? melhora a condição assim emocional das

525 pessoas que estão... quer dizer ( ) ou não [

L1 não se preocupe::... exageradamente com o emocional não

L2 ah é o meu campo pô [

L1 ((rindo)) (eu estou falando de) cidade... 530 L2 ((rindo)) e daí? a cidade não é também?... a origem das

coisas é a emoção... as aulas as aulinhas lá que eu [

L1 você mexe... L2 estou assistindo L1 fundamentalmente

[ 535 L2 oi?

L1 com os indivíduos né? é diferente de mexer com casas [

L2 e o que são indivíduos?... são feixes de emoções... condensadas ((ri))

540 L1 o indivíduo é um todo... L2 o que eu Acho... assim...

78

L1 por exemplo [

L2 ahn L1 você acha que um indivíduo... tendo trabalho ou não

545 tendo trabalho é... é a mesma coisa?... você não acha que um indivíduo que tem onde trabalhar::... e gan::nha melhor ele não está ... emocionalmente melhor que um indivíduo que não tem onde trabalhar e::... et cetera?... você acha que não?

550 L2 você diz mais ou menos doente? L1 sei lá ... eu não estou pegando nenhum

[ L2 nesse sentido assim? L1 caso clínico... um indivíduo qualquer...

[ L2 ahn tudo bem... está está legal...

555 L1 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de emprego para mais gente...

L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um cara que esteja desempregado também eu posso... usar o

mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara 560 que está desempregado porque não consegue se empregar né? na

verdade não quer... ou um outro que:: assim... muito bem empregado executivo chefe de empresa e tal mas cheio das neuroses de... eu não sei qual está melhor...

565 L1 então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter ambos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto particular...

L2 é mas aí:: é o tal negócio eu não me preocupo muito

com a média... pra mim interessa:: o:: indivíduo né?... 570 salvação individual então eu pensar... como é que está

essa média como é que está aquela..como é que está a ou/ ... ( ) realmente me faltam dados né? para eu... mas que aí é falta de interesse minha né? de eu não procurar esses dados de eu não me tocar muito...

575 e ver::... L1 é eu… às vezes me preocupo com... digamos com a média

pelo seguinte... eu me preocupo com o que que eu estou contribuindo com o bem da média ou não... porque porque eu pego e calculo uma coisa que chegou a mim...

580 e de mim vai para outros L2 uhn uhn L1 certo eu sou:: um::... um circuitozinho pequenininho

dentro de um processo grande... L2 ahn ahn

585 L1 e se eu (saio) dali ou não basicamente eu posso não

interferir... no processo global... mas eu queria entender esse processo né? porque às vezes eu vejo assim pontes enormes que:: se gastam... fábulas para construí-la... desde o projeto até::... a entrega da obra... mas às vezes

590 eu não sinto muito o nexo na ponte... então eu fico me

79

perguntando se eu estou... por fo::ra do planejamento né? eu estou fazendo a coisa...simplesmente porque eu sou uma:: pe::ça dentro de uma ... engrenagem maior então eu não estou sabendo do porquê... ou se tem::...

595 como às vezes eu sinto muito ... muito senão aí::... alguém tem dinheiro:: dá dinheiro para esse outro para ele construir a ponte mas sem outra função né?... mas hoje eu tenho eu acho assim puxa esta ponte está :: jogando dinheiro fora... não que ... melhor guardar [

600 L2 você não pode escolher não fazer né?

L1 não... mesmo que eu escolha eu não vou interferir no processo...

L1 ahn ahn 820 palavras

4.2.1 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque no Contexto

Situacional (Registro)

Iniciamos a análise pelas variáveis de Registro para esclarecer o contexto de

situação (Campo, Relação e Modo) do evento relatado no diálogo, a fim de minimizar

a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).

Campo: A conversa gira em torno do desenvolvimento da cidade.

Relações: Trata-se de dois jovens, ambos com formação universitária: O

Participante 1, tratado por L1, é um jovem de 26 anos, solteiro,

engenheiro, paulistano. O Participante 2, tratado por L2, é uma jovem de

25 anos, solteira, psicóloga. Trata-se de uma conversa simétrica, no

sentido de que ambos têm a liberdade para tomar seu turno, de

perguntar, avaliar e responder. O diálogo é estimulado, nesse trecho,

pelo engenheiro (L1) ao perguntar à psicóloga (L2) se o desenvolvimento

é bom ou não para o indivíduo. Ambos têm opinião contrastante. Cada

um defende seus pontos de vista conforme as suas formações

acadêmicas. A psicóloga busca convencer o engenheiro de que não

sabe se desenvolvimento é bom ou não para o indivíduo. O engenheiro

por sua vez, tenta convencê-la de que o desenvolvimento é bom.

80

Modo: Diálogo, modalidade oral, de cunho argumentativo, organizado por meio

de escolhas lexicogramaticais feitas pelos falantes, com a finalidade de

cada um defender seu ponto de vista.

4.2.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque em

estágios e finalidades, seguida de:

(a) Causa, Condição e Concessão;

(b) Modalidade/Avaliatividade;

(c) Modos Textuais

Passamos a examinar os estágios do gênero Diálogo, tendo como orientação

as etapas sugeridas por Schegloff e Sacks (1974), que em geral são tomadas de

turnos, onde se verificam os pares adjacentes, com seus tipos de segunda parte do

par preferido ou despreferido.

Ao contrário do procedimento analítico que fiz para o artigo de Kahn, em que a

análise foi feita em duas etapas: (a) de gênero; e (b) das demais categorias de análise,

o diálogo exigiu um outro formato de análise. Assim, em um único quadro, serão

efetuados tanto o exame de gênero, quanto da função de causa, condição e

concessão, incluindo na Intepretação de cada etapa, o exame da

Modalidade/Avaliatividade e dos Modos Textuais. As orações fragmentam-se, juntam-

se a outros fragmentos, resultando em omissão de itens lexicais, em especial os

conectivos, que precisam ser preenchidos pelo ouvinte. Portanto, colocarei uma nota

com a sentença fragmentada na modalidade escrita, no final da interpretação.

Falante Texto Estágio

L1

T1

crescimento... o Brasil diz-se basicamente

500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo... se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay?... uma:: um caminho

L2 T2

ahn ahn

81

L1 T3

505 [CONDIÇÃO] agora PE::gue... os indivíduos... desse

país... é melhor ou é pior para eles isso?

Apreciação (+) Apreciação (-)

Primeira

parte do par

Resumo:

Estágio: Primeira parte do par

CONDIÇÃO indicada por CC normal (“se” omitido) – condiciona a pergunta

(melhor ou é pior...?) - hipótese

Interpretação: Em modo argumentativo, por meio de uma condicional, L1 abre

a discussão sobre a questão polêmica, perguntando à L2 se o desenvolvimento é

bom ou não para os brasileiros. Com a condicional, L1 hipotetiza a questão.

