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Financiamento do SUSA luta pela efetivao do Direito Humano Sade

CEAP - Centro de Educao e Assessoramento Popular

ExpedientePublicao Frum Sul da Sade (PR,SC e RS) e Centro de Educao e Assessoramento Popular CEAP Elaborao do Texto Alessandra Schneider, Henrique Kujawa, Jair Andrade, Valdevir Both e Volmir Brutscher Colaborao Especial Gilson Carvalho Reviso do Texto - ortografia e linguagem Deborah Matte Ilustraes Leandro Bierhals Diagramao Rodrigo Oscar Roman Impresso Grfica Berthier Apoio Misereor Informaes CEAP - Centro de Educao e Assessoramento Popular Rua Senador Pinheiro, 304 Caixa Postal: 576 CEP: 99070-220 Fone: (54) 313 6325 [email protected] - Passo Fundo - RS Passo Fundo, agosto de 2005.

Sumrio1. Apresentao -----------------------------------------------------------4 2. Sugestes para a utilizao da cartilha ------------------------------6 3. Histria do financiamento dasade antes do SUS -----------------7 3.1 O mau uso do dinheiro da sade e da previdnci ---------9 3.2 Luta para construir o direito sadepara todo ----------11 4. O financiamento do SUS ---------------------------------------------14 4.1 O funcionamento legal ---------------------------------------14 4.2 Limites encontrados ------------------------------------------18 5. Trajetria e propostas da emendaconstitucional -----------------24 5.1 Histrico da construo da EC-29 --------------------------24 5.2 Principais mudanas propostas pela EC 29 ---------------28 6. Processo de regulamentao da EC-29 ----------------------------32 6.2 O projeto de lei para a regulamentao da EC-2 --------33 6.3 Tramitao, ameaas e desafios da regulamentao ----36 7. O financiamento da sade eo controle social ---------------------39 7.1 O controle pblico do oramento ---------------------------39 7.2 Leis oramentrias e o SUS ---------------------------------39 7.3 Papel do controle social em relao ao oramen ---------40 7.4 A prtica do controle social para alm dosespa -----------42 8. ANEXO -------------------------------------------------------------------43 9. Material Consultado ---------------------------------------------------51

Financiamento do Sistema nico de Sade

1. Apresentao

Este texto, discutido com os fruns de sade e elaborado pelo CEAP, pretende provocar e mobilizar os sujeitos sociais populares com o objetivo de lutar pela institucionalizao do financiamento pblico da sade, que s se efetivar quando alcanarmos: - a definio clara das fontes de arrecadao; - os percentuais mnimos a investir na sade; - a definio da forma de transferncia dos recursos entre as esferas de governo; - a descrio das aes e servios de sade (apontando objetivamente no que pode ser gasto o dinheiro do SUS). O CEAP um centro de educao popular, fundado em 1987 por lideranas sociais empenhadas com a construo de uma sociedade democrtica, justa e solidria. Desde 1992, atua centralmente em polticas pblicas sociais, principalmente na rea da sade, contribuindo para fortalecer e qualificar a participao da comunidade na definio das po sade.

Entende-se por sujeitos sociais populares (SSPs) as diversas formas de manifestaes, de pessoas ou de organizaes, que buscam a melhoria das condies de vida, cada uma da sua forma especfica, mas com um horizonte comum que efetivar uma sociedade democrtica, justa e solidria.

lticas, visando efetivar o direito humano

Os fruns de sade surgiram no incio desta dcada. So o resultado concreto da reflexo e ao de diversas organizaes populares que durante os anos 90 atuavam no controle social das polticas pblicas de sade e que percebiam a necessidade de ampliar e qualificar a participao da comunidade na gesto do SUS. O objetivo da organizao dos fruns reunir diversos sujeitos sociais que, com suas dife4 renas e especificidades, se encontram comprometidos com a

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sade pblica e buscam aprimorar a elaborao de polticas e de estratgias de atuao em sade, de forma articulada. A cartilha Financiamento do SUS: a luta pela efetivao do Direito Humano Sade faz uma breve recuperao da histria do financiamento da sade; da proposta de financiamento contida na lei do SUS; da trajetria e das propostas da Emenda Constitucional 29; e tambm do processo de regulamentao da EC 29; do papel do controle social em relao ao financiamento da sade e, em anexo, traz sugestes de como socializar e discutir suas provocaes com a comunidade. Seu objetivo contribuir com a comunidade na luta para que a EC 29 seja regulamentada, para que a regulamentao preserve as reivindicaes e conquistas histricas, impedindo o desenvolvimento de projetos e leis paralelas que possam comprometer o SUS e, ainda, para que a EC 29 seja cumprida pelos trs nveis de governo. Sejamos perseverantes na conquista e na efetivao dos direitos humanos. Sade para todos!

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2. Sugestes para a utilizao da cartilhaEsta cartilha tem o propsito de servir de instrumento orientador, contribuindo na organizao dos diversos sujeitos sociais populares que atuam no controle social da sade em todos os nveis e espaos. Para que possamos melhor aproveitar este instrumento, sugere-se algumas maneiras de como utiliz-la: 1. Promover reunies ou encontros no municpio com as pessoas e entidades que atuam na defesa do SUS e da sade pblica, para tratar de assuntos relativos ao financiamento da sade a partir das orientaes da cartilha; 2. Organizar momentos para leitura e debate dos temas nos Conselhos de Sade 3. Organizar grupos com pessoas interessadas (lideranas populares, estudantes, etc) para leitura e debate dos temas tratados na cartilha; 4. Articular momentos de reflexo a partir de temas abordados na cartilha, em espaos (reunies, encontros, assemblias) dos movimentos e entidades populares; 5. A partir desta cartilha, produzir outros textos para divulgar e publicar nos rgos de comunicao dos municpios, em especial nos jornais e boletins das entidades e dos movimentos populares; 6. Reproduzir partes do texto da cartilha consideradas importantes para divulgar atravs dos vrios meios e nos mais diferentes espaos. O CEAP adota o copyleft, podendo-se copiar, reproduzir e divulgar, parcial ou integralmente o texto da cartilha sob qualquer meio, independente de autorizao, desde que sem fins comerciais; 7. Tendo presente as orientaes da cartilha, organizar o acompanhamento da elaborao, da tramitao e da aprovao das leis oramentrias (PPA, LDO e LOA), criando comisses integradas pelo conselho de sade, pelos fruns de sade e pelos mais diversos sujeitos sociais populares (sindicatos, pastorais, entidades) 6

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3. Histria do financiamento da sade antes do SUSPara discutir o financiamento da sade, precisamos lembrar que o centro do debate : Sade um direito de todos ou apenas daqueles que tm condies de pagar?. Junto com este debate, vm outras questes, como: Qual o papel do Estado e das polticas pblicas: contribuir para a construo da cidadania e da eqidade social ou distribuir migalhas para os pobres e garantir o aumento da concentrao de renda? Antes de 1988 a sade no era concebida como direito de todos A partir das questes acima, podemos afirmar que at a promulgao da Constituio Federal de 1988, a sade no era reconhecida como um direito de todos, portanto, a responsabilidade pelo atendimento sade era de cada indivduo. As polticas desenvolvidas pelo Estado eram restritas e focalizadas. Nas primeiras dcadas do sculo passado, o Estado brasileiro restringia a sua atuao em sade em aes de saneamento nas grandes cidades e portos e no combate a epidemias, principalmente quando estas epidemias interferiam na economia e traziam prejuzos. Um exemplo se deu no incio do sculo XX, com o combate febre amarela e outras doenas infecto-contagiosas atravs de programas de saneamento no Rio de Janeiro e no porto de Santos e que resultou tambm na campanha de vacinao obrigatria. No sendo a sade considerada um direito de todos e nem alvo de polticas pblicas, restava s pessoas que tinham recursos procurar mdicos particulares e at solues no exterior. As que no dispunham de recursos dependiam da caridade (da vem a histria das santas casas de misericrdia, e da ateno sade como caridade) ou das parteiras e dos curandeiros.

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Caixas de Penso e Aposentadorias Em 1923, fruto do crescimento industrial e da maior mobilizao dos trabalhadores, foi criada a Lei Eloy Chaves que institua as Caixas de Aposentadoria e Penso- CAPs que consistiam num fundo criado pelas empresas, com a contribuio dos empregados, para financiar a aposentadoria dos trabalhadores e a sua assistncia mdica. A criao das CAPs representou um avano, pois estabeleceu uma poltica de garantia de aes de sade e assistncia. Contudo, consolidou a lgica de que s tinha direito sade quem contribusse financeiramente. Alm do mais, restringiu a ateno sade em aes mdico-hospitalares. Institutos de Aposentadoria e Penso Na dcada de 1930, Getlio Vargas transforma as CAPs em Institutos de Aposentadoria e Penso - IAPs, unificando as diversas CAPs de uma mesma categoria. Com a centralizao da administrao dos recursos, foi possvel ampliar e estender os benefcios, j que na forma anterior as pequenas empresas encontravam dificuldades de organizar as suas CAPs. Os IAPs passaram a gerenciar grandes somas de recursos, pois o nmero de empregados com carteira assinada que contribuam com os institutos crescia bastante e a quantidade de aposentados ainda era pequena. No entanto, o direito sade continuava restrito a quem contribusse. Devemos salientar, tambm, que os IAPs dedicavam apenas uma pequena parcela para a sade. Alguns investiam 33% dos recursos (como era o caso dos bancrios); outros destinavam menos de 10% (como era o caso dos industririos, com 8,6%). Na dcada de 1960, aumentou a chamada medicina de grupo. Como funcionava isso? Os IAPs, ao invs de manter os seus

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hospitais e servios mdicos, compravam e pagavam os servios de hospitais e de grupos mdicos, fortalecendo a lgica da organizao dos servios de sade a partir de grupos privados, que uma marca do funcionamento dos servios de assistncia mdica at hoje. Instituto Nacional de Previdncia Social Em 1966, os diversos IAPs so unificados no Instituto Nacional de Previdncia Social INPS, centralizando definitivamente a administrao dos recursos e mantendo a lgica do direito apenas para quem contribuia. Voc deve lembrar dessa histria, pois quem tinha a carteirinha do INPS era atendido, caso contrrio era considerado indigente. Com este rpido resgate histrico fica claro que o estado no tratou a sade como um direito de todos, mas apenas como um privilgio do grupo que pudesse contribuir. No incio dos anos de 1960, esse grupo se restringia a somente 7,3% da populao.

