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GUILHERMINA MARIA LOPES DE CARVALHO
PRINCPIOS DE OBSERVAO EM TRS OBRAS
HISTORIOGRFICAS PANORMICAS SOBRE A
MSICA BRASILEIRA
CAMPINAS
2013
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minha me, a maior incentivadora deste trabalho. A Luciana Jukemura (in memoriam), grande inspirao em ensino de Histria.
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AGRADECIMENTOS
profa. Dra. Lenita Nogueira, pela confiana e pacincia durante a
orientao deste trabalho.
Aos profs. Drs. Edmundo Hora e Ricardo Goldemberg, pela acolhida no
incio deste processo.
CAPES, pelo financiamento desta pesquisa entre outubro de 2011 e
maio de 2012 e FAPESP, pelo financiamento entre junho de 2012 e agosto de
2013.
Ao Sr. Vasco Mariz, pela disposio em colaborar com esta pesquisa,
recebendo-me em sua casa para uma entrevista.
Aos profs. Drs. Disnio Machado Neto e Suzel Reily, pelas valiosas
observaes durante o exame de qualificao.
Aos profs. Drs. Disnio Machado Neto, Jos Roberto Zan, Mnica
Vermes e rica Giesbrecht, pela disposio em participar da banca de defesa.
Ao Vincius Moreno de Sousa Corra, pelo auxlio com os
procedimentos relativos s bolsas e auxlios. Aos funcionrios da secretaria de
ps-graduao, da Biblioteca do instituto de Artes e da diviso de obras raras e
colees especiais da Biblioteca Central Cesar Lattes, pela gentileza e ateno.
A todos os professores e colegas do programa de ps-graduao em
msica da UNICAMP, pelas discusses e sugestes durante as disciplinas.
Aos meus pais Nilton Jos Lopes e Maria Zilda de Carvalho Lopes, pelo
apoio incondicional durante os meus estudos.
A todos os meus familiares e amigos, especialmente os que estavam
mais prximos durante este curso, pela troca de ideias, momentos de
descontrao e compreenso dos perodos de ausncia. Ao Volnei dos Santos,
pela presena e apoio em cada momento deste processo.
Aos alunos da disciplina Histria da Msica Brasileira e professora
Lenita, pela oportunidade de aprendizado durante o estgio docente.
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Nem tudo o que escrevo resulta numa realizao, resulta
numa tentativa. O que tambm um prazer. Pois nem em
tudo eu quero pegar. s vezes quero apenas tocar. Depois o
que toco s vezes floresce e os outros podem pegar com as
duas mos.
Clarice Lispector
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RESUMO
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Palavras-chave: Guilherme de Mello, Luiz Heitor Correa de Azevedo, Vasco
Mariz, Historiografia Musical Brasileira, Musicologia Histrica.
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ABSTRACT
Based on a conception of History as interpretive discourse, we aim to analyze three historiographical works, written in three distinct moments in the 20th Century: A musica no Brasil desde os tempos coloniaes ate o primeiro decenio da Republica (1908), by Guilherme de Mello, 150 anos de musica no Brasil (1800-1950) (1956), by Luiz Heitor Correa de Azevedo and Histria da Msica no Brasil (1981), by Vasco Mariz. We aim to point out aspects of the biographies of the authors, the politic and social context, methodological aspects of their works, their main theoretical references, the personalities and institutions mentioned, as well as their concepts on popular and classical music and their approach to issues of race, gender and nation. A strong relation between nationalism and music, reflected in the division of chapteestablishment of an artistic canon was observed in the three books. We conjecture the relation between nationalism in the texts and national exaltation typical of the moments when the books were written (respectively, the beginning of the Republican era, the Vargas/Kubitschek presidency and the military government). Modernist ideals are also pointed as an influence on approach to musical nationalism. Popular music is regarded as inferior, and as raw material for the development of a national classical music. The composers Father Jos Maurcio Nunes Garcia and Carlos Gomes are highlighted in all the three books, although their biographies are lesser and lesser fanciful and their importance in the canon of great artists is gradually relativized. The number of women, especially composers, depicted in Brazilian music historiography has progressively risen, though men are still preponderant. A transition from a bio-sociological methodology (in which Brazilian musical identity is determined by racial, environmental and cultural factors) to an approach centered in musical aspects was noticed. We also observed the lack of panoramic historiographical works specifically directed to undergraduate and graduate students. However, the utility of the available material as research source, in dialogue with the recent academic production, has to be remarked. Above all, one must have in mind that any discourse, past or present, is historically situated. Keywords: Guilherme de Mello, Luiz Heitor Correa de Azevedo, Vasco Mariz, Brazilian Music Historiography, Historical Musicology.
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Lista de Figuras
Fig. 1 Casa Pia e Colgio de rfos de S. Joaquim Salvador ........................ 18
Fig. 2 - Luiz Heitor .................................................................................................. 64
Fig. 3 - Vasco Mariz ............................................................................................ 132
Fig. 4 - Diagrama 1: o nacionalismo nas trs obras ............................................ 177
Fig. 5 - Diagrama 2: Personalidades, instituies e gneros destacados ........... 178
Fig. 6 Diagrama 3: A presena feminina .......................................................... 179
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Lista de Siglas e Abreviaes
ABM Academia Brasileira de Msica
APCA Associao Paulista de Crticos de Arte
FAO Food and Agriculture Organizations
GL Guilhermina Lopes
IBECC Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura
IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
INM Instituto Nacional de Msica
MIS Museu da Imagem e do Som
OEA Organizao dos Estados Americanos
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
VM Vasco Mariz
http://www.unesco.org/http://www.unesco.org/ -
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SUMRIO
Introduo e Reviso bibliogrfica ...................................................................... 1
Captulo 1 A msica no Brasil, desde os tempos coloniaes ate o primeiro
decnio da Repblica, de Guilherme de Mello
1.1 - .........................................................................
