a loucura sob novo prisma (bezerra de menezes)

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Adolfo Bezerra de Menezes A Loucura sob Novo Prisma(Estudo Psquico-Fisiolgico) FEESP Federao Esprita do Estado So Paulo

Camille Pissarro Paisagem de Chaponval

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Contedo resumido Tem sua primeira edio em 1920, pela tipografia Bohemias. Estudo de carter psquico-filosfico aprofunda a pesquisa esprita, comprovando o pensamento como funo especfica do esprito, sendo a loucura resultado, em alguns casos, da ao fludica de espritos desencarnados sobre o esprito encarnado. Sumrio Apresentao / 03 Introduo / 04 Ao Leitor / 07 Cap. I - Existe no homem um princpio espiritual? / 10 Cap. II - Do esprito em suas relaes / 65 Cap. III - Obsesso / 120

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Apresentao As "Edies FEESP" tm a indizvel satisfao de apresentar mais uma edio da obra "A Loucura sob novo Prisma", de autoria do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, um dos maiores vultos do Espiritismo brasileiro. Escrita no ltimo quartel do sculo passado, esta obra de inquestionvel atualidade, enfocando, em seu texto, interessantes explicaes sobre a loucura, detendo-se prolongadamente na anlise da loucura sem leso cerebral, quando ela ocorre devido interferncia de Espritos menos esclarecidos, mais conhecida por obsesso ou possesso espiritual. Por isso ele afirma a certa altura do livro: pelos meios espritas, que nos do a cincia da loucura por obsesso, que podemos fazer, com segurana, o diagnstico diferencial desta espcie, ainda desconhecida da Medicina, que a confunde com a loucura por leso cerebral. E, uma vez feito aquele diagnstico, cumpre aplicar-se obsesso um tratamento especial, como de lgica rigorosa. Esse tratamento misto, isto , moral e teraputico, principalmente moral. No princpio, enquanto os fluidos malficos do obsessor no tm produzido leso cerebral, deve-se procurar elevar os sentimentos do obsediado, incutindo-lhe na alma a pacincia, a resignao e o perdo para seu perseguidor, e o desejo humilde de obt-lo, se em outra existncia foi ele o ofensor. Temos a certeza plena de que "A Loucura sob novo Prisma" representar mais um contributo das "Edies FEESP", para que as bibliotecas espritas e de pessoas leigas interessadas na matria no fiquem desprovidas de subsdios to valiosos, escrito por um mdico que, no sculo passado, destacou-se pelos seus elevados dotes morais e pelo seu acendrado amor ao prximo. Bezerra de Menezes escreveu

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com amplo conhecimento compreendia a ao que os encarnados, chegando ao espirituais se apresentem loucura.

de causa, pois, como esprita que era, Espritos desencarnados exercem sobre os ponto de fazer com que as obsesses com todos os caracteres de verdadeira A Editora Introduo

Levados pelo princpio, que julgam ser uma lei natural, de que toda perturbao do estado fisiolgico do ser humano procede invariavelmente de uma leso orgnica, os homens da cincia tm at hoje, como verdade incontroversa, que a alienao mental, conhecida pelo nome de - loucura -, efeito de um estado patolgico do crebro, rgo do pensamento, para uns; glndula secretora do pensamento, para outros. Nem os primeiros, nem os segundos explicam sua maneira de compreender a ao do crebro, quer em relao funo, em geral, quer em relao sua perturbao, no caso da loucura. Neste ligeiro trabalho, proponho-me, alm de mais, a preencher essa lacuna, demonstrando, com fatos de rigorosa observao: 1., que o pensamento pura funo da alma ou Esprito, e, portanto, que suas perturbaes, em tese, no dependem de leso do crebro, embora possam elas concorrer para o caso, pela razo de ser o crebro instrumento das manifestaes, dos produtos da faculdade pensante. Efetivamente, mesmo quando a alma esteja no pleno exerccio daquela faculdade, uma vez que o crebro padea de leso orgnica que o torne instrumento incapaz da boa transmisso, dar-se- o caso da loucura, como dar-se- o da cegueira, quando o olho, instrumento da viso, sofrer leso, que tolha a passagem do raio luminoso.

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Este caso de leso cerebral explica a loucura, a que chamarei cientfica - porque a conhecida pela Cincia, mas eu demonstrarei, 2., que a loucura, perfeitamente caracterizada, pode-se dar - e d-se, mesmo, em larga escala, sem a mnima leso cerebral, o que prova que o crebro no rgo do pensamento, e, menos que tudo, seu gerador ou secretor; e prova mais que, assim como o mau estado do instrumento de transmisso determina o que chamamos - alienao mental -, embora em perfeito estado se ache a fonte do pensamento, assim, por igual, o mau estado desta determina a alienao, embora esteja so o instrumento da transmisso. Toda a questo se resume em provar-se, fundamentalmente, que h loucos cujo crebro no apresenta leso orgnica de qualidade alguma. Feito isto, fica perfeitamente claro que a loucura no um caso patolgico invarivel em sua natureza, mas um fenmeno mrbido de duplo carter: material e imaterial. Quando conseqente da afeco do crebro, que lhe perturba a transmisso, fazendo-a desordenadamente, tem o carter material ou orgnico. Quando resulta de algo que afeta a faculdade pensante, origem natural do pensamento, que, por isso, emana viciado da fonte, tem o carter imaterial e fludico, que demonstrarei; 3., podendo ser, tambm, resultante da ao fludica de Espritos inimigos sobre a alma ou Esprito encarnado no corpo. Em oposio denominao de loucura cientfica, com que designei a que representa o primeiro carter, designaria esta segunda espcie pela denominao de - loucura por obsesso, isto , por ao fludica de influncias estranhas, inteligentes. Da primeira espcie, no me ocuparei seno acidentalmente, pois que nada poderei acrescentar aos trabalhos importantssimos que a seu respeito tm produzido os maiores vultos da medicina oficial, em todos os tempos e pases.

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Meu estudo limitar-se- segunda espcie, ainda no reconhecida, nem estudada no mundo cientfico. Sobre este importante assunto, cuja simples enunciao j deve ter feito muita gente atirar longe o pobre livro, eu farei meditado estudo, no empenho de tornar patente a causa do mal - a sintomatologia necessria ao diagnstico, quer do mal (obsesso), quer da diferenciao entre as duas espcies de loucura - e, finalmente, os meios curativos da nova espcie ou obsesso. Dividirei, pois, este livro em trs partes. Na l. tratarei do pensamento em seu princpio causal e em suas manifestaes. Na 2. tratarei das relaes do nosso Esprito com os Espritos livres do espao; donde a loucura por obsesso. Na 3. direi sobre esta loucura, como caso patolgico, determinando-lhe a causa - apreciando-lhe os sintomas; colhendo os elementos para seu diagnstico diferencial; e prescrevendo os meios com que se deve tentar a cura do terrvel mal. Empreendendo to grandioso trabalho, no me iludo com a presuno de que lhe posso dar feliz sucesso. Ningum conhece meu obscuro nome - e obras de tanta monta requerem nomes aureolados, e no de modesto mdico, qual sou. Tenho, entretanto, a presuno de poder assegurar, a quem o ler, que, de par com a fraqueza intelectual na exibio e na apreciao dos fatos que servem de base ao meu pequeno edifcio, encontrar a indobrez de carter do homem que se preza - e que se aviltaria a seus prprios olhos, se tentasse iludir com falsidades a quem o ler de boa f. Os fatos citados, neste livro, so a expostos com suas cores naturais, escrupulosamente conservadas - e s no se imporo crena dos que deles tomarem conhecimento, porque o observador foi um ningum.

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Max Ao Leitor At hoje, a Cincia s conhece a loucura que resulta, de um modo permanente, da perturbao do pensamento, com sua sede no crebro. Podem variar causas e formas, mas o estado patolgico do indivduo sempre o mesmo: a loucura caracterizada pela perturbao mental e pela sede no crebro. Sem que o crebro sofra, no pode haver, para a Cincia, o fenmeno psquico-patolgico da loucura. Esta a doutrina corrente - esta a lei invarivel para a Cincia. Entretanto, o clebre alienista Esquirol atesta a existncia de casos, por ele observados, de loucura sem a mnima leso cerebral - e essa afirmao do ilustre sbio robustecida pela observao de outros no menos considerados no mundo cientfico. Est, pois, verificado que h loucura com e sem leso cerebral; e, portanto, que h dois casos bem distintos de loucura - ou que h loucura de duas espcies. intuitivo que, dependendo o pensamento do crebro, como rgo produtor, segundo uns; como rgo transmissor, segundo outros; mas rgo essencial, segundo todos, evidente que um caso de loucura, com leso daquele rgo, no pode ser o mesmo que o de loucura sem leso dele. Se a variedade das causas pode conformar-se com unidade da espcie mrbida, o mesmo no se d com variedade de condies da sede ou do rgo essencial. Assim, havendo casos de naturezas diferentes, e de rigor que constituam espcies distintas.

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Estas espcies se determinam pela presena ou ausncia da leso cerebral. A alienao que resulta da alterao do rgo do pensamento, no a mesma coisa que aquela em que o rgo em questo se acha em seu perfeito estado fisiolgico. Mas, como isto, se o crebro rgo do pensamento? Coincidindo a loucura ou alienao mental com qualquer estado patolgico do crebro, o fato da mais simples compreenso. O olho doente produz necessariamente a perturbao da viso. A loucura, porm, ou alienao mental, coincidindo com o mais perfeito estado fisiolgico do crebro, isto, sim, no fcil de entrar na compreenso humana. O olho perfeitamente so no se compadece com a perturbao da viso. Sendo assim - e em face da lei: rgo so, funo perfeita; rgo doente, funo perturbada - bvio que a Cincia explica a loucura com leso do crebro, mas no a loucura sem tal leso. A questo no pode, por muito tempo, ficar insolvel, principalmente afetando, como afeta, a parte mais sensvel da natureza humana. A loucura apaga a luz da razo e reduz o homem triste condio animal. Importa, pois, empenhar todas as foras intelectuais da Humanidade na soluo do problema de mxima importncia para ela. Eu vou - mais confiante na luz que baixa do Alto sobre todo aquele que procura a verdade e o bem de boa vontade, do que nas pequeninas foras da minha obscura mentalidade - eu vou tentar o mximo esforo no intuito de resolver o problema da loucura em sua nova face, isto , da loucura sem leso cerebral. Compreende-se quanto importa a prtica diferenar uma espcie da outra, para no confundi-las no mesmo tratamento, sendo elas de naturezas diferentes.

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Meu plano determinar a natureza especial da loucura sem leso cerebral, estabelecer as bases de um diagnstico diferencial de uma para outra espcie, e oferecer os meios curativos deste gnero desconhecido de loucura. Para a determinao da natureza da nova espcie de loucura, indispensvel resolver as seguintes questes preliminares: l.: Existe a alma? Qual a sua natureza? 2.: Como se relaciona a alma com o corpo? 3.: Qual a origem do pensamento? 4.: Quais as relaes do pensamento com o crebro? Dividirei este trabalho em duas partes: uma filosfica, que compreender a soluo destas quatro questes - donde a explicao da loucura sem leso do crebro; outra, cientfica, que compreende o diagnstico e o tratamento, precedidos de um estudo da natureza do gnero especial de loucura, com que ora me ocupo. "Cave ne cadas."