3.1 O mau uso do dinheiro da sade e da previdnciaComo vimos at aqui, um dos problemas centrais que s em 1923 se desenvolveu uma poltica de previdncia e sade, que at 1988 se manteve exclusiva para quem contribua diretamente. Contudo, esse no era o nico problema. Historicamente, os recursos dos IAPs, e depois os do INPS, foram mal gerenciados e se tornaram alvo de muita corrupo. O dinheiro dos contribuintes utilizado para financiar obras No final da dcada de 1930 e incio da dcada de 1940, os IAPs j concentravam uma grande quantidade de recursos, resultado do crescimento contnuo da arrecadao, fruto do aumento do nmero de trabalhadores com carteira assinada. Ao mesmo tempo, os gastos eram poucos j que a demanda por aposentadoria ainda era pequena. O Governo Vargas utilizou grande parte dos recursos dos IAPs para estimular o processo de industrializao, emprestando para empresrios ou

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investindo diretamente, como foi o caso do desenvolvimento da indstria siderrgica. Voc pode estar se perguntado, mas isso no foi uma coisa boa que o governo fez? Ao invs de deixar o dinheiro parado, investiu ajudando no crescimento da economia? Aparentemente sim, mas acontece que esse dinheiro era dos trabalhadores que contribuam com parte do seu salrio todo ms. O governo retirou o dinheiro do caixa e nunca mais devolveu. Por isso, mais tarde, faltou para investir em aes de sade e previdncia. Falta de controle sobre os recursos do INPS Durante a ditadura militar, principalmente depois da criao do INPS, que centralizou todos os IAPs, aumentara ainda mais o bolo de recursos. Estima-se que, na metade dos anos 70, o oramento do INPS era igual ao oramento da unio. Vejam vocs a quantidade de recursos sem nenhum tipo de controle da sociedade, facilitando aes de desvio de dinheiro e de corrupo. Desenvolveram-se quadrilhas especializadas em roubo de recursos do INPS. (Lembram do caso Georgina?) Obras como Itaipu e Transamaznica tiveram financiamento de recursos do INPS recursos estes que nunca foram devolvidos. Havia ainda a m gesto do dinheiro dos trabalhadores, como a concesso de subsdios para que a iniciativa privada construsse hospitais e comprasse equipamentos, e depois o INPS comprava os servios destes mesmos hospitais. Vejam que negcio interessante: o governo d o dinheiro para construir e equipar os hospitais e, depois, continua repassando dinheiro com a compra de internaes e demais procedimentos. Vrios hospitais que conhecemos hoje foram construdos com recursos pblicos a fundo perdido ou subsidiados. Para tornar a situao ainda mais indigna, quando o INPS diminuiu os recursos, esses mesmos hospitais passaram a prestar mais servios para a iniciativa privada e

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deixaram de atender ou diminuram os leitos disponveis para os pacientes do INPS/INANPS. Este problema segue acontecendo nos dias de hoje. Grande parte dos hospitais foram construdos e equipados com recursos pblicos, mas atendem mais prontamente os planos privados. Nas internaes e em outros procedimentos, a prioridade sempre para os pacientes de planos privados. Isso contribui para o aumento das filas de espera do SUS com os pacientes que entraram pelo sistema.

Vimos que, historicamente, a ao do Estado e de suas polticas na rea da sade no contriburam para diminuir a desigualdade e nem para a ampliao da cidadania. Pelo contrrio, restringiam o direito a somente aqueles que tivessem condies de contribuir diretamente e, alm disso, o Estado tornou-se o guardio dos recursos dos trabalhadores, fazendo um gritante mau uso destes recursos.

3.2 Luta para construir o direito sadepara todosComo j mencionamos, as aes do Estado na promoo e preveno da sade sempre se restringiram ao combate de epidemias, principalmente quando elas representavam uma ameaa aos interesses econmicos. Comprovando esta poltica, tivemos em 1942 a criao do Servio Especial de Sade Pblica SESP, fruto de um acordo entre o governo brasileiro e os Estados Unidos. O SESP tinha por objetivo oferecer servios de sade nas regies de produo de material estratgico para a 2 Guerra Mundial como a borracha, na regio amaznica. Servio de assistncia mdica de urgncia Uma das aes importantes e que, apesar de limitada, representou um pequeno avano na luta pelo direito universal sade foi a criao do Servio de Assistncia Mdica Domiciliar

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de Urgncia, em 1949. Embora na prtica tivesse dificuldade de funcionar, estava sendo garantido atravs de Lei o direito universal ao atendimento de urgncia. Por um lado, este servio era universal e, por outro, restrito, ou seja, era para todos, mas somente em casos de urgncia. Plano Nacional de Sade Uma outra tentativa foi o Plano Nacional de Sade, criado em 1968 pelo governo Costa e Silva. O Plano propunha a universalizao do acesso e a centralizao da assistncia de sade no Ministrio da Sade. Mas, por outro lado, previa tambm a privatizao da rede pblica e a compra de servios da iniciativa privada, pagando conforme o nmero e a complexidade dos procedimentos. Vejam a contradio desse plano: por um lado, ele contemplava a interessante proposta de universalizao do acesso, por outro, buscava fortalecer a iniciativa privada e a sade enquanto negcio. O resultado foi que ele nem chegou a ser implementado devido oposio tanto de quem era contra a privatizao quanto pelos que eram contra a unificao da assistncia de sade no Ministrio da Sade. A crise da sade e o movimento pela reforma sanitria Com o processo de democratizao, no incio dos anos 80, a crise na sade se agravou, fruto de dcadas de poucos investimento, m gesto dos recursos, diminuio da arrecadao do INPS em meio corrupo, e devido tambm reduo do nmero de contribuintes contra o aumento de aposentadorias. Contraditoriamente, neste contexto que se fortalece o movimento pela reforma sanitria, tendo como bandeiras: - a melhoria das condies de sade da populao; - o reconhecimento da sade como direito universal; - a reorganizao da ateno a partir dos princpios da integralidade e da eqidade; e - a responsabilidade da garantia do direito sade como sendo dever do Estado. Aqui reside um dos pontos fundamentais quando se trata do financiamento.

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A sade como direito do cidado e dever do Estado O avano da VIII Conferncia Nacional da Sade, em 1986, que se consolida na Constituio Federal de 1988, a afirmao da Sade como direito de todos e um dever do Estado. Portanto o Estado que deve garantir os recursos necessrios e gerenciar o sistema para que seja efetivado o direito sade para toda a populao. Mesmo garantido em lei, o que foi um enorme avano e uma grande conquista da sociedade brasileira organizada e mobilizada, veremos, nos prximos captulos, que h uma enorme dificuldade do Estado (Unio, estados e municpios) em garantir recursos suficientes e gerenci-los adequadamente para efetivar o direito sade.

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4. O financiamento do SUS

No captulo anterior, vimos que o financiamento da sade pblica no Brasil sempre foi precrio. Antes do SUS, o financiamento praticamente se reduzia s contribuies dos trabalhadores organizados que, mais tarde, ficaram vinculados Previdncia. Fazer sade sem dinheiro impossvel. Por outro lado, o recurso financeiro no resolve todos os problemas. Para que o direito humano sade se concretize, alm da quantidade de recursos e sua adequada aplicao e gerenciamento, fundamental o comprometimento profissional, a organizao do sistema O dinheiro da previdncia vem e o efetivo controle social do SUS. da contribuio social das empreNeste captulo, vamos abordar o financiamento do SUS a partir do seu funcionamento previsto na Constituio Federal - antes da EC 29 - e na Lei Orgnica da Sade. Veremos os limites que acompanham o financiamento e os desafios a serem enfrentados.sas, que pagam sobre a folha de salrios, sobre o faturamento e sobre o lucro; dos trabalhadores, que descontam na folha de pagamento; dos aposentados e pensionistas, que tm salrio maior, e da receita de prognsticos, ou seja, da realizao de negcios.

4.1 O funcionamento legalO financiamento do SUS est previsto em lei, tanto na Constituio Federal como na Lei Orgnica da Sade, que rene as leis federais 8.080 e 8.142 de 1990. De forma geral, a lei prev as fontes de financiamento, os percentuais a serem gastos em sade e, inclusive, a forma de diviso e repasse dos recursos entre as esferas de governo.

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A Constituio Federal e o financiamento do SUS A Constituio Federal afirma, no art. 194, que a seguridade social compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social. Deixa claro que cabe seguridade social o compromisso de assegurar o direito sade. No que diz respeito ao financiamento, o art. 195, da Constituio Federal, afirma que a seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios. A responsabilidade pelo financiamento do SUS das trs esferas de governo. O art. 55, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, no deixa dvidas sobre o montante da seguridade social a ser gasto em sade: at que seja aprovada a Lei de Diretrizes Oramentrias, trinta por cento, no mnimo, do oramento da seguridade social, excludo o seguro-desemprego, sero destinados ao setor de sade. Este percentual valia para o ano de 1989, cuja Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) j estava elaborada. Nos anos seguintes, ou seja, de 1990 a 1993 ficou mantido o percentual de 30% nas respectivas leis oramentrias federais, mas, ainda que constasse, esse percentual foi descumprido. A situao piorou a partir de 1994 quando esse percentual deixou de ser citado na LDO. A Lei Federal 8.080/90 e o financiamento do SUS A Lei 8.080 regulamenta as polticas de sade definidas na Constituio Federal. Essa lei foi promulgada somente aps uma incansvel mobilizao de setores organizados da sociedade. O governo da poca, representado pelo presidente Fernando Collor, resistiu ao carter descentralizador dessa lei e vetou diversos artigos, espe15 cialmente os que diziam respeito aos recursos e participao da

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comunidade nas deliberaes da Critrios para transferncia de valores aos sade. O veto levou estados e municpios: a comunidade a se I perfil demogrfico da regio; articular novamenII perfil epidemiolgico da populao a ser cote, especialmente berta; com parlamentares III - caractersticas quantitativas e qualitativas da comprometidos rede de sade na rea; com a sade pbliIV desempenho tcnico, econmico e financeica, resultando na ro no perodo anterior; criao de uma V - nveis de participao do setor sade nos ornova lei, a 8.142, amentos estaduais e municipais; que trata especificamente da participao da comunidade na gesto do SUS e da transferncia de recursos para a sade entre as esferas de governo. Como a Constituio Federal atribuiu LDO o papel de definir a cada ano o montante a ser gasto em sade, a Lei 8.080 no pde, para no ser inconstitucional, estabelecer um percentual mnimo a ser gasto com aes e servios de sade. No artigo 31, consta que o oramento da seguridade social destinar ao Sistema nico de Sade (SUS), de acordo com a receita estimada, os recursos necessrios realizao de suas finalidades [...] tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Oramentrias. A questo saber e definir quanto que exatamente o necessrio?! A no definio, em lei, do mnimo necessrio deixa o financiamento da sade refm da vontade poltica e da disponibilidade, ou no, de caixa. Veremos, adiante, que a regulamentao da EC 29 deve enfrentar exatamente este problema. Sobre a forma de distribuio e repasse dos recursos, o art. 35 da lei 8.080 estabelece um conjunto de critrios a serem considerados, como podemos verificar no quadro em destaque. No entanto, merece ateno o pargrafo primeiro desse artigo em que fica definido que a metade dos recursos destinados a Estados e Municpios ser distribuda segundo o quociente de sua diviso pelo nmero de habi16

