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CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO E SOUZA DIMENSÕES DA VIDA MUSICAL NO RIO DE JANEIRO: DE JOSÉ MAURÍCIO A GOTTSCHALK E ALÉM, 1808-1889 Tese de Doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação do Prof. Dr. Guilherme Pereira da Neves Vol. 1 Niterói 2003

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CARLOS EDUARDO DE AZEVEDO E SOUZA

DIMENSÕES DA VIDA MUSICAL NO RIO DE JANEIRO:

DE JOSÉ MAURÍCIO A GOTTSCHALK

E ALÉM, 1808-1889

Tese de Doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação do Prof. Dr. Guilherme Pereira da Neves

Vol. 1 Niterói

2003

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II

DEFESA DE TESE

Carlos Eduardo de Azevedo e Souza

Dimensões da vida musical no Rio de Janeiro:

de José Maurício a Gottschalk e além, 1808-1889

Tese de Doutorado

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História

da Universidade Federal Fluminense

Niterói, 2003. IX+309 p. Mímeo.

Data: 15 de dezembro de 2003

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Professor Doutor Eduardo Silva - CRB

____________________________________________________ Professor Doutor José D’Assunção Barros - CBM

____________________________________________________ Professor Doutor Roberto Godofredo Fabri Ferreira - UFF

____________________________________________________ Professor Doutor Ciro Flamarion Santana Cardoso - UFF

____________________________________________________ Professor Doutor Guilherme Pereira das Neves – UFF/Orientador

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III

RESUMO

O primeiro objetivo deste trabalho foi analisar a atividade da Capela Real e

Imperial do Rio de Jane iro, criada por D. João VI, em 1808, segundo o modelo da

Capela Real de Lisboa, e que, durante seus mais de oitenta anos de existência, constituiu

uma das principais instituições musicais do Brasil. Ao abrigar um coro e uma orquestra

permanentes, ela representou a primeira experiência no país de conjuntos musicais

estáveis mantidos pelo Estado. Graças a informações inéditas, obtidas através de

pesquisa em arquivo, procurou-se revelar a atuação dos músicos e dos mestres-de-

capela responsáveis por essa produção musical da principal igreja do Brasil no século

XIX.

Em segundo lugar, atentou-se, sobretudo já no segundo reinado, para as

atividades operísticas e de concerto. Durante esse período, o Rio de Janeiro assistiu à

apresentação de virtuoses internacionais, como Thalberg e Gottschalk, de cantores

célebres, como Rosine Stoltz e Enrico Tamberlik, e de diversas companhias operísticas,

que asseguraram uma intensa vida musical em certos momentos. Além disso,

sociedades privadas as mais variadas organizavam recitais e bailes, com a participação

de profissionais e de amadores, criando um amplo espaço para a atividade dos músicos,

muitos imigrantes, como o português Arthur Napoleão.

Com a criação de um conservatório por Francisco Manoel da Silva, de

iniciativas para desenvolver uma produção musical nacional e de uma atividade

editorial bastante intensa, esboçou-se, assim, a criação de um campo profissional para a

música. No entanto, o movimento não decolou, permanecendo as atividades musicais de

caráter artístico apenas uma marca de distinção para as reduzidas elites do império.

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IV

ABSTRACT

The chief objective of this thesis aims to analyse the activities of the Royal

Chapel of Rio de Janeiro, which later became the Imperial Chapel of Rio de Janeiro. It

was created in 1808 by D. Joao VI and modeled after the Royal Chapel of Lisbon. As

one of the most important Brazilian musical institutions during the more than eighty

years of its existence, it harbored a choir and an orchestra, which meant the first

experience of musical ensembles supported by the state. Thus, this thesis introduces

brand new information got through research in archives, unveiling the activities of

musicians and chapel masters, who were responsible for the music made in the main

nineteenth-century Brazilian church.

The second purpose is focused on the activities involving operas and concerts

during the government of Pedro II. In this period, Rio de Janeiro was the scenario for

the presentation of international virtuoso artists, such as Thalberg and Gottschalk, of

renowned singers as Rosine Stoltz and Enrico Tamberlik, and of several opera

companies, which assured a very intense musical life in certain moments. Furthermore,

diversified private societies organized recitals and balls, with the participation of

professionals and amateurs, generating a wide space for the activity of the musicians,

many of whom were immigrants, such as the Portuguese Arthur Napoleão.

With the creation of a conservatory by Francisco Manoel da Silva, with

initiatives to develop musical composition in a national style and with a very intense

editorial activity, this period brought out the outlines of a professional field for music-

making. However, this movement did not take off in the long run, and musical activities

of artistic character remained a mark of distinction to the narrow elites of the empire.

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V

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar à minha mãe, por todo o apoio, carinho e

compreensão.

A meu pai, pelas conversas intermináveis.

A Ela, pelo carinho, pelo companheirismo, por viver-com, pelas discussões, pela

inteligência, pela paixão e pelo amor

Ao amigo e professor Gerd Bornheim, pela orientação e ajuda e pela cessão de

sua biblioteca. Agradecimento póstumo.

Agradeço aos meus amigos e familiares, pelo incentivo e companhia.

Agradeço, por tudo, ao amigo e orientador Guilherme Pereira das Neves.

Ao amigo e professor Ciro Flamarion Cardoso, pelas conversas, livros e

orientação.

Agradeço aos amigos, colegas e professores, pela ajuda e pelo entender da

estética musical.

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VI

DIMENSÕES DA VIDA MUSICAL NO RIO DE JANEIRO:

DE JOSÉ MAURÍCIO A GOTTSCHALK E ALÉM, 1808-1889

Sumário

INTRODUÇÃO p. 1

1. A MÚSICA NA IGREJA DO ESTADO p. 12

A Organização Musical da Capela p. 14 A Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro p. 27 A Música e o Cabido da Catedral do Rio de Janeiro p. 30 O Mestre-de-Capela Antônio Nunes de Siqueira p. 38

2. A CAPELA DO RIO DE JANEIRO (1808-1842) p. 44

A Capela Real do Rio de Janeiro (1808-1821) p. 53 A Capela Imperial de 1821 até 1842 p. 68

3. FRANCISCO MANOEL DA SILVA, UM CASO PARADIGMÁTICO p. 73

Os Hinos Patrióticos p. 75 A Sociedade de Beneficência Musical p. 77 A Capela Imperial p. 79 O Conservatório de Música do Rio de Janeiro p. 93

4. OS PERCALÇOS DA ÓPERA p. 103

No Tempo da Corte p. 104 Após a Independência p. 107 O Segundo Reinado p. 110 Uma Ópera Nacional p. 123 Da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional à Ópera Nacional e Italiana p. 128

5. A ORGANIZAÇÃO DA VIDA MUSICAL p. 138

As Bandas Militares p. 139 As Sociedades Musicais p. 149 As Philarmônicas e os Clubes Musicais p. 157

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VII

6. O ESPAÇO DOS CONCERTOS p. 174

A Fazenda de Santa Cruz p. 181 Salões Privados p. 187 Salas Públicas p. 190

7. O FASCÍNIO DOS VIRTUOSES p. 202

Thalberg, Arthur Napoleão e outros p. 211 Morte!: Gottschalk e o Rio de Janeiro p. 223

8. A CAPELA IMPERIAL NA CRISE DO IMPÉRIO (1866-1889) p. 237

No vácuo de Francisco Manoel (1865-1875) p. 237 Hugo Bussmeyer – O Mestre-de-Capela Protestante p. 245 As desventuras de Bento Fernandes das Mercês p. 255 A fase final p. 262

9. O REPERTÓRIO DA MÚSICA COMO NEGÓCIO p. 278

A literatura musical e de instrução p. 278 Coleções de músicas (1837-1870) p. 298 J. C. Müller & H. E. Heinen p. 319 Narciso & Arthur Napoleão p. 329 Coleções de músicas (1870-1900) p. 337

CONCLUSÃO p. 345

FONTES E BIBLIOGRAFIA p. 349

1. Fontes 1.1. Manuscritas p. 349 1.2. Impressas p. 353

2. Bibliografia

2.1. Obras de Referência p. 359 2.2. Livros, Artigos e Inéditos p. 360

ANEXOS p. 375

Mestres da Capela Real/Imperial do Rio de Janeiro p. 375 Organistas da Capela Real/Imperial do Rio de Janeiro p. 376 Capelães-Cantores da Capela Real/Imperial do Rio de Janeiro p. 377 Músicos da Capela Real/Imperial do Rio de Janeiro p. 383 Gráfico: Atividade operística no Rio de Janeiro p. 409

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VIII

Relação de Tabelas

1. A MÚSICA NA IGREJA DO ESTADO

Tabela 1: Gastos anuais com os Cabidos das Catedrais do Brasil em 1858 p. 17 Tabela 2: Gastos com a música por Cabido em 1858 p. 20 Tabela 3: Cerimônias da Capela Real em 1809 p. 23 Tabela 4: A música nas cerimônias da Capela Real em 1849 p. 25 3. FRANCISCO MANOEL DA SILVA, UM CASO PARADIGMÁTICO

Tabela 1: Músicos da Capela Imperial em 1843 p. 81 4. OS PERCALÇOS DA ÓPERA

Tabela 1: Óperas apresentadas no Real Theatro São João (1814-1821) p. 106 Tabela 2: Óperas apresentadas no Real Theatro São João em 1822 p. 106 Tabela 3: Óperas novas apresentadas no Theatro São Pedro (1826-1830) p. 108 Tabela 4: Récitas por ano no Theatro São Pedro (1844-1850) p. 111 Tabela 5: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1844-1851) p. 112 Tabela 6: Récitas por ano no Rio de Janeiro (1853-1858) p. 118 Tabela 7: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1852-1858) p. 118 Tabela 8: Récitas por ano no Rio de Janeiro (1859-1865) p. 120 Tabela 9: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1859-1865) p. 120 Tabela 10: Obras da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional p. 131 Tabela 11: Obras produzidas pela Ópera Lírica Nacional p. 134 5. A ORGANIZAÇÃO DA VIDA MUSICAL

Tabela 1: Sociedades Musicais p. 150 Tabela 2: Fundadores do Club Beethoven em 1882 p. 165 Tabela 3: Músicos do Club Beethoven nos anos 1882 e 1883 p. 167 Tabela 4: Obras executadas no Club Beethoven durante os anos 1882 e 1883 p. 171

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IX

6. O ESPAÇO DOS CONCERTOS

Tabela 1: Mapa da escravatura da Imperial Fazenda de Santa Cruz p. 182 Tabela 2: Relação dos músicos escravos da Fazenda de Santa Cruz (1860) p. 186

8. A CAPELA IMPERIAL NA CRISE DO IMPÉRIO (1866-1889)

Lista dos cantores e Músicos da Capela Imperia l p. 247 Folha das gratificações – Agosto de 1885 p. 264 Academia de Belas Artes p. 267 Folhas das gratificações – Janeiro de 1888 p. 273

9. O REPERTÓRIO DA MÚSICA COMO NEGÓCIO

Tabela 1: Raphael Coelho Machado – Publicações Teóricas p. 292 Tabela 2: Francisco Manoel da Silva – Publicações Teóricas p. 297 Tabela 3: O Philo-Harmonico (1842) p. 299 Tabela 4: O Ramalhete das Damas (1842/44) – partituras para voz e piano p. 300 Tabela 5: O Ramalhete das Damas (1842/44) – partituras para piano p. 301 Tabela 6: O Ramalhete das Damas – partituras (1845-1849) p. 302 Tabela 7: Coleções Musicais, 1845-1869 p. 303 Tabela 8: O Brasil Musical, arranjos para voz e piano, 1848-1851 p. 305 Tabela 9: O Brasil Musical, peças para piano solo, 1848-1851 p. 305 Tabela 10: O Brasil Musical, peças para piano, 1852-1855 p. 306 Tabela 11: O Brasil Musical, peças para piano, 1860-1864 p. 307 Tabela 12: A Família Imperial (1862), números 31-56 p. 309 Tabela 13: A Estátua Eqüestre (1862), números 1-30 p. 310 Tabela 14: Noites do Alcazar (1867) p. 312 Tabela 15: Novo Álbum de Modinhas Brasileiras p. 314 Tabela 16: Álbum de Armia (1855) p. 318 Tabela 17: Álbum Melodie Brésiliennes (1852) p. 318 Tabela 18: Distribuição por Compositor (Seções B a F) p. 324 Tabela 19: Reduções de Óperas para Piano p. 325 Tabela 20: Peças de Compositores Brasileiros p. 327 Tabela 21: Fantasias e Variações p. 330 Tabela 22: Origem dos Temas Operisticos Usados em Variações p. 332 Tabela 23: Danças de Compositores Locais p. 334 Tabela 24: Músicas em Português p. 335 Tabela 25: Flores dos pianistas (1875-1877) p. 338 Tabela 26: Flores do Baile p. 340 Tabela 27: Alegria dos Salões p. 341 Tabela 28: Alegria dos Salões (Valsas adicionadas à Coleção) p. 342

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INTRODUÇÃO

De todas as disciplinas que estudam a música, a história é a mais fértil em temas de

reflexão, por que seus domínios podem englobar uma grande diversidade de conhecimentos,

como a sociologia, a estética e até a teoria musical. No entanto, a história da música esbarra

nos limites de todo estudo histórico e nas dificuldades que lhe são específicas. Assim, não

pode haver história da música objetiva, no sentido familiar do termo, pois o procedimento

histórico toma seus conceitos fundamentais e, por vezes, até mesmo o objetivo de suas

pesquisas, emprestados da metodologia pessoal do historiador. Mais particularmente, os

juízos musicais se referem necessariamente a preferências individuais ou coletivas, na

ausência de modelos exteriores.

Esse subjetivismo torna os depoimentos sobre a música particularmente frágeis. Ora,

os fenômenos musicais passados não podem ser estudados diretamente, como as obras da

pintura ou da literatura, e não se prestam, como os acontecimentos políticos ou militares, a

relatos exatos e pormenorizados – a música é fugidia e indescritível. As fontes com que o

historiador deveria então contentar-se são, de um lado, testemunhos suspeitos e sem rigor; de

outro, a reprodução aproximada dos fenômenos musicais, graças à notação, quando ela

existe.1

Nessa empreitada, entre outras ciladas, estão o interesse anedótico das vidas de

músicos célebres, nas quais se é tentado a deter longamente; a aparente lógica determinista da

evolução das formas; ou a confiança no rigor e na fecundidade das análises. A menos que se

consagre um estudo a um compositor em particular, a biografia só se torna importante se

esclarece a obra. Quanto à evolução das formas, a maneira pela qual a sonata sucede à suíte, é

de uma importância histórica bem pequena, se não se reconhece alguma razão humana para

essa evolução. O desenvolvimento da polifonia não é, em si, mais que uma curiosidade

técnica, de sucesso inexplicável, se não procuramos descobrir suas causas e suas

conseqüências. Enfim, a análise, apesar do gosto imoderado que os comentadores têm hoje

por ela, em geral nada explica e cria uma confusão entre o aparente e o essencial. Como deixa

claro a orientação dada no livro de Claude Palisca.2

1 Para uma apreciação metodológica sobre o trabalho do historiador ver Edward Carr, Que é História? São

Paulo, Paz e Terra, 1996. 2 Claude Palisca. A History of Western Music, 4th ed. New York, W. W. Norton, 1988.

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Para completar esse reconhecimento dos limites de uma investigação em história da

música, deve-se acrescentar que a sociologia da música é uma disciplina recente. O

conhecimento dos públicos permanece insuficiente para determinar com segurança que signos

são reconhecidos e compreendidos pelas diferentes platéias de um certo tempo, isto é, o grau

de comunicabilidade da música contemporânea nas diferentes épocas. Rigor no método,

audácia na pesquisa, seriedade na reflexão – são essas as condições de uma historiografia

moderna, que permita comparar as civilizações e compreender a evolução singular da música

ocidental.3

E a musicologia? O público a vê como uma ciência altamente especializada, distinta

das outras disciplinas musicais. Não raro, os profissionais estimulam essa representação, que

talvez achem lisonjeira. Literalmente, a musicologia é a ciência e o estudo da realidade

musical no sentido mais geral; ela engloba, normalmente, a história, a estética, a teoria dos

sistemas e das escalas, a sociologia, etc. A palavra francesa está em uso apenas desde o início

do século XX; é a tradução da alemã Musikwissenschaft, empregada pela primeira vez por

Chrysander em 1863, na época em que nascia, de fato, a musicologia moderna.4

Muitos musicólogos tendem a limitar sua disciplina ao estudo das fontes musicais, à

descoberta das músicas esquecidas, enfim à restituição das obras do passado a uma forma que

permita a sua interpretação adequada. Essa musicologia tradicional negligencia certos

aspectos sociológicos, entre outros, fundamentais. Quem produz? Quem ouve? Por quê? Em

que circunstancias e em que condições? Segundo a pertinente crítica de Roland Candé.5

Uma nova musicologia parece dedicar-se hoje a preencher essas lacunas. Quando

estiver menos entulhada de acessórios, quando tiver terminado seu crescimento, definido seus

métodos e ampliado seu campo de ação, talvez venha a ser o instrumento de um renascimento

da cultura musical, para dialogar ainda com Roland Candé.

De qualquer modo, praticamente uma invenção do século XVIII, a história da música

até hoje ainda não encontrou o desenvolvimento de outros gêneros, sendo praticada com

freqüência por músicos sem formação em história e limitando-se, quase sempre, ao

estabelecimento, em ordem cronológica, de autores e obras considerados significativos.6 No

3 Veja -se a orientação adotada por Jean & Brigitte Massin. História da Música Ocidental. Rio de Janeiro,

Nova Fronteira, 1997. 4 Joseph Kerman. Musicologia. São Paulo, Martins Fontes, 1987. 5 Roland Candé. História Universal da Música. São Paulo, Martins Fontes, 1994. 6 Para os inícios da história da música, cf. Peter Burke. Variedades da História Cultural . Rio de Janeiro,

Civilização Brasileira, 2000.

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Brasil, a historiografia sobre a música revela-se ainda mais precária, não se distinguindo nem

pelo volume, nem pela qualidade propriamente historiográfica.

Em primeiro lugar, há uma série de obras de cunho geral, preocupadas em registrar

compositores e composições, a fim de definir uma galeria de personagens que sirvam para

estabelecer as características das manifestações musicais do país. Obedecem, por conseguinte,

a uma concepção bastante ingênua da historiografia, típica de certas correntes do século XIX,

e fruto de um simples empirismo, ao qual soma-se uma metodologia quase amadorística,

como ocorre com o livro de Vincenzo Cernicchiaro,7 um dos primeiros deles e, modelo, quase

sempre, para os demais. O autor se preocupa em fazer um exaustivo levantamento de

compositores e obras, com suas devidas datas. O autor só não sabe muito bem como fazê- lo.

Em relação ao padre José Maurício Nunes Garcia, por exemplo, se ele se preocupa em

catalogar, da forma mais completa possível, toda a sua produção musical, no conjunto da

atividade musical da época, descreve também, com a mesma minúcia de detalhes, a procura

que realizou dos restos mortais do compositor em várias ordens religiosas e cemitérios da

cidade.

Muito próxima dessa primeira vertente, uma segunda, mais recente, não se afasta do

amadorismo e da ingenuidade metodológica, mas desenvolve uma crescente preocupação com

a exatidão e a abrangência das informações, mostrando-se por isso mais útil. Trata-se de

trabalhos produzidos por músicos ou por pessoas muito próximas da vida musical, como

ocorre com Bruno Kiefer,8 Vasco Mariz,9 Luiz Heitor Correia de Azevedo,10 entre outros. Em

muito poucos casos, essas iniciativas converteram-se em amplos e profundos levantamentos,

como o de Oneyda Alvarenga,11 sobre a música popular brasileira, primeiramente editado no

México, o de Cleofe de Mattos,12 com o seu Catálogo Temático de José Maurício, e o de

Ayres de Andrade,13 sobre a vida Francisco Manuel da Silva, o autor do Hino Nacional.

Cleofe de Mattos, regente coral e musicóloga, estudou na Escola Nacional de Música e

fundou, em 1941, o coral de que se originaria a Associação de Canto Coral. Em 1952,

publicou a Bibliografia Musical Brasileira (com Luiz Heitor e Mercedes Reis Pequeno). Sua

7 Vincenzo Cernicchiaro. Storia della Musica nel Brasile. Milão, Fratelli Riccioni, 1926. 8 Bruno Keifer. História da Música Brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1977. 9 Vasco Mariz. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1994. 10 Luís Heitor Correia de Azevedo. Bibliografia musical brasileira (1820-1950). Rio de Janeiro, INL, 1952. 11 Oneyda Alvarenga. Musica popular brasileira. Rio de Janeiro, Globo, 1950. 12 Clêofe Person de Mattos. Catálogo Temático de José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro, MEC, 1970. 13 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Tempo Brasiliero, 1967. 2v,

Coleção Sala Cecília Meireles.

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principal obra foi o Catálogo, que inaugurou um trabalho pioneiro neste sentido. Ayres de

Andrade foi aluno de Henrique Oswald e Barroso Netto no Instituto Nacional de Música e

aperfeiçoou-se, como pianista, em Paris. A partir de 1936, tornou-se crítico musical de O

Jornal no Rio de Janeiro e, mais tarde, adquiriu um papel importante na organização da vida

musical da cidade. Sua obra, Francisco Manuel da Silva e seu Tempo, não obstante a falta de

rigor na indicação das fontes que utiliza, constitui um precioso levantamento de dados,

inclusive nos periódicos da época.

Por fim, encontram-se alguns poucos autores com preocupações mais modernas e

metodologicamente mais sofisticados, como Mário de Andrade,14 José Ramos Tinhorão,15

Ary Vasconcelos,16 Francisco Curt Lange 17 e Gerard Béhague.18 No entanto, eles tendem a ser

mais músicos do que historiadores e, em nenhum deles, encontra-se uma abordagem da

História da Música no Brasil sintonizada com formas modernas de fazer-se história, como se

pode observar no trabalho de Eric Hobsbawn, 19 sobre o jazz, e nos de Henry Raynor,20 John

Rosselli21 ou Esteban Buch,22 no campo da música dita clássica. Raynor, por exemplo,

embora sem pretensões de realizar qualquer pesquisa original, trabalha a evolução da música

da Idade Média até Beethoven, reconstituindo o contexto econômico, social, político e

ideológico no qual surgiram as cinco gerações da família Bach, Handel, Haydn, Mozart,

Beethoven, e outros. Precisamente por não se ocupar do anedótico e lendário, apresenta esses

homens na sua dimensão humana, e por isso mesmo muito maior que a dos gênios míticos. E

como não podia deixar de ser em uma obra desse porte, os gêneros e estilos musicais, pela

temática e tratamento aparecem, afinal, articulados às variadas infra-estruturas em

transformação, desde o feudalismo até os inícios da era industrial.

14 Mário de Andrade. Aspectos da Música Brasileira. Belo Horizonte, Vila Rica Editora, 1991. 15 José Ramos TInhorão. Pequena História da Música Popular; da Modinha a Lambada. São Paulo, Art

Editora, 1991. 16 Ary Vasconcelos. Raízes da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Rio Fundo, 1991. 17 Francisco Curt Lange. “Vida y Muerte de Louis Moreau Gottschalk”. Revista de Estudos Musicales ,

Mendoza, ano II, nº 4 e 5, 1950. 18 Gérard Béhegue. Music in Latin America: an introduction. New Jersey, Englewood Clifs, 1980. e “Música

Mineira Colonial à Luz de Novos Manuscritos” Revista Barroco. N.º 3, Belo Horizonte, UFMG, 1971. 19 Eric Hobsbawn. História Social do Jazz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. 20 Henry Raynor. História Social da Música. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986. 21 John Rosselli. The Opera Business and the Italian Immigrant Community in Latin America 1820-1930: The

Example of Buenos Aires . Past & Present. Oxford, 127:155-82, May 1990; Music & Musicians, in nineteen century, Italy. Portland, Amadeus Press, 1991; Singers of Italian Opera. The history of a profession. Cambridge, Cambridge University Press, 1992.

22 Esteban Buch. La Nouvième de Beethoven: Une Histoire Politique. Paris, Galimard, 1999. Também, Mary Sue Morrow. Concert life in Haydn’s Vienna: aspects of a developing musical and social institution. New York, Pendragon Press, 1989.

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No caso de John Rosselli, além de escrever de forma muito agradável, faz uma história

da música baseada na história cultural, o que se evidencia, por exemplo, pela análise que

realiza do estereótipo do “povo italiano musical”. O foco de seu trabalha situa-se na música

italiana do século XIX, mas não deixa de compará- la com a situação no século XVIII e até

mesmo em boa parte do XX. Sutilmente, consegue articular a situação do artista, os gêneros

musicais, as atividades dos músicos com o ambiente político, econômico e social. No fundo,

ele consegue caracterizar o que se poderiam denominar de antigo regime musical, embora ele

não utilize o termo. Rosselli penetra o suficiente na sociedade italiana para mostrar as bases

sociais sobre as quais se desenvolveram as possibilidades de arte que tal sociedade

comportava. Em relação à música religiosa, por exemplo, faz uma retrospectiva de sua

importância desde o fim da idade média, passando pelo século XVIII e o tumultuado período

napoleônico, para alcançar o XIX, em que, sem desaparecer, assume um lugar cada vez mais

secundário. Apesar disso, habilmente consegue também mostrar como determinadas

instituições típicas desse antigo regime demoram a desaparecer, manifestando-se ainda no

século XX, pelo menos até a Segunda Guerra. O gradativo desvanecer da música religiosa, o

aparecimento da música militar e a afirmação da ópera como a música nacional italiana são os

pontos em que o autor alicerça o seu texto. A dicotomia entre folk music e art music e a

questão do nacionalismo italiano, principalmente na época da Unificação, são outros aspectos

importantes, em particular o último, pois, na Itália, o nacionalismo na música percorreu

caminhos diferentes daqueles trilhados na Alemanha, que se utilizou da música folclórica para

a afirmação de sua identidade cultural, enquanto na Itália é a ópera que se constrói e se afirma

como música nacional, ainda que em relação a um público diferente.

Já Estaban Buch trata justamente da música político/militar e suas implicações, causas

e conseqüências. Começando com o hino inglês God Save de King, passando pela

Marseillaise, depois pelo Hino do Imperador de Haydn e terminando com a 9ª Sinfonia de

Beethoven, Buch nos mostra como de diferentes maneiras a música política se faz presente e

serve como um dos símbolos de confirmação do poder político instituído. Seja em uma

revolução ou em uma monarquia.

A música latino-americana abrangida pela musicologia histórica ainda hoje privilegia

os aspectos nativos; aproximações etnomusicológicas e interdisciplinares com ênfase nos

aspectos étnicos continuam dominando as pesquisas neste campo. Dentro das preocupações

dos pesquisadores brasileiros, a herança africana tem atraído mais atenção, em detrimento do

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legado europeu. Quando a atenção é focada na música erudita, as atenções se voltam

principalmente para compositores de destaque, como Antonio Carlos Gomes (1836-1896) e

Heitor Villa-Lobos (1887-1959). A pesquisa em música colonial brasileira sofre por conta de

suas fontes primárias, lamentavelmente escassas e de extrema dificuldade de acesso. Não sem

razão, Régis Duprat colocou o titulo de Garimpo Musical23 em um de seus livros, estressado

pelas dificuldades encontradas nos arquivos brasileiros. Intensos estudos sobre o século XIX

são menos numerosos ainda. Entretanto, uma larga parte da herança musical imperial

sobrevive nas bibliotecas e arquivos públicos brasileiros.

Essa negligência em relação à música do Brasil novecentista contrasta com a

abundante e recente bibliografia que retoma questões sociais e literárias do século XIX

brasileiro. Se esses estudos feitos sobre a sociedade e sobre a literatura não inspiram estudos

semelhantes no campo da musicologia, eles provêem as bases para que sejam feitas

generalizações no caráter do fazer musical do século XIX brasileiro. Em particular, para esse

trabalho, o foco dos estudos se direciona para as formas do sistema de mecenato e para as

importações das idéias européias. Estudos explorando a copiosa referência à música nas

novelas românticas também dão uma ampla percepção do ambiente musical do Rio de Janeiro

no período.24

Fascinados pelo charme da burguesia francesa e vivendo à sombra do sistema

monárquico, algumas camadas sociais do Império saboreavam ópera e música moderna, como

as fantasias dos virtuosi e a música de câmara produzida em pequenas salas de concerto. A

vida musical do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX ecoava os precedentes

parisienses. Para os nacionalistas brasileiros, que buscam o significado de sua cultura nativa, a

irrelevância desse repertorio é clara: não passava de um produto orientado pelo gosto europeu,

assimilado por uma sociedade voltada para o exterior, como a economia de exportação sobre a

qual tinha sua base material. Isso fazia dela uma sociedade de imitação.

A presente pesquisa, a despeito dessas limitações, buscou explorar as principais

instituições do Império, que simbolizam não só o patronato musical, como também a vida

23 Régis Duprat. Garimpo Musical. São Paulo, Novas Metas, 1984. 24 Ver Batista Siqueira, Ficção e Música. Rio de Janeiro, Folha Carioca, 1980; ver também, José Ramos

Tinhorão, A Música popular no Romance Brasileiro. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1992; ver ainda Aleilton Santana da Fonseca, Enredo Romântico, música ao fundo. João Pessoa, Dissertação de Mestrado, UFPA, 1992. E ainda, João Roberto Faria. O teatro Realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo, Perspectiva/Editora da Universidade de São Paulo, 1993; e Idéias teatrais: o século XIX no Brasil. Perspectiva, FAPESP, 2001.

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musical dos concertos e da ópera, sem esquecer da atividade profissional dos músicos que

dela participaram no Rio de Janeiro do século XIX, a começar pela Capela Real/Imperial.

Seguindo as tradições da família real portuguesa, o príncipe regente D. João tinha uma

predileção especial pelo fausto nos ofícios religiosos e uma de suas primeiras iniciativas, ao

estabelecer a corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808, foi a criação da Capela Real

(Capítulo 1 e 2), agregada à Catedral, onde, em ofícios solenes, o número de executantes,

entre cantores e instrumentistas, chegou a cerca de 150. De fato, o príncipe-regente não

poupava dinheiro com a música de sua Capela, mandando até vir da Europa alguns castrati,

os primeiros a aportarem aqui. Ao pensar na enorme quantidade de festas religiosas,

comemorações familiares e políticas em torno da corte na América, pode-se ter uma idéia da

intensidade da vida musical que se criou a partir da Capela Real em uma cidade acanhada

como era o Rio de Janeiro em 1808.

Depois da Independência, transformada a Capela Real em Imperial, a instituição

entrou, porém, em fase de dificuldades crescentes, em virtude da péssima situação econômica

do país.25 Numerosos músicos chegaram a abandoná- la. Em 1831, a orquestra foi dissolvida

oficialmente, permanecendo apenas os cantores. De fato, no período regencial, a atividade

musical no seu interior quase se extinguiu. Com o segundo reinado, o papel da Capela volta a

adquirir uma certa importância, embora sem o mesmo brilho dos tempos do rei velho. Em

1842, com a nomeação de Francisco Manuel da Silva para seu mestre-compositor, ressurgiu a

orquestra (Capítulo 3). Es forçando-se para renovar o repertório, o maestro adaptou-o aos

novos tempos, fazendo O Mercantil de 1846 observar que as “ladainhas se converteram em

contradanças, as súplicas em árias jocosas, o Te Deum em música de folia ... Saia do teatro,

entrai na igreja, a diferença é nenhuma.”26 A partir de 1865, com a morte do compositor do

Hino Nacional, a trajetória da Capela acompanha a crise do Império, tornando-se cada vez

menos relevante (Capítulo 8).

Embora não se possa desconsiderar a atividade musical religiosa desde o século

XVIII, indicada pela criação das Irmandades de Santa Cecília, não só no Rio como em

diferentes províncias, e também por todo o esforço das irmandades para abrilhantar suas

festividades, a importância da Capela Real/Imperial para este estudo reside no fato de que ela

constitui a primeira instituição de atividade musical sistemática na cidade, com o apoio do

25 Petição encaminhada ao Ministério dos Negócios do Império em 1828, assinada por todos os músicos,

pedindo a regularização de seus ordenados. Arquivo Nacional, cx, 12, pac. 1, doc. 1(5). 26 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo...

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poder público. Sua documentação, conservada no Arquivo Nacional, traz dados referentes às

suas atividades miúdas, como nomeações, dispensas, recibos de pagamentos, roteiros, agenda

e programas dos principais eventos musicais, que permitem mapear a atividade musical ali

desenvolvida no período de 1808 a 1889.

No fundo, as ligações da música com a religião, que transparecem das atividades da

Capela Real na época de D. João, indicam o lugar da música como uma atividade ainda

acessória ao culto, como era adequado a uma sociedade de Antigo Regime. Pelo contrário, a

partir da Independência, em um crescente processo de secularização da sociedade brasileira,

constata-se que a música começa a autonomizar-se também como uma forma de arte, à

medida que se torna objeto de consumo por parte de uma reduzida, mas presente, camada

social intermediária, que a considera, como a literatura e as artes plásticas, um bem cultural

mercantilizado. Fruto da prosperidade trazida pela expansão do café, no início do segundo

reinado, expandiu-se a vida urbana, sobretudo a do Rio de Janeiro, sede da corte.

Paralelamente, a importação de modelos europeus e dos ideais de civilização refletiram-se em

um crescente distanciamento, ao menos por parte das elites, das antigas formas de

sociabilidade herdadas do período colonial. No lugar das festas populares de rua, em que

diversos segmentos sociais misturavam-se inevitavelmente em torno da celebração dos

eventos do calendário litúrgico, foi paulatinamente se afirmando a preferência, para os grupos

privilegiados, pelos círculos privados de convivência, como os clubes, os teatros e os salões.

Nesses novos ambientes, a música adquiriu uma nova finalidade, separando-se do culto e

adquirindo as características de um bem cultural mercantilizado, que oferecia remuneração

para os seus praticantes, mas que também lhes exigia uma formação mais aprimorada. Além

disso, em sintonia com o que faziam os escritores e pintores, passava a ser importante

desenvolver uma cultura musical própria, com raízes na nação que surgia.

Já em 1833, Francisco Manuel da Silva, figura central na atividade musical do Rio de

Janeiro no século XIX, fora o responsáve l por uma instituição muito significativa, a

Sociedade Beneficência Musical, que substituiu as irmandades de Santa Cecília como

instrumento beneficente para os músicos, através dos recursos arrecadados nos concertos

públicos que promovia, tornando-se a responsável pela atuação de virtuoses vindos do

exterior e pela promoção de músicos locais. Após a crise das regências, a necessidade de

consolidar a nação exigiu, como é bem conhecido, o surgimento de diversas instituições,

como o Colégio Pedro II, o Arquivo Nacional e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

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Na medida que, no início do segundo reinado, as artes adquiriram um papel nesse processo,

nada mais natural do que estender também essa preocupação àquelas escolas a elas dedicadas,

como o Conserva tório Dramático e a Escola de Belas Artes. Assim, o Conservatório de

Música foi inaugurado no Rio de Janeiro em 1848 por Francisco Manoel da Silva, em um

salão do Museu Nacional, no Campo da Aclamação, hoje Praça da República (Capítulo 3).

Sua proposta era a de fornecer uma educação musical ligada diretamente aos interesses do

Estado, preocupado com a formação da nação, que não podia prescindir de músicos para

integrar o seleto grupo de países civilizados, como se depreende do discurso do fundador:

por ser a cultura musical útil, moral, e necessária, é que Nações mais ilustradas do século em que vivemos tem-se esmerado em estabelecer Conservatórios, tendentes a propagar e conservar a arte em toda a sua pureza, cônscia de que as instituições humanas devem ter por base a moralidade, e que as belas artes são essencialmente morais, porque tornam o indivíduo que as cultiva mais feliz e melhor cidadão.27

Por conseguinte, com a criação da Sociedade Beneficente e do Conservatório,

começou a organizar-se, entre 1840 e 1860, uma vida musical autônoma no Rio de Janeiro,

que tinha por alvo uma reduzida elite privilegiada e que estava associada a um sentimento

cada vez mais explícito de nacionalidade, semelhante ao que ocorria com a literatura e as artes

plásticas nesse momento, articulado, por sua vez, à necessidade de definir uma nação. Apesar

do período conturbado, há indícios de que durante a década de 1830 surgiram as primeiras

tentativas de organização de concertos públicos, marcadas sempre, porém, pela falta de

continuidade e a pequena abrangência do público (Capítulos 5 e 6). Em 1834, alguns artistas e

amadores, à frente dos quais, mais uma vez, estava Francisco Manuel da Silva, como regente,

fundaram a Sociedade Filarmônica, cuja vida se estenderia pelos 18 anos seguintes. O

repertório consistia, principalmente, de trechos de óperas, em sua grande maioria extraídos de

obras estrangeiras. Aos poucos foi aumentando também o número de outras sociedades com

fins não musicais, que passaram a promover concertos, em um dos quais foi executada, pela

primeira vez no Rio de Janeiro uma sinfonia de Beethoven, a Quinta. Um anúncio do concerto

no Correio das Modas (1839) advertia:

Lembrai-vos brasileiros, que o concerto é dado pela Assembléia Estrangeira, cujos sócios estão convencidos do que disse F. Denis, que o brasileiro é naturalmente músico e poeta. Não desmintais esta asserção que vos cobre de honra, já que o homem

27 Andrely Quintella de Paola. & Helenita Bueno Gonzales. Escola de Música da Universidade Federal do

Rio de Janeiro: História & Arquitetura. Rio de Janeiro, UFRJ, SR5, 1998.

