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1 Caso de Ensino: Coopercaso – os Fins Justificam os Meios? Autoria: Patrícia de Souza Costa, Gilvania de Sousa Gomes, Alessandra Vieira Cunha Marques RESUMO O caso descreve o contexto de uma empresa após a troca de gestão. Na tentativa de dar novo direcionamento à organização, o recém-investido gestor implementou estratégias ousadas de expansão, sem o devido e necessário planejamento financeiro, o que comprometeu alguns indicadores econômico-financeiros. Na iminência de uma nova eleição, surge um dilema em relação à apresentação das demonstrações contábeis aos cooperados. O caso permite realizar reflexões sobre ética, escolha de políticas contábeis, análise econômica e financeira, problemas de agência e assimetria informacional. O caso reproduz, de forma adaptada, a realidade de uma Cooperativa do interior do estado de Minas Gerais.

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Caso de Ensino: Coopercaso – os Fins Justificam os Meios?

Autoria: Patrícia de Souza Costa, Gilvania de Sousa Gomes, Alessandra Vieira Cunha Marques

RESUMO O caso descreve o contexto de uma empresa após a troca de gestão. Na tentativa de dar novo direcionamento à organização, o recém-investido gestor implementou estratégias ousadas de expansão, sem o devido e necessário planejamento financeiro, o que comprometeu alguns indicadores econômico-financeiros. Na iminência de uma nova eleição, surge um dilema em relação à apresentação das demonstrações contábeis aos cooperados. O caso permite realizar reflexões sobre ética, escolha de políticas contábeis, análise econômica e financeira, problemas de agência e assimetria informacional. O caso reproduz, de forma adaptada, a realidade de uma Cooperativa do interior do estado de Minas Gerais.

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1 A EMPRESA

A Coopercaso1 foi fundada em 05 de julho de 1995 em uma cidade do interior de Minas Gerais, por iniciativa de 24 produtores rurais, em sua maioria cafeicultores, que acreditaram no sistema cooperativista como modelo de fortalecimento da cafeicultura. Sua atividade operacional sempre fora a comercialização de insumos agrícolas, tendo os cooperados como clientes, e a comercialização de café beneficiado cru, tendo os cooperados como fornecedores.

As atividades operacionais da Cooperativa são vinculadas às atividades dos cooperados, pois buscam atender às suas necessidades em todas as etapas do processo produtivo do café. A entidade estabelece com seus cooperados, em cada fase do processo produtivo, as seguintes relações: venda de defensivos agrícolas, fertilizantes e materiais para colheita e secagem. Além disso, ela também atua como prestadora de serviços de beneficiamento, armazenagem e classificação dos grãos. Os proprietários rurais podem também vender o seu café para a Cooperativa.

A entidade é gerida por uma diretoria executiva eleita em assembleia geral ordinária de cooperados (AGO). As AGOs para troca de diretoria ocorrem a cada seis anos. Essa diretoria é composta por três diretores escolhidos dentre os cooperados: um Diretor Presidente e dois Diretores Superintendentes. As decisões administrativas, financeiras e de gestão de recursos humanos da Cooperativa (por exemplo, obtenção de capital de giro, acertos com cooperados, admissão e exclusão de cooperados, contratação e demissão de gerentes) são de competência do Diretor Presidente. As decisões sobre investimentos e financiamentos são deliberadas pela Diretoria Executiva, devendo ser ratificadas pelos cooperados na primeira AGO seguinte, por ocasião das prestações de contas anuais.

Além disso, a Coopercaso possui um Conselho Fiscal, composto por três membros efetivos e três suplentes, todos cooperados, que é responsável pela fiscalização da gestão da Cooperativa. Os membros do Conselho Fiscal são eleitos a cada dois anos pela AGO. Suas reuniões são mensais, a fim de examinar as demonstrações contábeis e relatórios gerenciais da Cooperativa. Até o ano de 2007, apresentava os níveis hierárquicos ilustrados na Figura 1.

Desde a sua fundação, a Coopercaso fora administrada pelo mesmo Presidente Sr. Jiro Kame, que havia dirigido a Cooperativa até então, com bases conservadoras e rígidas. Ele era um Presidente de pulso firme e centralizador, mas amado pelos funcionários e cooperados, devido a sua dedicação e sabedoria. A organização possuíra três gerentes, mas todas as decisões eram tomadas conjuntamente com o Sr. Kame, até mesmo as mais banais passavam pelo seu crivo.

Contudo, seu conservadorismo custara a estagnação da Coopercaso que, até meados de 2007, crescia a passos lentos, comprometendo a competitividade dos cafés dos cooperados no mercado nacional de commodities e os custos de produção dos associados, pois, o poder de barganha da Cooperativa era pequeno para adquirir defensivos agrícolas e fertilizantes a preços mais baixos. Todas as unidades da empresa (loja, armazéns, administração) eram alugadas de terceiros e a Cooperativa possuía apenas bens móveis como imobilizados.

A estrutura da Coopercaso quando da posse do Sr. Karo era a descrita na Figura 1.

