castelo rÁ-tim-bum: restauraÇÃo dos figurinos … · narrativa do castelo, pois cada figurino...

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015 ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015 CASTELO RÁ-TIM-BUM: RESTAURAÇÃO DOS FIGURINOS PARA EXPOSIÇÃO NO MIS Luiza Helena Freitas de Oliveira (Universidade do Estado de Santa Catarina) Mara Rúbia Sant’Anna (Universidade do Estado de Santa Catarina) Resumo: Este trabalho apresenta o processo de restauração dos figurinos da série Castelo Rá-Tim- Bum da TV Cultura realizado para a exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo. Foram destacados alguns figurinos que desafiaram a equipe envolvida no processo, mas que não representam a totalidade de peças restauradas, dado que todo o acervo precisou de reparos em diferentes níveis, devido ao tempo das peças que completaram 20 anos em 2014. Palavras-chave: Figurino; Restauração; Castelo Rá-Tim-Bum; TV Cultura; MIS. Introdução A série Castelo Rá-Tim-Bum, programa da TV Cultura lançado em 1994, alcançou pelo menos três gerações e continua conquistando o público infanto-juvenil no Brasil e em vários países para onde o programa foi exportado e dublado. Em homenagem aos 20 anos do programa, o Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo promoveu, em 2014, o evento “Castelo Rá-Tim-Bum – A exposição”, gerando assim a reconstrução dos cenários e a restauração de figurinos e objetos de cena. Para composição deste artigo, conceituamos figurino com base na literatura de cinema, televisão e teatro, comparando-a com o posicionamento da TV Cultura na realização da série. Além disso, foram descritas as características do programa Castelo Rá-Tim-Bum e da exposição realizada pelo MIS em São Paulo. Complementando cada um dos capítulos, citamos as entrevistas realizadas com dois profissionais envolvidos com os figurinos do Castelo: Carlos Alberto Gardin, figurinista do Castelo Rá- Tim-Bum, que anteriormente já havia produzido a série Rá-Tim-Bum, e Rebecca Beolchi, atualmente responsável pelos figurinos da nova edição da Vila Sésamo e do Jornal da TV Cultura, que participou de todo o processo de restauração dos trajes e acessórios do Castelo para a exposição no MIS. Foram selecionados alguns dos figurinos destacados por esses profissionais para tratar sobre o processo de restauração, apontando seus materiais, as dificuldades da equipe e a seleção final para exposição no Museu. Neste artigo, analisamos os figurinos dos seguintes personagens: João de Barro, Patativas, Nino, Pedro, Caipora e Etevaldo. Finalmente, apontamos nas considerações finais as limitações da estrutura da TV Cultura quanto ao acervo têxtil e as iniciativas que surgiram na Fundação Padre Anchieta a partir dessa necessidade.

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

CASTELO RÁ-TIM-BUM: RESTAURAÇÃO DOS FIGURINOS PARA EXPOSIÇÃO NO MIS

Luiza Helena Freitas de Oliveira (Universidade do Estado de Santa Catarina) Mara Rúbia Sant’Anna (Universidade do Estado de Santa Catarina)

Resumo: Este trabalho apresenta o processo de restauração dos figurinos da série Castelo Rá-Tim-Bum da TV Cultura realizado para a exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo. Foram destacados alguns figurinos que desafiaram a equipe envolvida no processo, mas que não representam a totalidade de peças restauradas, dado que todo o acervo precisou de reparos em diferentes níveis, devido ao tempo das peças que completaram 20 anos em 2014. Palavras-chave: Figurino; Restauração; Castelo Rá-Tim-Bum; TV Cultura; MIS.

Introdução

A série Castelo Rá-Tim-Bum, programa da TV Cultura lançado em 1994, alcançou pelo

menos três gerações e continua conquistando o público infanto-juvenil no Brasil e em vários países

para onde o programa foi exportado e dublado. Em homenagem aos 20 anos do programa, o Museu

da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo promoveu, em 2014, o evento “Castelo Rá-Tim-Bum – A

exposição”, gerando assim a reconstrução dos cenários e a restauração de figurinos e objetos de

cena.