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perde a sua essência e é uma verdadeira fera logo que despreza a música. Ide, ide ao concerto, que tereis uma noite cheia.28

Na segunda metade do século XIX, o movimento prosseguiu e novas sociedades

apareceram com finalidades exclusivamente musicais, como a Sociedade Phil’Euterpe e a

Sociedade Campezina, na década de 1860; o Club Mozart, criado em 1867, com a finalidade

de cultivar a música vocal e instrumental e proporcionar ensino de música aos associados; o

Club Beethoven, fundado em 1882, que teve como bibliotecário Machado de Assis; e a

Sociedade de Concertos Clássicos, em 1883. Tais associações sugerem que a música, junto

com a arte dramática, passava a integrar a vida social de parte da elite, tendendo a adquirir as

característica de um negócio, embora ainda muito incipiente, de que foram os teatros o

principal meio possibilitador (Capítulos 5 e 9).

Na realidade, a criação de um espaço novo, distante da rua, para a sociabilidade da

‘boa sociedade’, teve início efetivo com o estabelecimento da corte em 1808, mas foi no

segundo reinado que a atividade dos teatros se expandiu, chegando ao ponto de tornar-se uma

constante da sociedade carioca. Foram os teatros São João e São Pedro de Alcântara que

centralizaram grande parte da história da música no Rio de Janeiro oitocentista, e, em

especial, da produção operística (Capítulo 4). A ópera, nesse período, é um espetáculo ligado

à nobreza e à alta burguesia, esboçando-se como “o passatempo de gente escolhida”29 e

simbolizando e validando o poder que esses grupos sociais detinham por intermédio do

regime monárquico.30 Além disso, envolveu alguns empresários destacados, como Manoel

Luis Ferreira, nos tempos do marquês do Lavradio, Fernando José de Portugal e Castro, o

“Fernandinho”, durante a permanência de D. João, e, no segundo reinado, José Amat, de

origem espanhola, que tentou introduzir as zarzuelas e participou da primeira companhia de

ópera nacional.

Na realidade, as iniciativas do governo em relação às atividades musicais estavam

quase que totalmente voltadas para a ópera. Dessa forma, fazia-se necessária a iniciativa

particular para que concertos pudessem ser realizados. Nesse sentido, é novamente Francisco

Manuel da Silva quem se encontra como um dos principais articuladores dessa atividade, cuja

culminância encontra-se nas visitas feitas por músicos conhecidos como virtuoses em seus

instrumentos (Capítulo 7). Tal fato incrementou bastante a atividade dos concertos,

28 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo... 29 A Actualidade, 12 de fevereiro de 1859.

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despertando o interesse do imperador Pedro II, um conhecido incentivador da cultura.31 No

Rio de Janeiro, o seu aparecimento se dá na década de 1830. Daí em diante, os virtuoses

tornaram-se cada vez mais numerosos. Predominam, inicialmente, os violinistas, entre eles

alguns brasileiros. Os pianistas começam a afluir em maior número na segunda metade do

século. Marcou época, em 1855, a chegada de Sigismond Thalberg , contemporâneo e rival de

Franz Liszt. Em 1857, faz a sua primeira visita o pianista e compositor português Arthur

Napoleão, e, em 1859, radicou-se no Rio o flautista belga M. A. Reichert32. Quatro anos

depois, retornava Thalberg para uma segunda visita. Finalmente, em 1869, foi a vez do

pianista e compositor norte-americano Louis Morreau Gottschalk.

Ao longo desse processo, se é abundante a documentação em torno das figuras

importantes do período, como José Maurício Nunes Garcia, Francisco Manoel da Silva, Louis

Moreau Gottschalk e Carlos Gomes, entre outros, permitindo situá- los não apenas em função

de suas trajetórias biográficas, como é usual fazer-se, mas também relacionando-os ao campo,

no sentido de Pierre Bourdieu, que a cidade do Rio de Janeiro foi desenvolvendo para a vida

musical no século XIX, muito mais difícil foi identificar dados sobre a atividade dos músicos,

com freqüência anônimos, que asseguravam a realização dos espetáculos. Nessa direção,

infelizmente, a investigação das atividade das bandas militares, já que esse trabalho permitia

uma outra fonte de renda, talvez mais estável, sendo conhecido o fato de que grande parte dos

músicos brasileiros, quando não eram vinculados à alguma ordem religiosa, possuíam uma

patente militar, tampouco pôde acrescentar maiores detalhes.

Não obstante, da Capela Real e da ópera de corte até o sucesso dos virtuoses, passando

pelas sociedades musicais, o Conservatório e a ópera nacional, não se pode dizer que o Rio de

Janeiro do século XIX não tenha conhecido uma vida musical. Estudada apenas em suas

linhas gerais, graças a alguns trabalhos pioneiros, como o de Ayres de Andrade, ela ainda

aguarda um exame mais aprofundado. Um exame, sobretudo, que seja capaz de analisar e

discutir os nexos entre esse esboço de campo musical e a peculiar sociedade aristocrática em

um país escravista que foi se consolidando no período. Fornecer novos elementos nessa

direção é, pelo menos parcialmente, a proposta desta tese.

30 Vanda L. Bellard Freire. Rio de Janeiro, século XIX – cidade da ópera. Rio de Janeiro, Dissertação de

Mestrado, Escola de Música da UFRJ, 1994. 31 Maria Walda de Aragão Araújo. (org.) Dom Pedro II e a Cultura. Rio de Janeiro, Publicações Históricas. 1ª

Série, 82, Arquivo Nacional, 1977. 32 Odette Ernest Dias. Mathieu-André Reichert: um flautista belga na Corte do Rio de Janeiro. Brasília,

Universidade de Brasília, 1990.

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CAPÍTULO 1:

A MÚSICA NA IGREJA DO ESTADO

Mantida a religião católica como religião oficial do Brasil pela Constituição de 1824,

foi a instituição do padroado, herança portuguesa, que regeu as relações entre a Igreja e o

Estado no Brasil durante todo o período de existência da Capela Real/Imperial do Rio de

Janeiro, ou seja, de 1808 a 1889.

Em linhas muito gerais, o padroado foi um sistema pelo qual a Igreja reconhecia uma

pessoa ou instituição como patrono de um determinado território, para que ali assegurasse a

manutenção do culto e a propagação da fé cristã. Em troca dessas obrigações, a Igreja

concedia ao padroeiro a prerrogativa de coletar em seu proveito os dízimos, um dos mais

importantes impostos dos Tempos Modernos, e a de indicar certos religiosos para ocuparem

postos na hierarquia eclesiástica local. Ao padroado estava ainda associado, com freqüência, o

beneplácito, ou seja, “a exigência de que o monarca aprovasse previamente as normas e

determinações da Santa Sé que se destinassem ao reino”.1

Em Portugal, a instituição surgiu em função das lutas contra os mouros na baixa Idade

Média. No século XV, o infante D. Henrique (1394-1460) obteve o padroado dos territórios

ultramarinos que estavam sendo descobertos na costa da África para a Ordem de Cristo,

constituída a partir dos bens da extinta Ordem dos Templários e da qual era o administrador.

Evidenciam-se, assim, as estreitas relações do padroado português com a Coroa, à qual

acabou efetivamente incorporado em 1551, por decisão do papa (1550-1555) Júlio III. Aliás,

desde 1532, o rei (1521-1557) D. João III criara a Mesa da Consciência, uma espécie de

conselho régio para administrar os assuntos religiosos. Em 1551, com a incorporação das

questões relativas não só à Ordem de Cristo, mas também das Ordens Militares de Santiago e

de São Bento de Avis, ela passou a denominar-se Mesa da Consciência e Ordens. Cabia- lhe

propor ao soberano medidas relacionadas ao culto no ultramar – inclusive no Brasil, com o

início da colonização – tais como a construção e manutenção das igrejas, a criação de novas

paróquias, a nomeação de vigários e a definição de sua remuneração, a chamada côngrua –

despesas que deviam correr por conta da arrecadação proporcionada pelos dízimos. Tal

situação colocava os bispos à mercê da Mesa da Consciência e Ordens e situava o monarca,

1 Guilherme Pereira das Neves. Padroado. In, Ronaldo Vainfas (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-

1808). Rio de Janeiro, Objetiva, 2000, p. 466.

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em verdade, na posição de verdadeiro chefe da Igreja em Portugal, cujas determinações

apenas eram encaminhadas à Santa Sé para confirmação. Isso traduziu-se numa constante

política da Coroa portuguesa, conhecida como regalismo, de associar os interesses religiosos

aos da monarquia, num movimento que se acentuou ainda mais após o período do marquês de

Pombal (1750-1777) como homem forte de D. José I.

No Brasil, o padroado imprimiu características peculiares à Igreja. Em primeiro lugar,

nos séculos iniciais da colonização, de modo a evitar um dispêndio excessivo da arrecadação

dos dízimos, a Coroa deixou as tarefas de cristianização do novo território nas mãos das

ordens regulares, diretamente dependentes de Roma, como beneditinos, carmelitas,

franciscanos e, sobretudo, dos jesuítas. Essa relativa autonomia da Igreja na colônia, porém,

foi severamente reduzida a partir do período pombalino, com a expulsão da Companhia de

Jesus, em 1759, e a adoção de medidas que limitaram em muito a atuação do clero regular. A

partir de então, as tarefas religiosas couberam cada vez mais aos padres seculares,

subordinados à Mesa da Consciência e Ordens e, em última análise, ao soberano, embora

sempre faltassem recursos para fazê-lo. Como resultado, a Igreja na América portuguesa ao

final do período colonial dispunha de uma estrutura muito precária, constituída por apenas

sete bispados, duas prelazias (Mato Grosso e Goiás) e cerca de 600 paróquias para atender a

uma população na casa de três e meio milhões de almas, dispersas por um território imenso.

Em segundo lugar, como expressão desse regalismo, o padroado contribuiu para que a

vida religiosa no Brasil, durante todo o período colonial e até fins do século XIX, fosse

sustentada em larga medida pelos leigos reunidos em associações religiosas.

Essa desvinculação quase total com relação à Santa Sé permitiu que a Igreja do Brasil assumisse durante o período colonial características próprias bastante distintas das Igrejas européias, onde em geral se enfatizou a praxe sacramental e conseqüentemente o clericalismo, passando o leigo a ocupar uma posição totalmente passiva em contraposição à valorização do leigo na Reforma Protestante. No Brasil Colonial, ao invés, a presença leiga continua bastante acentuada mediante a participação nas confrarias religiosas (irmandades e ordens terceiras) e predomina o aspecto devocional, que se expressa através das romarias, das promessas e ex-votos, das procissões e festas dedicadas aos santos, com caráter eminentemente social e popular.2

Na realidade, seria mais pertinente considerar a situação religiosa do Brasil colonial e

imperial como semelhante à européia anteriormente à implementação efetiva de uma devoção

moderna por efeito das Reformas, tanto a protestante, quanto a católica, elaborada pelo

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Concílio de Trento (1545-1563), como mostrou Peter Burke.3 De qualquer modo, no entanto,

o que importa é que a religião conservou na América portuguesa um caráter fortemente

tradicional, próxima a práticas mágicas e a supertições, pouco regulamentada pela ação de um

clero formado de maneira precária e que pouco se distinguia de seus fiéis nos

comportamentos e nas atitudes. Em grande parte como efeito do controle exercido sobre as

atividades da Igreja pelo sistema do padroado, regido pelos princípios regalistas da Coroa.4

Após a Independência, o padroado foi oficialmente confirmado no Brasil pela

Constituição de 1824, na qual o §2 do Artigo 102 enumerava como uma das funções do

soberano “nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos”. No §14 do mesmo Artigo,

pode-se ler, ainda, como prerrogativa do imperador, a tarefa de “conceder ou negar o

Beneplácito aos Decretos dos Concílios e Mitras Apostólicas e quaisquer outras Constituições

Eclesiásticas, que se não opuserem à Constituição”.5 É nesse sentido que a compreensão do

padroado e do funcionamento da Igreja no Brasil mostra-se fundamental para que se entenda

o conflito instaurado entre os religiosos brasileiros e portugueses quando da criação da Capela

Real do Rio de Janeiro, em 1808.

A Organização Musical da Capela

A principal autoridade religiosa local, o bispo, exerce o seu poder ordinário em uma

diocese, ou seja, o território que está sob sua responsabilidade religiosa e que é a ele atribuído

pela Santa Sé, embora no mundo português, ele fosse indicado ao papa pelo rei. A

abrangência de uma diocese é determinada pelo número de paróquias (denominadas com

freqüência de freguesias) que a compõem, com o clero respectivo que deve obediência ao

bispo, não sendo necessariamente a mesma dos limites geográficos das circunscrições civis e

podendo abranger um território considerável, como foi o caso das dioceses coloniais. As

dioceses subordinam-se, por uma espécie de deferência, àquela que lhes deu origem, a qual

passa a ser, por sua vez, uma arquidiocese, como a da Bahia, a primeira a ser criada no Brasil,

por isso chamada de primaz. A vida religiosa de uma diocese se organiza a partir de sua

catedral, a principal igreja e lugar onde o prelado exerce a sua cátedra (cadeira) em relação às

2 Riolando Azzi, p. 171, Apud, André Cardoso. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro 1808 – 1889 . Tese

de Doutorado, Rio de Janeiro, Uni-Rio, 2001. 3 P. Burke. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo, Cia das Letras, 1989. 4 Cf. Guilherme Pereira das Neves. E Receberá Mercê, a Mesa da Consciência e Ordens e o Clero Secular no

Brasil (1808-1828). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1997. 5 Adriano Campanhole. Todas as Constituições do Brasil. 2ª ed. São Paulo, Ed. Atlas, 1976, p. 534.

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igrejas matrizes de cada paróquia, cada qual com suas diversas igrejas filiais. Segundo o padre

José Augusto Alegria, “as catedrais se chamam sés por serem a sede ou assento do bispo.

Nelas o culto seria celebrado com solenidade maior do que em qualquer outra igreja, servindo

de paradigma ou lição para todo o espaço religioso de uma diocese.”6 As atividades de uma

catedral eram mantidas através da presença de uma série de dignidades, ocupadas por

cônegos,7 sujeitos a uma regra canônica à imitação da prática litúrgica da Regra de São

Bento,8 que constituem o cabido. Este, estabelecido pelo Concílio de Constança (1414-1418),

tem por atribuição não só a adequada preparação da liturgia como também as tarefas

administrativas relativas à manutenção do prédio (massa) e das alfaias.9 Na ausência do

bispo, era o cabido que assumia o governo do bispado.10

As dignidades de um cabido formavam ainda uma espécie de hierarquia interna com

funções específicas. Os Estatutos da Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro previam várias

delas, fornecendo a Tabela nº 1 uma idéia, em comparação com as catedrais de outras

dioceses do Brasil, não só do tipo e do número de dignidades que integravam a Capela

Imperial como do gasto que isso representava em 1858.

6 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música nas Sés de Portugal. Lisboa, Ministério da Educação,

1985, p. 14. 7 Clérigo é o cristão fiel que pela Prima Tousara é destinado a exercer funções divinas. Pe. José Lourenço.

Dicionário da Doutrina Católica. Porto, Tipografia Guedes, 1945, p. 56. 8 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música… , p. 15. 9 Alfaias, objetos usados nos actos do culto religioso, tais como, o cális, a patena, a custódia, os paramentos

etc. Pe. José Lourenço. Dicionário da Doutrina Católica. Porto, Tipografia Guedes, 1945, p. 4 10 Pe. José Lourenço. Dicionário da Doutrina Católica. Porto, Tipografia Guedes, 1945, p. 80.

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17

Tabela nº 1: GASTOS ANUAIS COM OS CABIDOS DAS CATEDRAIS DO BRASIL EM 1858

Dignidades e demais cargos

Capela Imperial RJ

Catedral de São Paulo

Catedral da Bahia

Catedral de São Luís

Catedral de Olinda

Catedral de Belém

Catedral de Mariana

Monsenhor 6x 1:800$000

Deão 1:100$000 1:100$000 1:100$000

Arcediago 1:100$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:100$000 1:100$000

Cõnego Prebendado 16x 1:200$000 10x 800$000 9x 800$000 12x 800$000 9x 800$000 14x 800$000 10x 800$000

Cônego Meia Prebenda 4x 600$000 4x 600$000

Mestre de Capela 2x 1:000$000 500$000 600$000 500$000

Organista 2x 600$000 500$000 350$000 350$000 350$000 350$000 350$000

Capelão Cantor 16x 700$000 10x 300$000 10x 300$000 18x 300$000 8x 300$000 4x 300$000 9x 300$000

Capelão Regente 2x 100$000

Capelão Mestre 200$000

Chantre 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000 1:000$000

Sub-Chantre e Mestre 490$000 300$000 250$000 250$000 1:000$000 400$000

Moços do Coro 6x 150$000 6x 150$000 6x 150$000 4x 150$000 10x 150$000 4x 150$000

Músicos 5x 240$000

TOTAL 44:800$000 15:490$000 17:850$000 19:600$000 19:200$000 17:800$000 14:150$000

Fonte: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (doravante ANRJ), Casa Real e Imperial, Capela Imperial, cx. 15, doc. 9.

Obs: os números seguidos de “x” indicam o número de posições existentes para uma dignidade ou cargo.

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18

Como se faz na documentação da Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro, utiliza-se

aqui o termo capela para designar, primeiramente, o grupo de religiosos que formavam a

igreja particular do Príncipe Regente D. João, depois D. João VI (1816), e dos imperadores do

Brasil, sediado na Igreja do Carmo do centro da cidade, próxima ao Paço, na atual Praça XV

de Novembro. Em segundo lugar, o de capela musical para designar um grupo de músicos,

cantores e instrumentistas, que, colocados num espaço próprio, sobre a entrada da igreja,

executavam o repertório sacro não-gregoriano. Os músicos instrumentistas dessa capela

musical são também designados como orquestra. Já para aludir aos músicos cantores,

emprega-se o termo coro de cima, com a finalidade de distingui- los dos capelães cantores,

cujo grupo é referido como coro de baixo, disposto perto do altar, em lugar reservado entre o

presbitério e os fiéis. Já a palavra coro, designa, indistintamente, o lugar de atuação do coro

de baixo e do coro de cima.

O canto gregoriano, assim chamado por que em grande parte codificado pelo papa

(590-604) Gregório I, é responsabilidade do chantre, ou mestre-de-coro (de baixo), o mais

alto posto de um cabido responsável por alguma atividade de ordem musical. O padre Alegria

define chantre (do latim cantor) como aquele religioso que “deveria superintender na matéria

importante do canto, ensinando-o por si ou por outrem a quem pagava para o efeito”.11 Já o

padre Jaime Diniz afirma que o chantre significava o mesmo que mestre de coro, ou seja, “um

escolhido gregorianista”.12

Na Capela Real e Imperial, o chantre era denominado de capelão regente e não

acumulava essas funções com as de mestre. Para o ensino do gregoriano, havia o capelão

mestre, a ele subordinado. O coro, dirigido pelo chantre ou capelão regente, era formado pelos

capelães cantores, religiosos adestrados na execução do canto gregoriano, que formavam,

como dito acima, o coro de baixo. O coro era disposto em um cadeiral, cujos lugares eram

ocupados de acordo com a dignidade correspondente e dividia-se em dois grupos: um à

direita, outro à esquerda, da nave, um de frente para o outro.

Segundo padre Diniz, as funções de chantre eram sempre exercidas por um religioso e

distinguia-se daquela de mestre-de-capela, que poderia ser um músico religioso ou leigo.

Enquanto o chantre cuidava da parte em gregoriano da celebração, ao mestre-de-capela cabia

a regência da capela musical, ou seja, o grupo de músicos que eram responsáveis pela música

11 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música… , p. 16. 12 Pe Jaime Cavalcanti Diniz. Mestres de Capela da Misericórdia da Bahia, 1647-1810. Salvador, Editora da

UFBA, 1993, p. 17.

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“polifônica”.13 Sob sua responsabilidade, por conseguinte, estavam todos os músicos, cantores

e instrumentistas que formavam o coro de cima.

Cabe aqui, igualmente, uma definição de dois termos bastante utilizados no Brasil

durante os séculos XVIII e XIX, e que têm causado discordâncias em suas definições. Trata-

se de cantochão e de canto d’órgão. No entendimento do padre Alegria:

Cantochão é vocábulo de raiz latina − cantus planus (...) É o canto próprio da Igreja de Roma e que de Roma se propagou a toda a Europa do Ocidente. É a música litúrgica por excelência, conhecida por Canto Gregoriano ou, mais expressivamente, como lhe chamou Paulo Diácono, Romana Cantilena.14

Já para o canto d’órgão, padre Alegria diz que, “ao contrário do que o nome insinua,

nada tem a ver com o instrumento da mesma designação. É o termo de uso ibérico cujo

significado aparece em todos os tratados da Arte”.15 Apresentando definições de tratadistas

dos séculos XVI e XVII, como frei João Bermudo e padre Antônio Fernandes, Alegria

conclui que canto d’órgão pode ser definido como “música de estante, de atril ou de facistol”,

correspondendo “à música polifônica também chamada Multiforme ou Mensural, assim se

distinguindo do Cantochão que é música Uniforme”.16 Pode-se definir canto d’órgão,

portanto, como qualquer outra música executada na cerimônia religiosa que não seja

gregoriano, fosse ela em estilo polifônico ou não.

A música de canto d’órgão era responsabilidade do mestre-de-capela e podia ser a

cappella ou com acompanhamento de órgão, orquestra ou outros instrumentos, com a função

de fazer o baixo, como fagotes, violoncelos e contrabaixos.17

Interessante notar que, depois da Capela Imperial, como indica a Tabela nº 1, era a

Catedral de São Luís onde se fazia o maior gasto para pagamento do pessoal necessário para a

manutenção do culto, sendo seguida pelas Catedrais de Olinda, Bahia, Belém do Pará, São

Paulo e, por fim, a de Mariana. Relativamente aos gastos exclusivos com a música, porém, a

ordem mudava (ver a Tabela nº 2). O Maranhão continuava com o segundo posto, seguido

por São Paulo, Bahia, Belém do Pará, Olinda e Mariana. No entanto, em termos percentuais, a

13 Pe Jaime Cavalcanti Diniz. Mestres de Capela da Misericórdia da Bahia ..., p. 22. 14 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música… , p. 33. 15 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música… , p. 33. 16 José Augusto Alegria. O Ensino e Prática da Música… , p. 34. 17 O repertório para vozes com acompanhamento de instrumentos, com função evidente de reforçar o baixo

vocal e manter o diapasão do conjunto, é referido por alguns autores como “de cappella”. (Cleofe Person de Mattos. A obra "a capella" do Padre José Mauricio Nunes Garcia. In José Mauricio Nunes Garcia, Obras Corais . Rio de Janeiro, Associação de Canto Coral, 1976, p. 12). Ver Cláudio Antônio Esteves, A obra vocal "de capella" de Padre José Mauricio Nunes Garcia, seis edições e seus elementos de escrita . Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 2000.

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situação era diferente, destacando-se São Paulo (41% dos gastos com a música) e São Luís

(40%), ficando a Capela do Rio de Janeiro (33%) apenas à frente de Belém (31%) e Olinda

(27%).

Tabela nº 2: GASTOS COM A MÚSICA POR CABIDO EM 1858

Cabido Gastos Totais Percentual Com a Música Percentual Bahia 17:850$000 12% 6:150$000 35% RJ (Capela Imperial) 44:800$000 30% 14:800$000 33% Olinda 19:200$000 13% 5:100$000 27% Belém 17:800$000 12% 5:500$000 31% São Luís 19:600$000 13% 7:900$000 40% Mariana 14:150$000 10% 5:050$000 36% São Paulo 15:490$000 10% 6:390$000 41% Total 148:890$000 100% 50:890$000 34%

Fonte: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (doravante ANRJ), Casa Real e Imperial, Capela Imperial, cx. 15, doc. 9.

Nas catedrais, as diversas cerimônias que formam a liturgia católica são dispostas no

calendário do Ano Litúrgico, que vem a ser a “celebração anual dos principais Mistérios da

vida de Nosso Senhor Jesus Cristo e das Festas dos Santos, estabelecida e ordenada pela Santa

Igreja.” No calendário litúrgico, as datas das festas estão fixadas de acordo com os dias e

meses do ano civil. Entretanto, o início e fim do calendário litúrgico diferenciam-se do ano

civil “pelo fato de começar no I Domingo do Advento e de acabar no Sábado que segue ao

último Domingo depois de Pentecostes.”

As cerimônias que compõem o calendário litúrgico foram hierarquizadas em diferentes

classes ou ordem “em razão da dignidade do objecto celebrado”.18 Essa hierarquização foi

estabelecida a partir da revisão do calendário medieval que, segundo John Harper, constituiu

uma das “mais radicais conseqüências da reforma Tridentina”.19 A antiga liturgia medieval foi

revista durante o Concílio de Trento e muitas cerimônias acabaram suprimidas ou

reorganizadas. A partir dessa reforma, as festas ficaram classificadas de acordo com a

seguinte ordem:

1ª Ordem – Festas do Senhor (incluindo as da Cruz, a da Paixão e a da Dedicação);

2ª Ordem – Festa da Santíssima Virgem;

18 Dom Antônio Coelho., p. 376. Apud. André Cardoso. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro 1808 –

1889. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro, Uni-Rio, 2001. 19 John Harper. The forms and orders of western liturgy from the tenth to the eighteenth century. Nova York,

Oxford University Press, 1991, p. 157.

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3ª Ordem – Festa dos Santos Anjos;

4ª Ordem – Festa de São João Batista;

5ª Ordem – Festa de São José;

6ª Ordem – Festa dos Apóstolos e Evangelistas;

7ª Ordem – Festa dos outros santos, sem distinção, por que, do ponto de vista da

precedência do ofício, são todos da mesma dignidade.20

As cerimônias na Capela Real e Imperial eram divididas, inicialmente, não em sete,

mas em quatro diferentes ordens, cuja hierarquia era estabelecida de acordo com sua

importância no calendário litúrgico e cívico.21 Durante o Império, em função dos direitos de

padroado, o soberano podia incluir ou retirar datas do calendário e também diminuir o número

de ordens. Cada grupo de cerimônias contava com formações musicais diversas, cujo número

de músicos variava de acordo com a sua importância ou, segundo Ayres de Andrade, “a

música entrava no ato religioso em maior ou menor proporção de acordo com a ordem em que

se enquadrava”.22

Um documento de época traz a explicação. Trata-se de uma resposta do inspetor da

Capela Imperial, monsenhor Manoel Joaquim da Silva, em 1849, para a solicitação do

Ministério do Império de uma relação das “festas annuaes em que a música de cantores e

instrumentistas apparece na Capella Imperial.” A diferença entre o número de ordens, das

quatro estabelecidas pelos Estatutos para as três citadas no documento, decorria das

“reduccções, que se fizerão por duas vezes”:

há na Capella Imperial tres graduações, ou Ordens de Festas, em que funciona a Musica: nas de primeira Ordem sempre funcciona a Musica toda; nas de segunda algumas vezes, trabalhando pela maior parte a musica vocal accompanhada pelo Órgão, contrabaixos, e fagotes: e nas de terceiro só uma vez funciona a musica toda: estas solemnidades fazem-se com a Musica vocal com o simples acompanhamento de órgão, contrabaixos e fagotes.23

A “música toda” a que se refere o monsenhor é, na verdade, aquela das solenidades em

que há participação de coro e orquestra. O conjunto das cerimônias, segundo os Estatutos da

Capela Real, está apresentado na Tabela nº 3.

20 Dom Antônio Coelho., p. 376. Apud. André Cardoso. A Capela Real e Imperial... 21 Estatutos da Capela Real/Imperial. Ref. 108619. 22 Ayres de Andrade. Francisco Manuel...., p. 27. 23 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 03 doc. 305 (1849).

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Tabela nº 3: CERIMÔNIAS DA CAPELA REAL EM 1809

CERIMÔNIA DIA ORDEM 1. Circuncisão 1º de Janeiro 2ª 2. Epifania 6 de Janeiro 1ª 3. Santos Mártires do Marrocos 16 de Janeiro 4ª 4. São Sebastião 20 de Janeiro 1ª 5. Desposórios de Nossa Senhora 23 de Janeiro 4ª 6. Oitavo dia de São Sebastião 27 de Janeiro 4ª 7. Morte do último Prelado 28 de Janeiro 3ª 8. Santíssimo Nome de Jesus 2º Domingo após a Epifania 4ª 9. Purificação de Nossa Senhora 2 de Fevereiro 2ª 10. São Matias 24 de Fevereiro 4ª 11. Quarta-Feira de Cinzas 2ª 12. Os 5 Domingos da Quaresma 40 dias antes da Páscoa 4ª 13. Cinco Chagas de Cristo 1ª sexta-feira da Quaresma 4ª 14. Chegada da Família Real 7 de Março 2ª 15. Sagração do Prelado atual 15 de Março 3ª 16. Patriarca São José 19 de Março 3ª 17. São Bento e Ordem de Aviz 21 de Março 2ª 18. Santíssimo Sacramento 24 de Março 2ª 19. N. S. da Anunciação 25 de Março 2ª 20. Domingo de Ramos 2ª 21. Quinta-Feira Santa 1ª 22. Sexta-Feira Santa 2ª 23. Sábado Santo 2ª 24. Domingo de Páscoa 1ª 25. Ascensão do Senhor 2ª 26. Sete Dores de Nossa Senhora Sexta após o Domingo da Paixão 4ª 27. Duas Oitavas da Páscoa 2ª 28. Fuga para o Egito 4º Domingo de Abril 4ª 29. São Marcos Evangelista 25 de abril 4ª 30. São Felipe e São Tiago Menor 1º de Maio 4ª 31. Invenção da Santa Cruz 3 de Maio 4ª 32. Maternidade de N. Senhora 1º Domingo de Maio 4ª 33. Santíssima Trindade 3ª 34. Duas Oitavas de Pentecostes 2ª 35. Domingo de Pentecostes 50 dias após a Páscoa 1ª 36. Corpo de Deus 2ª 37. Santo Antônio 13 de Junho 3ª 38. São João Batista 24 de Junho 2ª

CERIMÔNIA DIA ORDEM

39. São Pedro e São Paulo 29 de Junho 1ª 40. Pureza de Nossa Senhora Último domingo de Junho 4ª 41. Visitação de Nossa Senhora 2 de Julho 4ª 42. Santa Isabel 4 de Julho 3ª

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43. N. S. do Carmo 16 de Julho 1ª 44. Anjo Custódio do Reino 3º Domingo de Julho 4ª 45. Santiago Maior 25 de Julho 3ª 46. Santana 1º Domingo após 25 de Julho 3ª 47. N. S. das Neves 5 de Agosto 4ª 48. Transfiguração de Cristo 6 de Agosto 4ª 49. São Lourenço 10 de Agosto 4ª 50. Assunção de Nossa Senhora 15 de Agosto 1ª 51. São Joaquim 1º Domingo após 15 de Agosto 3ª 52. São Bartolomeu 24 de Agosto 4ª 53. Natividade de Nossa Senhora 8 de Setembro 3ª 54. Santa Cruz e Ordem de Cristo 14 de Setembro 2ª 55. Santíssimo Nome de Maria 1º Domingo após 8 de Setembro 4ª 56. São Januário 19 de Setembro 4ª 57. São Mateus 21 de Setembro 4ª 58. N. S. das Mercês 24 de Setembro 4ª 59. São Miguel 29 de Setembro 4ª 60. São Francisco de Borja 10 de Outubro 2ª 61. Santíssimo Rosário 1º Domingo de Outubro 4ª 62. Patrocínio de São José 2º e 3º Domingo de Outubro 4ª 63. São Lucas 18 de Outubro 4ª 64. São Pedro de Alcântara 19 de Outubro 4ª 65. Santa Iria 20 de Outubro 4ª 66. Santa Úrsula 21 de Outubro 4ª 67. São Simão 28 de Outubro 4ª 68. Finados 2ª 69. Todos os Santos 1 de Novembro 2ª 70. Patrocínio de Nossa Senhora 1º Domingo após 8 de Novembro 4ª 71. Apresentação de N. Senhora 21 de Novembro 4ª 72. Santo André 30 de Novembro 4ª 73. Oitavas de Natal 3ª 74. Os 5 Domingos do Advento 4ª 75. Conceição de Nossa Senhora 8 de Dezembro 1ª 76. Expectação de Nossa Senhora 18 de Dezembro 4ª 77. São Tomé 21 de Dezembro 4ª 78. Natal 25 de Dezembro 1ª 79. São Silvestre 31 de Dezembro 4ª 80. Domingo da Quadragésima 3ª 81. Prazeres de Nossa Senhora 4ª

Fonte: Estatutos da Sancta Igreja Cathedral e Capella do Rio de Janeiro, p. 33-36.

A partir do §8 do Título 6º dos Estatutos da Capela Real, pode-se ter uma idéia mais

exata de como a música era distribuída pelas cerimônias, de acordo com a sua ordem.

A solemnidade destes dias, além da concurrencia de todos os Ministros consiste principalmente na forma de celebrar a Missa; a qual será de Pontifical nos dias da

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Primeira e Segunda Ordem; será cantada por Dignidade Mitrada nos dias da Terceira Ordem; e pelo Conego Hebdomadário nos da Quarta Ordem. Consiste também a solemnidade nas diferenças de cantoria; por quanto nos dias da Primeira Ordem será todo Officio cantado, com Vesperas e Matinas de Muzica, e Tercia acompanhada a Orgão, quando celebrar o Prelado; nos dias de Segunda Ordem será igualmente todo o Officio cantado mas só primeiras e segundas Vesperas de Muzica; nos dias de Terceira Ordem será cantado o Offício somente desde o Hymno = Te Deum = até Tercia inclusivamente; Missa de Muzica, com primeiras e segundas Vesperas de Muzica, e Completas cantadas; nos dias de Quarta Ordem se observará o mesmo que nos de Terceira, excepto a Missa, que será cantochão figurado e as Vesperas cantadas. E ultimamente se adverte que deverão ser cantadas as Vesperas e Completas em todos os Domingos e dias Sanctos do anno.24

O Estado, em função dos deveres de padroado, era o responsável pelo sustento de toda

essa atividade religiosa, e o número de dias de trabalho na Capela foi paulatinamente sendo

reduzido. Foram eliminadas todas as cerimônias de 4ª ordem, ficando, apenas, três ordens. Do

total de 81 dias de atividades, em 1809, as celebrações na Capela Imperial baixaram para 36

dias por ano em 1849, com um total de 63 cerimônias anuais. Ainda segundo explicação do

inspetor da Capela, monsenhor Manoel Joaquim da Silveira, no mesmo documento de 6 de

novembro de 1849, citado anteriormente, “a música toda funcciona 38 vezes por anno, ou em

38 actos diferentes e distinctos, e [...] a musica propriamente da Capella, a de vozes com

acompanhamento de baixos, 25 vezes”, conforme pode ser verificado na Tabela nº 4.

24 Estatutos da Sancta Igreja Cathedral e Capella do Rio de Janeiro, p. 33/36 - BN II-34,17,27.

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Tabela nº 4: A MÚSICA NAS CERIMÔNIAS DA CAPELA REAL EM 1849

CERIMÔNIA DIA/MÊS OFÍCIO ORDEM 1. Circuncisão 01/01 Missa de 3ª vozes e bx 2. Epifania 06/01 Missa Pontificial, Vésperas e Matinas de 1ª completo 3. São Sebastião 20/01 Missa Pontificial, Vésperas e Matinas de 1ª completo 4. Purificação de N. Senhora 02/02 Missa de 3ª completo 5. Quarta-Feira de Cinzas Missa de 2ª vozes e bx 6. Sagração do Prelado 15/03 Missa de 3ª vozes e bx 7. Patriarca São José 19/03 Missa de 3ª vozes e bx 8. Santíssimo Sacramento 24/03 Missa de 2ª e Vésperas de 2ª vozes e bx

9. N. Sra. da Anunciação 25/03 Te Deum Missa de 2ª e Vésperas de 2ª

completo vozes e bx

10. Domingo de Ramos Missa de 2ª vozes e bx

11. Quinta-Feira Santa Missa Pontificial de 1ª Matinas de 2ª

completo vozes e bx

12. Sexta-Feira Santa Missa de 2ª e Matinas de 2ª vozes e bx

13. Sábado Santo Missa Pontificial de 2ª Matinas de 2ª

completo vozes e bx

14. Domingo de Páscoa Missa Pontificial de 1ª completo 15. Ascensão do Senhor Missa de 2ª e Vésperas de 2ª vozes e bx 16. Abertura das Câmaras 01/05 Missa Pontificial de 2ª completo 17. Domingo de Pentecostes 50 dias após a Páscoa Missa Pontificial; Vésperas e Matinas de 1ª completo

18. Corpo de Deus Missa de 2ª Vésperas de 2ª

completo vozes e bx

19. Santo Antônio 13/06 Missa de 3ª vozes e bx 20. São Pedro e São Paulo 29/06 Missa Pontificial, Vésperas e Matinas 1ª completo 21. N. Sra. do Carmo 16/07 Missa Pontificial, Vésperas e Matinas de 1ª completo 22. Santana 1º Domingo após 25/07 Missa de 3ª vozes e bx 23. Assunção de N. Sra. 15/08 Missa Pontificial, Vésperas e Matinas de 1ª completo

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Tabela nº 4 (cont.)

CERIMÔNIA DIA/MÊS OFÍCIO ORDEM 24. Independência do Brasil 07/09 Te Deum completo 25. Natividade de N. Sra. 08/09 Missa de 3ª vozes e bx 26. São Pedro de Alcântara 19/10 Missa Pontificial de 2ª completo 27. Finados Missa de 2ª e Matinas de 2ª vozes e bx 28. Todos os Santos 01/11 Missa de 2ª e Vésperas de 2ª vozes e bx 29. Patrocínio de N. Sra. 1º Domingo após 08/11 Missa de 3ª vozes e bx 30. 01/12 Missa Pontifical de 2ª completo 31. Aniversário de D. Pedro II 02/12 Te Deum completo 32. Conceição de N. Sra. 08/12 Missa Pontifical, Vésperas e Matinas de 1ª completo 33. Natal 25/12 Missa Pontifical, Vésperas e Matinas de 1ª completo 34. São Silvestre 31/12 Te Deum completo 35. Eleições Te Deum e Missa de 2ª completo 36. Ofício da Corporação Missa de 3ª vozes e bx

Fonte: ANRJ, Casa Real e Imperial, Capela Imperial, cx. 13, pac. 03, doc. 305 (1849).

