carta de bezerra de menezes

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1 Bezerra de Menezes Uma Carta de Bezerra de Menezes A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica Bezerra de Menezes

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    Bezerra de Menezes

    Uma Carta de Bezerra de Menezes

    A Doutrina Esprita como Filosofia Teognica

    Bezerra de Menezes

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    Contedo resumido

    Uma carta de Bezerra de Menezes - Publicada originalmente no Reformador, durante o perodo de 3 de outubro de 1920 a primeiro de maio de 1921, sob o ttulo de Valioso Autgrafo, posteriormente saindo como opsculo intitulado A doutrina esprita como filosofia teognica. Carta dirigida a seu irmo Manoel Soares Bezerra, lder catlico de Fortaleza, confrontando as teses crist e catlica, tecendo consideraes profundas de filosofia religiosa, cuja abordagem culmina com a apresentao dos antecedentes histricos do espiritismo e princpios doutrinrios como inferno e reencarnao. Chegou a ser publicado pela Edicel, com o ttulo A doutrina esprita, sob a orientao de Freitas Nobre.

    Expe tese doutrinria, estabelecendo o confronto entre Cristianismo e Catolicismo, veiculando os mais delicados aspectos da filosofia religiosa. uma epstola de cerca de 100 pginas, dirigida a Bezerra e seu irmo. Elucida temas como: antecedentes histricos do Espiritismo, inferno e reencarnao. uma verdadeira profisso de f esprita, que bem reflete todo o convencimento de seu autor.

    Sumrio Explicao necessria / 03 Razo de ser do Espiritismo / 54 Princpios Fundamentais do Espiritismo / 79

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    Explicao necessria

    Com os ttulos e subttulos sobre que naturalmente j o leitor demorou o seu olhar ao atentar na capa e na folha de rosto deste volume, a que nestas pginas se lhe oferece a mesmo primoroso trabalho com que, debaixo da epgrafe de - "Valioso autgrafo" - o "Reformador" abrilhantou e enriqueceu suas colunas em quinze nmeros sucessivos.

    De mudado, pois, aqui s h o ttulo que, apropriado publicao feito no rgo da Federao, no mais quadraria ao trabalho doutrinrio em questo, desde que apresentado sob a forma de livro.

    Acompanhando esta explicao, destinada a evitar qualquer suposio errnea ou equvoca da parte dos que adquiram o presente opsculo, justo se insira neste lugar a que o "Reformador" publicou, assinalando o valor excepcional do escrito cuja divulgao ele ia fazer e fez.

    "Trata-se, disse, ao referir-se pela primeira vez ddiva que a Federao recebera do venerando confrade que se chama Juvenal Galeno, trata-se de uma carta escrita pelo apstolo brasileiro a um seu irmo germano que, naquela poca (1886), lhe exprobrava a haver abraado o Espiritismo, como ru de apostasia. Nessa carta que antes tese doutrinria de grande relevo, desenvolvida naquele estilo blandicioso, de arminha, que lhe caracteriza a individualidade inconfundvel, o autor dos Estudos de Max vazou a sua alma de crente e, pondo em confronto o Cristianismo e o Catolicismo, traou pginas edificantes de filosofia religiosa."

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    Algum tempo depois, noticiando que em o nmero seguinte comearia a publicao, disse ainda o "Reformador":

    "Se carta se pode denominar o escrito a que aludia pela familiaridade e gentileza do estilo em que foi moldada, no deixa, por isso, de ferir, com a maior nitidez e elevao de vistas, os mais delicados e transcendentes aspectos doutrinrios. O apstolo mpar do Espiritismo evanglico no Brasil, o missionrio inconteste que soube, da primeira hora, abranger numa sntese admirvel o desenvolvimento da Nova Revelao para o futuro da Humanidade; o discpulo de Jesus, que deu a esta casa (a Federao), como homem, todo o condo da sua bondade e alto saber e, ainda hoje, como desencarnado, um de seus guias mais estrnuos - Bezerra de Menezes, enfim, grafou naquelas cento e tantas pginas, em mida caligrafia, uma verdadeira "profisso de f esprita", em cerrada argumentao de confronto com a dogmtica do Catolicismo, fervorosamente partilhado por seu irmo pela carne, que no, ao tempo, pelas idias."

    Finalmente, quando noticiou que chegara ao termo da publicao, inseriu estas linhas:

    "Traadas sem o pensamento de que viessem a ver a luz da publicidade, o que ainda mais lhes reala o valor intrnseco, as sapientssimas e luminosas pginas (as que acabavam, de ser publicadas) teriam ficado talvez ignoradas para sempre, se no fora a cativante oferta de Juvenal Galeno. Uma vez, porm, que tal no aconteceu, graas ao munificente gesto desse octogenrio de esprito juvenil, no justo que, por nosso lado, as deixemos esquecidas no corpo de uma revista que nem todos colecionam e onde a leitura de um trabalho extenso mais ou menos incomoda.

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    Meu caro irmo e amigo Soares. Recebia prezada carta em que Voc derrama suas lgrimas de

    pesar pelo mau caminho que leva minha alma, afastando-se da educao religiosa que recebi com o leite - e abraando idias falsas, politicas e demonacas, quais as que ensinam o Espiritismo.

    Vejo, na veemncia com que V. ataca a doutrina esprita, dois elevados sentimentos, que no posso deixar de tomar na mais sria considerao. O primeiro o fervor com que abraa as puras verdades da divina revelao feita Humanidade pelo Santo dos Santos. O segundo o amor que deve ligar todas as ovelhas do rebanho do Senhor - e que V. manifesta a meu respeito, com a dedicao especial da fraternidade pelo sangue.

    Fujo de discutir crenas religiosas, porque respeito s de todo o mundo, convencido da verdade, de que "muitos caminhos conduzem casa do Pai". Aqueles dois motivos, porm, me coagem a fazer uma exceo a seu respeito, principalmente o ltimo, que profundamente me comove. E, para comear, permita-me justificar a citao que fica acima e que parecer hertica a quem entende que "fora da Igreja no h salvao" e, portanto, que no h seno aquele caminho para a casa do Pai.

    O homem vai, na vida, semeando boas e ms aes, porque no h um que no pratique de umas e de outras. O mais puro esprito tem suas fraquezas. Nem uma ao da criatura humana esquecida ou desprezada no julgamento de sua vida. Assim, pois, contam-se as boas aos maus, como se contam as ms aos bons. Isto rigorosamente ortodoxo.

    Desse postulado resultam que sofrer penas a alma que tiver praticado, em vida, mais obras ruins do que boas - e que ter

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    prmio a que contar mais aes boas do que ms. O essencial, para o prmio e para o castigo, disse-o Jesus Samaritana, no adorar a Deus no monte Garisim, nem em Jerusalm, mas sim ador-lo em esprito e verdade. E S. Joo, em feso, quando chegado extrema velhice, limitava a sua prdica a dizer: "Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros". Respondia aos que se queixavam de no lhes dizer seno a mesma coisa todos os dias: que naquilo se encerra todo o preceito do Senhor.

    Se a salvao pode ser alcanada, no se adorando a Deus neste ou naquele templo, desta ou daquela forma, mas simplesmente adorando-o em esprito e verdade; se ador-lo em esprito e verdade am-lo sobre todas as coisas e ao prximo como a si mesmo; se tudo o mais no passa de meios de dispor a alma para chegar ao estado de adorar a Deus em esprito e verdade, amando os seus semelhantes; se o essencial se encerra naqueles simples princpios; de f e de razo: que o mouro, o judeu, o acatlico, em suma, podem chegar casa do Pai sem ser pelo caminho da Igreja.

    E isso no uma heresia, porque Melquisedeque foi sagrado sacerdote do Altssimo, apesar de no seguir a lei que fora dada aos descendentes de Abrao, que era a verdadeira lei.

    E isso foi confirmado pelo egrgio Pio IX, na orao que V. deve conhecer, em que declara, expressamente: que pode salvar-se o prprio selvagem, que tiver a intuio da verdade eterna, afeioar seu esprito e acomodar suas obras a essa verdade.

    No , portanto, hertico dizer-se que muitos caminhos levam casa do Pai, assim como j no lei imprescritvel o - fora da Igreja no h salvao.

    Isto foi um exrdio. Eu me preocupo sem cessar com o que pode aproveitar

    minha alma, considerando esta vida, com todas as glrias que

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    oferece uma simples parada (pouso) na infinita viagem que temos de fazer, em busca da casa do Pai. Creio, portanto, em Deus Padre Todo Poderoso, Criador do Cu e da Terra - e creio que sou um esprito por Ele criado para a imortalidade.

    No sou cristo, porque meus pais me criaram nessa lei e me batizaram; mas sim porque minha razo e minha conscincia, livremente agindo, firmaram minha f nessa doutrina sublime, que, nica na Terra, eleva o homem, em esprito, acima da sua condio carnal - e que por si mesma se revela obra de infinita sabedoria, a que o homem jamais poder chegar.

    Tendo diante dos olhos de minha alma o cdigo sagrado da revelao messinica, procuro sem descanso arrancar de mim os maus instintos naturais e substitu-los pelas virtudes crists. Tendo f, tenho esperana e, quanto caridade, procuro t-la, o mais que me possvel, na medida do ensino de Paulo. No guardo dio e perdoa as injrias, evito fazer mal e procuro fazer bem aos prprios que me odeiam.

    Se eu no fosse cristo - e cristo convencido, pensa. V. que haveria considerao mundana que me fizesse suportar as calnias injuriosas de que tenho sido vtima?! Deus sabe quanta energia me tem sido precisa para conter os mpetos de minha natureza fogosa, nessas dolorosas conjunturas em que me tenho visto. Tenho, porm, sempre vencido, porque o que mais me enleva e arrebata, de tudo o que faz parte do celeste ensino, o diligite inimicos vestros et benefacit his qui oderunt vos - essa frmula que s Deus podia dar a mais suave e encantadora de todas as virtudes humanas: a filha do cu, divina caridade. Eu me empenho, portanto, em fazer da minha vida um ato constante de contrio, embora fraqueie nessa resoluo.

    Que vale mais? No ir missa, nem confessar-se e cuidar de corrigir, trabalhando dia e noite, as ruins inclinaes de seu

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    esprito - ou ir todos os dias missa, confessar-se todas as semanas - e deleitar-se em maus pensamentos - e dar largas ao descomedimento da lngua - e irritar-se pelas ofensas ao ponto de procurar vingar-se - e pagar mal por mal - e, finalmente, no cuidar de afeioar a alma pura moral de Jesus - Cristo?

    No quero dizer que aqueles dois tipos no possam fundir-se, que o que se esfora por varrer da alma os ruins sentimentos no possa ir missa e confessar-se; mas sim que um essencial e infinitamente superior.

    Em relao missa recomendada pela Igreja em seus mandamentos, penso que grande o seu valor como prece erguida pelos filhos ao Pai. E nunca em minha vida manifestei desprezo por esse gnero de preces, que respeito e acato. Entendo, porm, que, prece por prece, mais vale a que recomendou Jesus no Sermo da Montanha, do que a que a Igreja recomenda. Sabe V. que o Divino Mestre disse ali: "Quando orardes retirai-vos ao vosso quarto, fechai a porta e rezai em segredo."

    A orao em segredo tem dois grandes merecimentos sobre a pblica. O primeiro que fica escoimada de hipocrisia, que no poucas vezes eiva as que so feitas em pblico. O segundo que a alma se isola mais facilmente do mundo e se concentra de modo a quase poder conversar com Deus. Na Igreja h tantas coisas que nos privam de to profcua concentrao!

