case - trabalho profª ana biesek
DESCRIPTION
A CONSTITUCIONALIDADE DANEGOCIAÇÃO COLETIVA NOSETOR PÚBLICO BRASILEIRORonaldo Jorge Araujo Vieira JuniorTRANSCRIPT
-
Ncleo de Estudos e Pesquisasda Consultoria Legislativa
A CONSTITUCIONALIDADE DA NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO BRASILEIRO
Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior
Textos para Discusso 135 Agosto/2013
-
SENADO FEDERAL
DIRETORIA GERAL
Doris Marize Romariz Peixoto Diretora Geral
SECRETARIA GERAL DA MESA
Claudia Lyra Nascimento Secretria Geral
CONSULTORIA LEGISLATIVA
Paulo Fernando Mohn e Souza Consultor-Geral
NCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS
Fernando B. Meneguin Consultor-Geral Adjunto
Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa
Conforme o Ato da Comisso Diretora n 14, de 2013, compete ao Ncleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa elaborar anlises e estudos tcnicos, promover a publicao de textos para discusso contendo o resultado dos trabalhos, sem prejuzo de outras formas de divulgao, bem como executar e coordenar debates, seminrios e eventos tcnico-acadmicos, de forma que todas essas competncias, no mbito do assessoramento legislativo, contribuam para a formulao, implementao e avaliao da legislao e das polticas pblicas discutidas no Congresso Nacional.
Contato: [email protected]
URL: www.senado.leg.br/estudos
ISSN 1983-0645
O contedo deste trabalho de responsabilidade dos autores e no representa posicionamento oficial do Senado Federal.
permitida a reproduo deste texto e dos dados contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.
Como citar este texto:
VIEIRA Jr., R. J. A. A Constitucionalidade da Negociao Coletiva no Setor Pblico Brasileiro. Braslia: Ncleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, ago/2013 (Texto para Discusso n 135). Disponvel em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 12 ago. 2013.
-
A CONSTITUCIONALIDADE DA NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO BRASILEIRO
RESUMO
O texto objetiva demonstrar a constitucionalidade da negociao coletiva aplicada soluo de conflitos estatutrios envolvendo servidores pblicos e o Estado, em sentido lato. Para tanto, aborda o conceito de negociao coletiva, suas origens e as principais diferenas, no ordenamento jurdico brasileiro, que envolvem a negociao coletiva no setor privado e no setor pblico. Avalia que a conformao da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade da negociao coletiva no setor pblico se deu sem que o mtodo da interpretao da norma legal conforme a Constituio fosse explorado em sua plenitude. Analisa, ainda, o tratamento atual conferido ao tema pela Constituio Federal de 1988 e pela legislao infraconstitucional, especialmente os efeitos produzidos pelo Decreto n 7.944, de 6 de maro de 2013, que promulga e internaliza a Conveno n 151 e a Recomendao n 159 da Organizao Internacional do Trabalho sobre as Relaes de Trabalho na Administrao Pblica. Sustenta a necessidade de construo de um modelo temperado de negociao coletiva no setor pblico, veiculado por lei nacional, constitucionalmente sustentvel, que fomente sua adoo como mecanismo de autocomposio e de desjudicializao de conflitos estatutrios, respeitadas as balizas fixadas pelo texto constitucional e pelas convenes internacionais de regncia, apto a gerar a reviso da jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: negociao coletiva; setor pblico; constitucionalidade; jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal; interpretao conforme o texto constitucional; Constituio Federal e legislao infraconstitucional; Decreto n 7.944, de 2013; Conveno n 151 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT); efeitos; modelo temperado de negociao coletiva; balizas constitucionais e legais; autocomposio; conflitos estatutrios; desjudicializao; reviso da jurisprudncia do STF.
-
SUMRIO
INTRODUO..................................................................................................................... 5
1 A NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PRIVADO E NO SETOR PBLICO: O QUE PREVEEM A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E A LEGISLAO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE O TEMA? ..................................................................... 9
2 A POSIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO: SUBUTILIZAO DO MTODO DECISRIO DE INTERPRETAO CONFORME A CONSTITUIO ......................................................... 15
3 A ADOO PELO ESTADO BRASILEIRO E INTERNALIZAO DA CONVENO N 151 DA ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT): EFEITOS SOBRE O DEBATE ....................................................................................................... 23
4 A CONSTRUO DE UM CONCEITO CONSTITUCIONALMENTE VIVEL: MODELO TEMPERADO DE NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO................................... 25
CONCLUSO .................................................................................................................... 28
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 29
-
A CONSTITUCIONALIDADE DA NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO BRASILEIRO
Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior1
INTRODUO
Em suas origens, a negociao coletiva esteve relacionada ao mundo do
trabalho no setor privado. Nesse sentido, negociao coletiva era entendida, grosso
modo, como instrumento de autocomposio de conflitos envolvendo empregadores e
trabalhadores.
Guilherme de Morais Mendona2 aprimora a conceituao de negociao
coletiva, que pode ser definida da seguinte forma:
A negociao a maneira autnoma de dirimir conflitos, na qual os prprios agentes interessados interagem e se articulam com este objetivo. Pode-se, portanto, tipific-la, como meio autocompositivo de soluo dos conflitos interindividuais e sociais na medida em que nela se observa a participao dos sujeitos envolvidos no conflito, buscando o seu fim. A resoluo dos conflitos ou mesmo a dinmica da negociao coletiva desenvolvida pela atuao dos atores sociais tratando dos impasses atravs de cesses recprocas de interesses, emergindo assim uma das suas principais caractersticas, a transacionalidade.
Diferentemente do ocorrido em pases economicamente mais avanados,
onde a negociao coletiva surgiu do embate entre trabalhadores e empregadores em
face das grandes transformaes decorrentes do processo de industrializao, na
Amrica Latina, de forma geral, e, no Brasil, de forma especfica, o movimento foi
inverso, tendo se originado da incorporao das novidades do mundo do trabalho na
legislao.
1 Consultor Legislativo do Senado Federal na rea do Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral e
Partidrio. Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Braslia (UnB). 2 Da negociao coletiva: fundamentos, objetivos e limites. In: THOM,Candy Florncio; SCHWARZ
Rodrigo Garcia (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.51.
-
Para Russomano3,
os legisladores, percebendo a utilidade social e jurdica do novo instituto, atravs, sobretudo, da experincia europeia e norte-americana, trataram de adot-la, nas suas leis e seus cdigos, colocando, dessa forma, ao alcance dos trabalhadores, aquele poderoso instrumento de reivindicao. Se em sua grande maioria os sindicatos latino-americanos no usaram, durante muito tempo, esse instrumento, foi porque lhes faltava fora para manej-lo, isto , a fora que emana de um background sindical suficientemente forte para sustentar os lderes que, de p sobre o terreno, desafiam o poder patronal. Nas naes industrializadas, em sntese, as convenes coletivas nasceram da prtica popular e chegaram lei, atravs do costume. Vieram dos fatos para os cdigos. Por outras palavras, de baixo para cima. Nas naes subdesenvolvidas, inversamente, as convenes foram consagradas pelo legislador. Oferecidas pela lei aos sindicatos. O instituto, assim, veio dos cdigos para os fatos. Ou seja: de cima para baixo. (grifamos)
No Brasil, a redao original do Decreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943, que
aprova a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), previa, em seu art. 611, o contrato
coletivo de trabalho, convnio de carter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos
representativos de categorias econmicas e profissionais estipulavam condies que
regeriam as relaes individuais de trabalho, no mbito da respectiva representao.
Posteriormente, o Decreto-Lei n 229, de 28 de fevereiro de 1967, alterou a redao
do art. 611 da CLT, para eliminar a figura do contrato coletivo e introduzir no ordenamento
trabalhista as figuras da conveno coletiva e do acordo coletivo de trabalho.
