carta de salvador - v congresso nacional do pt

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CARTA DE SALVADOR 1. Reunido em seu V Congresso, o Partido dos Trabalhadores, na presença de centenas de militantes de todo o País, renova sua confiança no povo brasileiro, protagonista das grandes transformações que vivenciamos nos anos mais recentes. Reafirmamos, igualmente, nossa convicção de que a edificação de uma nova sociedade, justa, fraterna e solidária, uma Pátria socialista, só se fará com o aprofundamento da democracia e a ampla participação organizada das maiorias sociais. Por isso, diante do cenário atual, em que o mundo sofre as consequências do terremoto da crise global do capitalismo, o PT vem a público apresentar propostas de superação das dificuldades do momento, ao tempo em que nos fiamos na determinação e competência do governo da presidenta Dilma para nos liderar nessa travessia. Reconhecemos nossos avanços, apontamos nossos erros, sugerimos novos caminhos a trilhar e, sobretudo, divisamos um futuro de esperança, de progresso social e de paz. Ao lado de resoluções que dizem mais respeito ao nosso funcionamento interno, divulgamos a presente “Carta de Salvador”, um documento de compromissos históricos, de revigoramento de nossos princípios fundantes e de atualização de nosso projeto. 2. O mundo vive sob as condições geradas pela crise do capitalismo irrompida em 2008, a mais grave e prolongada desde o colapso de 1929. 3. Um tsunami devastou o sistema internacional de crédito, reduziu os fluxos comerciais entre as nações, expôs a contradição entre a crescente capacidade produtiva e a diminuição relativa da renda dos povos e desnudou os laços de dominação das grandes potências sobre os países emergentes e em desenvolvimento. 4. A resposta hegemônica dos países capitalistas dominantes vem aguçando o conflito que opõe os interesses dos trabalhadores e dos países dependentes contra os objetivos imperialistas, neoliberais e das grandes corporações internacionais. 5. O repertório neoliberal frente à crise, rebatizado de austeridade fiscal, tem entre seus principais ingredientes a redução de salários e direitos, o corte dos gastos públicos, a salvaguarda estatal dos bancos privados, o protecionismo comercial e a imposição de novas medidas para a integração subordinada das nações emergentes à ordem econômica mundial. 6. Ao lado da China e da Rússia, e mais recentemente o governo grego, a América Latina tem se constituído em uma das principais frentes de resistência a essa estratégia, pela via autônoma que a região busca construir desde a eleição dos presidentes Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva, na virada do século, seguida de triunfos eleitorais progressistas em outros países importantes. 7. A região latino-americana e caribenha trata de consolidar um modelo de desenvolvimento cujo eixo principal é a criação de amplos mercados nacionais de massa, impulsionados por políticas de distribuição de renda, fortalecimento do mercado de trabalho, soberania sobre as riquezas naturais e fortalecimento do poder público. 8. Apesar das distintas realidades locais e dos diferentes caminhos para a implementação de mudanças, a América Latina tem se empenhado em intensificar a integração regional, construindo instituições políticas, comerciais e financeiras que consolidem um projeto sustentavelmente autônomo, como servem de exemplo o Mercosul, a UNASUL, a CELAC. 9. Os resultados sociais e econômicos são fortemente positivos nos últimos quinze anos: taxas superiores de crescimento do PIB, destacada diminuição da miséria e da desigualdade social, ampliação dos direitos e serviços públicos, melhoria sensível dos indicadores de saúde e educação.

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Resultados das reuniões entre lideranças, filiados e militantes do Partido dos Trabalhadores em seu 5º Congresso Nacional sediado na cidade de Salvador.