1.2 - .................................................................
1.3 - .............................................
1.4 - ................................................................................................
1.5 - ...............................................................
1.6 - .......................................
1.7 - ...........................................................
1.8 - ................................................................
1.9 - ...................................................................................
1.10 - .......................................................................................
Captulo 2 150 anos de msica no Brasil, de Luiz Heitor Correa de Azevedo
2.1 - .........................................................................
2.2 - .................................................................
2.3 - ................................................................................................
2.4 - .................................................................
2.5 - .............................................
2.6 - .......................................
2.7 - ..........................................................
2.8 - ..............................................................
2.9 - .................................................................................
2.10 - .....................................................................................
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3.1 - .......................................................................
3.2 - ..........................................
3.3 - ............................................
3.4 - ...............................................................................................
3.5 - ..................................................................
3.6 - ......................................
3.7 - ..........................................................
3.8 - ...............................................................
3.9 - ..................................................................................
3.10 - .....................................................................................
Consideraes Finais ....................................................................................... 173
Referncias ........................................................................................................ 181
Anexos ............................................................................................................... 191
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Introduo e Reviso Bibliogrfica
Este trabalho nasceu do contato com algumas obras historiogrficas
panormicas1 sobre a msica brasileira e da percepo, nesses textos, de juzos
estticos e ideolgicos, mais ou menos explcitos, e de fronteiras pouco definidas
entre a musicologia e a esttica musical. Intrigava-nos o fato de no terem
surgido, nas ltimas duas dcadas, novas obras nesse modelo, escritas por um s
autor, apesar de as antigas publicaes serem ainda frequentemente utilizadas no
contexto didtico, seja como orientadoras de programas de Histria da Msica em
conservatrios, itens presentes em bibliografias de exames vestibulares, de
seleo de ps-graduao, ou at mesmo em bibliografias de programas de
disciplinas nesses dois nveis.
Era perceptvel um descompasso entre essas obras e a produo
acadmica brasileira, eminentemente monogrfica e centrada na pesquisa
documental e anlise musical, enquanto as obras panormicas apresentavam
abordagens marcadamente biogrficas, norteadas, na maioria das vezes, pelo
desejo de estabelecimento de um cnone dos grandes artistas e obras.
Diante dessas questes, procedemos a um levantamento de textos,
nacionais e internacionais, que discutissem questes terico-metodolgicas em
musicologia e historiografia musical.
O primeiro livro com que tivemos contato e que reflete especificamente
sobre a historiografia musical Grundlagen der Musikgeschichte (Fundamentos
da Histria da Msica) (1977), do musiclogo alemo Carl Dahlhaus, Esto
presentes no livro questes relativas natureza do conhecimento histrico, ao
papel do historiador e ao que deve ser o objeto dessa historiografia. O autor
observa criticamente as abordagens em Historiografia Musical em seu tempo,
alm de tratar brevemente da Historiografia em perodos anteriores. Busca uma
1 Por panormicas, entendemos as obras historiogrficas que buscam abordar desde o perodo colonial at a
contemporaneidade do autor.
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ser enfatizado: a Histria Social ou a Histria dos Estilos? O autor parece defender
esta ltima, mas considera a histria a partir das mudanas dos ideais estilsticos,
historiografia a partir das obras, mas conectadas e relacionadas entre si. Critica o
ecletismo muitas vezes presente na metodologia historiogrfica. Em alguns
momentos, parece defender uma abordagem formalista, embora tambm a
critique, visualizando alguns pontos fracos, que talvez se resolvessem se
complementados com uma histria da recepo. O musiclogo afirma que os
documentos revelam o pensamento do autor, no necessariamente a realidade
(DAHLHAUS, p. 35, traduo nossa)2. Afirma que os fatos podem ser conectados
de mltiplas formas por diferentes pesquisadores. Reconhece a participao ativa
do historiador na reconstruo da cadeia dos fatos. O sujeito histrico o que
permite sua inteligibilidade; sem sua atuao, a histria constituiria apenas
fragmentos desconexos. Nessa afirmao, reconhece tanto o papel do historiador
na reconstruo dos fatos, quanto do compositor na construo das obras.
Dahlhaus, contudo, no to radical no entendimento da
discursividade da Histria. Acredita na possibilidade de uma histria das
ainda uma historiografia de grandes obras, paradigmticas de ideais estilsticos.
Questiona a mudana de perspectiva que se dava na historiografia musical de seu
tempo, ao se buscar abordar tambm as obras e artistas tidos como menores.3
Encontramos similaridades leitura por ns realizada no artigo Arte
musical e pesquisa historiogrfica: Uma reflexo tensa de Carl Dahlhaus em
Foundations of Music History publicado em 2007, onde o brasileiro Slvio Merhy
faz uma resenha crtica da referida obra. Segundo o pesquisador, o livro se
2 Traduo realizada a partir da traduo para o ingls: Foundations of Music History (1983).
3 O termo utilizado na edio inglesa trivial music.
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inscreve numa tradio de textos caracterizados pela discusso de idias, muitas
vezes apresentados sem referncia aos livros e autores de onde foram extradas.
A nica referncia explicitada por Dahlhaus Historik, coletnea de textos do
historiador alemo Johann Gustav Droysen (1808-1884) (p. 9).4
Merhy aponta a inteno de uma abordagem de ideais estilsticos e da
detectados tanto nas intenes do compositor, quanto na estrutura das peas,
devidamente analisadas de acordo com a histria das formas e dos gneros, e
evento
Dahlhaus aposta no afastamento entre Histria da Msica e Histria poltica.
passado pertence ao presente como msica e no como prova
Merhy
acrescenta que o musiclogo ope-se viso do texto musical como unidade
autnoma da linguagem, depsito de significaes compreendidas em si mesmas.
