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TDAH

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  • 2Coordenador do projeto

    Dr. Andr Palmini

    Professor Adjunto de Neurologia daFaculdade de Medicina da PontifciaUniversidade Catlica do Rio Grande do Sul -Porto Alegre, RS.

    Autor do Caso Clnico

    Dr. Pedro AntnioSchmidt do Prado LimaMdico Psiquiatra, doutor em Bioqumica.

  • 3TDAH Caso Clnico

    Nunca haviaapresentado

    outro episdiode humor no

    passado;entretanto,

    sintomas deansiedade

    intensa erampresentes em

    vrios momentosde sua vida

    Prlogo

    O caso clnico a ser apresentado exemplifi-

    ca um paciente com transtorno de dficit

    de ateno em que os sintomas mais

    chamativos de impulsividade ou hiperativi-

    dade no esto presentes. Por outro lado,

    sintomas menos freqentemente descritos

    ou reconhecidos, como dificuldade de con-

    trole do tempo, esto presentes e so cen-

    trais no sofrimento e prejuzo no desem-

    penho do paciente.

    Caso clnico

    A senhora A, de 31 anos, procurou ajuda

    por apresentar um quadro de depresso

    maior que evolua h trs anos e que se ini-

    ciou com o nascimento de seu filho. Nunca

    havia apresentado outro episdio de humor

    no passado; entretanto, sintomas de ansie-

    dade intensa eram presentes em vrios

    momentos de sua vida. Em sua famlia ocor-

    reram outros casos de depresso maior, de

    distimia e de transtorno de ansiedade ge-

    neralizada, mas no de Transtorno de Hu-

    mor Bipolar (THB). Ela foi tratada com su-

    cesso com fluoxetina, medicamento que foi

    mantido pelo fato de que a cada tentativa

    de retirada os sintomas depressivos

    retornavam. Concomitantemente ao uso da

    medicao ela iniciou um tratamento

    psicoterpico, que melhorou muitos aspec-

    tos de seu relacionamento conjugal, social

    e profissional, alm de sua auto-estima, o

    que certamente tambm contribuiu para a

    melhora no quadro depressivo.

    Entretanto, outros aspectos atrapalhavam

    muito o dia-a-dia da senhora A. Aps a

    melhora da depresso, ficou claro que ela

    perdia objetos sistematicamente, vivia pro-

    curando a chave, o celular ou algum papel

    (minha vida procurar...). Ela tambm no

    tinha muito senso de tempo, vivia atrasada

    por no calcular o tempo necessrio para o

    seu deslocamento. Por exemplo, se tivesse

    um compromisso s 10 horas e o trajeto

    levasse 30 minutos, ela calculava que leva-

    ria 10 minutos e mesmo assim acabava

    saindo s 10 horas de sua casa. E o mais

    estranho que ela no percebia que no

    chegaria a tempo. Esta estranha relao

    com o tempo um sintoma de disfuno

    executiva e ocorre com freqncia em pa-

    cientes com TDAH, apesar de ser raramen-

    te descrita como tal. H uma dificuldade de

    calcular quanto tempo uma atividade ocu-

    pa e, portanto, ocorre um mau manejo do

    tempo. Em uma ocasio, a senhora A esta-

    va na sala de espera e expliquei que a con-

    sulta comearia com 20 minutos de atra-

    so. Ela prontamente disse que iria pagar

    uma conta no centro da cidade. Ento, fa-

    zendo os clculos de quanto tempo cada

    procedimento para pagar a conta levaria

    (pegar o carro, estacionar novamente, des-

    locar-se ao banco, esperar na fila...) a esti-

    mativa de que seriam necessrios prova-

    velmente 90 minutos. Nesta ocasio foi pos-

    svel perceber o quanto era deficiente a sua

    apreciao do tempo e o impacto que isto

    poderia ter em sua vida diria. A questo

    do tempo era tambm agravada por uma

    dificuldade em estabelecer prioridades que

    ficava patente na hora de sair de casa, quan-

    do iniciava quase um ritual de arrumar coi-

    sas, apesar de j estar atrasada.

    Alm disso, a senhora A tinha uma enorme

    dificuldade de iniciar uma nova tarefa, pro-

    crastinava constantemente e uma vez o pra-

  • 4Quandoficou claro odiagnsticode TDAH, foiintroduzidoprogressivamenteo metilfenidatode liberaoprolongadaosmoticamentecontrolada(OROS) at adose de54 mg/dia ehouve umamelhorasignificativaem todos osaspectos queforam descritos

    zo praticamente encerrado ou aps a data-

    limite, realizava-a com enorme facilidade.