Esse mesmo Decreto-Lei n 229, de 1967, introduziu expressamente a figura da
negociao coletiva em nosso ordenamento jurdico pela alterao promovida na
redao dos arts. 616 e 617 da CLT4.
3 Princpios gerais de direito sindical. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 148. 4 Art. 616. Os Sindicatos representativos de categorias econmicas ou profissionais e as empresas,
inclusive as que no tenham representao sindical, quando provocados, no podem recusar-se negociao coletiva. 1 Verificando-se recusa negociao coletiva, cabe aos Sindicatos ou empresas interessadas dar cincia do fato, conforme o caso, ao Departamento Nacional do Trabalho ou aos rgos regionais do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, para convocao compulsria dos Sindicatos ou empresas recalcitrantes. 2 No caso de persistir a recusa negociao coletiva, pelo desatendimento s convocaes feitas pelo Departamento Nacional do Trabalho ou rgos regionais do Ministrio de Trabalho e Previdncia Social, ou se malograr a negociao entabulada, facultada aos Sindicatos ou empresas interessadas a instaurao de dissdio coletivo. 3 Havendo conveno, acordo ou sentena normativa em vigor, o dissdio coletivo dever ser instaurado dentro dos 60 (sessenta) dias anteriores ao respectivo termo final, para que o novo instrumento possa ter vigncia no dia imediato a esse termo.
6
-
Entretanto, consenso entre os doutrinadores do Direito do Trabalho que esse
poderoso instrumento de autocomposio dos conflitos no era adequadamente
manejado pelos trabalhadores e empregadores em face das caractersticas da regulao
do trabalho no pas e da forte influncia do poder normativo da Justia do Trabalho.
Registre-se, ainda, que o instituto da negociao coletiva, especialmente no
campo das relaes privadas de trabalho, foi tratado no nvel internacional por
Convenes da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas
posteriormente pelo Brasil: i) a Conveno n 98, que aborda a questo da aplicao
dos princpios do Direito de Organizao e de Negociao Coletiva, de 1 de julho de
1949, em vigor no Brasil a partir de 18 de novembro de 1953, por fora do que
determina o Decreto n 33.196, de 29 de junho de 1953; e ii) a Conveno n 154, de 19
de junho de 1981, que dispe sobre o fomento negociao coletiva, tanto no setor
privado como no setor pblico, em vigor no Brasil, por fora do que determina o
Decreto n 1.256, de 29 de setembro de 1994.
Nesse sentido, cabe mencionar a definio constante no art. 2 da Conveno
154 da Organizao Internacional do Trabalho:
Art. 2 Para efeito da presente Conveno, a expresso negociao coletiva compreende todas as negociaes que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organizao ou vrias organizaes de empregadores, e, de outra parte, uma ou vrias organizaes de trabalhadores, com fim de:
a) fixar as condies de trabalho e emprego; ou
b) regular as relaes entre empregadores e trabalhadores; ou
c) regular as relaes entre os empregadores ou suas organizaes e uma ou vrias organizaes de trabalhadores, ou alcanar todos estes objetivos de uma s vez.
4 Nenhum processo de dissdio coletivo de natureza econmica ser admitido sem antes se esgotarem as medidas relativas formalizao da Conveno ou Acordo correspondente. Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas daro cincia de sua resoluo, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que ter o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direo dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relao ao Sindicato da respectiva categoria econmica. 1 Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, podero os interessados dar conhecimento do fato Federao a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, correspondente Confederao, para que, no mesmo prazo, assuma a direo dos entendimentos. Esgotado esse prazo, podero os interessados prosseguir diretamente na negociao coletiva at final. 2 Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocar assembleia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou no, nos termos do art. 612. (grifamos)
7
-
A efetiva adoo da negociao coletiva na soluo das relaes privadas do
trabalho deu-se com a promulgao da Constituio Federal de 1988 e a mudana de
perspectiva da atuao do movimento sindical.
Para Enoque Ribeiro dos Santos5:
Muito embora a legislao contemplasse o instituto da negociao coletiva e disciplinasse a matria de forma detalhada, sob o ttulo de conveno coletiva, o regime poltico prevalecente no ensejava a liberdade de atuao de que o sindicato necessitava. Dessa forma, na poca, inexistiam condies polticas e econmicas que fomentassem a negociao coletiva. Foi somente com o advento da Constituio de 1988 que a estrutura sindical brasileira foi radicalmente alterada: introduziram-se vrios aspectos de democracia sindical, com razovel valorizao da negociao coletiva, acompanhando um novo estgio de desenvolvimento econmico e industrial do pas, mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, foram mantidos certos ranos corporativistas que entravam o pleno desenvolvimento da negociao coletiva, ou seja, o poder normativo da Justia do Trabalho, a contribuio sindical obrigatria, a unicidade sindical e o regime de categorias. (grifamos)
digno de registro que a Constituio Federal de 1988 foi a primeira a tratar
claramente da negociao coletiva no inciso VI de seu art. 8.
As Constituies anteriores (art. 121, 1, alnea j, da Constituio de 1934;
art. 157, inciso XIII, e art. 159 da Constituio de 1946; art. 158, inciso XIV, e art. 159
da Constituio de 1967; e art. 165, inciso XIV, e art. 166 da Constituio de 1967, com
a redao conferida pela Emenda Constitucional n 1, de 1969) dela cuidavam de forma
indireta ao reconhecer as convenes coletivas de trabalho6.
5 A negociao coletiva de trabalho como instrumento de pacificao social. In: THOM, Candy
Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (Orgs.). Op. cit., pp.61-62. 6 Constituio de 1934
Art. 121. A lei promover o amparo da produo e estabelecer as condies do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteo social do trabalhador e os interesses econmicos do Pas. 1 A legislao do trabalho observar os seguintes preceitos, alm de outros que colimem melhorar as condies do trabalhador: .................................................................................................................................................................... j) reconhecimento das convenes coletivas, de trabalho.
Constituio de 1946 Art. 157. A legislao do trabalho e a da previdncia social obedecero nos seguintes preceitos, alm de outros que visem a melhoria da condio dos trabalhadores: .................................................................................................................................................................... XIII reconhecimento das convenes coletivas de trabalho;
8
-
Depreende-se, dessa breve digresso histrica, que a negociao coletiva de
trabalho no Brasil s obteve influxo efetivo nas relaes privadas com a promulgao
da Constituio Federal de 1988. Mas, e a negociao coletiva no setor pblico?
Seria possvel admiti-la, ainda que sem previso expressa no texto
constitucional? Seu conceito e suas caractersticas seriam compatveis com as normas
constitucionais e com os estatutos legais que regem a relao do Estado com seus
servidores?
importante, neste momento, aprofundar a anlise do texto da Constituio
Federal de 1988 e da legislao que a regulamenta para tentarmos compreender esta
questo.
1 A NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PRIVADO E NO SETOR PBLICO: O QUE PREVEEM A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E A LEGISLAO INFRACONSTITUCIONAL SOBRE O TEMA?
O constituinte de 1987/1988 estabeleceu para os trabalhadores do setor privado o
direito livre associao profissional ou sindical, no caput do art. 8 da Constituio
Federal (CF).
No inciso III desse dispositivo est previsto que ao sindicato cabe a defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questes
Art. 159. livre a associao profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituio, a sua representao legal nas convenes coletivas de trabalho e o exerccio de funes delegadas pelo Poder Pblico.
Constituio de 1967 Art. 158. A Constituio assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, alm de outros que, nos termos da lei, visem melhoria, de sua condio social: .................................................................................................................................................................... XIV reconhecimento das convenes coletivas de trabalho; Art. 159. livre a associao profissional ou sindical; a sua constituio, a representao legal nas convenes coletivas de trabalho e o exerccio de funes delegadas de Poder Pblico sero regulados em lei.