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  • CARTA DE SALVADOR

    1. Reunido em seu V Congresso, o Partido dos Trabalhadores, na presena de centenas de militantes de todo o Pas, renova sua confiana no povo brasileiro, protagonista das grandes transformaes que vivenciamos nos anos mais recentes. Reafirmamos, igualmente, nossa convico de que a edificao de uma nova sociedade, justa, fraterna e solidria, uma Ptria socialista, s se far com o aprofundamento da democracia e a ampla participao organizada das maiorias sociais. Por isso, diante do cenrio atual, em que o mundo sofre as consequncias do terremoto da crise global do capitalismo, o PT vem a pblico apresentar propostas de superao das dificuldades do momento, ao tempo em que nos fiamos na determinao e competncia do governo da presidenta Dilma para nos liderar nessa travessia. Reconhecemos nossos avanos, apontamos nossos erros, sugerimos novos caminhos a trilhar e, sobretudo, divisamos um futuro de esperana, de progresso social e de paz. Ao lado de resolues que dizem mais respeito ao nosso funcionamento interno, divulgamos a presente Carta de Salvador, um documento de compromissos histricos, de revigoramento de nossos princpios fundantes e de atualizao de nosso projeto.

    2. O mundo vive sob as condies geradas pela crise do capitalismo irrompida em 2008, a mais

    grave e prolongada desde o colapso de 1929.

    3. Um tsunami devastou o sistema internacional de crdito, reduziu os fluxos comerciais entre as naes, exps a contradio entre a crescente capacidade produtiva e a diminuio relativa da renda dos povos e desnudou os laos de dominao das grandes potncias sobre os pases emergentes e em desenvolvimento.

    4. A resposta hegemnica dos pases capitalistas dominantes vem aguando o conflito que ope os

    interesses dos trabalhadores e dos pases dependentes contra os objetivos imperialistas, neoliberais e das grandes corporaes internacionais.

    5. O repertrio neoliberal frente crise, rebatizado de austeridade fiscal, tem entre seus principais

    ingredientes a reduo de salrios e direitos, o corte dos gastos pblicos, a salvaguarda estatal dos bancos privados, o protecionismo comercial e a imposio de novas medidas para a integrao subordinada das naes emergentes ordem econmica mundial.

    6. Ao lado da China e da Rssia, e mais recentemente o governo grego, a Amrica Latina tem se

    constitudo em uma das principais frentes de resistncia a essa estratgia, pela via autnoma que a regio busca construir desde a eleio dos presidentes Hugo Chvez e Luiz Incio Lula da Silva, na virada do sculo, seguida de triunfos eleitorais progressistas em outros pases importantes.

    7. A regio latino-americana e caribenha trata de consolidar um modelo de desenvolvimento cujo

    eixo principal a criao de amplos mercados nacionais de massa, impulsionados por polticas de distribuio de renda, fortalecimento do mercado de trabalho, soberania sobre as riquezas naturais e fortalecimento do poder pblico.

    8. Apesar das distintas realidades locais e dos diferentes caminhos para a implementao de

    mudanas, a Amrica Latina tem se empenhado em intensificar a integrao regional, construindo instituies polticas, comerciais e financeiras que consolidem um projeto sustentavelmente autnomo, como servem de exemplo o Mercosul, a UNASUL, a CELAC.

    9. Os resultados sociais e econmicos so fortemente positivos nos ltimos quinze anos: taxas

    superiores de crescimento do PIB, destacada diminuio da misria e da desigualdade social, ampliao dos direitos e servios pblicos, melhoria sensvel dos indicadores de sade e educao.

  • 10. inegvel, porm, que a alterao do cenrio internacional estabeleceu impasses para o

    aprofundamento desse modelo.

    11. A queda abrupta do excedente comercial, provocada pela derrubada dos preos internacionais de commodities e do volume de transaes, e ainda, a expressiva diminuio na arrecadao causada pela queda importante da atividade da indstria, afetaram drasticamente a principal fonte de financiamento das polticas social-desenvolvimentistas.

    12. Tambm se intensificou a tenso entre expanso da renda popular e cadeias produtivas,

    fortemente dependentes do capital privado local e mundial. Muitos dos atuais problemas inflacionrios, fiscais e cambiais derivam dessa desarmonia.

    13. Este novo quadro agua as lutas de classes em toda a regio, sob a forma de conflitos

    distributivos em tempos de escassez. Enquanto a insacivel acumulao capitalista demanda compresso de salrios e direitos para aumentar a rentabilidade dos negcios e sua competitividade internacional, a continuidade da ascenso dos pobres da cidade e do campo passou a depender de reformas tributrias e nacionalizao de ativos que favoream uma maior distribuio de renda.