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Figura 1 - Organograma da Coopercaso de 1995 a 2007

Fonte: Elaborada pelas autoras

Diante desse contexto e da expectativa de novas estratégias frente ao mercado

competitivo e globalizado, a AGO de 2007 mudou a gestão da empresa, elegendo o Sr. Kotaro Karo para o cargo de Diretor Presidente da Coopercaso. O lema de sua campanha eleitoral era: “Coopercaso cada vez maior e sempre ao lado de seus cooperados”.

2 MODELO COOPERATIVISTA DA NOVA GESTÃO

Em 02 de janeiro de 2008, o Sr. Karo tomou posse como Presidente da Cooperativa. Após duas semanas de gestão, sabia que não seria fácil, pois teria que conquistar a confiança principalmente dos funcionários, uma vez que fora eleito pelos cooperados. Nos primeiros dias de atividades, ouviu múrmuros dos funcionários pelos corredores da empresa, lamentando a troca de Presidente. No sentido de minimizar esses rumores, inicialmente o Sr. Karo reformulou (aumentou) os salários de todos os funcionários, substituiu e ampliou as gerências, adotando um estilo de gestão descentralizado, com delegação de responsabilidades aos novos líderes.

O discurso cooperativista do Sr. Karo sempre foi o de que a Coopercaso preconiza a colaboração e a associação de cafeicultores com os mesmos interesses, a fim de obterem vantagens e competitividade em suas atividades econômicas. Para ele, o associativismo cooperativista tem como fundamento o progresso social por meio da cooperação e do auxílio mútuo daqueles que se encontram na mesma situação desvantajosa de competição. Por meio da soma de esforços, os cooperados garantem a sobrevivência de suas pequenas propriedades, reduzindo seus custos de produção e obtendo melhores condições de preço na venda da produção do café.

Imediatamente, Sr. Karo decidiu investir em programas ligados à área social e de proteção ao meio ambiente nas propriedades rurais dos cooperados, além de programas de qualificação e benefícios aos colaboradores. Defendia, também, o lema da responsabilidade

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socioambiental, sustentabilidade financeira e da qualidade de vida dos funcionários da Cooperativa.

Como o Sr. Karo almejava crescimento rápido (crescer doze anos em dois), precisava de pessoas competentes e de sua confiança. A Diretoria passaria a tratar de questões estratégicas e, para controlar os centros de custos (CDC), como eram chamadas as atividades de cada unidade operacional sob a responsabilidade de um gerente, a Cooperativa passou a contar com um setor de controladoria, comandado pela recém-contratada controller Mônica. Esta era muito mais do que uma contadora competente, era de extrema confiança do Sr. Karo.

A Figura 2 ilustra o novo organograma da Coopercaso na gestão 2008-2013.

Figura 2 - Organograma da Coopercaso de 2008 a 2013

Fonte: elaborada pelas autoras

A contadora apresentava, mensalmente, aos gerentes, os relatórios financeiros com os

resultados dos centros de custos e da empresa como um todo. Apresentava-os também nas reuniões periódicas da Diretoria.

3 REESTRUTURAÇÃO DA COOPERCASO

Sob a liderança do Sr. Karo, a Cooperativa ampliou seu escopo geográfico. Em 2009, abriu duas novas filiais em duas cidades próximas. Comprou os imóveis que ocupava, como arrendatário, e construiu novos armazéns, aumentando a capacidade de armazenagem, que até então era de 90.000 sacas de café beneficiado, para 600.000 sacas. Adquiriu máquinas para rebeneficiamento de café, visando a melhorar a qualidade dos cafés dos cooperados e torná-los competitivos no mercado internacional. Em quatro anos, ganhou visibilidade no mercado por meio de estratégias de marketing e seu corpo de associados passou de 120 cooperados em 31 de dezembro de 2007 para 451 cooperados em 31 de dezembro de 2012.

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A Coopercaso, ao final do ano de 2012, tinha seis centros de custos, conforme demonstrado na Figura 3. Em cada CDC das unidades, havia um gerente responsável por suas atividades, tais como: compra e venda de produtos e mercadorias, contratação de serviços, gestão de pessoal e atividades administrativo-financeiras.

Figura 3 - Centros de Custos da Coopercaso em 31 de dezembro de 2012

Fonte: Elaborada pelas autoras

Todos os gerentes tinham metas de faturamento para cumprir: em caso de

cumprimento das metas, receberiam 1% de comissão sobre as vendas do CDC de sua responsabilidade. Caso não atingissem as metas, recebiam 0,5% de comissão sobre o faturamento e, se ultrapassassem a meta proposta, a remuneração sobre as vendas seria de 1,2%. Porém, valores de custos e despesas não eram observados no cálculo da remuneração variável aos gerentes.

Na gestão do Sr. Karo os cooperados continuaram a atuar como clientes de defensivos agrícolas, fertilizantes e ferramentas para uso no campo, contratantes dos serviços de armazenagem, beneficiamento e classificação e fornecedores/vendedores de café para comercialização da Cooperativa.

A Coopercaso passou a oferecer também os serviços de assistência agronômica aos produtores. Além disso, implementou a atividade de financiamento e concessão de capital de giro por toda a safra (doze meses), ao fornecer prazo estendido para pagamento dos produtos e serviços aos produtores rurais.