Outro importante texto com que tivemos contato Contemplating Music,
do americano Joseph Kerman5. Sua publicao, em 1985, revela um esforo de
compreenso do desenvolvimento da musicologia e das perspectivas para as
dcadas seguintes. O autor se prope examinar certas linhas de pensamento em
musicologia e em disciplinas afins, linhas essas que, em suas prprias palavras,
disciplinas e a crescente orientao da
1985, p. 29).
Em 1989, Rgis Duprat, no artigo Evoluo da Historiografia Musical
Brasileira, atesta a inexistncia e alerta para a necessidade de estudos crticos
4 Atuante num momento de autonomizao e delimitao da histria enquanto disciplina acadmica,
Droysen procura defini-la em relao filosofia e s cincias naturais. Diferentemente da primeira, seria de natureza emprica, no especulativa, porm, ao contrrio das cincias naturais, no se basearia em leis gerais. Nas palavras de Pedro Caldas (2006, p. 97), Droysen entende a historiografia como a apresentao de uma investigao metodologicamente controlada da experincia humana. 5 Traduzido para o portugs como Musicologia.
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(partituras, registros fonogrficos/videos, tratados, informaes sobre as
atividades pedaggicas, etc.) que influenciaram o gosto e a criao musical entre
ns. De acordo com o autor (p. 33)
contribuio prospectiva diagnosticando, pelo menos, as lacunas de nossa
O musiclogo traa um panorama da historiografia musical brasileira,
dividindo-a em trs perodos, relacionados Histria do Brasil e Histria da
literatura brasileira: colonial, romntico, marcado pela Independncia e moderno-
contemporneo, marcado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Destaca o
projeto nacionalista como norteador da historiografia nesses dois ltimos perodos.
Aponta a no identificao da musicologia coeva, j inserida no meio acadmico,
com a produo historiogrfica precedente.
Considera o aumento das pesquisas documentais sobre o perodo
colonial uma reao insistncia em manter padres estticos oriundos de um
projeto nacionalista que vem desde o romantismo. A pesquisa documental seria o
grau mais alto at ento alcanado de evoluo da historiografia musical
brasileira.
Leonardo Tramontina, em artigo publicado em 2009, realiza uma breve,
porm lcida anlise da situao da disciplina Histria da Msica no contexto
norte-americano, considerando, inclusive, aspectos filosficos e metodolgicos da
historiografia musical na 2a metade do sculo XX. O pesquisador constata que
estudiosos europeus e norte-
tradicionais da historiografia musical, mais crticas e prximas aos estudos
contemporneos da antropologia e da histria cultural, e menos atadas
Tal anlise volta-se, no final do texto, para questes
relativas situao da disciplina na graduao brasileira, como a falta de
pesquisas em pedagogia da Histria da Msica, a heterogeneidade das turmas e
das abordagens didticas da disciplina e o descompasso entre a formao do
musiclogo brasileiro (mais voltado para a atividade de pesquisa, fortemente
especializado, pouco voltado para a crtica), e as demandas da atuao docente.
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Tivemos tambm contato com o artigo de Myriam Chimnes.
Musicologia e Histria: ,
publicado originalmente em 1998 e traduzido no Brasil em 2007. A musicloga
cincias
.
Observa, contudo, uma recente tomada de conscincia de ambas as partes,
sobre ela mesma e a abertura de dilogo com as outras disciplinas das cincias
Diante da necessidade constatada de uma aproximao interdisciplinar,
buscamos contato com obras da teoria da Histria. Dois livros vieram ao encontro
do nosso pensamento com relao s questes acima discutidas e tiveram papel
fundamental no desenvolvimento desta pesquisa.
O primeiro deles A histria repensada (Re-thinking History), do ingls
Keith Jenkins, publicada originalmente em 1991, onde o autor reflete sobre a
histria na ps-modernidade. Em A Condio Ps-Moderna (1979), o filsofo
francs Jean-Franois Lyotard assinala como principal caracterstica da ps-
modernidade a incredulidade ante as metanarrativas. Trata-se da crescente perda
de sentido dos discursos fundamentados em vises totalizantes da histria, que
buscavam dar sentido evoluo ocidental e propunham solues para a
humanidade, a partir de determinadas regras de conduta poltica e tica - por
exemplo, o Iluminismo, o Marxismo e o Positivismo. Apoiado em Lyotard e no
ceticismo de historiadores precedentes, como o norteamericano Hayden White,
Jenkins defende a radical distino entre passado e histria. Para o autor, o
historiadores, registrado em artigos, livros, documentrios, etc. A histria no seria
o passado e, sim, um conjunto de discursos interpretativos sobre o passado.
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Poder-se-a, portanto, dizer que o estudo da Histria , basicamente, um estudo
da historiografia sobre determinado tema.
Entender a inerente subjetividade do discurso histrico no faz com que
desacreditemos definitivamente da disciplina. Mostra-nos apenas a necessidade
de explicitarmos a natureza discursiva do mtier, e sua consequente fragilidade
epistemolgica, bem como a nossa localizao (histrica, geogrfica,
metodolgica, ideolgica...) - e a dos autores estudados - enquanto historiadores
da msica. Se, por um lado, identificamo-nos com Jenkins no entendimento da
histria como discurso interpretativo, encontramos na aproximao da histria com
outras disciplinas das cincias humanas e artes, assinalada em O que histria
cultural? do tambm ingls Peter Burke, um promissora abordagem metodolgica.