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tantes, independentemente de qualquer procedimento prvio. Em geral, o Ministrio da Sade apresentou dificuldades em respeitar e seguir esses critrios, pois s em 1998 se comea a repassar recursos pelo critrio per capita, ou seja pelo nmero de habitantes, sendo assim, manteve-se um carter centralizador de repasse dos recursos, que ocorria, centralmente, atravs de programas fechados. A Lei 8.142/90 e o financiamento do SUS Como j vimos, a Lei 8.142 criada para normatizar a participao da comunidade na gesto do SUS e as transferncias de recursos do Ministrio da Sade para as outras esferas de governo. Nos artigos 2 e 3, ela trata Como sero alocados os recursos do do Fundo Nacional de SaFundo Nacional de Sade: de (FNS), e diz como e onde I despesas de custeio e de capital os recursos desse fundo sedo Ministrio da Sade, seus rgos ro investidos. O artigo 2 e entidades, da administrao direta deixa claro que eles s poe indireta; dem ser utilizados para finanII investimentos previstos em lei orciar os custos prprios do Miamentria , de iniciativa do poder nistrio da Sade; os custos Legislativo e aprovados pelo Congrescom aes de sade previsso Nacional; tos no Oramento e, princiIII investimnetos previstos no Plapalmente, os custos das no Qinqenal (hoje, Plano transferncias de recursos Plurianual) do Ministrio da Sade; para os estados, o Distrito FeIV cobertura das aes e servios deral e os municpios destide sade a serem implementados penados implementao de los Municpios, Estados e Distrito Feaes e servios de sade. O deral. (Lei 8.142, art 2) objetivo dessa lei definir em que devem ser investidos os recursos da sade.

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No entanto, permanece a dvida sobre o que pode ser considerado aes e servios de sade. Questo que a EC 29 vai procurar enfrentar. O artigo 3, referindo-se aos recursos destinados s outras esferas de governo, para serem investidos na rede de servios e aes de sade, tanto de cobertura assistencial (ambulatrios e hospitais) como de proteo e promoo da sade, diz como deve ser o repasse dos recursos: sero repassados de forma regular e automtica para os Municpios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critrios previstos no art. 35 da Lei 8.080. E o pargrafo 1 deste artigo complementa: enquanto no for regulamentada a aplicao dos critrios previstos no art. 35 da Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, ser utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente o critrio estabelecido no pargrafo 1 do mesmo artigo. Isto , todos os recursos devero ser divididos e repassados segundo o nmero de habitantes que se encontram em cada Municpio, Distrito Federal ou Estado. Esse um critrio fundamental para a efetiva descentralizao dos recursos. Feito este resgate normativo original, estamos em condies para analisarmos seus limites e desafios.

4.2 Limites encontradosA no aplicao dos critrios estabelecidos Ousamos afirmar que um dos maiores limites da legislao, anterior a EC 29, foi no ter regulamentado a aplicao dos critrios para o repasse de recursos fundo a fundo previstos no art. 35 da Lei 8.080/90; e tambm no ter admitido, ainda que com seus limites, a orientao do pargrafo primeiro do art 3 da Lei 8.142/90 de repassar a totalidade dos recursos pelo critrio do nmero de habitantes. Isso fez com que surgissem inmeras normas e portarias ministeriais que, em geral, contriburam para confundir, dificultando a compreenso e a devida exigncia do cumprimento da lei.

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O repasse dos recursos em forma de pagamento por produo de servios Em quase toda a dcada de 90, as transferncias dos recursos do Ministrio da Sade para rgos de governo se davam por servio prestado, mediante apresentao de faturas. O que era uma prtica comum em relao aos prestadores de servios privados se estendeu aos prestadores pblicos. Alm das faturas, passou-se, gradativamente, a exigir instrumentos e mecanismos de gesto, como planos, projetos, fundos e conselhos de sade. S em 1998 redefiniu-se a forma de transferncia de recursos. Gasto dos governos em sade per capita (cambio mdio em US$) Ao invs de fazer por comprovao de faturas, adotou-se o repasse de um valor per capita mnimo, fundo a fundo. Criou-se, assim, o Piso Assistencial Bsico (PAB), com uma parte fixa, por nmero de habitantes, e outra varivel, por adeso a programas. Contudo, essa mudana est sendo lenta e Fonte: Informe sobre sade no mundo ainda hoje temos dezenas 2004/ OMS de formas de repasse por adeso a programas especficos. Muito recurso carimbado A no aplicao dos critrios de repasses dos recursos aos municpios, Distrito Federal e estados fez com que o Ministrio da Sade comeasse a trabalhar exageradamente com programas e projetos especficos de sade, condicionando o repasse de recursos s outras esferas de governo, adeso a esses programas e projetos e ao cumprimento dos critrios especficos de cada um, ou seja, originou-se a histria dos recursos carimbados, com aes e servios j predeterminados pela unio, desconsiderando as diversidades locais e engessando a atuao dos municpios. 19

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Infelizmente, essa forma centralizadora de agir vem se estendendo at hoje, impedindo a efetivao do princpio do SUS que a descentralizao verdadeira e autnoma dos recursos e das decises.

A insuficincia de recursos para a sade. Consititui-se num limite real a insuficincia de recursos pblicos investidos em sade no Brasil. Isso devido resistncia de se conceber a sade como direito de cidadania e qualidade de vida a serem promovidos, insistindo em encar-la como um produto de mercado comercializvel entre os que tem poder aquisitivo. Para ilustrar esta realidade importante observar que em 2002, o gasto pblico em sade do Reino Unido, Dinamarca e Sucia respectivamente 97%, 84% e 78% [...] no Brasil a participao do setor pblico no gasto nacional de sade de apenas 44% (1). O restante por conta da iniciativa privada, ou seja, do usurio que paga atravs de planos privados ou paga diretamente no momento que procura o servio. Se compararmos os recursos pblicos da sade por investimentos per capita, a escassez de investimentos do Brasil se expe mais ainda. s verificar o quadro a seguir. Contudo, importante observar que o investimento em sade, por parte dos estados e, principalmente, dos municpios, est crescendo, especialmente a partir de 2000, por efeito da EC 29. A participao dos municpios no oramento pblico da sade passou, no perodo de 2000 a 2004, em mdia, de 25% para 50%. Esta crescente participao dos estados e municpios elevou, neste peParticipao em percentual nos gastos com sade rodo, a participao do setor pblico no gasto nacional em sade, passando de de 44,15% para 59,60%. No entanOs dados de 2005 so estimativa to, o aumento do Fonte: IPEA e MS/SIOPS percentual de investimento dos municpios no pode justificar a estagnao ou diminuio do percentual 20 de investimento por parte da Unio.

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A criao da CPMF no significou aumento de recursos para a sade A justificativa para a cobrana de Contribuio Provisria sobre a Movimentao Financeira foi para ter mais recursos a investir na sade. No entanto, uma vez aprovada a destinao de um percentual de CPMF para a sade (hoje, da contribuio de 0,38% da movimentao financeira, 0,20% devem ser repassados para a sade; 0,10% para a previdncia e 0,08% para o fundo de combate pobreza), o governo diminuiu outras fontes do SUS, quase no valor da CPMF. Por exemplo, estendeu-se a desvinculao da Receita da Unio (que separa 20% da arrecadao para o Governo Federal decidir livremente onde investir) s contribuies sociais, incluindo o SUS. O governo criou a CPMF para injetar dinheiro no fundo da sade, mas retirou outros investimentos; ou seja, colocou com uma mo e retirou com a outra. A ineficcia e o desvio dos recursos pblicos da sade s vezes, a ineficcia acontece por falta de vontade ou mesmo por falta de conhecimento de aspectos que so fundamentais para a gesto, para a organizao e o xito do sistema. Porm, o principal problema dos recursos da sade consiste nas falcatruas praticadas por muitos dos que atuam no SUS. Falcatruas estas que perpassam os gestores - quando adotam o apadrinhamento poltico em vez de investir os recursos conforme as necessidades da populao, passam pelos prestadores de servios - quando pegam assinaturas dos usurios e cobram do SUS procedimentos no realizados (problema que se resolveria com o pagamento por metas alcanadas e no por produo), passam pelos profis-

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sionais - quando cobram exames desnecessrios, simplesmente porque so favorecidos pelo laboratrio que os realiza, ou quando no cumprem a carga horria contratada, contribuindo para a formao de filas desnecessrias. As falcatruas perpassam ainda usurios - quando se omitem ou consentem com essa forma de tratar o recurso pblico ou mesmo quando usam remdios ou servios de forma desproporcional e sem real necessidade. O financiamento de servios privados com estrutura e recursos pblicos Grandes somas de recursos pblicos so gastos com planos privados. Isso acontece de diversas formas: - quando hospitais pblicos, especialmente universitrios, atendem pacientes de planos privados, muitas vezes furando a fila do Sistema nico, usando o argumento de aumentar os recursos para o atendimento pblico. Eles deixam de considerar, no entanto, os investimentos pblicos na construo destes mesmos hospitais, na compra de equipamentos, no incentivo pesquisa, no pagamento dos funcionrios e, pior, quando no ressarcem ao hospital pblico os servios prestados; - quando concedido renncia ou iseno fiscal s operadoras de planos e s cooperativas de sade; - quando abatido no imposto de renda o gasto com pagamento de planos privados de sade; - quando o prprio governo paga planos para os funcionrios pblicos. Este um reflexo da cultura brasileira em que normal o pblico estar a servio de grupos privados. Depois, ainda dizem que o pblico no funciona.