Para composição deste artigo, conceituamos figurino com base na literatura de cinema,

televisão e teatro, comparando-a com o posicionamento da TV Cultura na realização da série. Além

disso, foram descritas as características do programa Castelo Rá-Tim-Bum e da exposição realizada

pelo MIS em São Paulo.

Complementando cada um dos capítulos, citamos as entrevistas realizadas com dois

profissionais envolvidos com os figurinos do Castelo: Carlos Alberto Gardin, figurinista do Castelo Rá-

Tim-Bum, que anteriormente já havia produzido a série Rá-Tim-Bum, e Rebecca Beolchi, atualmente

responsável pelos figurinos da nova edição da Vila Sésamo e do Jornal da TV Cultura, que participou

de todo o processo de restauração dos trajes e acessórios do Castelo para a exposição no MIS.

Foram selecionados alguns dos figurinos destacados por esses profissionais para tratar sobre

o processo de restauração, apontando seus materiais, as dificuldades da equipe e a seleção final

para exposição no Museu. Neste artigo, analisamos os figurinos dos seguintes personagens: João de

Barro, Patativas, Nino, Pedro, Caipora e Etevaldo.

Finalmente, apontamos nas considerações finais as limitações da estrutura da TV Cultura

quanto ao acervo têxtil e as iniciativas que surgiram na Fundação Padre Anchieta a partir dessa

necessidade.

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Figurino

O figurino é conhecido popularmente como os trajes que são usados pelos personagens em

cena, mas também engloba todos os elementos de cabelo, maquiagem e acessórios. “O figurino [..]

é um dos elementos que ajudam a contar uma história. Apontado pelo senso comum como a ‘segunda

pele’ dos atores, nunca passa despercebido pelo olhar crítico e interessado dos fãs” (MEMÓRIA

GLOBO, 2007, p.13).

Segundo Cordeiro (2009), a arte cênica não poderia existir sem o espectador, que é o

receptor. O objetivo da encenação, que é de significar através de inúmeras linguagens constitutivas

durante a sua construção, é também alcançado através da aparência de cada personagem, que além

de significar muito individualmente contribui no conjunto visual da obra, vindo a ser um forte

instrumento de significação da proposta do espetáculo.

Para Barthes, um “bom figurino” deve cumprir o seu papel sem se tornar o foco principal da

arte cênica, caso contrário ele perde o seu propósito. Quando o figurino torna-se um fim e não um

meio, então o servidor se tornou mais importante do que o amo, o figurino está “doente” (1964, p.2).

Porém, é difícil distinguir quando o figurino age como meio no processo de significação ou como signo

em si mesmo. Pallottini afirma que “o primeiro meio de apreensão que tem o espectador, a sua

primeira forma de atingir essa criatura, que é o personagem, trata-se do visual. O personagem se

mostra, assim inicialmente, sob seu aspecto, digamos, físico” (1989, p.64). Como o primeiro contato

do espectador é com a segunda pele do personagem, a comunicação já começou a ser realizada

antes que a primeira fala tenha sido dita.

O figurino torna-se um meio de comunicação porque a roupa desempenha uma função

comunicativa com sua presença. A mensagem, como lembra Barnard, é aquilo que é recebido pelo

receptor. “O que é mais importante nessa descrição de comunicação é a intenção do remetente, a

eficiência do processo de transmissão, e o efeito em quem a recebe” (2003, p. 52). A forma como o

receptor decifrará a mensagem é determinante para significar a obra cênica.

Para o figurinista Carlos Gardin, criador dos figurinos da série Castelo Rá-Tim-Bum, um dos

maiores desafios ao desenhar os figurinos do programa era a construção de signos do Castelo e de

cada um dos personagens em seus figurinos. “Procurei usar cores diferentes das cores do cenário,

que era bem poluído e tinha mais verde, cor de mel e tons pastéis. Então criei as roupas também bem

poluídas e com cores vivas, para dar contraste. [...] A maior parte dos personagens principais tinha

um figurino fixo, até pela limitação de orçamento”. Gardin também contou como a história de cada

personagem era refletida no figurino:

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A Morgana era inspirada na Idade Média, com aquele cabelo parecendo aqueles chapéus altos [...] isso é típico dos contos de fadas, bruxas e castelos. Tem uma saia medieval, da época de 1400 mais ou menos. O Dr. Victor tem um look meio de Einstein, um traje que se compõe, porque tem um terno, um sobretudo, traje completo de um homem como se usa a partir de 1940. Ele não podia usar uma roupa para sair do Castelo que fosse muito diferente, não poderia se vestir como Napoleão Bonaparte, por exemplo. [...] O Nino, por sua vez, tinha uma roupa de menino que poderia ser do início do século XX, uma calça meio bermuda, um abotinado, coisas que de repente deixassem ele com uma cara meio de pajem.

Dessa forma, Rosi Campos, através de um vestido de veludo e seda bordado com cristais,

se transformava em Morgana, a feiticeira de 6 mil anos que morava na torre mais alta do Castelo e

que conheceu personagens ilustres da história da humanidade, como Colombo e Leonardo da Vinci.

Sérgio Mamberti se transformava em Dr. Victor, um cientista também feiticeiro que saía todos os dias

do Castelo para trabalhar na cidade e que realizava maravilhosas invenções em sua oficina. Cassio

Scapin se despia da pele de um homem adulto para vestir a pele de Nino, uma criança de 300 anos,

aprendiz de feiticeiro que adorava inventar objetos impossíveis e brincar com as três crianças que

vinham ao Castelo todos os dias.

A segunda pele desses atores tornava a estória crível para os telespectadores e permitia que

estes vivessem com cada um dos personagens as aventuras que se passavam em cada episódio.

Como afirma Cunningham (1984, p.1), “o figurino é um traje ‘mágico’ – um traje que possibilita, por

um tempo, o ator ser outra pessoa [...]. A roupa do ator ajuda a concentrar o poder da imaginação,

expressão, emoção e movimento dentro da criação e projeção do caráter do espetáculo”.

Segundo Patrice Pavis, “o figurino é muitas vezes uma cenografia ambulante, um cenário

trazido à escala humana e que se desloca com o ator” (2003, p.165). Isso era percebido durante a

narrativa do Castelo, pois cada figurino contava a sua própria história. O figurino do Etevaldo, por

exemplo, era repleto de referências de planetas, com os anéis em torno do corpo imitando os anéis

de saturno, e as bolas coladas nas pernas e braços como se fossem pequenos planetas. Já a Caipora

tinha a roupa toda em recortes de estampas de bichos, e saias sobrepostas em todo o corpo de

cabelos vermelhos, imitando o fogo - “Caipora anda na mata feito bicho, mas bicho não é. Fala que

nem gente, mas gente não é”. Esta era a fala da Caipora, que foi uma das falas mais consagradas do

Castelo.

A preocupação da equipe da TV Cultura também era com o lado educativo do programa.

Dessa forma, Gardin procurou usar o patchwork como meio de novas descobertas das crianças ao

longo da série. Dependendo da posição do personagem e da câmera, era possível descobrir um novo

recorte, uma nova cor, algo que ainda não havia sido percebido. Como afirma Pavis, “hoje, na

representação, o figurino conquista um lugar muito mais ambicioso; multiplica suas funções e se

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integra ao trabalho de conjunto em cima dos significantes cênicos. [...] põe-se a serviço de efeitos de

amplificação, de simplificação, de abstração e de legibilidade” (2001, p.168).

O Castelo Rá-Tim-Bum

Três crianças perdem uma pipa e, ao tentar buscá-la, encontram um castelo no meio da

cidade de São Paulo. É dessa forma que se inicia a história da série Castelo Rá-Tim-Bum lançado

em 1994 pela TV Cultura. Com o apoio da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e

participação direta de 250 pessoas, o programa foi composto por 90 episódios, resultando em mais

de 5 mil horas de gravação e 3 mil horas de edição (MIS, 2014).