Na referida obra, publicada originalmente em 2004, Burke traa um panorama de
diversas abordagens que influenciaram a chamada Nova Histria Cultural,
apontando, inclusive crticas e fragilidades dessa abordagem, de fronteiras
disciplinares difusas. Chamaram-nos a ateno, nos tpicos abordados no livro, o
olhar da histria, normalmente voltada a questes polticas, para novos objetos
vesturio, costumes, corpo, leitura, etc - bem como a descrio de uma
abordagem, inicialmente associada a um grupo de historiadores italianos da
dcada de 70, como Carlo Ginzburg, Giovanni Levi e Edoardo Grendi: -
ratava-se, segundo Burke, da reao a uma histria de matriz
evolucionista, teleolgica e unvoca, c
valores das culturas regionais passam a ser cada vez mais valorizados. Burke, ao
abordar a micro-histria, traa um paralelo entre a crtica grande narrativa
histrica e s tentativas de estabelecimento de um cnone da literatura e arte
ocidental.
A questo da abordagem linear e da tentativa de formao de um
cnone artstico, detectada nas obras por ns analisadas revelava-se um ponto
crtico e, ao mesmo tempo, uma necessidade. Os limites temporais e espaciais
concernentes elaborao de um livro ou programa de curso implicam na
necessidade de seleo temtica e metodolgica. Selecionando, possvel no
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canonizar? Quanto abordagem historiogrfica linear, se por um lado, pode
sugerir uma equivocada viso evolucionista, no necessria ao estabelecimento
de uma coerncia e coeso textual?
Disciplining Music (1996) Musicology and its canons, organizado por
Catherine Bergeron e Philip Bohlman proporcionou muitas reflexes e
esclarecimentos acerca dessas questes. Destacamos aqui o captulo Musics and
Canons, onde Bohlman ressalta, ao mesmo tempo, a inevitabilidade e a
pluralidade dos processos de formao de cnones, compreendidos de vrias
formas pela prpria musicologia. Segundo o autor, os cnones construdos sobre
definies do que a msica era e no era. O argumento da disciplina, isto , da
diviso do campo de estudo, acabava por encobrir racismo, colonialismo e
sexismo, excluindo msicas, pessoas e culturas. Todavia, independentemente da
intencionalidade de juzos valorativos, escolhas so sempre necessrias.
Dada a vastido de repertrios musicais e potenciais experincias musicais, os musiclogos so responsveis por escolher alguns, justificando-os em relao aos outros no por um consenso cultural. Criar cnones e fundament-los uma tarefa normativa para os musiclogos. (p. 199, traduo e grifos nossos).
Ir contra os cnones vigentes, segundo o autor, implica sempre
observa o autor mas eles nem
sempre foram centrais e no necessariamente o sero no futu
traduo nossa).
Bohlman observa ainda a relao entre canonizao e registro textual.
da partitura e/ou de textos que dela tratam. Tal obra torna-se cannica e seu
conhecimento passa a ser necessrio para o acesso a determinados nveis e a
conseqente atribuio de alguma autoridade (exames de seleo para cursos ou
concursos para a docncia so um exemplo). Os textos substituiriam a
temporalidade musical enquanto fenmeno oral, atribuindo obra uma
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atemporalidade musical. O autor observa, entretanto, que a temporalidade parece
estar ganhando mais espao que a atemporalidade. A musicologia, a seu ver, est
mais inclusiva do que nunca.
Partindo da viso do referido musiclogo ao definir a formao de
agen
203-205, traduo nossa), reconhecemos que a formao de cnones, apesar de
implicar invisibilizao, um processo inevitvel.
Semelhantemente ao texto de Bohlman, as reflexes do musiclogo
chileno Juan Pablo Gonzlez em Pensar la msica desde Amrica Latina (2013)
sugerem o entendimento da construo de cnones como um processo realizado
tanto a partir de centros como de periferias, as quais por sua vez, convertem-se
em centros, num constante desmembramento.
O que acontece ento quando a construo cannica se faz pelos que se sentem excludos? Reproduzimos as tendncias hegemnicas sem, na verdade, as reproduzir totalmente? Oferecemos cnones alternativos?
foco do debate em qualquer perodo em que artistas, crticos, filsofos ou telogos tratem de adaptar um corpo herdado de textos, prticas ou ideias s suas
o cnon contribui para criar tanto uma narrativa do passado como uma matriz do futuro. (pp. 281-283, traduo nossa).
Dos estudos consultados, o que mais se aproxima do propsito desta
pesquisa, qual proporcionou ampla fundamentao e dilogo, a tese de livre-
docncia de Disnio Machado Neto, defendida no ano de 2011. O autor se prope
estudar a abordagem do perodo colonial na historiografia sobre a msica
brasileira, ao mesmo tempo em que apresenta seu posicionamento enquanto
historiador. Principia por examinar como, na teoria da histria, ao longo do sculo
XX, o foco foi sendo transferido do fato para o discurso. Os prximos pargrafos
revelam o nosso entendimento da posio do autor, acrescido de contribuies de
outros trabalhos com que tivemos contato e que dialogam com as questes a
seguir apresentadas.
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O meio cientfico vivenciou, no final do sculo XIX, uma diviso na
busca do conhecimento. Ao mesmo tempo em que se definiam o universo e as
particularidades tericas e metodolgicas das diversas disciplinas, as cincias
sociais buscavam a sua autonomia. (MACHADO NETO 2011, p. 28). A legitimao
cientfica das humanidades passou, inicialmente, pela adoo de mtodos e
parmetros das cincias naturais. De acordo com Carvalho (in FREDRIGO et. al.,
2009) o discurso histrico definiu-se, nesse momento, como um discurso
cientfico, objetivo, racional, especializado e no ficcional, em oposio ao
discurso literrio, eminentemente artstico. Segundo Disnio Machado Neto, a
abordagem inicial da Histria como cincia enraza-se numa concepo da
histria
herdeira de racionalismo principia justamente na certeza que seria o fluxo
determinista do tempo a mola propulsora do estabelecimento de uma ordem
analisvel pela qual a condio social seria previsvel.