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Dado os limites apontados, precisamos voltar nossa ateno aos desafios a enfrentar. E o maior de todos parece ser o de fazer cumprir a legislao da sade. Isso passa tanto pela regulamentao da aplicao das normas e critrios, como pela efetiva implementao das normas estabelecidas. Isso vale para todas as esferas de governo. Para alm dos gestores (governos), a superao desse desafio requer tambm o comprometimento dos prestadores e profissionais de sade, bem como da sociedade em geral. Vimos como, originalmente, a Lei trata o financiamento do SUS e as dificuldades que o Estado tem de cumprir com os seus propsitos. Esperamos que a Emenda Constitucional n 29 (EC 29) venha corrigir esses limites. Veremos!

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5. Trajetria e propostas da emenda constitucional N 29Neste captulo, vamos resgatar a histria da elaborao e conquista da EC 29 e tambm as principais mudanas que ela traz para o financiamento da sade.

5.1 Histrico da construo da EC-29Vimos no captulo anterior a proposta de financiamento da sade prevista na Constituio Federal e na Lei Orgnica da Sade. Constatamos que esta legislao no foi cumprida na sua ntegra pelos governos federal, estaduais e municipais. Por este motivo, a sade vem sofrendo graves problemas financeiros, prejudicando o cidado brasileiro que tem direito sade de qualidade. Fruto deste contexto de desrespeito Constituio e, conseqentemente, ao cidado, a sociedade brasileira vem lutando h muito tempo para que a sade tenha assegurado recursos financeiros definidos, suficientes e definitivos. Essa luta estratgica porque sem recursos financeiros, o SUS no vai funcionar da forma como todos esperamos. Segue a luta por financiamento para o SUS Logo aps a aprovao do SUS, no ano de 1993, foi provocada uma grande crise na Sade, a partir do Governo Federal.

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Motivo: o ento Ministro da Previdncia Social do governo Itamar Franco, o sr. Antnio Brito, decidiu suspender os repasses sade no ms de maio de 1993, em nome do acerto de contas com os aposentados. Conseqncia: crise geral na sade. Diante da crise, uma das propostas surgidas foi a vinculao oramentria para a sade, constando na Constituio Federal o percentual e a forma do financiamento. A forma de fazer esta vinculao seria elaborando uma Emenda Constitucional EC, que nada mais do que adicionar na Constituio um determinado texto. Surgimento da PEC 169 nesse contexto que surge o Projeto de Emenda Constitucional 169, conhecida como PEC-169, de autoria dos Deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires. O projeto teve como objetivo vincular receitas sade, da mesma forma como acontecia na Educao. Conforme a proposta, o Art. 198 da Constituio Federal teria a seguinte redao: A Unio aplicar anualmente, na implementao do Sistema nico de Sade, nunca menos de trinta por cento das receitas de contribuies sociais, que compem o oramento da seguridade social, e dez por cento da receita resultante dos impostos. Os Estados, o DF e os Municpios aplicaro anualmente, na implementao do Sistema nico de Sade, nunca menos de 10% da receita resultante dos impostos. Resoluo 281 do CNS A definio dos recursos foi amplamente discutida por diversos setores da sociedade e por parlamentares e outras propostas surgiram procurando modificar os percentuais e fontes de financiamento da sade. Destaca-se a proposta discutida e aprovada pelo Conselho Nacional de Sade (CNS) em 1998, atravs da Resoluo 281. A Resoluo props que a Unio contribuir anualmente para a manuteno e desenvolvimento do SUS com no mnimo 30% dos valores do Oramento da Seguridade Social. Para os estados e municpios, caberia a contribuio de 7% dos impostos no ano de 1999 at atingir o patamar mnimo de 13% em cinco anos. Essa proposta, junto com outras, fizeram parte de um movimento amplo de discusso em favor dos recur25 sos para a sade, iniciada pela PEC 169 em 1993. O slogan dessa

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luta era: Recursos definidos, definitivos e suficientes para a sade. Voc ainda deve estar lembrado dessa luta! Mais recursos pblicos para a sade Na dcada de 1990, o tema do financiamento da sade tomou as pautas dos Conselhos, Conferncias e Movimentos Sociais. Essa luta era fundamental, visto que o dinheiro para a sade estava por aumentar substancialmente. Veja: pela proposta original da PEC 169 de Eduardo Jorge, estima-se que j no primeiro ano de sua aplicao a sade teria cerca de 42 bilhes de reais. Pela proposta do Conselho Nacional de Sade, passaria a ter de 38 a 44,25 bilhes em 2004. Conflito de interesses Se, por um lado, esta proposta vinha ao encontro dos interesses da cidadania do povo brasileiro, por outro, ela se chocava com os interesses de grupos nacionais e internacionais, principalmente credores da dvida interna e externa, visto que investindo mais em sade poderia faltar dinheiro ao Governo para pagar a dvida. A proposta de aumentar os recursos pblicos para a sade tambm preocupou os setores privados de sade que buscavam ampliar a prestao de servios atravs dos planos de sade. Consenso de Washington prope reduzir investimentos em sade muito importante lembrar que a dcada de 1990 foi um momento de implementao das teses neoliberais no Brasil, sistematizadas principalmente pelo Consenso de Washington, acor-

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dado entre os organismos bilaterais como o FMI e o Banco Mundial. Como sabemos, essas propostas implicavam em ajustes e reformas estruturais nos pases em desenvolvimento, acabando por limitar ou destruir polticas pblicas voltadas para a garantia de direitos sociais. Segundo o Consenso de Washington, os pases estavam gastando muito com as polticas pblicas, sendo necessrio, portanto, cortar gastos com as mesmas. A prioridade era o pagamento em dia da dvida externa destes pases com os mesmos organismos e bancos internacionais. Quem no se lembra das negociaes do Brasil (equipe econmica) com esses organismos, principalmente com o FMI que argumentava que pagar a dvida seria sinnimo de crescimento econmico do pas? Resistncia da equipe econmica num contexto de resistncia que devemos entender a tramitao da PEC 169 e de outros Projetos de Lei que buscavam regulamentar o financiamento da sade. A equipe econmica do governo Fernando Henrique usou de todos os artifcios polticos para que esses recursos no fossem para a sade. Esse esforo do Governo (que deveria em primeiro lugar defender os interesses da populao) contra a sade do cidado resultou na aprovao, em 29 de setembro de 2000, da Emenda Constitucional nmero 29 EC-29. O que mudou com a EC 29 Em funo do texto da Lei estar anexo, iremos apenas comentar as questes centrais aprovadas com a EC. Ela altera os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituio Federal. Ainda acrescentou um artigo ao Ato das Disposies Constitucionais Transitrias. Por se tratar de uma Emenda Constitucional, teve que passar pela aprovao do plenrio do Congresso.Os estados devem considerar as seguintes fontes de arrecadao: ITD (Imposto de Transmisso Causa Mortis e Doao); ICMS (Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servio); IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores); Adicional de IR (Imposto de Renda); FPE (Fundo de Participao dos Estados).

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5.2 Principais mudanas propostas pela EC 29Percentual mnimo para a sade O Art. 34 da Constituio passou a incluir, alm da Educao, a Sade como poltica pblica na qual se dever investir um percentual mnimo de recursos. Ao mesmo tempo, prev que a no aplicao desses percentuais motivo de interveno da Unio nos Estados. No artigo 35 est prevista a interveno tanto da Unio como dos Estados nos municpios que no cumprirem com os percentuais mnimos para manuteno das aes e servios pblicos de sade. A pergunta que salta aos olhos : quem vai intervir na Unio se o Ministrio da Sade no cumprir a Lei? Fontes sobre as quais incide o percentual da sade A EC-29 deixou claro que a Unio, Estados e Municpios deveriam investir recursos mnimos na sade calculados sobre diversas fontes de arrecadao. A Unio precisa, a partir do ano de 2005, ter uma Lei Complementar (a ser avaliada a cada cinco anos) que definir, alm do percentual, os critrios de rateio desses recursos entre os estados e municpios, a forma de fiscalizao (avaliao e controle das despesas com sade) e as normas de clculo do montante a ser aplicado pela Unio. Os estados devem considerar o produto da arrecadao dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os artigos 157 e 159, inciso I, alnea a, e inciso II, deduzidas as

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parcelas que forem transferidas aos municpios. Observem o quadro ao lado. Os municpios devem considerar o produto da arrecadao dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, inciso I, alnea b e 3o, conforme podemos observar no quadro abaixo. A EC 29 define base vinculvel para estados e municpios Conforme j exposto, a EC 29 definiu as fontes sobre as quais incidiro os percentuais da sade para estados e municpios, inclusive para depois de 2005. o que se chama base vinculvel. Entretanto, para a Unio, a base vinculvel no foi definida na EC 29. Quem dever faz-lo a Lei Complementar. O montante que cada esfera de governo (Unio, estados e municpios) deve investir em sade A EC, em seu art. 7o, tratou de definir o financiamento da sade no perodo de 2000 at 2004, que seria o perodo transitrio. Por isso chama-

Fontes que os muicpios devem considerar: IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana); ITBI (Imposto sobre a Transmisso Inter Vivos, a Qualquer Ttulo, por Ato Oneroso, de Bens Imveis, por Natureza ou Acesso Fsica, e de Direitos Reais sobre Imveis exceto os de Garantia, bem como a Cesso de Direitos sua Aquisio); IVVC (Imposto sobre Vendas e Varejo de Combustveis lquidos e Gasosos); ISS (Imposto Sobre Servio de Qualquer Natureza); FPM (Fundo de Participao dos Municpios); IPI-Exportao (Imposto sobre Produtos Industrializados); Quota-parte ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural); ICMS (Imposto sobre Circulao de Mercadoria e Servio); IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores).

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do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT). Para a Unio definiu-se a seguinte frmula de clculo: - No ano de 2000, o montante empenhado em aes e servios pblicos de sade no exerccio financeiro de 1999 acrescido de, no mnimo, cinco por cento. - Do ano 2001 at 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variao nominal do Produto Interno Bruto PIB. Para os Estados e o Distrito Federal estabeleceu-se a aplicao de um aumento gradativo, devendo ser, a partir de 2004, de no mnimo doze por cento do produto da arrecadao dos impostos citados no quadro acima; Para os municpios e o Distrito Federal tambm estabeleceu-se a aplicao de um aumento gradativo, devendo ser, a partir de 2004, de no mnimo quinze por cento do produto da arrecadao dos impostos citados no quadro anterior. A EC 29 requer lei Em 2003, onze estados cumpriram a EC 29, contra dezesseis que no a cumpriram. Em recomplementar lao aos municpios, 86,2% cumpriram a EC Em 2005, deve 29, contra 13,8% que no a cumpriram. Em ser criada uma lei 2004, 85,8% cumpriram a EC 29 contra 14,2% complementar para, que no a cumpriram, confirmando a tese de entre outras definique o municpio foi o ente federado que mees, estabelecer o lhor cumpriu a EC-29. percentual a ser aplicado na sade pelos entes federados. Contudo, se esta lei no for criada, valero os percentuais estipulados pela EC-29 nos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias. A EC 29 constitucionalizou o Fundo de Sade e o Controle Social Alm da EC-29 definir a base vinculvel e os percentuais, avanou ainda em duas questes que consideramos importantes. Constitucionalizou o Fundo de Sade e a Participao da Comunidade no SUS. Se antes j havia legislao federal sobre ambos os pontos, a partir da EC, isso passou a constar na Carta Maior, a Constituio Fede30 ral.