    E' verdade que a missa a representao do sacrifcio do Cordeiro Imaculado e tem por isso grande merecimento, mas, desde que oramos como ele prprio recomendou, temos feito a mais meritria orao. No tenho remorso de no ir missa, desde que oro em meu quarto, a portas fechadas, como me mandou orar o divino Jesus. Demais, o essencial no a forma, o fundo; no o meio, o fim. E o fundo e o fim so a

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    purificao da alma. Entretanto, repito, nunca disse que a missa no tem grande valor, nem deixei de ir a ela propositadamente.

    A confisso, tambm recomendada pela Igreja, inquestionavelmente um valioso meio de purificao. E' um meio, mas no o nico. Aquele que faz constante exerccio de dominar suas paixes, que, arrependido do mal que pratica, procura repar-lo, tem empregado um meio mais valioso, porque constante, para chegar ao fim da confisso.

    Por outra. O que no descansa no trabalho de purificar sua alma, que todas as noites faz exame de conscincia, renuncia ao mal que fez e faz propsito de se emendar, confessa-se constantemente. Falta-lhe a absolvio, verdade; mas essa lhe vir de Deus, que disse por seu profeta: "Eu no quero a morte do mpio, seno que ele se arrependa e venha a Mim."

    O arrependimento sincero e a boa vontade trazem consigo a absolvio do Senhor. Mais vale o constante, esforo por combater-se do que dez mil confisses. Entretanto, repito, reconheo o grande valor desse meio de purificao e nunca disse o contrrio; antes, em romances que tenho escrito, com puro intuito moral, preconizo-o.

    Sigo o Espiritismo e, conseguintemente, no posso ser cristo. Afirmo-lhe que V. fala assim, porque nunca estudou o

    Espiritismo a fundo. Faz-se com essa doutrina o que se faz com a maonaria, que, no Brasil pelo menos, o mais estrnuo propulsor do culto de nossa religio. Isto verdade, quer queiram, quer no queiram, e contest-lo negar a mais respeitvel autoridade da Terra.

    Pois eu lhe digo, embora V. sinta em minhas palavras cheiro de enxofre: Nunca apreciei to perfeitamente, para admirar e adorar, o sublime ensino de Jesus Cristo, como depois de ter estudado a doutrina esprita.

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    E V. me diz que so incompatveis! O fanatismo religioso afasta o homem da pura e verdadeira

    religio. O fanatismo religioso foi o que perdeu o sacerdcio hebreu, repelindo as verdades do novo ensino, pelo simples fato de modificarem o ensino mosaico.

    Compreendo a maior reserva na aceitao de uma idia nova; mas no compreendo a repulso sistemtica de toda idia nova.

    Vamos, porm, por partes a este estudo para que V. me chamou, embora, em vez de uma carta, tenha eu de escrever um livro. Discutirei, aqui, a origem, a razo de ser, o modo de ensino e os princpios essenciais dessa filosofia teognica, que pretende os foros de revelao e que os fanticos, sem estudo, sem forma de processo, denominam "diabolismo".

    Origem

    V. revela no conhecer os princpios fundamentais do Espiritismo, dizendo que so os de Pitgoras, que, como se sabe, foram colhidos no Egito e abraados por Plato.

    A metempsicose, tanto no reino dos Faras, como na Grcia, consistia na transmigrao das almas do corpo humano para corpos de animais irracionais, voltando primitiva forma depois de trs mil anos, segundo os Egpcios, e de mil, segundo Plato.

    O Espiritismo no admite transmigrao; estabelece a pluralidade de existncias, mas todas com o puro carter humano. O esprito criado para a perfeio, pelo saber e pela virtude, e marcha a seu destino atravs dos sculos, progredindo no duplo sentido, mediante mltiplas encarnaes, at chegar ao estado de pureza exigida para poder entrar na sociedade de Deus, que o destino humano, segundo a Igreja. Isto no o mesmo que aquilo, salvo para, quem confunde uma foice com

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    um machado pelo fato de terem a mesma composio e se prestarem aos mesmos efeitos.

    Tambm no o Espiritismo, como diz V., filho do politesmo, religio dos demnios, que Jesus Cristo expulsou. O Espiritismo no reconhece seno o Deus dos Cristos - o Eterno Jeov, a quem rende o mais submisso culto e a quem invoca, pelas preces da Igreja, assim como ao Cristo, que toma por modelo em todo o seu ensino. O Espiritismo no empresta a Deus as paixes humanas, como fazia o politesmo, nem d aos homens os atributos divinos, como fez a Igreja. O Espiritismo , nesse ponto de vista, ardente sectrio da religio revelada. Por outra: Em Moral e Teodiceia, ele no altera uma vrgula ao que est escrito.

    E' um ponto muito importante, que merece bem o seu estudo, para se expurgar dos falsos juzos, a que o arrastaram, sem dvida, escritores desleais, que tudo se permitem, at mesmo adulterar as mais claras idias do adversrio, contanto que possam, no fim, bater palmas e reclamar as do triunfo. Inglrio triunfo esse, que alcanado pelo sofisma e pela falsificao!

    Eu lhe afirmo que a moral esprita a pura moral crist: amor e caridade.

    Eu lhe afirmo que a verdadeira Teodiceia esprita no difere, numa linha, da Teodiceia ortodoxa. E digo a verdadeira, porque a doutrina tem discpulos, como os tem a Igreja.

    E' verdade que Moiss baniu de seu povo a prtica de evocar o esprito dos mortos; mas confundir um acidente com o fato essencial dizer, por isso, que o Espiritismo foi condenado por Moiss. A evocao de espritos no constitui o Espiritismo, no passa de um fenmeno insignificante, em relao aos princpios da doutrina. Mas, ainda que a proibio de Moiss fosse uma condenao da doutrina, no era isso razo para consider-la

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    diabolismo, uma vez que a Sagrada Escritura autoriza a f na comunicao dos Espritos dos mortos com os dos vivos, por muitos exemplos, de que lembrarei o de ter Saul evocado, por meio da profetisa de andor, o esprito de Samuel, com o qual conferenciou. Aqui se evidenciam, no s a verdade autntica das comunicaes, como a sua inocncia; pois que, se fosse um pecado, o preclaro varo, que j era do Paraso, no se teria prestado a tal coisa. Dizer que o fato real e inocente no vale o mesmo que afirmar a sua convenincia? Inquestionavelmente h perigos em questionar os mortos por descobrir os segredos do futuro. Se Deus os quer ocultar ao homem encarnado, porque assim convm que seja. No tem, pois, o valor que julga a prescrio de Moiss.

    Deixemos, porm, estes incidentes e vamos questo capital: a origem do Espiritismo, ou doutrina das vidas mltiplas.

    ***

    A idia bsica desta doutrina, a pluralidade de existncias, no nova, como disse V., embora aplicando mal a metempsicose. Ela vem da origem dos tempos histricos, como a caridade, que serve de caracterstica doutrina de Jesus Cristo. O que se deu com uma e com a outra foi que um dia passaram de concepes intuitivas da Humanidade ordem de princpios definidos e de elementos integrantes de um sistema teognico, apresentado ao mundo como verdade descida do Cu.

    No Oriente, a caridade e a pluralidade de existncias foram colunas em que assentou a doutrina dos brmanes e do Buda. E nem por j ter aquele curso forado em todos os pases aonde chegou estupenda civilizao bramnica, se poder dizer: que o Cristo foi um plagirio. Os princpios eternos so dados por

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    intuio ao homem, diz Santo Agostinho, e confirma-o a mais trivial observao na ordem seguida pela revelao divina. Ha, porm, para cada um, tempo marcado pelo progresso humano, para passar da ordem de simples intuio ordem de lei humana. E aquele que fez essa transformao foi o ministro do Senhor.

    O Cristo foi, portanto, quem fez germinar a semente da caridade, lanada Terra desde o princpio da Humanidade; como o Espiritismo est fazendo germinar a semente das vidas sucessivas, que a Humanidade s agora est em condies de compreender, no em si, porque no h nada mais compreensvel, mas em suas relaes, no plano teognico a que serve de pedra angular, o que reclama muito mais fina compreenso. A antiguidade, pois, no exclui a novidade de uma idia teognica, visto que todas foram dadas intuitivamente ao homem, desde a sua criao.

    Tambm a demora de sua sagrao, no sentido de vulgarizao, nada prova contra a sua verdade, porque a verdade tem sido dada Humanidade progressivamente e porque o prprio Jesus Cristo disse que muitas outras verdades deixavam de ensinar, por no ser oportuno. H, pois, verdades prometidas por Jesus, alm das que ele ensinou. No ser a que serve de base ao Espiritismo, essa sucesso de vidas corpreas, uma das tais?

    Convido-o a estudar esta tese. Passemos em rpida revista: primeiro, a antiguidade profana;

    segundo, a antiguidade sagrada; terceiro, os autores modernos e contemporneos.

    Subdividamos a antiguidade profana, em quatro pontos: a teologia - a filosofia - o druidismo - e os mistrios, a que

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    juntaremos um quinto a metempsicose. Assim teremos ouvido a universalidade da opinio pag.

    ***

    Os Vedas, livro sagrado dos Indus, consignam inmeras manifestaes, como esta: "Eis-me, de novo, revestido de um corpo".

    O Bagavat-Git, no Shastah e no cdigo de Manu, manifesta-se positivamente. No Shastah se encontram mil passagens como esta: "Eu tenho muitos renascimentos; e tu tambm Arjuna." "Como trocamos por novos os vestidos usados, assim a alma deixa os corpos gastos para vestir outros."

    O Budismo , como sabe, um ramo do Bramanismo, assente sobre a mesma base: a pluralidade de existncias, que se procura evitar pelo nirvana, ou existncias sem conscincia.

    O Mazdrismo, que se distancia do Bramanismo por no admitir a origem divina, do mal, e do Cristianismo, como interpretado, por no admitir o triunfo do mal, pela eternidade da pena, consigna o princpio de que os homens recomeam a existncia, cometendo as mesmas faltas e ficando sujeitos s mesmas causas do mal.

    Por Herdoto sabemos que os Egpcios tinham por dogma a imortalidade da alma; mas que esta levava de uma encarnao a outra trs mil anos, durante os quais percorria corpos de animais.

    Os Gregos e Romanos acreditavam nas vidas mltiplas. Louis Mnard, falando da metempsicose, diz: "Os mortos

    podem procurar novos destinos - e reencarnar, pelo Ltis, no turbilho da vida universal; podem tornar Terra, uns para repararem as faltas de uma vida anterior e se purificarem por

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    novas lutas, outros, os redentores mortais, por conduzirem os povos desencaminhados prtica das virtudes antigas.

    "V-se, por isso, que a crena no hades dos Gregos e no Amentis dos Egpcios no fazia desses lugares seno estaes temporrias, donde a alma imperfeita volvia ao crculo das existncias corpreas, no seio da Humanidade terrestre.

    "Virglio, depois de descrever as penas do Trtaro e as recompensas do Elsio, diz: Todas essas almas, depois de terem, por mil anos, levado a existncia naquelas paragens, so chamadas por Deus, em numerosos enxames, ao rio Ltis, a fim de que, privadas de suas lembranas, voltem aos lugares superiores e conexos - e comecem a sentir desejos de tornar aos corpos:"

    Assim, pois, toda a teologia pag da antiguidade profana, o que vale por dizer - todos os povos antigos tinham a crena de que o esprito tomava mltiplas encarnaes.