Constituio de 1967, com a EC n 1, de 1969 Art. 165. A Constituio assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, alm de outros que, nos trmos da lei, visem melhoria de sua condio social: .................................................................................................................................................................... XIV reconhecimento das convenes coletivas de trabalho; Art. 166. livre a associao profissional ou sindical; a sua constituio, a representao legal nas convenes coletivas de trabalho e o exerccio de funes delegadas de poder pblico sero regulados em lei.
9
-
judiciais ou administrativas, e, no inciso VI, assegura-se a participao obrigatria dos
sindicatos nas negociaes coletivas de trabalho7.
O inciso XIV do art. 7 da CF prev, dentre os direitos dos trabalhadores urbanos
e rurais, o direito negociao coletiva, ao tempo em que seus incisos VI, XIII e XXVI
fazem meno s convenes ou acordos coletivos de trabalho8.
O 1 do art. 114 da CF, por seu turno, estabelece que, frustrada a negociao
coletiva, as partes podero eleger rbitros e que, recusando-se qualquer das partes
negociao coletiva ou arbitragem, facultado s mesmas, de comum acordo, ajuizar
dissdio coletivo de natureza econmica, podendo a Justia do Trabalho dirimir o
conflito.
Por fim, no art. 9 da CF, assegura-se o direito de greve aos trabalhadores do
setor privado.
Percebe-se, ento, que o ciclo das relaes trabalhistas envolvendo capital e
trabalho fecha-se no texto constitucional.
Assegura-se o direito associao profissional ou sindicalizao. Dessa forma,
estabelece-se que a associao profissional ou o sindicato ser o interlocutor dos
trabalhadores perante os empregadores. Instrumentaliza-se o debate trabalhista.
7 Art. 8 livre a associao profissional ou sindical, observado o seguinte:
.................................................................................................................................................................... III ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questes judiciais ou administrativas; .................................................................................................................................................................... VI obrigatria a participao dos sindicatos nas negociaes coletivas de trabalho; ...................................................................................................................................................................
8 Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: .................................................................................................................................................................... VI irredutibilidade do salrio, salvo o disposto em conveno ou acordo coletivo; .................................................................................................................................................................... XIII durao do trabalho normal no superior a oito horas dirias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensao de horrios e a reduo da jornada, mediante acordo ou conveno coletiva de trabalho; XIV jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociao coletiva; .................................................................................................................................................................... XXVI reconhecimento das convenes e acordos coletivos de trabalho; ....................................................................................................................................................................
10
-
Aps, reafirma-se a possibilidade de realizao de negociao coletiva, em que a
participao das entidades sindicais obrigatria. Cria-se espao, qualificado pelo texto
constitucional, de identificao e resoluo de conflitos trabalhistas no setor privado.
Por fim, esgotadas as possibilidades de negociao coletiva, o texto
constitucional contempla o recurso extremo ao direito de greve em seu art. 9.
Acrescente-se, ainda, que o legislador constituinte e o ordinrio, ao tratarem dos
ajustes entre os representantes dos trabalhadores e empregadores decorrentes do
processo de negociao coletiva, distinguiram os conceitos, com base na natureza dos
interlocutores que deles participaram: na conveno coletiva, participam da celebrao
os sindicatos dos empregadores e dos trabalhadores de uma dada categoria econmica;
no acordo coletivo, a celebrao envolve o sindicato dos trabalhadores de uma categoria
econmica e uma ou mais empresas.
Esses conceitos esto explicitados no caput e no 1 do art. 611 da CLT, verbis:
Art. 611. Conveno Coletiva de Trabalho o acordo de carter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econmicas e profissionais estipulam condies de trabalho aplicveis, no mbito das respectivas representaes, s relaes individuais de trabalho.
1 facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econmica, que estipulem condies de trabalho, aplicveis no mbito da empresa ou das acordantes respectivas relaes de trabalho. (grifamos)
A negociao coletiva no setor privado, como visto na introduo, tambm
disciplinada, no nvel infraconstitucional, pela CLT.
Diferentemente do que ocorre com a conveno coletiva ou com o acordo
coletivo, no h, na CLT, dispositivo que fixe o conceito de negociao coletiva.
Infere-se, ento, tanto pelos conceitos atribudos conveno coletiva como ao
acordo coletivo, que a negociao coletiva o conjunto de tratativas, discusses e
argumentos manejados de parte a parte com o intuito de tratar conflitos e produzir
consensos envolvendo questes trabalhistas, que se resolvem em acordos ou convenes
coletivas, sem que seja necessrio recorrer ao Poder Judicirio. Trata-se de frmula de
autocomposio envolvendo representantes do capital e do trabalho.
11
-
Na legislao ordinria a matria encontra-se regulamentada, como visto, pelos
arts. 616 e 617 da CLT e pelas Convenes n 98 e 154 da OIT, devidamente
incorporadas ao nosso ordenamento jurdico.
No h que se olvidar, ainda, a propsito da disciplina da negociao coletiva
pela legislao infraconstitucional, o disposto no caput do art. 1 da Lei n 8.542, de 23
de dezembro de 1992, que dispe sobre a poltica nacional de salrios, verbis:
Art. 1 A poltica nacional de salrios, respeitado o princpio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociao coletiva e reger-se- pelas normas estabelecidas nesta lei. (grifamos)
J para os servidores pblicos civis, o legislador constituinte fez constar do texto
constitucional, no inciso VI do art. 37 da CF, o direito livre associao sindical e no
inciso VII do mesmo artigo, com a redao conferida pela Emenda Constitucional n 19,
de 5 de junho de 1998, o direito de greve nos termos de lei especfica.
Registre-se que at a promulgao da Constituio Federal de 1988, a
sindicalizao era vedada aos servidores pblicos, consoante determinao contida no
caput do art. 566 da CLT. Eis o dispositivo na ntegra:
Art. 566. No podem sindicalizar-se os servidores do Estado e os das instituies paraestatais.
Pargrafo nico. Excluem-se da proibio constante deste artigo os empregados das sociedades de economia mista, da Caixa Econmica Federal e das fundaes criadas ou mantidas pelo Poder Pblico da Unio, dos Estados e Municpios. (grifamos)
No h, contudo, meno expressa no texto constitucional negociao coletiva
envolvendo os servidores pblicos.
Ademais, o 3 do art. 39 da CF, que estende aos servidores pblicos alguns dos
direitos trabalhistas atribudos aos trabalhadores do setor privado, no elenca o inciso
XIV do art. 7 da CF, que faz referncia negociao coletiva.
Seria possvel extrair desses parmetros normativos a interpretao peremptria
quanto inconstitucionalidade da previso, na legislao ordinria, da negociao
coletiva aplicvel ao setor pblico?
12
-
A maioria dos doutrinadores em Direito Administrativo entende que sim e o faz
arrimada no argumento de que o principal papel dos sindicatos no setor pblico o de
pressionar o Estado para que acolha suas reivindicaes sociais e econmicas.