O Castelo Rá-Tim-Bum é uma “série educativa que se apropria dos contos de fadas e busca

atender conjuntamente às exigências de mercado, de linguagem televisual e às expectativas e

necessidades de conhecimento e diversão do público infanto-juvenil” (CARNEIRO, 1999, p.20). Está

presente na infância de pelo menos três gerações que viveram com os personagens Nino, Biba, Pedro

e Zeca a descoberta de novos aprendizados através de objetos animados ou de personagens com

conhecimentos sobre diversos assuntos, como Tíbio e Perônio, Caipora, Etevaldo e Telekid.

Figura 1 – Personagens principais da esquerda para a direita: Biba, Zeca (ou Zequinha), Pedro e Nino.Fonte: http://cmais.com.br/castelo.

Nas entrevistas fornecidas para o MIS por Flávio de Souza (criador e roteirista) e Cao

Hamburger (criador e diretor geral) fica claro que o programa seria muito diferente na sua concepção

original. Em primeiro lugar, porque deveria ter sido uma continuação do programa Rá-Tim-Bum1

1 Rá-Tim-Bum foi um programa lançado em 1990, ganhador nesse ano da medalha de ouro no New York Festivals, em que

dois irmãos, Lia e Ivo, ligavam a TV e assistiam a vários quadros em que se ensinavam noções básicas sobre cores, formas, alfabeto, números e higiene (MIS, 2014).

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mantendo os melhores quadros da primeira temporada. Segundo porque, após a aprovação artística

do projeto, o mesmo foi cancelado por demandar um investimento financeiro muito alto e tudo

precisou ser revisado novamente, gerando a história no formato que conhecemos hoje.

O projeto estava cancelado. Ainda em choque, voltei à sala de produção e, em uma velha máquina de escrever, rascunhei um pré-projeto adaptando alguns dos elementos do projeto original (um trio de crianças que têm de passar por um porteiro, um Castelo de um certo Dr. Victor, que originalmente era no campo, alguns dos personagens e quadros) [...] O engraçado é que passamos a gostar muito mais do Castelo do que do projeto original. Nesse processo, aprendi a ver os limites como aliados do processo criativo. (Cao Hamburger, MIS, 2014, p.45-46).

O criador fala também sobre como as inovações tecnológicas da época influenciaram no jeito

de fazer o programa, apesar das limitações da emissora. “Estávamos no início dos anos 1990, e o

conceito de Windows tinha acabado de aparecer [...]. Eu me inspirei nessa ideia. O Castelo deveria

ser um lugar cheio de links a serem acessados. Com um toque se abriria uma janela, uma portinhola,

um novo universo” (Cao Hamburguer, MIS, 2014, p.46).

Nino, o personagem central que tem 300 anos e na verdade se chamava Antonino Quântico

Strativarios III, foi inspirado na Nina de um dos quadros do programa Rá-Tim-Bum: uma menina feita

por uma atriz adulta que falava com sua boneca careca. A ideia de fazer dos moradores do castelo

uma família de feiticeiros ajudou a amarrar os enredos lúdicos e colocou Nino na posição de aprendiz

de feiticeiro, uma proposta feita pelo Flávio de Souza inspirado no filme Fantasia, da Disney: “[...] uma

das coisas que ele mais queria era achar e usar – escondido do dono – o chapéu estrelado mágico

do Dr. Victor, que é bem semelhante ao chapéu mágico estrelado que o Mickey pega e usa escondido

do feiticeiro de quem ele é aprendiz” (MIS, 2014, p. 32).

A exposição no MIS

O Museu da Imagem e do Som (MIS), localizado na cidade de São Paulo/SP, promoveu a

exposição do programa Castelo Rá-Tim-Bum de 16 de julho de 2014 a 25 de janeiro de 2015

(originalmente a exposição seria encerrada no dia 23 de novembro de 2014 e foi prorrogada duas

vezes). O museu precisou realizar uma maratona na última semana, mantendo as portas abertas

durante a madrugada entre os dias 24 e 25 de janeiro, tamanho o sucesso da exposição. No total,

foram cerca de 410 mil visitantes desde sua abertura (Fonte: UOL, 2014).

A exposição ocupou o primeiro e o segundo andares do Museu e foi dividida em duas partes.

Em uma delas, os visitantes puderam conferir peças do acervo, como objetos de cena, fotografias,

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figurinos dos personagens e trechos do programa. Em outra, os visitantes puderam literalmente entrar

no Castelo através de mais de dez ambientes recriados, como o saguão, a biblioteca e a cozinha.