    ***

    Revistemos a filosofia pag, com a mesma rapidez com que percorremos a teologia. Plato tentou firmar em provas a verdade das vidas sucessivas e no Fdon desenvolveu largamente as duas principais: uma tirada da ordem geral da natureza; a outra, da conscincia humana.

    "A natureza governada pela lei dos contrrios. E, pois, visto que a noite sucede ao dia, de rigor que morte suceda a vida. Alm de que, se ex nihil nihil, os seres que vemos morrer no podem deixar de voltar vida, porque, do contrrio, tudo acabaria absorvido na morte -.e a natureza seria um dia o que o Endimio."

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    Passando segunda prova, acrescenta: "Ali encontramos o mesmo dogma atestado pela reminiscncia. Aprender recordar. Ora, se nossa alma se recorda de j ter vivida antes de descer ao corpo, como o provam as idias inatas, porque no crer que, deixando ela este corpo, possa vir animar muitos outros?"

    E' verdade, como j disse, que tanto o grande vulto da antiguidade como Pitgoras acreditavam na passagem das almas pelos infernos durante mil anos; mas a questo capital era que, punidas as faltas, pelas transmigraes metempsicsicas, voltavam elas a nova vida corprea e humana. Sua filosofia consistia, pois, nas vidas sucessivas com o livre arbtrio e as penas reparadoras, como se v pelos seguintes trechos:

    "Todos os Seres intelectuais so sujeitos a mudanas cujo princpio existe neles. Aqueles, cujos costumes no sofrem seno ligeiras alteraes esto sempre sobre uma superfcie quase de nvel. Os que sofrem alteraes sensveis, para o mal, so precipitados nas regies subterrneas, chamadas: inferno, onde so perseguidos por terrores, por sonhos funestos, que os conturbam. A alma, porm, que faz progressos notveis, por uma vontade firme, se o progresso foi para o bem, recebe grandes distines e passa a uma habitao das mais felizes. Se, porm, o progresso foi para o mal, vai habitar um lugar conforme com o seu estado."

    Mais ainda. "Tal , meu filho, a justia dos habitantes do Cu. Se nos

    pervertemos, somos transportados habitao das almas criminosas. Se nos aperfeioamos, somos transportados, vamos conviver com as almas santas. Em uma palavra: na vida e em todas as mortes que sucessivamente temos, recebemos o tratamento que naturalmente que merecemos."

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    Plotino, no curso de suas Enades, diz: "E' dogma de toda a antiguidade e universalmente reconhecido que, se a alma comete faltas, condenada a expi-las, sofrendo punies nos infernos tenebrosos, sendo depois admitida a novos corpos, para recomear suas provas."

    Porfrio, admitindo como fato provado a idia de Plato sobre a reminiscncia, ensina que j existimos numa vida anterior, que nela cometemos faltas e que para expiar essas faltas que somos novamente revestidos de um corpo.

    "Se suportamos a prova com resignao, cumprindo exatamente os deveres que ela nos impe, subimos gradualmente ao Deus Supremo, passando pelas condies de heri, de Deus intermedirio, de anjo, de arcanjo, etc., etc."

    Jmblico merece ser ouvido sobre o juzo, sobre o castigo, sobre a purificao das almas:

    "Segundo a maioria dos pitagricos e platnicos, pelas almas particulares que se executam aqueles trs atos; mas, segundo os filsofos que melhor tm estudado a questo, pela alma universal, que preside ordem do Universo - pela inteligncia rgia, que d ao mundo sua beleza, que so eles executados.

    "Qual o fim para que se executam tais atos? O fim do juzo limpar de toda a impureza os homens virtuosos, distinguir a perfeio da imperfeio, exaltar a excelncia das almas superiores. O fim do castigo fazer prevalecer o bem sobre a mal, reprimir o vcio, destru-lo e aniquil-lo, realizar para todos uma igualdade conforme ao mrito.

    "Quanto purificao, tem ela por fim livrar a alma das causas estranhas, restiturem-lhe sua essncia prpria, dar-lhe a perfeio, a plenitude, a independncia, facilitar a sua volta ao princpio de que emana, conduzir as substncias particulares a se

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    unirem com as universais e a participarem de seu poder, de sua vida e de suas funes. As almas submetidas ao juzo, enquanto persistem na gerao, no saem do Universo e so confundidas com a diversidade. Desde, porm, que se libertam, que ficam independentes e senhoras de si, no so mais submetidas ajuzo.

    "O mesmo em relao ao castigo. "Os antigos colocaram no nmero dos deuses, mesmo

    enquanto esto sobre a Terra, as almas puras e unidas com eles pela conformidade de pensamentos - e no se submetiam a penas logo que deixavam o corpo. Os platnicos, porm, as fazem passar por penas em sua ascenso da gerao ao mundo inteligente."

    ***

    Assim como a teologia pag, a filosofia pag, espiritualista,, proclama a pluralidade de existncias. Vamos aos Mistrios, que, como V. sabe, encerravam os mais elevados pensamentos da antiguidade.

    O dogma da pluralidade de existncias foi o mais oculto segredo dos Mistrios, transmitido, de idade em idade, aos iniciados, que eram preparados por longas provas para receberem essa verdade.

    Os Mistrios eram a representao simblica dos destinos humanos, cujos diversos graus se refletem na hierarquia dos iniciados. O vestbulo do templo representa a vida terrestre, ande se faziam cruis provas, at conquistar-se a santurio, smbolo da vida feliz do cu. A lei era: ningum se eleva seno pelo seu mrito e virtude e a recompensa no cabe seno aos que resistem s provas.

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    Os que no resistiam eram atirados s dependncias do templo, donde volviam a novas provas. No pode ser mais categrica a representao das vidas sucessivas, para a obteno do mrito e da virtude, que conquistam a recompensa.

    Sobre os mistrios egpcios, Jmblico diz: "Antes de ser desterrada para o corpo, a alma tinha ouvido as celestes harmonias e, se anlogos acentos vm ferir-lhe os ouvidos, ela se exalta e se transporta alm da Terra."

    O mesmo iniciado naqueles Mistrios acrescenta: "A justia de Deus no a justia dos homens. O homem define-se pelas relaes de sua vida atual e de seu estado presente. Deus define-se relativamente a nossas existncias sucessivas e universalidade de nossas vidas. Assim, as penas que nos afligem so, em geral, o castigo de um pecado, em que a alma se tornou culpada numa vida anterior. Deus nos oculta a razo; mas, por isso, no deixamos de atribu-las sua justia."

    ***

    Dos Mistrios passemos ao Druidismo. E' to certo que os druidas ensinavam o dogma das vidas sucessivas, como certa que acreditavam na unidade de Deus.

    Csar, que no pode ser suspeito, porque acreditava no nada depois da morte, diz:

    "Uma crena que eles procuravam, principalmente, firmar era a das almas no perecerem com o corpo, passando a novos corpos depois da morte,"

    Pompnio Mela sustenta o mesmo, assegurado que eles consideram a alma eterna e que h outra vida entre os manes.

    Amieno Marcelino corrobora aqueles dizeres e Diodoro de Siclia fala nestes termos: "Eles fazem prevalecer opinio de

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    Pitgoras, que sustenta a imortalidade das almas e que elas vo animar outros corpos, pelo que, quando queimam seus mortos, lanam fogueira cartas para seus parentes."

    A cosmologia drudica, V. a deve conhecer bem. E' esta: O Universo divide-se em trs crculos: o da imensidade, que a morada de Deus; o da felicidade, ou paraso, para onde vo as almas que, da provas em provas, chegam sociedade dos eleitos - e o das viagens, que compreende as que no tm ainda ttulos para alcanar o paraso.

    Todo o fim do homem vencer o crculo das viagens e chegar ao da felicidade, do qual no pode decair; enquanto que, no das viagens, pode, por suas faltas, decair de um mundo superior em um inferior. Por essa razo, sendo a Terra um mundo de viagens, recebe contingentes de Espritos que lhe chegam de mundos inferiores para seu aperfeioamento, e de mundos superiores, por seu decaimento.

    A teologia drudica, considerava a vida da Terra como uma passagem para mais altos destinos, sendo cada um de seus habitantes sujeito s provas que tivesse merecido para avanar, por elas, em harmonia com o plano geral da criao.

    O mal tem um carter negativo e provisrio, dominando somente nos mundos de viagem. Nesses, ele , at certo ponto, necessrio, como meio para o exerccio da liberdade humana e de expiao. E, pois, aquela teologia no atribua o mal a Deus, mas sim s faltas dos homens, os quais ocupam na vida terrestre a posio a que fizeram jus. A liberdade humana e a Providncia fazem, neste planeta, a parte do homem e a de Deus.

    A preexistncia era ensinada positivamente e, por conseguinte a pluralidade de existncias.

    ***

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    Agora duas palavras sobre a metempsicose animal. Pitgoras, como j sabemos, foi quem transplantou para a

    Grcia o dogma egpcio, que consistia na passagem da alma dos maus para os corpos de animais e na divinizao da alma dos bons, elevados pela virtude e pela sabedoria. O fim da moral pitagrica era estimular os espritos a evitarem a metempsicose. Era, no fundo, a pena terrvel imposta aos rprobos: inferno pitagrico, como o inferno trtaro, como o inferno dantesco, como o inferno trasladado do paganismo para a nossa cosmologia. A diferena daquele para este devido ao atraso humano, de no se saber naquele tempo o que feito das almas depois da morte.

    Seja, porm, como for metempsicose animal encerra o princpio das vidas sucessivas, como meio de provas e de expiaes para o esprito subir na longa escada de Jacob, at seu topo, que a desmaterializao completa e o mximo da perfectibilidade humana, tanto pelo saber, como pela virtude.

    Pelo estudo da antiguidade profana, em todas as suas relaes, temos visto que o princpio da pluralidade de existncias estava encarnado na alma de todos os povos e de todas as seitas religiosas e filosficas, na parte pensante da Humanidade antiga.

    ***

    Passemos agora a um ligeiro estudo da antiguidade sagrada, que anunciamos como nosso segundo ponto ou segunda tese de exame. Examinaremos, aqui, a teologia hebraica, a crist e o grande vulto que se chamou Orgenes.

    Compreende-se bem que Moiss, dirigindo-se a povos na primeira infncia, e o Cristo aos que se achavam na segunda,

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    no podiam revelar todas as condies da vida futura: a reabilitao sempre possvel pelo arrependimento e a marcha progressiva dos Espritos at posse de Deus. Por isso, que o prprio Cristo tornou irrecusvel pelas palavras acima citadas, no encontraremos facilmente, como nas outras fontes do saber e das crenas humanas, idia que serve de base ao Espiritismo. Desde, porm, que descobrirmos, nos fastos da Histria Sagrada, passagens que no possam ser explicadas seno pela preexistncia e pelas reencarnaes, teremos a a prova de que os dois reveladores das eternas verdades conheciam, tinham em seu esprito a que no lhes era dado ainda revelar, mas que lhes escapava dos lbios, como acontece ao mestre que, limitando seu ensino capacidade e grau de adiantamento do discpulo, sempre deixa transluzir seu superior saber.