A propsito, recorro a Fernanda Marinela9, que aduz:
O principal papel da sindicalizao sua utilizao como instrumento de presso para as reivindicaes sociais e econmicas. Entretanto, a remunerao dos servidores pblicos est condicionada previso legal, o que impede as negociaes econmicas por parte do sindicato. Nesse sentido j sumulou o STF, Smula n 679, que diz A fixao de vencimentos dos servidores pblicos no pode ser objeto de conveno coletiva. As convenes e acordos so peculiares do setor privado e incompatveis com o regime funcional pblico. (grifei)
Maria Sylvia Zanella di Pietro10 consignou, ao mencionar as dificuldades que o
legislador enfrentar para disciplinar a greve do servidor pblico:
A dificuldade est no fato de que, tanto o direito de sindicalizao como o direito de greve, cuja importncia para os trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretenses salariais, no podero ter esse alcance com relao aos servidores pblicos, ressalva feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exerccio do direito de greve poder, quando muito, atuar como presso sobre o Poder Pblico, mas no poder levar os servidores a negociaes coletivas, com ou sem participao dos sindicatos, com o fito de obter aumento de remunerao. (grifamos)
Jos dos Santos Carvalho Filho11 sustenta, com base nos mesmos fundamentos,
que a atuao dos sindicatos dos servidores pblicos estaria restrita negociao e
reivindicao de contedo social. As reivindicaes de contedo econmico abrangendo
a remunerao dos servidores no poderiam ser objeto de negociao coletiva:
Outro aspecto que merece realce consiste no tipo de atuao do sindicato de servidores pblicos. Os sindicatos so entidades que servem como instrumento de presso para dois tipos de reivindicao em favor dos trabalhadores: uma de carter social e outra de carter econmico. No caso dos sindicatos de servidores, entretanto, necessrio o recurso interpretao sistemtica da Constituio. A matria relativa aos vencimentos dos servidores obedece, como vimos, ao princpio da legalidade, isto , so fixados e aumentados em funo de lei. Esse princpio impede que haja negociao e reivindicao sindical de contedo econmico. Por isso mesmo, invivel ser a criao de litgio trabalhista a ser decidido em dissdios coletivos, como ocorre na iniciativa privada. A atuao sindical
9 Servidores Pblicos. Niteri: Impetus, 2010, p.177. 10 Direito Administrativo, 13 ed., So Paulo: Atlas, 2001, p.449. 11 Manual de Direito Administrativo, 19 ed., Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2008, p. 664.
13
-
nessa hiptese ter que observar algumas limitaes compatveis com as regras que disciplinam os servidores pblicos, restringindo-se as reivindicaes s de natureza social. Em abono desse entendimento, de resto inegavelmente congruente com o sistema adotado pela Constituio, segundo o qual a remunerao dos servidores pblicos s pode ser fixada ou alterada por lei especfica (art. 37, X, CF), o STF decidiu, em carter sumular, que a fixao de vencimentos dos servidores pblicos no pode ser objeto de conveno coletiva. Desse modo, de inferir-se que os instrumentos negociais de fixao de valores remuneratrios limitam-se modalidade de salrio e so aplicveis apenas no mbito das relaes de trabalho do setor privado. Convenes e acordos coletivos so, por conseguinte, institutos incompatveis com o regime funcional do servio pblico.
O art. 39, 2, do texto constitucional original atual 3, em face das alteraes
promovidas pela Emenda Constitucional n 19, de 1998 que estende aos servidores
pblicos alguns dos direitos assegurados aos trabalhadores do setor privado nos diversos
incisos do art. 7 da CF, no faz referncia ao direito previsto no inciso XXVI, qual seja,
o direito ao reconhecimento das convenes e acordos coletivos de trabalho.
Cabe aqui uma observao quanto a esse argumento. O que no se estendeu aos
servidores pblicos foi o direito ao reconhecimento das convenes e acordos coletivos
de trabalho, vale dizer o resultado da negociao que, dependendo dos interlocutores
envolvidos, materializa-se em acordo ou conveno coletiva, instrumentos capazes de
gerar direitos e obrigaes s partes envolvidas.
No resta dvida de que a conveno e o acordo coletivos no so fontes de
direitos e obrigaes para os servidores, e disso tratou o art. 39, 3, da CF, ao no
estend-los aos servidores pblicos. Nada foi dito, entretanto, sobre a negociao em si.
Tentando suprir essa suposta lacuna constitucional, o legislador ordinrio fez
constar do art. 240 da Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispe sobre o
regime jurdico dos servidores pblicos civis da unio, das autarquias e das fundaes
pblicas federais, conhecida como a Lei do Regime Jurdico nico, a alnea d, que
assegurava o direito negociao coletiva.
Mencionado dispositivo foi vetado pelo Presidente da Repblica sob a alegao
de que as relaes estatutrias entre o Estado e os servidores tm base legal, de
iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, e, portanto, infensas a
qualquer tipo de renncia estabelecida em negociao coletiva. Ademais, havia que se
obedecer s restries de natureza oramentria e fiscal.
14
-
O veto presidencial foi rejeitado pelo Congresso Nacional e, consequentemente,
mantido, com publicao em 19 de abril de 1991, o texto da alnea d do art. 240 da Lei
n 8.112, de 1990, que previa a negociao coletiva para os servidores pblicos.
Posteriormente foi ajuizada a Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
n 492/DF, relator o Ministro Carlos Velloso, julgada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 12 de novembro de 1992, com deciso publicada no Dirio de Justia de 12
de maro de 1993, que concluiu pela inconstitucionalidade do dispositivo que previa a
negociao coletiva, tendo em vista, essencialmente, o princpio da legalidade e o da
indisponibilidade do interesse pblico. Trataremos com mais detalhe dessa deciso no
tpico seguinte.
Por fim, em 10 de dezembro de 1997, foi publicada a Lei n 9.527, que
altera dispositivos das Leis nos 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 8.460, de 17 de
setembro de 1992, e 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, e d outras providncias, cujo
art. 18 revogou a alnea d do art. 240 da Lei n 8.112, de 1990, que tratava da
negociao coletiva.
Esse , em sua essncia, o panorama jurdico-constitucional referente
negociao coletiva no Brasil.
2 A POSIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO: SUBUTILIZAO DO MTODO DECISRIO DE INTERPRETAO CONFORME A CONSTITUIO
No julgamento da ADI n 492, em 12 de novembro de 1992, a Suprema Corte
declarou, por maioria, a inconstitucionalidade da alnea d do art. 240 da Lei n 8.112, de
11 de dezembro de 1990, que previa, dentre os direitos sindicais dos servidores, o
direito negociao coletiva.
Eis a ementa do acrdo referido:
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. JUSTIA DO TRABALHO. COMPETNCIA. AES DOS SERVIDORES PBLICOS ESTATUTRIOS. CF, arts. 37, 39, 40, 41, 42 e 114. Lei n 8.112, de 1990, art. 240, alneas d e e. I Servidores pblicos estatutrios: direito negociao coletiva e ao coletiva frente Justia do Trabalho: inconstitucionalidade. Lei 8.112/90, art. 240, alneas d e e. II Servidores pblicos estatutrios: incompetncia da Justia do Trabalho para o julgamento de seus dissdios individuais. Inconstitucionalidade da alnea e do art. 240 da Lei 8.112/90. III Ao Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.
15
-
A posio majoritria do STF lastreou-se no entendimento de que no Brasil as
matrias relacionadas ao aumento de remunerao, criao de cargos e carreiras e ao
regime jurdico dos servidores pblicos so matrias submetidas reserva legal, cujo
processo legislativo da iniciativa privativa do Presidente da Repblica, no caso de
servidores federais e, por simetria, dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal,
no caso de servidores estaduais ou distritais, e dos Prefeitos, no caso de servidores
municipais, ex vi do art. 61, 1, inciso II, alneas a e c da CF.
Qualquer medida governamental que gere impactos financeiros e oramentrios
h de estar contemplada na legislao oramentria de regncia, vale dizer, lei
oramentria anual, com autorizao especfica na lei de diretrizes oramentrias,
conforme o disposto no art. 169, 1, incisos I e II, da CF.
No h como se olvidar, tampouco, que os gastos com pessoal, em todas as
esferas da federao, devem ser compatveis com os limites fixados pelo caput do art.
169 da CF e pelos arts. 19 e 20 da Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000,
conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Segundo essa linha de compreenso, os agentes envolvidos os representantes
do Estado e os representantes sindicais dos servidores no tinham e no tm o poder
de afastar as condicionantes impostas pela CF e pela legislao infraconstitucional de
regncia na busca de solues aos conflitos jurdico-estatutrios, da a concluso pela
inconstitucionalidade da norma.