4 SITUAÇÃO ECONÔMICA E FINANCEIRA DA COOPERCASO

Os índices financeiros da Cooperativa vinham apresentando sinais de alerta, por isso o Sr. Karo fazia questão da presença de todos na primeira reunião de 2013. A contadora estava apreensiva para essa primeira reunião, uma vez que apresentaria os resultados do ano de 2012 da Cooperativa aos gerentes e diretores.

Ao dar início à reunião, Mônica informou que todos os valores que seriam apresentados, por se tratarem de anos anteriores, haviam sido atualizados a uma moeda de valor constante para que pudessem ser comparados ano a ano. Ela iniciou a apresentação pelas análises vertical e horizontal dos principais grupos patrimoniais e de resultado (TABELAS 1, 2 e 3).

Durante a apresentação dos números, Mônica mencionou o crescimento dos dispêndios com mercadorias em 2012 (Tabela 1) e os gerentes rebateram, dizendo que o mercado estava muito competitivo e que por isso a margem dos produtos e das mercadorias encolhera. Mônica não podia discordar dessa informação, porém ela sabia que o critério usado pela Cooperativa para reconhecer os juros pagos com as compras de mercadorias a prazo também contribuíra para o aumento dos custos das mercadorias vendidas. Desde 2008, a

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maioria das compras de mercadorias da Cooperativa passou a ser realizada a prazo. Entretanto, a Cooperativa, contrariando o exposto nas normas contábeis, optara por reconhecer os juros pagos nas compras a prazo no estoque de mercadorias, postergando, assim, o reconhecimento de uma despesa.

Tabela 1- Análise Vertical dos Resultados Econômicos da Coopercaso Descrição das conta 2012 2011 2010 2009 2008 Receita Líquida de Vendas 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Dispêndios com mercadorias 92,99% 89,06% 89,62% 86,13% 86,63% Despesas / Dispêndios 5,53% 5,93% 6,12% 8,10% 7,21% Resultado financeiro 0,65% 3,92% 4,44% 5,47% 3,47% Sobras Líquidas 0,80% 1,02% 0,25% 0,30% 2,67% Fonte: elaborada pelas autoras

Tabela 2 - Análise Vertical dos Principais Elementos Patrimoniais da Coopercaso Descrição das contas 2012 2011 2010 2009 2008 Ativo Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Ativo Circulante 73,9% 71,4% 72,4% 83,3% 90,4% Realizável a Longo Prazo 5,8% 8,1% 9,3% 0,1% 0,8% Investimentos 0,2% 0,3% 2,1% 0,8% 1,2% Imobilizado 20,1% 20,1% 16,2% 15,7% 7,6% Intangível 0,1% 0,1% 0,0% 0,1% 0,0% Passivo Circulante 80,8% 74,6% 79,0% 81,9% 76,2% Passivo Não Circulante 10,3% 14,4% 8,8% 4,8% 4,9% Patrimônio Líquido 8,9% 11,0% 12,2% 13,3% 18,9%

Tabela 3- Análise horizontal dos Principais Elementos Patrimoniais e de Resultado da Coopercaso Descrição das contas 2012 2011 2010 2009 2008

Ativo Total 25% 33% 33% 104% 10%Ativo Circulante 29% 31% 16% 88% 3%Realizável a Longo Prazo -11% 16% 14.828% -78% 29%Investimentos -18% -81% 231% 44% 470%Imobilizado 25% 65% 38% 319% 271%Intangível 1% 118% 20% Passivo Circulante 35% 26% 29% 119% 9%Passivo Não Circulante -10% 118% 144% 99% -24%Patrimônio Líquido 1% 20% 22% 43% 29%Receita Líquida de Vendas 39% -1% 73% 39% 36%Custo das Vendas de Mercadorias e Prestação de Serviços 45% -2% 81% 38% 37%Dispêndios/despesas operacionais 30% -6% 33% 48% -9%Resultado financeiro -77% -14% 44% 102% 216%Lucro/Prejuízo Líquido (consolidado) 8% 302% 45% -85% 1%

*A Tabela apresenta os percentuais de variação em relação ao ano imediatamente anterior Fonte: Elaborada pelas autoras

Mônica decidiu por não comentar com os gestores os critérios de reconhecimento e deu continuidade à reunião, destacando a queda nos índices de rentabilidade desde o ano de 2007 (Tabela 4).

Mônica comentou que o Retorno sobre os Ativos (ROA) caiu significativamente desde que a nova diretoria assumiu a Cooperativa em 2008 (Tabela 4). No último ano da gestão

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anterior (2007), para cada cem reais em valores de ativos controlados pela Coopercaso o lucro era de R$ 13,10, ao contrário da nova gestão quando esses resultados caem para R$ 1,33, em 2012.

Tabela 4 - Índices de rentabilidade da Coopercaso

Índices 2012 2011 2010 2009 2008 2007 ROA 1,33% 1,64% 0,48% 0,47% 7,24% 13,10% ROE 3,29% 3,36% 0,94% 0,76% 8,78% 17,87%

Fonte: elaborada pelas autoras Mônica comentou, ainda, que alguns credores questionaram a respeito da estabilidade

da Cooperativa, uma vez que o Retorno sobre o Patrimônio Líquido (ROE) caíra de 17,87%, em 2007, para 3,29%, em 2012 (Tabela 4). Tal fato poderia vir a inviabilizar futuras compras a prazo de fornecedores e obtenção de crédito junto a bancos, uma vez que o crescimento da Cooperativa estava sendo financiado, em maior parte, por recursos de terceiros, o que podia ser comprovado pelo endividamento (relação entre capital de terceiros e capital próprio) crescente (Tabela 5).