    Schutz, em sua dissertao sobre o gnio de Moiss, expe assim a crena ntima dos Hebreus "Depois da morte, a alma, fiel s inspiraes do esprito divino, rene-se a seus antepassados no seio de Abrao. Ali acha sua recompensa no desenvolvimento de seu amor e na compreenso das leis e da vontade divinas. A alma, porm, que, como foice intil, dormiu no caminho e distanciou-se do Pai celestial, cura-se e regenera-se pelo arrependimento, pelo socorro das almas fraternais e do mdico das almas e pela procura da que disse: "Eu sou a soberano bem."

    Eis a que a crena ntima do povo, de Deus assentava sobre dois fatos bem notveis: o arrependimento depois da morte produzindo os mesmos efeitos que antes e a cura e regenerao das almas, que fizeram o mal na vida e que, por isso, no foram para o seio de Abrao, como as que fizeram o bem.

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    Em Isaas, l-se: "Jeov diz: Eu no disputarei eternamente com o culpado e a minha clera no durar sempre; porque os espritos saram de mim e Eu criei as almas."

    No Gnesis, Cap. II, v. 7, l-se tambm: "E O que foi - - e h de ser - fez para o homem um corpo grosseiro, tirado dos elementos da terra, e uniu a esses rgos materiais a alma inteligente e livre, trazendo j consigo o sopro divino: o esprito, que a segue em todas as novas vidas..."

    S na preexistncia se pode achar a razo do que disse Jeremias: "Antes que fosse ele gerado no ventre de sua me, eu j e tinha conhecido."

    E a melhor prova de que era geral a idia da pluralidade de existncias, entre os Judeus, est no fato de acreditarem que Jesus era um dos antigos profetas:

    Do Moisasmo natural a transio para o Cristianismo, para o novo Testamento.

    Sto. Agostinho, no livro I das Confisses, exprime-se assim: Antes do tempo que passei no seio de minha me, no terei estado em outra parte e sido outra pessoa?

    Aquele luminar da Igreja no descobriu na lei da preexistncia antagonismo com a lei crist da Igreja!

    Jesus Cristo, quando os discpulos lhe diziam que o povo o considerava Jeremias, Elias ou outro profeta renascido, no combateu semelhante heresia, como fazia sempre que lhes ouvia conceitos contrrios aos eternos princpios, ao ponto de cham-los - Satans!

    Ainda mais: Encontrando um cego de nascena e perguntando-lhe os discpulos se aquela desgraa provinha dos pecados do cego ou dos de seus pais, em vez de combater a primeira hiptese, impossvel na teogonia da vida nica, limitou-se a dizer: "No que este homem tenha pecado, nem aqueles

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    que lhe deram o ser, mas para que as obras do poder de Deus brilhem nele."

    Por estas palavras, que nada esclareciam, o Cristo evitou a explicao que no podia ser compreendida naqueles tempos.

    Mais esta passagem: Os apstolos perguntaram a Jesus como que, dizendo as escrituras que antes do Cristo devia vir Elias, aconteceu que viesse aquele antes deste. E o Divino Mestre respondeu: "Digo-vos que Elias j veio e que o mundo no o conheceu e fez dele o que lhe pareceu." E l-se no Evangelho a esse respeito que os apstolos compreenderam falar o Mestre de S. Joo Batista.

    Mais completa prova de que Jesus admitia as reencarnaes s esta: Nicodemos pediu-lhe explicaes sobre a vida futura e o Senhor respondeu-lhe: "Em verdade, em verdade te digo: ningum poder ter o reino do cu, sem renascer de novo."

    E, como Nicodemos lhe perguntasse: "Como poder um velho voltar ao seio materno?" ele respondeu: Em verdade te digo: "Aquele que no renascer da gua e do Esprito Santo no poder entrar no reino do Cu."

    A explicao esta: Jesus no quis explicar, certamente porque era essa uma daquelas verdades que ele disse no poder ensinar, por no ser oportuno.

    Pela reencarnao do esprito de Elias em Joo Batista disse, o mais que podia dizer, sobre a nossa questo, o Novo Testamento.

    ***

    Vamos ao Zohar, o repertrio dos altos princpios constitutivos dos mistrios dos Judeus, transmitidos por tradio at Simo-Ben-Jachai, que os reduziu a escrito.

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    Sabe V. que a tradio reza ter Moiss confiado tais princpios a setenta ancies ao tempo em que dava massa popular a lei que recebera no Sinai. Em todo o caso, o Zohar rivaliza em antiguidade com o Gnesis e contm a doutrina dos mais adiantados espritos de Israel. Nele se encontram os elementos da Filosofia Cabalstica, da qual Moiss Botril diz: "A Cabala a mais pura e a mais santa filosofia." Nela se encontra o verdadeiro sistema do mundo, dizendo-se a Terra esfrica e girando sobre o seu eixo, de modo que tem metade em dia, enquanto a outra metade est em noite, tudo conforme com a cosmografia atual.

    Nesse livro - a que Drach chamou eminentemente cristo - encontra-se o dogma das vidas sucessivas e da pluralidade de mundos habitados pelos mesmos espritos, que vo passando de uns para outros, medida que vo adquirindo o preciso progresso para deixarem, o mais atrasado e passarem ao imediato em graduao. Para prov-lo basta citar este trecho entre muitos: "As almas so sujeitas transmigrao e os homens no sabem quais so, a seu respeito, as vistas do Altssimo. No sabem como so julgados, em todos os tempos: antes de virem, a este mundo e depois de o terem deixado. Ignoram quantas provas so obrigados a sofrer..."

    Entrando nos elementos do homem, que divide em esprito, ou rouah, em alma ou nichema, em esprito mais grosseiro, nephesch, ele se exprime assim a respeito do rouah: "...esprito das vidas e de todas as existncias e de todas as peregrinaes a que a alma sujeita antes de subir Aquele, donde no desce seno voluntriamente para o desempenho de misses..."

    V-se por a que, a par da doutrina ensinada s massas, os Judeus possuam uma, superior, que s os espritos elevados conheciam.

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    ***

    Despeamo-nos da antiguidade, falando de Orgenes. Orgenes para, o Cristianismo o que os mistrios foram para

    a gentilidade e o Zohar foi para o moisasmo. Ele tentou um esforo superior s foras da Humanidade, qual o Cristo no quis revelar seno as verdades que estavam ao alcance de sua capacidade. A parte seus arroubos, que foram condenados justamente pelos conclios de Calcednia e de Constantinopla, tudo por partir de um erro: ser o homem um anjo diabrado, Orgenes foi profundamente versado nas sagradas letras, como o atesta Santo Agostinho. A parte esses arroubos condenveis, a sua doutrina sobre a evoo dos espritos arrebatadora. Antes de virem a esta vida j eles existiam e nascem para sofrer as penas de suas faltas e nascem tantas vezes, em mundos progressivamente superiores, quantas so precisas para se limparem daquelas faltas.

    No fundo, o sentimento de Orgenes que as regies ocupadas pelo mal no tm carter absoluto e que, portanto, nenhum obstculo se ope geral restaurao da criao.

    A propsito do instituidor da religio crist e sobre os castigos com que ameaa os rprobos, diz ele: "Perguntaram a Slon se as leis que ele formulara eram as melhores. Respondeu que eram as melhores para aquele pas. Assim poderia responder Jesus: Eu dei o melhor sistema que podia receber a Humanidade, para melhorar seus costumes. Fixei uma regra e ameacei os transgressores com suplcios e penas. Estes suplcios no so imaginrios e sua exagerao era necessria para corrigir os obstinados. Estes, porm, no podem compreender, nem a inteno d'Aquele que castiga, nem o fruto que lhes deve resultar do mesmo castigo."

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    ***

    Da antiguidade tanto profana como sagrada, passemos aos autores modernos e contemporneos.

    Cirano de Bergerac, cujos notveis escritos foram inutilizados pelo obscurantismo, sustenta a sucesso de vidas, explica o que sempre se entendeu por "demnio" e prova que a queda dos anjos coisa que o mundo no conhecia antes do Talmud, redigido depois do cativeiro de Babilnia. Sobre as vidas sucessivas, ele refere uma conversa que teve com Campanela, o qual lhe disse: "que seu mundo era j o sol, um paraso para onde iam os habitantes dos vizinhos planetas: Mercrio, Vnus, Terra, Marte, Jpiter, Saturno, e que, pela depurao, aqueles Espritos tm a lembrana de suas existncias anteriores."

    Sobre o que se chama "demnio", diz que todos os homens, desde que deixem o corpo, passam a ser demnios, e, como h homens bons e maus, h bons e maus demnios. Estes, segundo Plutarco, se deleitam em girar ao derredor dos viventes, por um resto de amor que sentem pela passada natureza. Os bons nos incitam para o bem, do mesmo modo que os maus nas arrastam para o mal. Sobre a queda dos anjos refere o que j ficou dito: mera criao humana, como foi mais tarde criado pelos homens o purgatrio, de que no h notcia nem no Velho, nem no Novo Testamento.

    Ainda quanto ao purgatrio, pode-se dizer que foi criao de um conclio (o Tridentino), que infalvel. Contra isso, porm, protesta Caussette que no pode ser suspeito, nem aos ultramantanos, pelas seguintes palavras: "A Igreja no comps um nico livro sagrado, porque ela no inspirada; mas interpreta todos os livros inspiradas, porque assistida pelo Esprito Santo."

  • 28

    Caussette e a sombra de Bonniot, o sbio chefe dos jesutas, que dominam a Igreja Romana. Portanto, sua palavra tem o valor de uma encclica. Se, pois, a Igreja no tem a divina inspirao para criar, porm sim para interpretar, onde o poder que se arrogou de criar o purgatrio? Ou o mais notvel apologtico de nossos tempos deve ser condenado s chamas, ou a criao do purgatrio foi devaneio.

    Passemos a Duhamel. "Como no se pode admitir que o bem e o mal sejam casuais,

    nem to-pouco que Deus seja injusto, fica evidente que a Terra traz seres que j fizeram jus a um, ou a antro. Sem tal suposio, como explicar o fato de certos homens nascerem com enfermidades cruis, viverem em constante sofrimento, ao passo que outros nascem perfeitos e vivem na plenitude dos gozos, acabando os primeiros na resignao e os segundos blasfemando? Esses globos que vivem acima de ns no sero nossas futuras habitaes? A encontraremos distino de virtudes e de vcios, de felicidades e de desgraas como aqui. Iremos, se o merecermos, a globos onde seremos cercados de maiores bens, mais inclinados virtude, mais perfeitos enfim. Ser talvez uma recompensa: termos na Terra a faculdade de conhecer o passado e, para alguns, a de penetrar o futuro. Poderemos chegara mundos onde teremos mais perfeita essa dupla faculdade, ao ponto de nos lembrarmos do que agora fazemos e de prevermos o que poderemos ser em outra existncia. E tudo isso, que no podemos explicar, seno medida que mais merecermos em nossas vidas, terminar com a mais pura e a mais inocente, pela qual entraremos na sociedade de Deus."