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Captulo I Existe no homem um princpio espiritual? Ningum pode recusar o estudo desta questo, do mais palpitante interesse para o ser humano. Nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossas aes tomaro bem diferente orientao conforme for ela resolvida pela afirmativa ou pela negativa; pela existncia da alma ou pelo exclusivismo da matria, na constituio do nosso ser. Saber, com efeito, se acabamos com a morte ou se sobrevivemos decomposio do corpo, no coisa de simples curiosidade, visto como, num caso, no temos que prestar contas de nossas obras na vida, e, noutro, pesa-nos a responsabilidade de cada uma delas. Se o homem meteoro, que brilha por um momento e some-se, para sempre, no turbilho universal, por que contrariar seus gostos, suas inclinaes, suas paixes, por mais selvagens que sejam, uma vez que ali est o nada, em que vai desaparecer? Se, porm, imortal, livre e, conseguintemente, responsvel, quanto no lucrar em conhecer-se a si mesmo, para prevenir-se contra futuras tempestades? Tambm, por isso, esta questo deve ser resolvida com preciso e clareza, porque a pedra fundamental do edifcio da vida terrestre e de todas as vidas. Dividiremos, pois, este captulo em dois pargrafos: um, para o estudo especulativo; outro, para o estudo experimental da magna questo; um para a demonstrao racional, corroborada pela autoridade dos maiores vultos da Humanidade; outro, para a experincia, que fala aos sentidos, e que , em nosso tempo, o grande mtodo cientfico.

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Demonstrao racional e de autoridade da existncia da alma Incontestavelmente o homem no puro animal. H, entre a nossa espcie e as espcies animais, to perfeita diferena, como entre os animais e os vegetais. Jean Louis Armande de Quatrefages de Brau, uma das mais respeitveis competncias do nosso sculo, to convencido foi dessa distino, que dividiu toda a criao do nosso planeta em quatro reinos: mineral, vegetal, animal e hominal. Sendo to superior, ao ponto de dominar todos os seres criados, s por obcecao se pode admitir que o homem se confunda com os seres que lhe so inferiores: surgir vida e se extinguir com ela. Os grandes vultos, que arrancam Natureza seus mais recnditos segredos, que com as lmpadas de sua inteligncia iluminam o mundo, que deixam na Terra memria eterna de sua gloriosa passagem, acabaro como vil inseto, reduzir-se-o a nada? Toda a nossa natureza se revolta contra semelhante pensamento, e a razo e a conscincia repelem-no, escandalizadas. E por que tal instintiva e espontnea revolta no nosso ser, se efetivamente temos que acabar como o cavalo de nossa montaria? porque o homem traz consigo o grmen da verdade, o conhecimento inato de seu destino - destino superior, que imprime alto cunho natureza hominal, que repele tudo o que tende a apagar aquela impresso. E o que seria esse sentimento ntimo sem objetivo, quando a todas as nossas disposies naturais correspondem necessariamente objetos correlativos, fora de ns, como sejam: os sons para a nossa disposio natural de ouvir, o aroma para a de cheirar, a luz para a de ver, etc.? Que tal sentimento natural, no se pode pr em dvida, pois universal - e ningum acreditar que seja concepo humana aquilo

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que est no corao, e que fala razo e conscincia de todos os homens. E todo o que se compara a qualquer das espcies animais, reconhece a verdade daquele sentimento inato-espontneo. O mais adiantado dos seres animais, se possui o que quer que seja de inteligente, que parece elevar-se ao raciocnio, no o pode cultivar como o homem. Pode, trabalhando com perseverante pacincia, aprender alguma coisa, que no natural sua espcie, mas isso que aprende, e que guarda fora de hbito, no capaz de transmitir aos de sua raa - a animal algum. Vemo-los praticar obras to admirveis como no as faz o homem; mas no obra de sua inteligncia, funo natural, tanto que todos os da sua espcie as fazem, e nenhum pode faz-las melhor que outro - e todos as fazem hoje to bem como as fizeram desde o princpio -, flas-o at ao fim dos tempos. coisa anloga s nossas funes orgnicas, que so as mesmas em todos os homens, e cujo curso natural nenhum tem o poder de alterar. No se diga, pois, que o bruto possui faculdades equivalentes s dos homens, pois as suas so, individualmente, imperfectvel, ao passo que as nossas so, individualmente, e essencialmente, perfectveis. O homem , por sua natureza, por condio essencial de seu ser, eminentemente perfectvel, e, pois, como ter por destino desaparecer no nada? Haver quem ponha em dvida aquele caracterstico da nossa espcie, diante do incessante progresso realizado por ela, desde os tempos primitivos? E, pois, se a natureza humana perfectvel, o que quer dizer: submissa lei do progresso para a perfeio, como realizar sua misso, se a morte nos reduzir ao nada?

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Querero que a perfeio, ltimo e mais alto grau da perfectibilidade, seja um simples adorno para a vida - e que seja conseguida nos curtos momentos da vida? Ridcula extravagncia! Demais, a lei do progresso , como todas as leis naturais, de carter universal - e o que observamos acabarem os homens em infinita variedade de graus de progresso, desde o boal at o sbio, desde o bandido at o justo. Ou a lei no igual, ou com a morte no acaba o ser humano, que vai alm, e por modo ainda no geralmente conhecido, realizar seu destino, o destino do ser perfectvel at a perfeio. Isto, sim; no somente coloca a perfeio humana em altura digna da obra-prima de Deus, como explica a morte de homens em condies rudimentares de progresso. O simples bom-senso repele a coexistncia da lei do progresso humano e da reduo do ser humano ao nada, no fim da vida terrestre. S um louco pode erguer um monumento sem igual, como o homem, para ter o gosto de arras-lo, mal o tenha concludo! E tanto o destino humano se acha fora desta vida corporal, que nossa natureza aspira a algo que no nos pode ser dado nela. Foi esta eterna e universal intuio da alma humana que levou um dos mais profundos pensadores, Malebranche, a traduzi-la nesta sublime frase: Sors tua mortalis, non est mortale quod optas. Como explicar-se o fato de o ser mortal aspirar ao imortal? S admitindo-se que a natureza, a nossa natureza nos mente, o que mais inaceitvel do que a falsa apreciao de certos homens. Repetimos: se esta apario que brota, espontnea, de nosso ser, no realizvel, uma mentira de nossa natureza. Este sentimento inato em todos os homens, a que podemos chamar "a intuio natural" do futuro excelso que nos foi posto e nos chama a todos, Plato explicou-o pela preexistncia.

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"Antes de virmos a esta vida, j tivemos outras, e no tempo intermedirio, que passamos no mundo dos Espritos, adquirimos o conhecimento das grandezas a que somos destinados; donde essa reminiscncia, a que chamamos intuio de um futuro, que mal entrevemos, envoltos no vu da carne." Por isto, o divino filsofo ensinava que "aprender recordar". O que, porm, mais arrasta convico de que no acabamos com a morte - de que existe em ns um princpio imortal - inaltervel ou indecomponvel, e, portanto, imaterial, que constitui a essncia de nosso ser, o fenmeno da memria. Moleschott, um dos chefes da escola materialista, apoiando-se nos trabalhos de Thompson, de Vierodt, de Lehumann, que, por sua vez, se apoiaram nos de Cuvier e de Flaurens, sustenta, como axioma cientfico, o movimento incessante da matria e as transformaes resultantes daquele movimento, que se operam em nosso organismo. Diz o sbio qumico que os fatos justificam plenamente a crena de que nosso corpo renova sua substncia sucessivamente, em perodos de 20 a 30 dias. No queremos tanto; aceitamos a opinio de outros, que do, para a renovao de todo o organismo humano, inclusive os ossos, o tempo de sete anos. Se assim, e a ningum dado contest-lo, temos que, de sete em sete anos, mudamos completamente de corpo - e, portanto, que, se somos exclusivamente matria, mudamos de ser tantas vezes, na vida, quantos sete anos tivermos vivido. Ou no h lgica para o materialista, ou esta concluso, deduzida de seus prprios princpios, inatacvel. Quem vive 49 anos, perde sete vezes sua personalidade, constitui sete pessoas diferentes, se o homem exclusivamente matria! Uma doutrina que debita monstruosidades destas, pode manter-se ante o bom-senso, e at mesmo ante o senso comum?

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No h, pois, como conciliar o fato cientfico com o princpio materialista. Qual deve ceder? E como o ser novo pode guardar memria dos fatos que se passaram com o ser extinto? A memria do passado no se explica seno pela permanncia do ser, que foi presente aos fatos ora lembrados, e, se hoje nos lembramos de fatos da nossa infncia, porque somos hoje o mesmo ser que ramos naquele tempo. Se, porm, somos exclusivamente matria - e se esta substituda por outra de sete em sete anos, como sermos hoje o mesmo ser que fomos na infncia - como nos lembrarmos hoje de fatos daquele tempo? Dai ao homem a essncia imutvel, imaterial, e mudai quantas vezes quiserdes seu corpo material, que o ser essencial, guardar a memria dos tempos passados. Sem isto, jamais podereis seriamente explicar o fenmeno da memria - e este fenmeno prova irresistvel e esmagadora de que o homem no somente corpo, matria - de que existe nele um princpio imaterial, isto a que chamamos - alma ou Esprito. No preciso mais para convencer a quem estiver de boa f; quanto aos outros... ainda que vejam, negam! * O 1. do captulo que nos tem ocupado no foi esgotado com a ligeira prova racional. Falta, ainda, a prova de autoridade. Vem da mais remota antigidade a crena universal de ter o homem dupla natureza, embora no fossem bem definidas sua condio e relaes.

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Foi Scrates quem traou o crculo da Filosofia, que at ali compreendia todos os ramos dos conhecimentos humanos, dando-lhe por objeto o estudo da alma, cuja existncia prova cabalmente. Seu discpulo, o imortal Plato, levou mais longe suas indagaes: afirmou a existncia do mundo dos Espritos e a preexistncia da alma, por onde explicava as idias inatas, dizendo no seu Fedon: que aprender recordar o que a alma j sabe de passadas existncias. Aristteles, que, com aqueles dois vultos, formou a mais elevada expresso da sabedoria antiga, acreditava na existncia da alma. E todas as escolas filosficas dos tempos passados, se divergiam quanto compreenso dos fenmenos do entendimento, eram acordes quanto existncia do elemento espiritual, diretor da mquina orgnica do homem. Os sensualistas, por exemplo, e designadamente Leucipo e Epicuro, acreditavam na alma, embora sua doutrina - de procederem da sensao todas as nossas idias - destrusse o que afirmavam. Zenon bem pouco diferia de Epicuro, mas sempre sustentou o princpio anmico. Os cnicos e os esticos no destoaram da geral opinio, e a escola de Alexandria, que fecha o ciclo da Filosofia antiga, e que produziu gnios, como Plotino, Orgenes, Porfrio e Jmblico, no s era essencialmente espiritualista, como at sustentava as idias de Plato: da preexistncia e da pluralidade de vidas corporais. Em resumo, a fica estampado o modo de pensar da antigidade, tanto no Oriente, como no Ocidente, pois dos Arianos procedeu cincia dos Egpcios, e destes a da Grcia, que foi a fonte onde beberam os povos da Europa. Entre a antigidade espiritualista e o moderno espiritualismo, deuse, verdade, um notvel eclipse, devido filosofia de So Toms, firmada nos princpios da Igreja Romana, que levantou a f pan-viva contra a razo: o condenado racionalismo.