    14. Os pases imperialistas, particularmente os Estados Unidos, valem-se da crise para desencadear

    uma ofensiva contra as experincias latino-americanas, estimulando movimentos para sua derrocada e pressionando pela substituio do modelo, com o objetivo de, pelo acesso fcil aos mercados e s riquezas naturais da regio, acumular e concentrar mais capital.

    15. Diante deste quadro, os governos progressistas defrontam-se com dilemas cruciais: aprofundar

    a integrao regional ou curvar-se insero subordinada ao sistema comandado pelo imperialismo; promover reformas que reduzam a transferncia de renda do Estado para grupos privados ou ceder s exigncias de mercado para ampliar os ganhos do grande capital.

    16. O Brasil, desde 2003, quando toma posse o presidente Lula, um dos pilares da nova realidade

    latino-americana, em suas conquistas e desafios.

    17. H quase treze anos o pas vive a implantao progressiva de um projeto de desenvolvimento com incluso social, gerao de milhes de novos empregos, distribuio de renda, fortalecimento do mercado de trabalho e abertura de oportunidades para a populao.

    18. Os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, aproveitando-se com inteligncia e

    firmeza das condies externas e internas, vigentes at a ecloso da crise capitalista, foram paulatinamente reduzindo as taxas de juros, eliminando a dvida pblica externa e diminuindo o peso relativo do endividamento interno.

    19. O Estado, a partir deste redimensionamento dos encargos financeiros, amealhou recursos para

    um conjunto de programas que mudaram drasticamente a vida dos brasileiros mais pobres, em um fenmeno que se refletiu em formidvel ampliao do consumo de bens e servios, que, com o simultneo fortalecimento do mercado de trabalho, se constituram em motores da nova etapa de desenvolvimento nacional.

    20. Alm das polticas sociais que precisam ser consolidadas -- o poder pblico retomou dinamismo

    como principal investidor em obras de infraestrutura e projetos estratgicos, tanto atravs de recursos oramentrios quanto do robustecimento de bancos e empresas estatais.

    21. Graas a um longo perodo de recuperao econmica, o Pas tornou-se destino obrigatrio dos

    fluxos internacionais de investimento, com rebaixamento acentuado da taxa de desemprego e escalada nos salrios pagos nos distintos ramos de atividade.

    22. A ecloso da crise internacional, no entanto, abalou o financiamento desse modelo de

  • desenvolvimento, que muito se alimentava do excedente comercial crescente entre 2004 e 2010, com suas boas consequncias para as finanas pblicas.

    23. O Estado comeou a perder capacidade de financiar o modelo de desenvolvimento em

    construo. A persistncia da crise mundial, ao reduzir o saldo de exportaes, foi respondida pelo governo com subsdios fiscais, para tentar manter o ritmo da economia, e elevao da taxa bsica de juros para atrair capitais que permitissem fechar positivamente as contas do pas. O esprito animal do capital industrial no despertou, apesar da ampla poltica de desoneraes. At mesmo porque setores do capital industrial foram seduzidos pelas altas taxas de remunerao do rentismo.

    24. O governo da presidenta Dilma Rousseff, com essas medidas, conseguiu defender o emprego e

    a renda dos trabalhadores, mas a soma de desoneraes dos grupos capitalistas e arremetida dos custos da dvida interna esvaziaram os cofres do Estado, ainda mais depauperados pelo enfraquecimento do PIB e da queda da arrecadao tributria.

    25. O excedente comercial dos primeiros dez anos permitiu o avano do projeto petista sem mexer

    nas estruturas rentistas herdadas dos governos neoliberais, mas a retrao mundial escancarou o carter antinacional da financeirizao de empresas produtivas e da concentrao de renda provocada pela acumulao de bnus da dvida interna.

    26. Alm de sangrar o oramento nacional, pois boa parte das receitas pblicas federais se destinam

    a pagamento e amortizao de ttulos do Tesouro, o rentismo inibe os investimentos privados e aprofunda o processo de desindustrializao, ao pressionar para cima o cmbio e reduzir a competitividade das exportaes brasileiras.