  • 29

    Carlos Bonnet, o profundo pensador que, melhor do que nenhum outro, compreendeu a grandeza do Universo e do plano da Criao, manifesta-se assim

    "O grau de perfeio a que o homem pode chegar est em relao direta com os meios de que dispe para conhecer e agir. Esses meios esto, por sua vez, em relao com o mundo em que habita. Um estado mais desenvolvido das faculdades humanas no pode, pois, compadecer-se com o mundo em que o homem deve passar os primeiros tempos da sua existncia. Essas faculdades so indefinidamente perfectveis - e ns compreendemos que alguns dos meios naturais, que as ho de aperfeioar um dia, podem existir desde j no homem. Esses nossos sentidos encerradas na alma, como em embrio, esto em relao direta com o futuro mundo, que a nossa verdadeira ptria, e podem ter relaes particulares com outros mundos, que nos seja permitida percorrer, e onde recolheremos novos conhecimentos e novos testemunhos das infinitas liberalidades do Benfeitor Universal. De que sentimentos no sero inundados nossa alma quando, depois de ter estudado a economia de um mundo, voar a outro e comparar as duas economias? O progresso que tivermos feito aqui quer em conhecimentos, quer em virtudes, determinar o ponto de que comearemos na seguinte existncia e o lugar que nela ocuparemos. Haver, pois, um fluxo perptuo de todos os indivduos da humanidade para uma maior perfeio ou maior felicidade, porque um grau de perfeio adquirido conduzir um outro grau e porque a distncia do criado ao incriado, do finito ao infinito infinita. E eles tendero continuamente para a suprema perfeio, sem jamais atingi-la."

  • 30

    Em Dupont de Nemours, alm da prova de que a crena nas penas eternas uma verdadeira blasfmia, encontram-se passagens positivas sobre a pluralidade de vidas

    "A lembrana da vida precedente seria um poderoso auxiliar da que se lhe segue. Alguns Espritos superiores gozam, talvez, dessa vantagem, como recompensa de sua passada virtude, Porque todo o bem produz bem. No deve, porm, ela ser concedida aos que tenham merecido punio, ou no tenham chegado ainda ordem dos seres cuja moralidade superior, porque esses so provados pela justia ou pela bondade de Deus, segundo suas foras, comeando e recomeando essa carreira iniciadora da alta moralidade. A estes se tem dito: tua pena est terminada, o passado est esquecido, faz-se-te merc de esquec-lo tu tambm. Bebe o Letes. Trata-se agora de saber se sers bom por ti mesmo, por amor virtude e suas conseqncias imediatas, sem esperana certa no futuro, sem receio da repetio do que sofreste. Parte. Tenta o destino humano. Vai animar um feto."

    "A nova prova proporcional s faltas da vida anterior. Eis um inferno proporcional aos delitos. No eterno para erros que no duraram seno um momento. No cruel e impiedoso, como o de um demnio caprichoso, implacvel, feroz; mas equitativo e indulgente, como os castigos de um pai. No se ouvem urros e ranger de dentes. E' a mo de um Deus misericordioso, que perdoa, mesmo castigando, que pe ao alcance da criatura vir a Ele, corrigir-se, aperfeioar-se, merecer os seus benefcios, como um governo humano e sbio se ocupa de proporcionar aos prisioneiros da lei um ar puro e salubre, nutrio abundante e s, trabalho til e moralizador."

    Ballanche, o grande e profundo iniciador do movimento que d o cunho ao nosso sculo, vem emitir sua opinio na questo:

  • 31

    "Basta admitir que, saindo desta vida, ns no entramos em um estado definitivo, que toda criatura deve ir a seu fim, para chegarmos concluso de que, enquanto o destino humano no estiver completo, enquanto tivermos algum progresso a fazer, nada est acabado para ns. Ora, para ns, o complemento de nosso destino a perfeio, para ns, como para todas as criaturas, porque, desde o princpio, Deus achou que suas obras eram boas; porque, de fato, cada uma contm em si a causa e o meio de seu desenvolvimento. Mas o homem, em razo de sua liberdade, a quem cabe a maior perfeio. Logo, impossvel que tudo acabe com esta vida e que no haja um outro estado de liberdade, em que ele possa continuar a gravitar para sua perfeio relativa, at que o consiga. Se deve haver um novo estado de liberdade, no pode haver juzo definitivo depois da morte. Que o que impede que o homem tenha existido muitas vezes? Porque no poderei dar no mundo os passos necessrios ao meu aperfeioamento?"

    Frederico Schlegel, combatendo os erros da metempsicose, diz:

    Seu lado so e o elemento de verdade que ela encerra o sentimento inato com o corao humano de que, uma vez separados e atirados longe de Deus, temos que subir longa, penosa e rude escarpa e que sofrer duras provas, a fim de nos aproximarmos da fonte nica de todo o bem. A isso preciso ajuntar a convico ntima e a certeza firme de que nada penetrar no reino puro da Soberana Perfeio, sem estar escoimado das impurezas e das mculas terrestres e de que, portanto, no se reunir a Deus, na eternidade, nossa alma, essa substncia imortal, sem que se tenha purificado e destarte se elevado a uma perfeio progressiva e superior. Neste mundo, acrescenta, no h para o homem seno a esperana. A via

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    necessria, sua reparao longa e penosa e ele no a vence seno a passo lento e sucessivo, no podendo, embora empregue todo o esforo, galg-la de um salto ou evit-la."

    Saint-Martin, o grande tesofo, assim se exprime: "O homem, depois de sua queda, sujeito a uma contnua

    transmutao em diferentes e sucessivos estudos; enquanto que o primeiro Autor de tudo o que existe foi e ser o que e devia ser."

    E acrescenta: "Nosso ser pensante deve aspirar a imensos

    desenvolvimentos, desde que sai da priso corporal, onde toma uma forma iniciadora. Entrevejo uma lei sublime. Mais as propores se aproximam de seu termo central e gerador, mais se tornam grandes e poderosas. Essa maravilha que nos permites entrever, verdade divina! satisfaz ao homem que te ama e te procura. Ele v em paz sucederem-se seus dias e v isso com prazer e com entusiasmo, porque sabe que cada volta da roda do tempo o aproxima dessa proporo sublime, que tem Deus por primeiro de seus termos."

    O que h nisto de obscuro fica esclarecido pelas seguintes passagens:

    "A morte no pode ser considerada seno como um descanso em nossa viagem. Chegamos a esse descanso com a equipagem fatigada e desarvorada e vimos a para tomar outra, fresca e em estado de nos levar mais longe. E' preciso, porm, pagar a tudo que devemos pela viagem que fizemos e, antes que tenhamos saldado nossas contas, no nos permitido empreender novo curso."

    Balzac, o profundo analista, diz: "Depois de ter experimentado o vcuo e o nada (a alma depois

    da morte), volta os olhos para o bom caminho. E' ento a vez de

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    novas existncias, para chegar estrada onde brilha a luz. A morte o descanso dessa viagem e as experincias se fazem, ento, em sentido inverso. E' preciso, muitas vezes, toda uma vida para adquirir as virtudes opostas aos erros em que precedentemente viveu. Assim, vem a vida em que sofre e cujas torturas trazem a sede do amor; vem depois aquela em que ama e em que o devotamento pela criatura arrasta ao devotamento pelo Criador, em que as virtudes do amor, seus mil martrios, sua anglica esperana, suas alegrias seguidas de dores, sua pacincia, sua resignao, excitam o apetite das coisas divinas. A essa segunda vida segue-se a em que se torna humilde e caridosa. Depois vem a em que se abrasa em desejos. Por fim chega a em que ora. Alm est o eterno meio-dia, alm das flores, o cobiado fruto. As qualidades adquiridas e que se desenvolvem lentamente em ns so laos invisveis, que ligam uma s outras todas as nossas existncias e de que s a alma se lembra, porque a matria no pode lembrar-se de coisa alguma espiritual."

    Constant Savy sustenta indiretamente a doutrina da pluralidade das existncias, atacando a das penas eternas, que lhe oposta. Diz ele:

    "O dogma das penas e recompensas, tal como nos ensinado, nasceu de uma falsa apreciao da Divindade. O homem fez a justia de Deus semelhante da Terra, porque no tinha de seu Criador seno uma grosseira idia. Esse dogma, que pode ter sido vantajoso no imprio da carne, perpetuou-se no esprito das massas, pela ignorncia que lhe tinha dado nascimento. Hoje e j h longo tempo, ele est sem fora. A mxima parte ho lhe presta f e o resto o tem em dvida. Fez seu tempo, como tudo que do homem. O sentimento moral, ainda que pouco desenvolvido, j o suficientemente para acolher idias mais

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    justas sobre a Divindade e suas relaes com a Humanidade. O dogma, que maior mal tem feito religio, o dos penas e recompensas, pela falta de desenvolvimento na medida do progresso do esprito humano em relao ao conhecimento do verdadeiro Deus. Sobre a liberdade do homem se apiam, para provarem a realidade da punio e da recompensa, que a justia divina lhe reserva, algumas vezes neste mundo e sempre no outro. E' sobre essa liberdade que me apio, precisamente, para provar que isso um dos mil erros dos tempos passados.

    "Em que consiste essa liberdade? Porque foi ela dada ao homem? Eis o pensamento de Deus, tal como ele me revelou e o tem revelado a todos os que se esforam por conhec-lo e am-lo:

    "Nenhuma das virtudes que fazem meu Ser pode ficar sem manifestao. Do contrrio eu no seria, porque minha vida no sria completa. Que exista, pois, um ser, imagem minha, ao mesmo tempo em que um pensamento sado de mim - e, para isso, que tenha ele uma chispa de minha inteligncia, unida a um corpo, porque minha inteligncia unida ao Universo. Que tenha, em parte, a conscincia da vida, porque eu tenho a conscincia perfeita do meu Ser. Que tenha tambm um raio da minha liberdade, porque eu sou a vontade soberana. Que, por essas duas faculdades, o fogo divino, que eu ponho nele, viva eternamente do alimento que souber escolher. Que ele se estenda de mais em mais pelas conquistas que fizer sobre a minha inteligncia, espalhada por todo o Universo, e, por esse meio, que viva na eternidade, sem se confundir com as outras inteligncias nem comigo. Que, por sua atividade, cresa e se aproxime do foco donde saiu e, de simples chispa, se torne de mais em mais, no correr dos sculos, uma luz brilhante, digna de mim. Que a sua liberdade no possa jamais conduzi-lo

  • 35

    perfeio, porque, ento, ele cessaria de ser, para entrar em mim e eu quero que ele conserve, por todo o sempre, o sentimento de sua existncia, porque eu tenho o do meu poder. Que seja sempre imperfeito e que, para isso, sua liberdade seja limitada por esta vontade de seu Deus. Que exista, pois, um ser cujo desenvolvimento progressivo seja sujeito s minhas leis e dependa ao mesmo tempo da liberdade que lhe dou. Que esse desenvolvimento seja seu trabalho, porque ele no pode ficar ocioso, visto que o movimento a vida, porque minha vida criar sem cessar, pelo movimento contnuo da matria e da inteligncia submetidas minha lei.

    "E, como ele sucumbir muitas vezes ao mal e eu quero que marche para mim, seja-lhe a eternidade meio de fazer sua vida, reparar suas faltas e levantar-se das quedas que der por seus erros, Que, para ajud-lo nesse trabalho sem fim, tenha o arrependimento e o remorso, que lhe faro renunciar a suas faltas, e que sinta, para anim-lo ao bem, a aura da felicidade, quando praticar uma boa ao. Que espere sempre em mim, para que sinta que sempre tempo de voltar virtude.

    "Se no tiver essa esperana, a enormidade de suas faltas o esmoreceria e ele se afundaria cada vez mais no abismo do erro; entretanto, eu quero que no haja para ele nem eternidade de males, nem de bem sem mescla, porque ele cessaria de ser livre e o uso da liberdade no lhe pode ser tirado, sem que acabe imediatamente. Que no haja, pois, uma posio na eternidade, em que sua liberdade seja encadeada, porque ele cessaria de agir, de melhorar, de desenvolver-se. Que trabalhe sem cessar nesse desenvolvimento, pois que a lei do Universo : que nenhum ser possa achar repouso, porque o movimento a vida e a vida o desenvolvimento de tudo que foi criado. Que exista pois esse ser.