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A revolta contra essa imposio da Igreja foi ao extremo de suprimir a alma, de que se constituiu principal motor o clebre Bacon, criando a cincia indutiva, em que beberam o veneno do materialismo Hobbes, Gassendi e Locke, os primeiros que hastearam, no mundo, a bandeira da negao materialista. Felizmente a revolta teve quem a combatesse e colocasse, em terreno digno do homem livre e esclarecido, o princpio comprometido pela ambio de domnio da Igreja Romana. Descartes, com seu mtodo quase positivista, restabeleceu os princpios da existncia e da imortalidade da alma, concluindo que, se incontestvel a existncia do corpo, mais o a do pensamento, pura emanao da alma. Contra Bacon, Descartes; contra os sectrios da doutrina do filsofo ingls, os discpulos da escola fundada por Descartes: Bossuet, Fnelon, Malebranche, etc. Sobre os escombros da antigidade surgiu, pois, a escola materialista; mas, prestes, ergueu-se a combat-la o espiritualismo cristo. Entre os dois campos, levantou-se o grande vulto de Leibntz, pretendendo realizar a conciliao dos dois princpios, pela supresso dos exageros de uma e de outra parte; mas a morte no lhe permitiu concluir a obra, que foi adotada, mutatis mutandis, pelos chefes do ecletismo: Toms Reid e Emmanuel Kant. A sombra das novas idias, trabalharam pela restaurao do espiritualismo abalado os Jouffroy, os Cousin, os Villemain e muitos outros grandes vultos. O ecletismo arrancou a Humanidade obsesso do materialismo de Bacon e da teologia de So Toms, e deu questo da imaterialidade na alma o mais assinalado triunfo.

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O materialismo, que, por momentos, se julgou senhor do campo, recolheu-se, corrido da Filosofia, e foi assentar sua tenda no terreno da Cincia, ainda mal esclarecida. Perscrutou a organizao do Universo e do corpo humano, e fez desses dois pontos seus formidveis baluartes. Acompanhemo-lo a. "O Universo, isto , o turbilho infinito de todos os seres matria; pois o homem no poda admitir a existncia de que no lhe aprecivel pelos rgos (sentidos) que o pem em relao com o mundo exterior." Eis a base essencial do sistema que vamos analisar. Quem deu ao homem o direito de afirmar que s pode existir o que acessvel aos sentidos? Dada que seja razovel tal concepo, que prova positiva j foi descoberta de sua realidade? A pedra fundamental do materialismo no passa, pois, de uma hiptese gratuita, a que seus fanticos adoradores julgam dar fora invencvel, acrescentando ao grande postulado este soberbo complemento: "A matria inseparvel da fora, e por esta unio que se explica a evoluo e a transformao dos seres, constituindo o movimento incessante e a harmonia universal". A fora! Mas que a fora? Admites a matria, porque apreciada por nossos sentidos; qual deles tem a propriedade de apreciar a fora? Se, a despeito disto, afirmais a existncia da fora, estais em contradio com vs mesmos, no admitindo seno o que acessvel aos sentidos; e, portanto, ruem os fundamentos do vosso sistema. Suponhamos, porm, que esta incongruncia no alui, por seus fundamentos, o vosso edifcio; dizei-nos: Quem lhe d o cunho aprimorado, a sublime harmonia de suas peas, o equilbrio admirvel, para cuja estabilidade concorre variadssimos sistemas de leis, que jamais se entrechocam?

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Quem produziu e mantm esta incomparvel estrutura, que a cincia dos homens nem de longe poder imitar? A fora e a matria, respondeis; mas, ento, a vossa fora e matria possuem uma cincia e um poder infinito! Ser assim? Reparai bem. Se , se esse vosso poder, criador e mantenedor do Universo, o princpio original, a causa primria de todas as coisas, dele procedem s leis eternas e imutveis, em virtude das quais tudo e tudo se regula no Universo. A matria, pois, foi quem criou todos os seres e lhes ps as leis que os regem. Mas tudo matria, s existe matria; logo, tudo sujeito - e, conseguintemente, sujeita a prpria matria s leis que dela procedem. E, pois, se tudo procede da matria, e tudo , e tudo se regula por leis postas por ela, a temos: que o criador sujeito sua criatura, que a matria criou as leis, a que ela mesma, em sua infinita variedade, submissa! J vedes que o vosso sistema leva ao mais ridculo absurdo! Separai, porm, a fora da matria, ou, antes, considerai a matria trabalhada pela fora, mas fora que lhe dada por um poder estranho e superior, dotado de oniscincia e onipotncia. Em virtude dessa fora, inerente matria, no por lhe ser prpria, mas por disposio do superior poder, todo o mundo fsico evolve, e se transforma, segundo as leis postas por aquele absoluto poder. Aqui, o criador e regedor de todos os seres do Universo est fora de sua criao, que rege por sua suprema vontade, manifestada em suas leis eternas e imutveis, como o artista se distingue de sua obra, que modela e transforma em belssima esttua. A, no vosso plano, o artista a prpria esttua, modelada e transformada por leis de sua criao, a que passivamente submissa.

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Comparai os dois planos - e, lgica e racionalmente e sem a obsesso do esprito de sistema, confessai que o primeiro uma grandeza, e que o segundo uma misria. Assim, pois, o materialismo no explica o Universo, em seu equilbrio harmnico e inaltervel, seno obliterando a razo; ao passo que o espiritualismo o explica de um modo condigno de sua excelsa magnitude. O estudo atento da Natureza atesta, portanto, como a luz do dia atesta a presena do Sol no nosso horizonte, a existncia de um ser onisciente e onipotente, que no matria, nem se confunde com o universo material; prova de que nem tudo o que pode ser acessvel aos nossos sentidos - e que no somente por estes que temos a cincia de tudo o que . Passemos ao exame do homem, sob o ponto de vista das teses materialistas. J demonstramos, na l. parte deste captulo, que h no homem um princpio imaterial: a alma. Pouco, ento, nos cumpre dizer em contestao da doutrina que no admite seno matria. Sempre adstrito a esta doutrina, e precisando remover dificuldade de explicar, por sua lei, certos fenmenos humanos, de que o essencial o pensamento, o materialista recorre a subterfgios, e eleva s alturas de axioma que "o crebro que segrega o pensamento, como o fgado segrega a blis". Infeliz comparao, que solapa pela base a doutrina em cujo apoio invocada! O pensamento est no caso da fora ligada matria; no pode ser apreciado por nenhum dos nossos sentidos, e, conseguintemente, rechaa a lei fundamental do materialismo.

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Suponhamos, porm, que assim no - e que h meios de po-lo em harmonia com aquela lei, embora custe tanto quanto conservar gelo em cima de uma chapa incandescente. O fgado segrega a blis muito naturalmente, pois rgo secretor e substncia segregada so, igualmente, de natureza material - da mesma natureza. Que relao tem isto com o fato de segregar o crebro, rgo material, o pensamento, que imaterial? Demais, uma secreo requer substncia, de que seja extrada - e se a blis extrada ou segregada do sangue, onde descobrir o crebro a substncia de que possa extrair o pensamento? Ser, tambm, do sangue? Ss capazes de afirm-lo! Cabanis julgou cortar a dificuldade por esta tergiversao, que nada o abona: "As impresses chegam, isoladas, ao crebro, e este, operando sobre elas, emite-as sob a forma de idias." O crebro extrai, pois, ou segrega o pensamento das impresses; mas o crebro rgo material, e as impresses no so substncias materiais. Melhor andou Broussais em seu testamento: "Desde que conheci, pela cirurgia, que o pus acumulado na superfcie do crebro destrua nossas faculdades, e que estas se restabeleciam logo que era ele evacuado, no pude deixar de reconhecer que elas so atos do crebro, embora no saiba o que o crebro e o que a vida." Broussais no refletiu numa coisa, e que, ao invs de o crebro ser agente do pensamento, por instrumento de sua manifestao; fica racionalmente explicado o fato da interrupo, pela interrupo da ao do instrumento - fato que tanto o impressionou.

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Nunca houve quem negasse a necessidade do crebro na manifestao do pensamento; a questo ser agente ou instrumento, o que est hoje fora de contestao. E tanto assim, ao contrrio do que afirmam Moleschott, Vogt, Cabanis e Broussais, que o eminente Longet diz: "Vem-se crianas raquticas assombrarem pela precocidade de sua inteligncia, e velhos, bem velhos, conservarem intactos o juzo, a memria e o fogo do gnio." E o professor Lordat escreveu um notvel tratado sobre a insenectude do senso ntimo nos velhos. A procedncia original do pensamento de um rgo material to repugnante, que no vale a pena combat-la; mxime quando a doutrina espiritualista, que d ao crebro a simples funo de rgo transmissor, satisfaz perfeitamente a razo; dando ao ser pensante - a alma - a faculdade de pensar, isto , de elaborar o pensamento. Em ltima anlise: O criador da excelsa mquina do Universo precisa ser superior a todas as maravilhas, que a fazem pasmosa; precisa ser inteligente, poderoso e livre, como nenhum homem o pode ser; precisa ser, pois, nico na posse da inteligncia e da fora infinitas. A matria, que, em todas as suas manifestaes, se mostra sujeita s prprias foras humanas, no possui quelas propriedades. Nem o selvagem atribuir ao relgio a sua autoria! Mais que selvagem , pois, atribuir mquina do Universo sua prpria criao! A despeito, portanto, do materialismo, continua e continuar, sempre triunfante, a idia do mundo imaterial, a par do material - a idia de Deus e da alma, que so sua consubstanciao. Antes de darmos o remate a este pargrafo do captulo II do nosso trabalho, no ser tempo perdido dizermos duas palavras sobre o positivismo, que no aceita, e porventura mais imperradamente que o

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materialismo, a existncia do imaterial - e, conseguintemente, de Deus e da alma humana. Saint Simon era espiritualista de vistas muito mais largas do que o geral dos filsofos do sculo XVIII. Dentre seus discpulos, porm, saiu um ambicioso de renome, Augusto Comte, que imaginou o sistema positivista. O positivismo , em sua essncia, o mtodo de Bacon, restabelecido para corrigir os excessos, que se permitiam os filsofos. Ningum deixar de aplaudir um tentame de opor barreira a desvarios na aquisio de nossos conhecimentos, e de estabelecer um critrio para as indagaes cientficas. O que, porm, ningum aplaudir, opor-se licena uma restrio to meticulosa, que chega a ser repulsiva. Comte fechou a inteligncia e a razo no estreito crculo da observao e da experincia, s admitindo o que pode ser provado pela experincia material. Entretanto, confessava que alguma coisa existe inaprecivel aos sentidos, donde seu misticismo religioso, que Huxley qualifica de Catolicismo sem Cristianismo. Eis, pois, a crise original do positivismo: no aceitar seno o provado materialmente, ao mesmo tempo em que admite algo fora disso! Os discpulos do inventor desse incongruente sistema dividiram-se em duas sub-escolas: a dos que mantiveram a pura doutrina do mestre, e a dos que, logicamente, caram no materialismo, de que o positivismo a larga porta ou o plano inclinado. Um dos mais notveis, Littr, dedicou toda a vida sustentao da doutrina do mestre, guardando restrita neutralidade (nominal) entre o materialismo e o espiritualismo.