Objetos originais foram expostos, como o Gato Pintado, o monstro Mau, a cobra Celeste e as botas

Tap e Flap. Complementando a exposição, em uma área composta por telas, fones de ouvidos e

bancos estofados, era possível assistir a depoimentos gravados pelos atores do elenco original e

vários outros profissionais que participaram do programa.

Os figurinos foram expostos através de manequins disponibilizados pelo Museu, mas que

algumas vezes não refletiam as dimensões originais dos personagens. Rebecca Beolchi, assistente

do departamento de figurino da TV Cultura há 7 anos e que colaborou na restauração dos figurinos e

montagem da exposição no MIS, falou sobre a dificuldade em “vestir” alguns dos manequins pelas

diferenças de medidas dos atores do elenco original. “A gente teve dificuldade para vestir a Caipora,

o manequim era muito pequeno. Tinha gente que dizia ‘nossa, não sabia que a caipora era tão

pequenininha’, mas era o manequim que eles nos disponibilizaram” (BEOLCHI, 2014).

O processo de restauração

Os figurinos do Castelo Rá-Tim-Bum foram criados por Gardin, mas foi Edson Braga, na

época assistente de Gardin, o principal responsável em manter a conservação dos figurinos durante

esses 20 anos, o que foi fundamental para que os mesmos estivessem aptos para uma exposição

após tanto tempo.

O MIS disponibilizou uma verba para a restauração, mas não foi necessário fazer muita coisa. Às vezes tinha que refazer um bordado, um tecido, porque eles [os figurinos] estavam bem conservados. E como tinham cópias, a gente pôde escolher a melhor para a exposição. Mas foi graças a esse carinho que o “Edinho” [Edson Braga] tinha que a gente conseguiu mostrar tudo (BEOLCHI, 2014).

Os figurinos foram armazenados em um local sem refrigeração, o que não é ideal para

conservação das peças. As roupas foram colocadas em cabides e envoltas por TNT (tecido não

tecido) preto, a fim de evitar o desgaste causado pela iluminação e possibilitando que o tecido respire.

Os sapatos foram armazenados com enchimentos, a fim de manter a forma do mesmo.

Para a exposição, a equipe de figurinos precisou realizar um inventário listando a composição

de figurino de cada personagem, já que não havia esse registro na TV Cultura. Uma pessoa da equipe

ficou encarregada de assistir os vídeos e anotar os figurinos dos personagens incluindo os elementos

que não apareciam o tempo todo, como os guarda-chuvas e as capas de chuva das crianças Biba,

Pedro e Zeca.

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Figura 2 – Em dia de chuva, cada um tinha a sua capa e seu guarda chuva em cores diferentes. Fonte: http://cmais.com.br/castelo.

Alguns acessórios ou peças de roupa não foram localizados e foram comprados ou

confeccionados novamente, dependendo da complexidade da peça. “Acontecia muito do pessoal

levar embora, quando acabaram as filmagens, o cenário foi todo distribuído, só os objetos principais

ficaram” (BEOLCHI, 2014). Para Rebecca, a principal dificuldade na restauração é o tempo do tecido:

as costuras já estão se soltando, dependendo da malha parte da sua elasticidade foi perdida e alguns

materiais chegam até a se deteriorar com um simples manuseio da peça.

Este último aconteceu com a calça do João de Barro do quadro Instrumentos (mais conhecido

como “passarinhos”), que tinha vários filamentos expostos em látex e precisou ser completamente

restaurado, pois o material se desintegrou. Além disso, a gravata borboleta do personagem tinha sido

perdida e foi confeccionada novamente em um tecido similar para uma exposição anterior na Caixa

Econômica, mas antes da realização do evento no MIS a equipe de figurino localizou no acervo um

pedaço do tecido original e confeccionou novamente o acessório. As “penas” do corpo (que na

verdade são tiras de lycra com perfil de PVC tensionado por dentro) tiveram que ter a costura

reforçada.