    A procrastinao, que durava semanas,

    acarretava ora um sentimento de indiferen-

    a pela tarefa, como se ela no existisse,

    ora muita ansiedade e sensao de incapa-

    cidade por perceber as conseqncias de

    no conseguir realiz-la. Aquilo parecia im-

    possvel de ser feito. Isto gerava uma baixa

    auto-estima, sentimentos de desesperana

    e uma averso a novas tarefas. Por outro

    lado, quando estava por perder o prazo,

    sentia-se ainda mais angustiada pelas con-

    seqncias de no realizar o que lhe havia

    sido pedido. Este sentimento permitia que

    ela se dedicasse no pouco tempo que res-

    tava a fazer o trabalho que por semanas

    havia evitado. Como no havia mais prazo,

    a sua exigncia quanto aos resultados tam-

    bm diminua. A facilidade e competncia

    com que se desempenhava nestas situa-

    es lhe restituam a confiana e auto-esti-

    ma e a levavam a fazer promessas a si

    mesma de nunca mais procrastinar. Se em

    to pouco tempo havia realizado um traba-

    lho to bom, como seria se tivesse tido 10

    ou 20 vezes mais tempo? O TDAH e a ansie-

    dade a impediam de ser eficiente, sua inteli-

    gncia e a premncia, que tanto no TDAH

    quanto na ansiedade so um fator positivo, a

    levavam a um desempenho muito bom.

    Por fim, ela tinha dificuldade em lidar com

    situaes sociais, falando o que no devia

    e sendo sincera demais. Isto contrastava

    com o seu jeito tmido e o interlocutor no

    considerava uma atitude impulsiva. Desta

    forma, parecia muitas vezes antiptica.

    Sintomas de desateno eram irregulares,

    no se manifestando em situaes profis-

    sionais, acadmicas ou sociais. Entretan-

    to, perdia objetos constantemente.

    Apesar destas dificuldades, tinha sucesso

    profissional. O seu talento e inteligncia

    acabavam compensando os atrasos a

    compromissos e prazos no respeitados.

    Mas ela sofria e tinha a impresso de que

    em sua vida havia alguns fardos que sem-

    pre se repetiam. O seu sofrimento era ain-

    da maior porque sabia o que deveria fazer,

    embora no conseguisse.

    Quando criana, os sintomas de TDAH no

    eram pronunciados e ela jamais apresen-

    tou alguma dificuldade escolar. Na verda-

    de, destacava-se na escola e no teve di-

    ficuldade em passar em um vestibular di-

    fcil. Tambm nunca apresentou algum sin-

    toma de hiperatividade ou distrao pro-

    priamente dita. Era uma leitora voraz e tinha

    excelente memria.

    Tratamento

    Quando ficou claro o diagnstico de TDAH,

    foi introduzido progressivamente o metil-

    fenidato de liberao prolongada osmoti-

    camente controlada (OROS) at a dose de

    54 mg/dia e houve uma melhora significa-

    tiva em todos os aspectos que foram des-

    critos. Entretanto, os sintomas continua-

    ram com uma leve intensidade, apesar da

    dose do medicamento. Destes, o que mais

    se manteve foi o eterno procurar coisas

    que no sabia onde havia colocado e a di-

    ficuldade de calcular o tempo.

    O medicamento tambm melhorou o seu

    padro de sono. Antes ficava em frente da

    televiso ou do computador at a 1 hora

    da manh, tendo que levantar s 6 horas.

    Com o tratamento, tinha a impresso,

  • 5TDAH Caso Clnico

    O medicamentotambm

    melhorou o seupadro de sono.

    Antes ficavaem frente da

    televiso ou docomputador at

    a 1 hora damanh, tendo

    que levantars 6 horas

    quando em casa, de apagar discretamen-

    te por volta das 22 horas e com isto dormia

    antes. Caso tivesse uma festa, no tinha

    problema de permanecer acordada.

    Quando por algum motivo ficava sem

    metilfenidato, ela e sua colega de trabalho

    notavam as conseqncias pela piora de

    seus sintomas. Nestes momentos ela re-

    latava uma diminuio na ateno no trn-

    sito, que antes no era percebida ou pro-

    nunciada. A sensao que tinha era que

    o metilfenidato tinha melhorado a sua

    ateno e com isto o ato de dirigir tinha

    ficado mais simples, mais natural. Sem

    o medicamento, tinha que voltar a um

    estado anterior de preocupao com o

    fato de estar dirigindo que no lhe era

    mais natural.