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A Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro

A fundação da cidade do Rio de Janeiro data de 1º de março de 1565. Seu primeiro

templo religioso, “uma construção modesta, de paredes de barro e coberta de sapé”,25 foi

construído por Estácio de Sá entre os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão, local onde se

instalaram os fundadores e primeiros habitantes da cidade. Anos mais tarde, o foco principal

do povoamento transferiu-se para o Morro de São Sebastião, posteriormente chamado Morro

do Castelo, em que seria erguida, durante o segundo governo de Salvador de Sá, a primeira

matriz da cidade, a igreja de São Sebastião, concluída em 1583.26 Nela, sob responsabilidade

do padre Bartolomeu Simões Pereira, ficou estabelecida a sede da Prelazia do Rio de Janeiro,

criada em 1575.27 Até então, os assuntos religiosos do Rio de Janeiro eram da jurisdição do

bispado de Salvador.

Em 1676, a bula Romani Pontificis Pastoralis Sollicitudo, do Papa Inocêncio XI, criou

o Bispado do Rio de Janeiro, sendo, em conseqüência, elevada à condição de catedral a igreja

matriz de São Sebastião.28 No entanto, já no século XVII, o foco principal de povoamento da

cidade foi deixando de ser o alto do Morro do Castelo. Em um relato sobre sua permanência

no Rio de Janeiro, em 1649, o viajante e poeta inglês Richard Flecknoe (1600?−1678) diz que

“a cidade antiga, como testemunham as ruínas das casas e a igreja grande, fora construída

sobre um morro. Contudo, as exigências do comércio e do transporte de mercadorias fizeram

com que ela fosse gradativamente transferida para a planície”.29 Com a expansão da

população para as partes mais baixas da cidade, o Morro do Castelo “tornou-se solitário; pois,

excetuando-se os jesuítas e os cônegos, poucos indivíduos galgavam as ladeiras íngremes e

extensas dessa montanha”.30 A primeira catedral da cidade, que mostrava “em sua construção

o gosto jesuítico”,31 foi, aos poucos, perdendo sua freqüência, apesar da irmandade de Nossa

Senhora do Rosário nela estar instituída desde antes de 1631.32

25 Vivaldo Coaracy. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, José Olympio, 1965, p. 27. 26 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades . Rio

de Janeiro, Brasiliana, 1969, 3ª ed. p. 77. 27 Noronha Santos. Notas. In Luiz Gonçalves dos Santos. Memórias para servir à história do Reino do Brasil.

Belo Horizonte, Itatiaia/São Paulo, EDUSP, 1981, v. I, p. 67. 28 O manuscrito original dessa bula encontra-se no Arquivo da Torre do Tombo de Lisboa. 29 Jean Marcel Carvalho França. Visões do Rio de Janeiro Colonial, antologia de textos (1531-1800). Rio de

Janeiro, Ed. UERJ/José Olympio, 1999, p. 36. 30 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história..., p. 77. 31 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história..., p. 174. 32 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história..., p. 79.

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A dificuldade de acesso e o estado precário em que se encontrava a Igreja de São

Sebastião foram determinantes para a transferência do cabido e a escolha de outra igreja para

servir de catedral ao Rio de Janeiro.33 Começou, assim, a longa peregrinação do cabido do

Rio de Janeiro, em busca de abrigo em igrejas alheias. Em 1702, através de carta, o bispo D.

Francisco de S. Jerônimo solicitou ao rei de Portugal a transferência da catedral para a capela

de São José, antiga ermida construída nos primeiros anos do século XVII, e para qual já

haviam sido transferidos o sacrário e a pia batismal, de acordo com correspondência trocada

entre o prelado Manuel de Souza e Almada e o Senado da Câmara, em 1659.34

A Carta Régia de 13 de março de 1703 requisitou ao Senado da Câmara um orçamento

para a construção de uma nova Catedral para a cidade, que seria levantada de acordo com

projeto feito em Lisboa, pelo padre Francisco Tinoco, e com esmolas dadas pelo povo, devido

“ao mau estado das finanças do Reino”.35 A demora na definição da transferência ou

construção da catedral levou o cabido a realizar os atos religiosos, mesmo sem autorização, na

igreja de Santa Cruz dos Militares a partir de 1705. Apesar dos protestos da respectiva

irmandade, o cabido instalou-se oficialmente nessa igreja através do Alvará de 30 de setembro

de 1733 e, “transferida a Catedral para a Igreja da Cruz, foram para ali removidos em 1734 o

sacrário e a pia, que estavam na Ermida de S. José há mais de setenta anos”.36

Por pouco mais de três anos permaneceu o cabido na igreja da Santa Cruz dos

Militares. As constantes pendências entre o cabido e a irmandade, assim como as más

condições da igreja determinaram uma nova troca, acontecida em 1º de agosto de 1737,

quando resolveram os cônegos ocupar a igreja do Rosário, sendo recebidos “a custo de

notável desprazer.”37 A irmandade mantenedora da igreja do Rosário era a mesma que, muitos

anos antes, estando instalada na Igreja de São Sebastião, abandonou a antiga catedral do

Morro do Castelo e mandou construir seu próprio templo. A saída deu-se em virtude das

propinas que o cabido cobrava para os atos que a irmandade mandava celebrar, além de exigir

pagamento pelas sepulturas de seus confrades. Não satisfeita com tal situação, a irmandade

33 A Igreja de São Sebastião desapareceu em 1922 com a derrubada do Morro do Castelo. Sobre o assunto, ver

José Antônio Nonato & Nubia Melhem Santos. Era uma vez o Morro do Castelo. Rio de Janeiro, IPHAN, 2000.

34 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história..., p. 211. 35 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua história..., p. 78. 36 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro, sua ..., p. 213. 37 José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, INL, 1945,

v. 6, p. 50.

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requereu licença para a edificação de sua própria igreja e nela instalou-se em 1736. Vendo sua

recém-construída igreja ser invadida pelo cabido,

a Irmandade começou a resistir-lhes e representou ao Rei que, em resposta, enviou a Provisão de 3 de outubro de 1739 ordenando que se conservasse interinamente na Igreja do Rosário o Cabido e Catedral, enquanto se fazia nova Sé, para cuja obra recomendava de novo se escolhesse sítio próprio onde se executasse, sem ser na Igreja dos prêtos, por não ser decente que o mesmo prelado e o Cabido estivessem celebrando os ofícios divinos em uma igreja emprestada, e de mistura com os prêtos.38

Tal interinidade, entretanto, durou setenta anos e dez meses. As obras da nova Sé, que

seria levantada no atual Largo de São Francisco, financiada através de esmolas e doações de

fiéis, continuaram arrastando-se por muitos anos e jamais seriam concluídas. O material a ser

usado para a conclusão da obra acabou desviado para a construção do Real Teatro São João

(inaugurado em 1813), fato que “mereceu da tradição popular a lenda de que seus [do teatro]

dois incêndios (de 1823 e de 1851) eram o castigo da Providência pelo uso indevido das

pedras da nova Sé”.39 Anos mais tarde, no terreno destinado à catedral, foi edificada a

Academia Militar, depois Escola Nacional de Engenharia e atual Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais da UFRJ.

Vários relatos sobre aquela que seria a nova Catedral aparecem nas notas dos viajantes

estrangeiros que passaram pelo Rio de Janeiro durante todo o século XVIII. Em 1748, o abbé

René Courte de La Blanchardière dizia que

a catedral fica distante do bispado: é chamada Capela do Rosário. O Rei de Portugal ordenara a construção de um edifício grande e amplo, do lado do convento dos jesuítas, para abrigar a nova sé, mas até o momento só as fundações estão prontas.40

Muitos anos depois, outro viajante, o espanhol Juan Francisco de Aguirre (1756-1811), faz

ver que a situação, passados trinta e quatro anos, ou seja, em 1782, era absolutamente a

mesma.

Quando da fundação do Rio de Janeiro, optou-se por construir a catedral no morro do Castelo, situado na extremidade sul da cidade. Contudo, como a urbe cresceu pela planície, a freqüentação dessa igreja tornou-se difícil. O Rei ordenou, então, que se erguesse uma outra catedral na parte oeste. Esse novo templo promete ser uma obra de grande envergadura, isso se for concluído, já que os trabalhos estão

38 José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias históricas ... 39 Donato Mello Júnior. A Catedral que o Rio de Janeiro não chegou a ter - o primeiro projeto e a construção de

uma nova Sé, iniciada e abandonada por falta de recursos. In Revista de Cultura do Pará, ano 6, nº 24 e 25, julho/dezembro de 1976. Belém, Conselho Estadual de Cultura, p. 36.

40 Jean Marcel Carvalho França. Visões do Rio de Janeiro Colonial..., p. 92.

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parados há muitos anos. Atualmente, serve de sé a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, igreja modesta e freqüentada por negros; indigna, pois, de tamanha distinção. Trata -se, porém, de solução provisória, enquanto se espera a retomada dos trabalhos de construção referidos.41

Alguns anos mais tarde, em 1796, um outro relato mostra que as obras para a construção da

nova catedral tinham sido temporariamente retomadas. O inglês James Wilson (1760-1814),

capitão do navio “Duff”, que transportava pregadores ingleses da London Missionary Society

para as ilhas do Pacífico e que fez curta estada de oito dias no Rio de Janeiro, conta o seguinte

em A Missionary Voyage to the Southern Pacific, publicado em Londres, em 1799: “Durante

a nossa permanência na cidade, uma nova catedral estava sendo construída. Uma multidão de

escravos, assistida por alguns jovens provenientes de famílias opulentas, levantava uma vasta

estrutura sobre um terreno arenoso.”42

A Música e o Cabido da Catedral do Rio de Janeiro

Mesmo antes de tornar-se catedral, a música já estava presente nas cerimônias

religiosas da igreja de São Sebastião. Através da carta ânua do padre Luís Barbalho de

Araújo, dirigida ao reitor geral da Companhia de Jesus, em Roma, datada de 21 de dezembro

de 1621 e referente ao ano de 1620, dispõe-se das primeiras informações sobre as atividades

musicais na igreja de São Sebastião. Tais registros tratam das comemorações em torno da

beatificação do padre Francisco Xavier.

O Bispo, que tinha um especial apreço pelo bem-aventurado padre e sempre demonstrara grande simpatia pela Companhia, não mediu esforços para expressar sua alegria. A festa que promoveu em sua igreja superou todas as demais da cidade. (...) No dia da festa ele celebrou a véspera, que contou com uma música excelente, executada por três coros de vozes e instrumentos, e terminou com uma procissão.43

O bispo a que se refere o relato devia ser o prelado Mateus da Costa Aborim, a maior

autoridade eclesiástica da cidade, nomeado em 2 de outubro de 1607, cuja atuação à frente da

prelazia estendeu-se até 1629.44 Informação igualmente importante é a presença, já na

segunda década do século XVII, de instrumentos acompanhando as vozes durante a liturgia,

provavelmente um órgão e mais alguns com a função de baixo, embora não seja possível

saber quais eram.

41 Jean Marcel Carvalho França. Visões do Rio de Janeiro Colonial..., p. 153. 42 Jean Marcel Carvalho França. Visões do Rio de Janeiro Colonial..., p. 240. 43 Jean Marcel Carvalho França. Outras visões do Rio de Janeiro colonial, antologia de textos (1582-1808). Rio

de Janeiro, José Olympio Editora, 2000, p. 46. 44 Vivaldo Coaracy. O Rio de Janeiro no século 17. v. 6. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1965,

p. 26-27, Coleção Rio 4 séculos.

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Não há registros dos nomes dos mestres-de-capela da igreja de São Sebastião nos anos

seguintes. A precariedade das condições musicais na cidade é indicada por um documento do

século XVIII, descoberto na Biblioteca Nacional de Lisboa por Robert Stevenson.

ele credita o Licenciado Jorge Fernandes da Fonseca como sendo o cidadão que, na ausência de um mestre-de-capela devidamente nomeado, arranjou para que seus dois filhos subissem em duas plataformas decoradas com fitas de seda e flores, de onde o seu canto ‘parecia trazer os céus à terra’.45

As primeiras referências surgem apenas em meados do século XVII, como pode ser

comprovado pelo termo de nomeação, em 7 de junho de 1645, do padre Cosme Ramos de

Morais como mestre-de-capela da igreja matriz, segundo documentos da Chancelaria da

Ordem de Cristo, conservados na Torre do Tombo, em Lisboa, e pesquisados por Mauricio

Dottori. A nomeação aconteceu

por hora estar vago o cargo de mestre de capela da igreja matriz de São Sebastião do Rio de Janeiro, dessa dita cidade e suas anexas, por haver muitos anos que não tem proprietário e seu salário foi fixado assim como até agora o houve e como houveram os Mestres de capela seus antecessores.46

De acordo com uma carta de apresentação de 10 de fevereiro de 1653, Cosme Ramos

de Morais foi substituído pelo padre Manoel da Fonseca “por hora estar vaguo o cargo de

mestre de capella da igreja matriz dessa dita cidade e suas anexas e de todo seu distrito e

recôncavo, por deixação que delle faz o padre Cosme Ramos de Morais, último possuidor que

delle foi.”47 Fonseca passou então a acumular os dois principais postos de música religiosa no

Rio de Janeiro do século XVII, pois já era mestre da igreja de Nossa Senhora da Candelária,

cargo que assumira por nomeação do rei (1640-1656) D. João IV, em 14 de novembro de

1645:

Dom João, por graça de Deus Rey de Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além mar, em África senhor da Guiné, e da conquista, navegação, comércio da Ethiopia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc., como governador e perpétuo administrador que sou do mestrado, cavalaria e ordem de nosso Senhor Jesus Cristo, faço saber a vós, Doutor Antônio de Mariz Loureiro, administrador da jurisdição eclesiástica da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e mais as capitanias de sua repartição, que por hora estar vaguo o ofício de mestre da Capella da Igreja de Nossa Senhora

45 Robert Stevenson. Some Portuguese sources for early Brasilian music history. In Yearbook , v. IV-1968, p. 1-

43, publicação do Instituto Inter-Americano de Pesquisa Musical da Tulane University; New Orleans, p. 37. O documento “credits Licenciado Jorge Fernandes da Fonseca with being the citizen who in the absence of a duly apointed chapelmaster arranged for his own sons to mount two silk lined floats strewn with branches and flowers, where their singing ‘seemed to bring down heaven to earth’”.

46 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro colonial In. Revista Música, v. 7, nº 1-2, maio/novembro de 1996, p. 37-46, p. 39.

47 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro, p.40.

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da Candelária da mesma cidade e pella nomeação [e] boa informação, que me deste do padre Manoel da Fonseca, clérigo do hábito de São Pedro, de sua suficiência, vida e costumes. Hey por bem e praz nelle aprezentalo, que o servirá como cumpre ao serviço de Deus e meu; e, vos encomendo e mando, lhe deis a posse do dito ofício e lho deixeis servir e delle usar, e com o dito ofício haverá o mantimento a elle ordenado e as provisões e precalços, que lhe diretamente pertencerem e esta se cumprirá, sendo passada pela chancelaria da ordem. Nicolau de Carvalho a fez, em Lisboa, aos quatorze de novembro de seiscentos e quarenta e cinco.48

Nessas circunstâncias, o padre Manoel da Fonseca passou a exercer as atividades

musicais religiosas na cidade praticamente com exclusividade.49 Essa espécie de reserva de

mercado, porém, criou algumas querelas entre ele, que cobrava caro pelos seus serviços, e a

irmandade do Corpo Santo da igreja de Santa Cruz, que se queixou ao Príncipe Regente de

Portugal, D. Pedro, em 1679 – ou seja, quando já se criara o bispado – de seus abusos,

recebendo a seguinte resposta:

Eu, o Príncipe, etc., como Regente e Governador, etc., faço saber, que havendo consideração ao que por sua petição me representaram os irmãos da Irmandade do Corpo Santo, sita na Igreja de Santa Crux da Capitania do Rio de Janeiro, em razão de nas celebridades e festas que se fazem naquela cidade haver somente hum mestre da capella, que por ser só não consente que outrem levante o compasso em nenhuma igreja, e quando lhe vão fallar para assistir nas festas querer paguarse com tanto excesso que muitos se queixam de fazer na dita igreja, o que he em deserviço do culto Divino e devoção dos fiéis, que a esta concorrem com suas esmolias, por ser Irmandade pobre de forasteiros, que só vivem de sua navegação. Hei por bem e me praz conceder licença aos ditos irmãos, que havendo músico na dita Igreja, possa este levantar o compasso e fazer as festas nella com os que chamar, e não havendo na dita Igreja, levantará o compasso qualquer outra pessoas que os Mordomos elegerem, nas quais festas, que assim fizerem se não poderá intrometer o mestre da capella, nem impedir-lhas, e este meu alvará se cumpra e guarde, como nele se contém, que valerá como carta posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno, sem embargo de qualquer Provizão ou Regimento em contrário e se cumprirá. Sendo passado pella Chancelaria da Ordem. Antônio de Oliveira de Carvalho o fez, em Lisboa, aos dezanove dias do mês de Novembro de mil e seiscentos e setenta e nove annos.50

Segundo Maurício Dottori, o sistema de arrematação, ou seja, a prática de contratação

de músicos pelas câmaras e irmandades religiosas durante o século XVIII em Minas Gerais

em uma espécie de concorrência pública, “teria tido origem nesta atitude, transmitida do Rio

48 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro, p. 38 e 39. 49 A esses dois músicos Curt Lange referiu-se dizendo que, do primeiro, não foi mencionada a Igreja, mas deve

ter sido a Matriz. O segundo foi provido, ao que parece, no cargo de Mestre de Capela de Nossa Senhora da Candelária em 1645. Francisco Curt Lange. A organização musical durante o período colonial brasileiro. In Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros , v. 4. Coimbra, 1966, p. 36.

50 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro colonial, p. 40 e 41.

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de Janeiro às Minas Gerais, quando faziam parte do mesmo bispado, antes da criação do

Bispado de Mariana, em 1747 [sic]”.51

Embora criado o bispado do Rio de Janeiro em 1676, como indicado acima, o corpo

capitular, no entanto, somente foi organizado em 1685 por D. José de Barros Alarcão, o

primeiro bispo efetivo da cidade, que empossou sete cônegos em 1686.52 Incluíam cinco

dignidades, mais um mestre-de-capela, um organista e quatro moços de coro, formação que

permaneceu pelo menos até 1689.53

O salário do mestre-de-capela era de quarenta mil réis por ano, como se pode ler em

carta enviada pelo procurador da Fazenda Real da Capitania do Rio de Janeiro, Luis Lopes

Pegado, ao Conselho Ultramarino, na qual afirma que “ao Mestre da Capella se lhe mandava

dar quarenta mil réis por ano e o Bispo cobrava de pensão dele cento e dez mil reis”.54

Segundo Régis Duprat,

a pensão de que se fala, cobrada ao mestre-de-capela, seria a licença, ou parte dela, cobrada pelo mestre ao autorizar os músicos independentes a fazerem música nas festas das outras paróquias que não a Sé e/ou das irmandades em geral. O produto dessas taxas devia reverter em benefício do serviço da música no templo principal da cidade, compensando os baixos salários pagos pela Fazenda Real ao mestre-de-capela da Sé.55

Outra função musical na catedral, o cargo de chantre, responsável pelo coro

gregoriano, foi criada em 20 de janeiro de 1685 por D. Pedro II com a posse no cargo do

padre João Pimenta de Carvalho, com salário de 80$000 reis por ano. Seus sucessores foram o

padre Manoel Vieira Neves, empossado em 1º de janeiro de 1694, e Manoel de Andrade

Varneque [sic], que assumiu o posto em 18 de dezembro de 1727.56 Este último chantre

aparece citado como Dr. Manoel de Andrade Vernek, em data posterior a 1757, como o

51 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro colonial, p. 42. A criação

do Bispado de Mariana data de 1745. 52 Noronha Santos. Notas. In Gonçalves dos Santos. Memórias para servir..., v. I, p. 67. O fato de D. José de

Barros Alarcão vir citado muitas vezes como "segundo bispo" deve-se ao fato de o Frei Manuel Pereira, Provincial da Ordem dos Pregadores e Inquisidor da Mesa Grande, ter sido o primeiro a ser nomeado, embora não tenha assumido efetivamente, conservando-se em Lisboa e renunciando ao Bispado em 1680. Ver Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro..., p. 410.

53 Joaquim M. de Macedo. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Garnier, 1991, p. 221. 54 Régis Duprat. O estanco da música no Brasil colonial. In Art 008 Revista da Escola de Música e Artes

Cênicas da UFBA . Agosto de 1983, p. 4. 55 Régis Duprat. O estanco da música..., p. 4 e 5. 56 Mauricio Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro colonial, p. 42.

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décimo primeiro vigário da Igreja de Vila Boa na Capitania de Goyaz, segundo relato do

padre Luiz Antônio da Silva e Souza em O Descobrimento da Capitania de Goyaz.57

A partir da criação do coro gregoriano da catedral, formado exclusivamente por

padres, outras igrejas também criaram coros para as funções litúrgicas cantadas em

cantochão.

o coro da Igreja da Candelária foi o terceiro que se fundou no Rio de Janeiro. Correspondeu o primeiro à Igreja Catedral criado em 1685 e o segundo na Igreja da Misericórdia onde foi estabelecido em 1704. Depois do Coro da Candelária, o quarto veio a ser inaugurado na Igreja de São Pedro, em 1764. 58

Não se conhece o sucessor do padre Manoel da Fonseca como mestre-de-capela da

catedral do Rio de Janeiro, datando as referências seguintes ao cargo já do século XVIII. Em

1704, uma nova questão surgiu com relação à exclusividade do mestre da Sé “levantar o

compasso” em procissões e outras solenidades religiosas. Em documento encaminhado ao rei,

os irmãos da Misericórdia do Rio de Janeiro reclamaram “acerca do Bispo d'aquella Capitania

os perturbar e inquietar dos privilégios que lhe foram concedidos (...) e mandar prender do seu

Mestre de Capella [da Misericórdia] por levantar o compasso na procissão dos finados”. Eis o

relato da pendênc ia e a resposta do procurador da Coroa.

Que como entre o Reverendo Bispo do Rio de Janeiro, e irmãos da Misericórdia se ventilão alguns pontos de jurisdicção, lhe mandara notificar o Reverendo Bispo o seu Mestre de Capella, para que na procissão dos finados não levantasse o compasso, mas o Mestre de Capella da Sé, e porque o da Mizericordia o fizera, o mandara prender e suspender das ordens com um ano de degredo para a nova Colônia e dez cruzados de condenação; que este procedimento do Reverendo Bispo fôra notoriamente incivil, porque não constava estivesse n'esta posse, mas a Irmandade da Misericórdia em cujas procissões não podia mandar, nem o Mestre da Capella lhe devia obedecer por não ser aquelle acto da sua jurisdicção, mas dos irmãos da Misericordia, e esta da immediata protecção de Vossa Magestade (...), a que se lhe fazia, perturbando-a em seus louvaveis costumes e estranhando ao Reverendo Bispo este procedimento para que o fizesse suspender e cessar o escandalo, que n'elle resultara naquella cidade. (...) Aos Desembargadores Miguel Nunes de Mesquita e José de Freit Serrao lhes parece que Vossa Magestade deve mandar escrever ao Bispo do Rio de Janeiro que obrou nullamente em mandar impedir ao Mestre da Capella da Misericordia que levantasse o compasso na procissão dos finados (...) e que Vossa Magestade terá grande desprazer se em outra

57 Padre Luiz Antônio da Silva Souza. O descobrimento da Capitania de Goyaz. Goiania, Universidade de

Goiás, 1967. (original − in Revista do IHGB. Rio de Janeiro, 1849). 58 Francisco Curt Lange. Pesquisas esporádicas de musicologia no Rio de Janeiro (A Irmandade do Santissimo

Sacramento da Igreja da Candelária). Iin Revista do Instituto de Estudos Brasileiros nº 4. São Paulo, USP, 1968, p. 110.

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semelhante materia se houver de intrometer em querer encontrar os privilégios e isenção da Mizericordia. Lisboa 23 de setembro de 1704.59

À época, era D. Francisco de São Jerônimo o bispo do Rio de Janeiro, mas desconhece-se,

entretanto, os nomes dos mestres-de-capela, seja o da catedral, seja o da igreja da

Misericórdia.60

Em 1733, assumiu o lugar de mestre-de-capela da catedral do Rio de Janeiro Antônio

Nunes de Siqueira, cuja atividade será examinada no item seguinte. Por outro lado, foi por

essa época que a Sé se instalou na igreja do Rosário, provocando inúmeras divergências entre

a irmandade e o cabido. Elas incluíram também constantes atritos em relação à música

praticada no interior da igreja. Através de Provisão Régia de 25 de junho de 1742, D. João V

garantiu aos irmãos do Rosário o direito de fazer a música das festas da irmandade com seus

próprios músicos.

Faço saber aos que esta minha provisão virem que atendendo ao que me representaram o juiz e mais irmãos da confraria de N. Sra. do Rosário dos homens pretos do Rio de Janeiro sobre terem edificado à sua custa uma Igreja suntuosa e das melhores que tem a cidade (...) e pela ocasião de se arruinar a Catedral da mesma cidade fui servido que por empréstimo interinamente fossem o Cabido e cônegos assistir na dita Igreja do Rosário (...) e porque entre eles e o dito Cabido tem havido vários pleitos (...) e o mestre da Capela da Sé lhes impedir que usem de música de fora da mesma Sé, e não ser justo que eles na sua igreja deixem de chamar para as festas dela os músicos que lhes parecer (...): Hei por bem assim ordenar como o dito juiz e mais irmãos de N. S. do Rosário me pedem, concedendo-lhes faculdade para que na dita sua igreja possam celebrar os ofícios divinos com as pessoas que eles nomearam, e poderem chamar os músicos que elegerem para suas festividades com assistência do mestre de capela da Sé para lhes fazer o compasso, visto a isto não terem dúvida, e mando a quem o cumprimento desta pertencer, cumpra e guarde esta minha provisão, e faça cumprir e guardar como nela se contém.61

A provisão de D. João V não foi, ao que parece, porém, suficiente para pôr fim às

constantes divergências entre o mestre-de-capela da Sé e a irmandade do Rosário, pois em

1746 aparecia uma nova queixa do juiz e dos irmãos do Rosário tendo como motivo a prática

da música na igreja que servia de catedral. O protesto da irmandade ao Conselho Ultramarino

relata os “vexames e abusos praticados pelo Cabido desde que se transferira para a sua

egreja”, e afirma que disso “se seguio hum geral escandalo com as opressões, de que se

queixão os suplicantes, de que o Cabido lhes impede o livre exercício da suas festas,

59 Consultas do Conselho Ultramarino de Lisboa sobre o Brasil − 1699-1731. In Revista do Arquivo Municipal,

v. IV, 1897, p. 400. 60 Vivaldo Coaracy. Memórias da cidade..., p. 237. 61 Ayres de Andrade. Francisco Manuel..., v. I, p. 14/15.

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sujeitando-os ao mestre da Capella da Sé para o compasso e eleição dos muzicos.”62 Ao bispo

do Rio de Janeiro foi reiterada a ordem de que

com toda a brevidade satisfaça ao que se tem recomendado aos seus antecessores a respeito da escolha do sítio para a nova Cathedral, remessa de planta e configuração do terreno e orçamento da despeza, advertindo aos Capitulares, que ainda no pouco tempo que mediar até se praticar esta translação deixem aos supplicantes o uso da Igreja e o exercício das suas festas livres, sem alguma das referidas oppressões.63

Em 1760, segundo Cleofe Person de Mattos, ocupava o posto de mestre-de-capela da

Sé do Rio de Janeiro o padre Gervásio da Santíssima Trindade Machado, que pode ter sido

nomeado alguns anos antes como sucessor do padre Antônio Nunes de Siqueira.64

Provavelmente, trata-se do mesmo personagem mencionado por Maria Lucia Queiroz dos

Santos com o nome de Fr. Manuel da Santíssima Trindade, que o considera natural de Lisboa,

monge beneditino e falecido em 21 de março de 1776, sendo sepultado no mosteiro de sua

ordem no Rio de Janeiro. Segundo a autora, ele “sustentava sua família com o lucro de suas

Ordens e das músicas que fazia, enquanto foi mestre da Capela da Sé, por provisão do bispo

D. Fr. Antônio do Desterro”.65 De fato, frei Antônio do Desterro Malheiros (1694-1773) foi

confirmado bispo da cidade em 1745, tendo tomado posse em 11 de dezembro de 1746.66

Assim, as datas de sua atuação como mestre-de-capela da catedral também são coincidentes,

pois, em 1770, viria a assumir o posto o padre João Lopes Ferreira.

Este último, por sua vez, ordenado em 1755, foi o antecessor do padre José Maurício

Nunes Garcia no mestrado da catedral do Rio de Janeiro, da qual foi capelão-cantor a partir de

1763, até assumir o posto de mestre em 1770. Foi igualmente membro do coro da igreja da

Candelária “com obrigação de cantar missa em semanas alternadas” e da igreja de Santa

Luzia.67 Além disso, foi membro atuante da irmandade de São Pedro dos Clérigos não só

como músico, mas ocupando ainda postos administrativos. Entre 1782 e 1783, foi seu 1º

Diretor, sendo, posteriormente, eleito para o lugar de secretário, chegando a provedor em

1784, tendo pago, para tal, uma esmola de 80$000 réis.68 A sua atuação como músico pode

62 Anais da Biblioteca Nacional v. 46, p. 507. 63 Anais da Biblioteca Nacional v. 46, p. 507. 64 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia – biografia. Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca

Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996, p. 213. 65 Maria Luiza (Isa) Queiroz dos Santos. Origem e evolução da música em Portugal e sua influência no Brasil.

Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 241. 66 Moreira de Azevedo. O Rio de Janeiro ..., v. I, p. 413-415. 67 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - bioagrafia, p. 216 e 217. 68 Pe. Jaime Diniz. A presença de José Maurício na Irmandade de São Pedro. In Estudos Mauricianos.

Organização de José Cândido de Andrade Muricy. Rio de Janeiro, FUNARTE/INM/Pro-Memus, 1983, p. 43.

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ser atestada pelo “Livro 3º de Receita e Despesa” (1793-1820) da irmandade de São Pedro

dos Clérigos, no qual seu nome aparece como responsável pela música na festividade do

Santo Patriarca, de 1794 até 1798.69 Na portaria de nomeação para o posto de mestre-de-

capela da catedral do Rio de Janeiro, o padre João Lopes Pereira foi obrigado a “zelar, e

prohibir, que no Culto Divino, hajão Muzicas, e Cantos profanos, e indecentes (...) com pena

de Excomunhão mayor a todos os muzicos deste nosso Bispado”.70 Faleceu em 4 de julho de

1798.71

Na catedral, à época da atuação do padre João Lopes Ferreira, o coro de baixo era

composto por um número razoável de cantores, segundo se pode ver exposto em documento

de 1778.

Há também doze capellães no coro da Sé, cujos nomes, naturalidade e graduações vão indicados no mapa em logares competentes. Entre estes apenas merecem particular contemplação os padres Antonio Pedro Laet e Antônio Lopes de Carvalho; clerigos modernos, mas de boas esperanças por seus bons costumes e aplicações. Todos os mais apenas tem suficiência para a estante do coro.72

No chantrado da Sé, embora o Almanack Historico da Cidade do Rio de Janeiro

indique que estivesse vago entre 1792 e 1794,73 o padre Jaime Diniz cita o reverendo João

Pinto Rodrigues como chantre em 1792.74 Em 22 de julho de 1795, segundo documentos da

Chancelaria da Ordem de Cristo de D. Maria I, foi nomeado para o cargo o padre José Pereira

Duarte,75 mas não deve ter atuado por muito tempo, pois o Almanack do Rio de Janeiro de

1799 informava estar o cargo, mais uma vez, sem ocupante.76

O Almanack Historico registra igualmente a atuação de outros músicos na catedral do

Rio de Janeiro em fins do século XVIII, como o já mencionado padre João Lopes Ferreira,

que aparece ocupando o cargo de mestre-de-capela em acúmulo ao de 1º sub-chantre; o

reverendo Bernardo Leite Pereira, no lugar de 2º sub-chantre; oito padres como capelães-

69 Diniz. A presença de José Maurício..., p. 46. 70 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia , p. 217. 71 O Padre Jaime Diniz, no trabalho acima mencionado, p. 46 transcreve informação do Livro 3 - Óbitos dos

Irmãos (1785-1811) da Ordem 3ª de Nossa Senhora do Monte do Carmo do Rio de Janeiro (caixa 54, fl. 155), onde consta que, na referida data, faleceo o Nosso Irmão o Rdo. Pe. Da Capella da Sé João Lopes Ferreira o qual foi sepultado em S. Pedro para sim poder seu testamento de que para constar se fes este assento sendo Vigario actual do Culto divino o Irmão Manoel Coelho Ferreira.

72 Correspondência sobre os negócios eclesiásticos das parochias do bispado do Rio de Janeiro - 1778. In Revista do IHGB, v. 63 - 1900 nº 1, p. 76-77.

73 Antônio Duarte Nunes. Almanach histórico da cidade do Rio de Janeiro (1792 e 1794). In Revista do IHGB, v. 266, 1965, p. 198.

74 Pe Jaime Diniz. A presença de José Maurício..., p. 43. 75 Maurício Dottori. Achegas para a história dos mestres de capela do Rio de Janeiro colonial..., p. 42. 76 Nunes. (1792-1794). Almanach histórico...,, p. 139.

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cantores; e o reverendo José de Oliveira e Amaral como organista.77 Em 1799, o número de

integrantes do coro gregoriano passou para doze, permanecendo o mesmo organista. Como

mestre-de-capela da Sé, surge o “reverendo padre José Maurício Nunes”, hoje conhecido

como José Maurício Nunes Garcia e como o músico que, em 1808, surpreendeu o príncipe

regente D. João, ao ser recebido na catedral do Rio de Janeiro por ocasião de sua chegada ao

Brasil.78 Abria-se um novo capítulo para as atividades musicais na catedral do Rio de Janeiro,

que passava a ter a dignidade de Capela Real.

O Mestre-de-Capela Antônio Nunes de Siqueira

Durante a permanência do cabido na igreja da Santa Cruz dos Militares, em 1733, foi

nomeado como mestre-de-capela o padre Antônio Nunes de Siqueira. A trajetória desse

músico, o mais importante antecessor do padre José Maurício Nunes Garcia na catedral do

Rio de Janeiro, porém, é bem confusa, decorrente de informações contraditórias em textos de

Régis Duprat, Robert Stevenson e Cleofe Person de Mattos. Na realidade, ao que tudo indica,

as contradições resultam de um acontecimento comum no período colonial: a existência de

mais de um músico com o mesmo nome.

De acordo com Régis Duprat, em São Paulo, viveram dois indivíduos homônimos ao

mestre-de-capela do Rio de Janeiro. O primeiro, batizado em 24 de abril de 1690, chamava-se

Antônio de Siqueira e, embora não fosse músico, era filho do compositor Manuel Lopes de

Siqueira, mestre-de-capela da matriz de São Paulo, com Joana de Castilho, e tinha quatro

irmãos, dois deles músicos: Manuel Lopes de Siqueira (filho), batizado em 27 de outubro de

1692 e que, após ordenar-se, sucedeu ao pai no mestrado da Sé; e Ângelo de Siqueira,

batizado em 12 de maio de 1707, igualmente mestre da Sé após o falecimento do irmão, em

1725. O segundo trazia o nome de Antônio Nunes de Siqueira e “destacou-se também nos

serviços musicais da matriz de São Paulo, sendo companheiro e parente em terceiro grau do

padre Manuel Lopes, meses mais velho que este”. Régis Duprat transcreve sua certidão de

batismo.

Antº. Com Licença do Pe. Vigario Domingos Gomes Albernas, Bautizei a Antônio e pus os Sanctos oleos; filho do Cappªm Joseph de Siqueira (e de) sua mulher Maria de Morais, foram padrinhos o Capp. Francisco Cardozo Sodre e Izabel de Morais aos dezanove de Junho de 1692 e Fr. João Bauptista pelo Prior.

77 Nunes. (1792-1794). Almanach histórico..., p. 199. 78 Nunes. (1792-1794). Almanach histórico..., p. 141.

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Padre igualmente, sua presença como músico pode ser notada em diversas irmandades

paulistas, como a de São Miguel, em cuja mesa figurou em 1747, e a de Almas, da qual foi

escrivão. Faleceu em 1759.79

Robert Stevenson julga ser este último paulista o mesmo músico que ocupou o cargo

de meste-de-capela da Sé do Rio de Janeiro e que colaborou com a grande obra teórica do

mestre da Sé de Salvador, padre Caetano de Mello Jesus, intitulada Escola de Canto de

Órgão. Num texto de 1993, em que aborda esse tratado, Stevenson diz que

Antônio Nunes de Siqueira (1692-1759), quarto e último dos defensores brasileiros de Mello, enviou do Rio de Janeiro uma resposta mais longa, com data de 2 de julho de 1735; ele assina como mestre-de-capela da Catedral do Rio de Janeiro. 80

Mais adiante, Stevenson tenta traçar uma pequena biografia daquele que seria o mestre da Sé

carioca.