    27. A verdade que a baixa do supervit comercial, em convivncia com estas velhas estruturas

    rentistas, desacelerou o crescimento da economia e a expanso do mercado interno, derrubou a taxa de investimentos e penalizou tanto a renovao da infraestrutura quando a ampliao dos servios pblicos.

    28. O Partido dos Trabalhadores reconhece que essa situao exige a abertura de um novo ciclo, no

    qual reformas estruturais, investimentos em inovao, desenvolvimento cientfico e tecnolgico, maior capacitao e valorizao da fora de trabalho abram campo para a afirmao do projeto nacional de desenvolvimento implantado a partir de 2003.

    29. A nova realidade impe um desmonte progressivo do rentismo, um combate implacvel aos

    saudosistas do neoliberalismo a fim de recuperar a soberania financeira do Estado.

    30. A oposio de direita, a mdia monopolizada e seus aliados mais conservadores defendem que a retomada do crescimento depende da atrao de capitais externos a qualquer custo, atravs da reduo relativa de salrios e direitos, elevadas taxas de juros, privatizaes e desregulamentaes, diminuio dos gastos pblicos e a insero subordinada do Pas em acordos de livre-comrcio e nas cadeias produtivas globais.

    31. O PT se contrape a esse ponto de vista, prejudicial aos interesses nacionais e maioria da

    populao brasileira.

    32. A opo pela qual lutamos a da transio de polticas pblicas para reformas de base. O pas precisa de um novo programa para um novo ciclo de desenvolvimento, cujo ncleo fundamental a transformao do sistema tributrio, regressivo, injusto, concentrador de renda e riqueza. Coerente com isso, o ajuste fiscal no deve recair sobre os trabalhadores. Por essa razo preciso que as medidas tenham como princpio a justia fiscal aprimorando aes como a MP 675 que eleva a CSLL de 15% para 20% no caso dos lucros e dividendos dos bancos.

    33. O PT defende tambm a reverso da poltica de juros altos, comprovadamente ineficaz no

    combate inflao nesta fase de retrao da demanda e gravosa para o Tesouro. preciso

  • conduzir a orientao geral da poltica econmica para a implementao de estratgias para a retomada do crescimento, para a defesa do emprego, do salrio e demais direitos dos trabalhadores, que permitam a ampliao das polticas sociais.

    34. O partido acha urgente, ainda, a instituio do imposto sobre grandes fortunas, grandes heranas

    e sobre lucros e dividendos, para alavancar o modelo de desenvolvimento sustentvel com justia social.

    35. Tambm advoga a mudana das alquotas do Imposto de Renda, com elevao do atual teto,

    aliviando a carga tributria sobre a produo e a maioria dos assalariados e onerando os grandes patrimnios e as grandes riquezas.

    36. preciso inverter a lgica do sistema atual, que concentra a carga tributria sobre impostos

    indiretos, regressivos e injustos, pois atingem a todos igualmente (como so o ICMS e o IPI), para incidi-la mais sobre os impostos diretos, a fim de fazer pagar mais quem tem mais.

    37. Consideramos imprescindvel um amplo debate nacional sobre financiamento da Sade Pblica.

    38. Estas medidas, que a outras se somam, particularmente a manuteno da poltica de contedo

    nacional e do regime de partilha na explorao do pr-sal, so fundamentais para dotar o governo de recursos que possibilitem a execuo das cinco reformas indispensveis para a edificao do Estado de bem-estar social: agrria, urbana, educacional, sanitria e de transportes.

    39. Vital, tambm, para o PT, a transformao do Estado, para democratiz-lo, dar-lhe

    transparncia, abri-lo participao e ao controle da sociedade, bem como torn-lo mais eficiente.

    40. Entre vrias reformas do Estado necessrias, o PT aponta trs, como medidas imediatas.

    41. A primeira consiste na reorganizao administrativa e institucional, que viabilize a reprogramao de todas as polticas pblicas a partir da matricialidade e integrao setorial de suas especialidades. Enquanto o Estado funciona na forma de caixinhas setoriais (educao, sade, trabalho, entre outros) e regionais, os problemas atuais tornam-se cada vez mais complexos e totalizantes, incapazes de serem superados pela lgica de organizao pblica em partes que no se comunicam, quando concorrentes entre si. A fonte disso encontra-se centrada na recuperao do sistema de planejamento democrtico e transparente de mdio e longo prazos.