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Figura 3 – Figurino do João de Barro, da esquerda para a direita: (1) durante cena do programa, (2) croqui de Carlos Gardin e (3) figurino separado para a exposição no MIS. Fonte: http://cmais.com.br/castelo, imagens editadas pela

autora.

No caso das Patativas (“passarinhas” que acompanhavam o João de Barro), o figurino teve

que ser todo refeito. Como os manequins para a exposição tinham medidas maiores do que as atrizes

Ciça Meireles e Dilmah Souza, e como as peças feitas de malha tinham perdido sua elasticidade, foi

necessário confeccionar as blusas e calças com lycra.

Esse tecido era uma pluminha com elastano, tipo um veludo, só que mais baixinho. A gente não achava mais esse tecido no mercado, então optamos por fazer uma réplica com lycra normal. [...] Tem um tecido bem parecido que é vendido em loja para fazer bonecas, se chama “pluminha”, mas é sem elastano, então não dava para usar, porque a roupa era bem coladinha. [...] As botas eram amarelas, mas desbotaram com o tempo, mudou bastante a cor, era bem amarelão (BEOLCHI, 2014).

Figura 4 – Figurinos das Patativas, da esquerda para a direita: (1) cena do programa com os figurinos originais; (2) exposição no MIS com réplicas dos figurinos em lycra. Fonte (1): http://cmais.com.br/castelo. Fonte (2): Acervo pessoal.

Imagens editadas pela autora.

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Para o figurino do personagem Nino, foi necessário refazer algumas das costuras. A calça e

uma das camisas eram feitas de fitas de gorgurão emendadas, o que dava o efeito do listrado. Os

botões do colete também precisaram ser reforçados, pois estavam começando a cair. Os materiais

utilizados no figurino foram veludo, seda, algodão, fita de gorgurão e fita de veludo. A peruca que

apareceu na exposição não foi usada no programa original, mas feita apenas para compor o figurino,

pois o ator Cassio Scarpin utilizava o próprio cabelo ou apenas um aplique para a mecha que ficava

erguida na cabeça. Os sapatos eram de verniz e ficaram com as cores desbotadas com o passar do

tempo, mas não poderia ser repintado. A solução foi aplicar hidratante corporal para hidratar o couro

do acessório (BEOLCHI, 2014).

Figura 5 – Figurinos do Nino, da esquerda para a direita: (1) com blusa de quadrados de veludo, (2) com blusa de fitas de gorgurão, (3) croqui do Carlos Gardin e (4) figurino selecionado para a exposição no MIS. Fonte:

http://cmais.com.br/castelo, imagens editadas pela autora.

O personagem Pedro também tinha duas versões de figurino, que compunham o mesmo

modelo de camiseta, bermuda, chapéu coco e tênis, alterando apenas as cores. No inventário, o

chapéu azul não foi localizado, bem como a bermuda laranja, que foi confeccionada novamente para

a exposição. As camisetas foram costuradas todas com costura overlock aparente, como se

estivessem do avesso. O desenho na camiseta, que parece uma caveira com olhos de estrelas, é

feita de tecidos recortados com acabamentos nas bordas em overlock e aplicados sobre a peça. Na

primeira, o acabamento foi feito com linha preta e na segunda com linha branca.

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Figura 6 – Figurino do Pedro, da esquerda para a direita: (1) camiseta com as laterais em azul e roxo com desenho em azul e amarelo, bermuda azul, chapéu azul; (2) camiseta com as laterais nas mesmas cores, só que invertidas, com

desenho em vermelho e laranja, bermuda laranja, chapéu laranja; (3) figurino selecionado para exposição no MIS. Fonte (1 e 2): http://cmais.com.br/castelo. Fonte (3): MIS, 2014. Imagens editadas pela autora.

O figurino da Caipora precisou ser quase todo trocado devido ao material das franjas que é

sintético (“cabelo falso”). O material precisou ser aplicado novamente mecha a mecha, o que atrasou

a sua finalização. “O figurino da Caipora foi um dos últimos que eu comecei a restaurar, e logo acabou

o prazo e tive que mandar tudo para o MIS. Alguns bordados no final ficaram sem serem refeitos”

(BEOLCHI, 2014).