Filho do Capitão José de Siqueira e Maria de Morais (residentes em São Paulo), ele foi batizado em 19 de junho de 1692. (...) em 1726, era responsável pela Irmandade de São Miguel. Como cônego da catedral de São Paulo (construída em 6 de julho de 1746) desde sua fundação até pelo menos 1750, ele ainda ocupou, em 1747, a cadeira da diretoria da Irmandade de São Miguel em São Paulo. Mesmo depois de transferir residência para o Rio de Janeiro, ele manteve os laços com a sua cidade natal, fato este comprovado por ter ele indicado Mathias Alvares Torres, mestre-de-capela da Catedral de São Paulo, para administrar seu patrimônio. Em meados de 1754, Nunes de Siqueira pertenceu à Academia dos Selectos no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo servindo como Reitor do Seminário Diocesano de São José e mestre-de-capela da Catedral do Rio de Janeiro. 81

Stevenson ainda afirma que Antônio Nunes de Siqueira, no mesmo ano, ou seja, 1754,

“contribuiu para um livro homenageando Gomes Freire de Andrade (...) com três sonetos,

uma epístola, dois romances espanhóis e um epigrama latino”.82 A importância, na época, da

publicação de tal obra em Lisboa, com o nome de Júbilos da América, levou Stevenson a

concluir que “uma vez que os poemas foram solicitados com dois anos de antecedência e

79 Régis Duprat. Música na Sé de São Paulo Colonial. São Paulo, Paulus/SBM, 1995, p. 27-32. Uma biografia

mais detalhada do compositor Ângelo de Siqueira e seus irmãos pode ser encontrada em, Rubens Russomano Ricciardi. Manuel Dias de Oliveira, um compositor brasileiro nos tempos coloniais − documentos e partituras . Tese de Doutorado. São Paulo, Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2000, p. 126 e 127.

80 Robert Stevenson. Discurso Apologético, polêmica musical do Padre Caetano de Mello de Jesus. In Anais do VI Encontro Nacional da ANPPOM. Rio de Janeiro, 2 a 6 de agosto de 1993, p. 32.

81 Stevenson. Discurso Apologético..., p. 32 e 33. 82 Stevenson. Discurso Apologético..., p. 33.

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somente líderes da comunidade convidados a participar, Nunes de Siqueira não deveria ser

nenhum novato no Rio de Janeiro”.83

Por outro lado, esse conjunto de informações já tinham sido trazidas à luz pelo próprio

Stevenson em um trabalho anterior, publicado no Anuário do Instituto Inter-Americano de

Pesquisa Musical da Tulane University, em 1968. Nesse texto, o musicólogo americano

levantara a hipótese de existirem dois compositores com mesmo nome, um em São Paulo,

outro no Rio de Janeiro, com o sobrenome indistintamente grafado Sequeira ou Siqueira:

Como tanto no Rio de Janeiro como em São Pulo o nome aparece de forma indiferente como Siqueira ou Sequeira não se pode distinguir um do outro (a não ser que tenham existido realmente dois) somente pelo ‘i’ ou ‘e’ do último nome.84

De fato, segundo Stevenson, Siqueira aparece no Rio de Janeiro em duas oportunidades: a

primeira ao escrever a resposta incluída no Discurso Apologético do padre Caetano de Mello

Jesus, em 1735, na qual já se apresenta como mestre-de-capela da Catedral do Rio de Janeiro;

a segunda, em 1754, quando é identificado como um dos membros da Academia dos Selectos,

Reitor do Seminário Diocesano e autor dos poemas publicados nos Júbilos da América. Nesse

meio tempo, aparece como cônego da catedral de São Paulo “desde sua fundação [1745] até

pelo menos 1750”.85 Ao mesmo tempo, Stevenson dá a entender que Siqueira se transferira

para o Rio de Janeiro após essa última data, embora afirme, mais adiante, que “Nunes

Siqueira não deveria ser nenhum novato no Rio de Janeiro”. Essas incoerências sugerem que

o musicólogo americano não levou em consideração a hipótese por ele mesmo levantada,

83 Stevenson. Discurso Apologético...,p. 33. Para os Júbilos da América, na gloriosa exaltação e promoção do

ilustríssimo e excelentíssimo senhor Gomes Freire de Andrade [...], Coleção das obras da Academia dos Selectos, que na cidade do Rio de Janeiro se celebrou em obséquio e aplauso do dito excelentíssimo herói. [...] Pelo doutor Manoel Tavares de Sequeira e Sá, juiz de fora, que foi da vila do Redondo na província de Além-Tejo, e ex-ouvidor geral da comarca de Paranaguá no Estado do Brasil, secretário da Academia. Lisboa, na Oficina do Dr. Manoel Alvares Solano, 1754, cf. Rubens Borba de Moraes. Bibliografia brasileira do período colonial. São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, 1969. p. 317-323 e do mesmo autor, Bibliographia Brasiliana. Amsterdam/Rio de Janeiro, Colibris, 1958. v. 2, p. 224-5, além de Wilson Martins. História da inteligência brasileira, v. 1 (1550-1794). São Paulo, Cultrix, 1977. p. 364-5.

84 Robert Stevenson. Some Portuguese sources for early Brazilian music history. 1968, p. 37/38 - nota nº 118: Since at both Rio de Janeiro and São Paulo, the name crops up indifferently as Sequeira or Siqueira, one individual cannot be distinguished from the other (provided there really were two) on the basis of the "i" or the "e" in the last name.

85 No Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, encontra-se o "registro de provisão" com a nomeação do Antônio Nunes de Siqueira paulista como cônego da Sé de São Paulo, expedido na cidade de Santos em 16 de dezembro de 1746, "Dom Bernardo Rodriguez Nugueira por mª de Deuz e da Santa Sé Apostolica, Primeyro Bispo de S. Paulo em comprimento do Real decreto e querida graça nomeamos e provemos um dos canonicatos da nossa Se Cathedral em o R.do Antonio Nunez de Siqrª. Sacerdote do habito de S. Pedro natural desta cide de S. Paulo pela informação que temos da sua pureza de sangue boa capacide. vida e costumes (...)". Arquivo Nacional. Coleção Eclesiástica (7T) Cód, 455, v. I 02365, folhas 32/32V e 52V.

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quase trinta anos antes, e acabou misturando a biografia de dois músicos homônimos, um

paulista e outro carioca.

Em seu Dicionário Bibliográfico, Sacramento Blake diz que Antônio Nunes de

Siqueira

fez no Rio de Janeiro os estudos necessários para elle [o estado eclesiástico], e recebeu ordens de presbytero; foi reitor do seminário de S. José, examinador synodal, e teve honras de padre-mestre. Notavel por suas virtudes, e por sua illustração como philosopho e theologo, o foi também como cultor da poesia e da música, de que foi contrapontista e compositor inspirado, sendo por isso nomeado mestre de capella, logar que exerceu por muito tempo. Era socio da academia dos selectos, da academia real das sciencias de Lisboa e escreveu varias composições de musica (...), assim como muitas poesias compostas em varias linguas, destas se acham no livro ‘Jubilos da América’.86

Já Luiz Heitor Corrêa de Azevedo acrescenta que Siqueira nasceu em 2 de abril de

1701, tendo deixado “brilhante fama de compositor”,87 mas Maurício Dottori, recentemente,

continua misturando os dois personagens, ao confundir as datas de nascimento e morte,

quando informa ser “Sequeira, nascido no Rio em 2 de abril de 1701 e morto em 1759”.88

Maria Luiza Queiroz dos Santos informa, por sua vez, que Antônio Nunes de Siqueira, em

1752, “foi o 2º reitor que teve o Seminário de São José”.89

Para Cleofe Person de Mattos, com a segurança habitual, o mestre-de-capela carioca

tinha origem paulista, mas nascera no Rio de Janeiro:

Oriundo de família que deu à Catedral de São Paulo dois mestres-de-capela, o padre Antônio Nunes de Siqueira nasceu no Rio de Janeiro em 1701 onde faleceu em 1783. Colaborou na monumental obra do mestre-de-capela da Bahia − padre Caetano de Mello de Jesus − intitulada: ‘Escola de Canto de Órgão’ com uma ‘censura’, intervenção bem fundamentada, que põe em destaque sua erudição. Ocupou o mestrado na Catedral do Rio de Janeiro em 1733, sem ter tomado ordens − situação incomum − por portaria do bispo D. frei Antônio Guadalupe. Casou-se por volta de 1734 com D. Joana Vieira de Carvalho Amada. Em 1736, já viúvo e com uma filha − Inácia Catarina, mais tarde organista e segunda priora do convento das Carmelitas Descalças − pediu para ser sacerdote. A habilitação foi dificultosa, e Nunes de Siqueira principiou o ministério sacerdotal em 1747. (...).90

86 Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Typografia

Nacional, 1883, v. I, p. 272. 87 Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Música y cultura en el Brasil en el siglo XVIII. In Revista Musical Chilena,

nº 81-82, 1962, p. 144. 88 Maurício Dottori. Achegas..., p. 37. 89 Maria Luiza (Isa) Queiroz dos Santos. Origem e evolução da música em Portugal e sua influência no Brasil.

Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 193. 90 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia − biografia, p. 212. Não se sabe, entretanto, em que

fontes se baseou a musicóloga para afirmar a origem paulista do Nunes Siqueira carioca.

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Informações ainda mais esclarecedoras acerca da vida do padre Antônio Nunes de

Siqueira, que praticamente confirmam a existência de dois músicos com esse nome,

encontram-se publicadas em um pequeno opúsculo editado em 1955, por ocasião do

Congresso Eucarístico, com a história do Convento de Santa Teresa e que traz anotações

manuscritas da filha de Antônio Nunes de Siqueira, irmã Inácia Catarina, que, por diversas

vezes, foi priora do convento. Segundo a obra, Antônio Nunes de Siqueira faleceu

em junho de 1782 (...). Fora casado com Dona Joana Vieira de Carvalho Amada; de seu matrimônio nasceu em 12 de dezembro de 1736 Inácia Catarina. Em 1745 o Padre Nunes, já viúvo e Sacerdote, servia de Capelão e Confessor (...) na Chácara da Bica, para onde conduziu a sua filha, com onze anos de idade, em 22 de outubro de 1748, data em que se principiou a reza do Ofício Divino em coro.

Em momento algum, a filha menciona atividades de seu pai na cidade de São Paulo e, em

certo ponto, observa:

Quando meu pai entrou a confessá-las [as irmãs Jacinta e Francisca, importantes personagens do convento] não tinha servido de Mestre de Capela de passado, mas o era de presente, porque no ano de 1733 foi provido pelo Sr. Dom Frei Antônio de Guadalupe na dita ocupação, e nela continuou até 1752, quando, do Seminário de São José, onde estava Reitor, o mandaram para o Aljube.91

Tal afirmação, de que Siqueira ocupara o mestrado da catedral do Rio de Janeiro desde 1733

até 1752, inviabiliza a possibilidade de que tivesse sido nomeado cônego da catedral de São

Paulo em 1746.

Em 1752, o padre Antônio Nunes de Siqueira foi preso pelo bispo D. Antônio do

Desterro, e permaneceu por dois anos no aljube, a prisão para os eclesiásticos, mandada

construir por D. Antônio de Guadalupe em 1739. O motivo de sua prisão foram as

divergências com o bispo por insistir em fundar um convento carmelitano para freiras. Após

seu período de prisão, viajou para Portugal com aquela que viria a ser a fundadora do Carmelo

fluminense, a irmã Jacinta Rodrigues Aires, conseguindo, afinal, fundar o Convento de Santa

Teresa, depois de ter recorrido ao rei e ao papa.92

Ainda segundo Cleofe Person de Mattos, anteriormente à sua prisão, Antônio Nunes

de Siqueira envolvera-se em outro litígio, já mencionado, com a irmandade do Rosário,

91 Convento de Santa Tereza, notícia histórica ... , p. 22. 92 Convento de Santa Tereza, notícia histórica..., p. 22. Para a irmã Jacinta e o Convento de Santa Teresa, cf. o

artigo de Leila M. Algranti. A hagiografia e o ideal de santidade feminina, o impacto da leitura de vidas de santas nos conventos do Brasil colonial. In, Maria Beatriz Nizza da Silva (org.). De Cabral a Pedro I, aspectos da colonização portuguesa no Brasil. Porto, Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 2001. p. 165-74 e o seu estudo Honradas e devotas, mulheres da colônia. Condição feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio/Edunb, 1993.

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quando, insatisfeito com o desempenho dos músicos atuantes na igreja que, naquele momento,

abrigava a catedral, tentou substituí- los por outros. Observa Cleofe Person de Mattos:

As realizações musicais da Sé não devem ter melhorado com essas lutas nem com o afastamento do Padre Antônio Nunes de Siqueira. Em 1783 [sic] morreu aquele que talvez tivesse sido o mais competente mestre-de-capela da Catedral e Sé, até então afastado de qualquer atividade que não a de ensinar música às freiras do convento de Santa Tereza.93

Não obstante, no tempo em que atuou como mestre-de-capela da Sé do Rio de Janeiro,

Antônio Nunes de Siqueira deveria contar, basicamente, com um coro para as realizações

musicais na catedral. Não há referências quanto à presença de instrumentistas, cuja

participação deveria ser esporádica, limitada a algumas solenidades mais importantes. O abbé

francês René Courte de la Blanchardière, quando de sua curta estada na cidade do Rio de

Janeiro, em 1748, registrou em seu relato de viagem, Nouveau voyage fait au Pérou,

publicado em Paris, em 1751, que, nessa época, “o cabido é composto por um deão, um

chantre, 16 cônegos e um coro para música”.94 Nada disse, entretanto, sobre o mestre-de-

capela ou sobre possíveis instrumentistas, embora possa especular-se que coro para música

significasse, nesse caso, também, um conjunto de vozes e instrumentos.

93 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia − biografia, p. 213. A autora do texto diz aqui,

contrariando informações da própria filha do Padre Antônio Nunes de Siqueira, que ele faleceu em 1783. Não informa, entretanto, a fonte.

94 França. Visões do Rio de Janeiro..., p. 92.

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CAPÍTULO 2:

A CAPELA DO RIO DE JANEIRO (1808-1842)

A origem da Capela Real portuguesa remonta ao século XII e ao reinado de D. Alonso

Henriques (1128-1185). O local de sua primeira instalação foi, segundo Antônio Caetano de

Souza, em História Genealógica da Casa Real Portuguesa, e de acordo com um manuscrito

de 1796, a igreja de Nossa Senhora de Oliveira, na cidade de Guimarães.1 Em seguida,

durante muitos anos, a Capela deslocou-se juntamente com a corte itinerante medieval, por

aquelas de diferentes cidades, como Coimbra (a de Santa Cruz e a de São Miguel), Santarém

(Capela de Santa Maria da Alcáçova) e Lisboa. Nesta última, atuou nas igrejas de São

Bartolomeu, de São Martinho e de N. Sra. da Escada.2 No entanto, de acordo Maria Luiza

Queiroz dos Santos, foi em 1299, no reinado de D. Dinis (1279-1325), quando ela se instalou

na Capela de São Miguel, no Paço da Alcáçova do Castelo, o atual Castelo de São Jorge em

Lisboa, que se pode falar propriamente da fundação de uma Capela Real. 3 Segundo um

documento de 1808 conservado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,

[...] a Capela Real entre os Portugueses principiou com a Monarchia e tem sido conservada constantemente athe agora: teve-a o Snr D. Affonso Henriques; e todos os seus sucessores se empenharão no argumento, e magnificencia do Culto na sua Capella. O Senhor Rey D. Diniz foi o primeiro que a erigio dentro do Palácio, determinando q. se rezassem as Horas Canonicas, e athe os Felippes, no tempo de sua instruzão, conservarão, augmentarão, e regimenttarão a Real Capella de Portugal [...].4

Com D. Afonso IV (1325-1357), elevou-se, em 1339,

para 10 o número de cantores que deviam cantar-lhe diariamente a Missa na mesma Capela e D. Fernando teve ao seu serviço o polifonista francês Jehean Simon de Haspre (também conhecido por Hasprois), para quem pediu em 1378 ao papa Clemente VII o beneficio de S. Martinho de Sintra.5

1 Ao que foi possível averiguar, ainda pouco se pesquisou sobre a história e o funcionamento da Capela Real

de Lisboa. Duas fontes importantes são o Regimento da Capela Real, instituído em 1592, e um manuscrito anônimo, datado de 1796, intitulado Capela Real, sua origem histórica , ambos depositados na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional de Lisboa.

2 Ver Adriana Latino. Os Músicos da Capela Real de Lisboa c.1600. In Revista Portuguesa de Musicologia , v. 3, Lisboa, Associação Portuguesa de Ciências Musicais, 1993, p. 6.

3 Maria Luiza Queiroz Amancio dos Santos. Origem e evolução da música em Portugal e sua influência no Brasil. Comissão Brasileira dos centenários de Portugal. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 67.

4 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 3 fls.1 a 5 s/d (1808). 5 João de Freitas Branco. História da Música Portuguesa. Lisboa, Europa América, 1995, p. 65.

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No reinado de D. Duarte (1433-1438), um decreto de 18 de março de 1437, inserido

no Leal Conselheiro, ordenava que se “observasse completamente, por se haver esquecido, o

culto distinto e louvável introdução que El Rey D. Diniz instruira na Capella Real de S.

Miguel em Lisboa”.6 Por esse documento, sabe-se que a Capela Real de Lisboa era então

constituída por três naipes de cantores (alto, contra e tenor), divididos entre oito a doze moços

do coro, a metade dos quais deveria ter de sete a oito anos de idade, e o restante três a quatro

anos mais.7

he myto necessario de sse criarem moços na capeella, e que sejam de idade de VII ou VIII annos, de boa desposiçom em vozes, e entender, e soliteza, e de boo assessego, por que taaes como estes veem a seer de razom boos clerigos e boos cantores. (...) Em cada capeella, que boa deve sser, devem ser criados quatro cachopos ao menos, huus que ajam sobre os outros tres ou quatro annos assy que quando huus forem doito, que os outros sejam doze. Porem com razom devyam sser seis, por que aas vezes, huu he doente ou torvado, e o outro fica em seu lugar.8

Ainda segundo Rui Vieira Nery, a partir do que ordenou D. Duarte, a hierarquia

musical nessa época era dividida entre um capelão-mór, o mestre da capela, um tenor e o

mestre dos moços, não havendo então castrati, cujas primeiras referências somente surgiram

no século XVI.9 Os cantores deveriam emitir o som evitando “cantar de língua ou de

desvairamento de boca, mas somente cantem de papo, cada um melhor que puder”.10 O cantar

de papo, segundo João de Freitas Branco,

era o emprego dum tipo de colocação da voz que, ao contrário da futura empostação operista, hoje conhecida e admirada de todos os amantes da arte lírica, não tira partido das ressonâncias de cabeça. Embora implique em menor volume de voz, facilita a ornamentação extremamente ligeira que no século XVI deu pelo nome de garganta.11

Já durante o reinado de D. Afonso V (1438-1481), conservaram-se o nome de alguns

Mestres da Capela Real, como Álvaro Afonso, Gomes Ayres (1454), João de Lisboa (1476) e

o espanhol Tristano de Silva.12 Com seu sucessor, D. João II (1481-1495), alterou-se a

estrutura funcional da Capela, aumentando o número de cantores e músicos, além de

determinar-se que houvesse “hú Mestre de Muzica com título de Chantre, 24 Capellães [...];

6 Capela Real, sua origem histórica, Ms P-Ln, p. 7. Apud Adriana Latino, p. 6. 7 Rui Vieira Nery. História da Música . Sínteses da cultura portuguesa. Parte I. Lisboa, Imprensa

Nacional/Casa da Moeda, 1991, p. 21. 8 José Augusto Alegria. O ensino e prática da música nas Sés de Portugal. Lisboa, Instituto de Cultura e

Língua Portuguesa, 1985, p. 71. 9 Rui Vieira Nery. História da Música, p. 21. 10 João de Freitas Branco. História da Música Portuguesa, p. 74. 11 João de Freitas Branco. História da Música Portuguesa, p. 74. 12 Rui Vieira Nery. História da Música , p. 22.

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24 Múzicos com os Ministrilles; 22 Moços para ajudarem às missas e assistirem ao ministerio

do Coro e Igreja”.13

Por volta de 1500, no reinado de D. Manuel (1495-1521), a Capela mudou-se mais

uma vez, fixando-se na nova residência real, o recém construído Paço da Ribeira, debruçado

sobre o Tejo, por onde chegavam as riquezas do Oriente. Ali permaneceu até 1755, quando a

construção foi arrasada pelo célebre terremoto.14 Daquela época conhecem-se os mestres-de-

capela Mateus de Fontes e Fernão Rodrigues, enquanto alguns cronistas destacaram a

qualidade das atividades musicais da Capela Real e a grandiosidade com que eram celebradas

as cerimônias.15 Para Damião de Góis (1500-1572), cuja crônica foi escrita em 1558, D.

Manuel

tinha estremados cantores, e tangedores, que lhe vinham de todas partes da Europa, a que fazia grandes partidos, e dava ordenados com que se mantinham honradamente, e além d'isto lhes fazia outras mercês, pelo que tinha huma das melhores Capellas de quantos Reis e Principes então viviam. 16

Ao longo do século XVI, manteve-se o nível musical da Capela Real de Lisboa. No

reinado de D. João III (1521-1557), uma reforma acrescentou à Capela um bom número de

músicos, “os mais escolhidos”, que incluíam “seis tangedores, entre os quais um organista e

um harpista; quinze menestréis (charamelas, sacabuxas, etc.), doze trombetas e nove

atabaleiros”. Mestres-de-capela desse período foram Bartolomeu Trozello e Antonio Carreira,

além de João de Vila Castim, que dispunha de um total de cinqüenta e dois cantores.17 Como

conseqüência dessa reforma, elaborou-se, já no período filipino, o regimento de 1592.18

O Regimento da Capella feyto por El-Rey Dom Philippe o primeiro de Portugal é

dividido em um prólogo e vinte capítulos e define as obrigações, tarefas e direitos dos

funcionários da Capela Real. As referências à atividade musical aparecem a partir do sétimo

capítulo, que fala sobre os trinta capelães. “Estes devem ter sangue limpo e vinte e seis delles

13 Capela Real, sua origem histórica, Ms P-Ln, p. 8. Apud Adriana Latino, p. 6 14 Adriana Latino, Os Músicos da Capela Real de Lisboa, p. 6-7. 15 Rui Vieira Nery, História da Música, p. 22. 16 Joaquim de Vasconcelos. Os Músicos Portugueses. Porto, Imprensa portuguesa, 1870.v. I, p.222. 17 Capela Real, sua origem histórica, Ms P-Ln, p. 11. Apud Adriana Latino, Os Músicos da Capela Real de

Lisboa, p. 7. Ver também João de Freitas Branco. História da Música Portuguesa , p. 114, e Rui Vieira Nery. História da Música, p. 22.

18 Duas cópias desse regimento sobreviveram. Uma está depositada na Biblioteca Nacional de Lisboa, em uma cópia manuscrita do século XVIII, e a outra encontra-se no Fundo Barbieri da Biblioteca Nacional de Madri. Segundo Adriana Latino, o conteúdo dos dois manuscritos é igual, no que diz respeito à música.

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serão de boas vozes, resoados latinos e de pronunciação expedita, e destros no canto chão”.19

Os músicos (cantores e tangedores) são abordados no décimo capítulo:

averá hum mestre da Capella, e vinte e qtro cantores, seis de cada voz; e alem deste numero auerá dous baixões, e hua corneta, e todos serão quaes conuem das melhores vozes, e mais sufficientes q se acharem, bem acostumados, e destros em cãto d'órgão, e contraponto. E o Mestre da Capella (sendo possiuel) sera clerigo; (...) E quando se ouuer de tomar algum cantor será examinado pello mestre da capella, epor quatro cantores diante do capellão mor e Deão; (...) e pretendendo alguns clerigos ser cantores sempre serão preferidos aos leigos e dos leigos os solteiros aos casados tendo iguais vozes e suficiencia. (...) Auerá dous tangedores de orgão para seuire às semanas; os quaes não entrarão na Capella com espadas nem com sombreiros.20

Através da leitura deste documento, conclui-se que a Capela Real de Lisboa dispunha,

ao final do século XVI, de mais de 70 componentes, distribuídos da seguinte forma: 1 mestre-

de-capela, 2 organistas, 2 baixões, 1 corneta, 24 cantores (seis cantores por naipe), 26

capelães (responsáveis pelo canto gregoriano), 18 moços da capela (sem função musical

especificada).21

Durante o período filipino, a pompa das solenidades de que participava a Capela quase

nunca contou com a presença do rei. Felipe I (Felipe II de Espanha), cujo reinado em Portugal

estendeu-se de 1580 até 1598, foi a Portugal uma única vez e somente em 1619 um outro

monarca, Felipe II (1598-1621), voltou a visitar Lisboa. Não obstante, até a Restauração de

1640, durante o reinado (1621-1640) de Felipe IV de Espanha, a Capela Real de Lisboa

manteve um intercâmbio constante com sua congênere de Madri. Entre 1575 e 1645, dos 134

músicos ligados à corte de Lisboa, identificados nos documentos das chancelarias reais, é

possível verificar a naturalidade de 25: treze eram espanhóis; onze, portugueses; e um,

flamengo. Esse intercâmbio não se restringia à troca de músicos, mas também abrangia as

obras, que os músicos carregavam com eles cada vez que trocavam de capital. 22 Foi ainda no

reinado de Felipe IV de Espanha que surgiu um dos maiores polifonistas portugueses, Felipe

de Magalhães. Era discípulo do compositor Manuel Mendes (?-1605), a quem substituiu como

mestre-de-clausura da Sé de Évora, entre 1589 e 1604, transferindo-se posteriormente para

19 Adriana Latino. Os Músicos da Capela Real de Lisboa , p. 7. 20 Adriana Latino. Os Músicos da Capela Real de Lisboa , p. 7-8 21 Adriana Latino. Os Músicos da Capela Real de Lisboa , p. 9. 22 Adriana Latino. Os Músicos da Capela Real de Lisboa , p. 12.

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Lisboa, onde ocupou o cargo de mestre da Capela da Misericórdia e o mestrado da Capela

Real de 1623 até 1641, falecendo em 1652, em idade avançada.23

Com a ascensão de D. João IV, em 1640, teve início a fase mais conhecida e mais

brilhante da Capela Real. A família dos Bragança cultivava o gosto pela música, e seu pai, o

duque D. Teodósio, além de ter criado, em Vila Viçosa, o Colégio dos Reis Magos para a

formação dos músicos destinados à capela ducal, recomendou-lhe expressamente, em

testamento, que não descuidasse de sua capela.

Lembro a meu filho que a melhor cousa que lhe deixo nesta casa he a minha Capella, e assim lhe pesso se não descuide nunca do ornato della, assistindolhe em quanto poder aos officios divinos que se celebrarão nella, procurando que sejão coma perfeição e continuação que athe aqui teve, assim de Capellães Muzicos, officiaes, como de todo o mais serviço, o que lhe encarrego quanto posso.24

D. João IV dispunha de suficientes conhecimentos musicais para publicar em 1649

uma Defensa de la musica moderna contra la errada opinion del Obispo Cyrillo Franco,

embora João de Freitas Branco julgue que ele não defendesse propriamente a polifonia de seu

tempo e usasse uma argumentação “pouco avançada” para rebater os elogios do prelado ao

que denomina de música de “Antiguidade Clássica”.25 Na realidade, muito mais importante

foi a biblioteca musical que organizou, uma das maiores de seu tempo, infelizmente destruída

pelo incêndio que se seguiu ao terremoto de 1755. Dela restou apenas o catálogo, que mostra

o quanto foi perdido.26 Compreendia mais de cinco mil obras impressas e manuscritas, de

1.023 autores, dos quais quarenta eram portugueses. Entre as obras teóricas, encontravam-se

nada menos do que um tratado de Anitius Boetius, do século VI, e o Micrologus de disciplina

artis musicae de Guido d'Arezzo, escrito por volta do ano 1020.27

Após os reinados de Afonso VI (1656-1667) e Pedro II (1667/1706), que conservaram

a atenção dispensada à Capela, o de D. João V (1707-1750) caracterizou-se por uma

opulência extraordinária, assegurada pelo ouro do Brasil. Ao mesmo tempo, após a longa

crise da Restauração, a melhor integração de Portugal no contexto internacional europeu e um

certo ambiente mais cosmopolita propiciaram uma grande abertura às influências da música

23 Rui Vieira Nery, & Paulo Ferreira de Castro. História da Música. Sínteses da Cultura Portuguesa. Lisboa,

Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1991.p. 53. 24 Ernesto Vieira. Dicionário biográfico de músicos portugueses. Lisboa, Tipografia de M. Moreira & Pinheiro,

1900. 2v. il., v. I, p. 502. 25 João de Freitas Branco, História da Música Portuguesa. Lisboa, Publicações Europa-América, 1995, p. 130. 26 Um exemplar desse catálogo, editado em 1649, pode ser encontrado no Setor de Obras Raras da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, da Escola de Música da UFRJ. 27 Ernesto Vieira. Dicionário biográfico de músicos portugueses, v. I, p. 510-511.

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italiana. No entanto, é preciso não esquecer que fo i também nessa época que o Tribunal do

Santo Ofício da Inquisição, instituído por D. João III em 1536, alcançou o ponto máximo de

sua atuação, executando, entre muitos outros, Antônio José da Silva (1705-1739), conhecido

como “o Judeu”, natural do Rio de Janeiro e autor de Guerras do Alecrim e da Manjeirona.

De fato, em uma sociedade na qual, praticamente, um terço da propriedade fundiária pertencia

à Igreja e em que atuava um número espantoso de clérigos, muitos dos quais recolhidos nos

quase quinhentos conventos existentes, constituindo o que D. Luís da Cunha chamou de “a

fradaria que nos devora”, a religião permanecia um valor fundamental e suporte de uma

mentalidade tradicional, que não concebia outro fim para a riqueza que não fosse a maior

glória de Deus. Explica-se, assim, o prestígio das instituições religiosas e da música que nelas

se praticava, voltando-se a atenção de D. João V em especial para três aspectos: a criação do

Seminário Patriarcal, a contratação de músicos italianos para o coro e a orquestra da Capela

Real e o financiamento de músicos portugueses para estudarem na Itália.28

O Seminário Patriarcal foi fundado em 1713, tendo como modelo o Colégio dos Reis

Magos de Vila Viçosa. Destinava-se ao ensino da música com finalidades litúrgicas e, com o

tempo, tornou-se a principal instituição para esse fim em Portugal. Mais tarde, em 1729, foi

criada uma outra escola dedicada ao ensino do canto gregoriano no Convento de Santa

Catarina de Ribamar, para cuja direção foi trazido, da Itália, o mestre-de-capela de São João

de Latrão, Giovanni Giorgi. 29

A presença de músicos italianos em Portugal durante o século XVIII foi uma

conseqüência do desejo de D. João V de seguir o mais fielmente possível a liturgia da Capela

romana. Para tal, mandou copiar os livros com o repertório praticado no Vaticano e

estabeleceu, em Roma, como embaixador, o Marquês de Fontes, D. Rodrigo Menezes, entre

cujas obrigações estava a de estabelecer um contato direto com o papa Clemente XI e

contratar músicos para a Capela Real portuguesa. Como resultado, segundo Manuel Carlos de

Brito, em 1730, encontravam-se na Capela Real um total de 26 cantores italianos.30

Contudo, a influência italiana na vida musical portuguesa do século XVIII ficou ainda

mais simbolizada pela presença de Domenico Scarlatti (1685-1757) como mestre da Capela

Real. Scarlatti, que, em Roma, fora mestre da Capela de São Pedro e também da capela da

28 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais entre Portugal e a Itália no século XVIII. In Portugal e o

mundo: o encontro de culturas na música. VI Colóquio do Conselho Internacional de Música Tradicional. Lisboa, Publicações Don Quixote, 1997, p. 115.

29 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais..., p. 116. 30 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais..., p. 116.

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embaixada portuguesa na cidade, tinha sob sua responsabilidade, nos anos que permaneceu

em Lisboa, entre 1720 e 1729, além da composição e das funções na Capela Real, a educação

musical da filha do rei, a infanta Maria Bárbara, que ele acompanharia a Madri, quando do

seu casamento com o futuro Fernando VI (1746-1759).31 Em Lisboa, Scarlatti tampouco pode

ter deixado de conviver com Carlos Seixas (1704-1742), um dos mais importantes músicos

portugueses no repertório para teclado e que atuou como organista da Capela Real a partir de

1720.

Paralelamente, D. João V patrocinou os estudos de diversos músicos portugueses na

Itália. O primeiro a receber esse benefício foi Antônio Teixeira (1707-1755), que permaneceu

em Roma por mais de dez anos, retornando a Lisboa em 1728. Para Roma também foram

enviados Joaquim do Vale Mexelim, João Rodrigues Esteves e Francisco Antônio de

Almeida.32

Além disso, após serem excluídos da liturgia da Capela Real em 1716, um decreto de

1723 de D. João V extinguiu uma das mais tradicionais manifestações musicais de caráter

religioso herdada dos séculos anteriores, típica da Península Ibérica, o vilancico – uma

composição poética de caráter popular cantada em festividades religiosas – marcando assim,

segundo Rui Vieira Nery, a “transição definitiva da música portuguesa para a fase do Barroco

italianizante”.33 Não obstante, o caráter tradicional da mentalidade portuguesa fez conservar

na música portuguesa características da escrita polifônica que há muito já tinham

desaparecido em outros países da Europa.34

Ao final de seu reinado, D. João V encontrava-se com a saúde muito debilitada e,

amparado pelos setores mais conservadores, voltou-se para manifestações religiosas cada vez

mais tradicionais, acabando por proibir, em 1742, toda atividade musical e teatral profana e,

em 1746, os bailes públicos ou privados.35 Em 1750, porém, com sua morte e a subida ao

trono de D. José I (1750-1777), a situação alterou-se. Logo se fez sentir a atuação de

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o futuro Marquês de Pombal e principal

ministro do soberano, que procurou reforçar a autoridade da Coroa em moldes absolutistas,

com reformas no campo econômico e com uma disputa em relação à Igreja, enquanto

instância de poder, da qual resultou a expulsão da Companhia de Jesus do reino e seus

31 Manuel Carlos de Brito. As relações mu sicais..., p. 117. 32 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais..., p. 117. 33 Rui Vieira Nery. História da Música , p. 87. 34 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais ..., p. 117. 35 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais ..., p. 94.

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domínios (1759) e a transformação da Inquisição num tribunal régio (1769). Segundo Paulo

Ferreira de Castro,

A substituição, no plano político do modelo absolutista pela doutrina da soberania nacional própria da monarquia constitucional, bem como a extinção das ordens religiosas e nacionalização dos respectivos bens que se seguiram à instauração do novo regime, tiveram, no plano musical, o óbvio efeito de provocarem simultaneamente a derrocada do sistema estético e funcional de uma cultura de corte e eclesiástica, e a alteração drástica das condições de exercício da profissão de músico.36

Dessa forma, nesse período, a música sacra acabou de perder o que ainda restava da tradição

polifônica, tão praticada em Portugal desde o reinado de D. João IV, suplantada pela

consolidação da ópera, como uma das principais, senão a principal, atividade musical ligada à

aristocracia portuguesa.

Para tanto, D. José procurou igualmente na Itália os músicos necessários para

dinamizar a vida musical portuguesa. Logo após sua ascensão ao trono, contratou o

compositor napolitano David Perez (1711-1779) para desempenhar as funções de diretor

musical da corte, na qual passou a atuar a partir de 1752, e tentou contratar ainda um outro

napolitano, Nicolo Jommelli (1714-1774). Este, entretanto, somente aceitou um contrato,

segundo o qual se comprometia a compor para Lisboa uma ópera séria e uma cômica por ano,

além de música sem acompanhamento para a Capela Real. 37 Em 1755, a partir de um projeto

do arquiteto Giacomo Azzolini, D. José inaugurou, sete meses antes que o terremoto viesse a

derrubá- la, a Ópera do Tejo, na qual o cabeleireiro, o mestre de esgrima, o alfaiate e o guarda-

roupa do teatro, além de vários músicos da orquestra, eram também italianos.38

Esse grande número de italianos em Portugal refletiu-se diretamente no trabalho

cotidiano da Capela Real. Afinal, os músicos que nela tocavam eram também aqueles que

atuavam na ópera. O repertório alterou-se, passando a chamada Escola Napolitana a ditar a

moda, suplantando-se o modelo do barroco eclesiástico romano cultivado no reinado de D.

João V. Para isso, contribuíram igualmente os músicos portugueses mandados à Itália para

estudar, mas que não mais se dirigiam a Roma e, sim. a Nápoles. Entre eles, encontrava-se

João de Souza Carvalho (1745-1798), que, após retornar a Portugal, tornou-se professor do

Seminário Patriarcal, fo rmando toda uma geração de compositores no estilo napolitano, como

36 Paulo Ferre ira de Castro. História da Música . Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1991, p. 118. 37 Mauricio Dottori. Ensaio sobre a música colonial mineira . Dissertação de Mestrado, São Paulo, USP, 1992. 38 Manuel Carlos de Brito. As relações musicais..., p. 119.

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Antônio Leal Moreira (1758-1819), João Domingos Bomtempo (1775-1842) e Marcos

Portugal (1762-1830). De acordo com Rui Vieira Nery,

Os principais compositores napolitanos distinguiram-se igualmente no plano da música sacra, em que de um modo geral utilizaram, aliás, técnicas de escrita e uma linguagem expressiva muito semelhante às da Ópera. [...] Também os maiores compositoras portugueses deste período cultivaram o gênero sacro, criando um vasto repertório de estilo similar, para as mais variadas combinações concertantes de solistas e coro, com um efectivo instrumental que pode ir do simples baixo contínuo à orquestra completa com flautas, oboés, fagotes, trompetes, trompas, trombones, percussão e cordas. A presença deste repertório em cópias múltiplas nos arquivos das três principais igrejas urbanas de todo o País demonstra a sua ampla circulação no plano nacional. 39

Tais transformações estilísticas na música portuguesa não deixaram, por sua vez – embora

faltem obras anteriores à segunda metade do século XVIII, para confirmar a hipótese – de

influenciar a música que se praticava no Brasil durante o mesmo período, como salientaram,

entre outros, Régis Duprat e Maurício Dottori. 40

Após a morte de D. José I em 1777, o Marquês de Pombal caiu em desgraça, e a nova

soberana, D. Maria I, embora conservasse a maioria das diretrizes políticas anteriores, tendeu

a favorecer um ambiente mais claramente ilustrado, apesar de envergonhado, como

classificou Eva ldo Cabral de Mello,41 de que foi símbolo em especial a criação da Real

Academia das Ciências de Lisboa (1779). A essa altura, esgotara-se em grande parte a

produção aurífera do Brasil, mas a conjuntura internacional, favorecida pela guerra entre a

Inglaterra e suas colônias americanas e a amplitude dos circuitos comerciais do império luso

continuavam assegurando uma considerável vitalidade econômica para a América portuguesa

e para o próprio reino. Não obstante, sobretudo a partir de 1789, com a Revolução Francesa,

após a declaração de independência dos Estados Unidos em 1776, gerou-se um clima político

tenso na Europa, que permaneceria até o Tratado de Viena em 1815, afetando Portugal

profundamente, por força da tradicional aliança inglesa, que o tornava vulnerável às

iniciativas expansionistas da França revolucionária e napoleônica. A partir de 1792, a rainha,

afetada em suas faculdades mentais, mostrou-se incapaz de continuar governando e foi

substituída por seu filho, o príncipe regente D. João, futuro D. João VI. Nesse ambiente,

39 Rui Vieira Nery. História da Música , p. 105. 40 Ver Regis Duprat. Música brasileira do século XVIII e a definição de seu estilo. In Revista da Escola de

Música e Artes Cênicas da UFBA. Salvador, 1981 e Maurício Dottori. Ensaio sobre a música colonial mineira. Dissertação de Mestrado. São Paulo, USP, 1992.