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    "E esse ser existiu; Deus criou o homem." Ainda mais positivo: "As penas e recompensas, porque ns as experimentamos

    realmente, no so seno o resultado direto e imediato do conjunto da vida do homem e no consistem seno em sua marcha mais ou menos ativa para o aperfeioamento, com pequenas ou grandes dores. E' esta conquista que ser a recompensa de nossas vidas militantes, como a privao desse desenvolvimento de felicidades ser o castigo de nossas vidas de fraqueza, de ignorncia e de deboches.

    "Ensina-se que o tmulo o termo da marcha do homem na eternidade, que a outra vida a ltima e que ele ser eternamente feliz ou desgraado. Se assim, o homem cessa de ter liberdade para aproveitar as lies da experincia, para melhorar. Se eternamente desgraado, no poder mais erguer-se de suas quedas, ser acabrunhado de males milhes de vezes maiores que suas faltas, ser punido por uma eternidade de desgraas por uma vida mal empregada... Seu castigo no ser, pois, seno a vingana de uma clera cega e insensata, pois que ser intil, pois que nada mais poder fazer em benefcio de seu melhoramento."

    Fourier, o criador da escola falansteriana, se manifesta assim: "Onde o velho que no queira estar seguro de renascer e de

    levar futura existncia a experincia do presente? Pretender que esse desejo deva ficar sem realizao admitir que Deus nos pode enganar. E' preciso reconhecer que j temos vivido antes de sermos o que somos e que muitas outras vidas nos esperam e outras em uma esfera superior ou extramundana, com um corpo mais sutil e sentidos mais delicados."

    ***

  • 37

    Passemos dos que estudaram a matria aos que a trataram como amadores.

    La Codre, falando do aperfeioamento das almas, diz: "Se, para qualificar essa doutrina, a palavra - progresso - vos

    parecer muito pretensiosa, designemo-la e as minhas consideraes de - teoria da continuao dos trabalhos do esprito humano, continuao da vida humana em outras regies do Universo. E, se quiserdes a idia que fao dessa continuao gradual e das convenincias que a harmonizam com as leis providenciais, lede os Recueillements potiques, de Lamartine."

    De Bretonne pensa assim: "O que no vedado supor e melhor concilia nossas

    esperanas com as noes acessveis de um futuro inacessvel a passagem sucessiva e remuneradora de estados superiores, no seio dos quais o limite material atenuado deixaria ao esprito elastrio para o infinito que o atrai."

    E acrescenta; "O acesso a mais puros mundos pode ser reservado ao

    homem, como um fim tendncia que arrasta para o belo e para o bem, como prmio da luta penosa e perseverante contra, as grosseiras condies que obscurecem sua alma. A matria ou a forma ser menos pesada, a medida que tivermos progredido na luta contra o egosmo, medida que tivermos penetrado na cincia e na moralidade. Se a recompensa, ou o estado futuro, de que adivinhamos os esplendores, na razo da nossa tendncia para o que grande e belo, a conduta de cada indivduo, na Terra, tem sua recompensa traada prviamente, segundo a natureza e a extenso de seus esforos. Mais tenhamos combatido nas primeiras provas, mais ser elevada a ordem que

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    nos caber, mais teremos subido os degraus da imensa escada que temos de percorrer."

    Pelletan cr que o homem ir sempre de sol em sol, subindo sempre, como sobre a escada de Jacob, os degraus hierrquicos das existncias e passando, segundo o seu merecimento e progresso, de homem a anjo, de anjo a arcanjo.

    Jouffroy hesita entre as duas hipteses: a de achar o homem, logo que deixe a vida terrestre, a completa satisfao de todas as necessidades da sua natureza moral - e a de no chegar a essa satisfao seno pouco a pouco passando por muitas vidas sucessivas.

    Eis como ele se exprime: "A outra vida ser nica, ou mltipla? Ser uma sucesso de

    vidas, em que diminui progressivamente o obstculo, ou seremos mergulhados, deixando a vida terrestre, em uma vida sem obstculos?"

    Pelo seguinte trecho se ver o que aquele profundo esprita preferiu entre as duas hipteses:

    "A cada progresso, nossa alma tem a viso mais clara e mais distinta de Deus, aproxima-se do foco da atrao celeste, que a arrasta para o bem, sem contudo obrig-la. Mais a alma conhece Deus, mais ama e se eleva para Ele, por ato completamente livre de sua vontade, sem que lhe seja possvel decair. Numa ascenso progressiva porm, a alma no atinge o absoluto."

    Frank, o sbio membro do Instituto, consagra com sua opinio a doutrina das vidas mltiplas, combatendo a das penas eternas:

    "Conduzir a alma sade, lav-la de suas manchas, ergue-la de suas quedas, revestirem-la de nova fora, para que marche com passo firme nas vias que franqueou e para que mais facilmente alcance a perfeio moral que desdenhou, no a nica eficcia que se possa conceber na pena, quando o ser que a

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    inflige tem para agir sobre a afina o poder e a inteligncia infinitos? A justia de Deus inseparvel de sua sabedoria e de sua misericrdia. E' preciso, pois, que no se represente a outra vida cheia de suplcios arbitrrios, cujo fim seja mais vingana do que expiao."

    Callet se manifesta no mesmo sentido: "O perdo para ns o fim da justia e, se sobre essas

    elevadas plancies, aonde nos leva a imaginao e onde se arrasta, gemendo, o pecador, em lugar de perdo, nos mostram dio chamejante, est tudo acabado. O terror chega ao cmulo e a razo se perturba. Todas as idias de justia e de bondade se desfazem. Cai-se crente e levanta-se ateu. Se existe tal inferno, no se compreendem no outro mundo seno as blasfmias dos danados; mas, se isto existe, para que serve o purgatrio?

    "Deus justia e misericrdia conjunta e indistintamente. H sempre um fundo de misericrdia nos atos de sua justia e um fundo de justia nos de sua misericrdia. Sem ofend-lo, no se pode dizer que ele seja misericordioso sem justia para uns e justo sem misericrdia para outros. Deus justo para os eleitos, porque, se a salvao desses fosse gratuita, efeito da complacncia divina, inqua seria a punio dos pecadores. H, pois, na glria dos bem-aventurados, tanta justia quanto misericrdia.

    "Mas, se Deus justo para com os eleitos, porque no ser misericordioso para com os pecadores? Vs me apontais sua misericrdia no cu e eu vejo a tambm sua justia. Vs me apresentais sua justia no inferno e eu procuro a tambm sua misericrdia. E ela no faltar. Vossa condenao, no vosso inferno, arrasta a necessidade lgica e invencvel de a se ofendera Deus e maldiz-lo! Isso impossvel!! Querer o Senhor que o ultrajemos por toda a eternidade? No querer,

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    pelo contrrio, ser adorado e abenoado por todas as criaturas? Os santos o adoram na alegria e os mortos, que ele castiga, o adoram no sofrimento, porque sabem que esse sofrimento acabar. Tomo por testemunho o Evangelho, todo impregnado nas chamas do amor divino, do amor do prximo e do orvalho misericordioso do perdo."

    A vo dois trechos de Esquiros: "Tudo aqui se concentra em seu egosmo, reduz nesta e nas

    futuras existncias os limites de sua natureza moral e amontoa, em derredor de si, trevas que o envolvero em seus destinos ulteriores.

    "Ocupemo-nos agora daqueles que, tendo completado em uma, ou em muitas existncias sucessivas, uma primeira ordem de provas, se acham evocados a uma vida diferente da nossa."

    Ouamos o catlico romano d'Orient, que escreveu quatro volumes para provar que o magnetismo (!) obra do demnio e que todas as manifestaes espritas so coisas satnicas; mas que tambm escreveu - O Destino da Alma, onde sustentou a idia da preexistncia e das vidas sucessivas!

    Tratando, naquela obra, das desigualdades que se notam de homem para homem; uns infelizes, outros venturosos, uns pobres, outros ricos, uns perfeitos, outros defeituosos, d'Orient diz:

    "Que causa mais justa e mais razovel se poder assinar a essas desigualdades, do que a mesma desigualdade de expiaes, que cada uma das almas precisa fazer, por seus pecados anteriores? Em outros termos: a diversidade dos mritos e demritos que elas tm feito em uma primeira existncia?"

    Tratando dos meninos que morrem sem o batismo e que por isso vo para o inferno, segundo Sto. Agostinho, diz d'Orient:

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    "Pois que Deus no pode condenar a quem no pecou, de rigor, diz Santo Agostinho, que eles cometeram alguma falta. Temos, pois, pela prpria confisso dos santo e sbio varo, duas importantes verdades: primeira, que todas as crianas que nascem tm pecados; segunda, que suas almas, no sendo tiradas da de Ado, esse pecado em virtude do qual so justamente condenadas, quando perdem a vida sem a remisso do batismo, no pode ser o pecado de Ado. Se o pecado, que a faz condenar justamente, no o pecado de Ado, s faltou ao sbio doutor dizer que aquelas almas pecaram pessoalmente em uma vida anterior.

    "E' isso o que sustentamos; mas o doutor da graa raciocina diversamente. Pois que so condenadas, diz ele, e, portanto, culpadas, no podendo Deus condenar injustamente preciso reconhecer que elas tm contrado, pelo ato de simples nascimento, o pecado original de Ado - e que esse pecado do primeiro homem que torna danada toda a raa humana. V-se que Santo Agostinho pretende provar, pela punio admitida como artigo de f, a transmisso do pecado original a todos os descendentes de Ado, sem, entretanto, provar a justia da punio, que serve de fundamento transmisso, que ele mesmo declara - incompreensvel."

    D'Orient esqueceu-se de perguntar a que ficam valendo, diante daquela transmisso incompreensvel, as palavras do Senhor, que dizem: "O pai no paga pelo filho, nem o filho pelo pai; mas paga cada um por suas prprias obras."

    No posso passar de d'Orient, sem transcrever este trecho de sua obra citada:

    "Uma doutrina (a da pluralidade de existncias) que responde satisfatoriamente a todos os fatos, que explica sem dificuldade

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    todos os fenmenos da nossa existncia neste mundo, no pode deixar de ser verdadeira."

    O eminente filsofo Joo Reynaud francamente partidrio da doutrina das vidas sucessivas:

    "Ns comeamos por um simples ponto, a que vo progressivamente aderindo todas as grandezas do Universo.

    "Somente preciso achar um meio de compensar essas vidas perturbadas. Seria pouca coisa, com efeito, termos a certeza de que nenhuma de nossas quedas nos perder definitivamente, se nos sentssemos condenados a ficar presos indefinidamente a existncias to miserveis como esta. Fazer eternamente carreira sobre a Terra, com as mesmas chanas contrrias e com a mesma incerteza de si, no um destino de meter inveja. E' preciso, pois, acabar com esses nascimentos de baixa condio, marcados pelo pecado, quanto ao passado, e comprometedores, quanto ao futuro, e tomar p em melhores regies.