  • 6Este caso clnico exemplifica uma pacien-

    te com TDAH caracterizado, sobretudo, por

    uma dificuldade de controle do tempo e

    procrastinao. Neste caso, o diagnstico

    diferencial com transtorno de humor bipo-

    lar (THB) fcil, porque os elementos que

    podem provocar maior confuso, que so

    a hiperatividade e a impulsividade, no

    esto presentes.

    O paciente adulto mais freqentemente

    apresenta TDAH sem os sintomas de

    hiperatividade e impulsividade. Quando es-

    to presentes, devem chamar ateno no

    s para o diagnstico de TDAH, mas tam-

    bm para o de THB. Graas a estes sinto-

    mas, com freqncia estes dois transtor-

    nos se confundem dramaticamente

    (Tamam e cols., 2006). Para complicar, a

    co-morbidade entre estes dois transtornos

    elevada. Ou seja, alm de se parecerem,

    eles freqentemente se sobrepem. Esta

    condio em si j perigosa pela quanti-

    dade de erros que pode induzir, mas alia-

    do a isto h o fenmeno da moda do

    diagnstico do TDAH. A moda do diag-

    nstico de THB, que tambm ocorre, no

    atenua totalmente o vis que o profissio-

    nal possa ter em direo a um diagnstico

    ou outro, porque freqentemente so dife-

    Comentrios

    rentes psiquiatras que trabalham com cada

    um dos dois diagnsticos. Alm disso, no

    s psiquiatras reconhecem e tratam TDAH,

    neurologistas tambm. Entretanto, neurolo-

    gistas no so geralmente treinados no re-

    conhecimento do THB. Para agravar a si-

    tuao, os tratamentos preconizados para

    o TDAH, o metilfenidato entre eles, podem

    agravar o THB.

    A paciente descrita apresentava outros as-

    pectos que podem estar presentes no TDAH

    no paciente adulto. A dificuldade na esti-

    mativa e controle do tempo (Barkley, 1997),

    a procrastinao que era associada a sin-

    tomas de ansiedade (Sonuga-Barke, 2005)

    e a dificuldade de lidar com situaes so-

    ciais (Barkley e cols., 2006), onde acabava

    sendo muito sincera. Sua dificuldade de

    ateno era irregular, no se manifestando

    em momentos importantes, como no de-

    sempenho profissional ou acadmico.

    O TDAH nada trouxe de positivo para esta

    paciente. A doena representa um fardo que

    foi bastante, mas no completamente, ate-

    nuado pelo uso da medicao. Sem esta, a

    senhora A tinha uma impresso de certa

    invalidez e desesperana pela incapacida-

    de de controlar coisas simples, como o tem-

    po ou onde colocou a chave.

    O pacienteadulto maisfreqentementeapresenta TDAHsem ossintomas dehiperatividade eimpulsividade.Quando estopresentes,devem chamarateno no spara odiagnstico deTDAH, mastambm para ode THB

  • 7TDAH Caso Clnico

    1. Barkley RA. Attention-deficit/hyperactivity disorder, self-regulation, and time: toward a more comprehensive theory. J Dev Behav Pediatr 1997;18:271-279.

    2. Barkley RA, Fischer M, Smallish L, Fletcher K. Young adult outcome of hyperactivity children: adaptive functioning in major life activities. J Am AcadChild Adolesc Psychiatry 2006;45:192-202.

    3. Sonuga-Barke EJ. Casual models of attention-deficit-hyperactivity disorder: from common simple deficits to multiple developmental pathways. BiolPsychiatry 2005;57:1231-1238.

    4. Tamam L, Tulu C, Karatas G, Ozcan S. Adult attention hyperactivity disorder in patients with bipolar I disorder in remission: preliminary study.Psychiatry Clin Neurosci 2006;60:480-485.

    Leitura Recomendada

    Editora Planmark Ltda.Tel.: (11) 2061-2797 - www.editoraplanmark.com.br 2008 Editora Planmark Ltda. Todos os direitos reservados.

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    008.

    Material destinado exclusivamente classe mdica.O contedo deste material de responsabilidade

    do autor e no reflete necessariamente as

    opinies da Janssen-Cilag Farmacutica.

    Mais que uma linhade tratamentos.

    Uma linha de pensamento.