Diante desse cenário, o Sr. Karo argumentou: “percebam que os números caíram, mas que começamos a nos recuperar no ano de 2011. O período de 2008 a 2010 foi importante para a reestruturação da Cooperativa. Os próximos períodos serão de colheita dos frutos plantados!”.

Todavia, Mônica, que era muito conservadora, apreensiva e insegura, estava muito preocupada com a situação financeira da Cooperativa. Para ela, a queda na rentabilidade, o elevado grau de imobilização dos recursos próprios (total de investimentos, imobilizado e intangível sobre o patrimônio líquido), o aumento do endividamento e a queda nos índices de liquidez poderiam comprometer a continuidade da Cooperativa (Tabela 5).

Tabela 5 - Índices de liquidez, estrutura de capital e imobilização da Coopercaso Indicadores 2012 2011 2010 2009 2008 Liquidez Corrente 0,91 0,96 0,92 1,02 1,19 Liquidez Imediata 0,04 0,13 0,16 0,05 0,00 Liquidez Geral 0,87 0,89 0,93 0,96 1,12 Endividamento 10,24 8,11 7,22 6,53 4,29 Composição do Endividamento 7,81 5,17 8,95 17,01 15,41 Imobilização do PL 2,28 1,86 1,51 1,25 0,47 Fonte: elaborada pelas autoras

Mônica alertou quanto aos índices de liquidez corrente e geral da Coopercaso, que,

muitas vezes, apresentavam valores menores que $1, podendo, assim, representar comprometimento da capacidade de pagamento das dívidas (Tabela 5).

Mais uma vez o Sr. Karo salientou que esse era um período de reestruturação, que exigia sacrifícios financeiros e econômicos visando a retornos futuros. E, enquanto todos discutiam os índices financeiros ele pensava “a imagem da empresa é mais importante do que a verdade sobre sua situação financeira, os cooperados precisam da Cooperativa para viabilizar sua produção e para disponibilizarem seus cafés no mercado”. No meio desses devaneios, ele pensou na próxima AGO: “como iremos apresentar esses resultados aos cooperados? E se eles deixarem a Cooperativa... ela poderá não resistir!” De repente, Sr. Kotaro Karo bateu a mão na mesa e berrou “É inadmissível! Como podemos ter chegado a

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esse ponto? Deleguei responsabilidades e depositei minha confiança em vocês e agora a situação da empresa fica comprometida!”

Os gestores apresentam sugestões para reverter a situação econômica e financeira da Cooperativa, tais como: reduções no quadro de funcionários, diminuição de salários e benefícios, abandono de produtos com baixa margem de lucro, corte de crédito aos cooperados e aumentos de preços.

Entretanto, o Sr. Karo estava irredutível às sugestões dos gestores, afinal, transmitir, na AGO, uma imagem de situação financeira ruim poderia assustar os cooperados e comprometer a continuidade da Cooperativa. Além disso, 2013 era ano de eleição para uma nova Diretoria e apresentar um plano de reestruturação seria dar vitória à chapa da oposição que lançara candidatura em agosto de 2012. Assim, ao término da reunião, o Sr. Karo, incumbiu todos os gestores de analisar formas de apresentação dos resultados aos cooperados de maneira mais "amigável". Além disso, solicitou aos gestores a elaboração de um plano de reestruturação para cada setor, a ser implantado no ano de 2014, após a vitória nas eleições.

5 SITUAÇÃO ÉTICA

Após a reunião, o Sr. Karo convidou a controller para uma conversa particular. O Presidente queria uma solução provisória para os resultados e pediu para Mônica alterar os critérios de reconhecimento e de mensuração de algumas políticas contábeis utilizadas no ano de 2012, a fim de melhorar os indicadores econômicos e financeiros. Diante da aparente resistência da controller, o Sr. Karo argumentou que isso seria feito para benefício dos cooperados, uma vez que a divulgação de uma situação econômica e financeira desfavorável poderia causar a descontinuidade da Cooperativa devido à saída de cooperados. Além disso, os indicadores de 2011 e 2012 apresentavam sinais de recuperação financeira e econômica da Coopercaso. Ele ainda afirmou: "Não podemos comprometer o trabalho que reestruturação que iniciamos em 2008... agora é que começamos a colher os frutos!".

Diante desses argumentos, o setor de controladoria trabalhou dia e noite para apresentar para o Sr. Karo novos relatórios contábeis. As principais alterações realizadas foram: 1) redução nos valores de despesa de depreciação e amortização por meio do aumento das vidas úteis dos elementos do ativo imobilizado e intangível; 2) utilização do método PEPS (primeiro a entrar, primeiro a sair) para avaliação dos estoques, o que resultaria em custos menores de produção; 3) o não provisionamento de uma ação trabalhista, impetrada contra a Cooperativa, cuja perda era considerada provável.