Nota: A sentença dentro da modalidade escrita: Se você pegar os indivíduos desse país, o desenvolvimento seria melhor ou pior para eles?

L2 T4

não sei ← porque acho que aí [CONDIÇÃO] quando se

Heteroglóssia fala em de- senvolvimento geralmente está se falando num plano material né?...concreto material ou melhores condições Heteroglossia

510 materiais de vida...

Despreferido

Resumo:

Estágio: Par despreferido

CAUSA (porque) – após afirmação monoglóssica (“não sei”)

CONDIÇÃO indicada por CC normal (quando ...) – condiciona sua opinião

(“falando em plano...”) – como

declaração

82

Interpretação: Em modo argumentativo, L2 se posiciona sobre a questão (“não

sei...”). Em defesa desse ponto de vista, L2 lança mão de uma relação causal

como forma de atenuar a sua face positiva. Por meio da Condicional normal, L2

condiciona a sua opinião (“falando num plano material...”). A condicionalidade

tem função de Declaração. Notemos o tom heteroglóssico adotado por L2.

L1 T5

[CONCESSÃO] é mas [CONDIÇÃO] se não nã/ não:::...

Despreferido

Resumo:

Estágio: Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “é” – como polidez (alinhamento)

CONDIÇÃO indicada por CC normal (se) – condiciona sua opinião (subentende-

se “se não falar num plano material”) – como

hipótese

Interpretação: Em modo argumentativo, L1 expressa seu ponto de vista

contrastante, por meio de uma relação concessiva. Em princípio ele concede (é)

– como forma de alinhamento, mas depois volta à carga (mas se não). L2

condiciona a sua opinião, por meio de uma relação condicional normal, com

função hipotética.

Nota: A sentença, possivelmente, na modalidade escrita seria: É, mas se não falar num plano material?

L2 T6

[ [CONDIÇÃO] se Isso sabe Heteroglossia

Resumo:

Estágio: Par despreferido CONDIÇÃO indicada por CC normal (se) – como hipótese

83

Interpretação: Em modo argumentativo, L2 reafirma sua opinião contrastante,

por meio da anáfora “isso” – (“ se fala em planejamento está falando em plano

material”). Por meio da relação condicional normal com função hipotética, L1

condiciona a sua opinião. Com esse recurso, L2 induz L1 a aderir a sua

Reivindicação, de modo heteroglóssico.

Nota: A sentença, possivelmente, na modalidade escrita seria: Se falar num plano material?

L1 T7

seja mais ampla... ← porque::... material envolve... Monoglóssia Avaliação Julgamento (-)

qualquer outro... junto...certo? Hetereglossia

Despreferido

Resumo:

Estágio: Par despreferido

CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“seja”)

Interpretação: Em modo argumentativo, em primeira parte do par, L1 realiza

uma ordem a L2, com vistas a esclarecer o léxico “material”. A ordem, agravada

pelo Avaliatividade negativa, constitui forte ameaça à face negativa. Assim, a

relação de causalidade surge como explicação para atenuar a ameaça à face

(GOHL, 2000).

L2 T8

515 nem sempre M. você vai::... assim:: o povo americano

não é um povo feliz... em termos de condições materiais:: está ótimo está está :: muito bem mas... realmente eu não sei te dizer se... se... se faz tanta diferença assim... ((barulho de motocicleta))

L1 T9

520 então você quer dizer o quê? (vai) cair naquele básico

que... [CONDIÇÃO] dinheiro não traz felicidade?... então Apreciação (-) desenvolvimento está ruim ... Apreciação (-)

Primeira

parte do par

84

Resumo:

Estágio: Primeira parte do par

CONDIÇÃO indicada por CC “Sentença do Holandês: (“se” omitido) – como

Argumento - como questionamento

Interpretação: Em modo argumentativo, em primeira parte do par, L1 lança mão

de uma Condicional “Sentença do Holandês, como meio de forçar L2 a aceitar a

argumentação corrente de que “desenvolvimento é bom”. A Condicional

“Sentença do Holandês” tem a função de provocar o questionamento do valor de

verdade de P (“dinheiro não traz felicidade). Partindo da falsidade obvia de Q

(desenvolvimento está ruim), leva L2 a questionar o valor de verdade de P. Trata-

se de um recurso altamente persuasivo, pois induz L1 a um raciocínio implícito

inverso de que dinheiro traz felicidade, logo o desenvolvimento é bom. Mas, do

ponto de vista da Linguística Crítica, trata-se de um raciocínio falho, pois nem

sempre o dinheiro traz felicidade e é usado de forma efetiva e adequada para o

desenvolvimento.

L2 T10

mas que ajuda... NÃO estou dizendo que não SEI:: se:: se sabe? melhora a condição assim emocional das

525 pessoas que estão... quer dizer () ou não

L1 T11

[ não se preocupe::... exageradamente com o emocional não

L2 T12

ah é o meu campo pô

L1 T13

[ ((rindo)) (eu estou falando de) cidade...

L2 T14

530 ((rindo)) e daí? a cidade não é também?... a origem das coisas é a emoção... as aulas as aulinhas lá que eu

L1 T15

[ você mexe...

L2 T16

estou assistindo

L1 T11

Fundamentalmente

L2 T17

[ 535 oi?

85

L1 T13

com os indivíduos né? é diferente de mexer com casas

L2 T14

e o que são indivíduos?... são feixes de emoções... condensadas ((ri))

L1 T15

540 o indivíduo é um todo...

L2 T16

L2 o que eu Acho... assim...

L1 T17

por exemplo

L2 T18

[ Ahn

L1 T19

você acha que um indivíduo... tendo trabalho ou não Heteroglossia: token Julgamento (+) Julgamento. (-)

545 tendo trabalho é... é a mesma coisa?... você não acha

Heteroglossia: token que[CONDIÇÃO] um indivíduo que tem onde trabalhar :. Julgamento (+) e gan::nha melhor → ele não está ... emocionalmente Julgamento (+) Monoglossia Afeto (+) melhor que um indivíduo que não tem onde trabalhar e::... Afeto (+) Julgamento (-) et cetera?... você acha que não? Heteroglossia: token Avaliação (-): token

Primeira parte do par

Resumo:

Estágio: Primeira parte do par

CONDIÇÃO indicada por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – condiciona a opinião (alinhamento)

- como questionamento

Interpretação: Em fusão escalada de descrição com argumentação, L1 faz uso

de uma relação condicional a fim de conduzir L2 a aceitar a argumentação

corrente (Desenvolvimento é bom). A Condicional “Sentença do Holandês” tem

a função de provocar o questionamento do valor de verdade de P (“o indivíduo

que tem onde trabalhar e ganha melhor”). Partindo da falsidade obvia de Q (“ele

não está emocionalmente melhor...”), leva L2 a questionar o valor de verdade de

P (indivíduo tem trabalho e ganha bem). L1 busca fortalecer o seu argumento

86

com fatos conhecidos pelo público em geral (trabalho/ganho). Pela Linguística

Crítica, é um raciocínio falho, pois nem sempre quem trabalha e ganha melhor

está emocionalmente melhor. Notemos que as perguntas disfarçadas de

heteroglossia - “você não acha?” – constituem token, pois foram formatas com

vistas a desconstruir o argumento de L2, forçando-a a ceder em sua posição. As

Negatividades e as Avaliatividades aumentam a tentativa de persuasão.