    "Que magnficas claridades no espalha sobre a ordem natural da Terra o conhecimento de nossas existncias anteriores! Assim, a memria o trao luminoso que assinala o nosso caminho. Morremos e tudo se obscurece. Renascemos - e a claridade, como uma estrela por entre brumas, comea a cintilar. Vivemos - e ela se desenvolve, cresce, toma sua primitiva fora. Depois, de repente, apaga-se de novo - e de novo reaparece. De eclipse em eclipse, prosseguimos em nossa marcha e essa marcha, interrompida por peridicos obscurecimentos, contnua: sempre nos sucedermos a ns mesmos, sempre trazemos em ns o principio do que seremos mais tarde, sempre subirmos.

    "No sabemos onde nascemos da mesma sorte que no sabemos para onde somos levados. Sabemos, porm, que vimos de baixo e que marchamos para cima. E, agora, imaginemos os

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    tesouros infinitos de um esprito enriquecido pelo que colheu em uma srie inumervel de existncias, inteiramente diferentes umas das outras e, entretanto, admiravelmente ligadas por uma contnua dependncia. A essa maravilhosa cadeia de metempsicoses, atravessando o Universo com estada em cada mundo, ajuntemos, se tal perspectiva nos parecer digna de nossa ambio, a percepo lcida da influncia particular de nossa vida sobre as mudanas ulteriores de cada um dos mundos que tivermos sucessivamente habitado. Abrilhantemos nossa vida, imortalizando-a, e consorciemos nobremente nossa histria com a do Cu.

    "Nascer no comear, mudar de forma. A teodiceia que tentei esboar sob o ttulo de - Terra e Cu - bem simples e, para acabar de esclarec-la, bastar-me- fazer-lhe a sntese:

    "Refletindo sobre o espetculo do Universo, tal qual se nos apresenta, parece-me que nosso esprito se acha naturalmente arrastado a reconhecer que existe uma primeira srie de mundos, mais ou menos anlogas a Terra, nos quais as almas, em iniciao da carreira infinda que diante delas se abre ainda dbil e frouxamente adesas a Deus, se acham expostas ao regmen da tentao, a que sucumbem ou resistem. De um para outro daqueles mundos se aperfeioam, pouco a pouco, por meio de provas sempre em relao com seu grau de fraqueza e de culpabilidade, e, depois de labores mais ou menos prolongados, chegam, enfim, a merecer a entrada dos mundos da alta srie. A se efetua a libertao completa de todo o mal; reina a o amor do bem com intensidade tal que ningum pode mais desmerecer e, pelo contrrio, so todos animados do desejo de se elevarem e, ajudados em seus esforos pela graa incessante de Deus e pelo socorro das sociedades bem-aventuradas, em cujo seio vivem, desenvolvem a atividade de todas as suas virtudes e se

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    aproximam, por um continuo progresso, mais ou menos rpido, segundo a energia de cada uma, do tipo infinito da perfeio."

    Chega a vez de Camilo Flammarion. "Nossa morada terrestre um lugar de trabalho, aonde vimos

    perder um pouco da nossa ignorncia original e elevar nossos conhecimentos. Sendo a lei da vida, preciso que neste universo, onde a atividade funo dos seres, o homem nasa em estado de simplicidade e ignorncia. E' preciso que ele comece, em mundos pouco avanados, pelas obras elementares; preciso que a mundos mais elevados chegue com um certo peclio de conhecimentos; precisa, enfim, que a felicidade, a que todas aspiramos, seja o preo do nosso trabalho e o fruto do nosso valor.

    "Se h muitas habitaes na casa de nosso pai, no so elas, por certo, leitos de repouso, seno estaes onde as faculdades da alma se exercitam em toda a sua atividade e numa energia mais ou menos desenvolvida. So regies, cuja opulncia cresce sempre e onde se aprende a melhor conhecer a natureza das coisas, a melhor compreender a Deus, em seu poder, a melhor ador-lo, em sua glria e em seu esplendor. As terras suspensas no espao temo-las considerado como estaes do cu e como regies futuras da nossa imortalidade. Est a a casa do Pai com muitas habitaes, a morada de nossos progenitores, que ser a nossa um dia.

    "Toda crena, paia ter o cunho da verdade, deve assentar na conformidade com os fatos da natureza. O espetculo do mundo nos ensina que a imortalidade de amanh a de hoje e foi a de ontem, que a eternidade futura no seno a eternidade presente. Os seres que habitam todos os mundos do espao so homens que partilham do nosso destino e esses homens no nos

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    so estranhos, ns os conhecemos ou conhec-lo-emos um dia. So da nossa famlia, pertencem nossa humanidade.

    "A vida eterna vs a conquistareis, no pelos trabalhos de uma s existncia, mas pelos de muitas vidas consecutivas umas s outras. Pluralidade de mundos - pluralidade de existncias; eis dois termos que se completam e se iluminam:"

    A escola saintsimoniana, de que Emlio Barrault distinto discpulo, diz:

    "Repouso eterno para o homem, depois da morte, o que pede a Igreja? No pode ser. A vida uma obra graciosa, a infncia um agradvel acordar, a velhice um delicioso adormecer e a morte o preldio de uma nova vida, de um novo progresso. Cessem, pois, as idias de um juzo final e de eleitos, porque todos somos filhos de Deus, e o prprio filho prdigo deve, cedo ou tarde, voltar casa paterna."

    Barrault oferece-nos esta passagem: "Se o destino de cada um de ns realizar em si o tipo

    humano perfeito, uma vida nica insuficiente. So precisas muitas, com a diversidade das condies de meio, de modo que as aptides ainda latentes sejam provocadas a aparecer e as que j brilharam entrem em repouso, como peclio j adquirido, que mais no se pode perder. Cada um de ns saber que j veio aqui e que voltar aqui. E eu mesmo quisera poder adormecer com a palavra de Goethe nos lbios: luz, mais luz e, de sono em sono, de despertar em despertar, chegar a esse ponto, onde a luz nos dada em toda a plenitude.

    "Cada um de ns faz seu destino, cada um de ns revive com seu haver e dever. Depende de cada um ter um grande ativo ou um grande passivo e fazer, com vergonha ou com glria, seu inventrio, sua liquidao."

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    Estes princpios so largamente desenvolvidos na obra de Barrault, intitulada - O Cristo.

    De Enfantin, outro saintsimoniano, transcreverei os seguintes trechos de sua obra - A Vida Eterna:

    "No quero, como o materialista ateu, que minha personalidade acabe com o meu cadver. Quero como o espiritualista crente, que ela se perpetue; mas no em condies incompatveis e contraditrias com a vida e que a privem de tudo o que ama. Mais ambicioso mais lgico e, ouso dizer, mais moral que todos os que crem na vida futura, eu a quero tal qual ela , e no, como a consideram contrria ao que de fato . Eu a quero ligada cada vez mais a meus semelhantes, a Terra, ao Universo. Eu a quero progredindo e fazendo progredir tudo o que no ela, aumentando progressivamente em lembranas e esperanas, mas tambm em realidade viva. Eu a quero perfectvel e no perfeita, porque sou homem e no Deus. Eu a quero amante e amada, porque por a que o homem se aproxima de Deus, a quem nunca alcanar, nem ver face a face, porque, em tal caso, seria um deus e haveria dois.

    "Tenho tanta f na bondade de Deus, a respeito dos seres imperfeitos, que acredito firmamente na igualdade em que Ele tem o duplo juzo de sua conscincia: a reprovao do mal e a aprovao do bem e que a justia eterna nos d progressivamente o perdo do mal, at o esquecimento e a recompensa do bem, at a lembrana eterna."

    Louis Gourdan, da mesma escola, diz: "O que sinto profundamente que Deus nos fez livres. Ns

    nos elevamos, ou nos rebaixamos, conforme o uso que fazemos dessa liberdade, no somente na vida presente, como em toda a srie de existncias, que temos de percorrer.

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    "Partimos de ignotas profundidades para nos aproximarmos progressivamente de Deus, isto , da perfeio infinita, que jamais alcanaremos. O caminho que percorremos se divide em uma inumervel srie de estaes. O nascimento e a morte so os dois termos de cada uma delas.

    "Crer que a morte seja a porta do nada blasfemar. Crer que, depois de alguns instantes passados sobre a Terra, recebemos uma recompensa eterna, ao um eterno castigo, desconhecer a justia de Deus."

    O Dr. Gand, nas - Cartas de um Catlico - exprime-se assim: "H, na doutrina da reencarnao, uma economia moral, que

    no escapar inteligncia humana. E' evidente que uma vida no basta aos designos de Deus quando, segundo suas leis, encarna um esprito. Demonstrando melhor a corporeidade os atos de virtude e sendo esses atos necessrios ao melhoramento do esprito, raramente poder este encontrar, em uma nica existncia, as circunstncias necessrias sua elevao.

    "Estando admitido que a justia de Deus no pode compadecer-se com as penas eternas e devendo a expiao ser proporcional falta, a razo conclui dai: 1. a necessidade de um perodo de tempo durante o qual a alma examine seus pensamentos e forme suas resolues para o futuro; 2. a necessidade de uma nova existncia, em harmonia com o adiantamento atual dessa alma.

    "No falo dos suplcios, algumas vezes terrveis, infligidos a certos espritos depois da morte. Correspondem de uma parte, enormidade da falta e, de outra, justia de Deus. Quanto a novas provas, compreende-se sua necessidade, por uma comparao vulgar, mas expressiva. Depois de um ano de estudo, que acontece ao estudante? Se fez progresso, se foi aplicado, se aproveitou o tempo, passa para a classe superior. Se

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    ficou estacionrio em sua ignorncia, repete a classe. Se cometeu faltas graves, ignominiosamente expulso. Este pode andar de colgio em colgio, ser declarado indigno de pertencer Universidade e passar da casa de educao casa de correo. Tal a imagem fiel da sorte dos espritos."

    Andr Pezzani, talvez dos sbios modernos o que mais se ocupou com a questo, explana sua opinio nestes termos:

    "A desigualdade das almas que vm a Terra no procede de uma desigualdade de essncia, nem de uma vontade particular de Deus. Sua razo est numa srie mais ou menos longa de existncias anteriores. Assim, as disposies da alma, que so efeitos de manifestaes precedentes, formam o ponto de partida da existncia atual. Vindo ocupar um corpo humano, a alma lhe imprime uma maneira de ser, correspondente ao grau de adiantamento que anteriormente adquiriu."

    "O pecado do pai, exclama Pelgio, no pode fazer culpados os filhos. Logo, os filhos nascem inocentes. Por serem, porm, inocentes dos crimes paternos, no se segue que as crianas o sejam igualmente dos que possam ter cometido par si mesmas, em tempos ou vidas anteriores.

    "Ora, Joo Reynaud faz ver que a alma de alguns j viciada ao nascer. Logo, o homem j viveu e nessa vida precedente contraiu o vcio que se lhe nota.

    "Decidir de outro modo seria atribuir a Deus a iniciativa de todas as ruins inclinaes que manifestamos to depressa pomos os ps na Terra. Por a se compreende o porqu de ningum estar aqui isento de misrias e de serem essas misrias desigualmente repartidas.

    "Ficssemos ns sob a presso da culpa original e haveria, sim, razo para todos sofrermos misrias, mas no para que um sofresse mais que outro. E s vezes o bom mais que o mau. Pelo

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    contrrio, se a nossa culpabilidade pessoal, o que natural que haja diversidade de um para outro.