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A EC 29 atribuiu pouca responsabilidade Unio Como vimos, o que foi aprovado na EC-29 no foi exatamente o que a sociedade brasileira defendia na PEC 169. O principal problema que a Unio, que a nica esfera de governo que pode arrecadar contribuio social para a sade, ficou com a menor responsabilidade quanto ao percentual de recursos financeiros para a sade. De forma geral, possvel dizer que a Unio (com sua eficiente equipe de burocratas econmicos) saiu vitoriosa na queda de brao contra a sociedade defensora do direito humano sade. E para piorar, ps a responsabilidade financeira sobre os estados, e principalmente, sobre os municpios, usando como argumento o princpio da descentralizao. Aumentou o percentual dos estados de 10 para 12% e dos municpios de 10 para 15% em relao proposta da PEC-169. Bandeiras sociais A partir da aprovao da EC-29, mesmo reconhecendo seus limites, a sociedade assumiu duas frentes de luta: a) Implementar o que foi definido em lei, principalmente no que se refere aos percentuais a serem investidos pelas esferas de governo, sem desviar os recursos para outras aes que no sejam aes ou servios de sade; b) Discutir desde j a regulamentao da EC-29, atravs de uma lei complementar.

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6. Processo de regulamentao da EC-29Neste captulo, vamos analisar as divergncias na interpretao da Emenda, o projeto de lei para a regulamentao da EC 29, bem como a tramitao, as ameaas e os desafios dessa regulamentao.

6.1 Divergncias na interpretao da lei Vimos no captulo anterior que a EC-29 deve ser regulamentada, em 2005, a partir de lei complementar. Entretanto, muito antes disso, j se iniciou o debate em nvel nacional sobre a sua implementao e regulamentao. Esse foi e est sendo um debate muito conflituoso com os governos, especialmente o Governo Federal, que burlou a EC-29. A Lei clara: o Governo Federal investe, de 2001 a 2004 o equivalente ao valor apurado no ano anterior, corrigido pela variao nominal do PIB. Portanto, a referncia era o investido em 2000. Com base no documenMas o governo usou como referncia to Parmetros o investido em 1999. Com esse desConsensuais Sobre a respeito para com a Lei, estimativas Implementao e a Reapontam que a sade perdeu mais de gulamentao da Emen4 bilhes de reais de 2001 a 2004. da Constitucional 29, o Esse embate com o Ministrio da Fazenda fez com que, ainda em 2001, se criasse um grupo, formado por representantes do Ministrio da Sade, Ministrio Pblico Federal, Conselho Nacional de Sade, Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade, Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade, Comisso de Seguridade Social da Cmara Federal, Comisso de Assuntos Sociais do SeConselho Nacional de Sade aprovou, em 2003, a Resoluo n 322, de 08 de maio de 2003, onde aprova um conjunto de diretrizes para a aplicao da Emenda Constitucional n.o 29.

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nado e Associao dos Membros dos Tribunais de Contas, para estudar e interpretar a EC 29. Este grupo lanou o documento chamado Parmetros Consensuais Sobre a Implementao e a Regulamentao da Emenda Constitucional 29 do ano de 2001. Embora a base de clculo para a Unio estivesse clara (o valor destinado sade no ano anterior acrescido do ndice de inflao nominal), o grupo procurou resolver a divergncia que havia entre considerar o valor empenhado (base mvel) ou o valor orado (base fixa) do ano anterior. O documento ainda trata de outros temas muito polmicos naquele perodo, como: - percentuais aplicados s bases vinculveis para determinao dos montantes destinados s aes e servios de sade; - a forma de acompanhamento, avaliao e controle do cumprimento da EC-29; - a definio sobre o que so aes e servios pblicos de sade, e - a interface da EC-29 com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Desde ento, muito se falou da importncia de regulamentar a EC29. O movimento da sade sempre apostou que essa seria a forma de consolidar seus avanos e de corrigir suas falhas, j que muitos gestores, sem inteno de cumpri-la, impunham a regulamentao da EC como condio para efetiv-la.

6.2 O projeto de lei para a regulamentao da EC-29De forma simples, regulamentar significa dizer, atravs de uma Lei Complementar, como as polticas estabelecidas na Constituio sero implementadas, ou seja, como vai funcionar concretamente e em detalhes. Embora a EC-29 seja um dispositivo constitucional auto-aplicvel, ela dizia que a cada cinco anos deveria haver uma regulamentao. E se no houvesse, permaneceria a mesma regra. Sobre o contedo dessa Regulamentao, no necessitamos inventar a roda. J h um conjunto de propostas construdas

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coletivamente e que esto nos documentos que j mencionamos anteriormente e no Relatrio da 12a Conferncia Nacional de Sade. Apontaremos, a seguir, algumas destas propostas que justificam a regulamentao e que se encontram no Projeto de Lei hoje em tramitao: Percentuais fixos e definidos para a sade nas trs esferas O projeto prope que a Unio invista no mnimo 10% das receitas correntes brutas na sade, constantes dos Oramentos Fiscal e da Seguridade Social, tomadas por base de clculo. Os Estados 12% da arrecadao dos impostos. Os municpios 15% da arrecadao dos impostos. Conforme detalhamos acima, no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias foi definido que, a partir de 2004, estados investissem no mnimo 12% e municpios 15%. Para a Unio ficou estabelecida outra base de clculo diferente dos estados e municpios. A regulamentao ter o papel de estabelecer a mesma base de clculo para a Unio, isto , 10 % das receitas correntes brutas na sade, constantes dos Oramentos Fiscal e da Seguridade Social. Definio sobre o conceito de Aes e Servios Pblicos de Sade O projeto considera despesas com aes e servios pblicos de sade aquelas voltadas para promoo, proteo e recuperao da sade, que atendam, simultaneamente, aos princpios e diretrizes do art. 7 da Lei n 8.080/90. A regulamentao deste item importante porque muitos gestores conseguem burlar a EC-29 ao lanarem na contabilidade servios e aes que no fazem parte da sade, como por exemplo: aes de saneamento bsico, pagamento de inativos e pensionistas, merenda escolar, limpeza urbana e outros. Somente lanando despesas nestas ru-

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bricas que muitos gestores aparentemente cumpriram com o estipulado na legislao. Transferncias de Recursos O projeto propes que a diviso e transferncia de Recursos da Unio para os estados e municpios e dos estados para os municpios, ter como critrios as necessidades da sade da populao e levar em considerao as dimenses epidemiolgicas, demogrfica, socioeconmica, espacial e de capacidade de oferta de aes e de servios de sade, sempre respeitando o princpio da igualdade de recursos para necessidades iguais. Qualificao de mecanismos de transparncia, fiscalizao, avaliao e controle O projeto prope que os gestores dos trs nveis de governo devero dar ampla divulgao s prestaes de contas da sade para que todos os cidados e instituies tenham conhecimento. Tambm assegura a realizao de Audincias Pblicas durante a elaborao do Plano Plurianual, do Plano de Sade e do Oramento Anual. Ele tambm regulamenta o que hoje j est na Lei, ou seja, que os recursos da sade devero passar obrigatoriamente pelo Fundo Municipal da Sade. Os gestores sero obrigados a realizar Audincias Pblicas nas Casas Legislativas (no caso dos municpios, na Cmara de Vereadores) e junto ao Conselho de Oramento Participativo, onde houver, at o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, apresentando relatrio detalhado de prestao de contas da sade dos 4 meses anteriores. O modelo de relatrio ser elaborado pelo Conselho Nacional de Sade. O Poder Legislativo, auxiliado pelos Tribunais de Contas, pelo sistema de auditoria do Sistema nico de Sade e pelo Conselho de Sade, fiscalizar o cumprimento desta Lei Complementar, a partir de um conjunto de critrios. 35

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6.3 Tramitao, ameaas e desafios da regulamentaoConforme vimos, a regulamentao da EC-29 importante por dois motivos: primeiro, porque institucionaliza, ou seja, torna lei, questes fundamentais do financiamento da sade. Segundo, porque pretende aumentar o investimento da Unio na Sade, o que ser fundamental para a implementao do SUS. Tramitao do Projeto de Lei 01 de 2003 Por enquanto, o projeto de lei j foi aprovado por duas Comisses da Cmara: a Comisso de Seguridade Social e a Comisso de Finanas e Tributao. No momento, o projeto est na Comisso de Constituio e Justia, aguardando votao. Assim que for votado nesta ltima Comisso, j existem tratativas com o Presidente da Cmara, Deputado Severino Cavalcanti, de encaminh-lo rapidamente para a votao em Plenrio. Ameaas que acompanham a regulamentao A seguinte questo se impe: A regulamentao significa necessariamente que o SUS ser fortalecido? No! A regulamentao pode significar tambm um retrocesso das conquistas que tivemos at aqui se o contedo da Lei, hoje em tramitao, for alterado pelo Congresso. Por isso, no basta regulamentar. preciso que ela preserve a discusso da 12o Conferncia Nacional, dos Conselhos de Sade e da sociedade em geral. Algumas ameaas j esto se materializando, como por exemplo, a re-

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cente proposta do dficit nominal zero at 2008, apresentada pelo Deputado Delfim Neto. Se for aceita, ela implicar na diminuio dos gastos pblicos em polticas sociais. Outra ameaa se encontra nas recentes tentativas de tornar facultativo, aos gestores, a vinculao oramentria pela qual tanto lutamos. Neste caso, ficaria a critrio dos gestores destinar ou no percentuais mnimos educao e sade. Pasmem! Se muitos gestores no fazem isso mesmo sendo pressionados por Lei, ser que vo cumprir se no for uma Lei? Desafios que merecem ateno Cabe a cada um de ns como cidados e sociedade organizada exercer o controle social envolvendo-se neste processo de discusso e presso, sobretudo, para: a) A EC-29 ser regulamentada em 2005; b) O contedo da Regulamentao preservar as reivindicaes e conquistas histricas; c) Evitar ou impedir propostas e Projetos de Lei paralelos que possam desmontar com o SUS. No prximo captulo, trataremos da necessidade da sociedade organizada ficar atenta e se somar nesta luta nacional pela Regulamentao da EC-29 e, conseqentemente, pelo direito sade e qualidade de vida.