L2 T20

550 você diz mais ou menos doente?

L1 T 21

sei lá ... eu não estou pegando nenhum

L2 T22

[ nesse sentido assim?

L1 T23

caso clínico... um indivíduo qualquer...

L2 T24

[ ahn tudo bem... está está legal...

L1 T25

555 então o desen/ o desenvolvimento é bom ← porque ele Apreciação (+) Monoglossia

dá chance de emprego para mais gente... Apreciação (+) Força (↑)

Primeira

parte do par

Resumo:

Estágio: Primeira parte do par

CAUSA: por “porque” – após afirmação monoglóssica

Interpretação: Em modo argumentativo, após ter construído seu argumento no

seu turno anterior, L1 expressa a sua Reivindicação (“desenvolvimento é bom”).

Na Causa, fornece um Dado reconhecido no imaginário popular (emprego), mas

não oferece garantia (TOULMIN, 1958). Notemos que a causalidade surge como

explicação após afirmação categórica, monoglóssica. A Declaração com

Avaliatividades positivas contribui para persuadir L2 a aceitar a reivindicação

corrente.

87

L2 T26

mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um Julgamento (-) Apreciação (-)(↓) cara que esteja desempregado também eu posso... usar o Julgamento (-) Probabilidade mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara

560 que está desempregado ← porque não consegue se Julgamento (-) Julgamento (-)

empregar né? Ø ← na verdade não quer...ou um outro Julgamento (-) que:: assim...muito bem empregado executivo chefe de (↑) Julgamento (+) Apreciação (+) empresa e tal mas cheio das neuroses de... eu não sei (↑) Apreciação (-) qual está melhor... Julgamento (-)

Despreferido

Resumo: Estágio: Par despreferido CAUSA: por “porque” – como Argumento “não consegue” CAUSA: por “porque” omitido – como Argumento “não quer”

Interpretação: Em fusão escalada de descrição com argumento, L2 tenta

desconstruir o argumento de L1 (emprego para muita gente), apresentando um

Dado contrário por meio de uma relação causal. Notemos que as Avaliações

negativas expressas como pano de fundo nos argumentos também têm função

persuasiva.

L1 T27

565 então você tem que abstrair desse aspecto ← porque você Obrigação: Monoglossia

pode ter ambos os ca::sos...você tem que pegar na Probabilidade Obrigação:Monoglossia

Despreferido

88

média esquecendo esse aspecto particular...

Resumo:

Estágio: Despreferido

CAUSA (porque) – após ordem (“tem”)

Interpretação: Em modo argumentativo, L1 expressa um forte desacordo do

argumento apresentado por L2, expressando uma ordem intensificada pela

modalidade de obrigação, o que constitui forte ameaça à sua face negativa.

Notemos que a relação de causalidade emerge como explicação, de modo a

atenuar a face após essa ordem. Na causa, ele inclui os dois dados fornecidos

anteriormente por L2, a fim de persuadi-la a declinar de seu posicionamento.

L2 T28

[CONCESSÃO] é mas aí:: é o tal negócio eu não me Monoglossia a média... ← Ø pra mim interessa:: o:: indivíduo né?... (↑) Monoglossia

570 salvação individual então eu pensar... como é que está

essa média como é que está aquela.. como é que está a ou/ ... () realmente me faltam dados né? para eu... mas Heteroglossia que aí é falta de interesse minha né? de eu não procurar esses dados de eu não me tocar muito...

575 e ver::...

Despreferido

Resumo: Estágio: Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “é” – como polidez

89

CAUSA (sem sinalização) – após contraste “não me preocupo” Interpretação: Em modo argumentativo, L1 impõe seu ponto de vista

fortemente contrastante. Por meio de uma concessão, ele concede (“é”), depois

volta à carga com sua nova Reivindicação (“mas... não me preocupo com a

média”). Na sequência apresenta uma Causa. Note que a relação causal emerge

após par não-preferido, e cumpre a função persuasiva de explicação após

contraste.

L1 T29

é eu… às vezes me preocupo com... digamos com a média ← pelo seguinte... eu me preocupo com o que Afeto (+) que eu estou contribuindo com o bem da média ou Afeto (+) Avaliação Social (+) não... ← porque porque eu pego e calculo uma coisa

580 que chegou a mim... e de mim vai para outros

Despreferido

Resumo:

Estágio: Par despreferido

1. CAUSA (pelo seguinte) – após contraste 2. CAUSA (porque) – após contraste

Interpretação: Em modo argumentativo, L1 conta-argumenta em prol de sua

nova Reivindicação (eu me preocupo com a média). Na causa, L1 apresenta um

Dado (eu calculo...) para a sua Reivindicação, mas sem garantia que apoia esse

Dado (TOULMIN, 1988). Notemos que a relação de causalidade emerge após

par não-preferido, cumprindo função persuasiva de explicação após contraste.

L2 T30

uhn uhn

L1 T31

certo eu sou:: um::... um circuitozinho pequenininho dentro de um processo grande...

90

L2 T32

ahn ahn

L1 T33

585 e [CONCESSÃO] se eu (saio) dali ou não basicamente = Mesmo que eu posso não interferir... no processo global... mas eu

queria entender esse processo né? ← porque às vezes eu Desejabilidade Heteroglossia vejo assim pontes enormes que:: se gastam... fábulas Apreciação (-) Token (↑) Julgamento (-) para construí-la...desde o projeto até::... a entrega da Apreciação (-) Apreciação (-)

obra... mas às vezes

590 eu não sinto muito o nexo na ponte... então eu fico me Apreciação (-) perguntando[CONDIÇÃO]se eu estou...por fo::ra do planejamento

né? eu estou fazendo a coisa... ← simplesmente porque

eu sou uma:: pe::ça dentro de uma ... engrenagem Julgamento (-) maior então eu não estou sabendo do porquê... ou se

595 tem::...como às vezes eu sinto muito ... muito senão aí::...

alguém tem dinheiro:: dá dinheiro para esse outro para ele construir a ponte mas sem outra função né?... mas hoje eu tenho eu acho assim puxa [CONDIÇÃO]esta ponte está :: jogando dinheiro fora... não que ... melhor guardar Julgamento (-)

Continuação despreferido

Resumo: Estágio: continuação do Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “se = mesmo que ” – como polidez