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Nominal, dissemos, porque, se ele admite o elemento material, s aceita para a coordenao da Cincia aquilo que do os sentidos pela experincia. O Universo contm um nmero infinito de seres; mas, para o positivista, ele no compreende seno os que se revelam pela experincia material. um modo singular de fazer a Cincia. Robinet escreveu: "O carter essencial da mentalidade positivista afastar toda a imaginao na explicao ias coisas, e no proceder seno por meio de provas reais e por observao; limitar-se a observar relaes naturais, a fim de prev-las, para modific-las em nossa vantagem, quando for possvel, ou suport-las, quando no for possvel modific-las." Sendo assim, jamais o positivismo constituir uma cincia, visto que no inquire seno das relaes entre fenmenos, sem cogitar de suas causas. Nem mesmo constituir um sistema um mtodo cientfico, desde que despreza as relaes de causa e efeito. Nunca passar de um registro de fatos verificados, sem classificao nem deduo. E mais um meio de restringir que de ampliar o conhecimento da verdade. O prprio Littr recomenda absoluta absteno de toda questo relativa essncia das coisas, exprimindo-se assim: "No conhecendo nem a origem nem o fim das coisas, o positivismo no tem razo para negar nem para afirmar que existe alguma coisa alm dessa origem e desse fim." E, pois, o positivista no pode cogitar de problemas que escapam ao de seu mtodo. A esse respeito diz Delanne: possvel este equilbrio recomendado por Littr? "Quando as leis da Natureza manifestam um admirvel encadeamento entre os fenmenos, possvel limitar-se ao estreito

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crculo dos fatos conhecidos, sem se procurar uma causa, qualquer que ela seja?" No; no natural parar-se em meio do caminho, e dizer-se: - No passemos daqui. A invencvel curiosidade humana nos impele a transpor os limites, mesmo que no-lo probam, e, voluntariamente ou no, o homem de cincia chamado a pronunciar-se num ou noutro sentido. O prprio Littr, que recomenda a absteno, o primeiro que a quebra, como o tm feito seus discpulos e companheiros. Eles se manifestam francamente materialistas, como o prova a seguinte passagem do mestre, no prefcio do Leblais sobre o materialismo: "O fsico reconhece que a matria pesa; a psicologista, que a substncia nervosa pensa; sem que, nem um nem outro, tenham a pretenso de explicar por que uma pesa e a outra pensa." Afirmar que o psicologista reconhece que a substncia nervosa pensa, no destruir a recomendao de Littr, acima transcrita? Entretanto, esta afirmao do prprio Littr! E que prova lhe deram, os psicologistas, de que a substncia nervosa pensa? Ningum, jamais, o conseguiu provar, principalmente a um positivista, cuja senha : afastar toda a imaginao na explicao das coisas. E, pois, Littr renegou seu programa e seu mtodo, aceitando a tese materialista na f dos padrinhos. que estreitssimos so os laos que unem as duas escolas. O positivismo, embora proclame sua iseno, aceita sem reservas os princpios fundamentais do materialismo, e nega uma gota de gua ao espiritualismo. Littr no aceita somente a substncia nervosa pensante; examinando o Universo e as leis que o regem, diz que ela tem em si

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mesma sua prpria causa; princpio fundamental do mais puro materialismo. Como logrou o ilustre filsofo este conhecimento pelo mtodo positivista? No h quem o possa descobrir. O positivismo , pois, consciente ou inconscientemente, materialista. E, uma vez que demonstramos que o materialismo no prevalece contra a verdade da existncia do mundo imaterial, ocioso repetir argumentos para casos idnticos. A questo em relao ao positivismo esta: Se se limitam ao seu programa de no afirmar nem negar o que lhes escapa experincia material, nada tm com a alma, que est fora do crculo de suas indagaes. Se, porm, abandonam aquele programa e abraam, sem as suas rigorosas experimentaes, as teses materialistas, como as citadas, est dito o que deveremos dizer-lhes. Nem os conhecimentos qumicos de Moleschott, nem a inteligncia de Buchner, de Carlos Vogt, de Luys podem abalar o princpio da existncia da alma, provado racionalmente e atestado pelas legies dos maiores vultos de todo o mundo, em iodos os tempos. No , pois, tal princpio um produto de imaginao, pois emana da razo e da conscincia universais, de um modo to veemente, e firma-se na crena da Humanidade: vox populi. At aqui, temo-lo tratado racionalmente - pela autoridade dos sbios de todos os tempos - e pela destruio do castelo materialista, que pretende assentar sobre suas runas. Cabe-nos, agora, a tarefa de provar experimentalmente a verdade de seu ser, o que ser o trabalho do 2. do presente captulo.

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Demonstrao experimental da existncia da alma As provas diretas da existncia, no homem, de um princpio distinto do corpo, podem ser divididos em duas ordens: a das que resultam da deduo, e a das que afetam os sentidos. As primeiras so um meio termo entre as racionais e as verdadeiramente experimentais, e consistem nas manifestaes anmicas, por anestesia e por sono magntico. Anestesia e sonambulismo, pois que produzem idnticos efeitos, devem operar do mesmo modo sobre o organismo; e assim . Os meios qumicos, empregados como anestsicos, produzem o sono, que traz a inconscincia e o esquecimento, atuando sobre o aparelho nervoso do sentimento, cuja ao suspendem; donde a insensibilidade produzida pelo ter, pelo clorofrmio, etc. O sonambulismo hipntico atua, por fora da vontade, sobre o mesmo aparelho nervoso, produzindo o mesmo efeito do sono e da paralisia, como o clorofrmio; donde a inconscincia, o esquecimento, a insensibilidade. Os mesmos fenmenos, pelo mesmo modo produzidos, resultam do sonambulismo magntico. Em cada um dos trs processos, o corpo cai em colapso, ao passo que o indivduo, apesar de no se achar em seus sentidos, est vivo, e goza a faculdade de ver, perto ou longe, de descrever tudo o que v, e de falar, at, de coisas que no conhece. Se o homem fosse exclusivamente matria, e se o maquinismo humano se compusesse exclusivamente de rgos materiais, desde que se desse a suspenso da vida de relao, impossveis seriam manifestaes daquela ordem. A matria dorme; logo, dorme o homem!

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Entretanto, no somente os anestesiados, como os sonambulizados, hipnticos ou magnticos, do mais brilhantes manifestaes daquela ordem de fenmenos, do que no estado ordinrio. A matria dorme; no, porm, o homem! prova dedutiva do fato experimental, de que o homem no s matria, de que h nele outro elemento, cuja atividade subsiste enquanto se suspende a dos rgos corporais, e de que esse elemento, desprendido da matria corprea, estende a vista infinitamente alm do espao, alm da que pode alcanar a do corpo. Ora, o alongamento de nossa intelectualidade, nos trs casos de inao do corpo, de que falamos, coisa de que no se pode duvidar, em vista de fatos provados; logo, aquelas trs ordens de experincias demonstram, saciedade, a existncia, do homem, do princpio distinto do corpo, e to distinto que, enquanto este cai em colapso, ele ostenta mais nitidamente a pujana de suas faculdades especiais. Quereis as provas? Ei-las: O venerando Velpeau, em relatrio apresentado Academia de Cincias de Paris, no ano de 1842, refere o seguinte: Tratava-se de uma senhora que o sbio professor cloroformizou, para operar de um cncer no seio. Efetuava a operao, quando foi surpreendido por dizer-Ihe a mulher, em completo sono anestsico, o que se passava em casa de uma sua amiga, bem distante do lugar da operao. E subiu de ponto sua estupefao, quando soube da dama, a quem se referira a operada, que era real o que ela relatara. A respeitabilidade do professor Velpeau garante a veracidade do fato, tanto mais que era ele adversrio intransigente do Magnetismo e de tudo o que se lhe pudesse referir. No Hipnotismo, nome com que a cincia hodierna envernizou o Magnetismo, para poder aceit-lo, sem cantar a palindia, d-se, como j foi dito, o fenmeno da paralisia da sensibilidade fsica, de par com

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a inconscincia e com a clarividncia, observada por Velpeau na anestesia. O clebre mdico ingls Braid refere, baseado em inmeras experincias, que os hipnotizados, no doentes, escrevem, desenham e descobrem objetos ocultos, tendo os olhos fechados, e ouvem a longa distncia, chegando a predizer fatos. O Dr. Bremaud, to respeitvel pelo saber como pelo carter, refere o seguinte caso: Um de seus parentes, em sono hipntico, resolveu facilmente um problema de trigonometria que, despertado, Ihe foi impossvel resolver. As experincias de Braid, de Donato, de Bernheim e, ultimamente, de Charcot, confirmam aquele fato por outros no menos surpreendentes. Aqui, temos mais que no caso de Velpeau, porque temos a manifestao de conhecimentos, ou de capacidade, que a pessoa no possui no estado normal. Este fato inexplicvel aos homens que acreditam no exclusivismo de nossa composio material, tanto como aos que, embora admitindo a alma, entendem que ela criada, ao mesmo tempo em que o corpo, para esta vida nica. Este fato s pode ser explicado pela dupla natureza do ser humano: corporal e espiritual - e pela preexistncia da alma. Com efeito; o parente de Bremaud no v como a operada de Velpeau, fatos que se do na ocasio; ele resolve um problema, que exige cincia de que ignorante. Como isto? A menos que se d ao Hipnotismo o poder de plantar cincia em crebros vazios dela, s pelo princpio esprita da preexistncia da alma poder-se- explicar semelhante fato, impossvel em qualquer outra hiptese.

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Aquele Esprito (alma) conhecia, de passadas existncias, a trigonometria - e, por lei das reencarnaes dos Espritos, seu conhecimento ficou latente, como todos os que, na nova existncia, no so cultivados. Latente, mas nunca perdido para o Esprito, que, deixada esta vida, os tira de seu seio. Desprendido, pois, por momentos, da matria que lhe servia de vu, o Esprito enfrentou uma questo que lhe era conhecida, e facilmente a resolveu. Voltando, porm, ao corpo, corrido novamente o vu, o esquecimento do passado trouxe-Ihe a impossibilidade de resolver a questo, agora desconhecida. E, pois, evidente que este fato tem, como forada deduo, a prova real da existncia e da preexistncia da alma. O sonambulismo magntico, ou, vulgarmente, o sonambulismo, afirma tanto quanto a anestesia e o hipnotismo a dualidade do ser humano. Voltaire confessou que, dormindo, isto , em sonambulismo natural, corrigiu um dos cantos de La Henriade, que muito sobrelevou os que comps acordado. Massillon comps, dormindo, muitos dos seus monumentais sermes. E Burdach refere que, no dia 17 de Junho de 1882, dormindo sesta, sonhou que o sono no passa da supresso do antagonismo muscular, entre a distenso e a retrao. Contente com a luz que este pensamento lhe parecia derramar sobre os fenmenos vitais, despertou; porm, sbito, aquela luz desapareceu, par ser aquele pensamento alheio s suas idias. "Entretanto, tornou-se ele, diz o sbio, o grmen de minhas futuras concepes."