    42. A segunda concentra-se na necessria ampliao das polticas distributivas para as

    redistributivas. Ou seja, a transio da melhor repartio social do oramento governamental para a expanso da progressividade do fundo pblico.

    43. Arrecadando mais e melhor, o Estado passa a alterar, de maneira mais forte e eficaz, a

    desigualdade medieval que, apesar dos governos progressistas, ainda persiste nos pases latino-americanos.

    44. A terceira, por fim, refere-se reinveno do mercado, tendo em vista o poder dos grandes

    grupos econmicos sobre o Estado. Ademais das exigncias da transparncia e crescente participao social, o Estado precisa reconstituir-se fundamentalmente para o verdadeiro mar que organiza os micro e pequenos negcios no pas, com polticas de organizao e valorizao do setor por meio da criao de bancos pblicos de financiamento da produo e comercializao, fundos de produo e difuso tecnolgica e de assistncia tcnica e de compras pblicas. Alm disso, essa reinveno passa pela criao e o fortalecimento nas cadeias produtivas regionais, tendo em vista a integrao regional energtica e de infraestrutura. As cadeias regionais, no contexto poltico latino-americano atual, tm a capacidade de aglutinar pequenas e mdias empresas, alm de criar e fortalecer mercados de consumo e de trabalho nos

  • diferentes pases.

    45. Somente uma reforma do Estado e uma maior ampliao do fundo pblico podero ensejar um novo patamar civilizatrio, como a postergao do ingresso no mercado de trabalho a partir dos 24 anos, a educao e aprendizagem para a vida toda e, ainda, jornadas de trabalho reduzidas em relao aos tempos extenuantes de agora. Tudo isso, contudo, pressupe maioria poltica necessria para tornar realidade o que hoje se apresenta como mera possibilidade.

    46. O Partido dos Trabalhadores compreende que estas mudanas no se limitam s fronteiras

    nacionais, complementando-se com a intensificao dos esforos de integrao da Amrica Latina e da aliana com as naes do BRICS.

    47. Para libertar o Brasil da ditadura mundial exercida pelo capital financeiro sobre as economias

    dependentes, essencial a criao de bancos, fundos de investimentos, tratados de troca e planos produtivos autnomos em relao ao sistema controlado pelos Estados Unidos e Europa. Neste sentido preciso investir na nova arquitetura financeira mundial que vem surgindo no mundo: o Banco do Sul (da UNASUL), o Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Acordo Contingente de Reservas, bem como o Banco Asitico de Desenvolvimento e Investimento da China.

    48. A adoo deste programa como norte para o campo popular deve expressar movimento potente

    de renovao estratgica, que influencie a poltica de alianas, as formas de organizao e ao, as relaes com os movimentos sociais e a institucionalidade.

    49. O Partido dos Trabalhadores considera que se fazem necessrias mudanas para que a estratgia

    partidria se ajuste a esta nova realidade, a fim de vencer os desafios do perodo que atravessamos.

    50. Forjada nos anos posteriores ao colapso da Unio Sovitica, quando se consolidava a hegemonia

    imperialista sobre o planeta e predominava o pensamento neoliberal, a estratgia do PT identificou uma ciso entre os grupos dominantes em relao ao modelo econmico preconizado pelo Consenso de Washington. Tal diviso semeou o terreno para alianas com setores mais vinculados indstria nacional e ao mercado interno, cujos interesses eram representados, no plano institucional, por lideranas e grupos polticos navegando no centro do espectro partidrio.

    51. Foi possvel, ento, estabelecer uma ampla frente contra o neoliberalismo, politicamente

    representado pela coalizo PSDB-DEM, acumulando foras para bater as foras do rentismo nas eleies presidenciais de 2002, quando as urnas sufragaram a dobradinha Lula-Jos Alencar.

    52. Esta aliana da esquerda para o centro tornou vivel, para as administraes comandadas pelo

    PT, a construo de maiorias parlamentares tticas, que garantiram a governabilidade para aprovao de polticas pblicas e manuteno da estabilidade institucional.