(alinhamento)

1. CAUSA (porque) – após um desejo

91

1. CONDIÇÃO indicada por CC epistêmica (“se”) – condiciona a opinião -

como declaração

2. CAUSA (porque) – como argumento “sou apenas uma peça...”

2. CONDIÇÃO indicada por CC imperativa (“se” omitido) – condiciona a

opinião – como hipótese

Interpretação: Em fusão escalada de narração e descrição com argumento, L1

reorienta a sua argumentação para a sua nova Reivindicação (“eu não posso

interferir”). Para amenizar a ameaça à sua própria face positiva, L1 lança mão de

uma relação concessiva. Notemos que, na sequência, L1 faz uso de relação causal

como explicação após um forte desejo. Na causa, apresenta Dados de

conhecimento do público em geral (pontes enormes, se gastam fábulas), mas sem

garantia à Reivindicação feita. A relação condicional epistêmica é usada por L1

com vistas a persuadir L2 a aderir a ideia de que não pode saber do processo que

antecedeu a construção das pontes. Há uma relação causal subjacente: Causa:

quem está fora do planejamento, conclui-se: não pode saber do planejamento. A

persuasão é reforçada com Avaliatividade negativa. Notemos, ao final, que

utiliza uma condicional imperativa, com função de fazer uma hipótese sobre o

destino dos gastos públicos e evitar o desperdício de dinheiro.

L2 T34

600 você não pode escolher não

fazer né?

L1 T35

não... [CONCESSÃO] mesmo que eu escolha eu não Heteroglossia vou interferir no processo...

Despreferido

Resumo:

Concessão indicada por CCard: por “mesmo que” como polidez (alinhamento)

92

Interpretação: Em modo argumentativo, L1 impõe seu ponto de vista. Por meio

de uma concessão, ele concede (mesmo que eu escolha), depois volta à carga

(não vou interferir).

4.2.2.1 Discussão Geral da Análise de Gênero no Diálogo “Inquérito de dois

informantes”

O trecho da conversa, composto por oitocentos e vinte palavras, está

estruturado em trinta e cinco turnos. O diálogo se dá entre duas informantes L1

(engenheiro) e L2 (psicóloga), em princípio, numa relação simétrica, ou seja, sem grau

de hierarquia. Trata-se de dois jovens, um homem e uma mulher, ambos solteiros, e

com ensino superior. Ambos apresentam direitos e obrigações iguais (SACKS, 1974),

tendo liberdade para tomar o turno, respondendo cada uma ao seu turno na interação,

ora pela autosseleção, ora pela atribuição do falante em curso, numa co-construção

dinâmica e estendida e produção colaborativa da conversa (DURANTI, BRENNEIS,

1986; JACOBY; OCHS, 1995; GOODWIN, 2002).

O diálogo entre os participantes se sustenta, nesse trecho analisado, em torno

do tópico geral “ desenvolvimento da cidade e a interferência do indivíduo nesse

processo”. A discussão se inicia com o questionamento por parte de L1 se

desenvolvimento em países saindo da condição de subdesenvolvidos faz bem ou não

para os indivíduos. L2 não sabe se o desenvolvimento faz bem ou não. L1 tem a

intenção de convencer L2 de que o desenvolvimento faz bem para os indivíduos.

Nesse processo de interação, os participantes do diálogo organizam suas falas

ora por pares adjacentes (Padj) do tipo pergunta-resposta, ora por turnos

complementares e marcadores de interação, num movimento cooperativo entre os

participantes, como no exemplo a seguir:

L1 crescimento... o Brasil diz-se basicamente 500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo...

se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay?... uma:: um caminho

L2 ahn ahn 505 L1 agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é

melhorou é pior para eles isso?

93

L2 não sei porque acho que aí quando se fala em desenvolvimento geralmente está se falando num plano material né?... concreto material ou melhores condições

510 materiais de vida...

Verifica-se, no trecho acima, os estágios do gênero Diálogo sendo construídos.

A introdução do assunto é iniciada por L1 em seu turno, sendo aceito pelo seu

interlocutor L2, a partir da inserção do marcador interativo “ahn ahn”. Na sequência,

na primeira parte do par, L1 realiza uma pergunta (“Desenvolvimento é melhor ou é

pior para eles...?”), exigindo uma resposta de L2, o qual responde com a segunda

parte do par despreferido (“Não sei”). A partir daí trava-se a dinâmica comunicacional

entre os falantes, cada um, por seu turno, tecendo a sua argumentação em prol de

seus pontos de vista.

4.2.2.2 Resumo da Análise da Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito

de dois informantes”

Segue abaixo o Quadro 11 que resume as ocorrências das três relações de

Causa, Condição e Concessão dentro de cada estágio do Diálogo “Inquérito de dois

informantes”:

Quadro 11: Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no diálogo

Diálogo “Inquérito de dois informantes”

Projeto NURC, gravado em SP – 15/03/1976)

CONDIÇÃO por CC normal (“se” omitido) – condiciona a

pergunta (melhor ou

é pior...?) - hipótese

(T3): L1

Primeira parte do par

CAUSA (porque) – após afirm. monoglóssica (“não sei”)

L2 (T4)

DESPREFERIDO

94

CONDIÇÃO por CC normal (“quando”) – Condiciona a opinião (porque acho que aí quando....) – declaração

CONCESSÃO por CCard: por “é” – como polidez CONDIÇÃO por CC normal (se) – hipótese - condiciona sua opinião (subentende-se “não for plano material”)

L1 (T 5): Despreferido

CONDIÇÃO por CC normal (se) – hipótese – condiciona sua

opinião (subentende-se for plano material)

L2 (T6):

Despreferido

CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“seja”)

(T 7): L1

Despreferido

CONDIÇÃO por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – questionamento

(T9): L1

Primeira parte do par

CONDIÇÃO por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – questionamento

(T19): L1

Primeira parte do par

CAUSA: por “porque” – após afirmação monoglóssica

(T25): L1

Primeira parte do par

1. CAUSA: por “porque” – como Argumento “não

consegue”

2. CAUSA: por “porque” omitido – após o Argumento “não quer”

(T26): L2

DESPREFERIDO

95

CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“tem”)

(T27): L1

Despreferido

CONCESSÃO por CCard: por “é” – como polidez

(alinhamento) CAUSA (sem sinalização) – após contraste em tom

monoglóssica

(T28): L2

DESPREFERIDO

1. CAUSA (pelo seguinte) – após contraste (“eu me

preocupo...

2. CAUSA (porque) – após contraste ( “eu pego...)

(T29): L2

DESPREFERIDO

CONCESSÃO:

Concessão indicada por “se = mesmo que” – como polidez (alinhamento)

1. CAUSA (porque) – após um desejo “eu queria” 1. CONDIÇÃO por CC epistêmica por “se” – declaração 2. CAUSA (porque) – como argumento “uma peça da engrenagem...”