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Os casos de Voltaire e de Massillon podero ser atribudos ao hbito; o de Burdach, porm, nunca; porque o sbio fisiologista confessa que estava fora do crculo de suas idias. Este fato, pois, revela, como uma experincia material, a existncia, no homem, de um princpio, que no dorme enquanto dorme o corpo, e que, desprendido do corpo, v mais claro e mais longe; recorda conhecimentos de outras eras, que jazem latentes, no ser misto, na presente existncia. O que, porm, mais significativo, em nosso caso, o fato referido por Esquirol: de um farmacutico que se levantava todas as noites, em estado sonamblico, para aviar as receitas que lhe ficavam do dia. Para verificar se o fazia automaticamente ou por fora do hbito, um mdico meteu, entre as receitas que ficaram por aviar, a seguinte: Sublimado corrosivo... 2 oitavas gua destilada... 4 onas Para tomar de uma vez. O farmacutico, como de costume, foi ao trabalho, que executou sem embarao, at que chegou quela receita. Leu-a muitas vezes, e, por fim, monologou em voz alta, de ouvida pelo doutor, oculto. " impossvel que no se tenha enganado! "Dois gros j eram demais, quanto mais 2 oitavas! "Duas oitavas so quase 150 gros. mais do que o necessrio para envenenar vinte pessoas! "O doutor enganou-se, e eu no preparo isto." Eis o que corta todas as dvidas, porque, nem de leve, pode ser atribudo ao hbito, e, pelo contrrio, d testemunho irrecusvel de que o Esprito, sem o concurso da matria, raciocina, compara e resolve. O que a fica exposto, parece-nos prova cabal de que existe no homem a dualidade reconhecida de todos os tempos, cujos elementos so de naturezas diferentes, por lei suprema unidos e harmonizados,

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em suas funes, para a vida terrena, e, por esta, para o progresso do ser imortal. Corpo e alma, ou Esprito e matria, entram para a constituio humana, cada um com seu contingente de meios. O corpo entra com os elementos necessrios vida num ambiente material. O Esprito entra com os que devem vivificar o corpo, para dar vida comum e transitria, haurir o nctar da vida espiritual, eterna e eternamente perfectvel. Da unio resulta uma modificao das propriedades do corpo, como das faculdades da alma, e esta modificao e conseqente distino parecem-nos patentes, no raso de Esquirol. Entretanto, a cegueira materialista contesta estas coisas to claras, atribuindo ao crebro o que se passa na anestesia, no hipnotismo e no sonambulismo. Enquanto o sono paralisa os sentimentos, dizem, as funes presididas pelo grande simptico continuam em seu exerccio. Pelo mesmo modo, deduzem, as funes do crebro continuam em exerccio, e ele que faz tudo o que se atribui ao princpio anmico, nos casos de anestesia, de hipnotismo e de sonambulismo. Podamos, com os fatos de Velpeau, de Bremaud e de Esquirol, rebater a estlida pretenso que deu azo a Debay para imaginar a teoria vesnica da ramificao do nervo ptico, pela qual se fazem rgos da viso o epigastro e os dedos. Podamos com o que temos exposto, varrer da lia a ao cerebral, como rgo gerador do pensamento, e destruir por seus fundamentos a ridcula teoria, contra a qual se levantam o bom-senso e a Cincia. Preferimos, porm, bater o adversrio, de reduto em reduto at faz-lo render-se discrio. O doutor Charpignon refere um fato que esmaga as pretenses do materialismo em desespero.

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"Certa noite, uma sonmbula a servio do doutor, em suas indagaes cientficas, achando-se em sono magntico, pediu para ir visitar sua irm, em Blois, cujo caminho lhe era conhecido. "De repente, exclamou: Aonde vai, Sr. Jeanneau? "Onde vos achais? perguntou o doutor. "Em Meung, onde encontro o Sr. Jeanneau em trajes domingueiros, sem dvida para visitar algum castelo. "Uma das pessoas presentes conhecia Jeanneau, e escreveu-lhe imediatamente, pedindo-lhe que lhe dissesse se realmente passeava quela hora. "A resposta confirmou, em todos os pontos, o que a moa vira de Orleans." Raciocinemos. Primeiramente, a teoria de Debay cai por terra, pois, nem pelos olhos, quanto mais pelos dedos e pelo epigastro, pode-se, de Orleans, ver uma pessoa em Meung, a lguas de distncia. Debay imaginou sua teoria para os casos de verem, os sonmbulos, com os olhos fechados, mas numa distncia de se poder ver. Nunca, porm, cogitou de casos como o de Charpignon. A Cincia marchou, e eis que se prova hoje que os sonmbulos vem a lguas de distncia, verificando-se o fenmeno at mesmo entre antpodas, do que resulta despedaar-se de encontro rocha da verdade mais um argumento do materialismo. E perguntaremos aos que se valem de qualquer pau podre, para se baterem contra os que sustentam a existncia da alma, como explicarse a transposio dos sentidos, isto , a desnecessidade dos rgos dos sentidos, para termos as impresses que, naturalmente, por eles que recebemos? Como explicar-se este fato de ver-se com os olhos fechados e a distncia que, nem com eles abertos, nem com eles auxiliados, poderse-ia ver?

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o crebro, a matria, que vo a muitas lguas ver o que a se passa? Dizem que a fora visual, que aumenta pelo sonambulismo. Aceitemos; mas, qualquer que seja o grau de aumento da fora visual, jamais se poder faz-la trazer retina a impresso de um objeto, por exemplo, que est alm de uma parede. O sonambulismo, assim como tem o poder de aumentar descomunalmente a fora visual, ter tambm o de suprimir as leis da ptica, que requerem, como essencial, a relao do objeto com a retina, pelo raio luminoso? Se no lhe cabe to estupendo poder, saiba Debay que o mdium de Charpignon viu de Orleans a Meung atravs da parede do gabinete onde o sbio trabalhava, e, portanto, em condies de serem impossveis as leis da ptica. , pois, se o fato se deu em tais condies, porque, no o rgo visual, mas um outro, para o qual as leis que regem o fenmeno material da vista nenhum poder tm, foi o que o determinou; porque esse outro de natureza a desprender-se do corpo, no estado sonamblico, como no sono natural, e ir ao longe, no espao, espraiar sua vista imaterial, espiritual; porque quem v no so os olhos, mas, sim, a alma, e a alma, desprendida do corpo, no precisa deles para ver. To irracional , portanto, explicar a viso, nas condies expostas, pelos rgos do corpo, e em contraveno com as leis naturais, reconhecidas pela Cincia, quanto conforme com a razo e com a Cincia explic-la pela ao direta do principio vidente, parcial e momentaneamente independente dos rgos materiais, que a pe em relao com o mundo externo, nas condies ordinrias. Ainda, com isto, no se rende o materialismo, e diz: O crebro uma pilha de fluido nervoso, o qual tem as propriedades dos fluidos eltrico, calorfico e luminoso, e, por isso,

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sob o impulso da vontade rompe os espaos e vai, ao longe, receber as impresses que transmite ao crebro. Foi, pois, no o crebro em si mesmo, que viajou de Orleans a Meung, mas, sim, o fluido nervoso, que possui a propriedade de transferir-se ou prolongar-se, como um raio luminoso. Esquecem-se os sustentadores desta sublime descoberta de que o fluido nervoso no livre, como o eltrico, o calrico, e a luz; mas que, mesmo no corpo humano, ele existe enclausurado nos canalculos que constituem a rede nervosa. Como, ento, podero tais canalculos prolongar-se de Orleans a Meung? Douta ignorncia! Desenganem-se. Os fatos citados s podem ser explicados pela ao da alma. Se considerarmos a homem composto de corpo e alma, tendo cada um suas qualidades especiais, que se modificam pelo fato da unio, tudo ser claro, at evidncia. A alma que v, ouve, cheira, gosta e apalpa, isto , a alma que recebe as impresses que vm do exterior e se condensam no crebro; achando-se, porm, encenada no corpo, no as pode receber diretamente, e sim por intermdio dos rgos corporais. Enquanto subsiste o enclausuramento, ela no pode dispensar o concurso do corpo, para isto dotado dos convenientes aparelhos. Eis por que essencial viso a integridade do olho e do nervo ptico. Desde, porm, que se desprende, mesmo temporariamente, do invlucro carnal, como acontece nos sonos, desde que vive a vida prpria, sem restries s suas faculdades, exerce-as sem dependncia dos respectivos rgos: v, sem olhos. por isto que o sonmbulo v com olhos fechados, e v a lguas e lguas de distncia. Os materialistas ho de confessar que, teoria por teoria, esta mais racional e conforme com a Cincia e com os fatos.

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Explica por que indispensvel o aparelho material, no estado normal, e por que desnecessrio, no sonamblico. Explica a viso ao longe, sem precisar derrogar as leis conhecidas da Cincia, fazendo os rgos sarem procura das impresses. Com efeito; no caso de Charpignon, a doutrina materialista inverte toda a cincia fisiolgica, fazendo o fluido nervoso, por fora do aparelho visual, ir a Blois. A Doutrina Esprita explica, enfim, a segunda vista, de acordo com a verdade, como vamos ver, passando s provas experimentais da existncia da alma, pelo concurso dos sentidos. * A verdadeira expresso da luta, entre materialistas e espiritualistas, no propriamente determinar se existe a alma; pois os sustentadores do puro materialismo nos fazem a graa de admitir uma como alma, resultante das energias materiais e semelhante fora vital que se esgota e desaparece com a morte. A verdadeira expresso do que realmente separa os dois campos, : se a alma sobrevive ao corpo, com a conscincia de sua individualidade e a memria de quem foi e do que fez na vida corprea. Aqui, no h questo de palavras. Sim ou no; e est decidida a sorte das duas escolas. Se se provar que um indivduo, a cujo enterro assistimos, se manifestou e comunicou suas impresses de alm-tmulo, arrasado est, com isto, o castelo do materialismo, e firmado em rocha viva o do espiritualismo. E, pois, a questo que temos trazido at aqui, apoiando-nos na razo, na conscincia, na autoridade e na Cincia, toca ao termo fatal,

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ao ponto de no poder mais ser envolvida em sofismas e tergiversaes. Entremos na prova decisiva, dividindo o estudo especial, em trs partes: l. - Tradio popular; 2. - Fatos autenticados pelos maiores vultos da Cincia; 3. - Fatos de nossa prpria observao. 1. - Tradio popular Em todos os tempos e em todos os pases, vigorou sempre, no seio da massa popular, a crena de que as almas dos mortos vm falar aos vivos. Se tem algum valor o provrbio: vox populi, vox Dei - e no deixa de ter, pois inegvel que o povo possui uma intuio que surpreende os sinceros; se tem algum valor aquele provrbio, no pode ser posta em dvida a manifestao dos mortos. Como, porm, a Cincia no se firma em conjeturas, desamos aos fatos que dem vida crena popular. Na Bblia, encontram-se provas autnticas da manifestao das almas que se foram desta vida. So autnticas, porque a autoridade do escritor sagrado no permite que se lhe atribua inteno de enganar com falsos propsitos. E so insuspeitas, porque o patriarca era infenso quelas prticas, ao ponto de ameaar com morte aos que provocassem tais comunicaes. Assim, pois, tm o maior valor moral os fatos que vamos referir. O primeiro este mesmo ato de Moiss, condenando a evocao dos mortos. (l)(1) Moiss proibiu que os adivinhos e feiticeiros evocassem os mortos, visto que s os profetas o podiam fazer. (N. E.)

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Se o fato no se desse ou no passasse de coisa imaginaria, seria ridculo figurar aquela proibio em livro to respeitvel, escrito pelo maior vulto da antigidade sagrada. Tal proibio , portanto, a mais irrecusvel prova da verdade do fato. (2)(2) Fato que, dessa forma, no pode ser negado pelos adeptos de qualquer ramo do Cristianismo. (N. E.)