    53. A frmula prosperou, em boa medida, graas s condies materiais favorveis dos primeiros

    dez anos. Os cenrios externo e interno possibilitaram a aplicao de programas distributivos sem ferir interesses relevantes do bloco rentista, formado pelo capital financeiro, oligoplios industriais e o agronegcio.

    54. Na fase ascensional do modelo desenvolvimentista, estes setores, tambm favorecidos pelo

    deslanche da economia, foram relativamente neutralizados e evitaram protagonismo na disputa poltico-ideolgica contra os governos petistas, funo que acabou exercida pelos grupos de comunicao e os estamentos mais altos das camadas mdias.

    55. O Partido dos Trabalhadores reconhece, no entanto, que o sucesso desta estratgia foi

    acompanhado por erros importantes que provocaram efeitos colaterais malficos para a esquerda e o campo popular.

  • 56. O principal destes equvocos foi no ter estabelecido como tarefas prioritrias, desde o princpio, a reforma do sistema poltico e a democratizao dos meios de comunicao. A falta de maioria parlamentar progressista e a inteno de reduzir ao mximo conflitos em um cenrio no qual os trabalhadores no eram fora hegemnica deixaram em suspenso uma campanha nacional por esses temas e a subestimar sua influncia sobre todo o processo poltico.

    57. A verdade que, em contraposio aos processos vividos por outras naes latino-americanas

    sob governos progressistas, o Partido dos Trabalhadores e as administraes sob sua liderana deixaram, na prtica, de alterar instituies e instrumentos de poder das velhas oligarquias, que, mesmo fora do governo central, hoje nos combatem ferozmente.

    58. O partido e o governo acabaram, assim, adaptados a um regime marcado pelo predomnio do

    poder econmico, pela limitao da participao popular e pelo monoplio da informao - abdicando de denunci-lo com o peso devido e de lutar por sua superao desde a primeira hora.

    59. Deixado intacto, esse sistema poltico-eleitoral contaminou prticas partidrias, deformou

    relaes internas e trouxe de contrabando mtodos e hbitos da poltica tradicional: a supremacia dos mandatos sobre as instncias partidrias, o esvaziamento da vida interna fora de perodos eleitorais, o relativo distanciamento dos movimentos sociais, sinais de burocratizao, a centralizao como mtodo de direo.

    60. Outro grave problema foi a deficincia em determinar a correta relao de coalizo interclassista

    e pluripartidria com disputa de hegemonia. O primado aliancista, da forma como muitas vezes foi conduzido, reforou a tendncia de converter o PT em brao parlamentar do governo, preliminarmente bloqueando a luta por projetos e ideias na sociedade e no Estado.

    61. Uma das principais consequncias desta dinmica foi negligenciar a necessidade de investir na

    elevao da conscincia e da cultura de classe das multides beneficiadas pela ascenso social, objetivo que deveria ter mobilizado amplamente os aparatos de comunicao e educao do Estado, alm do prprio partido.

    62. Mesmo internamente, os efeitos foram danosos, definidos pela pouca relevncia oferecida

    formao poltico-ideolgica da militncia e construo de um sistema de comunicao que pudesse afrontar a influncia das corporaes miditicas.

    63. O Partido dos Trabalhadores tem buscado corrigir estes erros nos ltimos anos, como possvel

    confirmar pelas resolues e documentos aprovados desde o III Congresso.

    64. Mas reconhecemos que as alteraes na situao internacional e local nos obrigam a uma mudana de maior envergadura.

    65. A realidade que atualmente vivemos a da radicalizao das disputas de projetos. Aqueles contrrios ao projeto de desenvolvimento nacional com distribuio de renda, democracia e soberania nacional ganharam fora e buscam desestabilizar o governo, atraindo setores de centro da sociedade brasileira. Esse processo de disputa de projetos apenas confirma nossa concepo de que mudanas, em favor do povo, sem mobilizao, so cada vez mais remotas.

    66. As vicissitudes do quadro poltico atual no sero superadas, em favor da classe trabalhadora e

    seus aliados, sem a emergncia de um poderoso movimento de massas que - articulado luta institucional, s aes efetivas e corretas de governo e batalha cultural seja capaz de impor uma situao de cerco ao Estado oligrquico.