O historiador ingls Robin George Collingwood, ao afirmar, em The Idea
of History (1946), que em-se
como sequncia de meros eventos, questiona esse
processos de meros
acontecimentos, mas processos de aes; as quais possuem uma face interior
que consi tos formao
Desdobram- Como se forma a imagem e o discurso
da histria no presente? Ela teria um sentido teleolgico? Alis, ela teria um
sentido, ou seria apenas uma narrao permeada pela crtica do tempo vivido?
(MACHADO NETO, 2011, p. 31). A objetividade do discurso histrico estava,
portanto, posta em cheque.
O francs Marc Bloch define a histria como o estudo dos homens na
relao com o tempo, e no do tempo concretizado em passado. Em Apologia da
Histria ou O Ofcio de Historiador (1949 publicada postumamente) Bloch
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defendia a interdisciplinaridade como nico caminho para a compreenso do
contexto onde os fatos ocorriam. (MACHADO NETO, op. cit., p. 32)
Voltando aos ingleses, Edward Hallett Carr, em O que Histria?
(1961), entende o tempo como uma dimenso da conscincia humana. Para o
estudioso, a histria tem incio com a tomada de conscincia, pelos homens, de
acontecimentos especficos, em que eles esto conscientemente envolvidos e nos
quais podem interferir e influenciar. Alerta, porm, que a organizao dos fatos
pelo historiador dada no presente. (idem, ibidem). Para Machado Neto, em Carr
d- entre a crnica factual e a histria como exerccio de interpretao
Para o materialismo histrico6 essncia da histria seria explicitar os
conflitos de sentidos distintos de todas as esferas que formam a sociedade
(MACHADO NETO, 2011, p. 34). O historiador seria um elemento desse processo,
no um observador isento. A histria , nesse caso, teleolgica e linearmente
orientada, preservando ou transformando os valores que do sentido estrutura
social.
A partir da dcada de 70, a ateno da histria passa a se voltar cada
vez mais para o discurso que para o objeto. Passou-se a enfatizar a histria como
prtica discursiva, subjetiva, instvel para uma perspectiva cientfica. Jacques
Derrida, Gilles Deleuze e Michel Foucault defendiam a impossibilidade do
conhecimento histrico como fato e ganhavam impulso as concepes de
alteridade (Levinas); da horizontalidade do pensamento (Derrida) e da inerente
descontinuidade do presente e do passado (Foucault). Este ltimo autor, em As
Palavras e as coisas (1966), defende que as coisas no tm um significado ltimo,
revelando-se apenas com a interveno humana, pela atribuio de sentido.
Chegava-se concepo de que no havia paradigmas universais, mas histricos,
construdos pela experimentao do mundo e expressos na linguagem.
(MACHADO NETO, 2011).
6 Em sua explanao do materialismo histrico, Machado Neto baseia-se em O Cotidiano e a Histria (1992),
da sociloga hngara Agnes Heller.
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Os pragmticos, aqui representados pelo estadunidense Richard Rorty,
chamam a ateno para os usos que se fazem da histria, de acordo com os
interesses de um determinado grupo, em um determinado perodo. Rorty, embora
no se declarasse relativista, relativiza o conceito de verdade ao defin-la com
expresses enraza-se pela sua utilizao, ajustada aos interesses dos que delas
se servem. (MACHADO NETO, 2011, p. 36).
Segundo Machado Neto (op. cit), pragmticos, cticos e ps-modernos
vem a histria como apropriao de vestgios cuja apreenso no se d desde o
passado, mas desde o presente. A anlise historiogrfica levaria compreenso,
no apenas do discurso do autor, mas do contexto em que este se insere.
Perscrutar os discursos e seus modelos revela mais do que os inquritos documentais no tocante ao passado, revela, sobretudo, as particularidades dos autores como atores de um ambiente terico, poltico e social que os leva a desvelar princpios investigativos e suas teorias, mas, tambm, desejos e fantasias deles prprios como de toda uma comunidade com a qual retroagem. (p. 10)
O referido autor ressalta a condio humana do conhecimento histrico
e, portanto, tambm do musicolgico. Citando Edgar Morin, defende o dilogo
interdisciplinar que, ao mesmo tempo em que pode responder questes da
musicologia a partir de uma perspectiva externa, no elimina a fragilidade do
-o na complexidade e na aleatoriedade advinda da
singularidade individual de cada rea (MORIN, 2000, apud MACHADO NETO,
2011, p. 14). O reconhecimento dessa fragilidade epistemolgica , de certa
maneira, um exerccio de autoconhecimento, na medida em que leva percepo
do nosso prprio discurso como histrica, geogrfica e ideologicamente localizado.
as estruturas da transversalidade na qual
o prprio discurso de anlise se consubstancia afirmar a historicidade do prprio
projeto. p. 14).
[...] um mesmo fenmeno natural e social pode suscitar uma infinidade de interpretaes. Nesse vrtice das interpretaes possveis, as fronteiras
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12
das reas do conhecimento dissolvem-se, desse modo, intensificando a busca por modelos transversais que tratam precariamente de organizar o pensamento pela ao transdisciplinar. (p. 21).
Partilhando da viso de Katherine Bergeron, o autor aponta a
importncia, para o avano da musicologia, do reconhecimento dos cnones
historiogrficos, da proposio de alternativas de resistncia e mesmo do
reconhecimento de que os cnones e suas resistncias formam uma posio que
sempre revela a localizao do narrador: (BERGERON, apud MACHADO NETO, p
15).
Machado Neto, no artigo Unita Multiplex: por uma musicologia integrada
(2007), j observava que -
conceitual da rea [musicologia histrica] fora, primeiramente, um esforo de
(p. 26).
A presente dissertao busca atender ao primeiro propsito.