Diretrizes do SUS: I descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo; II atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; III participao da comunidade (CF, art 198)

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Princpios do SUS I universalidade de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia; II integralidade de assistncia, entendida como conjunto articulado e contnuo das aes e servios preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do sistema; III preservao da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade fsica e moral; IV igualdade da assistncia sade, sem preconceitos ou privilgios de qualquer espice; V direito informao, s pessoas assistidas, sobre sua sade; VI divulgao de informaes quanto ao potencial dos servios de sade e a sua utilizao pelo usurio; VII utilizao da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocao de recursos e a orientao programtica; VIII participao da comunidade IX descentra-lizao poltico administrativa, com direo nica em cada esfera de governo: a) nfase na descentralizao dos servios para os municpios; b) regionalizao e hierarquizao da rede de servios de sade; X integrao em nvel executivo das aes de sade, meio ambiente e saneamento bsico; XI conjugao dos recursos financeiros, tecnolgicos, materiais e humanos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios na prestao de servios de assistncia sade da populao; XII capacidade de resoluo dos servios em todos os nveis de assistncia; XIII organizo dos servios pblicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idnticos. (Lei 8080, art 7

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7. O financiamento da sade e o controle socialNeste captulo, vamos tratar do controle pblico do oramento da sade, bem como do papel do controle social e da necessidade de qualificao e articulao da comunidade em vista da efetivao do direito humano sade.

7.1 O controle pblico do oramentoA sociedade brasileira praticamente desconhece o funcionamento dos oramentos pblicos nas trs esferas de governo em nosso pas. Muito mais que uma mera pea contbil e burocrtica, o oramento do municpio, do estado e da Unio so instrumentos de organizao da gesto pblica. Eles so o resultado de inmeras articulaes sociais e polticas que se materializam no planejamento da arrecadao de recursos pelo poder pblico e o plano de investimentos, valendo-se dos gastos necessrios para garantir o funcionamento da mquina administrativa e as obras e polticas pblicas.

7.2 Leis oramentrias e o SUSPela Constituio brasileira, o oramento pblico do municpio, do estado e da Unio constitudo a partir de trs leis: a) Plano Plurianual (PPA): estabelece o planejamento global da ao governamental. Define os objetivos e as metas da gesto pblica num perodo de quatro anos. b) Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO): uma lei anual e trata das normas que orientam a elaborao da lei oramen-

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tria e do prprio oramento pblico. c) Lei Oramentria Anual (LOA): a pea oramentria propriamente dita. Define o oramento do municpio, do estado ou da Unio, abarcando os seus fundos, empresas pblicas e demais rgos institudos e mantidos pelo poder pblico. A elaborao das leis acima referidas envolve o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Na prtica, as leis so elaboradas pelos Executivos e negociadas no Legislativo que tem a misso de aprov-las (com ou sem emendas) para que possam ter validade. Em relao ao SUS, o oramento dever respeitar a EC 29 que dispe sobre a vinculao da receita pblica a ser investida em sade. Alm disso, est estabelecido na Lei 8.080 que imprescindvel que cada administrao mantenha o seu Fundo Municipal de Sade.

7.3 Papel do controle social em relao ao oramento pblico da sadeNo Brasil, o controle social do oramento da sade est previsto na legislao do SUS. Os conselhos de sade tm a responsabilidade de acompanhar a aplicao dos oramentos, deliberando e fiscalizando. Assim sendo, na prtica, o controle social do SUS tem funo de controlar as despesas pblicas relacionadas sade no Brasil. No entanto, para que os conselhos possam cumprir adequadamente com a sua funo, necessrio, antes de qualquer coisa, conhecer a forma de funcionamento do oramento da sade. Sem isso, qualquer tentativa de garantir um mnimo de acompanhamento e controle fica prejudicada. Para tanto, importan40 te levar em conta as se-

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guintes necessidades: a) Os conselheiros precisam se aprimorar, buscando obter informaes sobre como funciona o oramento da sade. Precisam saber sobre os valores arrecadados, quanto orado para a sade e como so feitos os gastos e o controle; b) Os conselhos de sade precisam ter como pauta prioritria a implementao dos Fundos de Sade. Sem o funcionamento apropriado dos Fundos de Sade, no h como se fazer o adequado controle social; c) Os conselhos de sade devem estar sempre atentos para os prazos em relao ao encaminhamento, pelo Poder Executivo, das leis do oramento pblico e tramitao e votao dessas Leis no Poder Legislativo. Os conselhos devem inclusive debater e deliberar anteriormente sobre a parte do oramento referente sade; d) A prestao de contas dos recursos da sade tem regulamentao prpria. Precisam ser feitas as audincias pblicas trimestrais conforme estabelece o art. 12 da Lei 8689 de 27 de julho de 1993. Tambm so necessrios os relatrios de gesto anuais a serem apresentados pelos gestores aos conselhos de sade para anlise e deliberao; e) imprescindvel que os conselhos mantenham funcionando comisses de oramento e/ou finanas, com a misso de acompanhar permanentemente a evoluo dos oramentos pblicos relativos sade. Este acompanhamento implica na verificao de relatrios, de documentos relativos aos gastos (empenhos, notas fiscais, transferncias de recursos, etc) e, inclusive, de extratos bancrios das contas pblicas; f) A cada dvida sobre a aplicao dos recursos pblicos, os conselheiros de sade tm a obrigao de solicitar esclarecimentos ao gestor. No sendo sanada a dvida ou havendo indcios de irregularidades, deve ser apresentada denncia aos rgos competentes. So rgos competentes para receber denncias sobre o mau uso dos recursos pblicos: I. O Poder Legislativo atravs de suas instncias prprias (Comisses de Oramento e Finanas e Mesa Diretora);

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II. Tribunais de Contas (por meio de representao ou denncia formal atravs de documentao e ofcios); III. Ministrio Pblico (por meio de representao ou denncia formal atravs de documentao e ofcios aos Promotores Pblicos); IV. Tribunais de Justia (por meio de Ao Popular ou Ao Civil Pblica); g) Os conselhos de sade, atravs de seus dirigentes e integrantes, precisam sempre se articular social e politicamente da forma mais ampla possvel. Para isso, necessrio se fazer valer de relaes com rgos de imprensa, instituies pblicas, autoridades e lideranas diversas, a fim de promover o fortalecimento dos espaos de controle social.

7.4 A prtica do controle social para alm dos espaos formaisNo h dvidas que um dos maiores avanos do SUS a garantia da participao da comunidade na elaborao e na fiscalizao da implementao da poltica pblica de sade. Porm, a participao no se realiza somente a partir das conferncias e dos Conselhos de Sade. A sociedade precisa ter outros espaos e mecanismos de defesa e de construo do SUS, para alm dos espaos formais. Neste sentido, convm organizar fruns de luta pela sade nos municpios e regies, a fim de integrar um conjunto maior de sujeitos sociais populares na defesa dos interesses da comunidade, potencializando e qualificando o exerccio do controle social de forma permanente, ampla, propositiva e articulada. Boa organizao e luta!

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8. ANEXO Substitutivo aos projetos de Lei Complementar N 1/2003, N 159/2004 e N 181/2004Comisso de Seguridade Social e da Famlia

Regulamenta o 3 do artigo 198 da Constituio Federal e d outras providncias. O Congresso Nacional Decreta: CAPTULO I DAS DISPOSIES PRELIMINARES Art. 1. Esta Lei Complementar estabelece, nos termos do 3 do art. 198 da Constituio: I as normas de clculo do montante mnimo a ser aplicado anualmente pela Unio em aes e servios pblicos de sade; II os percentuais incidentes sobre impostos e transferncias constitucionais para aferio dos recursos mnimos a serem aplicados anualmente pelos Estados, Distrito Federal e Municpios em aes e servios pblicos de sade; III os critrios de rateio dos recursos da Unio vinculados sade destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municpios, visando progressiva reduo das disparidades regionais; IV as normas de fiscalizao, avaliao e controle das despesas com sade nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Pargrafo nico. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como ente da Federao a Unio, cada Estado, o Distrito Federal e cada Municpio. CAPTULO II DAS AES E SERVIOS PBLICOS DE SADE Art. 2. Para fins de apurao da aplicao dos recursos mnimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-o como despesas com aes e servios pblicos de sade aquelas voltadas para a promoo, proteo e recuperao da sade, que atendam, simultaneamente, aos princpios estatudos no artigo 7 da Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, e s seguintes diretrizes: I sejam destinadas s aes e servios de acesso universal, igualitrio e gratuito; II estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Sade de cada ente da Federao; e III sejam de responsabilidade especfica do setor de sade, no se confundindo com despesas relacionadas a outras polticas pblicas que atuam sobre determinantes sociais e econmicos, ainda que incidentes sobre as condies de sade.