Dir-se- que a prtica era real; mas que era bruxaria - e que foi por isso que Moiss a proibiu. Os mortos no acudiam aos chamados. Aceitemos a declinatria, mesmo porque, alm de gratuita, vai ser reduzida a p pelo segundo fato, este: Saul recorreu profetisa de Endor, para falar alma de Samuel, e, diz a Bblia, a alma acudiu ao chamado e revelou ao rei seu prximo fim. Aqui, no h para onde fugir; ou falso o que atesta o venerando escritor, ou Samuel sobreviveu morte do corpo, tanto que falou a Saul. Est no mesmo caso e conduz s mesmas dedues o que se encontra no livro de Tobias: O moo foi longe da casa paterna, e teve encontro com um mancebo, que o acompanhou e o livrou de ser devorado por um peixe, cujo fel mandou guardar, para curar a cegueira do pai. De volta a casa, produziu a cura, e, oferecendo-lhe a famlia, agradecida, metade de sua fortuna, fez-lhe sentir que a Deus devia o benefcio, e declarou ter sido Ananias, filho de Azarias. Dizendo isso, desapareceu da vista de todos. Passando destas tradies escritas e autenticadas pelo autor da Bblia, faamos obra com outras inditas, que podero ser autenticadas. No Brasil e em Portugal, de cujos usos e costumes temos maior conhecimento, encontra-se, espalhada por todas as camadas sociais, a

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crena nas almas do outro mundo, firmada em fatos presenciados por pessoas respeitveis. Em Portugal, as Lendas e Narrativas do ilustre Alexandre Herculano as atestam. No Brasil, quase no h uma famlia, dizia o erudito Dr. Manuel Soares da Silva Bezerra, que no tenha um fato a referir da apario de mortos. Daremos aqui alguns dos muitos que conhecemos. D. Maria Cndida de Lacerda Machado, senhora to distinta pela inteligncia como por virtudes, que viveu na boa sociedade do Rio de Janeiro, tinha em S. Paulo, estudando na Faculdade de Direito, o filho de seu primeiro matrimnio. Um dia, recebeu carta do moo, que se achava de perfeita sade, e, na noite desse mesmo dia, ao apagar a vela para dormir, ouviu distintamente o som da queda de pesado castial de prata, pousado sobre uma mesa, a alguma distncia da cama. Acreditando que gatos ou ratos lanaram abaixo o estimado objeto, acordou o marido, que, acendendo a vela, viu, com ela, o castial em seu lugar. - Foi sonho - disse ele. - No, que eu estava acordada, respondeu senhora. E, depois de longa discusso, apagaram de novo a vela e voltaram cama. Imediatamente fere-lhes os ouvidos o som da queda do castial; ao que acudiu o homem, dizendo: - Agora, sim: garanto que caiu. Acesa a vela, foram surpreendidos com a presena do castial no seu lugar! Muito tempo levaram em conjeturar, at que resolveram repousar. Deu-se, ento, um fato singular para a senhora, ainda acordada, enquanto o marido j dormia.

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Uma mo deslizou doce e amavelmente pela testa de D. Maria, e, tomando-lhe os bastos e longos cabelos, soltos, correu por eles at as pontas. - meu filho, que me vem dar sinal de ter morrido! - exclamou a angustiada senhora. - Reconheci-lhe a mo, fazendo, com meus cabelos, o que sempre foi seu gosto. ele! E no houve como dissuadi-la daquela idia, nem durante o resto da noite, que levou a prantear o filho, nem no dia seguinte, quando famlias amigas acudiam a convenc-la de que era infundado seu juzo vista da carta que dava o moo de perfeita sade. Entre os que foram visit-la, figuraram os Drs. Mariano Jos Machado e Joaquim Pinto Neto Machado, respeitveis mdicos, que nos deram a notcia do fato, no mesmo dia. Dois ou trs dias depois, chegou o vapor de Santos, nica via clere, de ento, entre a Corte e a provncia de S. Paulo, e, por ele, veio notcia da morte do jovem, colhido por uma enfermidade, exatamente no dia em que foi aqui recebida sua carta. Anlogo a este fato o que se deu, na provncia do Cear, com o coronel Lus Torres, ento capito e geralmente conhecido por capito Lucas. Achava-se comandando o destacamento na cidade do Crato, 80 lguas distantes da Capital, e, uma noite, dormindo em rede, foi acordado por lhe abalarem sensivelmente, no havendo no quarto, fechado, quem o pudesse fazer. Ao despertar, soou-lhe aos ouvidos a voz flbil de sua irm predileta que se achava na Capital, e a voz articulou estas simples palavras: - "Luquinhas (era como o tratava), adeus!" No dormiu mais, acreditando na morte da irm, e do fato fez referncia aos amigos da cidade, que, em poucos dias, deixou, por ter sido rendido no comando.

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Efetivamente, naquela noite falecera a querida irm do capito, o qual foi o prprio a referir-nos o fato. Ainda um outro, para prova da verdade da tradio. Manuel Seve, moo de esprito elevado e nosso companheiro de estudos experimentais sobre Espiritismo, faleceu na Capital Federal, no dia 15 de Julho de 1895, pelas seis horas da tarde. Era natural do Maranho, onde tinha a famlia paterna. Poucos dias depois da morte, manifestou-se ao capito do Exrcito Manuel Raimundo de Sousa, dizendo-lhe que dera famlia, imediatamente, sinal de seu passamento; o que nos comunicou e a outros amigos, o capito Raimundo. Pelo vapor do Norte, recebeu o padre Seve, irmo do morto e seu hspede, enquanto vivo, uma carta do pai, que lhe referia o seguinte: No dia 15, cerca das onze horas da noite, achando-se toda a famlia agasalhada, foi subitamente despertada pelos gritos de uma jovem, irm querida de Manuel Seve, que dizia ter visto um homem penetrar em seu quarto, onde ainda se achava, pois ela ainda o via. Rodeada dos seus, cobrou nimo e, enfrentando o insolente, que ousara entrar em seu aposento reservado, soltou um brado de espanto, declarando que o homem era seu irmo Manuel, o qual desapareceu de sua vista, to depressa foi reconhecido. Foi um tumulto na casa, chorando todos, na persuaso de que aquilo fora sinal de que o amado Manuel tinha morrido, ou antes, que o caro amigo viera, ele mesmo, trazer o sinal de sua morte. S o velho pai, incrdulo, viu o fato por um prisma sem dvida mais aterrador para seu corao. Para ele, aquilo era efeito de alucinao. A amada filha estava alucinada. Procurou, como pde, acalmar a tempestade, tranqilizando a prpria moa, que conciliou o sono e, dormindo, sonhou; e no sonho viu o irmo estendido num sof, no meio da sala, tendo cabeceira

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uma mesa, sobre a qual um crucifixo e duas velas, estando o corpo coberto por um lenol. Ora, isto, que era o quadro real do que se deu aqui, e ns presenciamos, no abalou a crena do velho pai, que, hora do costume, foi para seu emprego, onde, depois do meio-dia, lhe foi entregue um telegrama do filho padre, dando-lhe a triste nova. O que a fica narrado o transunto da carta do velho Seve ao filho padre, a quem pedia explicao de to estupendo acontecimento. O estupendo sucesso foi narrado nos jornais desta Capital, invocando-se o testemunho do padre, que no o deu, por que e padre; mas que, tambm, no desmentiu o fato, porque no podia abafar a verdade. , pois, um fato to autenticado quanto possvel exigir-se, o da apario da alma de Seve no Maranho, na mesma noite de seu desprendimento aqui na Capital. A comunicao feita ao capito e a apresentao irm, completam-se no sentido de fazerem patente a verdade do sucesso. Centenas equivalentes poderamos dar aqui; os trs, porm, que demos, nos parecem suficientes. 2. Fatos autenticados pelos maiores vultos da cincia J sabemos que nos cabe, agora, avaliar as experincias dos grandes luminares da Cincia sobre a sobrevivncia da alma, com a conscincia de sua individualidade. Saibam, pois, de uma vez por todas, que somente ao Espiritismo pediremos a chave do pavoroso mistrio que tem feito recuar os mais robustos talentos ante a idia de se preocuparem com assuntos do mundo invisvel, com a vida das almas. Pouco se nos d que esta nossa franca e destemida declarao nos acarrete o escrnio de uns e a excomunho de outros, quando nosso

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fim o descobrimento da verdade, que sempre custou caro aos argonautas da Cincia. Perscrutemos, pois, os segredos do Espiritismo, com a coragem dos Crookes, dos Wallace, dos Varley, dos Zoellner, dos Victor Hugo, dos Sardou, dos Flammarion e de inmeros outros sbios. William Crookes submeteu a exame experimental as manifestaes espritas, no intuito de demonstrar a falsidade delas. (l)(1) Convidamos o leitor a ler a obra - Fatos Espritas, de autoria de Crookes. (N. E.)

Suas vistas e seu procedimento acham-se estampados neste trecho do seu livro: "Em presena de tais fenmenos (espritas), os passos do observador devem ser guiados por uma inteligncia to fria e to desapaixonada, como so os instrumentos de que se serve." "Por este modo to correto, tenho apreciado fatos extraordinrios", diz ele, sem temer o ridculo: "Tendo-me convencido da verdade desses fatos, seria uma covardia moral recusar-lhes meu testemunho." Que fatos so os de que fala o sbio? O leitor pode conhec-los, manuseando seu livro, minuciosa exposio das experincias que fez e a que deu o ttulo de "Estudos sobre o novo Espiritualismo". Entretanto, apraz-nos transcrever alguns trechos dessa importante obra impugnada de modo a provocar o riso de Faraday, Babinet e Chevreuil. "Uma questo importante, diz o observador, se impe nossa ateno: saber se esses movimentos e rudos so dirigidos por alguma inteligncia." E continua: "Desde o princpio de minhas pesquisas, eu demonstrei que a fora produtora de tais fenmenos no era cega, mas, sim, uma Inteligncia que, se no os dirigia, lhes era associada.

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"E assim que, a meu pedido, as pancadas se davam no nmero exigido, fortes ou fracas, e nos lugares designados. "Por um vocabulrio de sinais, previamente combinados, foram-me dadas respostas a questes por mim levantadas, e me foram feitas vrias comunicaes." Crookes fez outras bem importantes consideraes, procurando demonstrar que a desconhecida Inteligncia ora era inferior do mdium, ora em completa oposio aos seus desejos, chegando a mandar reconsiderar as questes que lhe propunha, quando no eram razoveis. Conta ele que, durante uma sesso com Home, uma prancheta que estava sobre a mesa, a pouca distncia das mos daquele mdium, encaminhou-se espontaneamente para ele, para dar uma comunicao. "Eu lia o alfabeto e, quando chegava letra necessria composio do nome que a fora invisvel queria dizer, a prancheta suspendia-se de um lado e batia. "As pancadas eram to claras, to precisas, e a prancheta estava to evidentemente sob a inteligncia de um poder invisvel, que lhe dirigia os movimentos, que eu exclamei: A Inteligncia que dirige esta prancheta pode mudar o carter de seus movimentos e dar-me, por meio de pancadas em minha mo, uma mensagem pelo alfabeto de Morse? "Tenho toda a razo para assegurar que aquele alfabeto era completamente desconhecido de todos os presentes, e eu mesmo mal o conhecia. "Assim que fiz a pergunta, mudou o carter do movimento da prancheta, e comeou a mensagem pedida. "As letras me foram dadas com a rapidez de eu no poder apanhar todas as palavras, pelo que foi perdida a mensagem; mas eu tinha colhido quantum satis para reconhecer que dirigia a prancheta um bom mestre do sistema de Morse."