Realizamos inicialmente um levantamento das obras historiogrficas
panormicas publicadas, tendo encontrado os seguintes ttulos: A msica no Brasil
desde os tempos coloniaes at o primeiro decnio da Repblica (1908), de
Guilherme de Mello, Storia della musica nel Brasile dai tempi coloniali sino ai nostri
giorni (1926), de Vicenzo Cernicchiaro, Histria da Msica Brasileira (1926/1942),
de Renato Almeida, Msica do Brasil (1941), de Mrio de Andrade, Origens e
evoluo da msica em Portugal e sua influncia no Brasil (1942), de Iza Queirs
Santos, Histria breve da msica no Brasil (1945), do portugus Gasto de
Bettencourt, Histria da Msica Brasileira (1948), de Francisco Acquarone, A
msica no Brasil (1953), de Eurico Nogueira Frana 150 anos de msica no Brasil
(1800-1950), de Luiz Heitor Correa de Azevedo, Panorama da Msica Popular
Brasileira (1964) e Razes da Msica Popular Brasileira (1991), de Ary
Vasconcelos, Pequena Histria da Msica Popular: da modinha cano de
protesto (1974) e Histria Social da Msica Popular Brasileira (1998), de Jos
Ramos Tinhoro, Histria da Msica Brasileira: dos primrdios ao incio do sculo
XX (1976), de Bruno Kiefer, Histria da Msica no Brasil (1981), de Vasco Mariz,
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The Music of Brazil (1983), de David Appleby, as coletneas Msica Popular
Brasileira [2005] e Msica Erudita Brasileira [2006], publicadas na Revista Textos
do Brasil, do Ministrio das Relaes Exteriores, e Uma Histria da Msica
popular brasileira (2008), de Jairo Severiano. Aps um primeiro contato e
contextualizao das referidas obras, estabelecemos um corpus a ser analisado,
bem como alguns critrios de anlise.
Optamos por trs obras de autores brasileiros, escritas em portugus,
em pontos distintos e mais ou menos eqidistantes do sculo XX. Optamos pelo
livro de Guilherme de Mello por ser a primeira obra publicada nesse modelo e por
sua localizao num momento de grandes transformaes nacionais (recente
abolio da escravatura e proclamao da Repblica). Luiz Heitor, por sua vez,
redige seu livro num perodo de grande impulso desenvolvimentista e de
afirmao nacional, entre os governos Vargas e Kubitschek. No plano cultural, o
pensamento modernista e o Americanismo Musical de Curt Lange, bem como
suas novas propostas metodolgicas exerciam forte influncia sobre o autor. Em
sua atuao internacional, a divulgao da msica brasileira era uma de suas
principais preocupaes. Vasco Mariz, diplomata, tambm estava fortemente
envolvido com a divulgao internacional de nossa msica, mas seu livro foi
escrito para o pblico brasileiro. Optamos por sua incluso no corpus pela sua
grande quantidade de reedies e pela intrigante ausncia de obras posteriores
nesse modelo: de um s autor, tendo como foco a msica erudita brasileira.
Com relao aos critrios de anlise, iniciamos pela trajetria biogrfica
dos autores, complementada com dados sobre o contexto de elaborao das
obras. Buscamos situar os autores quanto ao contexto sociopoltico e cultural em
que se inserem, bem como quanto s circunstncias em que se deu a elaborao
dos textos - atuao profissional no momento, pblico a que o livro se destinava,
motivaes do autor, etc. Buscamos ainda indicar os procedimentos
metodolgicos utilizados (anlise musical, biografias, presena de iconografia e
sua relao com o texto, fontes consultadas, etc). Relacionadas metodologia
esto tambm as suas principais referncias tericas, que buscamos destacar,
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apontando sua influncia em alguns pontos dos livros analisados. A diviso
estrutural do livro, bem como as personalidades, obras e instituies destacadas
auxiliam a nossa compreenso dos critrios que nortearam, em cada obra, o
estabelecimento de um cnone artstico. Observamos nas referidas obras uma
estreita relao entre canonizao e abordagem do nacional em msica, o que
ser tambm o objeto do nosso estudo. Com relao conceituao e abordagem
de msica popular e erudita, outro dos critrios aqui estabelecidos, observamos
que apenas o livro de Vasco Mariz foi escrito num momento de separao das
abordagens historiogrficas sobre as duas vertentes, devido, segundo Elizabeth
Travassos (2003) crescente especializao dos conhecimentos. O espao e o
papel da mulher na historiografia tambm outro item considerado. Por fim,
buscamos analisar a presena e abordagem de questes relativas raa, quanto
a possveis juzos valorativos e relaes identitrias.
Tomamos por base a verso digitalizada da primeira edio do livro de
Guilherme de Mello, qual tivemos acesso via Google Books7. Buscamos
informaes biogrficas e contextuais a partir de trabalhos que mencionam o
autor, como a dissertao de Soares (2007) e a tese de Machado Neto (2011),
alm de enciclopdias, textos sobre o Colgio S. Joaquim, onde cresceu e atuou,
alm do prprio livro analisado. Quanto s referncias tericas, partimos dos
autores citados no prprio livro, buscando contextualiz-los ideologicamente. O
livro Cultura Brasileira e identidade nacional, de Renato Ortiz e o artigo A teoria da
obnubilao braslica na histria da msica brasileira (2008), de Maria Alice Volpe,
foram especialmente esclarecedores em relao s questes raciais, mesolgicas
e identitrias do perodo.
Quanto ao livro de Luiz Heitor, consultamos a edio de 1956, presente
na coleo Alexandre Eullio da seo de obras raras da Biblioteca Central Cesar
Lattes, na UNICAMP. As informaes biogrficas e contextuais foram-nos
fornecidas, sobretudo, pelas teses de Disnio Machado Neto, Jairo Cavalcanti e
7 Optamos por no nos basear nas reedies por no terem sido realizadas em vida e sob a coordenao do
autor.