2. CONDIÇÃO indicada por CC Imperativa (“se” omitido) -

hipótese

(T33): L1

Continuação da despreferida

CONCESSÃO:

Concessão indicada por “mesmo que” – como polidez (alinhamento)

(T35): L1

Despreferida

96

4.2.2.3 Discussão Geral das Expressões de Causa, Condição e Concessão no

Diálogo “Inquérito de dois informantes”

A análise mostra como foi construída a argumentação no gênero Diálogo.

Verificamos a relação de causalidade, condicionalidade e concessividade servindo

como embasamento para o argumento dos falantes. A tabela 2 apresenta os tipos e a

incidência de cada uma dessas relações.

Tabela 2 – Ocorrência e expressão de Causa, Condição e Concessão no Diálogo

Causa

Tipos Ocorrências % porque (explícito) 8 73%

porque (implícito) 1 9%

sem sinalização 1 9%

pelo seguinte 1 9%

Total 11 100%

Condição

Tipos Ocorrências %

quando 1 13%

se (implícita) 4 50%

se (explícita) 3 37%

Total 8 100%

Concessão

Tipos Ocorrências %

É 2 50%

Mesmo que (1) 1 25%

Se (mesmo que) 1 1 25%

Total 4 100%

A tabela mostra que, no Diálogo, “Inquérito de dois informantes”, a

argumentação recorreu 11 ocorrências de causa, 8 de condição e 4 de concessão,

totalizando 23 relações lógicas, com expressão explícita e implícita.

Esses números sugerem que um dos elementos favoráveis à persuasão no

diálogo estaria no fornecimento de explicações para defender o posicionamento após

declarações contrastantes ente os falantes.

97

A análise da condição, na conversa, revela uma argumentação que tende aos

falantes condicionarem suas opiniões. O uso revela uma postura heteroglóssica, cujos

participantes, por meio da condição, buscam negociar com seus interlocutores os seus

posicionamentos.

No diálogo, nas quatro ocorrências, usou-se Concessiva Cardinal “É” seguida

de Mas (2), a expressão tradicional “Mesmo que” (1) e “Se” equivalente a “mesmo

que”, com valor concessivo. Este foi um dado de surpresa na análise.

Notamos que a conjunção concessiva “embora” também não ocorre na

conversa para indicar a concessividade, sendo substituída pela “concessiva cardinal”,

sinalizada por “´É”, em que – para evitar ameaça à face – o falante concede,

reconhecendo um posicionamento contrário ao seu ponto de vista (ex.: (tem que

esquecer casos particulares”), MAS prossegue argumentando a validade de seu

posicionamento (ex.: “mas não me preocupo com média”). Esse tipo de ocorrência “É

seguida de Mas” confirma as palavras de Ikeda, 2012. A argumentação por meio da

concessiva cardinal na conversa, portanto, revela ser menos rígida do que na

modalidade escrita. Mostrar esses tipos e o fato das relações nem sempre serem

sinalizadas explicitamente é uma questão que pode ser levada à discussão aos

alunos, para que se tenha uma maior consciência do funcionamento da língua,

especificamente, do funcionamento dessas relações lógicas.

4.3 Resultados Gerais: comparação entre as duas modalidades

A análise nos mostrou a dinâmica comunicativa com o uso dessas relações

para guiar o leitor / interlocutor a fim de efetivar a persuasão tanto na modalidade

escrita quanto na modalidade oral. Vejamos o quadro comparativo em termos

percentuais:

98

Tabela 3: Número de ocorrências de Causa, Condição e Concessão em cada modalidade

Modalidade Causa Condição Concessão Total

Escrita 14

54%)

0

(0%)

12

(46%)

26

(100%)

Oral 11

(48%)

8

(35%)

4

(17%)

23

(100%)

Considerando a diferença entre as modalidades escrita e oral, verificamos a

ocorrência de 26 relações entre causais, condicionais e concessivas no artigo de

opinião e de 23 no diálogo. Esses dados mostram a ocorrência equilibrada dessas

relações lógicas nas duas modalidades – escrita e escrita.

Com relação à ocorrência de relação causal, verificamos 54 % no artigo e 48%

no diálogo. Esses dados mostram que ambos tendem a recorrer à causalidade como

meio de garantir a adesão de seus interlocutores, munindo-os de explicações e

argumentos.

Com relação à ocorrência de relação condicional, o quadro mostra um dado

intrigante. Na modalidade escrita, gênero artigo de opinião, não houve a ocorrência

da relação condicional em oposição à modalidade oral, que contou com ocorrência de

35%. Esse resultado pode sugerir que em tom mais monoglóssico não se recorre à

relação condicional, uma vez que ela condiciona a Reivindicação. Mas carecemos de

mais pesquisas.

Com relação à ocorrência da relação concessiva, nota-se o maior uso na

modalidade escrita, com 46% em oposição à modalidade oral, com 17%. Esse dado

revela uma preocupação do autor, na modalidade escrita, em adotar uma postura de

preservação de face, de polidez. Mas isso poderá ser visto mais adiante.

Posto isso, com relação às perguntas de pesquisa, podemos dizer que foram

respondidas, como podemos esclarecer a seguir:

(1) Primeira pergunta de pesquisa: Como são realizadas as relações de causa,

condição e concessão nos textos examinados?

99

Pelos resultados, verificamos que as relações de causa, condição e concessão

podem ser expressas de diversas formas, diferentemente do que mostra a gramática

tradicional.

Com relação ao uso de relações causais, nas duas modalidades, as

ocorrências de relações causais são realizadas por meio de várias categorias, como

nos mostrou Jordan (1998), tais como: porque (implícita e explícita), por ordem

cronológica (implícita) por ordem cronológica introduzida pela preposição “desde”, por

oração causal reduzida de gerúndio (exemplo “deixando”), por sucessão de tempo,

preposição “por”, sem sinalização, “pelo seguinte”, além de oração comparativa (mais

que), além da ausência de expressão sinalizadora ou com “porque” omitido em alguns

casos.

Com relação ao uso da relação condicional, no diálogo, houve a ocorrência dos

tipos CC (normal), CC Epistêmica, CC Imperativa e CC “Sentença do Holandês”,

conforme nos mostrou Mazzoleni (1994). São tipos diferentes da gramática tradicional.