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Continuando, refere o sbio o seguinte fato: "Uma dama escrevia automaticamente, e eu quis verificar se ela o fazia inconscientemente. "A prancheta de que ela se servia, afirmava, pelos sinais conhecidos, que, embora posta em movimento pela mo da dama, a Inteligncia que a dirigia era de um ser invisvel, que se servia do crebro da dama, como de um instrumento de msica, dando assim manifestao a seus msculos. "Eu disse, ento, a essa Inteligncia: Vedes o que est nesta sala? Sim, respondeu. Vedes este jornal e podeis l-lo? E logo pus o dedo sobre um exemplar do Times, que estava na mesa, atrs de mim. Sim, respondeu novamente. "Dizei-me, pois, a palavra que est debaixo do meu dedo. "Quando fiz esta experincia, evitei propositadamente olhar para o jornal, e dama era impossvel v-lo, porque estava encoberto por meu corpo. "A prancheta comeou a mover-se lentamente, com dificuldade, mas escreveu a palavra - honra -, exatamente a que meu dedo cobria." Como, depois desta experincia, atribuir-se aquele fenmeno fora psquica? Como? Se ningum ali sabia qual a palavra que estava debaixo do dedo. Preste o leitor ateno a este fato, e, em conscincia, decida se pode ter sido produzido pela fora psquica do mdium ou de algum presente, todos completamente ignorantes do que estava oculto pelo dedo, ou se no de rigor que tenha sido ele produzido por Inteligncia estranha, invisvel, como se qualificou ela mesma, para a qual a matria transparente. Ora, provada a existncia de uma Inteligncia invisvel, que falta para tom-la por um Esprito? E o que nos vai dar o prprio Crookes.

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A escrita direta desfaz toda a dvida sobre a existncia de Inteligncias invisveis, estranhas influncia do mundo visvel. Sobre ela, escreveu Crookes: "A escrita direta a expresso empregada para designar o que produzido sem a interveno do homem. "Eu obtive muitas vezes palavras e comunicaes escritas em papel marcado com o meu sinete nas mais rigorosas condies de fiscalizao. "Ouvi, no escuro, o rudo do lpis sobre o papel. "Eram to rigorosas as precaues por mim tomadas, que meu esprito ficou convencido, como se eu tivesse visto formarem-se os caracteres. "Como o espao no me permite entrar em todos os pormenores, limitar-me-ei a citar os casos em que meus olhos e ouvidos foram testemunhas da operao. "O primeiro foi numa sesso, no escuro; porm o resultado no foi menos satisfatrio. "Eu estava sentado ao p da mdium, Srta. Fox, e no havia presentes seno minha mulher e uma parenta. Com as mos, eu segurava as da mdium, e, sob os meus, tinha seus ps. Havia papel sobre a mesa, e eu tinha um lpis entre meus dedos. "Uma perfeita mo luminosa desceu do teto, e, depois de ter, por segundos, adejado em torno de mim, tirou-me o lpis, escreveu rapidamente no papel, deps o lpis e se elevou at se perder na escurido." Crookes refere ainda os seguintes casos, que do nova expresso s suas experincias: "Durante uma sesso com Home, em minha casa e de dia, eu vi agitarem-se as cortinas de uma janela que ficava a dois e meio metros de Home. Uma sombra, semelhante a forma humana, foi vista por

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todos, em p, agitando as cortinas com a mo. Enquanto a observvamos, dissipou-se, e as cortinas cessaram de mover-se." Passemos ao segundo caso: "Uma figura fantstica avanou de um canto da sala; foi tomar um harmnio e o tocou. "Esta figura foi visvel por muitos minutos, a todos que viam, ao mesmo tempo, noutro ponto, o mdium Home. "O fantasma aproximou-se de uma dama, sentada fora do crculo dos assistentes, e desapareceu logo que ela deu um grito de medo." Como se v, a Inteligncia que produzia os fenmenos observados e descritos por Crookes vai-se afastando tanto da imaginria fora psquica, quanto caminha veloz, para confundir-se com os Espritos ou almas dos que morreram. Continuemos e teremos prova cabal de no ser ela outra coisa. Leiamos o que observou o ilustre sbio sobre a materializao daquela Inteligncia, fenmeno surpreendente, embora j por outros observados, e que e devido condensao do corpo fludico, que reveste os Espritos. "A sesso foi em casa de Luxmore, e o gabinete, onde ficou a mdium, era separado da sala em que estavam os assistentes, por um reposteiro. "Satisfeita a necessidade de inspecionar-se a cmara e de examinarem-se as fechaduras, entrou a mdium para o gabinete. "Pouco tempo depois, apareceu Katie, o Esprito materializado, ao p do reposteiro; mas retirou-se, dizendo que sua mdium no estava bem disposta, e por isso no podia, sem perigo para ela, cair em sono que desse para ela se manifestar. "Eu estava a poucos passos do reposteiro, atrs do qual estava sentada a Srta. Cook, a mdium, e pude bem ouvir seus gemidos e queixumes.

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"Suas fadigas continuaram por todo o tempo da sesso, e, uma vez, achando-se diante de mim a forma de Katie, ouvi distintamente um gemido de Cook. "Entretanto, a prova positiva de que os gemidos vinham do gabinete, onde se achava Cook, embora Katie estivesse fora, era coisa muito sria, para ser baseada em suposies." Eis a a Inteligncia invisvel manifestada por um Esprito visvel, que fala que anda, e que (v-lo-emos) tangvel como qualquer pessoa viva, tendo a propriedade de desfazer-se rapidamente, como o fumo. O prosseguimento destas extraordinrias experincias levou o sbio a dizer: "Sou feliz por poder assegurar que obtive, enfim, a prova absoluta do que avancei na precedente carta. "Como obter aquela prova? "Por enquanto no falarei da maior parte das provas que me forneceu Katie, nas numerosas ocasies em que Cook se prestou s sesses, em minha casa, e no descreverei seno as que recentemente colhi. "Havia j algum tempo que eu experimentava com uma lmpada de leo fosforado, no intuito de fazer visveis alguns fenmenos misteriosos do gabinete, tendo para isto boas razes, que Katie partilhava. "A 12 de Maro, em uma sesso, em minha casa, e depois de Katie ter passado por entre ns, e de nos haver dirigido a palavra por algum tempo, vimo-la retirar-se para detrs do reposteiro que nos separava de Cook. "Pouco depois, chamou-me, para dizer-me: Entre e levante a cabea da minha mdium, que est pendida para o cho. "Katie estava, ento, diante de mim, com seu constante vestido branco e o infalvel turbante.

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"Imediatamente dirigi-me para Cook, afastando-se Katie, para me dar passagem. "Realmente, Cook tinha escorregado um pouco do sof, e sua cabea, pendente, estava em penosa posio. "Ergui-a e coloquei-a em posio cmoda, tendo, apesar da escurido, a viva satisfao de verificar que ela no estava vestida como Katie, mas, sim, com seu vestido habitual de veludo, e, mais, que se achava em profunda letargia. "No eram decorridos cinco segundos entre o momento em que vi Katie de vestido branco e me achei com Cook e acomodei-a no sof. "Voltando ao meu posto de observao, apareceu-me Katie e disseme que lhe era, talvez, possvel apresentar-se-me conjuntamente com sua mdium. "O gs foi quase apagado, e ela me pediu a lmpada de leo fosforado, a cuja luz se me apresentou por alguns segundos, entregando-me e dizendo: Agora entre e venha ver minha mdium. "Segui-a de perto, e, luz da lmpada, vi Cook deitada no sof, como a tinha deixado; mas, olhando em torno de mim, no vi Katie, a quem chamei, sem resposta. "Voltei para o meu lugar, onde Katie me disse que no tinha sado de junto de mim. "Perguntou-me ento se no poderia ensaiar uma experincia, e, tomando-me a lmpada, foi para junto de Cook, pedindo-me que no a observasse. "No fim de alguns minutos, entregou-me a lmpada, dizendo que no conseguira resultado, que esgotaria todo o fluido da mdium; mas que, posteriormente, conseguiria seu intento. "Meu filho, rapaz de 14 anos, que estava sentado defronte de mim, em posio de ver o que se passava no reposteiro, disse-me que viu distintamente a lmpada flutuando no ar, por cima de Cook,

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derramando luz sobre ela, deitada no sof, mas que no vira quem a suspendia. "Passo sesso em casa de Hachney. "Nunca aparecera Katie to perfeitamente. "Durante umas duas horas, passeou na sala, conversando familiarmente com as pessoas presentes. "Muitas vezes tomou-me o brao, e a sensao que me deu foi a de uma pessoa viva, que se apoiasse em mim, e no a de um visitante do outro mundo. "Aquela sensao foi to forte que tive mpetos de fazer uma nova e curiosa experincia. Refleti, porm, que, se era um Esprito, era em todo o caso uma senhora, e pedi-lhe permisso para tom-la em meus braos, a fim de verificar as interessantes observaes que algum havia recentemente feito referido vagamente. "Graciosamente foi-me dada licena, de que me servi convenientemente, como homem bem-educado. "M. Valkman ficar contente em saber que pude confirmar sua assero, de ser o fantasma, que, alis, nenhuma resistncia ops ao exame, um ser to natural como Cook. "Katie disse-me, ento, que se julgava com fora para mostrar-se juntamente com sua mdium. "Diminu a luz, tomei a lmpada e penetrei onde se achava a mdium. "Tinha, porm, previamente pedido a um dos meus amigos presentes, hbil estengrafo, que grafasse tudo que eu falasse no quarto, porque eu sabia a importncia que se liga s primeiras impresses, e no queria confiar somente em minha memria. "Entrei cautelosamente e procurei, tateando, a mdium, que descobri sentada no cho.

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"Deixei penetrar ar na lmpada, e via moa vestida de veludo preto, como no princpio da sesso, parecendo completamente insensvel. "Elevando a lmpada, olhei em torno e vi Katie por detrs e bem junto de Cook, vestida de roupas curtas e flutuantes, como se apresentara naquela sesso. "Segurando uma das mos de Cook, movi a lmpada de modo a iluminar todo o corpo de Katie e a bem reconhecer que era realmente ela, a que eu tive em meus braos, e no uma criao de crebro doentio. "Ela no falou; mas, com a cabea, fez sinal de compreender-me." Pelo que se conhece, hoje, sobre as propriedades do perisprito, poder-se-ia supor que foi um desdobramento da mdium que produziu a dupla apario; prossigamos, porm, e reconheceremos a verdade da manifestao tangvel de um Esprito. "Antes de terminar - Crookes quem fala - desejo fazer conhecer algumas diferenas que observei entre Katie e Cook. "O talhe da primeira varivel. Em minha casa, vi-o 1,5 cm maior que o de Cook; ontem, porm, tendo os ps descalos, era apenas maior um centmetro. "Ontem, noite, Katie esteve com o pescoo nu, e mostrava uma pele macia ao tato, enquanto Cook tem uma cicatriz bem visvel, que torna a pele spera. "As orelhas de Katie so muito mais longas e seu rosto mais comprido. "A cor de Katie clara. Cook morena. "H sensveis diferenas nos modos das duas, at quanto a se exprimirem." Diante da minuciosa exposio do sbio observador, desaparecem as suspeitas de serem as duas a mesma pessoa, quer por dolo da mdium, quer por desdobramento (bicorporeidade) dela.

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Os desdobramentos so fenmenos hoje conhecidos da Cincia, e seu caracterstico que a imagem em nada pode diferir do corpo material, quanto aos sinais fsicos. Seriam as provas da apario daquele Esprito, to minuciosa, escrupulosa e cientificamente colhidas, pura iluso do respeitvel sbio? (1)(1) Posteriormente, muitos outros sbios realizaram experincias semelhantes. (N. E.)