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Henrique Drach (2011) - esta ltima traz em anexo um depoimento concedido por
Luiz Heitor ao Museu da Imagem e do Som em 1972, do qual tambm nos
servimos, bem como pelo livro Trs Musiclogos Brasileiros (1983), de Vasco
Mariz.
O prprio Mariz produziu bastante material que auxilia na compreenso
de sua trajetria e pensamento. Baseamo-nos em seu livro Trs Musiclogos
Brasileiros, onde figuram suas principais referncias tericas (Mrio de Andrade,
Renato Almeida e Luiz Heitor), em seu catlogo de obras, o qual contm um
extenso relato de sua trajetria, escrito a partir de palestra por ele proferida na
Academia Brasileira de Msica, bem como em duas entrevistas: uma realizada por
Ricardo Tacuchian em 2011 e publicada pela Revista Brasileira de Msica e outra
realizada pela autora deste trabalho na casa do musiclogo, no Rio de Janeiro, no
dia 19 de novembro de 2012.
Quanto s edies do livro, baseamo-nos inicialmente na primeira
(1981) e na 6 (2005), a mais recente de que dispnhamos, posteriormente
confrontada com a 8 (2012), que nos foi oferecida pelo prprio autor.
Segue-se a anlise dos trs livros, a cada qual foi dedicado um captulo
desta dissertao.
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1.1
Guilherme Theodoro Pereira de Mello nasceu em Salvador, em 26 de junho
de 1867, em uma famlia com fortes vnculos militares. Filho primognito de Pedro
Theodoro Pereira de Mello e Helena Francisca de Mello, ficou rfo de pai em
1876, aos nove anos de idade. Ingressou, ento, no Colgio de rfos de So
Joaquim, onde estudou at 1883, saindo a pedido de sua me. No Colgio, teve
formao em Primeiras Letras, Latim, Humanidades e Msica. Retornou
instituio em 1892, substituindo seu antigo professor Elisirio de Andrade na
funo de mestre de banda. Fundou no colgio tambm uma Schola Cantorum e
uma orquestra. (MARCONDES, 2000). A Casa Pia e Colgio dos rfos de So
Joaquim considerada a mais antiga instituio educacional em funcionamento no
Brasil. Foi fundada em 1799 pelo irmo leigo catarinense Joaquim Francisco do
Livramento, de passagem pela cidade, com o nome de Casa dos Meninos de So
Jos. Tinha por finalidade acolher menores rfos, dando-lhes formao
educacional humanstica, religiosa e profissional. Em 1826, um antigo convento
jesuta, desocupado desde a expulso da Companhia da colnia pelo Marqus de
Pombal em 1757, foi oficialmente designado pelo Imprio como sede do orfanato,
que passou a se chamar Colgio de So Joaquim, em homenagem ao seu
fundador. Atualmente funciona como um colgio interno para crianas carentes,
no necessariamente rfs, da capital e interior da Bahia (CONHEA, 2013). O
pioneirismo dessa instituio teria influenciado o estabelecimento de outras
instituies congneres, como o Colgio Pedro II e o Asilo de Meninos Desvalidos,
no Rio de Janeiro, o Instituto Amazonense de Educandos Artfices, no Par, e a
Escola de Aprendizes do Arsenal da Marinha, em Salvador. (BAHIA, 2012). Mello
atuou tambm como mestre de msica no Arsenal de Guerra da Bahia. (BAHIA,
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2012). Em seu livro, menciona ainda a atuao como professor substituto de
Princpios de Msica no Conservatrio de Msica da Bahia.
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8 Todas as citaes presentes neste trabalho esto transcritas literalmente, conforme a ortografia,
acentuao e pontuao utilizadas pelos autores.
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9auto: 1. Certo gnero dramtico de cunho moral, mstico ou satrico, com um s ato, originrio da Idade
Mdia. 2. Representao dramtica do ciclo natalino, com canes e danas (iDICIONRIO AULETE,2013).
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Artinhas eram manuais escritos por compositores brasileiros ou radicados no pas, em falta de livros publicados. Diferentemente do afirmado em Mello, estudos recentes tm revelado o alinhamento metodolgico desse material com a produo europeia coeva. Um exemplo a Arte Explicada de Contraponto, de Andr da Silva Gomes, mestre de capela da S de So Paulo no sculo XVIII. (DUPRAT et. al., 1998).
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De par com as modinhas e as modas portuguesas, a serranilha galleziana foi pouco a pouco se acomodando ao nosso clima e, recebendo a essencia de nossos campos, o aroma de nossas relvas, o perfume de nossos jardins, o cheiro de nossas flores, eleva no corao da mulher brasileira um novo altar, cujo sacrario iluminado pelo fogo puro e santo das vestaes, encerra ainda hoje a ambula do pabulo comunial e a
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O autor faz referncia ao Real Gabinete Portuguez de Leitura. Esse era o nome da biblioteca e sociedade de leitura fundada por imigrantes portugueses no Rio de Janeiro em 1837 (CATEDRAL, 2013). Entretanto, h tambm um Gabinete Portuguez de Leitura, tambm fundado por imigrantes portugueses em 1863, na cidade de Salvador (HISTRICO, 2013). Acreditamos que Mello se referia, na verdade, a este ltimo, uma vez que o livro foi publicado bem antes de sua mudana para o Rio de Janeiro, numa poca em que viagens dessa distncia, realizadas de navio, eram bastante trabalhosas e dispendiosas.
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anphora dos santos oleos que sagrara Cupido e Venus deuses do amor (MELLO, 1908, pp. 149-150).
Entretanto, quando traz ao texto memrias pessoais, Mello adota um
estilo mais prximo do coloquial.