41 Resenha de Lúcia Maria Bastos P. Neves. Corcundas e constitucionais. Rio de Janeiro, Revan, 2003 em “Jornal de Resenhas”. Folha de São Paulo. São Paulo, 14 de junho de 2003.

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apesar das novas influências das Luzes, as atividades musicais evidenciaram um ritmo bem

mais modesto que no passado.

Na Capela Real, apesar do viajante inglês William Beckford ainda registrar em seus

diários por volta de 1787 o caráter relativamente conservador do repertório da Capela Real,

em poucos anos a situação mudou completamente.42 Na realidade, o período ficou marcado

pela ascensão da geração de compositores formada por Souza Carvalho no Seminário

Patriarcal. Leal Moreira foi nomeado para essa função em 1787, e Marcos Portugal, após o

seu regresso da Itália, em 1800. Do ponto de vista musical, isso representou a total

subordinação estilística da música sacra aos cânones daquela para o teatro, sendo de destacar

que Marcos Portugal, ao mesmo tempo que foi nomeado mestre da Capela Real, foi também

nomeado para exercer as funções de diretor do Theatro São Carlos.

Em 1807, no entanto, a aliança à França de Napoleão Bonaparte da Espanha, cujo rei,

Carlos IV, era pai de Carlota Joaquina, esposa de D. João, complicou a situação de Portugal

no panorama internacional. Diante da ameaça iminente de invasão do reino, o príncipe regente

preferiu deslocar a sede da monarquia para o Brasil. A Capela Real desfez-se completamente

com a saída de diversos músicos, alguns retornando para seus países de origem, outros

procurando novamente a proximidade da corte na América, após 1810. Encerrava-se a fase da

Capela Real em Lisboa. Iniciava-se a da Capela Real do Rio de Janeiro.

A Capela Real do Rio de Janeiro (1808-1821)

Com a instalação da família real portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro tornou-se o

centro das atividades políticas, econômicas e culturais não só do Brasil, mas de todo o império

português. Para sua maior comodidade, já que o Cabido encontrava-se, após um tumultuoso

processo (ver Capítulo 1), localizado na igreja do Rosário, que ficava a certa distância do

paço, D. João preferiu transferir a sé, pelo Alvará de 15 de Junho de 1808, para a igreja do

Carmo, ligada ao convento desta ordem, nos fundos do palácio, onde se tinham alojado

membros da família real, inclusive a rainha. Assim, D. João, para se fazer presente nas

principais solenidades da Catedral, agora com o título e dignidade de Capela Real,

praticamente não precisava colocar os pés na rua.

Sendo-me presente a situação precaria, e incomoda, em que se achão o Cabido, e mais Ministros da Cathedral desta Minha Côrte, e Cidade do Rio de Janeiro, em

42 William Beckford. Diário de William Beckford em Portugal e Espanha. Lisboa, Biblioteca Nacional, 1983.

Apud Rui Vieira Nery, História da Música, p. 124.

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huma Igreja alheia, e pouco decente para os Ofícios Divinos e desejando estabelecer-lhes um local, em que com o devido decoro possão exercer o Ministério das suas funções sagradas, não só por seguir o exemplo dos Meus Augustos Predecessores, mas especialmente, por serem os Senhores reis de Portugal os Primitivos Fundadores e Perpétuos Padroeiros de todas as Igrejas do Estado do Brazil, concorrendo por essa razão com tudo o que era necessario para a conservação, e fabrica das mesmas Igrejas; e considerando por huma parte as necessidades actuaes, e urgentes do Estado, a que cumpre acudir sem demora, e que Me não permitem continuar as obras da nova Cathedral, a que dera princípio Meu Augusto Avô, o Senhor Rei D. João V, de Gloriosa Memoria; e por outra parte não querendo perder nunca o antiquissimo costume de manter juncto do Meu Real Palacio uma Capella Real, não só para maior commodidade, e edificação de Minha Real Familia, mas, sobre tudo, para maior decencia, e esplendor do Culto Divino, e gloria de Deus, em cuja Omnipotente Providência confio, que abençoará os Meus cuidados, e desvelos, com que procuro melhorar a sorte dos Meus Vassalos na geral calamidade da Europa; Ordeno a este respeito o seguinte: 1º Que o Cabido da Catedral seja logo com a possível brevidade transferido com todas as pessoas, Cantores, e Ministros, de que se compõe no estado actual, em que se acha na Igreja da Confraria do Rosario, para a Igreja, que foi dos Religiosos do Carmo, contigua ao Real Palacio da Minha residencia, para onde passarão todos os Vasos Sagrados, Paramentos, e Alfaias [...].43

A transferência da sé do Rio de Janeiro foi marcada por uma missa festiva seguida de

procissão.44 Entretanto, a instalação efetiva da Capela e do Cabido não transcorreu da maneira

simples e imediata como relatou o padre Perereca. Muitos problemas de ordem política

tiveram de ser contornados quanto à conveniência de juntar-se a Capela Real, capela

particular de D. João, com a Catedral do Rio de Janeiro. Em documento encaminhado pelo

padre José Eloy Vieira a D. João, intitulado Relação das despezas que poderá fazer a nova

Capella q. Vª Alteza Real projecta estabelecer, aparece incluso um “Parecer de certa pessoa

sobre a erecção, e união da Sé à Capella Real, q. Vª A. Real fez a honra de confiar”, não

assinado, em que são indicados os inconvenientes da medida.

Não pode unir-se a Capella à Sé porq. a Capella do Rey não deve ser accessoria de hua Corporação menos privilegiada, nem perder a precedencia q. tem a todas as corporaçoens; mas he possível unir a Sé à Capella com a acquiescencia do Bispo: há contudo inconvenientes q. merecem consideração. A Capella Real deve acompanhar o Soberano a qualquer parte q. vá; e a Sé não pode mover-se do lugar da sua ereção. A Sé tem Aniversários, cantoria de Missa nas filiaes, e obrigaçoes particulares, q. podem embaraçar as Funcções da Capella [...]. Os Senhores Reys de Portugal sempre tiverão a sua Capella separada das Cathedraes, e só no tempo do Senhor D. João 5º foi a sua Capella erigida em Metropole, mas com exercicio particular de Bazilica. O Metropolitano da Bahia tem jurisdição metropolitica sobre a Sé do Rio de Janeiro, e veria a tella sobre a Capella Real se a união se verificasse.

43 Luis Gonçalves dos Santos, pe Perereca. Memórias para servir à história do Reino do Brasil . Belo

Horizonte, Itatiaia, São Paulo, EDUSP, 1981. 2 v., p. 210. (Primeira edição, Lisboa, Impressão Régia, 1825). 44 Luis Gonçalves dos Santos, pe Perereca. Memórias para servir...

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Todavia querendo S. A. abraçar a lembrança da união da Sé à Capella, deve este negocio ser tractado com o Bispo, e farei nisso o q. S. A. determinar.45

Ao final, surgem ainda motivos de ordem econômica e revela-se a pouca disposição dos

religiosos portugueses de se misturarem com seus colegas brasileiros:

He precizo refletir q. S. A. economiza muito pouco na união das duas Igrejas: porq. fica com o pezo das dispezas da Fabrica a que a Sé não pode suprir, e da sustentação dos Ministros, q. não podem ser empregados; e a pequena vantagem q. nisso se lucra he contrapezada com o sacrifício da liberdade da Sua Capella, e com o disgosto de entrar nella algua pessoa com defeito vizivel.46

Sem dúvida, o preconceito era elemento fundamental na sociedade de Antigo Regime,

valendo observar que um dos que tinham o defeito visível de ser mulato era exatamente o

mestre-de-capela padre José Maurício Nunes Garcia, como lembra Cleofe Person de Mattos.47

Assim como ele, porém, outros músicos deveriam ser mestiços; e até mesmo alguns membros

do Cabido. De fato, segundo Ayres de Andrade, o francês Louis Freycinet declarou em seu

livro de viagens ter ouvido com admiração a música da Capela Real, onde quase todos os

executantes foram por ele considerados negros.48 Por conseguinte, a intenção dos religiosos

portugueses que acompanharam D. João para o Brasil, ciosos das prerrogativas que lhes

advinham da posição de membros da Patriarcal de Lisboa, era a de erigir a Capela Real sem

os ministros brasileiros que formavam o Cabido da Sé do Rio de Janeiro, sugerindo-se ao

príncipe regente que “acomodações deveriam ser feitas de maneira a evitar o convívio entre

os ministros de Lisboa e os de Rio de Janeiro”.49

Por outro lado, essa atitude afrontava os interesses dos membros do Cabido da Sé do

Rio de Janeiro, ameaçados que estavam de serem excluídos da reorganização da Catedral. O

conflito resultante foi amplificado pela morte do Patriarca de Lisboa, D. José Francisco de

Mendonça, em junho de 1808, pelas ambições do bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da

Silva Coutinho, e pela presença no Rio de Janeiro, a partir de setembro de 1808, do núncio

apostólico Lourenço Caleppi, representante do papa, mas tolhido pelas malhas dos direitos do

padroado e pela situação internacional delicada. Uma solução de compromisso, repleta de

promessas para atender a todas as suceptibilidades de Antigo Regime envolvidas, somente

45 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 3, fls 1 a 5 s/d (1808). 46 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 3, fls 1 a 5 s/d (1808). 47 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia – biografia. Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca

Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996, p. 67. 48 Ayres de Andrade. Franscisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 1, p. 36. 49 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 3 fls 1 a 5 s/d (1808).

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surgiu no final de 1808, como revela um documento encaminhado pelo bispo D. José Caetano

aos membros do Cabido.

O Príncipe Regente Nosso Senhor pelos Direitos da sua soberania e do seo Regio Padroado tem todo o poder para mandar ao Cabido, e mais Ministros da Catedral desta Cidade do Rio de Janeiro, que de ixando a Igreja da Confraria do Rosario, em q. se achão, se vão congregar para a celebração dos Offícios Divinos na Capella, q. fica immediata aos seos Reaes Paços: Esta mudança do local não só vem a ser mais acomodada ao serviço e devoção da Família Real, mas até proveitoza para a fabrica da mesma Cathedral, q. fica evitando a despeza de acabar as obras da nova Igreja, e lucra ao mesmo passo hum templo muito regular; mui bem servido, e ornado, em logar de huma caza velha e indecente. O mesmo Augusto Senhor não só pode, mas faz huma grande honra à dita corporação, no caso que queira dignar-se de a condecorar com o título da Real Capella da sua Caza. E quanto isto seja a sua resolução por sabias medidas de Economia política, ou por outras razoens de Estado, ainda nesta hypothese, fica sendo muito facil dar às funçoens Eclesiásticas da nova Capella aquelle grao de esplendor, e luzimento que, segundo a piedade de nossos Soberanos, sempre distinguiu as Capellas Reaes de outras e quaes quer Igrejas: por quanto pode muito bem S. A. R. não só acrescentar alguns novos Capellaens e Cantoers aos que já existem mas também fazer entrar no gremio do Cabido alguns novos Conigos, e até os Monsenhores e Prelados que vierão da Patriarchal, para comporem hua especie de nova hierarquia muito honrada, e muito illustre, que será sempre presidida, assim como todo o corpo do Cabido pelo Prelado mais digno segundo a sua graduação, e antiguidade. O Cabido não pode ter a mínima duvida em ceder a precedencia às novas Dignidades, por que ao numero desta pode ser elevada alguma das antigas Dignidades, e por outra parte fica mui bem compensado com a honra de Capella Real, ou com hum pequeno aumento de congrua, ou com o habito de Christo, ou com qualquer outro despacho, q. S.A.R. se dignar fazer a cada hum dos Capitulares. Para a execução deste plano não he necessaria a auctoridade, ou intervenção da Corte de Roma por que os Senhores Reis de Portugal estão na posse immemorial, mil vezes reconhecida pelos Summos Pontífices, de arranjarem os Min istros da sua Capella Real pelo numero e graduação, que bem parecer a seo Real Arbitrio, e segundo as circunstancias do tempo. [...] Todos estes poderes offerece gostosamente à S.A.R. o Bispo do Rio de Janeiro para a execução do referido plano, ou de outro, que seja do agrado do mesmo Augusto Senhor.50

E assim ficou resolvido o problema. Para acomodar a todos, enquanto D. José Caetano,

embora não obtivesse o título de Patriarca, recebia o de Bispo Capelão Mor, os portugueses

tiveram preferência na formação da hierarquia eclesiástica implicada pela criação da Capela

Real, aumentou-se o número de dignidades e concedeu-se aos capitulares do Rio de Janeiro

um aumento de côngrua para diminuir as diferenças e acalmar os mais insatisfeitos.51

50 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 1 doc. 6. 51 Para a questão, ver Maurílio César de Lima (Mons.). Lourenço Caleppi, primeiro núncio no Brasil (1808-

1816) segundo documentos do Arquivo Secreto Apostólico do Vaticano. Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro / Conselho Federal de Cultura, 1977, p. 78-81, e Laurinda Abreu. O estabelecimento da Capela Real no Rio de Janeiro (1808), ou o recurso ao cerimonial barroco como afirmação de poder.

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Quanto aos músicos, Luiz Gonçalves dos Santos conta que

Sua Alteza aumentou o número dos capelães cantores, ministros, sacristas e serventes da mesma real capela, como também o coro da música, com vários músicos italianos e portugueses, que já o eram da sua Real Câmara e Capela em Lisboa, e com outros desta cidade.52

Entretanto, foram muito poucos os músicos portugueses que chegaram com a família real, fato

que se torna ainda mais plausível levando-se em conta que o próprio mestre-de-capela de D.

João, Marcos Portugal, permaneceu em Lisboa. Em uma relação encaminhada pelo padre José

Eloy a D. João, aparecem citados todos os membros da Capela Real de Lisboa que se

transferiram para o Rio de Janeiro. Nela encontram-se apenas o nome de José do Rosário

Nunes, que era “Seminarista de Villa Viçoza, donde veio para aprender o contraponto com

Leal, por ordem de S. A.” e que poderia “ficar para organista, e enquanto se não promptifica

mais neste exercissio”, e o padre Francisco de Paula Pereira, que poderia dirigir a música e

instruir os “cantochonistas”.53 Segundo Cleofe Person de Mattos, as habilidades do primeiro

ao órgão eram bastante limitadas, acabando por recair todo o serviço sobre José Maurício, que

nada recebia pelo trabalho extra de organista.54

Assim sendo, é provável que durante o ano de 1808 as atividades musicais da Capela

Real se tenham mantido com músicos locais, os quais, com exceção de José Maurício, não

devem ter impressionado D. João em particular. Segundo Joachim Vasconcelos,

apesar do talento e da actividade de Nunes Garcia , que, organista da Sé, havia 10 annos, e homem de grande mérito, não pôde melhorar o estado da capella, porque não havia instrumentistas bons e mesmo os que pertenciam ella, estavam loange de ser perfeitos.55

Já Francisco Curt Lange observa que

Houve, inclusive, intenção de constituir a Capela Real só com músicos locais, mas é de imaginar-se que, por diversos motivos, e principalmente pelo orçamentário, os músicos pertencentes às diferentes dependências da Casa Real, incluindo os famosos choromelleyros da Reais Cavaleriças, procurassem seguir a Corte em seu

Comunicação apresentada ao II Congresso Internacional do Barroco, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 18-23 de junho de 2001, mimeo.

52 Luiz Gonçalves dos Santos. “Padre Perereca” Memórias para servir... , p. 66. 53 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12, pac. 3, fls 1 a 5 s/d (1808). 54 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia, p. 229. Em 1820, José do Rosário Nunes

encaminhou um pedido de aumento do ordenado inicial de 150$000 reis dizendo que teve a honra de acompanhar a V.A.R. a esta Côrte honde se acha com a sua família. Tal pedido foi indeferido por Marcos Portugal. Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 3 doc. 14.

55 Joachim de Vasconcellos. Os músicos portugueses . Porto, Imprensa Portuguesa, 1870, 2º v. p. 61.

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exílio, juntando-se aos cantores e instrumentistas da Capela real e do Teatro de São Carlos.56

Na realidade, apenas em 1809 começaram a chegar os primeiros músicos de Portugal, cuja

vinda fora ordenada por D. João. Entre os cantores e instrumentistas, portugueses e italianos,

encontravam-se Joaquim Manuel Gago da Câmara, José Capranica, José Maria Dias, Antônio

Pedro Gonçalves, Nicolau Herédia, Pedro Carlos Herédia, Carlos Mazziotti, Fortunato

Mazziotti, José Mazziotti, João Mazziotti, Luíza Pio, Marcos Portugal, Simão Portugal,

Francesco Reali, José Maria Rodrigues, Angelo Tinelli, José Toti, Salvatore Salvatori.57

Também em 1809 foi regulamentado o funcionamento da Capela Real, através dos

Estatutos da Sancta Igreja Cathedral e Capella do Rio de Janeiro.58 A organização musical

da Capela Real do Rio de Janeiro obedecia às mesmas disposições da de Lisboa e, no que diz

respeito à música, o parágrafo doze do Título Quarto, que tratava “Dos Beneficiados

Capellaens: dos Thesoureiros e dos Muzicos”, regulava algumas questões de ordem

disciplinar.

§ 12 − O Mestre de Capela, os organistas, os cantores e os músicos, todos do côro acima, serão prontos em se apresentarem na igreja nos dias e horas competentes, e executarem tôdas as cantorias que vão declaradas nestes Estatutos e tôdas as mais que forem do costume ou novamente forem determinadas por ordem de Sua Alteza Real. Enquanto não lhes prescrevemos um regimento próprio, se o julgarmos necessário para o futuro, com o beneplácito do mesmo Augusto Senhor, observarão as regras seguintes:

1º. Será o Mestre de Capela, e nas suas faltas o músico mais antigo ou o organista, obrigado a vigiar sôbre a residência de todos os outros e a dar parte cada dia ao Apontador das faltas de cada um dêles, para serem apontados segundo os dias e funções a que faltarem, do modo que se acaba de dizer a respeito dos Tesoureiros.

2º. Poderão e deverão, além disso, ser multados pelo Mestre de Capela segundo a qualidade do erro que cometerem, não passando a multa, nas primeiras três vezes, da metade da quantia correspondente a um dia do seu ordenado, e devendo passar-se ao dôbro e três dobros desta pena nos casos de reincidência e contumácia, e aplicando-se sempre para a Fábrica da Igreja.59

Antes da chegada da família real ao Rio de Janeiro, como a presença feminina não era

permitida, o coro da Catedral era formado por meninos alunos do Seminário de São

56 Francisco Curt Lange. A música erudita na Regência e no Império. In História Geral da Civilização

brasileira, v. II, 3º v., Direção de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo, Difel, 1969, 2ª ed., p. 378. 57 Relação estabelecida a partir da confrontação das folhas de pagamento da Capela no Rio de Janeiro com a

lista de músicos que se encontra no Catálogo de música manuscrita da Biblioteca da Ajuda , v. 9, p. 36-52, elaborado por Mariana Amélia Machado Santos. Ver as Tabelas com o pessoal da Capela, ao final.

58 Rio de Janeiro, Na Impressão Regia, 1811 – Biblioteca Nacional, Divisão de Obras Raras, II-34,17,27. 59 Estatutos da Santa Igreja Catedral e Capella do Rio de Janeiro, ref. 108619, p. 27 e 28.

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Joaquim.60 Mas a sonoridade pura das vozes infantis não era o que a corte tinha como padrão.

Faltavam-lhes a dramaticidade e a agilidade das vozes líricas, principalmente nas partes

solistas. Por isso, a contratação a peso de ouro de castrati italianos para suprir os naipes de

soprano e contralto da Capela Real. Escragnole Dória, em crônica publicada na Revista da

Semana, comentava que entre “as esquisitices do côro da Capella Real, figuravam os cantores

masculinos, de vozes feminizadas por effeito de artes cirúrgicas. Teve-os a Capella Real: o

público carioca ouviu os pobres excluídos do seu sexo e não inclusos no sexo opposto.”61

De fato, não só aqueles que freqüentavam a Capela Real puderam ouvi- los.

Fundamentais nas igrejas e palcos da Europa durante os séculos XVII e XVIII, embora cada

vez mais raros no século XIX, os castrati eram presença obriga tória nos teatros e nas festas

particulares do Rio de Janeiro oitocentista. Um cronista inglês anônimo, que assinou com a

sigla A.P.D.G., em passagem pelo Rio de Janeiro do início do século XIX, afirmou, em 1826:

“Eu nunca freqüentei um serão no Rio de Janeiro sem que não visse um ou dois desses

castrados”.62 Outro cronista estrangeiro que relatou a atividade desses cantores no Rio de

Janeiro foi C. Schlichthorst, militar alemão que esteve no Brasil entre 1824 e 1826:

O teatro é muito bem arranjado. [...] Orquestra completa e bôa, devendo contar nas grandes óperas mais ou menos cem figuras. O maestro dirige-a ao piano. Ponto muito alto. Tomassini, Bartolozzi, Fasciotti e vários outros castrados, anteriormente destinados à Capela Imperial, cantam também nele.63

Giovanni Francesco Fasciotti foi o mais famoso castrato italiano que atuou no Rio de

Janeiro nas primeiras décadas do século XIX. Tendo chegado já com seu contrato assinado

em Lisboa, foi incluído em folha em 17 de janeiro de 1817, segundo ofício do Visconde de

Vilanova para o Conde da Barca, Antônio de Araújo Azevedo.64 Pelo contrato, passou a

ganhar a considerável quantia de 7:020$000 reis por ano, tendo direito ainda a 25$600 réis

por mês para moradia e mais 120$000 réis por ano do real bolsinho de D. João.65 O contrato

assinado em Lisboa teve a duração de doze anos. Após sua jubilação, o Inspetor da Capela

60 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia , p. 63. 61 Escragnolle Dória. A Capela Real. In Revista da Semana. Rio de Janeiro, 10-VI-1933. 62 A.P.D.G. Sketches of portuguese life, manners, costume, and character . Londres, Geo. B. Whittaker, 1826.(I

never attended a soirée at Rio without seeing in one or two of these castrati"). 63 C. Schlichthorst. O Rio de Janeiro como é: 1824-1826 (Huma vez e nunca mais). Rio de Janeiro, Livraria

Editora Zélio Valverde, 1943, p. 121. 64 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - 1817 - cx.02 pac.02 doc.35. 65 Um ofício de 16 de agosto de 1817, enviado pelo Barão do Rio Seco ao Sr. Tomáz Antônio de Vilanova

Portugal, trata das casas alugadas a Fasciotti pelo Coronel Barroso. Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - 1817 - cx. 02 pac. 02 doc. 54. Ver também Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva, v. 2, p. 164.

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Imperial, o Monsenhor Fidalgo,66 encaminhou pedido ao Ministro José Clemente Pereira, em

12 de Janeiro de 1829, para que Fasciotti fosse “novamente escripturado”.67 Um novo

contrato de seis anos foi lavrado em cartório em 07 de Março de 1829 nas mesmas bases que

o anterior, ou seja, mesmo salário e obrigação de cantar apenas nas solenidades de primeira e

segunda ordem.68 Além das funções na Capela Real, Fasciotti tinha destacada participação no

Real Theatro São João, tendo protagonizado as óperas Vestal, de Puccitta; Merope, de Marcos

Portugal; Coriolano, de Niccolini; Aureliano in Palmira, Otello e Tancredi, de Rossini.69

Outros castrati italianos que atuaram na Capela Real foram José Gori, Antônio

Cicconi, Marcelo Tani, Paschoal Tani, Francesco Reali e Angelo Tinelli.70 Os dois últimos

também tiveram seus contratos renovados em 1829, só que em condições menos vantajosas

que as de Fasciotti. 71 Alguns desses cantores continuaram atuando até pelo menos a década de

quarenta do século XIX, tendo sido os irmãos Marcelo e Paschoal Tani convidados por

Monsenhor Fidalgo para participar da Missa de Sagração e Coroação de S. M. o Imperador D.

Pedro II, em 1841, com a informação ao Ministro dos Negócios da Justiça, Paulino José

Soares de Souza, de que eles tinham aceito cantar graciosamente, sem exigir remuneração.72

A contratação dos castrati italianos mostra, claramente, que D. João não economizou

esforços nem dinheiro para manter o alto padrão da música e o luxo das cerimônias de sua

Capela Real no Rio de Janeiro. A cada ano, o número de músicos contratados foi aumentando,

passando de 32, em 1811,73 para 38, em 1816,74 e 41, em 1817.75 Em 1824, chegou a dispor

de um total de 64 músicos, divididos entre os diversos naipes do coro e da orquestra:

66 Duarte Mendes de Sampaio Fidalgo. Inspetor da Capela Imperial. 67 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 1 doc. 8(9). 68 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 1 doc. 8(11). 69 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva, v. 2, p. 165. 70 Ayres de Andrade, na página 28 do v. 1 de seu livro, relaciona os castrados que chegaram ao Brasil,

afirmando ser sua lista uma “relação completa”. Não cita, entretanto, os dois castrados mencionados por Schlichthorst, os cantores Tomassini e Bartolozzi. Por outro lado, Ayres Andrade diz que sobre os castrados “os antigos cronistas da cidade fazem uma certa confusão. Não só lhes erram o nome, como se referem a outros que nem cantores eram”. Pode ser que Schlichthorst tenha se equivocado, pois não se encontra, nos documentos consultados relativos à Capela Real, nenhuma referência a esses dois cantores. Contudo, a verificação é difícil uma vez que Ayres de Andrade não adota o procedimento metodológico de citar as fontes de onde retirou a informação.

71 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 1 doc. 8(5) e doc. 11. 72 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 2 doc. 17. 73 Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o ano de 1811. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, v. 282. Rio de Janeiro, IHGB, 1969, p. 132. 74 Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o ano de 1816. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, v. 268. Rio de Janeiro, IHGB, 1965, p. 205.

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61

MÚSICOS DA REAL CAPELA EM 1824

Sopranos 8 Contraltos 7 Tenores 11 Baixos 16 Instrumentistas 18 Organistas 3 Organeiro 1 Total 64

Fonte: Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o ano de 1824. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

v. 278. Rio de Janeiro, IHGB, 1968, p. 249

Esse número ainda podia ser bem maior nas grandes solenidades, para as quais eram

contratados músicos extras.

O relato de alguns cronistas da época dá uma idéia de como eram as celebrações na

Capela. O padre Perereca fala do “Te Deum Laudamus, que foi cantado, como tinham sido

também a missa, pela melhor e escolhida música, tanto vocal como instrumental, regida pelo

mestre da Capela Real, o r. p. José Maurício Nunes”.76 O já mencionado viajante francês

Louis Freycinet, falando sobre a música, diz que a execução nada deixava a desejar.77

Schlichthorst elogia igualmente a música da Capela, embora destaque as vozes e demonstre

algumas restrições em relação aos instrumentistas.

A música na Capela Imperial é excelente. As partes do tiple são cantadas por castrados, entre os quais Fasciotti sobressai pela pureza e força da voz. A orquestra é bem dirigida; mas, como se admitem músicos inferiores, o acompanhamento instrumental fica muito abaixo dos solos e do canto. É regida à maneira italiana. O chefe da orquestra bate o compasso com toda a força nas palmas das mãos, o que ao princípio incomoda e só acostuma com o tempo.78

Ayres de Andrade ainda cita o viajante Alexandre Goldelaugh.

Dizia-se geralmente que a Capela real era organizada de modo a satisfazer plenamente os amadores de música. Era constituída como a antiga capela real de Lisboa e não se haviam olhado as despesas. Quatorze ou quinze sopranos misturavam suas vozes características à música de [Marcos] Portugal e dos melhores compositores religiosos, e formavam um conjunto muito admirado, especialmente pelos estrangeiros.79

75 Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o ano de 1817. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, v. 270. Rio de Janeiro, IHGB, 1966, p. 243. 76 Luiz Gonçalves dos Santos. “Padre Perereca”, Memórias para servir..., p. 68. 77 Ayres Andrade, Francisco Manuel, v. 1, p. 36. 78 C. Schlichthorst. O Rio de Janeiro como é..., p. 110-112. 79 Ayres Andrade, Francisco Manuel, v. 1, p. 28.

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A partir da instalação da corte no Rio de Janeiro, durante três anos, o padre José

Maurício atuou sozinho como mestre da Capela Real. Após 1811, porém, passou a dividir

suas funções com Marcos Antônio da Fonseca Portugal (1762-1830), principal compositor

português de então, autor de um grande número de óperas no estilo italiano, que, recém

chegado de Lisboa, logo dominou a vida musical do Rio de Janeiro, criando uma série de

conflitos com Nunes Garcia, fartamente explorados pelos biógrafos deste.80 Na “Introdução” à

primeira edição da Missa de Réquiem, de José Maurício, feita pela Casa Bevilacqua, em 1897,

o Visconde de Taunay escreveu que, para José Maurício,

aumentaram os desgostos e as lutas com a chegada, ao Rio de Janeiro, do celebre Marcos Portugal em 1811, [...]. A insuportável infatuação do famigerado maestro portuguez, [...] as rivalidades fundas e sem reconciliação possível, provindas, sobretudo, da differença e do antagonismo das escolas seguidas por cada um dos compositores, as innumeras intrigas e perversos mexericos, tudo isto se tornou para José Maurício, durante não poucos annos, causa de incessantes dissabores, vexames e desfeitas, que elle soube supportar com toda a paciêcia, meiguice e inquebrantavel dignidade.81

Segundo Manuel Ivo Cruz, a permanência de Marcos Portugal em Lisboa devera-se à

não- inclusão de seu nome na lista de pessoas que embarcaram para o Brasil, da qual, como já

mencionado, constavam apenas dois músicos, o organista José do Rosário Nunes e o padre

Francisco de Paula Pereira.

Marcos Portugal foi pura e simplesmente esquecido: na verdade, na caótica confusão do genial mais improvisado ‘Estado Português’ para o Brasil (muito meditado e nada preparado como é costume), com todos os grandes personagens, os altos e baixos funcionários, os criados e familiares, milhares de pessoas acotovelando-se de mistura com móveis, pratas, quadros e bibliotecas, numa ânsia de terror motivada pela perigosa vizinhança das tropas de Junot, quem iria lembrar do maestro-diretor do Teatro de S. Carlos, reservando-lhe lugar na homérica caravana?82

Entretanto, sendo mestre da Capela Real da capital portuguesa e regente do Real Theatro São

Carlos, Marcos Portugal foi acusado de impatriota quando, após a invasão pelas tropas

francesas comandadas por Junot, permaneceu em Lisboa servindo aos invasores, chegando,

80 Januário da Cunha Barbosa, “Necrológio”. Diário Fluminense, Rio de Janeiro, 07/05/1830. Manuel de Araújo

Porto Alegre, “Apontamentos Sobre a Vida e Obra do Padre José Maurício Nunes Garcia.” Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, 19: 365, 1856. Visconde de Taunay. Esboceto biográfico. In Estudos Mauricianos. Direção de José Cândido de Andrade Muricy. Rio de Janeiro, Funarte, 1983. Cleofe Person de Mattos, José Maurício Nunes Garcia: uma biografia. Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996.

81 Visconde de Taunay. Esboceto biográfico..., p. 12. 82 Manuel Ivo Cruz. “Marcos Portugal: bibliografia, discografia”. In Arte Unesp. São Paulo, v. 6, 1990, p. 72.

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mesmo, a encenar uma ópera de sua autoria para comemorar o aniversário de Napoleão. Ao

contrário, Manuel Ivo Cruz considera que as atitudes do compositor foram motivadas por um

cauteloso critério profissional, pois que do exato cumprimento das obrigações do maestro-compositor dependia a continuação da atividade do S. Carlos, cujo encerramento implicava o imediato despedimento dos artistas e mais pessoal que nele trabalhava.83

E acrescenta o fato de o compositor ter composto um Te Deum para celebrar a retirada das

tropas francesas motivo suficiente para não considerá- lo um colaboracionista, embora também

se possa alegar que, diante de uma nova realidade política, Portugal tenha resolvido, mais uma

vez, mudar de lado.

De qualquer modo, em situação difícil após a retirada das tropas napoleônicas de

Lisboa, Marcos Portugal embarcou para o Brasil na fragata Carlota, em 8 de novembro de

1811,84 “trazendo na bagagem, com os seus sapatos de fivela de prata e suas perucas

empoadas, a sua ambição e a sua vaidade”.85 De fato, os comportamentos do compositor no

Rio de Janeiro não lhe angariaram simpatias. Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, filho do

bibliotecário da Ajuda, que veio para o Brasil como funcionário encarregado dos livros e

documentos da corte, chamava-o de Barão d'Alamiré e não lhe poupava críticas:

tem ganhado a aversão de todos pela sua fanfarronice, ainda maior q. a do Pão de ló; he tão grande a sua impostura e soberba por estar acolhido à graça de S.A.R., q. se tem levantado contra si a maior parte dos mesmos q. o obsequiavão: he notavel a sua circunspecção, olhos carregados, cortejos de superioridade, em fim apparencias ridiculas e de charlatão: já tem desmerecido nas suas Composições; e hum grande Musico e Compositor, vindo de Pernambuco, e q. aqui vive, he hum seu Antagonista, e mostra a todos, os q. quizerem ver, os lugares, q. Marcos furta de outros A. A., publicando-os como originaes. Como está constituído Diretor dos Theatros e Funções, qto a Musica, tem formado enormes intrigas entre Musicos e Actores, de q. se tem originado grandes desordens. Do novo Theatro, q. se vai a abrir-se p.a o dia 12 de Outubro; e q. tem sido feito á imitação e grandeza de S. Carlos, a troco de despezas incriveis, queria Marcos ser despotico Director com 2:000$000 r.s alem de Beneficios e o melhor Camarote da boca; porem como encontrasse duvidas no seu Emprezario, tem-se empenhado em desviar os Actores, e para isso obrigando-os a exigir grandes mezadas. He riso velo á janela, e em público, todo empoado e emproado, como q. m está governando o Mundo: mas em fim tem hum grande Padrinho, e por este o ser, he affagado por outros. Bem dizia o

83 Manuel Ivo Cruz. “Marcos Portugal”, p. 72. 84 Biblioteca da Ajuda − Catálogo de manuscritos musicais - v. III. Elaborado sob a direção de Mariana Amélia

Machado Santos. Lisboa, 1960, p. 64 85 Mozart de Araújo. Rapsódia Brasileira − textos reunidos de um militante do nacionalismo musical. Seleção,

prefácio e notas de Vicente Salles. Fortaleza, Universidade Estadual do Ceará, 1994, p. 150.

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Dez.or Domingos Monteiro de Albuq.e e Amaral, chamando-lhe rapsodista Marcos!86

Em defesa de Marcos Portugal, Maria Luiza Queiroz Santos escreveu que tais afirmações não

passavam de intrigas atribuídas aos

inimigos naturais daqueles que se elevam acima do plano atingido pelas mediocridades e que, ao contrário do que aspirava a inveja dos pequeninos, o músico português ao ouvir pela primeira vez José Maurício, exultou de entusiasmo. 87

De forma semelhante, Manuel Ivo Cruz julga que as opiniões desfavoráveis de Marrocos

tinham por origem a “inveja e a maledicência de funcionários burocráticos, para quem o

artista normalmente é um ser irritante, pretensioso e indesejável”.88

Contudo, não são poucos os musicólogos, de diferentes nacionalidades, que, baseados

em relatos ou a partir da análise de fatos levantados na imprensa da época, confirmam as

atitudes pouco meritórias de Marcos Portugal com relação não só a José Maurício, mas

também a outros compositores e músicos. Jean Paul Sarraute afirma que

Marcos Portugal toma logo de assalto a vida musical da corte e o seu reino é incontestado. [...] Havia uma sombra na imagem. Era o padre José Mauricio, compositor brasileiro de real talento [...]. Marcos Portugal, de um orgulho incomensurável e que os escrúpulos não ajudavam a abafar, tomou o seu lugar como mestre de capela e foi, ainda por cima, perfeitamente desagradável e desdenhoso para com ele. Procurou afastá -lo de todas as maneiras.89

Corrobora esta opinião o levantamento de Ayres de Andrade das cerimônias realizadas na

Capela Real após a chegada de Marcos Portugal ao Rio de Janeiro e sua nomeação para o

cargo que, pelo menos teoricamente, dividia com o padre José Maurício. A partir de consulta

à Gazeta do Rio de Janeiro, ele relaciona uma série de solenidades ocorridas na Capela Real,

que vão desde o batizado de príncipes, princesas e outros fatos de destaque até a Aclamação

de D. João VI e o casamento de D. Pedro e D. Leopoldina, para concluir que

dá perfeitamente para mostrar o papel secundário que desempenhava na Capela o padre José Maurício em relação a Marcos Portugal, a partir do dia em que este veio ter ao Rio de Janeiro. Ali não passava José Maurício de Maestro substituto ao passo que o outro era realmente o maestro titular, embora não exercesse oficialmente o

86 Luiz dos Santos Marrocos (1781-1838). Cartas. In Annaes da Biblioteca Nacional , v. LVI, 1934. Rio de

Janeiro, Ministério da Educação, 1939, p. 159-61. 87 Maria Luiza Queiroz Santos (Isa). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil. Rio

de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 122. 88 Manuel Ivo Cruz. “Marcos Portugal “,p. 73. 89 Jean Paul Sarraute. Marcos Portugal − ensaios. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 121.