A deciso nessa ADI n 492 foi o paradigma para decises posteriores do STF
que declararam a inconstitucionalidade de dispositivos das legislaes estaduais que
estendiam aos servidores pblicos o direito negociao coletiva.
A posio majoritria do STF quanto ao tema h que ser considerada. No
possvel conceber qualquer modalidade de negociao coletiva no mbito do setor
pblico que ignore essas condicionantes constitucionais.
Entretanto, foi feita tbula rasa, no julgamento da ADI n 492, do argumento
manejado no alentado voto divergente do Ministro Marco Aurlio, que conclua pela
constitucionalidade da adoo da negociao coletiva ao setor pblico na linha de sua
harmonizao com os demais preceitos constitucionais12.
12 Ver fls. 110-132 do acrdo da ADI n 492. Disponvel em www.stf.jus.br.
16
-
Por que no admitir a compatibilidade vertical do dispositivo legal que preveja a
negociao coletiva se, e somente se, estiver submetido aos claros limites
constitucionais aplicados remunerao e ao regime jurdico dos servidores pblicos?
Por que restringir a abordagem de to complexo tema a um sistema binrio de
deciso constitucionalidade/inconstitucionalidade quando h vrias clivagens
intermedirias no sistema de controle de constitucionalidade das normas que poderiam
preservar a higidez da norma legal e contribuir para a pacificao da relao Estado/servidores?
Em outras palavras, por que, na apreciao da constitucionalidade da negociao
coletiva no setor pblico, no adotar o mtodo da interpretao conforme a Constituio?
O grande constitucionalista brasileiro, Paulo Bonavides, confere significativo
destaque ao mtodo de interpretao conforme a Constituio ao tratar dos Mtodos de
interpretao constitucional da nova hermenutica13.
Em dada passagem de sua vasta obra, assevera Bonavides14:
Em rigor no se trata de um princpio de interpretao da Constituio, mas de um princpio de interpretao da lei ordinria de acordo com a Constituio (...) significa na essncia que nenhuma lei ser declarada inconstitucional quando comportar uma interpretao em harmonia com a Constituio e, ao ser assim interpretada, conservar seu sentido ou significado. Uma norma pode admitir vrias interpretaes. Destas, algumas conduzem ao reconhecimento de inconstitucionalidade, outras, porm, consentem tom-la por compatvel com a Constituio. O intrprete, adotando o mtodo ora proposto, h de inclinar-se por esta ltima sada ou via de soluo. A norma, interpretada conforme a Constituio, ser, portanto, considerada constitucional. Evita-se por esse caminho a anulao da lei em razo de normas dbias nela contidas, desde naturalmente que haja a possibilidade de compatibiliz-las com a Constituio. A aplicao desse mtodo parte, por conseguinte, da presuno de que toda lei constitucional, adotando-se ao mesmo passo o princpio de que em caso de dvida a lei ser interpretada conforme a Constituio. Deriva, outrossim, do emprego de tal mtodo a considerao de que no se deve interpretar isoladamente uma norma constitucional, uma vez que do contedo geral da Constituio procedem princpios elementares da ordem constitucional, bem como decises fundamentais do constituinte, que no podem ficar ignorados, cumprindo lev-los na devida conta por ensejo da operao interpretativa, de modo a fazer a regra que se vai interpretar adequada a esses princpios ou decises. Daqui resulta que o intrprete no perder de vista o fato de que a Constituio representa um todo ou uma unidade e, mais do que isso, um sistema de valor. (grifamos)
13 Curso de Direito Constitucional, 11 ed.. So Paulo: Malheiros, 2001, pp. 473-480. 14 Ibidem, p. 474.
17
-
H, ainda, no debate constitucional sobre a aplicao do mtodo de interpretao
conforme, uma importante dimenso referente preservao do equilbrio entre os
Poderes, na medida em que o intrprete, o STF, no caso do controle concentrado de
constitucionalidade de normas federais, busca alternativas hermenuticas para viabilizar
a constitucionalidade da norma aprovada aps o devido processo legislativo no mbito
do Poder Legislativo.
Para Bonavides15:
Com efeito, na medida em que o mtodo confessadamente se emprega para manter a lei com o mximo de constitucionalidade que for possvel nela vislumbrar, em face de situaes ou interpretaes ambguas, no resta dvida de que ele no s preserva o princpio da separao de poderes como reconhece ao legislador uma posio de hegemonia no ato da concretizao constitucional, o que est de todo acorde com o princpio democrtico encarnado no legislativo. (grifamos)
O mtodo de hermenutica constitucional denominado interpretao conforme a
Constituio objetiva prover o julgador de alternativas viveis mera declarao de
inconstitucionalidade de determinada norma, desde que haja, pelo menos, mais do que
uma interpretao possvel. Assim, a opo dever ser feita por aquela interpretao que
promova a compatibilizao vertical da norma com o texto constitucional.
Para Alexandre de Moraes16,
extremamente importante ressaltar que a interpretao conforme a constituio somente ser possvel quando a norma apresentar vrios significados, uns compatveis com as normas constitucionais e outros no, ou, no dizer de Canotilho a interpretao conforme a constituio s legtima quando existe um espao de deciso (= espao de interpretao) aberto a vrias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituio e que devem ser preferidas, ou outras em desconformidade com ela.
Percebe-se que a adoo de um conceito temperado ou mitigado de negociao
coletiva no setor pblico, observadas as balizas constitucionais aplicveis
remunerao, cargos e carreiras de servidores pblicos poderia ter sido construdo pelo
STF no julgamento da ADI n 492, em 1992.
15 Ibidem, p. 478. 16 Direito Constitucional. 16 ed.. So Paulo: Atlas, 2004, pp. 47-48.
18
-
Bastava para tanto a aplicao do mtodo da interpretao do dispositivo
impugnado conforme a Constituio. Em outras palavras, poderia a Suprema Corte ter
declarado a constitucionalidade da alnea d do art. 240 da Lei n 8.112, de 1990, que
previa, dentre os direitos sindicais dos servidores, o direito negociao coletiva, caso
observasse, numa perspectiva sistemtica, o texto da Constituio.
Explicitando um pouco mais a formulao sugerida anteriormente, somente seria
declarada a constitucionalidade do dispositivo legal que veiculava o direito dos
servidores negociao coletiva se referida negociao observasse as balizas
constitucionais contidas nos artigos da CF, referentes ao princpio da reserva legal,
reserva da iniciativa legislativa, aos limites oramentrios e aos limites da lei de
responsabilidade fiscal.
A anlise da jurisprudncia do STF referente ao controle concentrado da
constitucionalidade das leis permite inferir que as primeiras decises que recorreram
tcnica da interpretao conforme a Constituio datam da metade da dcada de 90 do
sculo passado.
Citamos, como exemplo, a deciso proferida no julgamento da ADI n 1.586,
relator o Ministro Sydney Sanches, em 7 de maio de 1997, publicada no Dirio de
Justia de 29 de agosto de 1997. Reproduzimos parte da ementa:
DIREITO CONSTITUCIONAL. SERVIDORES PBLICOS. COMPUTAO E ACUMULAO DE ACRSCIMOS PECUNIRIOS, PARA FINS DE CONCESSO DE ACRSCIMOS ULTERIORES (INCISO XVI DO ART. 37 DA CONSTITUIO FEDERAL). AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 131 E SEUS PARGRAFOS 1 E 2 DA LEI N 5.810, DE 24.01.1994, DO ESTADO DO PAR. (...) 8. No h necessidade, porm, de se suspender o 1 do art. 131, como se pede na inicial. Basta que se lhe d uma interpretao conforme Constituio Federal, excludas todas as demais. Ou seja, basta que se interprete tal pargrafo, como a significar que os adicionais por tempo de servio sero calculados sobre a remunerao do cargo, exceto sobre os adicionais anteriores por tempo de servio. 9. Medida cautelar deferida, em parte, nesses termos, com eficcia ex nunc. 10. Plenrio. Deciso unnime. (grifamos)
Contudo, no foi essa a deciso da Suprema Corte naquele julgamento em
novembro de 1992. E por que no o fez?