Ainda em Janeiro de 1906 estando veraneando em S. Thom de Paripe, foi-me solicitada a permisso para dansar em minha casa o Rancho do Boi. Preparei-me com toda a satisfao para receber condignamente estes folies, unicos representantes dos nossos costumes tradicionaes. Deram nove horas, dez, onze, nada delles virem, cheguei a pensar que no viriam mais. Engano, que elles vinham de casa em casa, e a minha morada era uma das ultimas. S depois da meia noite foi que chegou a minha vez. (MELLO, 1908, p. 62).
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Para Romero, o negro seria um componente mais forte na formao do brasileiro do que o ndio, sendo que este ltimo estaria fadado ao desaparecimento.
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Tambm se faz presente no livro a influncia do positivismo, concepo
filosfica que considerava o mtodo da cincia como o nico vlido, devendo-se
(ABBAGNANO, 2000, p. 777). O francs Auguste Comte (1798-1857), principal
terico do Positivismo, enfatizava a ideia do homem como ser social e propunha o
estudo da sociedade por meio de mtodos e tcnicas empregados pelas cincias
naturais (CHAU, 2008). -
Cabe ressaltar, ainda,
(CASTRO, 2000).
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Letters from Italy with Sketches of Spain and Portugal, publicado em 1835.
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Em sua biografia do padre Jos Maurcio, Mello cita os Estudos
histricos (1899), de Antonio da Cunha Barbosa, scio do Instituto Histrico e
Geogrfico Brasileiro. Segundo comentrio de Pedro de Queiroz sobre o referido
livro, podemos perceber a semelhana entre o pensamento de Barbosa e o de
Mello, marcados ambos pelo determinismo histrico, pelo positivismo e pela
associao do desenvolvimento da arte fundao de um Estado nacional.
O artista por fora do seu tempo, do seu meio. O florir da arte no periodo estudado no foi to vigoroso, como exuberante, no foi to copioso de qualidade, como de quantidade. No o foi - facto - que comprova a tese de Viollet-le-Duc sem independncia no ha arte, nem artistas . Ento a liberdade era planta exotica, um mytho na colonia. Ainda hoje no engrossou raizes em materia politica. Para terminar, foi intuito do nosso auctor estudar o problema artistico como um retalho de historia, dar-lhe uma feio scientifica. (QUEIROZ, sem data).
A crtica musical tambm uma fonte recorrente e valorizada,
sobretudo quando o crtico tambm um msico. o caso da citao integral de
um longo texto de Vianna da Motta, cuja fonte no claramente indicada no livro.
Descobrimos tratar-se de um artigo publicado na revista portuguesa Amphion, em
30 de setembro de 1896. (CASCUDO, 2000). O pianista portugus elogia a
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administrao e o corpo docente do Instituto Nacional de Msica, bem como os
concertos realizados no Brasil na virada dos sculos XIX-XX. O intento de Vianna
. (VIANNA DA MOTTA, apud MELLO, 1908, pp. 298-308). Traz ainda,
originalmente tambm na Amphion, sem, no entanto, indicar a autoria do artigo
original.
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Mello provavelmente referia-em Portugal, queimado pela inquisio em 1739, aos 34 anos de idade.
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De acordo com Rogrio Budasz (2008), no h, de fato, nenhum registro da encenao da referida pera, cujo libreto, que teria vindo da Biblioteca Real em 1808, encontra-se atualmente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A citao de Mello constitui, na verdade, a transcrio sem indicao de referncia de um trecho de um artigo de Manuel de Arajo Porto Alegre, publicado em 1856 na revista do IHGB (PORTO
de ser que a composio nunca tenha sido terminada. 16
Observe-se que o Requiem de Jos Maurcio de 1816, enquanto o de Verdi, ao qual Taunay o compara, teve sua primeira apresentao em 1874, o que mostra, mais uma vez, que o presente do historiador sempre influencia sua (re)construo do passado. (BITHELL, 2006)
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No artigo A dana como alma da brasilidade: Paris, Rio de Janeiro e o maxixe (2007), Mnica Pimenta Velloso discorre sobre a recepo do gnero em Paris e em diversos setores da sociedade brasileira no incio do sculo XX. A autora associa o gnero criao de uma imagem de alegria, corporalidade e sensualidade do brasileiro, destacando a tenso entre seus defensores e crticos como um conflito de sensibilidades. O primado da viso, que implicaria na valorizao dos cdigos intelectivo-filosficos, remeteria valorizao da dana clssica, erudita, bem comportada posicionamento de Guilherme de Mello. Por outro lado, os defensores do maxixe valorizavam o tato, a concretude, o experimento do mundo.
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Partindo de uma viso crtica da elite burguesa paulistana e carioca da Belle poque, de gosto musical calcado no repertrio clssico-romntico europeu e que procurava imitar o modelo civilizatrio tendo como paradigma a cidade de Paris, o projeto nacionalista andradeano, discutido em seu Ensaio sobre a msica
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brasileira da msica popular -vanguardistas europeus (CONTIER, 2004). Seu conceito de msica popular baseava-
brasilidade internalizados em algumas obras escritas pelos compositores urbanos, tais como Marcelo Tupinamb,
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corifeu: 1. Regente ou diretor do coro do antigo teatro grego. 2. Pessoa de maior destaque ou influncia em um grupo. (HOUAISS, 2009, p. 550).
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Amlia de Mesquita (1866-1954) Pianista, irm do Compositor Carlos de Mesquita (seu primeiro professor). Aperfeioou-se na Frana, estudando piano com Antoine-Franois Marmontel, rgo com Cesar Franck e harmonia com mile Durand, entre os anos de 1877 e 1886. De volta ao Brasil, atuou como
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concertista. Comps peas para piano, canto e violino e, sobretudo, msica sacra. Foi a primeira brasileira a compor uma missa completa. (AMLIA DE MESQUITA, In SCHUMACHER, VITAL BRASIL, 2001, p. 45).
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