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cargo. Nem uma só vez no período compreendido entre 1811 e 1821 o nome de José Maurício é citado na Gazeta a propósito de cerimônia de gala na Capela.90

Por outro lado, não deixa de reconhecer que a rivalidade entre os dois artistas apóia-se em

uma tradição um tanto precária e sugere a possibilidade de a música de Nunes Garcia, cuja

grande força residia na massa coral, ter parecido por demais simplória para um público que

estava acostumado às manifestações de virtuosidade vocal operística transplantadas para a

igreja.91

De qualquer forma, não ficaram restritas ao padre José Maurício as atitudes

desagradáveis de Marcos Portugal para com os seus colegas. Segundo Luiz Heitor Corrêa de

Azevedo, outro que as teve de suportar foi o compositor austríaco Sigismund Neukomm,

aluno de predileto de Haydn, professor de música de D. Pedro, a quem dedicou a Abertura O

Herói,92 e que esteve no Brasil entre os anos de 1816 e 1821.

Neukomm nada deixa transparecer, em sua autobiografia, das contrariedades que teve por causa desse colega vaidoso e despótico. Mas na correspondência do Rio de Janeiro, publicada pela Allgemeine Musik Zeitung, de Viena, a 20 de junho de 1820, e de que ele era provavelmente o inspirador, lemos que ‘muito embora o primeiro regente da orquestra daqui, Marco Portogallo, não veja com bons olhos outra música tomar lugar ao lado da sua, temos boas razões para crer que muito breve, graças aos esforços do Senhor Neukomm e do padre Maurício, ouviremos A Criação, de Haydn [...].’ Sabemos que Marcos Portugal encontrou meios e modos de impedir a execução da música de Neukomm no Rio de Janeiro. Depois de seu regresso ao Velho Mundo, o compositor austriaco teve ocasião de encontrar Araújo Porto Alegre, que foi um dos primeiros biógrafos do padre José Maurício Nunes Garcia. Em suas conversas com o futuro Barão de Santo Angelo, Neukomm lhe contou alguns episódios da campanha sorrateira de que ele e o padre José Maurício haviam sido vítimas.93

Depoimento que Porto Alegre registrou:

Eu, o discípulo favorito de Haydn, o que completou por ordem sua as obras que deixara incompletas, escrevi no Rio de Janeiro uma missa, que foi entregue à censura de uma commissão composta d'aquelle pobre Mazziotti e do irmão de Marcos Portugal, missa que nunca se executou, porque não era d'elles.94

90 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Coleção Sala Cecília Meireles,

1967, v. 1, p. 36. 91 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu Tempo .v. 1, p. 32-3. 92 Sobre a obra dedicada a D. Pedro I, existem duas cartas escritas por Neukomm em 1826 e 1827 e que se

encontram depositadas no arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, I-POB 27.11.826Neu.c/I-POB 10.3.827Neu.um

93 Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Esplendor da vida musical fluminense no tempo de D. João VI. Sigismundo Neukomm no Rio de Janeiro. In Actas do III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros (1957) v. II. Lisboa, 1960, p. 80-81.

94 Porto-Alegre. Apontamentos sobre..., p. 28.

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E ao qual acrescentou outros episódios, ocorridos com Francisco Manoel da Silva,

aluno de José Maurício e de Neukomm. De acordo com ele, “talvez, estas lições fossem a

causa de ser este jovem perseguido artística e machiavelmente por Marcos Portugal logo que

lhe apresentou o primeiro Te Deum de sua feitura”, assim como a atitude de Marcos Portugal,

quando, “para desviá- lo do gosto e do tempo de compor, passou-o de violoncelo, que era, para

violino, ameaçando de o pôr na rua se não estudasse assiduamente” – episódio que não foi

possível comprovar na documentação da Capela.95

Não obstante essas intrigas, o prestígio de Marcos Portugal era grande, e os relatos da

época mostram o quanto era admirada a sua música. O padre Perereca, por exemplo, escreveu:

começou a missa pontificial, cuja música era também composição do insigne Marcos, que dizem os professores, que em toda ela pareceu exceder-se a si mesmo, e que na seqüência igualou ao grande Davi Peres.96

Já o jornal Gazeta do Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1812, publicou o seguinte:

Os Responsórios foram cantados pelos músicos da Real Câmara e Capela, dirigidos pelo insigne Marcos Antônio Portugal, mestre de SS.AA., o qual nesta excelente composição sustentou a grande reputação que tem adquirido, ainda nos países estrangeiros.97

Dezessete anos após a morte de Marcos Portugal, porém, o crítico Martins Pena, em

crônica do dia 26 de maio de 1847 no Jornal do Commercio, já se referia ao compositor em

termos menos apreciativos:

Lá se vão já alguns anos que uma companhia de canto, da qual fazia parte o Sr. Vaccani, congregava nesse mesmo Teatro de S. Pedro os dilettanti de então, que são hoje nossos pais. Para muitos é lembrado com saudades esse tempo em que Marcos Portugal andava na beira da fama e Rossini era o profeta musical. As óperas de Marcos Portugal envelheceram com o correr dos anos; mas as de Rossini, que tinham feito escola, e eram marcadas com o cunho superior do gênio, viçosas e queridas ainda se conservam, e se conservarão por longo tempo. 98

De qualquer forma, o gosto pela ópera italiana, passou a ser cultivado na Corte a partir

de 1813, com a inauguração do Real Theatro São João. De seu palco, as influências se

irradiaram, invadindo as igrejas e salões, modificando o estilo da música sacra e até das

modinhas.

95 Porto-Alegre. Apontamentos sobre..., p. 26. O episódio também é mencionado por Maria Luiza Queiroz

Santos. Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil, p. 125. 96 Luiz Gonçalves dos Santos, ‘Padre Perereca’, Memórias para servir..., v. II, p. 60. 97 Ayres de Andrade, v. I, p. 33. 98 Luiz Carlos Martins Pena. Folhetins "A semana lírica" . Rio de Janeiro, Ministério da Educação e

Cultura/Instituto Nacional do Livro, 1965, p. 245.

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O próprio José Mauricio, que até então havia conservado na sua música uma ambiência de inatacável religiosidade, não teve outro remédio senão modificar o seu estilo para poder ser aceito por aquele público, que transportava para o Vice-Reino do Brasil o gosto pela música de igreja maculada pela artificialidade da música de teatro.99

Como resultado, em 1816, mais um compositor italiano juntou-se a José Maurício e Marcos

Portugal como mestre da Capela Real.

Fortunato Mazziotti chegou ao Rio de Janeiro, junto com seus irmãos Carlos e João

Paulo, em 1810, procedente de Lisboa. Todos foram imediatamente contratados para o coro

da Capela Real. Não há maiores informações sobre a sua origem. Segundo Cleofe Person de

Mattos, Fortunatto Mazziotti nascera em 14 de junho de 1782.100 Ayres de Andrade informa

que o compositor estudou em Lisboa, tendo sido aluno de contraponto de Eleutério Leal,

professor do Seminário Patriarcal.101 Em 4 de julho de 1816, foi nomeado mestre da Capela

Real, conforme informação enviada pelo inspetor Felix Ferreira do Valle para o Ministro dos

Negócios da Justiça, Barão do Rio Seco.

El Rey Nosso Senhor foi servido nomear a Fortunato Mazziote, para o lugar de Mestre da Sua Real Capella acrescentando-lhe ao Ordenado que leva em folha, a quantia de trinta mil reis por mez, que terá principio no 1º de Abril do corrente anno: Havendo outro sim por bem empregar no serviço effectivo da mesma Real Capella a Leonardo da Motta, Jozé Mosman, e Alexandre Baret, músicos da Sua Real Camara, vencendo cada hum deles a quantia de doze mil e oitocentos reis por mez, contando-se desde a data do vencimento do acrescimento do sobredito Mestre.102

Antes de ser nomeado mestre da Capela Real, tendo como uma das funções compor a

música adequada para a liturgia, Mazziotti já era compositor, como comprova uma cantata de

sua autoria, intitulada Bauce e Palemone, arquivada na Biblioteca da Ajuda, composta em

1810 para o aniversário do príncipe D. Pedro Carlos.103 Pela data da composição, percebe-se

que esta deve ter sido, talvez, a última obra de Mazziotti escrita em Portugal, pois no mesmo

ano chegou ao Brasil e foi nomeado cantor da Capela Real.

A atuação de Mazziotti na Capela Real desenvolveu-se à sombra de Marcos Portugal.

Antes mesmo de ser nomeado mestre, dirigiu obras do compositor português em cerimônias

importantes, destacando-se as exéquias do príncipe D. Pedro Carlos, em 1812, o mesmo para

99 Ayres de Andrade, Francisco Manoel da Silva..., v. I, p. 24. 100 Cleofe Person de Mattos. José Mauricio Nunes Garcia - biografia , p. 248. 101 Ayres de Andrade, Francisco Manoel da Silva..., v. I, p. 194. 102 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 03 doc. 03. 103 Biblioteca da Ajuda - Catálogo de música manuscrita - v. III. Elaborado sob a direção de Mariana Amélia

Machado Santos. Lisboa, 1960, p. 64.

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o qual dedicou a cantata acima mencionada. Foi também membro da comissão artística do

Real Theatro São João, que era composta por ele e pelos irmãos Marcos e Simão Portugal. 104

Após a morte de Marcos Portugal, assumiu as funções deste como professor de música das

princesas imperiais.105

A Capela Imperial de 1822 até 1842

O aparato musical da Catedral do Rio de Janeiro manteve-se enquanto D. João VI

permaneceu no Brasil. Com a volta da Família Real para Lisboa, porém, como conseqüência

do movimento constitucional português de 1820, e com a Independência do Brasil, em 1822, a

Capela, agora Imperial, embora não sofresse qualquer mudança substancial em sua

sistemática, passou a enfrentar dificuldades financeiras por conta dos problemas econômicos

do novo país. Isso traduziu-se num período de crise, marcado por grande irregularidade no

pagamento dos músicos.

Em 1828, 170 indivíduos ligados à Capela, desde o bispo (que ganhava 2.000$000 e

estava reduzido a 500$000 réis) até o sineiro e o varredor, passando por José Maurício Nunes

Garcia, cujos vencimentos estavam limitados a 156$000 réis, e Marcos Portugal, que passara

a residir na casa da Marquesa de Aguiar para poupar despesas, dirigiram ao imperador um

requerimento, em 11 de novembro de 1828, suplicando o aumento de seus vencimentos e o

pagamento dos atrasados. Embora suportassem tudo em silêncio, atendendo à situação

desfavorável do país, os peticionários alegavam de forma dramática a insuficiência do que

ganhavam, sendo endossados por monsenhor Fidalgo.

Foi feito o orçamento da Capela Imperial para 1828-1829 e, se os músicos cantores devem ser aumentados, também os mestres que além de fazerem as suas obrigações no coro, são obrigados à composição de músicas que S. M. ordenar.106

O despacho inicial de D. Pedro não foi favorável: “Parece que isso não é para se pagar, pois

guarde-se até ver a quem solicite”. Contudo, mais adiante, determina: “Pague-se no fim do

quartel” – o que significou o pagamento dos atrasados, mas não a concessão de um

aumento.107

104 Biblioteca da Ajuda - Catálogo de música manuscrita - v. III., p. 249. 105 Ayres Andrade, Francisco Manuel. , v. 1, p. 194. 106 Arquivo Nacional, cx, 12, pac. 1, doc. 1 – Encontra-se o documento na íntegra. 107 Arquivo Nacional, cx. 12, pac. 1, doc, 8, fls. 21 e 27.

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Justifica-se, assim, a situação de penúria em que viveu seus últimos anos José

Maurício Nunes Garcia, até sua morte em 18 de abril de 1830.108 Praticamente dois meses

antes, havia falecido também, em 17 de fevereiro, o seu rival, Marcos Portugal, vítima,

anteriormente, de duas crises apopléticas, a primeira em 1811 e a segunda em 1817, que

tinham deixado um de seus braços parcialmente paralisado, e que, surpreendentemente, não

retornara a Lisboa com D. João VI em 1821. Nessas condições, coube a Fortunato Mazziotti,

o terceiro mestre-de-capela, assumir a maior parte dos trabalhos nesse período. Na cerimônia

que celebrou o casamento de D. Pedro I com a princesa Maria Amélia de Leuchtenberg, em

1829, foi Mazziotti quem atuou como regente da missa composta por D. Pedro I, conhecida

como Missa da Aclamação, executada, com o reforço de músicos contratados para a ocasião,

na Capela Imperial, dotada de novos paramentos e cujo edifício passara por uma reforma de

emergência, para minimizar o estado de abandono em que se encontrava.109 Dessa forma, a

crise da Capela estendeu-se às composições, pois Mazziotti, segundo alguns comentaristas,

era um compositor de qualidade questionável e, em 1830, a ele juntou-se Simão Victorino

Portugal, outro compositor de baixa e pouco expressiva produtividade.110

Seu pedido de nomeação para o cargo de mestre-de-capela consta de um documento

não datado, provavelmente redigido entre o falecimento de seu irmão Marcos, que não

menciona, e o de José Maurício.

Havia athé aqui na Imperial Igreja dois Mestres de Capella, habilidissimos ambos, e mui promptos em preencherem todos os seus encargos, o Pe. Jose Mauricio, e Fortunato Maziotti; mas como este foi elevado à pouco ao muito honroso exercício de Mestre de Musica das Serenissimas Imperiaes Princezas; e aquelle pela sua idade se vê com frequencia acommettido de chronicas molestias; he mui provavel que nao possa continuar com o mesmo fervor, que era do seu custume no serviço da sobredita Igreja, que V. A. I. zelosissimo Protector do Culto Divino, quer que se conserve sem interrupção, ou desluzimento. Firmado nestes raciocínios, e igualmente em estoutro he que elle pelo uso de haver regido as suas composiçoens, e pela diaria e longuissima pratica de ter acompanhado outras feitas, e dirigidas por muito insignes mestres, poderá exercitar este emprego com a necessaria sufficiencia.

108 Pouco antes de sua morte, José Maurício reconheceu um de seus seis filhos com Severiana Rosa de Castro,

com quem viveu em concubinato desde 1808: José Maurício Nunes Garcia Júnior. Este, além de importante figura da medicina brasileira em seu tempo, foi também compositor e pintor amador, tendo deixado o único retrato feito de seu pai, que, atualmente, faz parte do acervo da Escola de Música da UFRJ.

109 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia , p. 175. 110 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia, p. 187, e Vicenzo Cernichiaro, p. 121, o

consideram medíocre; já Manuel de Araújo Porto Alegre, entretanto, considera Fortunato Mazziotti homem de verdadeiro mérito, (Visconde de Taunay. Dois artistas máximos José Maurício e Carlos Gomes . São Paulo, Melhoramentos, 1930, p. 18).

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P. A. V. M. I. optimo conhecedor, e remunerador Magnifico dos que se distinguem nesta profissão que attendendo as rasoens allegadas, haja por bem nomealo Mestre da sobredita Imperial Capella com os mesmos vencimentos de qualquer dos dois acima referidos.111

O pedido foi deferido pelo imperador quatro dias após a morte de José Maurício, ou seja, em

22 de abril de 1830:

Attendendo ao que Me representou Simão Portugal e à sua reconhecida intelligencia: Hei por bem fazer-lhe mercê do lugar de Mestre de Musica da Minha Imperial Capela, vago pelo fallecimento de José Mauricio Nunes Garcia, com ordenado anual de seis centos e vinte e cinco mil réis, pagos pela folha da mesma Capella.112

E, em seu lugar, como organista, foi nomeado, em julho de 1830, Carlos de Castro Lobo,

músico de origem mineira, irmão do compositor João de Deus Castro Lobo (1794-1832).113

Simão Portugal nascera por volta de 1775, como se pode deduzir de um documento

datado de 8 de maio de 1821, no qual declarava ter 46 anos de idade e pedia aumento de

ordenado e a concessão da Ordem do Hábito de Cristo.114 Por outro documento, de 23 de

junho de 1813, constata-se que foi casado e teve filhos, pois solicitava uma gratificação “para

sua mulher, Januária Evarista Portugal, com supervivência para sua filha Maria Theodora”,

gratificação, no valor de 12$500 réis mensais, que foi concedida “em remuneração aos

serviços que athe hoje tem feito seo marido como compositor de musica para a Real

Capella”.115 Ele chegara ao Brasil juntamente com seu irmão Marcos e foi imediatamente

nomeado organista da Capela Real, tendo como ordenado anual 300$000 réis, conforme

ordem expedida por D. João, em 20 de novembro de 1812.116 Em Portugal, fora organista da

Patriarcal e era obrigado, por ordem régia, a compor “tão bem varias peças de musica para se

cantarem nas Capellas Reaes de Queluz e da Bemposta, como igualmente na Real Basilica de

111 BN - Divisão de Manuscritos - C59,10(1). Uma data aparece grafada com lápis colorido no documento, 22 de

abril de 1830. Não é caligrafia de Simão Portugal e pode ter sido colocada por algum funcionário do Imp ério após recebê-lo e despachá-lo, como aparece em centenas de outros documentos consultados.

112 Maria Luiza Queiroz Santos (Isa). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 269.

113 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 01 doc. 11 (34). Carlos de Castro Lobo faleceu em 28 de fevereiro de 1849 (Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 13 pac. 3 doc. 277). Em 15 de março do mesmo ano, José Benício de Castro Lobo, natural da cidade do Ouro Preto da Provincia de Minas, sobrinho do finado organista da Capella Imperial Carlos de Castro Lobo, solicitou nomeação para o cargo informando estar necessitando honrosamente adquirir meios de vida para poder valer à desgraçada e numeroza familia do dito seu finado tio que fica na ultima mizeria. (Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 928 pac. 74 doc. 123).

114 BN – Divisão de Manuscritos - C59,10(9). 115 BN - Divisão de Manuscritos - C59,10(5) e Arquivo Nacional - Ijj143, nº 305, p. 162. Apud Cleofe Person de

Mattos, p. 232. 116 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 02 doc. 1 (62).

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Mafra”.117 Jean Paul Sarraute, musicólogo e biógrafo de Marcos Portugal, afirmou que Simão

“não evoluíra senão à sombra do irmão, que o ajudara poderosamente durante toda a sua

carreira”, no que foi antecipado pelo sempre ferino Luiz Joaquim dos Santos Marrocos,

anteriormente mencionado:

Simão Portugal he Organista da Capella R. com os seus 300$000 rs e appendices, ignoro se com ração; porém o irmão tem-no introduzido com os seus conhecimentos, de sorte, q. tem grangeado muitos discipulos e discipulas, q. lhe mandão suas seges a casa busca-lo: eu tenho-o visto mil vezes nas d.as seges, entre elas a da Duqueza de Cadaval; por isso não tem razão de lamentar-se, por q. he mui natural lhe provenhão grandes intereses de seu exercicio. 118

De fato, o próprio Simão Portugal revelou receber um “miserável ordenado, sem ração, como

alguns dos seos companheiros tem, com grandes ordenados” e queixou-se “ter a sua saúde

perdida no exercício de liçoens, cuja utilide tem sido mui precária”. Não obstante, seu pedido

de um Hábito da Ordem de Cristo, feito em 1821, teve a “incomparável ventura de ser

attendido”, mas “foi mandado ficar esperando” até 16 de novembro de 1824.119

Nada restou da música composta por Simão Portugal no Rio de Janeiro. No Catálogo

das Musicas da Capela Imperial, de 1902, aparecem relacionadas uma Missa festiva e uma

Missa breve, obras que se perderam ou foram destruídas, pois não são citadas no catálogo de

1922 e, atualmente, não mais se encontram no arquivo. Em Portugal, na Biblioteca da Ajuda,

está preservada uma obra de sua autoria: um Salmo Beatus vir, composto em 1803, antes de

sua vinda para o Brasil.120 Cernichiaro considera Simão Portugal “muito inferior” ao irmão,

afirmando serem suas composições “de pouquíssimo valor musical”.121 Maria Luiza Queiroz,

porém, afirma encontrarem-se no arquivo da Sé de Lisboa algumas obras de Simão Portugal e

“que são de sua autoria as sinfonias de quase todas as óperas de Marcos Portugal, as quais

reduziu para piano, instrumento de sua predileção”.122

Nas mãos de Fortunato Mazziotti e de Simão Portugal, após a abdicação de Pedro I,

em 7 de abril de 1831, a Capela Imperial perdeu todo o seu brilho e pouco despertou o

interesse dos sucessivos regentes que, até a maioridade de Pedro II, decretada em 1840,

quando tinha apenas 14 anos, conduziram o novo país através de um período bastante

117 BN - Divisão de Manuscritos - C59.10 (1). 118 Luiz dos Santos Marrocos (1781-1838). Cartas..., p. 159-61. 119 BN - Divisão de Manuscritos - C59,10(9) e C59,10(6). 120 Biblioteca da Ajuda - Catálogo de música manuscrita - v. IV, p. 124. 121 Vicenzo Cernichiaro, p. 91. 122 Maria Luiza Queiroz Santos (Isa). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil. Rio

de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 269.

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turbulento, em que alguns vêem até mesmo uma experiência republicana. Curta de numerário

por conta das despesas com as operações militares para conter os diversos movimentos

rebeldes que surgiram de norte a sul, ameaçando a integridade do território, e desconfiada de

qualquer instituição que lembrasse o despotismo do filho de D. João VI ou as ligações com

Portugal, a Regência despediu todos os músicos da Capela alguns meses depois do 7 de abril.

Em julho de 1831, a orquestra já estava reduzida ao órgão, a um rabecão e a um violoncelo e,

daí até 1841, estabelece-se uma enorme lacuna na documentação.123

Os músicos continuaram vivendo penosamente. Alguns, como João dos Reis Pereira e

Manuel Pimenta Chaves, sobreviveram como diretores de música ou organistas nas igrejas da

cidade; José Maria da Silva Reis passou a anunciar nos jornais, oferecendo-se para ensinar

música; Francisco da Luz Pinto tornou-se professor no Colégio Pedro II; outros dedicaram-se

a copiar música ou foram buscar trabalho em Buenos Aires ou Montevidéu. 124 Nessas

condições, a criação da Sociedade Musical Beneficente, por Francisco Manuel da Silva, em 16

de dezembro de 1833, constituiu uma medida de emergência para acudir aos músicos sem

nenhum amparo, os doentes e suas famílias, e custear- lhes os funerais, como será visto no

próximo capítulo.

123 Ao cumprir-se o ato da Regência, fez-se o levantamento da vida funcional dos músicos que então serviram na

Capela desde 1809: data da portaria de admissão, ordenado e aumentos periódicos, licenças e jubilação. O documento tem o número de 53 e é de 11 de julho de 1831 (Arquivo Nacional, cx. 12).

124 Cf. Carlos Vega. “Meso Musica.” Revista del Instituto de Investigación Musicológica Carlos Veja 5, 1982; Gaston Talamon. História de la Musica. Buenos Aires, Ricordi Americana, 1954; e José Ignácio Perdomo Escobar. La ópera en Colombia. Bogotá, Litografía Arco, 1979.

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CAPÍTULO 3:

FRANCISCO MANOEL DA SILVA, UM CASO PARADIGMÁTICO

Em função dos múltiplos papéis que exerceu como representante de seus pares, como

incentivador da educação musical e como organizador da vida musical da capital do Império,

Francisco Manoel da Silva pode ser considerado um dos músicos brasileiros mais importantes

de meados do século XIX. Além de compositor, autor que foi da música do atual Hino

Nacional Brasileiro e de diversas obras religiosas hoje quase totalmente esquecidas, ele

participou da revitalização da Capela Imperial no início do segundo reinado e tornou-se o

principal responsável ou esteve envolvido na criação de uma série de instituições

fundamentais para o desenvolvimento da vida musical do Rio de Janeiro, como a Sociedade

de Beneficência Musical, a Sociedade Filarmônica, o Conservatório de Música e a Academia

de Música e Ópera Nacional.

Francisco Manoel da Silva nasceu em 21 de fevereiro de 1795 e foi batizado na

freguesia da Candelária, filho legítimo de naturais da freguesia de N. S. do Loreto de

Jacarepaguá e neto de naturais do recôncavo carioca.1 Na Capela Real, Francisco Manoel

começou em 1809 como cantor, no naipe de sopranos, na qualidade de aluno do padre José

Maurício, mas completou sua formação musical estudando, a partir de 1816, com Sigismund

Neukomm. Ao completar 28 anos em 1823, alegando voz enfraquecida, requereu ao

imperador Pedro I2 para ocupar o lugar de timbaleiro da Imperial Câmara e Capela, que se

encontrava vago, com o mesmo ordenado de 65$000 réis, que vencia, no que foi atendido.

Dois anos depois, em 1825, solicitou nova transferência, por encontrar-se vago o lugar de

segundo violoncelo.3 Nos anos seguintes, continuou servindo à Capela como instrumentista e

também, em algumas ocasiões, como compositor, além de seu secretário e ainda da

Irmandade de Santa Cecília, cujo acervo de partituras utilizou mais tarde, para suprir o

repertório da Capela com peças que reorquestrou. Como instrumentista, viu-se demitido da

instituição em 1831, atingido pela dispensa em massa que praticamente extinguiu a orquestra.

1 Ayres de Andrade.. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967

(Coleção Sala Cecília Meireles), v. 1, p. 54. 2 Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos e obras raras - C774,35. 3 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 12 pac. 1 doc. 04 - BN C728,8 e C953,41.

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Durante os onze anos seguintes, em que esteve afastado das atividades da Capela

Imperial, fundou a Sociedade de Beneficência Musical, para dar assistência aos músicos

desempregados e às famílias daqueles falecidos, assumiu o lugar de regente titular da

orquestra da Sociedade Filarmônica e publicou seu Compêndio de Música, que passou a ser

usado pelos alunos do Imperial Colégio de D. Pedro II. Em 1840, solicitou, em documento à

Assembléia Legislativa também assinado por Fortunato Mazziotti e outros músicos, a

concessão de duas loterias anuais com a finalidade de fundar um conservatório de música, o

que lhe foi concedido através do Decreto nº 238, de 27 de novembro de 1841, e, no mesmo

ano, em 26 de junho, foi nomeado compositor da Imperial Câmara.4

No ano seguinte, voltou como mestre de capela à Capela Imperial reorganizada, em

substituição a Simão Portugal, que falecera, posição que iria manter até sua morte. Poucos

anos depois, em 1848, tornou-se o primeiro diretor do Conservatório de Música, cuja

fundação incentivara, e logo passou a fazer parte do conselho artístico da Academia de

Música e Ópera Nacional. Condecorado com a Ordem da Rosa, primeiramente no grau de

Cavaleiro (1847) e, posteriormente, no grau de Oficial (1857),5 faleceu, aos setenta anos, em

18 de dezembro de 1865.6 Poucos dias depois, em carta datada de 23 de dezembro de 1865,

Antônio José de Araújo7 informava o imperador das circunstâncias da morte do compositor:

Francisco Manoel da Silva, alguãs horas antes de expirar encarregou-me de scientificar a V.M. Imperial, que elle morria pobre, deixando tres filhas, das quaes D. Maria Amalia da Silva Freire é casada com o 2º Escripturario d'Alfandega Balduino Freire; D. Adelaide Julia da Silva Rocha é casada com João Alves da Rocha, vivendo estas duas sempre sob o amparo de seu Pai por não terem meios de se manter, especialmente a segunda de quem o marido se acha ausente nos Estados Unidos; a terceira, de nome D. Amelia Fernandinha Ferraz, é casada com o D.or Fernando Francisco da Costa Ferraz. Declarou-me mais, Imperial Senhor, que só deixava uma pensão de quatrocentos mil reis repartidamente por suas tres filhas; e bem assim que nem um ordenado percebera como director do Conservatorio de Musica.8

4 Biblioteca Nacional - Setor de manuscritos e obras raras - C774,35. Ver ainda Ayres de Andrade, Francisco

Manuel da Silva ..., v. 2, p. 231. 5 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., v. 2, p. 232-233. 6 Ofício de Mons. Félix ao marquês de Olinda. Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial -

cx. 14 pac. 08 doc. 49. 7 Antônio José de Araújo nasceu no Rio de Janeiro em 2 de fevereiro de 1807. Poeta e escritor com livros

publicados e artigos assinados nos principais jornais da época, foi oficial do Imperial Corpo de Engenheiros, professor honorário do Lyceu de Artes e Ofícios, além de sócio da Sociedade Propagadora das Belas Artes e do Conservatório Dramático. Faleceu em 16 de abril de 1869. (Augusto Victorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Bibliográphico Brazileiro. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1883). Não confundir com o organeiro português homônimo que veio de Portugal acompanhando o órgão encomendado para a Capela Real, falecido em 1828. Ayres de Andrade. Francisco Manuel , v. 2, p. 135.

8 Museu Imperial - Divisão de documentação histórica - Arquivo da Casa Imperial - M 123 doc. 6181.

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Os Hinos Patrióticos

A Independência de 1822 fez do Brasil um país politicamente autônomo, mas sua

cultura, partilhava-a em grande parte com a antiga metrópole. Nas décadas seguintes, este foi

um dos problemas que as elites brasileiras tiveram de enfrentar. Sob esse aspecto, uma das

primeiras manifestações dessa preocupação foi a criação dos símbolos nacionais. Na época, o

hino nacional ainda era uma novidade, nascida do ambiente ilustrado do século XVIII, em que

o poder compreendera, de maneira sistemática, o efeito e a possibilidade de manipulação da

população através do conhecimento e das idéias. Como mostra Estebán Buch, o primeiro

exemplar foi o God save the King, introduzido por volta de 1745, seguido por La Marseillaise

e, no registro da reação à Revolução de 1789, pelo Hino do Imperador de Haydn. 9

No Brasil, por essa altura, cantava-se um hino composto em 1809 por Marcos Portugal

a partir de uma cantata sua, em homenagem a D. João por ocasião de seu aniversário e que

permaneceu em uso do outro lado do Atlântico até 1834. Em 1817, para a aclamação de D.

João VI, Marcos Portugal compôs um novo hino, cuja partitura encontra-se na Escola de

Música da UFRJ, embora Ernesto Vieira afirme que D. Pedro teria também composto um

outro para a ocasião, adaptando e modificando algumas partes do primeiro elaborado por

Portugal. 10 Em 1821, após o regresso de D. João VI a Lisboa, uma carta de D. Pedro de 8 de

junho revela que ele tinha composto um hino constitucional, cuja partitura seguia anexa. Logo

publicado pela imprensa régia, o hino fora cantado em 13 de maio num espetáculo de gala no

Theatro São João em comemoração ao aniversário de D. João VI, assim como em diversas

ocasiões posteriores, conforme noticiado pela Gazeta do Rio de Janeiro e pelo Diário do Rio

de Janeiro, e chegou até Lisboa, onde foi executado no Theatro São Carlos, em 24 de agosto

de 1821, com o nome de Hino da Carta ou Hino da Constituição.11

Em São Paulo, quando da visita de d. Pedro em setembro de 1822, há notícias da

execução de um Hino Constitucional Brasiliense pelas ruas da cidade, mas, na aclamação de

D. Pedro como imperador constitucional, em 12 de outubro, foi uma composição de Marcos

Portugal que foi tocada.12 Ao que tudo indica, o chamado Hino da Independência, composto

9 Esteban Buch. La Nouvième de Beethoven: une histoire politique. Paris, Galimard, 1999. 10 Ernesto Vieira. Dicionário biográfico de músicos portugueses. Lisboa, Tipografia de M. Moreira & Pinheiro,

1900. 2v. il. 11 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., v. 2, p. 141 e 143. 12 Para essas questões, ver Memória - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a 3 de agosto de 1877,

publicado no tomo 40, parte II, da Revista do IHGB, mais Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., 1967, p. 147, e Bruno Kiefer. História da Música Brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1977.

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por D. Pedro sobre versos de Evaris to da Veiga, destinou-se às comemorações do juramento

da Constituição, conforme notícia do Diário do Governo de 26 de março de 1824.13 No final

do mesmo ano, aliás, o Diário Mercantil de 13 de dezembro noticiava a publicação do Hino

Imperial e Constitucional, de autoria de D. Pedro I, e do Hino Brasílico-Imperial, de Marcos

Portugal, encontrando-se ambos, “com cantoria e música para pianoforte”, à venda “no

armazém de instrumentos e música de Ferguson e Crockatt, cada um por 320 réis.”14

Em 12 de outubro de 1830, aniversário do imperador e de sua aclamação, o espetáculo

de gala no Imperial Theatro de São Pedro de Alcântara incluía a apresentação de La Gazza

Ladra de Rossini, a qual foi precedida pelo hino de D. Pedro. “Hino Nacional” registrou o

Jornal do Commercio.15 Contudo, foi a última vez que D. Pedro ouviu sua composição no

teatro da corte, pois em 7 de abril abdicou em favor do filho criança e em 13 do mesmo mês

partia para Portugal, junto com D. Amélia. Daí em diante, o hino de D. Pedro deixou de ser

executado e foi esquecido. Somente em 1862, quando inaugurou-se a estátua eqüestre em

homenagem ao primeiro imperador, o Hino da Independência voltou a ser tocado, adquirindo

caráter oficial por um decreto de Pedro II. A partitura original estava nas mãos de Francisco

Manoel da Silva, que a ofereceu então ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em cujos

arquivos guarda-se até nossos dias.

Não obstante, já em 16 de abril, noticiava o Jornal do Commercio que na “noite do dia

14 houve teatro e se cantou o novo Hino Nacional.”16 Tratava-se de um hino composto por

Francisco Manoel da Silva, designado por Novo Hino ao Imortal e Feliz dia 7 de abril de

1831, cuja letra, do desembargador Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, passou a ser vendida

em folhas volantes a partir de 26 de abril por 40 réis na loja de papel que ficava na rua do

Ouvidor 75.17 E, em 9 de abril de 1832, o Jornal do Commercio anunciava:

Saiu à luz, litografado, o Hino para canto e piano por Francisco Manuel da Silva, que foi cantado no dia 7 de abril no começo do divertimento dado pela Sociedade Defensora, cujo Hino foi cantado pelas Sras, e sócios da mesma sociedade; acha-se à venda na Litografia da rua da Quitanda nº 111.18

13 Bruno Kiefer. História da Música Brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1977, p. 256. 14 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., p. 155. 15 Biblioteca Nacional – Periódicos. 16 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., 17 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., p. 170. 18 Biblioteca Nacional.

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A partitura mais antiga do hino encontra-se no arquivo da Escola de Música da UFRJ; trata-se

de uma folha de caderno com o manuscrito da melodia sem acompanhamento, feito por

Francisco Manoel da Silva e doada por sua neta, Francisca Muniz Freire Teixeira.

De qualquer modo, em 1837, a composição de Francisco Manoel já adquirira o estatuto

de hino nacional, como revela uma polêmica nos jornais que envolveu Justiniano José da

Rocha e que Ayres de Andrade examina.19

A Sociedade de Beneficência Musical

Em 1833, Francisco Manoel da Silva deflagrou um movimento que tinha por principal

finalidade a fundação de uma sociedade de amparo aos músicos, mas que deveria

desempenhar paralelamente uma função cultural. Tratava-se de uma atualização da extinta

Irmandade de Santa Cecília, recorrendo-se a um nome secularizado e com uma atuação mais

de acordo com a época. Desse movimento nasceu a Sociedade de Beneficência Musical.

O próprio Francisco Manoel organizou os estatutos, aprovados em 18 de novembro de

1833. Em 16 de dezembro, a nova sociedade instalou-se no mesmo local em que costumava

reunir-se a Irmandade de Santa Cecília, ou seja, no consistório da igreja do Parto, e, na sessão

de 28 de abril de 1834, Francisco Manoel foi eleito seu diretor, cargo que continuou ocupando

até sua morte.20 Entre outras medidas, os Estatutos estipulavam a concessão de uma diária de

1$200 réis aos sócios doentes ou encarcerados, enquanto não fossem julgados, e de uma

pensão mensal de 20 a 30$000 réis às viúvas dos sócios com mais de dez anos de

contribuição. Consistia, portanto, em uma antecipação dos atuais institutos de aposentadoria.

A partir de 1840, contribuindo para desvinculá- la da imagem da antiga Irmandade de

Santa Cecília, a Sociedade se transferiu da igreja do Parto para a Praça da Constituição nº 15,

onde permaneceu até 1851, quando passou para o nº 17 da mesma praça, e passou a ser

conhecida como Sociedade de Música.

Por outro lado, uma das primeiras providências tomadas pela Sociedade foi dar início a

concertos, que estabeleceram o padrão de realizações de tal natureza no Rio de Janeiro. Nos

primeiros anos, repetem-se com freqüência nos programas repletos de trechos de óperas os

nomes de Francisco Manoel, como regente da orquestra, e os de músicos e cantores, como

Fasciotti e João dos Reis. Pela quantidade dos nomes que passaram a figurar nos programas da

Sociedade, percebe-se que esta se tornou uma grande promotora dos músicos da época, cujo

19 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva, v. 1, p. 173-5. 20 Mario de Andrade. Aspectos da Música Brasileira. Belo Horizonte, Vila Rica Editora, 1991.

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número já era suficiente para garantir a continuidade das temporadas musicais, tanto mais que

começavam a surgir com regularidade cada vez maior na vida musical da cidade os músicos

estrangeiros que por aqui passavam em turnê ou de forma itinerante.

Paralelamente, surgia a Sociedade Filarmônica, a ser examinada em um próximo

capítulo. Nela, também atuou Francisco Manoel, como registrou Manuel de Araújo Porto

Alegre na revista Guanabara, em 1851, segundo Ayres de Andrade, posdatando em dois anos

a sua formação.