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Art. 3. Observadas as disposies do art. 200 da Constituio Federal, do art. 6 da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, e do art. 2 desta Lei Complementar, para efeito da apurao da aplicao dos recursos mnimos aqui estabelecidos, sero consideradas despesas com aes e servios pblicos de sade as referentes a: I vigilncia em sade, incluindo a epidemiolgica e a sanitria; II ateno integral e universal sade em todos os nveis de complexidade, incluindo assistncia teraputica e recuperao de deficincias nutricionais; III capacitao do pessoal de sade do Sistema nico de Sade ? SUS; IV Desenvolvimento cientfico e tecnolgico e controle de qualidade promovidos por instituies do SUS; V produo, aquisio e distribuio de insumos especficos dos servios de sade do SUS, tais como: imunobiolgicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos mdico-odontolgicos; VI aes de saneamento bsico prprio do nvel domiciliar ou de pequenas comunidades, desde que aprovadas pelo Conselho de Sade do ente da Federao, as efetivadas nos Distritos Sanitrios Especiais Indgenas e outras a critrio do Conselho Nacional de Sade; VII aes de manejo ambiental vinculadas diretamente ao controle de vetores de doenas; VIII gesto do sistema pblico de sade e operao das unidades prestadoras de servios pblicos de sade; IX - investimentos na rede fsica do SUS, que inclui a execuo de obras de recuperao, reforma, ampliao e construo de estabelecimentos de sade; X aes de apoio administrativo realizadas pelas instituies pblicas do SUS e imprescindveis execuo das aes e servios pblicos de sade; e XI remunerao de pessoal ativo em exerccio na rea de sade, incluindo os encargos sociais. Pargrafo nico. Sero consideradas na apurao dos recursos mnimos de que trata esta Lei Complementar as despesas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios com amortizao e encargos financeiros referentes a operaes de crdito destinadas ao financiamento de aes e servios pblicos de sade, cujos recursos tenham sido efetivamente aplicados entre 1 de janeiro de 2000 e a data da publicao desta Lei. Art. 4. No constituem despesas com aes e servios pblicos de sade, para fins de apurao dos recursos mnimos de que trata esta Lei Complementar, aquelas realizadas com: I pagamento de inativos e pensionistas, inclusive os da sade; II pessoal ativo da rea de sade, quando em atividade alheia respectiva rea; III servios mantidos preferencialmente para o atendimento de servidores ativos e inativos, civis e militares, bem como dos respectivos dependentes e pensionistas; IV merenda escolar e outros programas de alimentao, ainda que executados em unidades do SUS, ressalvado o disposto no inciso II do art. 3 desta Lei Complementar; V aes de saneamento bsico em cidades em que os servios sejam implantados ou mantidos com recursos provenientes de fundo especfico, taxas, tarifas ou preos pblicos; VI limpeza urbana e remoo de resduos; VII preservao e correo do meio ambiente realizadas pelos rgos de meio ambiente dos entes da Federao e por entidades no-governamentais; VIII aes de assistncia social; IX obras de infra-estrutura urbana, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede de sade; e X aes e servios pblicos de sade custeados com recursos que no os especificados na base de clculo definida nesta Lei Complementar ou vinculados a fundos especficos. CAPTULO III DA APLICAO DE RECURSOS EM AES E SERVIOS PBLICOS DE SADE Seo I Dos Recursos Mnimos Art. 5. A Unio aplicar anualmente em aes e servios pblicos de sade, no mnimo, o

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montante equivalente a dez por cento de suas receitas correntes brutas, constantes dos Oramentos Fiscal e da Seguridade Social, tomadas como base de clculo. 1 Para efeitos desta Lei Complementar, consideram-se receitas correntes brutas a integralidade das receitas tributrias, de contribuies, patrimoniais, industriais, agropecurias, de servios, de transferncias correntes e outras receitas tambm correntes. Art. 6. Os Estados e o Distrito Federal aplicaro, anualmente, em aes e servios pblicos de sade, no mnimo, doze por cento da arrecadao dos impostos a que se refere o art.155 e dos recursos de que tratam os art. 157 e 159, inciso I, alnea a, e inciso II, da Constituio Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municpios. Pargrafo nico. Aplica-se o percentual de que trata o caput aos impostos arrecadados pelo Distrito Federal e s transferncias previstas no art. 198, 2, incisos II e III da Constituio, que no possam ser segregados em base estadual e em base municipal. Art. 7. Os Municpios e o Distrito Federal aplicaro anualmente em aes e servios pblicos de sade, no mnimo, quinze por cento da arrecadao dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os art. 158 e 159, inciso I, alnea b e 3, da Constituio Federal. Art. 8. Inclui-se na base de clculo dos valores a que se referem os artigos 6 e 7 desta Lei Complementar o montante de recursos financeiros transferidos, em moeda, pela Unio aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, a ttulo de compensao financeira pela perda de receitas decorrentes da desonerao das exportaes, nos termos da Lei Complementar n 87, de 13 de setembro de 1996, bem como de outras compensaes de mesma natureza que vierem a ser institudas em face da perda de receitas de impostos e de transferncias previstos no art. 198, 2, incisos II e III da Constituio. Art. 9. Para efeito do clculo da base da receita prevista nos artigos 6 e 7 desta Lei Complementar, devem ser considerados os recursos decorrentes da dvida ativa, da multa e dos juros de mora provenientes dos impostos e da sua respectiva dvida ativa. Art. 10. Os Estados, o Distrito Federal e os Municpios devero observar o disposto nas respectivas Constituies ou Leis Orgnicas, sempre que os percentuais nelas estabelecidos forem superiores aos fixados nesta Lei Complementar para aplicao em aes e servios pblicos de sade. Seo II Do Repasse e Aplicao dos Recursos Mnimos Art. 11. Os recursos da Unio sero repassados ao Fundo Nacional de Sade e s demais unidades oramentrias que compem o rgo Ministrio da Sade, para serem aplicados em aes e servios pblicos de sade. Art. 12. Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios sero repassados aos Fundos de Sade, para serem aplicados em aes e servios pblicos de sade, por meio de contas especiais mantidas em instituio financeira oficial. Pargrafo nico. Para fins do previsto no caput, sero mantidas, separadamente, contas bancrias para o gerenciamento dos seguintes recursos: I provenientes da aplicao dos percentuais mnimos vinculados s aes e servios pblicos de sade, na forma prevista nos arts. 6, 7 e 8 desta Lei Complementar; II provenientes das transferncias regulares e automticas do Fundo Nacional de Sade; III provenientes de repasses de outros entes da Federao; IV provenientes de operaes de crdito internas e externas vinculadas sade; e V outras receitas destinadas sade. Art. 13. O Fundo de Sade, institudo por lei e mantido em funcionamento junto a rgo vinculado ao SUS da administrao direta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, constituir-se- em unidade oramentria e gestora dos recursos destinados a aes e servios pblicos de sade, ressalvados os recursos repassados diretamente s unidades vinculadas ao Ministrio da Sade. Art. 14. Os recursos provenientes de taxas, tarifas ou multas arrecadados por entidades prprias da rea da sade que integram a administrao direta ou indireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios devero ser aplicados em aes e servios pblicos de sade pelas respectivas entidades, no sendo considerados, no entanto, para fins de apurao dos recursos mnimos previstos nesta Lei Complementar. Art. 15. Os recursos de que trata esta Lei Complementar, enquanto no empregados na sua

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finalidade e ressalvados os casos previstos em lei, devero ser aplicados em conta vinculada mantida junto instituio financeira oficial, sob a responsabilidade do gestor de sade e de acordo com a legislao especfica em vigor. Pargrafo nico. As receitas financeiras decorrentes das aplicaes referidas no caput devero ser utilizadas em aes e servios pblicos de sade, no sendo consideradas, no entanto, para fins de apurao dos recursos mnimos previstos nesta Lei Complementar. Art. 16. O repasse dos recursos previstos nos art. 5, 6, 7 e 8 desta Lei Complementar ser feito diretamente ao Fundo de Sade do respectivo ente da Federao e, no caso da Unio, tambm s demais unidades oramentrias do Ministrio da Sade, observados os seguintes prazos: I - recursos arrecadados do primeiro ao dcimo dia de cada ms: at o vigsimo dia; II - recursos arrecadados do dcimo primeiro ao vigsimo dia de cada ms: at o trigsimo dia; III - recursos arrecadados do vigsimo primeiro dia ao final de cada ms: at o dcimo dia do ms subseqente. Seo III Da Movimentao dos Recursos da Unio Art. 17. O rateio dos recursos da Unio aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios para aes e servios pblicos de sade ser realizado segundo o critrio de necessidades de sade da populao e levar em considerao as dimenses epidemiolgica, demogrfica, socioeconmica, espacial e de capacidade de oferta de aes e de servios de sade, respeitado o princpio de igualdade de recursos para necessidades iguais. 1 O Ministrio da Sade definir e publicar, anualmente, utilizando metodologia pactuada na Comisso Intergestores Tripartite e aprovada pelo Conselho Nacional de Sade, os montantes a serem transferidos a cada Estado, Distrito Federal e Municpio para custeio das aes e servios pblicos de sade. 2 O Fundo Nacional de Sade manter os Conselhos de Sade e os Tribunais de Contas de cada ente da Federao informados sobre o montante de recursos previsto para transferncia da Unio para Estados, Distrito Federal e Municpios, com base na habilitao da gesto e na prestao de servios pela rede conveniada e contratada do Sistema nico de Sade, bem como o efetivamente realizado. 3 Os recursos destinados a investimentos tero sua programao realizada anualmente e, em sua alocao, sero considerados prioritariamente critrios que visem reduzir as desigualdades na oferta de aes e servios pblicos de sade e garantir a integralidade da ateno sade. Art. 18. As transferncias da Unio para Estados, Distrito Federal e Municpios destinadas a financiar aes e servios pblicos de sade sero realizadas diretamente aos Fundos de Sade, de forma regular e automtica, de acordo com a programao elaborada pelo Ministrio da Sade e aprovada pelo Conselho Nacional de Sade. Pargrafo nico. Em situaes especficas e excepcionais, por proposta da Comisso Intergestores Tripartite e com a aprovao do Conselho Nacional de Sade, os recursos de que trata o caput podero ser transferidos aos Fundos de Sade de cada ente da Federao mediante a celebrao de convnio ou outros instrumentos congneres ou diretamente aos prestadores de servios da rede conveniada ou contratada do SUS. Seo IV Da Movimentao dos Recursos dos Estados Art. 19. O rateio dos recursos dos Estados aos Municpios para aes e servios pblicos de sade ser realizado segundo o critrio de necessidades de sade da populao e levar em considerao as dimenses epidemiolgica, demogrfica, socioeconmica, espacial e de capacidade de oferta de aes e servios de sade, respeitado o princpio de igualdade de recursos para necessidades iguais. 1 Os Planos Estaduais de Sade devero explicitar a metodologia de alocao dos recursos estaduais aos Municpios e a previso anual de recursos para cada Municpio, pactuadas na Comisso Intergestores Bipartite e aprovadas pelo Conselho Estadual de Sade. 2 O Fundo Estadual de Sade manter o respectivo Conselho de Sade e Tribunal de Contas informados sobre o montante de recursos previsto para transferncia do Estado para os Municpios, com base na habilitao da gesto e na prestao de servios pela rede conveniada e contratada do Sistema nico de Sade, bem como o efetivamente realizado. Art. 20. As transferncias dos Estados para os Municpios destinadas a financiar aes e servios pblicos de sade sero realizadas diretamente aos Fundos de Sade, de forma regular e automtica, em conformidade com a programao elaborada pelo Fundo de Sade Estadual e aprovada