Referente à ocorrência de relações concessivas, nas duas modalidades houve

a ocorrência de CCard, como nos mostrou Couper-Kuhlen e Thompson (2000). Do

total de 12 ocorrências, no artigo, o autor recorreu a: (10) CCard com omissão do

conectivo “embora”, sendo (8) seguida do conectivo adversativo “mas”, conforme nos

mostrou Ikeda, 2012; (2) CCard com omissão de “mas”; (1) CCcard com a expressão

explícita “mesmo que”; (1) CCard sem expressão sinalizadora. No diálogo, do total de

4 ocorrências, o falante recorreu à: (1) CCard, com o uso explícito da expressão

tradicional “mesmo que”, (1) com a expressão “Se” (equivalente a “mesmo que”) e (1)

com “É” seguida do conectivo “Mas”, (essas duas últimas formas não previstas pelas

gramáticas tradicionais). Mostrar essas possibilidades de uso aos alunos, tanto na

modalidade oral quanto na escrita, pode contribuir para uma reflexão do processo da

escrita. Muito da informação implícita, especificamente, os conectivos, devem ser

inferidos pelo leitor/ouvinte. Posto isso, passemos a segunda pergunta de pesquisa.

(2) A segunda pergunta de pesquisa: Qual é o papel dessas relações na persuasão

que percorre o texto argumentativo?

As análises feitas permitem atestar o papel das relações de causa, condição e

concessão e a sua importância como força persuasiva no discurso nas duas

100

modalidades. Vejamos, primeiramente, função persuasiva das relações de causa no

artigo de opinião e no diálogo e o que esses dados nos sugerem.

Tabela 4: persuasão de Causa no Artigo de Opinião e no Diálogo

GÊNEROS

FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CAUSA

Explicação após

afirmação monoglóssica

Explicação após

avaliação

Explicação após

contraste

Explicação após

ordem

Explicação após

desejo

Embasamento da

Argumentação Total

NO ARTIGO

DE OPINIÃO

5 2 0 0 0 7 14

NO DIÁLOGO 2 0

3

2 1 3 11

Os resultados nos mostram que, no artigo de opinião, houve a ocorrência de

14 causalidades e no diálogo 11. Podemos dizer que o uso da causalidade nas duas

modalidades está equilibrado. Porém, podemos perceber uma diferença. Vejamos, na

tabela 5 abaixo, a ocorrência de causalidade no diálogo:

Tabela 5: persuasão de Causa no Diálogo

NO DIÁLOGO

FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CAUSA

Explicação após

afirmação monoglóssica

Explicação após

avaliação

Explicação após

contraste

Explicação após

ordem

Explicação após

desejo

Embasamento da

Argumentação Total

Primeira parte do par 1 0 0 0 0 0 1

Despreferido 1 0 3 2 1 3 10

Total no Diálogo 2 0 3 2 1 3 11

101

No diálogo, os dados revelam um número significativo de causalidade em par

despreferido, envolvendo situações de afirmações monoglóssicas, de contraste, de

ordens e de argumentação. A essas situações incluo explicação após forte desejo

como, por exemplo, “eu queria entender como é esse processo, porque...” - esse foi

um achado na análise. Em interações face a face, a imagem do falante é

constantemente ameaçada, e a causalidade tem a função persuasiva, no discurso, de

atenuar essa ameaça à face quando há situações dessa natureza, o que confirma as

palavras de Gohl (2000).

Como a meta do artigo é buscar convencer o outro sobre determinada ideia,

influenciando-o e transformando seus valores por meio da argumentação a favor de

uma posição, como nos informou BRÄKLING (2000), a causalidade surge como um

recurso importante para validar uma Reivindicação. Na modalidade oral (diálogo),

notemos a prevalência de 8 causalidades com função de fornecer explicações após

contraste, ordem, declaração monoglóssica e desejo, atenuando a ameaça à face. Na

modalidade escrita (artigo), notemos a prevalência de 7 causalidades servindo como

embasamento de argumentação, 5 causalidades fornecendo explicações após

afirmações categóricas e 2 após avaliações. Assim, a causalidade constitui um

recurso persuasivo eficaz no processo de persuasão. Além disso, ela pode ser

potencializada, no nível da microestrutura. Pudemos constatar isso no artigo, que, por

meio de escolhas lexicogramaticais cuidadosas, com Dados verificáveis, o autor

garantiu as suas Reivindicações, conforme nos orientou a teoria de Toulmin (1958).

Somado a isso, as Avaliatividades (Martin, 2000) também contribuíram nesse

processo de persuasão.

Outro fator de persuasão está relacionado à sintaxe. A ordem Causa-Efeito –

Efeito-Causa constituiu em elemento significativo, pois sinalizou a porção da

mensagem que o autor quis privilegiar com vistas à sua Reivindicação. Em termos

persuasivos, podemos entender a importância que esse modo discreto traz para o

texto argumentativo, como meio de sugerir determinada interpretação, orientando a

interpretação que o escritor espera do leitor (Halliday, 1994).

Percebemos a força da ordem sintática na modalidade escrita. A análise nos

mostrou que, ao dispor, sintaticamente, nos estágios iniciais de 1 a 3, a sequência de

Causa antecipando o efeito, Kahn já instaura na mente do leitor a garantia de sua

102

Reivindicação (despertou a atenção da sociedade para a questão de incidentes de

“ódio”/ deixou de lado a discussão sobre o perigo desses grupos).

Uma vez estabelecida a situação em que deu início à discussão dos “incidentes

de ódio”, inverte-se a ordem para Efeito – Causa, a fim de argumentar a favor de uma

solução, com vistas a obter a adesão do leitor em relação à sua Reivindicação (esses

grupos são perigosos, porque defendem ideias adormecidas na sociedade). Além

disso, Efeito-Causa privilegia os Dados que garantem essa Reivindicação. Vejamos o

exemplo disso, no quadro 12 abaixo:

Quadro 12: ORDEM INVERSA DE RELAÇÃO DE CAUSALIDADE NA CONTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

Reivindicação

Esses grupos são perigosos porque defendem ideias adormecidas na sociedade

EFEITO CAUSA

Fação responsável por pichações, difamações,

depredações, ameaças a minorias,

difusão racistas, homofóbicas,

separatistas, antissemitas

(Grupos) foram responsáveis por envolvimento em incidentes mais

graves, envio de bombas caseiras a

instituições Anestia, estupros,

agressões físicas e assassinatos

(Grupos) são perigosos defendem ideias e bandeiras que se

encontram adormecidas

Cautela com herdeiros de doutrinas foram responsáveis pelo sofrimento e

pela morte de milhões de pessoas.

Restrições ao Partido da Liberdade fatiga da população com partidos

tradicionais

Europa sofreu com facismo

O perigo das gangues questões malresolvidas na sociedade

103

Essa possibilidade de inversão é possível porque a língua permite: é a sintaxe

da língua. Acreditamos que seria muito interessante para o processo de escrita trazer

essa questão para discussão com os alunos.

Essa forma de arranjo sintático trouxe um efeito de apoiar as reivindicações

com as causas do perigo (ações discriminatórias veladas na sociedade). Atua como

um recurso requintado de persuasão, pois é uma forma de privilegiar a informação

requerida pelo autor. É uma forma de ajudar, ou melhor, conduzir o leitor a construir

um raciocínio similar ao do escritor. Podemos considerar a ordem sintática como um

token que um autor emprega no seu texto, pois é uma forma silenciosa para guiar ou

direcionar o leitor para o modo como deve entendê-lo, e para o leitor aderir ao seu

posicionamento em relação a ele” (MAO, 1993, p.265).