Em 1836, na rua S. Pedro, se reuniam alguns amadores e artistas, e formaram uma Sociedade Filarmônica. Eram a alma desta sociedade os Srs. D. Francisco, pianista, o falecido Cândido Inácio da Silva, o Sr. Felipe e outros [...] A filarmônica foi crescendo, mudou-se para a Praça da Constituição, até que tomou o caráter de uma verdadeira academia musical [...] À entrada do Sr. Francisco Manoel da Silva, ao concurso de suas admiráveis discípulas e ao gosto e aos aplausos dos sócios se deveram aquelas noites admiráveis que fizeram as delícias da melhor sociedade do País e admiração dos estrangeiros.21

Era, no entanto, o registro de sua dissolução definitiva, apesar da tentativa de

ressurreição promovida por um concerto no Theatro Provisório em 1857, que não logrou

êxito. Não obstante, dez anos antes, aparecera a Sociedade Filarmônica em 18 de julho de

1841, por ocasião das festas da coroação de Pedro II, conduzida por Francisco Manoel da

Silva, ao executar o novo Hino à Coroação, que ele compusera para a cerimônia. O Diário do

Rio de Janeiro de 12 de julho de 1841 elogiou o jovem imperador pela escolha de Francisco

Manoel para a função e enalteceu o compositor pela sua atuação, mencionando ainda o projeto

então encaminhado pela Sociedade à Câmara dos Deputados para a criação de um

conservatório de música.22 Na realidade, o Hino, com letra de João José de Souza e Silva,

irmão de Joaquim Norberto, tivera a primeira audição pública em uma apresentação da

Filarmônica no paço imperial em junho, juntamente com um variado programa de trechos de

óperas, quando provavelmente ficou decidida a nomeação de seu autor para mestre compositor

de música da Imperial Câmara.23

Quatro dias depois, o mesmo jornal já noticiava que estava posta em venda a partitura

para canto e piano do Hino à Coroação , oferecido a D. Pedro II, nas lojas nº 91, 118 e 130 da

21 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva ..., v. 1, p. 177. Cf. também p. 178. 22 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva ..., v. 1, p. 179-80. 23 Notícia veiculada pelo Jornal do Commercio de 21 de junho de 1841, apud Ayres de Andrade, Francisco

Manuel da Silva ..., v. 1, p. 180-1.

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rua do Ouvidor e na rua Direita nº 27.24 Contudo, nesse momento, também circulou um outro

hino com uma letra adaptada à ocasião, com toda a possibilidade pelo autor da primeira,

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, mas que mantinha a música do Hino de 7 de abril de

Francisco Manoel – ou seja, a música do atual Hino Nacional Brasileiro, demonstrando a sua

consolidação no imaginário da época.25

A Capela Imperial

Após a demissão em massa que se seguiu à abdicação de Pedro I, os músicos

instrumentistas passaram a servir à Capela Imperial de forma esporádica, apenas em alguns

solenidades mais importantes do ano. O restante do serviço era feito com os cantores e os

poucos instrumentistas remanescentes. Por isso, ao abrir-se o segundo reinado, monsenhor

Fidalgo, o então inspetor da Capela Imperial, passou a reivindicar do governo a reorganização

do conjunto orquestral extinto.

A contratação de músicos por função revelava-se, na verdade, segundo o inspetor,

mais dispendiosa do que a manutenção dos contratos anuais. Em um documento assinado por

monsenhor Fidalgo, e encaminhado ao ministério em agosto de 1840, afirma-se que

“continuando-se alguma vez a chamar de fora instrumentistas, vêm certamente a fazer maior

despesa do que se eles forem admitidos.”26 Outro documento posterior, de 6 de novembro de

1849, assinado por monsenhor Manoel Joaquim da Silveira, sugere haver um pacto entre os

músicos demitidos, estabelecendo um valor mínimo para a remuneração a ser aceita para

tocarem na Capela Imperial.

Quando no principio da Menoridade de Sua Magestade, o Imperador, forão dispensados do serviço da Capella os musicos instrumentistas, fizerão um convenio, no qual se assentou, que nenhum muzico tocaria na Capella Imperial por menos de 12$000 rs por cada accção differente e distincta, e por tal modo se colligarão, tão religiosamente cumprirão o seo convenio, que uma só vez o não quebrarão. Não sei se isto ou outra razão de conveniência, forçou o novo contracto do instrumental presente.27

Faltava, porém, alguém para liderar a reorganização da orquestra da Capela Imperial.

Os dois mestres-de-capela remanescentes, Fortunatto Mazziotti e Simão Portugal, já não mais

tinham capacidade para promover tal empreendimento, não só pela idade avançada, como

24 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva...; A partitura original do Hino encontra-se na Divisão de

Música da Biblioteca Nacional. 25 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva ..., v. 1, p. 181-3. 26 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva ..., v. I, p. 165. 27 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 03 doc. 305.

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também pelo quase total desprestígio perante a classe musical e as autoridades do Império.

Uma oportunidade, porém, surgiu com a morte de Simão Portugal. Para ocupar a vaga, foi

nomeado Francisco Manoel da Silva em 17 de maio de 1842.28

Hey por bem Nomear a Francisco Manoel da Silva para Mestre compositor da Minha Imperial Capella, que vagou pelo obito de Simão Portugal. Paulino José Soares de Souza, do Meo Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça o tenha assim entendido, e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em dezessete de Maio de mil oitocentos e quarenta e dois, vigesimo primeiro da Independência e do Império. 29

Uma das primeiras providências do novo mestre-de-capela foi enviar, em 10 de

dezembro de 1842, um documento ao mesmo Ministro dos Negócios da Justiça, solicitando

imediatos reparos no órgão da Capela Imperial, “pelo seu estado ruinozo, ameaçado que

estava de ficar talvez dentro de poucos mezes de todo inutilizado.” Da mesma forma,

Francisco Manoel propôs o preenchimento da vaga de organeiro, que se encontrava vaga

desde a morte de Antônio José Araújo, organeiro português que veio de Lisboa para instalar o

órgão comprado para a Capela Real em 1814 e que faleceu no Rio de Janeiro em 15 de julho

de 1828.30

A segunda proposta de Francisco Manoel, mas endossada por Fortunatto Mazziotti, o

outro mestre-de-capela, nomeado ainda nos tempos de D. João VI, foi a de reorganizar a

orquestra, alegando ser a contratação permanente dos músicos de reconhecida utilidade e

economia.

Não menos deve merecer a attenção de V. Exª a parte relativa à música para os dias solemnes, em que se torna indispensável grande orquestra. Pelo orçamento apresentado pelo Monsenhor Inspector, he calculada em 5.000$000 rs a quantia necessária para pagamento dos professores convidados para a execução d'esses dias; e com o diminuto acrescimo de 1:240$000 se poderá engajar huma orquestra muito maior, organizada segundo plano junto, como outrora houve no governo do Avô e do Pai de S.M. o Imperador, com o que se conseguirá melhor desempenho n'essas funcções, como tão bem se pode contar para qualquer serviço extraordiário, que se faça mister; sendo para notar que aproximando-se o Feliz Consorcio de

28 A data da morte de Simão Portugal é incerta. Ayres de Andrade cita, apenas, o ano de 1842 (Op. cit., v. II, p.

217). Cleofe Person de Mattos dá o ano de 1855 (Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia - biografia, p. 244). Entretanto, Simão Portugal faleceu em alguma data entre 1º de agosto de 1841, quando assinou uma carta de recomendação para Francisco da Luz Pinto (Coleção Eclesiástica cx. 923 Pac. 48 doc. 96 (9) e 17 de maio de 1842, quando Francisco Manoel da Silva assumiu o posto de mestre-de-capela. Não foi encontrado, entre os documentos consultados no Arquivo Nacional ou na Biblioteca Nacional nenhum que informe a data precisa de seu falecimento.

29 Maria Luiza (Isa) Queiroz Santos. Origem e Evolução da Música em Portugal e sua Influência no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 125.

30 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 53. Cf. ainda Ayes de Andrade. Francisco Manuel, v. 2, p. 136.

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S.M.I. necessariamente deve augmentar o número das festividades solemnes, e talvez que os 5.000$000 orçados sejão insufficientes para ocorrer a estas despezas extraordinárias; he por isso o engajamento de reconhecida utilidade e economia.31

O plano de reorganização resultou na contratação de 24 novos músicos, aos quais se

integraram aqueles não demitidos em 1831, que se limitavam, naquele momento, a um

fagotista e um contrabaixista. A nova orquestra da Capela Imperial foi reorganizada, portanto,

com um total de 26 músicos. O plano de reorganização apresentado foi o seguinte:

Tabela nº 1: Músicos da Capela Imperial em 184332

Instrumentos Artistas habilitados para exercerem os lugares

Vencimento anual

Prº violino Regente Manoel Joaqm Correia dos Santos 240$000 Dº concertino João Antônio da Matta 220$000 Dº Regente dos 2dos Joze Joaqm dos Reis 220$000 Violino acompanhante Heliodoro Norberto Florival 200$000 Dº dº João Vitor Ribas 200$000 Dº dº Joze Miz Ferreira 200$000 Dº dº Manoel Francisco Miz 200$000 Dº dº Francisco Bosch 200$000 Violetta Pe. Manoel Alv. Carneiro 220$000 Flauta Thimoteo Eleutério da Fonseca 220$000 Prº oboé Siverianno Antônio da Silva 220$000 Segdo dº Bernardo Antônio da Silva 200$000 Prº clarinetto João Bartholomeu Klier 220$000 Segdo dº João de Carvalho 200$000 Prª trompa Claudio Antunes Benedicto 220$000 Segda dª Luiz José da Cunha 200$000 Prº clarim Carlos Augusto Cavalier 200$000 Segdo dº Mariano Joze Nunes 200$000 Fagotte Antônio Xavier da Cruz Lima 200$000 Prº violoncello Francisco Duarte Bracarense 220$000 Segdo dº Deziderio Dorisson 200$000 Prº trombão Manoel Francisco Tavares 200$000 Segdo dº Antônio Diogo 200$000 Timpano Francisco Manoel Chaves 200$000

A primeira cerimônia importante celebrada na Capela Imperial após a reorganização

da orquestra foi realizada “no dia das Solemnes Nupcias” de Pedro II com a Princesa das

Duas Sicilias, Tereza Cristina Maria. O casamento foi, na verdade, feito por procuração, e a

31 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 53. 32 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 64.

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chegada da futura Imperatriz se deu no dia 3 de setembro.33 Na comitiva, acompanhando a

noiva, estava o músico Arcangelo Fioritto, destacado barítono que, posteriormente, se tornou

cantor e mestre da Capela Imperial. No dia seguinte, teve lugar na Capela Imperial a

cerimônia religiosa, durante a qual ocorreu a execução do Te Deum especialmente composto

para a ocasião pelo mestre Fortunatto Mazziotti,34 que exigiu a contratação de 18 músicos

extras, distribuídos entre quatro violinos, uma violeta, um flautim, dois pistões, um oficlide,

um contrabaixo, quatro pancadarias (percussão) e quatro cantores.35 Outras cerimônias

envolvendo a família imperial brasileira se sucederam, como o casamento de D. Januária,

irmã de Pedro II, com o Conde d'Aquila, irmão da imperatriz Tereza Cristina, realizado na

Capela Imperial no dia 28 de abril de 1844, quando foram, novamente, solicitados músicos

extras.36

Contudo, não era somente entre os instrumentistas que havia problemas. Na segunda

metade dos anos quarenta, o coro da Capela estava composto, em parte, por cantores já

bastante idosos, alguns deles remanescentes dos primeiros anos de funcionamento da Capela

Real. Como se pode ver em documento não datado, mas provavelmente de 1846,

encaminhado por Francisco Manoel da Silva ao Ministério da Justiça, em função de um

pedido de Edmundo Mullot, que solicitara sua nomeação no naipe de tenores, dos sete

cantores nele atuantes, cinco tinham sido admitidos entre 1810 e 1816, tendo alguns, portanto,

mais de trinta anos de serviço. Do conjunto, quatro tinham vindo de Portugal - Antônio Pedro

Gonçalves, fora admitido em 1812, “tendo servido já em Lisboa 11 anos, d'onde foi chamado

pelo Governo do Snr. D. João 6º”; José Maria Dias, fora admitido em 1810; João Paulo

Mazziotti, em 1812; e José Maria Rodrigues, em 1816. Completavam o naipe os naturais do

Brasil Carlos Mazziotti, Gabriel Fernandes da Trindade e Vicente Ayalla, nomeados,

respectivamente, em 1814, 1842 e 1846. Segundo Francisco Manoel, os cantores mais antigos

estavam quase impossibilitados de servir e, daqueles nomeados posteriormente, Gabriel

Fernandes da Trindade encontrava-se “estuporado”, estando em condições apenas Vicente

Ayala.37 Este último, entretanto, não ficou muito tempo mais servindo na Capela Imperial,

pois, em 1852, retirou-se para Buenos Aires, por estar “muito doente do peito”.38

33 Lilia Moritz Schawarcz. As barbas do Imperador . São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 94. 34 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 72 (10). 35 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 72. 36 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 95. 37 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 190. 38 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 01 doc. 24.

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Antes de iniciar-se a segunda metade do século XIX, o coro da Capela Imperial

perderia, como não poderia deixar de ser, vários outros por falecimento, entre eles, Feliciano

Joaquim de Magalhães,39 Luis Gabriel Ferreira Lemos,40 João Rodrigues de Araújo, Antônio

Pedro Gonçalves e o padre Lucio Fluminense, que, apesar de religioso, cantava no coro de

cima.41 E, em 19 de março de 1850, foi sepultado o irmão do mestre-de-capela Fortunato

Mazziotti, o tenor João Paulo Mazziotti, 42 assim como, em 2 de abril de 1853, iria falecer

João dos Reis Pereira, para o qual o padre José Maurício havia escrito solos e que foi

considerado um dos maiores cantores brasileiros de sua geração.43

Além dessas dificuldades, em 29 de outubro de 1850, o inspetor monsenhor Manoel

Joaquim da Silveira encaminhava um documento para o Ministro da Justiça, Eusébio de

Queiroz Coutinho Mattoso Câmara, afirmando ter consultado Francisco Manoel da Silva

sobre o desfalque que também havia nos naipes agudos do coro da Capela Imperial,

supostamente composto cada um por dois cantores, mas, de fato, por apenas um. Francisco

Manoel respondera que, na cidade, naquele momento, só existiam outros dois cantores, além

dos que já atuavam na Capela Imperial, devidamente habilitados para a função, Pedro Guigon

e Theotonio Borges Diniz. Por conseguinte, o inspetor propunha ao ministro implementar

uma reforma que pudesse prescindir das vozes de soprano e contralto:

A não se fazer uma reforma radical na musica da Igreja, como se fez em Roma, e modernamente na França, na qual se prescindiu das vozes de soprano e contraltos, que só podem ser bem desempenhadas por meninos, ou mulheres, e sendo forçoso usar da música actual porque nos faltão elementos para produzir rapidamente essa reforma alias indispensavel, parece-me necessário tratar-se de melhorar o presente estado da musica da Capella Imperial, que com a despedida do soprano Padre Teixeira e a morte do contralto João Rodrigues ficou reduzida ao pessimo estado em que se acha, de não poder executar uma peça regular, quanto mais uma de grande força e execução, como são a maior parte das composições da Capella Imperial.44

Na realidade, os naipes de soprano e contralto do coro da Capela Imperial eram então

formados por cantores sopranistas, ou seja, que cantavam em falsete, embora os castrati, que

formavam os mesmos naipes na época de D. João VI, ainda continuassem a atuar na Capela

após a Independência. Em 1829, Giovanni Fasciotti teve seu contrato renovado por mais seis

39 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 02 doc. 150. 40 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 03 doc. 215. 41 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 01 doc. 15 e doc. 40. 42 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 04 doc. 12. 43 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 01 doc. 49. 44 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 4 doc. 50.

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anos, podendo ter cantado na Capela Imperial até 1835, mas não se sabe ao certo a data de sua

morte,45 e, ainda no início dos anos quarenta, podiam ser ouvidos na Capela os irmãos Pascoal

e Marcelo Tanni.

Diante dessa situação, sem poder contar com os castrati e não sendo permitida a

atuação de mulheres no coro da igreja de forma permanente, o mestre-de-capela Francisco

Manoel defrontou-se com duas possíveis soluções: ou adaptava, como queria o inspetor, o

repertório de modo a possibilitar sua execução apenas pelas vozes masculinas ou lançava mão

do mesmo recurso utilizado pelo padre José Maurício quando ocupara a função na Catedral do

Rio de Janeiro, antes da chegada da Corte e dos castrati, servindo-se de seus alunos e de

meninos do Seminário de São Joaquim para formarem os naipes agudos do coro. Francisco

Manoel da Silva optou pela segunda. Em 1851, pela primeira vez, apareceram cantando no

coro da Capela Imperial os alunos do Conservatório de Música, recentemente criado.

Os alunos do Conservatório eram remunerados com verba prevista em orçamento e um

professor assinava o recibo por todos e distribuía o valor entre eles, de acordo com o número

de funções realizadas por cada um, aparecendo nesses documentos no Arquivo Nacional e no

Cabido Metropolitano os nomes de Francisco da Luz Pinto, Dionísio Vega e Francisco

Manoel da Silva como professores.46 Estabeleceu-se, assim, uma forte ligação entre o

Conservatório e a Capela, como se pode observar de uma informação do próprio Francisco

Manoel de 31 de dezembro de 1852:

Inclusa achara Vª Exª a nota das faltas que houverão no coro da musica da I. Capella durante o mez de dezembro do corrente: e juntamente uma certidão de molestia do artista Salvador Fabregas. Faço sciente a Vª Exª que em consequencia da enfermidade do Pe Lucio, convidei a Hegino José de Araujo como Vª Exª me ordenou verbalmente para preencher esta falta, e elle cantou 1ras Vesperas, Matinas e Missa no dia 24, Missa no dia 25, e Te Deum no último do anno e por se achar o artista Leal doente convidei a Francisco Ribeiro para o Te Deum do dia 31 e bem assim para o dia 1º de Janeiro. Aproveito esta ocazião para reclamar a bem do serviço que o artista Hegino seja engajado para suprir o lugar do Pe Lucio, é jovem discípulo do Conservatório de muita esperança e precisa ser animado; me parece também de justiça que os 5$000 que elle tinha de gratificação passem para Joaquim José Maciel que canta contralto também allunno do Conservatório, a fim de ficar attento ao seo merito em 10$000 mensaes, e elle servir de imulação para os demais allunos. Interinamente convidei o Francisco Ribeiro para preencher o logar do Leal durante a sua molestia.47

45 Em abril de 1841, o inspetor monsenhor Fidalgo informou que ele já havia falecido. Arquivo Nacional - Casa

Real e Imperial - Capela Imperial cx. 13 pac. 03 doc. 305. 46 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 1 doc. 40. 47 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 1 doc. 40.

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A participação dos alunos do Conservatório de Música nas atividades da Capela

possibilitou, a curto prazo, a solução para o problema das vozes de soprano e contralto e, a

longo prazo, a disponibilidade de mão-de-obra especializada para a música da igreja. Por

outro lado, com o ingresso dos alunos do Conservatório, a sonoridade do coro da Capela

Imperial mudou, causando uma boa impressão aos freqüentadores das cerimônias realizadas

na Catedral, como comprova o relato do Jornal do Commercio, em 1854, por ocasião das

exéquias de D. Maria II, rainha de Portugal:

Notou-se na execução da música religiosa uma inovação que depõe em favor do espírito, dos olhos e dos ouvidos de seu diretor ou regente. As vítimas da sensualidade musical desapareceram do coro da Capela. Em vez daquelas massas descomunais de carne, em vez daquelas vozes que no seu tempo se chamaram falsetes e que hoje não passam de uma miauada incômoda, o Sr. Francisco Manoel nos apresentou meninos graciosos, alunos do Conservatório, cuja voz argentina é preferível aos guinchos dos sopranos artificiais. Todos têm seu tempo: o dos eunucos parece que está a findar.48

No entanto, apesar da recomposição da orquestra em 1843 e do início da participação

dos meninos do Conservatório no coro, a Capela Imperial continuava a padecer de

dificuldades para assegurar sua normalidade funcional. Em 14 de setembro de 1848, o cônego

Francisco dos Santos Moreira, novo inspetor da Capela Imperial após o falecimento de

monsenhor Fidalgo, reclamava da atitude dos músicos e propunha uma tabela para multar os

faltosos e puni- los em caso de reincidência.

Não me tendo sido possível conseguir dos musicos que cumprão seus deveres, apesar de minhas advertencias, e conselhos, chegando a tal ponto o abuso de deixarem o serviço da Capella para irem com escandalo geral lucrar em outras funcções, visto que o salario he certo na Capella Imperial, e que vendo obviar este abuso tão escandaloso, tenho a honra de offerecer a V. Exª huma tabella das multas, que devem ser impostas aos mesmos musicos, a fim de que elles cumprão os seus deveres [...].

Tabella das multas, que devem ser impostas aos musicos cantores e instrumentistas, que faltarem às funções da Capella Imperial, não apresentando certidão dos medicos, quando estiverem doentes.

Nos dias de 1ª Ordem

Vesperas 2$000 Matinas 2$000 Missa 2$000 Segundas Vesperas 2$000 Te Deum de 1ª Ordem 2$000 cada um

48 Apud Ayres de Andrade. Francisco Manuel, v. 1, p. 219.

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Nos dias de 2ª Ordem Vesperas 1$000 Missa 1$000 (sendo dia de Corte 2$000) Segundas Vesperas 1$000 Missas de 3ª Ordem 1$000 Ladainhas 500 rs Novena do Carmo 1$000 cada dia Procissão de S. Sebastião e Corpo de Deus 4$000 cada huma

Constando de sciencia certa ao Inspetor ou Mestre de Capella, que o musico desamparou o serviço da Capella para ir cantar, ou tocar em outra qualquer Igreja, será multado na mesma quantia, que for lucrar no serviço de outra qualquer Igreja; no caso de reincidencia será multado no dobro, e no terceiro caso será despedido. No caso de se acharem doentes, apresentarão ao Inspetor, ou ao Mestre de Capella, huma attestação jurada pelo medico, a fim de comprovar seo estado, sem o qual attestado perderão irremessivelmente as multas acima designada.49

Tal dificuldade foi provavelmente determinante para a decisão do Governo Imperial

de alterar as relações de trabalho com os empregados da Capela Imperial. Assim, o Decreto nº

697, de 10 de Setembro de 1850, trouxe em seu artigo 9º a determinação de que os “musicos

actuaes continuarão a perceber seus ordenados, em quanto bem servirem: aquelles porem que

forem demittidos ou fallecerem não serão substituidos por outros”.50 Além de suspender os

provimentos de duas dignidades de Monsenhores, Vice-Decano e Arcediago Rural, e seis

canonicatos simples, o mesmo Decreto determinava que “para as solemnidades em que for

necessaria a musica, serão contractados especialmente os cantores e instrumentistas precisos”.

De acordo com essas novas relações trabalhistas, sem a relativa segurança que

representava o chamado engajamento, os músicos passaram a ser contratados por dois anos,

com possibilidade de renovação, convindo ambas as partes.51 O contrato previa, ainda, em

uma de suas cláusulas, a suspensão por um mês ou até sua rescisão, caso os músicos faltassem

ao serviço na Capela para, no mesmo horário, “irem exercer sua profissão fóra della”.

Facilitou-se, portanto, a punição aos músicos faltosos e asseguraram-se as condições para um

melhor controle por parte dos mestres-de-capela. Já os músicos, por outro lado, tinham um

ponto de vista diferente e reagiram como puderam, dirigindo, em maio de 1852, uma súplica

ao imperador, assinada por João dos Reis Pereira, Pe. Lucio Antonio Fluminense, Francisco

49 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 03 doc. 259. 50 Collecção das Leis do Império do Brasil. v.13, Parte 2. Secção 26ª. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1850,

pág. 135-137. 51 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc 57. Contrato do tenor Carlos Gonçalves de

Mattos, p. 327.

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da Motta, Geraldo Ignacio Pereira, Dionisio Vega, Carlos Mazziotti, Francisco da Luz Pinto,

Joze Maria da Silva Rodrigues e Joze Maria Dias.

Os abaixo assignados vem mui respeitosamente ante o Throno de V.M.I. a pedirem justiça, e esperão por ella receber Graça sobre o que passão a expor: Senhor, a passada reforma da Capella de V.M., tendo sido favorável a alguns dos membros, que nella servem, para com outros não foi benefica; estes membros sempre esquecidos nos augmentos de seos diminutos ordenados, recorrerão à Assembléia, cujo requerimento foi acceito, para ser attendido em tempo: percorre este seo giro, e a nova e ultima reforma justifica a necessidade d'aquella que foi pedida: os supplicantes ainda que contrariados, não deixão de convergir suas esperanças para a Augusta Pessôa de V.M.I. esperando por ora, já que não tem outro recurso, ao menos que V.M.I. mande que se reparta mensalmente pelos supplicantes o ordenado, que, como despesa orçada para a Imperial Capella, deixou a vaga do proximamente fallecido Antonio Pedro. Os supplicantes esperão esta Graça de V.M.I. pois que benigno como é jamais deixará de attender às justas suplicas de seos subditos, alguns com mais de quarenta annos de serviço [...].52

Francisco Manoel da Silva procurou administrar esses conflitos, tornando-se uma

espécie de ponto de equilíbrio ao tentar conciliar os interesses da Capela Imperial com as

necessidades dos músicos. Em uma primeira ocasião, manifestou-se contra o pedido de

aposentadoria do fagotista Francisco da Motta. Em seu parecer, datado de 10 de outubro de

1853, depois de elogiar o colega, “um professor distincto e o mais apto que temos tido neste

instrumento”, por sua assiduidade e desempenho artístico, apresentou razões suficientes para

não recomendar a aposentadoria do músico:

Quanto à sua pretenção me parece que não pode ser deferida sem prejuízo para o serviço, e sem offender a outros artistas que servem há mais de quarenta annos e se achão em idades muito mais avançadas que o suppe. Dos proprios attestados dos facultativos se deprehende que o referido artista pode, mediante algum tempo de absoluto resguardo e repouso reparar a saúde que acredita arruinada, e se não tem forças para acudir ao trabalho da Imperial Capella que, por certo não é demasiado penoso em comparação com outros, muito menos os terá para prestar-se às festividades nas Igrejas, aos bailes e aos theatros que são por certo trabalhos mais violentos; no entanto o mencionado artista é visto continuamente nesses lugares exercendo sua profissão o que não se combina com a sua pretenção. Ocorre ainda que nos trabalhos da Imperial Capella são os professores antigos, e de reconhecido mérito, sempre attendidos nos seos justos impedimentos, o que inquestionavelmente remove a necessidade das apozentadorias, que além de não offerecerem vantagem aos artistas, são onerozas ao Thesouro, e podem acarretar difficultades para o bom desempenho das funcções da mesma Imperial Capella.53

Da mesma forma, em 26 de novembro de 1859, dirigia-se ao inspetor da Capela:

52 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 95 pac. 106 doc. 65 (3). 53 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 01 doc. 75.

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Em cumprimento de meo dever tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exª que o professor de musica Norberto Manoel de Normandia, que exerce na Capella Imperial como filho da folha o logar de clarineta, não tem comparecido às funçoens que tem havido desde julho do corrente, tendo sido infrutíferas diversas admoestações que lhe tem sido feitas; para suprir as suas faltas tenho chamado outro artista, o que honera a Capella com mais esta despeza, ao passo que o dº Normandia exerce a arte em outros logares, e não se descuida segundo me tem informado de receber todos os mezes o seo ordenado. Este procedimento inqualificavel reclama uma medida; por isso me animo a lembrar a V. Exª q. só a suspenção dos seos ordenados o poderá fazer entrar nos seos deveres. Digne-se V. Exª tomar em consideração o que acabo de expor a bem do serviço publico.54

Em outros momentos, porém, Francisco Manoel colocou-se claramente ao lado dos

músicos. É o que se pode depreender da série de documentos que relatam o embate entre

Francisco José Martins, contrabaixista, e o inspetor da Capela Imperial, monsenhor

Nepomuceno. Em documento encaminhado ao Imperador em 8 de outubro de 1852, Martins

solicitara que se lhe aumentasse mais metade do ordenado anual de trezentos mil reis que

percebia. A solicitação fora feita em função da doença do segundo contrabaixista da Capela,

ficando Martins “há dezoito mezes só no exercício das funcções da mesma Capella”.55 O

músico afirmou, ainda, existirem “outros muzicos n'aquella Capella, com as mesmas

obrigaçõens que o supplicante e que percebem ordenados muito mais avultados”.

A resposta do inspetor Nepomuceno para o Ministro dos Negócios da Justiça, José

Ildefonso de Souza Ramos, em 3 de novembro de 1852, mostrou-se contrária aos interesses

do músico, revelando um tom ao mesmo tempo arrogante e irônico:

He verdade que o Supplicante he musico rebecão grande que trabalha na Capella, mas elle toca o seo rebecão grande e não toca o do outro, e se por haver hum só há quem soffra he sem duvida o serviço da Igreja, porque dous rebecoens fazem mais bulha do que hum, e o Supplicante sabe muito bem que hum so basta e as vezes nenhum. [...] Quanto a augmentos de ordenados: seria bom que os apontasse depois da Lei da Reforma. [...] Ora o Supplicante não tem razão de queixa por que elle e outro tem 300$000, em quanto que João Antonio da Matta, optimo rebequista tem de ordenado 240$000.

Vendo sua petição ser contestada pelo inspetor com argumentos que julgou

improcedentes e parciais, Francisco Martins solicitou um atestado aos mestres-de-capela. No

documento escrito por Francisco Manoel da Silva, em 27 de dezembro de 1852, mas também

assinado por Fortunato Mazziotti, os mestres-de-capela afirmaram que “o serviço do artista

que toca contrabasso não é inferior ao do regente da orchestra”, no caso o anteriormente

citado João Antônio da Matta. Afirmaram, ainda, que o “contrabasso (ou rabecao gde) é a base

54 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 05 doc. 26.

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da orchestra, e por isso se torna um instrumento indispensável”, concluindo que os

contrabaixistas “são obrigados a todas as funçoens da Capella e por isso tem mais 55 funçoens

que os instrumentistas que só são obrigados a comparecer nos dias de 1ª ordem ou festas

nacionaes”.56

O julgamento do funcionário do ministério, em 29 de dezembro de 1852, acompanhou

o parecer dos mestres-de-capela, contestando firmemente a posição parcial do inspetor,

considerando o quanto fora mal fundada a comparação feita.

direi que o Monsenhor Inspetor devia ver que quando se decretou a lei da reforma, houve augmento para quazi todos os empregados da Capella, sendo alguns delles bem aquinhoados, menos os musicos, que não forão contemplados nessa lei, por tanto já havião nessa occasião as mesmas precisões que hoje reconhece e nem por isso deixou o Monsenhor Inspector e outros empregados de aceitarem o que lhes foi concedido o que podião fazer por patriotismo para não aggravar os Cofres Públicos, visto que as suas obrigações continuavão a ser as mesmas; mas para com o supplicante julga elle não dever ter lugar o que pede por não tocar em dois instrumentos ao mesmo tempo, como se os que até aqui tem sido agraciados com augmento de ordenado fizessem ao mesmo tempo o serviço de dois empregados.57

E, em outra ocasião, às vésperas de seu falecimento, ainda intercedeu a favor de João

Theodoro de Aguiar, após a sua demissão pelo inspetor motivada por um ato de indisciplina,

conforme este relatou em documento de 19 de setembro de 1865:

Em ordem a regularizar o serviço dos musicos cantores da Cathedral e Capella Imperial, mandei que todos se apresentassem de batina e sobrepeliz, como de costume antiquissimo, mas que tinha decahido por abuso, em todas as funções da mesma Capella. Esta minha determinação foi cumprida por todos os cantores a exepção de tenor engajado João Theodoro de Aguiar, que recusou tomar a batina no Te Deum de 7 de setembro, e continuou a não tomal-a na festa de 8 do mesmo mez. Este cantor é de um genio arrogante e turbulento. Houve desobediencia formal, publica e notoria, e por isso intendo que este cantor não pode continuar a funcionar na Capella sem escandalo e mao exemplo para seos companheiros, e que está no caso de ser despedido.58

Após interferência de Francisco Manoel, alegando que o demitido estaria disposto a se

submeter à disciplina do coro, o inspetor reconsiderou e solicitou ao Ministério um novo

engajamento para João Theodoro de Aguiar, em 11 de dezembro de 1865.59

Por volta de 1850, a atividade de Fortunato Mazziotti como principal mestre-de-capela

praticamente cessara, restringindo-se a partir de 1842, quando Francisco Manoel fora

55 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 47 doc. 74 (5). 56 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 47 doc. 74 (10). 57 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 47 doc. 74 (11). 58 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 08 doc. 34. 59 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 08 doc. 46.

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nomeado na vaga de Simão Portugal, apenas às solenidades de primeira ordem e àquelas que

envolviam a família imperial. Em 16 de dezembro de 1848, este encaminhou um pedido de

dispensa ao Ministério, solicitando comparecer apenas nas solenidades de primeira ordem.

Fortunato Mazzioti, serve como Mestre de Capela Imperial há trinta e oito annos, sempre com o maior zelo e assiduidade; hoje porem que sua avançada idade e alguns incomodos em sua saude o privão de comparecer com a mesma assiduidade; com o mais profundo respeito a V. M. Imperial que por effeitos de sua alta bondade haja por bem dispensar o supplicante, quando não puder comparecer na Capella Imperial nas festas de segunda e terceira ordem.60

Todo trabalho administrativo de responsabilidade dos mestres-de-capela passou a ser

feito por Francisco Manoel, cuja caligrafia está presente até mesmo nos documentos assinados

por ambos. Este, sendo uma personalidade de espírito empreendedor e exercendo uma efetiva

liderança sobre o grupo de músicos, foi ocupando o espaço deixado pela omissão de

Mazziotti, que, aos poucos, retirou-se da cena. Depois de 19 de março de 1850, então, quando

faleceu o tenor João Paulo Mazziotti, irmão de Fortunato e de Carlos, levando os dois irmãos

a solicitarem, em 15 de abril de 1850, como era de costume, o pagamento do último trimestre

de salários do falecido,61 as referências ao mestre-de-capela Mazziotti praticamente

desaparecem dos documentos conservados no Arquivo Nacional. De fato, Fortunato Mazziotti

faleceu em 3 de agosto de 1855, após quase quarenta anos de serviço.62

Como resultado, em 13 de outubro de 1855, Francisco Manoel da Silva encaminhou

ao inspetor da Capela Imperial um documento propondo o músico Francisco da Luz Pinto

para a função de mestre-de-capela substituto, “por ser o musico mais antigo e ter as

habilitaçõens necessarias para tal emprego”, acatada pelo Aviso de 12 de novembro de 1855.

Indicou, ainda, no mesmo documento, Bento Fernandes das Mercês para o cargo de arquivista

e avisador, igualmente contemplado pelo mesmo Aviso,63 e procurou acomodar, da melhor

maneira possível, a quantia destinada ao pagamento das gratificações aos dois músicos.

60 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 49 doc. 121 (3). Neste documento, Mazziotti informa

ser mestre há trinta e oito anos. Sua nomeação como mestre ocorreu em 1816. Deveria estar se referindo, em 1848, ao ano de 1810, quando ingressou na Capela Real como cantor.

61 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 49 doc. 128 e Casa Real e Imperial - Capela Imperial cax. 13 pac. 4 doc. 12.

62 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 14 pac. 02 doc. 47. Carlos Mazziotti, seu irmão, que também foi testamenteiro do músico José Gori, em 1819, faleceu em 14/12/1874. Cf. Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 15 pac. 06 doc. 34 e Biblioteca Nacional - Setor de manuscritos e obras raras - C872, 12.

63 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 48 doc. 108. Através de um documento datado de 23 de abril de 1863, um funcionário do Ministério dos Negócios do Império propõe a destituição de Francisco da Luz Pinto do cargo de mestre-de-capela substituto, dizendo que este é mais um Mestre de Capella não autorizado pelo já citado Decreto nº 697 de 10 de setembro de 1850. O mesmo ocorre com Bento das Mercês

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Tenho a ponderar a V.ª Illma que havendo eu sido augmentado com a gratificação annual de 375$000, só resta do ordenado do finado Mestre a quantia de 250$000, e como esta quantia não pode satisfazer completamente a proposta que o Exmo Snr. Ministro se dignou a approvar; por isso me parece que seria sufficiente para o logar de Archivista 120$000; visto que o indivíduo que acabo de lembrar já tem 500$000 de ordenado, 300$000 como cantor, e 200$000 como copista, e então poderia conceder-se a Francisco da Luz Pinto a gratificação de 130$000, pois que só tem de ordenado 300$000.64

Durante praticamente três anos, Francisco Manoel exerceu as funções de mestre-de-

capela com exclusividade, tendo para auxiliá- lo apenas o mestre substituto Francisco da Luz

Pinto. Somente em 1858 surgiu a nomeação do italiano Gioachino Giannini, em

preenchimento da vaga do falecido Fortunato Mazziotti.

