carta da cnbb à presidenta dilma

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Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________ SE/SUL QD. 801 CONJ. B 70.200-014 Brasília/DF. TEL: (0xx61) 2103-8323 FAX: (0xx61) 2103-8303 Correio Eletrônico: [email protected] Brasília DF, 31 julho de 2015 SCJP - Nº. 0419/15 Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff Presidente da República Federativa do Brasil Praça dos Três Poderes Palácio do Planalto 3º Andar 70150-900 Brasília DF Excelentíssima Senhora Presidente, A Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, que congrega as Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência trazer os clamores dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil. Acompanhamos seu trabalho e fazemos nossas suas preocupações com ações implementadas pelo Governo Federal que, a nosso ver e julgar, resultam em perda de direitos conquistados com muita luta. Trata-se de ações que, segundo nosso entendimento, descumprem acordos e legislações nacionais e internacionais que garantem os direitos dos Povos e das comunidades Tradicionais. Vimos, pois, solicitar à Vossa Excelência que reconsidere a Lei 13.135/2015 por significar, na experiência concreta do dia a dia dos e das pescadores e pescadoras artesanais, um retrocesso nas condições de suas vidas por trazer perdas de direitos fundamentais. Nos manifestamos, igualmente, contra os Decretos 8424 e 8425 de 1º de abril de 2015, que violam os direitos humanos, sociais e culturais de povos e comunidades tradicionais. Lamentamos a incoerência do Governo Federal que, por um lado, discute a sustentabilidade dos recursos pesqueiros continentais e marinhos com inúmeras medidas em pauta e, por outro lado, viola os direitos do único segmento que por meio da sua cultura e tradicionalidade cuida desses recursos. A publicação desses Decretos, além de ignorar compromissos assumidos anteriormente pelo Governo, dificultam o diálogo sobre as mudanças em pauta e colocam em cheque a construção coletiva que todas as nossas instituições têm feito nos últimos anos. Diante disso, Senhora Presidente, com apreço e consideração, solicitamos-lhe a revogação do Decreto e 8425. Esse Decreto, segundo nosso entendimento, não condiz com a diversidade, peculiaridades e realidade da pesca artesanal no Brasil. Tenta homogeneizar os pescadores numa lógica urbana. Interfere no direito de autodeterminação dos povos e

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Page 1: Carta da CNBB à presidenta Dilma

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz

__________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________ SE/SUL QD. 801 CONJ. B – 70.200-014 – Brasília/DF. TEL: (0xx61) 2103-8323 FAX: (0xx61) 2103-8303 Correio Eletrônico: [email protected]

Brasília – DF, 31 julho de 2015

SCJP - Nº. 0419/15

Excelentíssima Senhora

Dilma Rousseff

Presidente da República Federativa do Brasil

Praça dos Três Poderes – Palácio do Planalto – 3º Andar

70150-900 Brasília – DF

Excelentíssima Senhora Presidente,

A Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, que

congrega as Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, vem,

respeitosamente, à presença de Vossa Excelência trazer os clamores dos Pescadores e

Pescadoras Artesanais do Brasil. Acompanhamos seu trabalho e fazemos nossas suas

preocupações com ações implementadas pelo Governo Federal que, a nosso ver e julgar,

resultam em perda de direitos conquistados com muita luta. Trata-se de ações que, segundo

nosso entendimento, descumprem acordos e legislações nacionais e internacionais que

garantem os direitos dos Povos e das comunidades Tradicionais.

Vimos, pois, solicitar à Vossa Excelência que reconsidere a Lei 13.135/2015 por

significar, na experiência concreta do dia a dia dos e das pescadores e pescadoras artesanais,

um retrocesso nas condições de suas vidas por trazer perdas de direitos fundamentais. Nos

manifestamos, igualmente, contra os Decretos 8424 e 8425 de 1º de abril de 2015, que violam

os direitos humanos, sociais e culturais de povos e comunidades tradicionais.

Lamentamos a incoerência do Governo Federal que, por um lado, discute a

sustentabilidade dos recursos pesqueiros continentais e marinhos com inúmeras medidas em

pauta e, por outro lado, viola os direitos do único segmento que por meio da sua cultura e

tradicionalidade cuida desses recursos. A publicação desses Decretos, além de ignorar

compromissos assumidos anteriormente pelo Governo, dificultam o diálogo sobre as

mudanças em pauta e colocam em cheque a construção coletiva que todas as nossas

instituições têm feito nos últimos anos.

Diante disso, Senhora Presidente, com apreço e consideração, solicitamos-lhe a

revogação do Decreto e 8425. Esse Decreto, segundo nosso entendimento, não condiz com a

diversidade, peculiaridades e realidade da pesca artesanal no Brasil. Tenta homogeneizar os

pescadores numa lógica urbana. Interfere no direito de autodeterminação dos povos e

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Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz

__________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________ SE/SUL QD. 801 CONJ. B – 70.200-014 – Brasília/DF. TEL: (0xx61) 2103-8323 FAX: (0xx61) 2103-8303 Correio Eletrônico: [email protected]

comunidades tradicionais e fere um direito internacional de interferência do Estado na

divisão da categoria, coisa que o Estado é proibido de fazer. Ainda, o referido Decreto,

vincula ao conceito de pescador artesanal a embarcação de arqueação bruta de 20 AB.

Coloca dentro dos direitos da pesca artesanal os barcos de armadores, empresários da

pesca que, através deste artifício, deixarão de pagar os salários e encargos. Esses

empresários, que mantêm atividades não registradas, são, na maioria das vezes, os que mais

praticam formas de trabalho precários e similares ao trabalho escravo.

Solicitamos, igualmente, um amplo debate sobre a tradicionalidade das comunidades

pesqueiras, considerando sua diversidade cultural, de forma que as leis da pesca estejam

condizentes com sua realidade e garantam aos pescadores e pescadoras artesanais seus

direitos conquistados a duras penas no processo histórico do Brasil.

Na certeza de merecermos a atenção de Vossa Excelência, rogamos a Deus abençoá-

la e protege-la sempre.

Atenciosamente,

Dom Guilherme Antônio Werlang

Bispo de Ipameri-GO e

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da

Justiça e da Paz – CNBB