19
-
importante registrar que o aprimoramento e a modernizao do modelo
concentrado de controle de constitucionalidade das normas s ocorreram aps a
promulgao da Constituio de 1988.
Nos primeiros anos aps a promulgao da Carta de 1988 o julgamento da
ADI 492 que declarou inconstitucional a negociao coletiva no setor pblico ocorreu
em 1992, apenas quatro anos aps a promulgao da Constituio de 1988 o STF, em
regra, seguia o modelo binrio rgido, calcado na declarao de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da norma.
Os ventos da doutrina constitucional do controle concentrado de
constitucionalidade vindos da Europa continental, em especial da Alemanha,
contemplando tcnicas de deciso que enriqueciam o processo decisrio e traziam novas
possibilidades intermedirias no espectro da constitucionalidade das normas,
comearam a ser sentidos, com mais intensidade, a partir da segunda metade da dcada
de 90 do sculo passado, a despeito de existirem registros de decises do STF ocorridas
desde 1987, em que foi adotada a tcnica da interpretao conforme, em especial, em
aes relatadas pelo Ministro Moreira Alves.
Vieram as formulaes doutrinrias, com destaque para Jos Afonso da Silva,
Paulo Bonavides e Gilmar Mendes, entre muitos outros, e as primeiras decises
judiciais que faziam referncias a esses mtodos de deciso constitucional que
conferiam nova roupagem ao controle da constitucionalidade das normas e
potencializavam a presuno de constitucionalidade das leis.
Esse movimento constitucional atingiu seu pice com a publicao da Lei n
9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispe sobre o processo e julgamento da ao
direta de inconstitucionalidade e da ao declaratria de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal.
Destaque-se, no texto da Lei n 9.868, de 1999, o pargrafo nico de seu art. 28,
que faz meno expressa possibilidade de o STF decidir pela interpretao da norma
conforme a Constituio.
Vale reproduzir na ntegra o dispositivo mencionado:
Art. 28. Dentro do prazo de dez dias aps o trnsito em julgado da deciso, o Supremo Tribunal Federal far publicar em seo especial do Dirio da Justia e do Dirio Oficial da Unio a parte dispositiva do acrdo.
20
-
Pargrafo nico. A declarao de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretao conforme a Constituio e a declarao parcial de inconstitucionalidade sem reduo de texto, tm eficcia contra todos e efeito vinculante em relao aos rgos do Poder Judicirio e Administrao Pblica federal, estadual e municipal. (grifamos)
Um dos argumentos sustentados neste artigo que houvesse o STF enfrentado
essa questo posteriormente efetiva incorporao das novas tcnicas de deciso no
controle concentrado de constitucionalidade das normas pelos rgos do Poder
Judicirio, especialmente aps a publicao da Lei n 9.868, de 1999, o resultado
poderia ter sido outro.
Um argumento imediato ser levantado para contraditar essa suposio. O que
dizer ento dos diversos julgamentos proferidos pelo STF aps a publicao da Lei n
9.868, de 1999, sobre a temtica da negociao coletiva no setor pblico, que seguiram
a trilha aberta pela deciso da Corte Suprema no julgamento da ADI n 492,
considerando inconstitucionais os dispositivos que a veiculavam?
A discusso estava, de certa forma, contaminada pelo positivismo
precedentalista no mbito do Poder Judicirio, em face do que decidido na ADI n 492,
de 1992.
J. J. G. Canotilho, ao analisar a atuao dos rgos jurisdicionais portugueses,
faz duras ressalvas remisso acrtica s decises do Tribunal Constitucional para
solucionar problemas ventilados nos processos judiciais que tramitam nas instncias
inferiores. Chama esse fenmeno de jurisprudncia precedentalista. Destacamos o
seguinte trecho17:
A remisso de sentena para sentenas, o reenvio de acrdos para acrdos poder ser um meio de descarga da inflao processual, mas pode transformar-se tambm na morte da prpria jurisprudncia. Se o teoreticismo jurisprudencial corre o risco de uma scientia sem prudentia, o positivismo precedentalista coloca-nos perante os riscos de uma prudentia sem scientia.
O argumento vlido no s para a realidade portuguesa como, tambm, para a
brasileira. E mais. Vale para todos aqueles que lidam, seja no Judicirio, seja no
17 Tribunal Constitucional, Jurisprudncias e Polticas Pblicas. Disponvel em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html. Acesso em 8 de agosto de 2013.
21
-
Legislativo ou no Executivo, com o juzo de constitucionalidade e inconstitucionalidade
das normas.
A mensagem que se extrai da fala do constitucionalista portugus que a
referncia a precedentes jurisprudenciais de tribunais constitucionais, que detm a
ltima palavra sobre o controle da constitucionalidade das normas, como o caso do
STF no Brasil, deve ser feita com parcimnia e zelo.
por demais tentador, pelo que contm de abreviao da anlise jurdica, o
recurso a decises anteriores para a soluo de casos concretos sob anlise.
fundamental que se cheque, todavia, se, de fato, as circunstncias analisadas so
idnticas.
No foi aventada, ao que parece, com a intensidade devida, nos julgamentos
posteriores, a perspectiva de busca de ponto intermedirio no eixo do controle
concentrado da constitucionalidade das normas entre as extremidades da
constitucionalidade e da inconstitucionalidade puras. Tomava-se como dada a
inconstitucionalidade da negociao coletiva no setor pblico.
importante deixar claro que este artigo no intenciona questionar decises
judiciais pretritas utilizando insumos hermenuticos que lhe so posteriores, nem,
tampouco, criticar as respeitveis manifestaes doutrinrias que se posicionam pela
inconstitucionalidade da extenso da negociao coletiva ao setor pblico.
Sustenta-se e este o principal objetivo do texto que a negociao coletiva
no mbito do setor pblico deve ser positivada, tanto como mecanismo permanente de
tratamento de conflitos envolvendo os servidores e o Estado e, nesse sentido,
detalhando e/ou aprofundando o que fixado na Conveno n 151 da OIT, quanto como
tentativa emergencial, como ltimo estgio antes da deflagrao da greve no setor
pblico.
Os argumentos alinhavados ao longo do texto tm a pretenso de vislumbrar
outro desfecho jurisprudencial, na hiptese de a lei nacional que positive a negociao
coletiva no setor pblico ter sua constitucionalidade contestada perante o STF.
22
-
3 A ADOO PELO ESTADO BRASILEIRO E INTERNALIZAO DA CONVENO N 151 DA ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT): EFEITOS SOBRE O DEBATE
As representaes sindicais dos servidores pblicos sempre pleitearam a
regulamentao do direito negociao coletiva dos servidores pblicos, alegando que
no seria razovel debater a lei que trata da greve dos servidores pblicos, momento
final da relao em que o conflito j est configurado, sem que se houvesse disciplinado
anteriormente o direito negociao coletiva, momento em que o conflito poderia ser
adequadamente identificado e preventivamente tratado.
O Poder Executivo Federal instituiu, a partir de 2003, mesas de negociao
permanente com os representantes dos servidores pblicos, coordenadas pela Secretaria
de Recursos Humanos, rgo central do Sistema de Pessoal Civil (SIPEC) do Poder
Executivo e subordinada ao Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG),
com o objetivo de avanar nas tratativas relacionadas s demandas por estruturao de
carreiras, padres remuneratrios e demais direitos dos servidores.
Tratava-se de embrio de uma sistemtica de negociao coletiva. Houve
avanos, porm, considerados insuficientes pelos servidores. Diversos Estados e
Municpios adotam prticas semelhantes.