Todas as alterações nas políticas contábeis resultariam na situação financeira e econômica apresentada na Tabela 6. Dessa forma, os indicadores da Coopercaso não oscilariam muito durante o período e estariam equiparados aos da maior Cooperativa do Brasil.

Mônica estava inconformada com o pedido do Sr. Karo, pois sabia que tais alterações trariam consequências a todos os usuários das informações contábeis da Coopercaso, inclusive para ela. Mas como contrariar as ordens da pessoa que lhe confiara o cargo de controller e que tinha a condição exclusiva de deferir a sua permanência na empresa? Além disso, ela gostava de trabalhar na Cooperativa, gostava dos cooperados. Ela não gostaria de ser responsável pela possível saída dos cooperados e, consequente descontinuidade da Cooperativa. Por outro lado, como poderia enganá-los?

Então, ela resolveu conversar novamente com o Sr. Karo sobre as alterações das políticas contábeis e tentou convencê-lo de que, com as alterações, as demonstrações

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contábeis não retratariam a realidade econômica e financeira da Cooperativa e poderiam afetar negativamente o processo decisório dos cooperados, fornecedores, clientes, enfim de todos os usuários desses relatórios. Mônica ainda questionou: "e se a reestruturação de 2014 não der certo, o que acontecerá com os cooperados?"

Tabela 6 - Índices financeiros da Coopercaso após alteração das políticas contábeis

Índices 2012 2011 2010 2009 2008 2007ROA 3,90% 3,30% 2,80% 2,50% 6,41% 13,10%ROE 4,20% 3,80% 2,70% 2,60% 7,85% 17,87%Liquidez Corrente 1.66 1.34 1.21 1.33 1.19 1.26Liquidez Imediata 0.04 0.13 0.16 0.05 0.00 0.09Liquidez Geral 1.53 1.21 1.19 1.26 1.12 1.16Endividamento 6,2 6,4 6,8 6.53 4.29 5.18Fonte: elaborada pelas autoras

"Como não dar certo?!", exclamou o Sr. Karo, já um pouco irritado! Respirou fundo e

continuou: "Essa crise é derivada da reestruturação que acertadamente fizemos para expandir as atividades da Cooperativa. Essas alterações são temporárias, as políticas contábeis serão restabelecidas logo após as eleições. Além disso, não estamos fazendo nada de ilegal, você não deve se preocupar".

Ainda assim, a controller demonstrava descontentamento. Então, Sr. Karo levantou-se e, olhando nos olhos de Mônica, desabafou: “O seu cargo na Cooperativa é de confiança e eu preciso confiar que você atenderá às minhas ordens. Eu estou apenas preocupado com os cooperados e com a Cooperativa. Não podemos nos esquecer de nossa responsabilidade social junto a colaboradores, produtores, clientes e sociedade... não podemos nos esquecer do meu emprego e do seu, e vamos encerrar essa conversa. Pense também no que acontecerá com a Cooperativa se o efeito manada se concretizar... se todos os cooperados deixarem de acreditar em nós, se retirando da Cooperativa?”

Mônica saiu da sala do Presidente pensativa, quanto ao que deveria fazer. Deveria obedecer às ordens do Sr. Karo? Quais seriam as consequências das alterações das políticas contábeis para os usuários das demonstrações financeiras? E quanto a sua ética pessoal e profissional, como agir? Será que a situação econômica e financeira da Cooperativa estava mesmo tão ruim? Afinal, sentia-se responsável por divulgar relatórios fidedignos aos cooperados e aos demais usuários externos, uma vez que eles não tinham acesso direito às informações financeiras da Cooperativa.

NOTAS DE ENSINO

Objetivos Educacionais do Caso

O caso poderá servir aos seguintes objetivos: Discutir as vantagens e desvantagens do processo de centralização/descentralização da

gestão. Discutir problemas de sucessão dos gestores que ocupam cargos estratégicos nas

empresas. Discutir problemas éticos na divulgação de resultados. Discutir problemas de assimetria de informação.

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Discutir problemas de teoria da agência. Analisar indicadores econômico-financeiros.

Utilização recomendada

Pode ser aplicado em cursos de Graduação em Administração, Contabilidade e Economia, cursos de Pós-Graduação, treinamentos e reuniões de gestão em situações em que se queira discutir assimetria informacional, teoria da agência, indicadores econômico-financeiros, e o processo de gestão do planejamento estratégico, desde que os participantes tenham sido expostos a conceitos de finanças e contabilidade.

Fontes de obtenção dos dados do caso

Os dados para a elaboração do caso foram obtidos junto a uma Cooperativa e adaptados para o caso de ensino, porém, a fim de preservar a imagem da instituição, seu nome verídico foi omitido.

Passos para a Condução da Resolução do Caso

Para solução do caso, os participantes devem: 1. apresentar uma síntese do caso; 2. descrever a Cooperativa e os personagens do caso; 3. identificar o dilema principal do caso (sugere-se a discussão de um único dilema); 4. identificar os pontos que chamaram a atenção e que entendem que devam ser tratados

para a solução do caso; 5. listar que conceitos e teorias devem ser tratados para discutir os pontos de análise

levantados e resolver o dilema escolhido; 6. analisar o dilema, buscando propor ações para resolvê-lo por meio dos pontos de análise e

dos conceitos e teorias identificados; 7. indicar formas de resolver o dilema.