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pelo respectivo Conselho de Sade. Pargrafo nico. Em situaes especficas e excepcionais, por proposta da Comisso Intergestores Bipartite e com a aprovao do Conselho Estadual de Sade, os recursos de que trata o caput podero ser transferidos aos Fundos de Sade dos Municpios mediante a celebrao de convnio ou outros instrumentos congneres ou diretamente aos prestadores de servios da rede conveniada ou contratada do SUS. Art. 21. Os Municpios que estabelecerem consrcios ou outras formas legais de cooperativismo intermunicipal, para a execuo conjunta de aes e servios de sade e cumprimento da diretriz constitucional de regionalizao e hierarquizao da rede de servios, podero remanejar entre si parcelas dos recursos dos Fundos de Sade derivadas tanto de receitas prprias como de transferncias obrigatrias, que sero administradas segundo modalidade gerencial pactuada pelos entes envolvidos. Pargrafo nico. A modalidade gerencial referida no caput dever estar em consonncia com os preceitos do Direito Administrativo Pblico, com os princpios inscritos na Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, e na Lei n 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e com as normas operacionais do SUS pactuadas na Comisso Intergestores Tripartite e aprovadas pelo Conselho Nacional de Sade. Seo V Das Disposies Gerais Art. 22. Para a fixao inicial dos recursos mnimos a que se referem os arts. 5, 6, 7 e 8 desta Lei Complementar, sero consideradas as estimativas constantes das respectivas leis oramentrias. Pargrafo nico. Os valores fixados na forma do caput sero apurados e ajustados a cada quadrimestre, em funo do comportamento da arrecadao. Art. 23. Para fins de aferio da aplicao dos recursos mnimos a que se refere esta Lei Complementar, sero consideradas: I as despesas liquidadas e pagas no exerccio; e II - as despesas inscritas em Restos a Pagar at o limite de disponibilidade de caixa no Fundo de Sade e, no caso da Unio, nas demais unidades oramentrias do Ministrio da Sade, provenientes dos recursos previstos nos art. 5, 6, 7 e 8. Art. 24. Eventual diferena que implique o no-atendimento dos recursos mnimos previstos nesta Lei Complementar dever ser acrescida ao montante mnimo do exerccio subseqente apurao da diferena, sem prejuzo das sanes cabveis. Pargrafo nico. Aplica-se ainda o disposto no caput sempre que o cancelamento ou a prescrio de Restos a Pagar comprometer a aplicao do montante mnimo em aes e servios pblicos de sade. Art. 25. Ficam vedadas a limitao de empenho e a movimentao financeira que comprometam a aplicao dos recursos mnimos previstos nesta Lei Complementar. Art. 26. vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios excluir da base de clculo da receita de que tratam os artigos 5, 6, 7 e 8 desta Lei Complementar quaisquer parcelas de impostos ou transferncias previstas no art. 198, 2, incisos II e III da Constituio Federal, inclusive aquelas vinculadas a fundos ou despesas, quando da apurao dos recursos mnimos a serem aplicados em aes e servios pblicos de sade. Art. 27. Os planos plurianuais, as leis de diretrizes oramentrias, as leis oramentrias anuais e os planos de aplicao dos recursos em aes e servios pblicos de sade sero elaborados de modo a dar cumprimento ao disposto nesta Lei Complementar. 1 O processo de planejamento e oramento ser ascendente e dever partir das necessidades de sade da populao em cada regio, com base no perfil epidemiolgico, demogrfico e socioeconmico, para definir as metas anuais de ateno integral sade e estimar os respectivos custos. 2 Os planos e metas regionais resultantes das pactuaes intermunicipais constituiro a base para os planos e metas estaduais, que promovero a eqidade inter-regional. 3 Os planos e metas estaduais constituiro a base para o plano e metas nacionais, que promovero a eqidade interestadual. 4 Caber aos Conselhos de Sade deliberar sobre as diretrizes para o estabelecimento de prioridades perante os limites de recursos. CAPTULO IV

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DA TRANSPARNCIA, FISCALIZAO, AVALIAO E CONTROLE Seo I Da Transparncia da Gesto da Sade Art. 28. O Poder Executivo da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios dar ampla divulgao, inclusive em meios eletrnicos de acesso pblico, das prestaes de contas da sade, para consulta e apreciao dos cidados e instituies da sociedade, com nfase no que se refere: I explicitao, na prestao de contas anual, do cumprimento do disposto nesta Lei Complementar; II ao relatrio de gesto do Sistema nico de Sade; III avaliao do Conselho de Sade sobre a gesto do Sistema nico de Sade, no mbito do respectivo ente da Federao. Pargrafo nico. A transparncia e visibilidade sero asseguradas, tambm, mediante incentivo participao popular e realizao de audincias pblicas durante o processo de elaborao e discusso do plano plurianual, do plano de sade e do oramento anual. Seo II Da Escriturao e Consolidao das Contas da Sade Art. 29. Os rgos e entidades da administrao direta e indireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios adotaro instrumentos de registro contbeis que garantam a segregao das despesas quanto execuo das aes e servios pblicos de sade. Art. 30. O Fundo de Sade promover a consolidao das contas referentes execuo das aes e servios pblicos de sade por parte dos rgos e entidades da administrao direta e indireta do ente da Federao. Seo III Da Prestao de Contas Art. 31. A prestao de contas de recursos pblicos prevista no artigo 56 da Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000, evidenciar o cumprimento do disposto no art. 198 da Constituio, nesta Lei Complementar e nas demais normas legais concernentes. Art. 32. As receitas e despesas com aes e servios pblicos de sade sero apuradas e publicadas nos balanos do Poder Pblico, assim como em demonstrativo especfico no Relatrio Resumido da Execuo Oramentria de que trata o art. 52 da Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000. Art. 33. O gestor do Sistema nico de Sade em cada esfera de governo apresentar, at o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, ao Conselho de Sade correspondente, em audincia pblica nas Casas Legislativas respectivas e junto ao Conselho de Oramento Participativo, onde houver, relatrio detalhado, referente ao quadrimestre anterior, que contenha, no mnimo, as seguintes informaes: I montante e fonte dos recursos aplicados no perodo; II auditorias realizadas ou em fase de execuo no perodo e suas recomendaes; e III oferta e produo de servios na rede assistencial prpria, contratada e conveniada, cotejando esses dados com os indicadores de sade da populao em seu mbito de atuao. Pargrafo nico. O relatrio de que trata o caput seguir modelo a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Sade. Seo IV Da Fiscalizao da Gesto da Sade Art. 34. O Poder Legislativo, com o auxlio dos Tribunais de Contas, o sistema de auditoria do Sistema nico de Sade e o Conselho de Sade de cada ente da Federao fiscalizaro o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com nfase nos seguintes aspectos: I execuo do plano de sade anual; II alcance das metas para a sade estabelecidas na respectiva lei de diretrizes oramentrias; III aplicao dos recursos mnimos vinculados sade, de acordo com as normas previstas nesta Lei Complementar; IV transferncias dos recursos aos Fundos de Sade; V aplicao dos recursos do SUS, especialmente no que se refere aos montantes mnimos vinculados s aes e servios pblicos de sade, observada a competncia dos rgos de fiscaliza-

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o; e VI destinao dos recursos obtidos com a alienao de ativos adquiridos com recursos vinculados sade. Art. 35. O Ministrio da Sade manter, de forma centralizada, sistema de registro eletrnico das informaes de sade referentes aos oramentos pblicos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, includa sua execuo, garantido o acesso pblico s informaes. 1 A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios alimentaro, obrigatoriamente e em carter declaratrio, o sistema especificado no caput. 2 O Sistema de Informao sobre Oramento Pblico em Sade, ou outro que venha a lhe substituir, apresentar as seguintes caractersticas: I processos informatizados de declarao, armazenamento e extrao dos dados; II disponibilidade do programa de declarao; III publicidade dos dados declarados e dos indicadores calculados; IV realizao de clculo automtico dos recursos mnimos aplicados em aes e servios pblicos de sade previstos nesta Lei Complementar; e V presena de mecanismos que promovam a correspondncia dos dados declarados no sistema e os demonstrativos contbeis publicados pelos entes da Federao. 3 Atribui-se ao gestor de sade declarante dos dados contidos no sistema especificado no caput a responsabilidade pela: I insero de dados no programa de declarao; II fidedignidade dos dados declarados em relao aos demonstrativos contbeis; e III veracidade dos dados inseridos no sistema. 4 O Ministrio da Sade estabelecer as diretrizes para o funcionamento do sistema informatizado, bem como os prazos para a insero ou remessa dos dados previstos neste artigo. 5 Os resultados do monitoramento e avaliao previstos neste artigo sero apresentados de forma objetiva, inclusive por meio de indicadores, e integraro o relatrio de gesto de que trata o art. 4 da Lei n 8.142, de 28 de dezembro de 1990. 6 O Ministrio da Sade, sempre que verificar o descumprimento das disposies previstas nesta Lei Complementar, dar cincia direo local do Sistema nico de Sade e ao respectivo Conselho de Sade, bem como aos rgos de auditoria do SUS, ao Ministrio Pblico, Controladoria-Geral da Unio e ao Tribunal de Contas do respectivo ente da Federao, para a adoo das medidas cabveis. Art. 36. O Ministrio da Sade disponibilizar, aos respectivos Tribunais de Contas, informaes prestadas pela Unio, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municpios, para utilizao nas atividades de fiscalizao e controle externo daqueles rgos. Pargrafo nico. Constatadas divergncias entre os dados disponibilizados pelo Ministrio da Sade e os obtidos pelos Tribunais de Contas em seus procedimentos de fiscalizao, ser dada cincia ao Ministrio da Sade e direo local do SUS, para que sejam tomadas as medidas cabveis, sem prejuzo das sanes previstas em lei. Art. 37. Os Conselhos de Sade avaliaro, no mximo, a cada quadrimestre, o relatrio do gestor da sade sobre a execuo desta Lei Complementar e a sua repercusso nas condies de sade da populao e na qualidade dos servios de sade do SUS. Pargrafo nico. Com base na avaliao dos relatrios referidos no caput, os Conselhos de Sade encaminharo ao Chefe do Poder Executivo da respectiva esfera de governo as indicaes quanto adoo de medidas corretivas e contribuies para a formulao das polticas de sade. CAPTULO V DAS DISPOSIES FINAIS E TRANSITRIAS Art. 38. A Unio prestar cooperao tcnica aos Estados e ao Distrito Federal para a implementao do disposto no art. 19 desta Lei Complementar. Art. 39. A Unio prestar cooperao tcnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios para a modernizao dos respectivos Fundos de Sade, com vistas ao cumprimento das

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normas desta Lei Complementar. 1 A cooperao tcnica consiste no treinamento e no desenvolvimento de recursos humanos e na transferncia de tecnologia visando operacionalizao do sistema eletrnico de que trata o art. 35 desta Lei Complementa