Sentia-se falta de base normativa de maior densidade e, nesse contexto,
intensificaram-se as demandas pelo encaminhamento ao Congresso Nacional da
Conveno n 151 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo
Brasil em 1978, que dispe sobre relaes de trabalho na administrao pblica.
A mensagem presidencial que solicitava a ratificao do texto da Conveno
n 151 da OIT ao Congresso Nacional, foi encaminhada em 14 de fevereiro de 2008.
A Conveno foi sucessivamente aprovada pela Cmara dos Deputados e pelo
Senado Federal, com a consequente promulgao do Decreto Legislativo n 206, de 7 de
abril de 2010, publicado no Dirio Oficial da Unio no dia seguinte.
Em 7 de maro de 2013, foi finalmente publicado o Decreto n 7.944, de 6 de
maro de 2013, que promulga a Conveno n 151 e a Recomendao n 159 da
Organizao internacional do Trabalho sobre as Relaes de Trabalho na
Administrao Pblica, firmadas em 1978.
23
-
Com a publicao desse ato normativo, resta concludo o processo de
internalizao da referida Conveno, com status de lei ordinria, que disciplina a
negociao coletiva dos servidores pblicos do Brasil e fixa importantes parmetros a
serem considerados pelo poder pblico.
E quais so esses parmetros?
indispensvel, para a resposta da questo anteriormente formulada, que se
reproduzam os arts. 7 e 8 da Conveno n 151, da OIT, que considera a negociao
coletiva como uma iniciativa vlida a ser estimulada, para que o Estado e seus
servidores valham-se da possibilidade de construo consensual de soluo de conflitos
jurdico-estatutrios, e que determina sejam tomadas medidas adequadas s condies
nacionais.
Nesse conceito de medidas adequadas h de ser considerada implcita a
submisso s balizas constitucionais. Eis os dispositivos citados:
ARTIGO 7
Quando necessrio, devem ser tomadas medidas adequadas s condies nacionais para encorajar e promover o desenvolvimento e utilizao dos mais amplos processos que permitam a negociao das condies de trabalho entre as autoridades pblicas interessadas e as organizaes de trabalhadores da funo pblica ou de qualquer outro processo que permita aos representantes dos trabalhadores da funo pblica participarem na fixao das referidas condies.
ARTIGO 8
A resoluo dos conflitos surgidos a propsito da fixao das condies de trabalho ser procurada de maneira adequada s condies nacionais, atravs da negociao entre as partes interessadas ou por um processo que d garantias de independncia e imparcialidade, tal como a mediao, a conciliao ou a arbitragem, institudo de modo que inspire confiana s partes interessadas. (grifamos)
Tendo presentes todas as consideraes doutrinrias e jurisprudenciais referidas
neste estudo, seria de se indagar se o Congresso Nacional e a Presidncia da Repblica
estariam, com a internalizao da Conveno n 151 da OIT, afrontando a Constituio
Federal e as decises do STF no sentido de inadmitir a negociao coletiva no setor
pblico.
A resposta evidentemente negativa. O que se pretende a construo de uma
alternativa normativa, constitucionalmente sustentvel, apta a lidar com as situaes
24
-
concretas vivenciadas nas administraes pblicas de todos os nveis da federao em
que os servidores e seus representantes sindicais pleiteiam uma maior participao na
conformao das normas que regem suas vidas funcionais, respeitadas, obviamente, as
determinaes constitucionais.
A internalizao da Conveno n 151 foi decisiva, resta uma legislao de
mbito nacional que a detalhe e aprimore.
4 A CONSTRUO DE UM CONCEITO CONSTITUCIONALMENTE VIVEL: MODELO TEMPERADO DE NEGOCIAO COLETIVA NO SETOR PBLICO
A sucesso de eventos legislativos e jurisprudenciais envolvendo a extenso da
negociao coletiva ao setor pblico impe a necessidade de fixao de parmetros
conceituais adequados questo.
Trata-se de importante instrumento de autocomposio dos conflitos estatutrios
envolvendo servidores pblicos, e seus representantes sindicais, e o Estado, que traz
embutido significativo potencial de produo de transformaes nessas relaes.
A primeira significativa transformao ser o deslocamento do eixo dos debates
envolvendo pautas remuneratrias e de organizao das carreiras dos servidores
pblicos, que deixaro de ser travados no mbito das milhares de aes judiciais
existentes e passaro a ocupar as mesas permanentes e emergenciais de negociao.
Os servidores e o Estado-administrador passaro a ser os protagonistas e responsveis
pela soluo de seus conflitos, no mais o Estado-juiz.
Consequncia imediata desse novo protagonismo ser a importante reduo das
inmeras demandas que so anualmente ajuizadas. Caminhar-se- para uma saudvel,
possvel e desejada desjudicializao das demandas dos servidores pblicos.
Outra relevante alterao ser a maior qualificao tanto dos servidores e de seus
representantes sindicais, como dos representantes do Governo, que passaro a ter que se
preparar adequadamente para debates cada vez mais tcnicos e especficos.
Os representantes do Estado e os representantes sindicais dos servidores no
tero, entretanto, o poder de afastar as condicionantes impostas pela CF e pela
legislao infraconstitucional de regncia na busca de solues aos conflitos jurdico-
estatutrios.
25
-
Essas condicionantes devem ser consideradas requisitos indispensveis
perfectibilizao do processo de negociao coletiva no setor pblico.
Em outras palavras, no basta que os negociadores de parte a parte se sentem
mesa de negociao e construam uma alternativa poltica, econmica e jurdica ao pleito
trazido por servidores pblicos.
A soluo ter, necessariamente, que ser submetida aos parmetros
constitucionais e legais referentes ao princpio da reserva legal, prerrogativa de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, observncia das balizas
oramentrias e aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Registre-se, ainda, que a negociao coletiva dever obedecer aos parmetros
estabelecidos pela Conveno n 151 da OIT, internalizada pelo Decreto n 7.944, de
2013.
Lei nacional, que detalhe e aprimore o processo de negociao coletiva e vincule
as administraes pblicas de todos os entes federados, deve atentar para essas balizas.
Nem se alegue que o texto constitucional expresso ao no estender aos
servidores o direito negociao coletiva, consoante o disposto no 3 do art. 39 da CF.
Como vimos, o que inadmissvel e insustentvel constitucionalmente a
adoo, sem qualquer ponderao, da negociao coletiva, desconsiderando as balizas
constitucionais referentes ao princpio da reserva legal, ao equilbrio oramentrio-
financeiro e responsabilidade fiscal.
Simplificando o argumento: a negociao coletiva pura, transportada da
experincia trabalhista privada, inconstitucional quando aplicada ao setor pblico; a
negociao coletiva temperada, obedecidas as balizas constitucionais, nos termos da
Conveno n 151 da OIT, totalmente compatvel com a Constituio de 1988.
H que se registrar, por honestidade intelectual e resgate histrico, que o modelo
temperado de negociao coletiva que se defende neste texto fiel solitria e corajosa
manifestao do Ministro Marco Aurlio no julgamento da ADI n 492, em que
sustentava a possibilidade de interpretao conforme a Constituio para admitir a
negociao coletiva no setor pblico harmonizada com os demais preceitos
constitucionais relacionados s prerrogativas do Estado na conduo das questes
referentes aos servidores pblicos.
26
-
Eis importante trecho da manifestao de Sua Excelncia18:
De qualquer maneira, dentre as interpretaes possveis, deve ser agasalhada a que conduza compatibilidade do texto com a Carta. Impossvel concluir pela inconstitucionalidade de um preceito de lei mediante presuno discrepante da normalidade, sendo que do administrador somente pode esperar-se procedimento harmnico com os princpios que norteiam os atos da Administrao Pblica. Frente s limitaes constitucionais, as negociaes com os servidores certamente no tero a amplitude daquelas ligadas ao setor privado, mas da exclu-las olvidar o prprio texto constitucional alm de retroagir-se a fase em relao qual no se deve guardar saudade. (grifamos)
Adotando um maior rigor tcnico na anlise dos institutos jurdicos, chegar-se-,
inclusive, concluso de que nem mesmo no setor privado a negociao coletiva
ilimitada. As balizas legais postas pela legislao protetiva do trabalho ho de ser o
limite das negociaes coletivas engendradas por trabalhadores e empregadores e seus
respectivos sindicatos.