Questões para Discussão do Caso

1. Qual a situação econômica e financeira da empresa?

Segundo Martins, Diniz e Miranda (2012), é possível analisar demonstrações sem o uso de indicadores, apenas lendo-as e procurando entender o que elas nos dizem. Quanto à análise das demonstrações contábeis da Coopercaso, podem-se destacar alguns pontos: a) aumento de valores a receber em decorrência do financiamento de capital de giro dos

cooperados por meio de vendas a prazo; b) aumento de estocagem devido ao aumento no volume de operações e de cooperados

produtores de café; c) aumento representativo nos últimos três anos nos saldos das contas de Realizável a Longo

Prazo, o que também se acredita ser decorrente do financiamento do capital de giro dos cooperados;

d) aumento significativo nos saldos das contas de ativos imobilizados e intangíveis, o nos últimos três anos que se seu por causa da aquisição dos imóveis das unidades da Coopercaso e da aquisição de outros, para implementar as atividades nas unidades das duas cidades vizinhas;

e) crescimento do endividamento junto a terceiros no curto prazo.

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Os indicadores de liquidez mostram a “situação financeira de uma empresa frente aos compromissos assumidos” (MARTINS; DINIZ; MIRANDA, 2012, p. 189). De acordo com os autores, os índices de liquidez são calculados e podem ser interpretados da forma apresentada no Quadro 1.

Quadro 1 - Indicadores de Liquidez INDICE FÓRMULA INDICA

Liquidez imediata

Disponível / Passivo Circulante (PC) A porcentagem de dívidas em curto prazo em condições de serem liquidadas imediatamente

Liquidez corrente

Ativo Circulante (AC) / Passivo Circulante Quanto existe de Ativo Circulante para cada $1 de dívida também circulante

Liquidez geral

Ativo Circulante + Ativo Realizável a Longo Prazo (RLP) / Passivo Circulante + Passivo Exigível a Longo Prazo

De cada $1 que a empresa tem de dívida total, o quanto existe de direitos e haveres no AC e RLP

Fonte: Martins, Diniz e Miranda (2012, p. 190), adaptado.

A situação financeira da Coopercaso apresenta, durante a gestão do Sr. Karo, indicadores de liquidez (Tabela 5) que refletem uma condição de comprometimento do pagamento de dívidas de curto prazo.

Os resultados do índice de liquidez geral mostram que, a partir de 2009, a Coopercaso, ainda que recebesse todos os seus valores a receber de curto e de longo prazo, não conseguiria pagar todas as suas dívidas de curto e de longo prazo.

Por meio dos índices de liquidez imediata, nota-se que em nenhum dos anos da gestão do Sr. Karo o índice demonstrou possuir caixa e equivalentes de caixa suficientes para amortizar suas dívidas de curto prazo. Em 2007, a situação não era diferente.

O índice de liquidez corrente ficou abaixo de $1 em 2010, em 2011 e em 2012, o que representa que a Coopercaso não possuía recursos suficientes no AC para pagamento de dívidas de curto prazo. Em todos os outros anos, os valores de AC foram suficientes para quitar as dívidas do PC.

Matarazzo (2003) propõe alguns indicadores para análise da estrutura de capital de uma empresa, também chamados por Martins, Diniz e Miranda (2012) de indicadores de estrutura patrimonial. Alguns deles foram calculados para o contexto da Coopercaso, os quais são apresentados no Quadro 2.

Quanto à estrutura de capitais da Coopercaso (Tabela 5), o que se pode verificar é um aumento gradativo do índice de Endividamento crescente de 2008 a 2012, denotando a utilização de capital de terceiros para cada $1 de capital próprio. Aumenta-se assim, o passivo exigível da empresa. Em contrapartida, decresce o índice de Composição do Endividamento, demonstrando que o maior volume das dívidas contraídas é de curto prazo.

Quadro 2 - Indicadores de estrutura patrimonial INDICE FÓRMULA INDICA

Endividamento Capital de Terceiros / Patrimônio Líquido (PL)

Quanto a empresa tomou de capitais de terceiros para cada $1 de capital próprio

Composição do endividamento

Passivo Circulante / Capitais de Terceiros Qual o percentual de obrigações em curto prazo em relação às obrigações totais.

Imobilização do patrimônio líquido

Ativo Imobilizado + Investimentos + Intangíveis / Patrimônio Líquido + Exigível a Longo Prazo

Quanto a empresa aplicou em ativos de longa duração para cada $ 1 de PL

Fonte: Martins, Diniz e Miranda (2012, p. 219), adaptado.

Como reflexo da estratégia de crescimento do Sr. Karo, o índice de Imobilização do PL aumentou a cada ano. Foram elevadas as aplicações de recursos próprios no Ativo Imobilizado, Intangível e Investimentos.

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Quanto à análise dos índices de rentabilidade apresentados na Tabela 5, observa-se que o ROA, que significa, segundo Martins, Diniz e Miranda (2012), o valor do lucro que os ativos da empresa conseguem produzir, decorrente das atividades operacionais, apresentou queda de 13,10% em 2007 para 1,33% em 2012. Apesar de atingir níveis bem baixos nos períodos de 2009 (0,47%) e 2010 (0,48%), em 2011 e 2012 registra-se um discreto aumento.