Alm de que todas as suas experincias foram feitas em presena de muitas pessoas to respeitveis quo competentes, a vem sua ltima carta desfazer qualquer vacilao. Crookes refere a como conseguiu, por indicao de Katie, e em presena de todos, tirarem fotografias do Esprito e da sua mdium, juntas. Durante esse trabalho, os assistentes tiveram ocasio de ver, bem distintos, o Esprito e sua mdium Katie e Cook. "Tenho a mais absoluta certeza de que Cook e Katie duas pessoas distintas, ao menos quanto ao corpo. "Quando chegou o momento de deixar-nos, eu pedi Katie o favor de ser o ltimo que a visse. "Ela chamou, um por um, todos os presentes, aos quais dirigiu palavras afetuosas e conselhos. "Terminadas as despedidas, convidou-me a segui-la ao quarto da mdium, para permanecer com ela at ao fim. "Depois de ter corrido o reposteiro, conversou comigo por algum tempo, e foi ter com Cook, inanimada. "- Desperta, disse, que chegada a hora de deixar-te. "Cook ergueu-se, banhada em lgrimas, e suplicando-lhe que se demorasse por mais tempo. "- No posso minha querida; est completa a minha misso. Deus te abenoe.

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"Conversou com Cook at que as lgrimas desta lhe tolheram a voz. "Fazendo como me havia recomendado, eu corri a sustentar Cook, que ia cair convulsivamente, e, olhando em torno, no vi mais Katie, com seu vestido branco." preciso admitir que se possa conversar com a prpria sombra, para ter a idia de que Katie era desdobramento de Cook. preciso admitir que Crookes e seu respeitvel auditrio foram tomados, ao mesmo tempo, de insnia, ou que homens da maior responsabilidade combinaram-se para darem por verdade uma mentira, miservel embuste, para ter-se o pensamento de que o mdium e o Esprito so a mesma pessoa. Seriam as experincias insubsistentes, sem o rigor das observaes cientficas? A resposta est na obra de Crookes. Por mais que choquem as crenas gerais, os fatos atestados por Crookes, o nome e a alta competncia do observador se impem aos mais refratrios. E, como os fenmenos observados por Crookes do testemunho irrecusvel de um Esprito sob a forma corporal, e que a tomava e deixava, instantaneamente, vista de todos, pode-se dizer, materialmente provado, que h Espritos, que o Esprito imortal, e que o ser humano, cuja essncia o Esprito, no acaba na morte, conservando sempre a conscincia de sua individualidade. verdade que Dassier, emperrado materialista, obrigado a confessar que viu aparies espirituais, arma sofisma sua prpria conscincia, imaginando que o Esprito a figura do homem material, que ainda subsiste depois da morte, por no se ter ainda de todo extinguido o fluido vital!!! necessrio decidido propsito de repelir a luz, para formular tais e quejandas hipteses.

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Se o fluido vital ainda subsiste, subsistir deve a matria vitalizada: - o corpo; portanto, no pode verificar-se a morte. Alm de que uma figura ou imagem, que fala, que raciocina, que toma na mo uma lmpada, que d conselhos, que faz, em suma, o que fez Katie, no coisa mais estupenda do que admitir no homem uma parte que morre e outra que imortal, duas substncias distintas? Para todo homem sensato, confessar Dassier que viu aparies, confessar verdadeiros os fatos citados por Crookes. Esta confisso, de to insuspeita origem, vale pela mais robusta prova que possam dar os processos positivistas. O fato to real que um materialista da intransigncia de Dassier no lhe pde negar seu testemunho! Com o que temos longamente exposto, fica plenamente elucidada nossa tese. No ser, porm, ocioso corroborar as experincias de Crookes com as de outros sbios. Aos estudos de Varley, ajuntaremos os de Wallace, por ele prprio publicados em uma notvel carta dirigida ao Times, para explicar como e por que se fez esprita. O venerando sbio, que disputava a Darwin a descoberta da lei do transformismo, escreveu: "Como tenha sido increpado, por muitos dos vossos correspondentes, como um homem de Cincia, que acredita no Espiritismo, peo licena para dizer-vos em que fundamentos assenta minha crena. "Comecei minhas pesquisas, h quase oito anos, por uma feliz circunstncia que me facilitou experimentar, em minha casa e em larga escala, com a assistncia de pessoas da maior confiana, sendo, ento, muito menos freqentes e acessveis os maravilhosos fenmenos. "Tive a satisfao de provocar, por numerosas e rigorosas provas, movimentos inexplicveis por causas fsicas conhecidas ou por imaginaes.

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"Familiarizado, assim, com aqueles fenmenos, cuja realidade no pode ser posta em dvida, tive ocasio de compar-los com as manifestaes dos mdiuns de profisso, e de reconhecer que existe, entre uns e outros, perfeita identidade de causa. "Pude, igualmente, obter, pela mais paciente observao, as mais curiosas e seguras provas da realidade, cujas mincias exigiriam volumes. Ser-me-, porm, permitido descrev-las ligeiramente, a fim de mostrar como se pode evitar a fraude. "Uma dama, que nunca vira fenmenos espritas, pediu-me, e minha irm, para acompanh-la a um mdium afamado. "Obtivemos uma sesso em pleno dia. "Depois de grande nmero de pancadas e movimentos, coisa muito comum, nossa amiga perguntou se era possvel evocar-se uma pessoa com quem desejava falar. "A resposta afirmativa, a dama comeou a ler as letras do alfabeto impresso, enquanto eu tomava as que eram dirigidas para formarem o nome. "Nem eu nem minha irm sabamos o nome do homem evocado: nem sequer conhecamos os dos parentes mortos. "Tambm ela nunca tinha visto o mdium. "As letras que tomei, foram: Y, R, N, E, H, N, O, S, P, M, O, H, T. "Logo que foram designadas as trs primeiras, a dama exclamou: isto no significa coisa alguma. melhor comear de novo! "Justamente naquele momento, as pancadas designaram o E, e veio-me ao pensamento, por j ter lido um fato semelhante, o que podia ser; e disse: Continue, que suponho saber o que significa isto. "Quando a dama acabou de proclamar as letras, eu lhe apresentei o papel em que as tinha tomado; ela, porm, no lhes descobriu sentido. "Operei, ento, uma diviso pelo primeiro H; e pedi-lhe que lesse cada seo de trs para diante.

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"Apareceu-lhe assim, com grande espanto seu, o nome de Henry Thompson, seu filho morto, que ela evocara. "Esta experincia, cuja exata descrio garanto, foi e , a meu ver, a completa refutao a todas as explicaes at hoje dadas a respeito dos meios empregados para indicar por pancadas os nomes dos mortos..." Este fato, garantido por um homem da estatura moral e cientfica de Wallace, e escudado nas observaes anlogas de Robert Chambers, do professor William Gregory, do professor Hare, do Dr. Guilly de Malvern e do juiz Edmonds, a no ser repelido por mentiroso, de convencer os mais refratrios. Continuemos. O baro Guldenstubb publicou, em 1857, um livro curioso, intitulado A realidade dos Espritos e o fenmeno maravilhoso de sua escrita direta. Conta o Autor como foi levado a fazer experincias. Andava procura de provas palpveis, ao mesmo tempo que inteligentes, do mundo dos Espritos, para demonstrar, por meio irrecusvel, a existncia da alma. Colocou papel e lpis numa caixa, que fechou chave, e a ningum comunicou esse ensaio. Para maior segurana, guardou consigo a chave. Esperou em vo doze dias; porm, ao dcimo terceiro dia foi surpreendido pelo aparecimento de alguns caracteres. Repetiu a experincia, dez vezes no mesmo dia, para convencer-se de que no fora vtima de iluses. Deu parte a seu amigo, conde d'Ourches, de sua maravilhosa descoberta, e, juntos, fizeram repetidas tentativas, obtendo o conde uma comunicao de sua me, morta havia cerca de vinte anos, cuja letra foi reconhecida.

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Oxon, o sbio professor que experimentou por cinco anos, sobre a escrita direta, exprime-se nestes termos, em sua obra - Coisas do outro mundo: "H cinco anos sou familiarizado com os fenmenos de psicografia, que tenho observado por mdiuns conhecidos e por damas e cavalheiros de fora medianmica. "No curso de minhas observaes, vi psicografias obtidas em caixas fechadas (escrita direta), sobre o papel escrupulosamente marcado e colocado em lugar especial, donde no pudesse ser removido, papel metido em envelopes fechados, e em ardsias dobradas. "Vi escritas produzidas quase instantaneamente; e essas experincias me provaram que todas eram sempre obtidas pelo mesmo processo. "Ao passo que se v, algumas vezes, o lpis correr como se fora guiado por invisvel mo, v-se, outras vezes, aparecer a escrita, sem interveno de lpis." E o caso observado por Crookes, de uma luminosa mo arrancarlhe o lpis e escrever sua vista. Zoellner, o sbio alemo, firmando suas asseveraes no testemunho de pessoas respeitveis, como os professores Fechner, Weber e Schreibner, as expe assim: "Na noite de 16 de Novembro de 1876, coloquei numa sala, onde o mdium Slade nunca tinha entrado, uma mesa e quatro cadeiras. "Eu e o professor Braune, Fechner e Slade sentamo-nos ao redor da mesa, e, desde que fizemos uma cadeia pela ligao de nossas mos, deram-se pancadas na mesa. "Tinha eu comprado uma ardsia, e Slade colocou-a numa borda da mesa, tendo em cima um lpis. "Notamos que este no se moveu.

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"Limpou-se a ardsia, e Slade colocou-a, com dois lpis, sobre a cabea do professor Braune. "Ouvimos o rudo do lpis na lousa, e, quando esta foi retirada, verificou-se que tinha muitas linhas escritas. "Inopinadamente, um mvel que estava a distncia de Slade e lhe ficava pelas costas, ps-se em movimento e afastou-se alguns ps da parede. "Uma segunda sesso se realizou em minha casa, com a assistncia de Weber e de Schreibner. "Violenta detonao deu-se, como descarga de botelhas de Leyde, e ns, voltando-nos, assustados, reconhecemos que uma porta, de meia polegada de espessura, se tinha rachado de cima a baixo, sem o menor contato de Slade. "Os estilhaos caram a metro e meio tava de costas. "Surpreendeu-nos esta manifestao de to possante fora mecnica, e eu perguntei a Slade o que significava aquilo, ao que respondeu ele que, sua presena, davam-se, s vezes, aqueles fenmenos. "Como falava em p, colocou uma ardsia, expressamente por mim comprada, sobre a mesa, e, por cima dela, os cinco dedos da mo direita, aberta, enquanto tinha firmada a esquerda no meio da mesa. "Comeou a escrita, e, quando Slade levantou a ardsia, liam-se nela estas palavras, em ingls: No tivemos inteno de fazer mal. Relevem o que aconteceu. "Foi isto escrito, tendo Slade imveis s mos." Para que mais provas da existncia dos Espritos e da comunicao dos vivos com os chamados mortos? O que a fica exposto procede de fontes to respeitveis, que s a m-f ou cegueira invencvel podem recusar. Se os mais notveis homens de Cincia podem ser suspeitos de loucura ou de embuste, pelo fato de afirmarem que viram, e de ser o

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que viram contrrio ao que se tem por verdade, de que serve multiplicar testemunhos, e de que modo h de a Cincia limpar-se dos erros que a inquinam? Em todo caso, para no faltarmos ao programa que prometemos seguir, daremos, em seguimento s observaes daqueles sbios, as que temos ns mesmos feito em nossa estreitssima esfera. 3. - Fatos de nossa observao Para no darmos maior desenvolvimento a este captulo, que j demasiado longo vai, limitaremos a exposio dos fatos da nossa observao, demonstrativos da existncia da alma. Em uma de nossas sesses de experincia, o mdium Jos Incio da Silveira ficou sonambulizado espontaneamente, sem a interveno visvel de ningum, como acontece com todos com quem trabalhamos. Quem fez aquela operao? Os assistentes, no; porque nenhum saiu do seu assento, nenhum fez passes, como usam os magnetizado