    67. O programa de reformas estruturais pressupe a construo de uma frente democrtica e

    popular, de partidos e movimentos sociais, do mundo da cultura e do trabalho, baseada na identidade com as mudanas propostas para o perodo histrico em curso.

    68. Este caminho vai alm de acordos eleitorais ou de pactos entre direes: nossa proposta a

  • constituio de uma nova coalizo, orgnica e plural, que se enraze nos bairros, locais de estudo e trabalho, centros de cultura e pesquisa, capaz de organizar a mobilizao social, o enfrentamento poltico-ideolgico, a disputa de hegemonia e a construo de uma nova maioria nacional.

    69. O Partido dos Trabalhadores no economizar esforos para ajudar a reunificar os movimentos,

    agrupamentos, coletivos e militantes que tornaram possvel a reeleio da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014.

    70. Apenas com a existncia de um bloco desta natureza poderemos disputar as bases do centro

    poltico da sociedade e atrair suas lideranas mais dispostas a se separar do conservadorismo, em torno do nosso projeto democrtico e popular de desenvolvimento com incluso social, democracia e respeito aos direitos dos trabalhadores, alm de dialogar com enormes contingentes de brasileiros e brasileiras sem-partido.

    71. A estratgia de frente nosso caminho para firmar uma nova aliana social, que incorpore

    setores novos e tradicionais da classe trabalhadora, das camadas mdias, da intelectualidade e do empresariado simptico ao nosso projeto nacional.

    72. Esta poltica deve ser fortemente mobilizadora da juventude e das mulheres, dos coletivos LGBT

    e antirracistas, dos grupos ecolgicos e das organizaes de direitos humanos.

    73. O programa da frente tem a obrigao de somar, agenda do desenvolvimento, da questo nacional (a Petrobrs como pilar), da democratizao do Estado, o fim dos autos de resistncia, a desmilitarizao das polcias estaduais, a descriminalizao das drogas, a criminalizao da homofobia, a igualdade de gneros e o reconhecimento pleno da unio homo-afetiva, entre outros direitos civis.

    74. Agrega-se essa plataforma a necessidade de responder imediatamente possvel vitria da

    contra-reforma poltica, operao comandada pelos partidos conservadores com a inteno de manter o controle dos grandes grupos empresariais sobre o parlamento.

    75. Torna-se indispensvel a retomada da luta pela Constituinte exclusiva e soberana, convocada

    especificamente para realizar uma verdadeira reforma do sistema poltico-eleitoral.

    76. O Partido dos Trabalhadores est pronto para cumprir estas tarefas, que exigiro muita reflexo, unidade, companheirismo e vontade poltica de nossos (as) militantes e dirigentes.

    77. Como integrante do governo de coalizo comandado pela companheira Dilma Rousseff, o partido

    tudo far para que este programa possa ter a presidenta da Repblica como sua principal porta-voz e liderana.

    78. Para estarmos aptos a aes de tanta envergadura, o V Congresso conclama todo o partido para

    um profundo processo de reorientao, caracterizado pela renovao em suas estruturas, mtodos de organizao e direo, formas de financiamento, instrumentos de comunicao e relaes com os movimentos sociais.

    79. Essa a senda de um partido de massas vocacionado para dirigir o Estado, mas cujo projeto

    histrico a fundao de uma nova sociedade, socialista e democrtica.

    80. Cometemos erros, mas fundamentalmente por nossas virtudes que as foras conservadoras nos atacam e almejam nossa destruio. No aceitam que a classe trabalhadora e seu principal partido estejam no comando do pas, enfrentando o legado de opresso e desigualdade gerado em sculos de dominao, violncia, privilgios e preconceitos. Respondamos ao dio reacionrio com a esperana simbolizada pela bandeira vermelha: o Partido dos Trabalhadores jamais renunciar ao seu compromisso histrico com a emancipao do povo brasileiro.

  • 81. Essa a nossa tarefa, a nossa misso. s querer e, amanh, assim ser! Salvador, Bahia, junho de 2015