O ROE, que representa a “capacidade da empresa remunerar o capital que foi investido pelos sócios” (MARTINS, DINIZ e MIRANDA, 2012, p. 227) também se comportou de forma similar ao ROA, com queda expressiva de 2007 a 2012, porém, com aparente crescimento nos últimos dois anos.

2. Quais os possíveis fatores você acredita que condicionaram a situação da questão 1?

De forma geral, foram feitos investimentos em ativos não circulantes e as dívidas de curto prazo aumentaram. O endividamento a terceiros aumentou muito nos dois últimos anos, assim como aumentou, porém em menores proporções, o Patrimônio Líquido devido ao aumento quantitativo de cooperados.

A estratégia de impor maior dinâmica às atividades da Coopercaso, com base no contexto apresentado, não passou por um processo orçamentário e de planejamento, tampouco de análise de viabilidade dos investimentos, prazos de retorno, taxas internas de retorno e outras avaliações que pudessem compor uma estratégia financeira de curto e longo prazo.

O Sr. Karo, ao propor estratégias que culminariam em endividamento de capital de terceiros, precisaria analisar quais seriam as prováveis entradas de caixa, decorrentes das atividades com cooperados.

Além disso, ao aumentar seus volumes de estoques próprios, seria coerente uma verificação de mercado quanto à demanda por café. Tal medida poderia evitar o fato de ter que reduzir preços e aumentar os prazos de recebimento a fim manter-se competitiva e conseguir escoar o produto.

As metas de elevar o faturamento não necessariamente implicariam não só aumento no volume de vendas, mas também na manutenção de um preço razoável que não comprometesse suas margens de lucro.

Houve aumento dos custos de produção que, de acordo com o contexto, decorreram de custos financeiros das compras a prazo. Essa situação é mais uma das consequências da redução do capital de giro e dos ativos circulantes da Coopercaso, já que não seria mais possível comprar à vista.

3. Enumere os pontos positivos e negativos da gestão do Kotaro Karo.

a) Pontos Positivos

Realizou investimentos em ativos fixos a fim de melhorar a estrutura da empresa e ampliar a capacidade de operações da Coopercaso.

Abriu novas filiais, buscando aumentar o poder de compra de defensivos e ganhar visibilidade no mercado de café.

Implantou programas de responsabilidade social e ambiental. Descentralizou a gestão, dando autonomia aos gerentes para tomarem suas decisões, rumo

aos objetivos de crescimento da Coopercaso. Implementou o setor de controladoria, a fim de melhorar a qualidade da gestão, no sentido

de apresentar relatórios confiáveis e fomentar a sinergia das unidades da Coopercaso.

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Criou o serviço de assessoria agronômica com o intuito de melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos dos cooperados.

Passou a atuar como um fornecedor de capital de giro ao vender insumos a prazo aos produtores de café durante o período de safra.

b) Pontos Negativos

Excesso de ousadia. Falta de planejamento estratégico, sobretudo de um plano financeiro. Contratação da controller Mônica após já ter dado início ao “plano de crescimento doze

anos em dois”. A descentralização pode dificultar o controle quando as metas e o escopo das ações dos

gerentes não estão muito bem definidos. Remuneração dos gerentes com base em faturamento, e não com base em resultados. Aumentos dos salários dos funcionários com o intuito de ganhar sua confiança. Intenção de gerenciamento de resultados a fim de aumentar a assimetria informacional.

4. Quais as possíveis implicações, caso a Mônica aceite a proposta do Sr. Karo, para os usuários: cooperados, Diretor Presidente Karo, e para a própria Mônica?

De acordo com o Código de Ética Profissional do Contador (CEPC), é obrigação do Contador “considerar com imparcialidade o pensamento exposto em laudo submetido à sua apreciação” (RES. CFC n. 803/96, art. 5, inciso IV). Além disso, é vedado ao Profissional da Contabilidade, no exercício de suas funções (RES. CFC n. 803/96):

IX - solicitar ou receber do cliente ou empregador qualquer vantagem que saiba para aplicação ilícita; X - prejudicar, culposa ou dolosamente, interesse confiado a sua responsabilidade profissional; XIII - aconselhar o cliente ou o empregador contra disposições expressas em lei ou contra os Princípios de Contabilidade e as Normas Brasileiras de Contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade.

Assim, a Mônica pode sofrer sansões legais por ferir o referido Código de Ética, caso o fato se torne público. Além disso, a Contadora pode também sofrer sanções legais conforme disposto no Código Civil brasileiro (art. 1.177 da Lei 10.406/2002): “os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele”. No parágrafo único desse mesmo artigo, tem-se: “no exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos”.