Parece-me que a análise da ORDEM sintática juntamente com a análise da

microestrutura das escolhas lexicogramaticais permeadas de avaliação retórica

negativa, de Contrabando de informação, Apito do Cão, Crypto-argumentação

(modalidades de narração e descrição em fusão com argumento) contribuíram para

aumentar a força hipnótica na mente do leitor, permitindo ao autor o sucesso de obter

uma adesão maior à sua Reivindicação (esses grupos são perigosos, porque

defendem ideias adormecidas na sociedade).

Referente à condicionalidade, vejamos, primeiramente, a tabela 7 abaixo com

a ocorrência e os tipos nas duas modalidades e, na sequência, a tabela 8 com o efeito

persuasivo.

Tabela 6: Tipos de Condição

GÊNERO TIPOS DE CONDIÇÃO

Diálogo

CC normal

Epistêmica Ato de

fala

Sentença do

Holandês

CC Imperativa

CC metalinguística

Total

4

( 49%)

1

(13%)

( 0%)

2

( 25%)

1

( 13%)

( 0%)

(8)

(100%)

104

Tabela 7: persuasão de Condição no Artigo de Opinião e no Diálogo

GÊNEROS

FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CONDIÇÃO

Predição Declaração Hipótese Avaliação Questionamento Total

NO ARTIGO DE OPINIÃO 0 0 0 0 0

NO DIÁLOGO 2 4 0 2 8

A tabela mostra a ausência da condição no artigo de opinião, pois o articulista

tende a não condicionar as suas reivindicações. Na modalidade oral, os falantes

fizeram uso de 8 relações de condicionalidade. Esse dado sugere que a condição

pode ser adotada em tom mais heteroglóssico, pois os interlocutores condicionam a

sua Reivindicação. Também revela a postura dos falantes em contextualizar seus

pontos de vista com Dados hipotéticos, sem garantia, a partir de criação de um mundo

possível.

Das oito ocorrências, houve 49% de CC normal, a fim de persuadir, criando um

mundo textual, hipotético. 13% de CC epistêmica, com função declarativa, a fim de

levar o interlocutor à determinada conclusão. Quando querem questionar a validade

do argumento de seu interlocutor, fazem uso da CC “Sentença do Holandês” (25%).

Pela análise, incluímos a função persuasiva de Questionamento. Esta constitui um

meio de persuasão poderoso, já que leva os falantes a refletir sobre a validade de

suas crenças e de seus próprios argumentos. Por fim, 13% de CC Imperativa, com

função hipotética.

Partamos para a concessividade. Vejamos o que o quadro das concessivas nas

duas modalidades nos mostram.

105

Tabela 8: Função persuasiva da Concessão no Artigo e no Diálogo

GÊNEROS

FUNÇÃO PERSUASIVA DA CONCESSÃO

CCARD

Alinhamento Desalinhamento Total

NO ARTIGO DE OPINIÃO 12 0 12

NO DIÁLOGO 4 0 4

Com relação à concessiva, a tabela mostra que, no diálogo, modalidade oral,

houve baixa ocorrência de concessiva, apenas (4). Esse dado mostra que houve,

apenas em alguns momentos, uma preocupação dos falantes em preservar à face.

No artigo, modalidade escrita, os dados mostram um número expressivo de

ocorrência. Houve 12 ocorrências em oposição ao diálogo com 4. Esse é um dado

importante para reflexão: Que efeito isso traria? A polidez. O uso da relação

Concessiva Cardinal tem um papel persuasivo decisivo, pois trata-se de uma

estratégia de polidez, de alinhamento com o seu interlocutor (Couper-Kuhlen e

Thompson, 2000), atenuando a ameaça à face que um posicionamento contundente

ou uma ordem pode trazer para os autores tanto na modalidade escrita quanto na

modalidade oral. É interessante que o autor reconheça o que seu interlocutor pensa,

concorde, em princípio, com ele, para só depois contrastar com o seu ponto de vista.

O uso de uma Concessiva Cardinal é uma manobra, um recurso eficiente do autor

garantir a adesão do leitor, já que autor consegue, com a concessiva cardinal,

desarmar o seu interlocutor. Numa situação de comunicação, seja na modalidade

escrita, quanto na oral, acreditamos ser muito importante reconhecer a ideia do outro,

atenuando a ameaça à face negativa. A relação concessiva cardinal tem essa função

persuasiva. Portanto, com ela, o autor realiza o trabalho de preservação de face.

Também acreditamos que essa questão seja um meio de incentivar a reflexão do

aluno sobre o processo da escrita de um texto formal.

Por outro lado, a sintaxe também contribui no processo persuasivo, na medida

em que a disposição, a ordenação das informações nas concessivas promove a

fruição das informações e facilita a compreensão do leitor. Acredito que mostrar essas

situações ao aluno pode ajudá-lo a refletir sobre a modalidade escrita. A título de

exemplo, notemos, no quadro 13, como Kahn potencializa a sua persuasão com o uso

106

das concessivas, ordenando os fatos numa ordem que privilegia a informação que

desvelam atos discriminatórios velados pela sociedade.

Quadro 13: A ORDEM DA CONCESSIVIDADE NA CONTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

Reivindicação

Esses grupos são perigosos porque defendem ideias adormecidas na sociedade

CONCEDE CONTRASTA

(Opinião corrente) Expõe seu ponto de vista

Há bons cidadãos que não se julgam racistas que compartilham noções como “nossas prisões

estão cheias de negros, nordestinos

“nossas prisões estão cheias de negros e

nordestinos

“os gays são responsáveis pela epidemia da

Aids”

“que xingam os demais ”baianos”

“afirmam que jamais votariam numa nordestina

ou negro para a prefeitura.”

São cidadãos que não usam coturnos Rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma

unidade da Febem perto de suas casas

Não vestem calças camufladas Apoiariam restrições ao uso dos serviços

públicos por imigrantes

Concordam veladamente que ônibus vindos do

nordeste sejam desviados para outras cidades

Não escutam música ska Gostariam que os mendigos fossem enviados

para algum lugar remoto

Publicam anúncios pedindo “pessoas de boa

aparência e consideram o elevador de serviço

mais adequado para algumas categorias de

pessoas.

A partir do exposto, mostramos como as relações causais, condicionais e

concessivas são construídas no discurso, contribuindo para a persuasão, de forma

cumulativamente, conjuntamente com recursos retóricos numa dinâmica

comunicacional argumentativa, conforme o texto se desenrola.