Figura 7 - Figurino da Caipora, da esquerda para a direita: (1) cena do programa; (2) croqui de Carlos Gardin; (3) figurino exposto no MIS. Fonte (1 e 2): http://cmais.com.br/castelo. Fonte (3): Acervo pessoal. Imagem editada pela

autora.

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Para o Etevaldo, a equipe ficou com dúvida se restaurava ou fazia tudo de novo: “porque a

lycra vai perdendo muito a elasticidade, vai sujando, é tudo muito colado nele. A gente decidiu recolar

mesmo, e acho que foi a melhor saída. Os dedinhos a gente teve que refazer todos, porque são de

resina, se cai no chão, quebrou” (BEOLCHI, 2014). A inspiração do figurino do Etevaldo veio de um

desenho de ET realizado pelo enteado do figurinista Carlos Gardin, que procurou se manter fiel ao

desenho original. Talvez por isso o figurino do Etevaldo seja um dos mais lúdicos de todos os

personagens.

Figura 8 – Figurino do Etevaldo, da esquerda para a direita: (1) cena do programa; (2) croqui do Carlos Gardin; (3) figurino em exposição no MIS. Fonte (1 e 2): http://cmais.com.br/castelo. Fonte (3): Acervo pessoal. Imagem editada

pela autora.

Quando questionamos para a Rebecca qual foi o maior desafio nesse processo de

restauração, ela afirmou ter sido encontrar os materiais iguais ou similares, tanto os tecidos quanto

as pedras de bordado. “As vezes tem que dar uma mudada no tom, uma mudada no formato [das

pedras]. Acho que isso foi o mais difícil, porque eles estavam bem guardadinhos” (BEOLCHI, 2014).

Considerações finais

Apesar das limitações estruturais para conservação dos figurinos da série Castelo Rá-Tim-

Bum, como a falta de sala própria com controle de temperatura e umidade, por exemplo, o zelo de

pessoas da equipe de figurinos da TV Cultura possibilitou que a maior parte do acervo estivesse

preservada 20 anos após o lançamento do programa. Isso mostra como a falta de tecnologia não é

totalmente limitadora para a conservação do acervo têxtil, todavia demonstra que, mesmo numa

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empresa voltada à produção cultural, o entendimento da importância da conservação e preservação

da memória institucional a partir de materiais têxteis, como as peças de um figurino, ainda é precária.

Outra medida que foi adotada pela TV Cultura as partir da solicitação de funcionários mais

antigos, que começaram a ver os materiais dos programas anteriores se perdendo pela falta de

conhecimento dos novos funcionários, é o registro dos figurinos de cada personagem durante a

realização dos programas, através de fotografias dos mesmos e catalogação das amostras de tecido,

preservando assim o acervo têxtil da emissora para os próximos anos. Foi criado em 2005 o Centro

de Memória da Fundação Padre Anchieta a fim de evitar que materiais importantes na preservação

da memória dos programas da emissora se percam com o tempo, como muitos acabaram se

perdendo.

A exposição dos croquis originais desenhados por Gardin só foi possível pela conservação

dos mesmos pelo próprio figurinista. “Eu não tinha guardado nada quando criei o Rá-Tim-Bum, mas

para o Castelo comecei a guardar por vontade própria, porque a ideia inicial era dar uma continuidade

no programa”, afirma Gardin.

Os figurinos da série continuam em poder do MIS São Paulo enquanto o Museu avalia as

possibilidades na realização de novas exposições do Castelo Rá-Tim-Bum em outras cidades. “Acho

que se tivesse um museu permanente do Castelo, tinha público”, disse Rebecca. Nós também

acreditamos nisso, mas no Brasil ainda enfrenta-se o desafio de criar a cultura da memória, da

preservação.

Referências

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Edições 70, 1964.

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CORDEIRO, Gisele Aparecida. A comunicação visual do figurino cênico no teatro de rua: um estudo

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Entrevista

BEOLCHI, Rebecca. Entrevista concedida a Luiza Freitas em 05 de março de 2015.

GARDIN, Carlos Alberto. Entrevista concedida a Luiza Freitas em 07 de março de 2015.