Veja-se, nesse sentido, o trecho da lavra de Guilherme de Morais Mendona19:
, sem sombra de dvida, a negociao coletiva expresso maior do exerccio e concretude do princpio da autonomia privada coletiva, tudo fincado na liberdade sindical. A importncia do exerccio da autonomia privada coletiva em sede negocial, entretanto, no poder ser levada a extremos, negando-se o fim do direito do trabalho ou da prpria legislao estatal. O carter instrumental da autonomia privada coletiva no processo negocial flexibilizante haver de ter limites. Na confeco da norma autnoma, mesmo que interlocutores sociais enveredem por determinados caminhos ou solues flexibilizantes, no se haver de aceitar que estes atentem contra determinados marcos fundamentais do direito do trabalho. Nesse sentido, deve-se asseverar que a busca de um maior dinamismo empresarial ou reduo de seus custos no justificam a defesa de situaes no mundo laboral que antecedem a prpria formao do direito do trabalho, atentando contra a higidez do labor. Outrossim, determinados direitos trabalhistas havero de ser indisponveis, previstos em normas de ordem pblica, onde a autonomia da vontade no poder atuar. (grifamos)
A admisso da negociao coletiva no setor pblico, a internalizao da
Conveno n 151 e da Recomendao n 159 da OIT, promovida pelo Decreto
n 7.944, de 2013, e a aplicao de suas balizas negociao emergencial que antecede
as greves so medidas indispensveis modernizao e evoluo das relaes entre o
Estado e seus servidores. 18 Excerto do voto do Ministro Marco Aurlio no julgamento da ADI n 492, s fls. 126 do acrdo. 19 Op. cit., pp. 58-59.
27
-
CONCLUSO
O debate sobre a negociao coletiva no setor pblico est definitivamente
inserido na agenda dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio.
Trata-se de buscar uma alternativa normativa vivel, constitucionalmente
sustentvel, que fomente a autocomposio dos conflitos, densifique os direitos sociais
dos servidores pblicos e reduza a judicializao dessas demandas.
No razovel supor que a CF tenha admitido, expressamente, o direito livre
associao sindical dos servidores, em seu art. 37, inciso VI, o direito de greve no inciso
VII do mesmo artigo, e no tenha admitido a negociao coletiva, obedecidas as balizas
constitucionais.
Fosse verdadeira essa construo, estaria desmontado o clssico eixo que
sustenta as relaes trabalhistas, e, por extenso, as relaes jurdico-estatutrias,
composto por: livre organizao sindical, negociao coletiva e direito de greve.
imperiosa, portanto, a construo de base normativa que: i) reafirme a
possibilidade de livre organizao dos servidores para reivindicar o que consideram
seus direitos; ii) crie espao possvel de negociao, submetido aos limites
constitucionais e legais; e, por fim, iii) viabilize o exerccio do direito de greve, na
hiptese de as negociaes resultarem infrutferas.
Afronta a razoabilidade supor que o constituinte originrio tenha pretendido
romper essa lgica e ofertar sociedade brasileira uma alternativa que fomente o
conflito e o caos, de todo prejudicial populao, toda vez que pautas remuneratrias
ou referentes estruturao de carreiras dos servidores pblicos federais, estaduais,
distritais e municipais estejam sob discusso.
A negociao coletiva envolvendo representantes do Estado e de seus servidores
pblicos prtica implementada h vrios anos, por vrios governos, em todos os nveis
da federao, que resulta em posterior encaminhamento ao Parlamento, quando o
caso, de projetos de lei ou de medidas provisrias que materializam o negociado.
H que se afastar, neste momento, o equvoco de atrelar a interpretao
constitucional a precedentes que no devem ser aplicados hiptese que se pretende
normatizar.
28
-
H que se evitar a armadilha da jurisprudncia precedentalista acrtica sobre a
qual nos alertara Canotilho.
Sustentamos, em complemento, por tudo que foi exposto, a desnecessidade de a
Constituio Federal ser alterada para admitir a figura da negociao coletiva no setor
pblico brasileiro.
Basta que a legislao ordinria, a um s tempo, fomente a negociao coletiva e
promova a compatibilizao do estmulo soluo pactuada das crises envolvendo o
Estado e seus servidores com as exigncias constitucionais e legais que dizem respeito
prerrogativa da iniciativa legislativa dos Poderes em assuntos relacionados
remunerao e regime jurdico de seus servidores, ao equilbrio oramentrio e
responsabilidade fiscal.
A elaborao de tal norma nacional que vincule a administrao pblica da
Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios ser sada constitucional e
inovadora na soluo de recorrentes crises envolvendo servidores e o Estado, que
abarrotam o Poder Judicirio e resultam, na maioria dos casos, na interrupo ou na
precarizao da prestao de servios pblicos essenciais para a sociedade.
BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 11 ed.. So Paulo: Malheiros Editores, 2001.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Tribunal Constitucional, Jurisprudncias e Polticas Pblicas. Disponvel em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html. Acesso em 8 de agosto de 2013.
CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 19 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
CONCEIO, Maria da Consolao Vegi da. A greve no servio pblico: elementos conceituais e o debate em torno da sua regulamentao. mbito Jurdico, Rio Grande, XI, n. 52, abr. 2008. Disponvel em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2685. Acesso em 8 de agosto de 2013.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 13 ed.. So Paulo: Atlas, 2001.
29
-
30
GRAU, Antonio Pedro Baylos. Tendencias de cambio em las reglas de accin colectiva em Europa Occidental (Francia, Itlia, Espaa). THOM, Candy Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
LIMA, Francisco Grson Marques de. O STF na crise institucional brasileira. Estudo de casos: abordagem interdisciplinar de sociologia constitucional. So Paulo: Malheiros Editores, 2009.
MADEIRA, Jos Maria Pinheiro. Servidor Pblico na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
MARINELA, Fernanda. Servidores Pblicos. Niteri: Impetus, 2010.
MARQUES, Rafael da Silva. Conflitos entre normas coletivas de autocomposio: repensando a tcnica do conglobamento. THOM, Candy Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdio Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. So Paulo: Saraiva, 1996.
MENDONA, Guilherme de Morais. Da negociao coletiva: fundamentos, objetivos e limites. THOM, Candy Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. So Paulo: Atlas, 2004.
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Servidores Pblicos. 2 ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Princpios gerais de direito sindical. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A negociao coletiva de trabalho como instrumento de pacificao social. THOM, Candy Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SEGOVIA, Amparo Merino. Descentralizacin productiva, sindicalismo y negociacin colectiva: incidencias, efectos e consecuencias en Espaa.
THOM, Candy Florncio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Orgs.). Direito Coletivo do Trabalho: curso de reviso e atualizao. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Malheiros Editores, 1999.
Introduo1 A Negociao Coletiva no Setor Privado e no Setor Pblico: o que preveem a Constituio Federal de 1988 e a legislao infraconstitucional sobre o tema?2 A posio do Supremo Tribunal Federal sobre a Negociao Coletiva no Setor Pblico: subutilizao do Mtodo Decisrio de Interpretao conforme a Constituio3 A adoo pelo Estado Brasileiro e internalizao da Conveno N 151 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT): efeitos sobre o debate4 A Construo de um Conceito Constitucionalmente Vivel: Modelo Temperado de Negociao Coletiva no Setor Pblico ConclusoBibliografia