Os cooperados podem ser prejudicados financeiramente, em sua decisão de continuar na Coopercaso, uma vez que irão basear suas decisões em informações que não representam a realidade financeira e econômica da Cooperativa. Isso pode agravar-se caso a Coopercaso não consiga restabelecer-se futuramente. A Coopercaso é uma sociedade simples de responsabilidade limitada, (art. 1º do Estatuto Social da Coopercaso) O art. 62 do Estatuto da Cooperativa, consonante com o previsto no art. 89 da Lei n. 5.764/71, prevê que os prejuízos de cada exercício serão cobertos com o saldo do Fundo de Reserva. Se o Fundo de Reserva for insuficiente para cobrir os prejuízos operacionais, eles serão rateados entre os associados na razão direta dos serviços usufruídos. Assim, se a Cooperativa não se recuperar econômica

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e financeiramente no futuro, conforme previsão do Sr. Karo, os cooperados podem sofrer um prejuízo ainda maior por terem mantido sua participação na Cooperativa.

O Sr. Karo pode-se reeleger, uma vez que irá divulgar informações falsas. Pode conseguir restabelecer a situação financeira e econômica da Cooperativa e a fraude pode não ser descoberta. Por outro lado, caso a fraude seja descoberta, o Sr. Karo pode ser acionado judicialmente pelos prejuízos causados aos cooperados. Além disso, se a alteração nos números contábeis afetar as informações tributárias, os artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 expressam que:

[...] constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V. Art. 2º Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000) I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa." Perde o seu mandato e a confiança no mercado.

5. Pensava Kotaro Karo “A imagem da empresa é mais importante do que a verdade sobre sua situação financeira, os cooperados precisam da Cooperativa para viabilizarem sua produção e para colocarem seus cafés no mercado”. Você concorda com esta afirmação? Esse dilema poderia configurar assimetria da informação e/ou conflito de agência? Explique.

O efeito manada, configurado em finanças comportamentais, por situações sociais e econômicas em que as pessoas são influenciadas em sua tomada de decisão pelo que os outros ao seu redor estão fazendo (ARAÚJO NETO; FREIRE, 2013) sonda esse dilema: é melhor divulgar as informações reais sobre a Cooperativa, informando os cooperados sobre a real situação financeira da empresa, o que poderia causar o efeito manada (a saída conjunta de

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muitos cooperados) e a descontinuidade da Cooperativa. Ou seria melhor divulgar informações falsas sobre a saúde econômica e financeira da empresa, evitando a saída de cooperados, garantindo a continuidade da Cooperativa. O problema dessa segunda alternativa é que a Cooperativa pode não se recuperar nos próximos exercícios, vindo a se dissolver da mesma forma, causando ainda mais prejuízos aos cooperados.

A assimetria de informação ocorre quando uma das partes (agentes) em uma determinada transação detém uma informação relevante que a outra parte não possui (LOPES; MARTINS, 2005). Esse dilema poderia configurar assimetria de informações, uma vez que a controller Mônica e o Sr. Karo possuem informações privilegiadas sobre a situação econômica e financeira da Cooperativa, que os cooperados não possuem.

Sendo assim, na presença da assimetria de informação há um maior espaço para o exercício do comportamento oportunista, elevando os custos de transação. Esse comportamento oportunista que se pode configurar na Coopercaso pode ser derivado de conflito de agência. Esse conflito representa conflito de interesses entre vários interessados nas atividades da firma. Conforme Lopes e Martins (2005, p. 35), “os interesses dos acionistas são bastante diferentes dos interesses dos administradores da empresa e das outras classes de participantes. Cada grupo de interessados na empresa possui uma classe distinta de aspirações”. Assim, os interesses do Sr. Karo podem ser diferentes dos interesses dos cooperados. O Sr. Karo pode estar sendo motivado essencialmente por interesses próprios como, por exemplo, a necessidade de manter a sua imagem para vencer a próxima eleição.

6. Que conselhos você daria para a controller Mônica?

A controller Mônica deve divulgar os números reais na AGO. Deve zelar pela verdade, agindo de acordo com o Código de Ética Profissional do Contador (CEPC) (RES. CFC n. 803/96).

Para tentar assegurar a continuidade da Coopercaso, evitando a saída de muitos cooperados, a Mônica poderia levar para a AGO o planejamento estratégico da Cooperativa e orçamentos que comprovavam a possibilidade de recuperação da Coopercaso nos próximos períodos.

REFERÊNCIAS

ARAUJO NETO, L.; FREIRE, F. de S. Comportamento Manada: estudo aplicado em estudantes do curso de Ciências Contábeis. Revista de Informação Contábil, v. 7, n. 1, 2013.

BRASIL. Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades Cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5764.htm. Acesso em: 15 fev. 2014.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 27 fev. 2014.

BRASIL. Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 27 fev. 2014.

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CFC - CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº 803, de 10 de outubro de 1996. Aprova o Código de Ética Profissional do Contabilista-CEPC. Disponível em: http://www2.cfc.org.br/sisweb/sre/detalhes_sre.aspx?Codigo=1996/000803. Acesso em: 02 fev. 2014.

LOPES, A. B.; MARTINS, E. Teoria da Contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005.

MARTINS, E.; DINIZ, J. A.; MIRANDA, G. J. Análise avançada das demonstrações contábeis: uma abordagem crítica. São Paulo: Atlas, 2012.

MATARAZZO, D. C. Análise financeira de balanços: abordagem básica e gerencial. São Paulo: Atlas, 2003.

Notas: 1: Nome fictício, para preservação do anonimato do sujeito de estudo