107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa, de caráter qualitativo e de cunho crítico, examinou as funções

interpessoais dos conectivos causais, concessivos e condicionais - envolvendo

também os casos de sua omissão - com enfoque no processo persuasivo exercido

por esses conectivos em dois gêneros: artigo de opinião e conversa.

À luz da Linguística Crítica, amparada pela teoria-metodológica da Gramática

Sistêmico-Funcional, a análise no nível da micro e macroestrutura forneceram pistas

para a identificação tanto de estratégias argumentativas utilizadas pelos respectivos

autores, quanto suas ideologias.

Acreditamos que as perguntas que orientaram essa pesquisa foram

respondidas, como esclarecemos a seguir:

Pergunta (a): Como são realizadas as relações de causa, condição e

concessão nos textos examinados?

As relações de causa são realizadas por meio de vários tipos de expressão, de

forma implícita e explícita. Além do conectivo tradicional “porque”, temos: por ordem

cronológica (implícita), por preposição “desde”, por oração causal reduzida de

gerúndio (exemplo “deixando”), por sucessão de tempo, preposição “por”, pela

expressão “pelo seguinte”, por oração comparativa (mais que), além da ausência de

expressão sinalizadora, ou com “porque” omitido em alguns casos.

As relações de condição são sinalizadas por: “quando e “se” implícita e implícita

e sem sinalização. Também de vários tipos, como: CC normal, CC epistêmica, CC

“Sentença do Holandês” e CC imperativa.

As relações de concessão foram realizadas por meio de Concessiva Cardinal,

com a expressão tradicional “Mesmo que”, “É” seguida do conectivo Mas (explícito e

explícitos), ou sem a expressão com “Embora” subentendido. O “Se” equivalente a

“mesmo que”, com valor concessivo foi um dado revelador na pesquisa. Mostrar essas

situações podem ajudar no processo de leitura e, consequentemente no processo de

escrita.

Pergunta (b): Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o texto

argumentativo?

108

As relações de causa, condição e concessão têm a função de fornecer uma

guia para que o receptor construa um raciocínio à similaridade do articulista,

contribuindo, assim, para a persuasão e adesão do receptor às Reinvindicações feitas

pelo produtor da mensagem no processo interacional, seja na modalidade escrita, seja

na modalidade oral. Como vimos, a causa constitui um recurso de fornecer argumento

para garantir as Reivindicações pleiteadas, além de atenuar a ameaça à face,

fornecendo explicações após: declarações categóricas, ordens, avaliações. Aqui, pela

análise dos dados, incluímos explicação após forte desejo.

A condição tem função persuasiva de declaração, de criar hipóteses, criando

mundos possíveis). Aqui pela análise dos dados, incluímos a função de provocar o

questionamento de valor de verdade nos argumentos pelos envolvidos na interação.

Também pode ser usado em tom mais heteroglóssico, uma vez que os participantes

tendem a condicionar as suas opiniões.

A relação de concessão nem sempre é realizada para indicar concessão. Pode

ser realizada por meio de Concessiva cardinal, cuja função persuasiva é, em princípio,

se alinhar com os envolvidos na interação (leitor/ouvinte) para depois introduzir uma

opinião altamente destruidora. Constatamos o forte poder persuasivo que essa

relação pode ter no discurso.

Por outro lado, as relações de causa, condição e concessão podem ser

potencializadas pelas escolhas lexicogramaticais cuidadosas traduzidas em

Avaliatividades, Tokens, Contrabando de informação, Apito do cão e a Crypto-

argumentação (fusão da narração e descrição com argumento). Ao longo do artigo,

vimos como as relações de causa e concessão foram intensificadas por esses

recursos, aumentando o poder persuasivo do autor. Eles reforçam na mente do leitor

significados que corroboram com a Reivindicação pleiteada pelo autor. Também o

arranjo sintático das informações constitui outro recurso de persuasão. Mostrar aos

alunos como as orações fragmentam-se, resultando em omissão de conectivos, que

precisam ser inferidos pelo ouvinte parece ser um caminho de reflexão no processo

de leitura e, consequentemente, no processo de escrita.

Além disso, a polidez constitui um recurso altamente eficiente, uma vez que

contribui primeiramente para o alinhamento com o interlocutor. É extremamente útil

para atenuar a ameaça à face não só em situações de interação pessoal na

modalidade oral, mas também em situações da modalidade escrita. Trata-se de um

109

recurso requerido principalmente no gênero artigo de opinião. Acreditamos ser

importante e de bom tom o autor/falante demostrar a preocupação de reconhecer

primeiramente as crenças de seu público, somente para depois apresentar uma

opinião.

Outro recurso interessante é a Teoria de Toulmin (1958; 1984), pois ela permite

aferir a validade dos argumentos oferecidos pelos autores, de forma a nos permitir

avaliar a credibilidade do autor e desenvolver uma atitude crítica em relação ao

conteúdo disposto no texto.

Por fim, as análises no nível da micro e macroestrutura permitem trazer para o

nível da consciência os valores e crenças codificados nos padrões linguísticos.

Portanto, termino essa pesquisa, com a sensação de que ela proporcionou uma

compreensão melhor tanto sobre como são produzidas as relações de causa,

condição e concessão, quanto sobre as suas funções persuasivas no discurso. Agora

que estão mais claros para mim, poderei, evidentemente, proporcionar aos alunos um

ensino com maior qualidade e com embasamento teórico mais sólido. Enfim, pude

constatar a importância da Linguística Crítica, da metodologia da Gramática

Sistêmico-Funcional e de seus colaboradores para uma análise de elementos

persuasivos, contribuindo para o ensino do processo de leitura e de escrita de forma

mais efetiva.

110

REFERÊNCIAS

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ANEXO 1

Artigo original, na íntegra, publicado na Folha de S.Paulo, de 14/02/ 2000 – opinião A3

O ataque careca

Esses grupos são perigosos porque

defendem idéias adormecidas na

sociedade

TULIO KAHN O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio". As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira? Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável por pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão de idéias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos. A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual", foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus. Mas, mais que um perigo físico para as minorias -estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias-, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais simbólica. Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram responsáveis pelo sofrimento e pela

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morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem bandeiras e idéias que se encontram adormecidas na sociedade, ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Idéias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável. Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos", "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os demais de "baianos" e afirmam que jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura. São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades. Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo "pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais adequado para algumas categorias de pessoas. São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos. É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de grau. Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro -um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema. A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise social é menor que aqui. O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira.

Tulio Kahn, 34, é sociólogo, doutor em ciência política pela USP e autor de "Ensaios sobre Racismo -manifestações modernas do preconceito na sociedade brasileira" (ed. Conjuntura).

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ANEXO 2 Trecho original extraído do Inquérito “Diálogo entre dois informantes”, No 343- BOBINA No

130- INFS. No 441 e 442 do Projeto NURC/SP.

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ANEXO 3

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