    "No porque somos filhos de Ado que nos achamos depravados e miserveis como ele. E' porque ramos depravados como ele e, por conseguinte, dignos de ser, como ele, miserveis, que viemos a ser seus filhos. Por mais culpados, porm, que sejamos aqui, a justia de Deus no nos inflige o castigo do inferno, uma vez que em castigo vm a Terra os maiores culpados. Sendo a nossa culpabilidade da mesma ordem, ao nascer e ao morrer, na partida e na chegada, no pode haver na segunda porta penas diferentes das que h na primeira.

    "Assim, a verdade da preexistncia fornece um testemunho irrecusvel contra a loucura do inferno. Da mesma sorte que a preexistncia explica a prova terrestre e os fatos desta vida, sem ela incompreensveis, assim tambm as reencarnaes e existncias posteriores das almas explicam a ordem geral do Universo, o plano da criao, a justia e a misericrdia de Deus. E uma vez que se admita o primeiro, forosamente se admitir o segundo dogma.

    "Ter-nos- Deus arrancado do Nada, ter-nos- dotado de uma funesta liberdade, ter-nos- feito atravessar tentaes sem nmero e multiplicadas provas e, depois de uma curta vida, que no seno um ponto no tempo, fechar-nos- para sempre a porta do arrependimento e da reabilitao, fixar a nossa mvel sucesso e nos dar, a ns, seres limitados, o nosso absoluto, o nosso imutvel domnio: o da mal e o da dor? Queimar-nos- nas chamas de um eterno auto-de-f, fogo inexorvel, que calcina sem purificar, suplcio atroz, que tortura sem regenerar?

    "E aos seus eleitos, aos bem-aventurados, que dar Ele? Ah! Os danados no lhes invejaro a sorte! Ele os separa eternamente de seus amigos, de seus pais, de seus irmos. Que

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    mais lhe pode importar desde que so habitantes da cidade eterna? No vivem nadando em um oceano de eternas alegrias'. Que alegria!

    "De um lado a luz, de outro as trevas; aqui, os inefveis louvores; alm, as maldies; aqui, ainda, as mais suaves delcias; l em baixo, as lgrimas e o ranger de dentes. Quadro incomparvel! Em tudo isto nenhuma alterao! O absoluto, tanto para a felicidade, como para o sofrimento! Entre os dois mundos, o abismo do infinito e da eternidade!

    "Mas, se assim, Senhor, onde recrutareis eleitos para o vosso paraso? Na Terra o mal alastra, o egosmo borbulha por toda a parte e, entretanto, vejo a a simpatia e a caridade. No meio de uma festa, em que tudo luxo, em que a orquestra enche os espaos com seus harmoniosos sons, em que os sentidos so excitados pelas mais picantes iguarias, pelo som das vozes, pelos encantos da beleza, pelo perfume das flores, que rompa no momento da mais louca, alegria, um brado de desespero, que aparea um medonho espetculo, que, perto ou longe, uma casa em chamas ameace reduzir a cinzas desgraados que clamam por socorro, e, sbito, a festa cessar, os coraes se enlutaro, os mais generosos correro a arrancar as presas ao incndio e, estejamos certos, deixando o baile, haver senhoras que deixaro cair algumas de suas jias nas mos dos que no tm mais asilo. Eis o que fazemos na Terra e este movimento bom e no nos pode perder.

    "Que fareis aos vossos eleitos para transform-los, para levar-lhes o egosmo at barbaridade?

    "Oh! Se o justo deve odiar o que amou, se deve ficar insensvel aos sofrimentos dos seus irmos, de sua esposa, de seus pais, prefiro mil vezes a sorte dos condenados e direi a Deus: Guardai Senhor, para outros, de quem no invejo o

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    corao, as alegrias eternas do vosso Paraso. Eu quero viver com os desgraados, com os que sofrem. No quero comprar vossos favores ao preo dos meus sentimentos, de meu amor, de minha vida. Essas afeies que me destes, no as posso riscar da minha alma. Esses seres to queridos, que pusestes em meu caminho, no deixam que eu goze alegrias quando eles so desgraados.

    "E, entretanto, h homens que ensinam que os eleitos sentem crescer sua felicidade ao espetculo dos suplcios dos condenados, sem terem por eles a mnima compaixo! Impiedosos telogos! Vossa pena no se quebrou entre os vossos dedos, quando escrevestes estas pginas, que vos desonrariam se pudessem ser imputadas ao vosso corao, se no fosse mais verdadeiro atribu-las ao desvairamento da vossa f?! Ah! Sabei que, ligando-vos letra das ameaas sadas dos lbios do Cristo, no compreendeis o esprito do Cristianismo, dessa religio sublime, cujo principal preceito a caridade.

    "Deus de bondade, Deus de amor, Deus de misericrdia, como se pde desconhecer-vos assim? Como se pde colocar em vosso seio o barbarismo e a crueldade? O dogma do inferno eterno tanto um dogma de ocasio, mantido por causa de sua utilidade, que S. Jernimo, alis, clebre pela guerra que moveu a Orgenes, o confessa nestes termos: "Tais so os motivos em que se apiam os que querem fazer crer que, depois dos suplcios e tormentos, no vir o perdo e o repouso. E' o que convm ocultar agora queles a quem o medo faz bem, a fim de que, receosos dos suplcios, se abstenham de pecar."

    Assim S. Jernimo no sustentava o inflexvel dogma da eternidade das penas. Somente fazia dele um meio de amedrontar os pecadores.

  • 52

    "A Igreja Catlica o conservou em todo o rigor, mas temperou-o com o purgatrio, que contm em embrio a f do futuro. Entre o dogma do purgatrio e das vidas sucessivas, no h seno um passo, que incumbe ao nosso sculo dar."

    ***

    Eis, para no continuar com citaes, a origem do Espiritismo, ou da idia em que ele assenta. Uma idia, que vem do princpio do mundo, que encarna em todo o movimento civilizador dos povos, que prossegue atravs dos sculos sem se perder; uma idia, que passa de gerao a gerao, de povo a povo, de raa a raa e, nestes tempos de luz, acende o facho das maiores inteligncias do mundo; uma idia, que apresenta esses atestados, no pode ser repelida sem estudo, sem exame, sem repetidas experincias, seno pelos fanticos ou pelos possessos.

    E porque a repelem? A Igreja no tem dogma definido que se oponha s

    reencarnaes. O que ela tem so crenas baseadas na interpretao literal das Escrituras sagradas. A se fala nos castigos que vo sofrer as almas depois da morte e de que tais castigos so aplicados no inferno. Eis a razo nica Para a condenao do novo dogma. No se reflete, porm, nas razes que apresenta ele para ser reconhecido como verdade.

    E' novidade que altera o statu quo , portanto, obra de Satans! Eu j disse: to convencido de possuir a suma verdade, como o est a igreja, estava o sacerdcio hebreu. Como ento conden-lo por no ter aceitado a revelao messinica, por t-la denominado diabolismo, por ter preferido Barrabs ao que ensinava a superior doutrina?

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    O sacerdcio operou segundo as normas de todo fanatismo: s aceitar por verdade o que est aceito como verdade. O sacerdcio julgou que ofendia a Deus, se aprofundasse a nova revelao, que reconstrua o templo sobre a mesma base, porm com diferente forma e material. E' o que est fazendo a Igreja, sem se lembrar do passado, digo-o com toda a reverncia.

    Alega-se, porm, que as situaes so diferentes, que o sacerdcio hebreu devia saber, pelas profecias, que o Cristo era esperado, ao passo que a Igreja no espera ningum.

    Passemos ao segundo ponto que prometi discutir.

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    Razo de ser do Espiritismo

    E' verdade que o sacerdcio hebreu esperava o Cristo e por isso no lhe pode ser relevada a falta que cometeu, desconhecendo-o. Haver, porm, algum esprito esclarecido que admita a idia de que o desconheceu de propsito? Se no foi de propsito, foi por alguma razo respeitvel, embora insubsistente. Qual ser essa razo?

    A Sinagoga tinha por artigo de f que tudo quanto estava na Arca era verdade divina. Vendo, pois, atacadas muitas daquelas supostas verdades, sentiu-se ferida em sua f e foi em nome de seu Deus que saiu a combater a Deus. Se ela tivesse mais prudente calma, se tivesse estudado a nova lei e estudado a lei geral da revelao divina, teria curvado o joelho diante do Filho dileto do Altssimo, em vez de se ter feito deicida.

    Se tivesse estudado a lei da revelao divina, disse eu. Mas, qual essa lei? Acompanhe-me nesta necessria digresso.

    A lei geral da revelao ressalta brilhante do mais perfunctrio estudo do ensino celeste dado ao mundo, confrontado com a marcha da Humanidade. Faamo-lo sem fanatismo e sem irreverncia, com a concentrao e o respeito que merece to superior assunto, apoiando a razo na conscincia e a conscincia na razo, que so o critrio dado ao homem para conhecer a verdade em si.

    Comecemos pela revelao direta, feita por Deus, a Abrao, na primeira infncia da Humanidade. A, que ensinou o Senhor? A unidade de Deus - e nada mais. No deu mandamentos, no imps obrigaes, seno a de reconhec-lo e am-lo. E' essa a primeira genuna revelao, no sentido de ensino aos homens. E os homens, que fundam a sua religio sobre o ensino de Deus,

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    fundaram sobre o que foi dado a Abrao o que chamarei - religio primitiva.

    Nesta, logo se notam dois caracteres, que importa essencialmente assinalar: o carter divino e o carter humano. A parte divina era o reconhecimento da existncia de um nico Deus, criador, eterno, onipotente, onisciente, infinitamente perfeito. A parte humana foi a adjuno quela crena de certos usos e costumes, que passaram com ela por princpios sagrados. Foi assim que, no perodo da religio abramica, a poligamia se associou ao conhecimento e ao amor de Deus, constituindo a crena religiosa do povo que recebeu a revelao celeste.

    Mais tarde, Deus baixou ao Sinai e fez, por Moiss, a sua segunda revelao. Esta foi mais extensa e mais compreensiva: foi feita a uma nao, em vez de o ser a uma famlia, e j compreendeu dez mandamentos, em vez de um nico. Vemos, pois, que, pelo correr dos tempos, o Senhor julgou necessrio ampliar o divino ensino. E vemos tambm, nesta segunda revelao, o que vimos na primeira: os homens construrem sabre ela uma religio composta de dois infalveis elementos - o divino e o humano. Assim, no perodo da religio mosaica, temos, de um lado, as verdades eternas recebidas no Sinai e, de outro lado, o cdigo draconiano de Moiss, que consagra o dente por dente e a prescrio de passar a fio de espada as mulheres e as crianas dos povos vencidos. E vemos, finalmente, que a parte humana da primitiva religio, a abramica, foi banida pela maior luz da segunda, a mosaica. Efetivamente, esta condenou as prticas abusivas dos abraamistas, proscrevendo a poligamia.

    Cabe aqui um incidente. Por que razo Moiss, o mais conspcuo varo da antiguidade, que "falou a Deus face a face", imiscuiu com as verdades divinas prescries to repulsivas e condenveis? Porque, sem dar satisfao aos instintos do tempo,

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    no conseguiria que seu povo recebesse o ensino salvador e Deus, em seu amor pelo homem, permite que seus ministros lhe respeitem a fraqueza, contanto que se sirvam dela para lhe inocularem a eterna verdade.

    Se Moiss, naqueles tempos de atraso material, em que o homem era quase animal selvagem, dominado pelas paixes brutais e pela fora, lhe impusesse os divinos mandamentos, proscrevendo todo ato de vingana e de violncia, veria repelidas as Tbuas da Lei, porque a natureza, nos ignorantes, tem mais fora que a razo