Gioachino Giannini chegara ao Rio de Janeiro em 1846, chefiando uma companhia

lírica contratada para a temporada do Theatro São Pedro de Alcântara e, segundo Ayres de

Andrade, nascera da cidade de Lucca, Itália, em 20 de março de 1817.65 Tendo estudado com

Domenico Fanucchi (1795-1862) e Marco Santucci (1762-1843),66 ao chegar ao Brasil,

empregou-se como regente do Theatro São Pedro de Alcântara, onde estreou com uma

produção da ópera Lucrezia Borgia, de Gaetano Donizetti. Após o incêndio do São Pedro,

dirigiu a ópera Macbeth, de Verdi, na inauguração do Theatro Provisório, em 25 de março de

1852. Foi um dos mais atuantes regentes do Rio de Janeiro em seu tempo, tendo dirigido os

concertos do pianista Sigismond Thalberg (1812-1871) e do tenor Enrico Tamberlik (1820-

1889), quando esses artistas deram uma série de concertos na cidade. Como regente, atuou,

ainda, no espetáculo de estréia da Academia de Música e Ópera Nacional, em 17 de julho de

1857. Exerceu, também, importante atividade didática, primeiramente no Liceu Musical,

escola dirigida por ele e pelo músico Dionísio Vega, e, posteriormente, no Conservatório de

Música, para onde foi nomeado em 5 de fevereiro de 1855,67 o mesmo ano em que se

naturalizou, e onde foi professor, entre outros, de Henrique Alves de Mesquita (1830-1906) e

de Antônio Carlos Gomes (1836-1896).68

nos cargos de arquivista e avisador, já que eses dous ultimos empregos não estão mencionados no Decreto citado; e a vista do que elle dispõe no artigo 8º ficão supprimidos desde esta data. (Coleção Eclesiástica cax. 934 pac. 104 doc. 07.

64 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pc. 02 doc. 55. 65 Ayres de Andrade. Francisco Manuel..., v I, p. 174. 66 Marcos Antônio Marcondes (ed.). Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São

Paulo, Art Editor, 1998, p. 322-323. 67 Museu Imperial - Arquivo Histórico - Coleção Carlos Gomes - II - DIG -5.2.855 - Fer.po. 68 Biblioteca Nacional - Divisão de manuscritos - C26, 4.

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Na Capela Imperial, suas atividades foram curtas, embora controvertidas. Ayres de

Andrade informa, sem definir a data precisa, que Giannini foi nomeado mestre-de-capela no

ano de 1860.69 Entretanto, a sua primeira nomeação para a Capela Imperial se deu em 4 de

julho de 1855, quando um decreto do imperador concedeu-lhe o título de mestre-de-capela

honorário.70 Como mestre efetivo, na vaga de Fortunato Mazziotti, ele foi nomeado por

decreto de 8 de março de 1858, vindo a falecer aos 43 anos, em 15 de agosto de 1860, sendo

nomeado em seu lugar o igualmente italiano, Arcangelo Fioritto.71

Ao longo desse curto período, Giannini dividiu o trabalho com Francisco Manoel da

Silva. Dois meses após ser nomeado, mais precisamente em 9 de maio de 1858, teve uma

missa executada na Capela Imperial, como se pode comprovar através de recibo passado por

Bento Fernandes das Mercês, pela contratação de músicos extras.72 Outra cerimônia que,

comprovadamente, teve a participação de Giannini foi a das exéquias de Ferdinando II, rei das

Duas Sicílias e irmão da imperatriz Teresa Cristina, realizada na Capela Imperial em agosto

de 1859. Na ocasião, foram executadas as Absolvições, do padre José Maurício, sob a direção

de Francisco Manoel da Silva, e a Missa Fúnebre, de Biagi, dirigida por Giannini.73 Não se

encontra, naquilo que restou do arquivo da Capela Imperial, nenhuma obra de Giannini.

Algumas, porém, estão depositadas na Biblioteca Alberto Nepumuceno da Escola de Música

da UFRJ, como uma Ladainha, e as cantatas Il genio de Brasile e La festa di Tersicore, ou em

outros arquivos brasileiros, como o do Museu Carlos Gomes de Campinas, que conserva uma

Ladainha em Sol.74

Já Francisco Manoel, além de executar músicas do padre José Maurício reorquestradas

por ele para efetivos instrumentais não previstos nas partituras originais, como se deduz do

69 Ayres de Andrade. Francisco Manuel..., v. 2, p. 175. 70 Museu Imperial - Divisão de documentação histórica - Coleção Carlos Gomes - II - DIG - 4.7.855 - PII.B.d. 71 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 5 doc. 22. Ver ainda Museu Imperial

- Divisão de documentação histórica - Coleção Carlos Gomes - II - DIG - 8.3.858 - PII.B.d. Em documento do Arquivo Nacional, um funcionário da 3ª seção do Ministério, A. J. Victorino de Barros, afirma que Giannini foi nomeado por Decreto de 8 de março de 1858 sem a especificação de rendimentos, mas em Portaria de egual data marcou-se-lhe o vencimento da tabella (Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 Pac. 48 doc. 108).

72 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 6 doc. 15. 73 "Chronica da Quinzena" [1º de setembro de 1859], Revista Popular 3 (1859): 337. Apud. Marcelo Campos

Hazan, The sacred works of Francisco Manuel da Silva 1795-1865. Tese de Doutorado, Washington, D.C., The Catholic Uniersity of América, 1999, v. I, p. 50.

74 Lenita Waldige Mendes Nogueira. Museu Carlos Gomes - Catálogo de manuscritos musicais . São Paulo, Arte e Ciência, 1997, p. 64.

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grande número de manuscritos desse tipo subsistentes,75 introduziu na Capela uma série de

obras de compositores europeus. De Carlo Coccia (1782-1873),76 regeu um Te Deum em 2 de

dezembro de 1861, em honra ao aniversário de Pedro II.77 De Theodor von La Hache (1823-

1867), uma Missa e Credo, com acompanhamento de órgão, foi “instrumentada a grande

orquestra pelo Snr. Mestre Francisco Manoel da Silva.”78 Além disso, fez executar obras de

Arcangelo Fioritto, como um Salmo e um Te Deum, apresentados por ocasião do casamento

da princesa D. Leopoldina com o Duque de Saxe em 15 de dezembro de 1864.79

O Conservatório de Música do Rio de Janeiro

A prática do ensino musical nos tempos de Francisco Manoel, herdada do século

XVIII, previa a imediata participação dos alunos em algum agrupamento musical,

normalmente aquele mantido por seu mestre, onde se aprendia fazendo. Além de ser

importante elemento na formação dos músicos, esta prática representava, também, um

caminho viável para a futura profissionalização, além de um excelente recurso para a

manutenção das bandas e orquestras, já que o aluno, muitas vezes, aprendia o instrumento que

era necessário para o grupo e não aquele de seu gosto. Assim funcionou o curso do padre José

Maurício que, possivelmente, foi o modelo inspirador para Francisco Manoel na criação do

Conservatório de Música, embora não seja de descartar a introdução, também, de algumas

novidades advindas de seu tempo de estudo com Sigismund Neukomm.

Na verdade, cursos regulares oficiais de música já haviam sido criados pelo Governo

Imperial antes da inauguração do Conservatório de Música, mas consistiam apenas em aulas

de música em instituições que não tinham na música a sua razão de ser. No Colégio Pedro II,

por exemplo, a cadeira foi instituída em 1838, tendo sido seu primeiro professor Januário da

Silva Arvelos, músico da Capela Imperial, igualmente designado em 1839 para dirigir o curso

gratuito criado no Corpo Municipal Permanente [Polícia] pelo então comandante da

corporação, coronel Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias.80

75 Catálogo das músicas sacras pertencentes ao archivo da Capella Imperial – organisado por mandado do

Exmo e Rvmo Secretário do Arcebispado: Rvmo. Sñr. Cônego Carlos Duarte Costa em janeiro de 1922. – Cabido Metropolitano.

76 Compositor italiano que foi aluno de Paisiello e maestro do Theatro São Carlos de Lisboa, de 1820 a 1823, e do King's Theater em Londres entre 1824 e 1826. Apud Marcelo Campos Hazan. Op. cit., v. I, p. 42.

77 Jornal do Commercio de 2 de dezembro de 1861. 78 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 03 doc. 3. 79 Francisco Manoel passou recibo pela cópia das músicas em 22/12/1864. Cf. Arquivo Nacional - Casa Real e

Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 08 doc. 15. 80 Ayres de Andrade. Op. cit., v. I, p. 247. Na realidade foi o Seminário dos Órfãos de São Joaquim que foi

transformado no Imperial Colégio Pedro II em 1837 e no Seminário já ocorriam aulas de música,

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Paralelamente, havia estabelecimentos privados que se ocupavam do ensino musical. O

primeiro a surgir no noticiário dos jornais foi o Liceu Musical, fundado por um grupo de

professores em 1841 e que funcionava na rua de Sant’Ana nº 7, mantendo cursos de canto,

piano, flauta, composição e outros, oferecendo ainda a possibilidade, ao aluno que não tivesse

instrumento, de poder estudar na própria escola. Em 1846, criou-se o Conservatório de Música

e Dança, no Campo da Aclamação nº 9. Lino José Nunes, um dos professores, anunciava o

ensino pelo método aprendido com seu mestre, o padre José Maurício Nunes Garcia. Em

1854, Antônio Luís de Moura e Henrique Alves de Mesquita abriram um Liceu Musical e

Copistaria na praça da Constituição nº 79, e, em 1855, Bento das Mercês instalou, também na

praça da Constituição, mas no nº 19, o Conservatório Vocal e Instrumental. Além desses,

havia a atividade dos professores particulares e as aulas propiciadas pelas sociedades de

música.81

Diante dessa situação, após mais de oito anos de atividade, contribuindo para a

organização da vida musical do Rio de Janeiro, em 23 de junho 1841, a Sociedade

Beneficência Musical, mais conhecida como Sociedade de Música, deu entrada na Câmara dos

Deputados a um requerimento em que pleiteava a concessão, durante oito anos, de duas

loterias anuais destinadas à criação de um conservatório de música na cidade. Assinavam o

requerimento, que saiu publicado integralmente no Jornal do Commercio de 30 de junho de

1841, Fortunato Mazziotti, Francisco Manoel da Silva, José Joaquim dos Reis, João

Bartolomeu Klier, o padre Manoel Alves Carneiro, Francisco da Mota e o padre Firmino

Rodrigues da Silva.82

A iniciativa alcançou uma recepção favorável, como sugere, apesar de alguns

exageros, mas revelando uma série de constantes no pensamento reformista daquela época

sobre o país, uma matéria no periódico O Brasil, transcrita por Ayres de Andrade:

Entre os inúmeros contrastes que todos os dias se notam nesta terra fecunda de anomalias, tem muito distinto lugar o contraste entre a aptidão dos brasileiros em geral para a música e a nenhuma atenção que o governo há prestado aos progressos dessa bela manifestação dos mais ternos afetos do coração humano.

Todos os interesses, ainda os mais insignificantes e mesquinhos, têm encontrado calorosos defensores em nossas câmaras; no entanto a música, cuja influência civilizadora de ninguém é desconhecida, ainda não encontrou uma voz eloqüente e generosa que defendesse os seus interesses. Nenhum mestre existe pago

principalmente aulas de canto e o repertório era religioso. Cf., H.R.F. Braga, “A Cultura Musical no Rio de Janeiro”, in Quatro Séculos de Cultura , UFRJ, Rio de Janeiro, 1964, 236-241.

81 Ayres de Andrade, Francisco Manuel... v. 2, p. 178. 82 O original encontra-se na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional.

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pela nação, nenhuma cadeira de ensino gratuito para as massas, em cujo vasto seio se alberga o gênio das artes, foi até agora instituído pelo Governo.

A música tem sido entregue a seus destinos; hoje só é lícito gozar de seu ensino as pessoas abastadas que podem pagar mestres; ao povo nada se concede; coma, beba, vista-se, pague impostos, que mais quer?

Quando o Brasil era colônia, parece incrível, a música era mais favorecida que de presente. Os artistas que hoje existem e concorrem para a solenidade do culto e necessidades do teatro datam desse tempo. [...]

Se ainda há artistas em nossas orquestras é pela emigração [sic] dos estrangeiros e se não for criado quanto antes um conservatório de música, em breve ficaremos reduzidos ao estado deplorável de não termos um só artista nacional. Faltava-nos ainda essa abjeção no meio de tantas outras!...

Por outro lado, a conveniência da instituição de um conservatório de música, sob o ponto de vista econômico e político, é incontestável: sob este ponto de vista ele deve ser considerado como uma indústria, e assim produzindo todas as vantagens de outra qualquer, prestando uma ocupação honesta, civilizando por via do trabalho.

A concepção pois, de uma instituição que tem por fim favorecer os progressos da música, difundir os conhecimentos dessa arte pela população, deve merecer toda a atenção do governo e das câmaras.83

Pelo Decreto nº 238 de 27 de novembro de 1841, o pedido foi atend ido, sendo o

governo autorizado a exigir as garantias convenientes para assegurar que o dinheiro fosse

utilizado para esses devidos fins.84 Contudo, somente seis anos depois, o Decreto nº 496 de 21

de janeiro de 1847 veio complementar o anterior, criando efetivamente o Conservatório de

Música do Rio de Janeiro e estabelecendo as bases de sua organização.

Art. 1º. O Conservatório de Música que, na conformidade do Decreto nº 238, de 27 de novembro de 1841, tem de fundar a Sociedade de Música desta Côrte, terá por fim, não só instruir na Arte de Música as pessoas de ambos os sexos, que a ela quiserem dedicar-se, mas também formar artistas que possam satisfazer às exigências do Culto e do Teatro. Art. 2º. Constará o Conservatório das seguintes aulas:

1ª. De rudimentos, preparatórios e solfejos. 2ª. De canto para o sexo masculino. 3ª. De rudimentos e canto para o sexo feminino. 4ª. De instrumentos de corda. 5ª. De instrumentos de sopro. 6ª. De Harmonia e Composição.

Art. 3º. Além das aulas mencionadas no Artigo antecedente, com as quais se considerará definitivamente fundado o Conservatório, poderão para o futuro criar-se quaisquer outras, que a experiência julgue necessárias e cuja manutenção se compadeça com os créditos do Estabelecimento. Art. 4ª. À proporção que se for extraindo cada uma das loterias aplicadas à fundação do Conservatório, se irá imediatamente empregando o seu produto em

83 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 1, p. 247-8. 84 O documento original encontra-se no Arquivo da Escola Nacional de Música – UFRJ.

Ministério da Justiça e Negócios do Interior, Publicação Oficial, RJ – Imprensa Nacional, 1898.

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apólices da Dívida Pública, com os juros das quais se ocorrerá a todas as despesas daquele Estabelecimento. Art. 5°. Logo que for extraída a primeira loteria e empregado o seu produto em apólices, criar-se-á a cadeira de Rudimentos, Preparatórios e Solfejos, devendo o professor dela dar cumulativamente lições de canto enquanto não for provida a Cadeira de Rudimentos e Canto para a sexo feminino. As demais cadeiras ir-se-ão criando à medida que o permitir o rendimento das apólices. Art. 6º. Os professores das duas cadeiras que na forma do artigo precedente se devem primeiramente criar, serão nomeados pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, sob proposta da Sociedade de Música; devendo a nomeação dos outros ser feita pelo mesmo ministro e secretário de Estado, precedendo oposição e concurso pela maneira que for indicada nos respectivos Estatutos; e todos eles entrarão em exercício logo que sejam nomeados. Art. 7º. Os vencimentos dos professores e dos mais empregados do Conservatório serão marcados pelo referido ministro e secretario de Estado, ouvida a Sociedade de Música. Art. 8º. Criadas todas as aulas, serão aplicadas as sobras dos rendimentos do Conservatório à compra ou edificação de uma casa onde se reúnam as mesmas aulas; e enquanto isto se não verificar será cada uma delas colocada no edifício que para esse fim for destinado pelo ministro do Império. Art. 9°. O Conservatório, além dos professores e dos demais empregados que forem necessários, terá um diretor e um tesoureiro que serão nomeados pelo Governo Imperial dentre os membros da Sociedade de Música, que reúnam as habilitações necessárias para o exercício de tais lugares; as atribuições destes empregados e o tempo de sua duração serão fixados nos Estatutos do Conservatório e, enquanto estes se não organizarem, será dirigido aquele Estabelecimento por uma comissão de três membros da Sociedade de Música, que para esse fim forem nomeados pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império. Art. 10º. Um dos membros da comissão diretora, que para esse fim for designado, servirá provisoriamente de Diretor, outro de Tesoureiro, e o terceiro de Secretário; o Diretor presidirá aos trabalhos da comissão, expedirá em seu nome todas as ordens relativas ao serviço do Estabelecimento e assinará toda a correspondência oficial, à exceção somente da que for dirigida ao Governo Imperial, que será assinada por todos os membros da comissão; o Tesoureiro arrecadará todos os dinheiros pertencentes ao Estabelecimento e as terá debaixo de sua guarda e responsabilidade; fará todas as despesas que pela comissão diretora forem ordenadas, e de tudo dará conta à mesma comissão; o Secretário será incumbido de toda a escrituração do Estabelecimento. Art. 11º. A comissão diretora terá a seu cargo diligenciar a extração das loterias, fazer arrecadar o produto delas e empregá-lo imediatamente em fundos públicos; fiscalizar as despesas do Estabelecimento, ordenando, com prévia autorização do Governo, as que forem indispensáveis; verificar se os professores em exercício desempenham exatamente os seus deveres; propor pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império todas as providências que forem necessárias para o regular andamento do Estabelecimento; e remeter à mesma Secretaria de Estado, de três em três meses, as contas de sua administração, depois de as ter tomado ao Tesoureiro. Art. 12º. Logo que estejam em exercício dois professores, a comissão diretora, de acordo com eles, organizará os Estatutos do Conservatório, providenciando neles, em harmonia com as bases que ficam estabelecidas, o que for concernente ao governo daquele Estabelecimento, administração de suas rendas, polícia das aulas, método de ensino, admissão dos alunos e modo de proceder aos exames destes,

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bem como à oposição e concurso para o provimento das cadeiras; devendo os mesmos Estatutos ser submetidos à aprovação do Governo Imperial logo que sejam organizados.85

Interinamente, de acordo com o Art. 9°, foram nomeados Francisco Manoel da Silva, o

padre Manuel Alves Carneiro e Francisco da Mota, respectivamente, para diretor, tesoureiro e

secretário. Em 26 de abril, o Ministério do Império solicitou à Academia Militar que fosse

posta à disposição uma sala, onde se achava uma das aulas de desenho, para o ensino da

música. Diante da negativa, o diretor do Museu Nacional viu-se oficiado, em 27 de maio, com

a determinação de que ficasse à disposição da diretoria do Conservatório de Música a sala em

que se faziam as sessões da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, num prédio da atual

Praça da Republica em que funcionava o museu e no qual, mais tarde, seria instalado o

Arquivo Nacional. 86

Finalmente, em 11 de setembro, a extração da primeira loteria tornou possível, já no

ano seguinte, a instalação da cadeira de rudimentos e solfejo para o sexo masculino, tendo

Francisco da Luz Pinto como professor. Em julho de 1848, foram abertas as matrículas, mas

antes de decorrido um mês foi necessário encerrá- las, tão grande tinha sido a procura, e, em 13

de agosto, foi oficialmente inaugurado o Conservatório pela Sociedade de Música.87 A

solenidade contou com discursos do ministro do império José Pedro Dias de Carvalho e dos

membros da diretoria do Conservatório, com destaque para o de Francisco Manoel (ver

Anexo, ao final), em que recorre aos lugares-comuns de sua época, mas em que também presta

uma notável homenagem ao padre José Maurício, cujo busto ornamentava o salão. Separaram

os discursos a execução de peças musicais: aberturas de Rossini (do Guilherme Tell, o allegro

final, e do Stabat Mater), de José Maurício Nunes Garcia (A Tempestade) e de Beethoven,

umas “variações de rabeca”, outras para corninglês e para oficlide e um dueto para pistões,

além de hinos especialmente compostos por Francisco Manoel e Francisco da Luz Pinto.88

A primeira aula do Conservatório de Música do Rio de Janeiro realizou-se em 16 de

agosto de 1848. No entanto, apesar do entusiasmo e otimismo revelado por Francisco Manoel

em seu discurso e do bom desempenho dos 48 alunos, alguns dos quais demonstravam

“bastante aptidão para a arte”, a instituição logo passou a enfrentar dificuldades financeiras.

Tudo por que, como se depreende dos relatórios de seu diretor, não havia iniciativa para

85 Ver Ayres de Andrade, Francisco Manuel... , v. 1, p. 249-51. 86 Cf. Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 1, p. 251-2. 87 Andrely Quintella De Paola. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História &

Arquitetura . Rio de Janeiro, UFRJ, SR5, 1998.

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extrair a segunda das dezesseis loterias que tinham sido estabelecidas, criando um déficit e

impedindo a implementação das demais cadeiras, em especial a de rudimentos e canto para o

sexo feminino, até novembro de 1852, quando foi finalmente extraída a mencionada loteria.

Entrementes, Francisco Manoel observava que, a manter-se esse ritmo, levar-se- iam 50 anos

para se fundar efetivamente o Conservatório. A nova cadeira foi instalada em 10 de novembro,

a pedido do diretor, no Colégio de Santa Teresa, da Sociedade Amantes da Instrução, situado

no largo da Mãe do Bispo, por ser esta uma escola destinada ao sexo feminino que melhor

atenderia às alunas em questões de segurança, sendo o próprio Francisco Manoel nomeado

professor, com ordenado anual de 600$000.89

Tendo sido lançada a pedra fundamental da pinacoteca da Academia de Bellas Artes

em 2 de dezembro de 1854, o Decreto nº 805 de 23 de setembro de 1854, completado

posteriormente pelo decreto nº 1603 de 14 de maio de 1855, que definia novos estatutos para a

Academia, anexou- lhe o Conservatório, da qual constituiria a 5ª seção. Tal transformação

também foi objeto do Decreto nº 1542, de 23 de janeiro de 1855, que veio dar nova

organização ao Conservatório.90

Art. 1°. O Conservatório continuará a admitir gratuitamente as pessoas de um e do outro sexo, que se quiserem dedicar ao estudo da Música. Art. 2º. Terá desde já as seguintes aulas: de rudimentos de música, solfejo e noções gerais de canto, para o sexo masculino; das mesmas matérias para o sexo feminino; de canto para os alunos de um e do outro sexo, sendo as respectivas aulas em horas diversas; de regras de acompanhar e de órgão; duas de instrumentos de sopro; duas de instrumentos de cordas. Art. 3º. Além destas aulas serão criadas a de Composição e outras, segundo forem permitindo os recursos do Conservatório, e exigindo os progressos do ensino. Tais criações só terão lugar por decreto e sobre proposta do diretor, ouvidos os professores. Art. 4º. Os professores atuais continuarão no exercício das respectivas aulas enquanto convier. Os das outras serão nomeados por Portaria do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, sobre proposta do diretor. Feitas porém as nomeações dos professores das aulas criadas e das que se criarem, serão providas por concurso as que vagarem. As formalidades destes concursos serão reguladas nos Estatutos de que trata o Art. 15. Art. 5°. Os vencimentos dos professores serão marcados por decreto, sobre proposta do diretor, em atenção à importância das matérias e ao número de lições que tiverem de dar em cada mês. As gratificações do contínuo ou de qualquer outro empregado, que haja de criar-se, poderão ser designadas por portaria, uma vez que nenhuma delas exceda a 300$000 por ano.

88 Cf. Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 1, p. 252-9. 89 Cf. Ayres de Andrade, Francisco Manuel...., v. 1, p. 260-1 e Andrely De Paola, Escola de Música..., p. 14. 90 Uma cópia do documento encontra-se no arquivo da escola Nacional de Música da UFRJ. Apud, Andrely De

Paola, Escola de Música...

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Art. 6º. O patrimônio do Conservatório consistirá: 1°. Nas 22 apólices que já possui da Dívida Pública. 2°. No produto das loterias concedidos pelo Decreto n° 238, de 27 de novembro de 1841, e que, salva a exceção adiante declarada, continuarão a ser convertidas, apenas extraídas, em apólices da Dívida Pública, Gerais ou Provinciais. 3º. Nos donativos que lhe forem feitos, o que também deverá ser convertido em Fundos Públicos, salvo disposições em contrário dos doadores.

Art. 7º. Das loterias a que se refere o artigo antecedente, o Governo poderá excetuar até 3, cujo produto será aplicado às despesas indispensáveis à reorganização do Conservatório, sua manutenção e custeio nos quatro primeiros anos, contados desta data, e à construção de um edifício ou pelo menos de salas apropriadas ao ensino. Art. 8º. Findos os quatro anos do artigo antecedente, o pagamento de todas as despesas do Estabelecimento será deduzido dos juros de suas apólices e de suas rendas especiais. O saldo que por ventura se verificar será convertido em apólices ou em letras de estabelecimentos que ofereçam vantagem e segurança. Art. 9º. O Conservatório terá um diretor, um tesoureiro e um secretário. Haverá também um contínuo, que servirá de porteiro, nomeado pela diretor, com aprovação do ministro e secretário dos Negócios do Império. Art. 10º. Ao diretor compete:

1°. A fiscalização das despesas. 2º. Promover a extração das loterias. 3º. Orçar com os professores, reunidos em Junta, a receita e despesa do Conservatório para o ano seguinte e submeter o orçamento, até o dia 15 do mês de dezembro, à aprovação do ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, que poderá modificá-lo como parecer conveniente. 4°. Organizar e enviar ao mesmo ministro, durante o mês de janeiro de cada ano, o balanço da receita e despesa do ano anterior, acompanhado das respectivas contas documentadas. 5°. Propor ao Governo as medidas ou providências que forem-lhe necessárias ao regular andamento e progresso da instituição. 6º. Tomar contas ao tesoureiro de três em três meses. 7º. Presidir às reuniões dos professores, quando julgar conveniente convocá-los para ouvi-los sobre qualquer objeto concernente ao Conservatório. 8°. Inspecionar o ensino de todas as aulas e a maneira por que os professores e empregados desempenham as suas obrigações. 9°. Assinar a folha dos vencimentos dos professores. 10º. Expedir as ordens de pagamento e quaisquer outras relativas ao serviço do Conservatório e assinar a correspondência oficial.

Art. 11°. Aos professores reunidos em Junta compete: 1°. Fazer ao Governo as propostas de que trata o Art. 4°. 2º. Propor ao Governo, de cinco em cinco anos, o nome de algum aluno ou artista que se haja distinguido por seu talento transcendente, a fim de ser mandado à Europa aperfeiçoar-se em Música. 3º. Indicar, sem prejuízo da disposição do § 5º do artigo antecedente, as medidas que julgarem convenientes ao melhoramento do Conservatório e formular o projeto dos Estatutos, a que se refere o Art. 15°.

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Art.12º. Nos casos do §2º do artigo precedente, o proposto será enviado para a Europa à custa do Conservatório se este tiver meios para isso. Em caso contrário, o Governo, antes de expedir as ordens para a respectiva viagem, solicitará do Poder Legislativo os fundos necessários para a pensão que deva ser marcada. Art.13º. Ao tesoureiro incumbe arrecadar todo o dinheiro pertencente ao Conservatório, tê-lo sob sua guarda e responsabilidade, pagar as despesas que forem ordenadas pelo diretor. Terá assento na Junta dos Professores sempre que for artista. Art, l4º. O secretário, ainda quando não seja professor, assistirá as Juntas dos Professores e escreverá as atas do que nelas se passar. Terá além disso a escrituração e correspondência do Conservatório . Art. 15º. A Junta dos Professores organizará e submeterá à aprovação do Governo os Estatutos do Conservatório, providenciando, de harmonia com as disposições dos artigos antecedentes, sobre tudo quanto for concernente ao regime, disciplina e economia das aulas, método de ensino admissão dos alunos, exames e prêmios a estes; bem como ao processo dos concursos para provimento das aulas e à maneira de se regularem as condições e propostas para as viagens à Europa dos alunos ou artistas, de que trata o Artigo 11º, §2º.

Como resultado, o Decreto nº 1.553 de 10 de fevereiro de 1855 fixou o ordenado dos

professores, dispondo que aqueles que tivessem de dar três lições por semana receberiam

setecentos mil réis por ano, enquanto aqueles que fossem obrigados a somente duas lições

ficariam com quatrocentos e oitenta mil réis por ano.91 E ainda no mesmo ano nomearam-se os

professores: Francisco Manoel da Silva para a cadeira de rudimentos de música, solfejo e

noções gerais de canto, para o sexo feminino; Dionísio Vega, mesma cadeira para o sexo

masculino; João Scaramella para flauta e qualquer outro instrumento de sopro; Joaquim

Giannini para contraponto e órgão; Antônio Luís de Moura para clarinete outros instrumentos

de sopro ao seu alcance; Demétrio Rivero para rabeca e outros instrumentos de corda ao seu

alcance; e José Martini para contrabaixo e outros ao seu alcance.

Superada a transferência de endereço da Sociedade Amantes da Instrução com o

aluguel, para atender às alunas, por conta do Conservatório, das casas no largo da Mãe do

Bispo que esta ocupava, já no ano seguinte, a nova instituição encontrava-se instalada em uma

das salas da Academia de Bellas Artes, dando início a seus cursos. Assim, a partir de 1856, o

Conservatório começou a apresentar o rendimento esperado, e Francisco Manoel voltou suas

atenções para a definição de uma sede para a instituição. Após vários pedidos, o governo

atendeu-o no ano seguinte com metade dos fundos equivalentes a 7.000$000 réis necessários

para a compra de uma casa na rua Lampadosa (atual Luís de Camões) nº 72, ao lado da

Academia de Bellas Artes, à qual mais tarde anexou duas outras vizinhas, utilizando recursos

91 Ayres de Andrade, Francisco Manuel... , v. 1, p. 260.

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do Conservatório.92 E, em 15 de março de 1863, lançou-se a pedra fundamental da futura sede

do Conservatório na rua Leopoldina, cuja inauguração, porém, só ocorreria em 9 de janeiro de

1872, mais de seis anos após a morte de Francisco Manoel.93

A abertura do ano letivo de 1856 foi um ato solene, com a presença do imperador e da

imperatriz. Houve discurso de Francisco Manoel e um concerto dado pelos alunos, no qual

executou-se uma cantata para coro e orquestra, dedicada a D. Tereza Cristina, composta por

pelo estudante Higino José de Araújo. No concerto de 1857, a cantata executada era da autoria

de Giovanni Pacini, mas a letra tinha sido traduzida para o português por De Simoni. Nos anos

seguintes, porém, consolidou-se a prática, provavelmente inspirada pelo Conservatório de

Paris, de executar, na ocasião da abertura de cada novo ano letivo, peças dos alunos, com a

apresentação de catatas de José de Souza Lobo, de Domingos José Ferreira e, em 1860, de

Antônio Carlos Gomes. Em 1861, ocorreu a estréia da ópera A Noite do Castelo de Gomes,

assim como de uma abertura sinfônica enviada de Paris por Henrique Alves de Mesquita.94

Em 1862, Domingos José Ferreira também apresentou uma ópera, A Corte de Mônaco. No

seguinte, além da apresentação da ópera O Vagabundo de Alves de Mesquita, ainda na França,

Carlos Gomes voltava com Joana de Flandres e recebia uma bolsa para estudar na Itália. E,

em 1864, a cantata executada, para corninglês, coro e orquestra, com le tra de A. J. Araújo, era,

surpreendentemente para a época, da autoria de uma mulher, Maria Eugênia Pacífica do

Amaral Boa-Nova.95

Após o desaparecimento de Francisco Manoel, a direção coube sucessivamente a

Thomas Gomes dos Santos, Antônio Nicolau Tolentino e Ernesto Gomes Moreira. O primeiro

permaneceu no cargo, juntamente com o de diretor da Academia de Bellas Artes, de 1866 a

1874, o que restringiu a autonomia da instituição, com a nomeação de um inspetor de ensino

para fiscalizar as aulas. Apesar disso, um dos inspetores de ensino, Augusto Paulo Duque

Estrada, conseguiu imprimir um maior vigor à instituição, procurando sanear o prédio, colocar

em ordem o arquivo e estabelecer a regularidade das aulas.96 Em 1878, publicaram-se

finalmente os Estatutos do Conservatório, mas que somente pelo Decreto nº 8.226, de 20 de

agosto de 1881, foi colocado em vigor. Eles mantiveram a mesma dependência anterior à

92 Arquivo Nacional - Negócios do Império nº 37.158 cx 767. 93 Andrely De Paola. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História & Arquitetura.

Rio de Janeiro, UFRJ, SR5, 1998. 94 Guilherme Auler. Os bolsistas do imperador. Petrópolis, Tribuna de Petrópolis, 1956. 95 Guilherme Auler. Os bolsistas do imperador. Petrópolis, Tribuna de Petrópolis, 1956. 96 Batista Siqueira, Do Conservatório à Escola de Música . Rio de Janeiro, UFRJ, 1972.

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Academia de Bellas Artes, embora especificassem que a organização devia obedecer ao “que

dispõe o Decreto 1.542 de 23 de janeiro de 1855, mandado pôr em execução, provisoriamente,

pelo aviso de 16 de julho de 1878” e neles se mencionasse, no Capítulo II, Artigo 9, §8, que

trata das incumbências do secretário, também a primeira referência a um acervo de livros e

partituras para a instituição.97 Finalmente, o último diretor do Conservatório presidiu à sua

dissolução e posterior reorganização como Instituto Nacional de Música, com o advento da

República.

* * *

Dessa forma, quando do seu falecimento, em dezembro de 1865, Francisco Manoel da

Silva, apesar de todas as dificuldades, tinha assim assegurado o mínimo indispensável para a

organização da vida musical do Rio de Janeiro. Com a Sociedade de Música, a partir de 1833,

estabelecera uma associação capaz de socorrer os músicos e de promover os inícios de uma

vida musical pública na cidade. Como mestre-de-capela, após 1842, revitalizou a Capela

Imperial. Associado ao movimento da ópera nacional, participou do impulso para estender à

música as preocupações de caráter nacional que já estavam presentes na literatura e nas artes

plásticas do período. Finalmente, com o Imperial Conservatório de Música, estabeleceu a

instituição indispensável para a formação dos músicos que atuariam nesse novo padrão de

vida musical, voltado para uma parcela da população urbana, segundo os modelos europeus

em que se inspirava. Não obstante, os obstáculos que enfrentou e as limitações que cercaram

sua atuação indicam o quanto era frágil o edifício que procurara erigir. Por tudo isso,

Francisco Manoel revelou-se um caso paradigmático do seu tempo.

97 Ayres de Andrade, op. Cit. Cf. igualmente Batista Siqueira. Do Conservatório...

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CAPÍTULO 4:

OS PERCALÇOS DA ÓPERA

Como em outras localidades do Brasil colonial, a ópera no Rio de Janeiro teve início

ainda no século XVIII. Como principal fonte, dispõe-se do relato do navegador francês

Bouganville, que esteve na cidade em 1767 e registra a existência de um teatro de ópera, ao

qual compareceu a convite do vice-rei, Conde da Cunha:

Em uma sala bastante bonita pudemos ver as obras primas de Metastásio, representadas por uma companhia de mulatos, e ouvir vários trechos dos grandes mestres da Itália, executados por uma orquestra regida por um padre corcunda em vestes sacerdotais.1

Tratava-se do teatro do padre Ventura, o primeiro teatro instalado em sala apropriada para

atividades musicais na cidade. Não se sabe muito mais sobre o sacerdote e sua atuação, a não

ser que o teatro pegou fogo em 1769, durante a apresentação da peça Os Encantos da Medéia,

de autoria de Antônio José da Silva, conhecido como o Judeu (1705-1739) e natural do

Brasil.2

A partir de 1776, o teatro do padre Ventura passou a ser conhecido como a Ópera

Velha, com a inauguração da Ópera Nova por Manuel Luís Ferreira, personagem ligado ao

vice-rei Marquês do Lavradio. Homem de várias atividades, foi o primeiro empresário musical

de que o Rio de Janeiro tem notícia e possuía uma bela casa no Largo do Rossio, em que, por

ordem do príncipe D. João, ficou hospedada a comitiva do embaixador britânico na Pérsia que

por aqui passou em 1810, como registrou o padre Perereca, e que, posteriormente, pertenceu a

José Bonifácio.3 Quando a corte portuguesa transportou-se para o Brasil, seu teatro, localizado

na atual Praça XV, aos fundos do Palácio Tiradentes, de frente para o Paço, era o único que

possuía a cidade e funcionava com regularidade, possuindo seu próprio elenco e executantes.

1 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Coleção Sala Cecília Meireles,

1967, 2v, (Coleção Sala Cecília Meireles) p. 63. 2 Antônio José da Silva – o Judeu – nasceu no Rio de Janeiro a 8 de maio de 1705 e morreu executado pela

Inquisição no Terreiro do Trigo, em Lisboa, a 19 de outubro de 1739. Compositor de comédias, são deste compositor os documentos musicais mais antigos, conhecidos de autor nascido no Brasil. Segundo Mozart Araújo.

3 Luiz Gonçalves dos Santos (Padre Perereca). Memórias para servir à História do reino do Brasil divididas em três épocas: Da felicidade, Honra e Glória, escriptas na corte do RJ no anno de 1821 e offerecidas a S. Magestade el Rei Nosso Senhor O Senhor D. João VI. Lisboa, Imprensa Régia, 1825. (Reimpresso no Rio de Janeiro, Zelio Valverde, 1943).

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O repertório constava quase que exclusivamente de peças dramáticas. A música servia

para dar início aos espetáculos e preencher os intervalos, quando não participava da

representação sob forma de trechos instrumentais ou vocais, intercalados às peças. A ópera

propriamente dita era mais rara. Demandava recursos técnicos e artísticos que a cidade ainda

não tinha condições de fornecer. Sabe-se, entretanto, que tentativas foram feitas. Segundo

Ayres de Andrade, um documento anônimo, que se encontra no Museu Histórico Nacional,

revela que

o vice-rei Luís de Vasconcelos, conhecedor do talento dos cantores, organizou uma companhia lírica sob a direção do tenente coronel de milícias e Escrivão do Selo da Alfândega, Antônio Nascente Pinto, entusiasta de música, que havia estado na Itália e ouvido os grandes mestres dessa época, o qual para obsequiar o vice-rei, se encarregou dos ensaios e traduziu em verso português as peças que então estavam em voga, como Italiana em Londres, Piedade de Amor e outras.4

No Tempo da Corte

Com a chegada da corte portuguesa, o teatro de Manuel Luís sofreu uma reforma no

palco e na platéia. À orquestra, logo depois, acrescentaram-se músicos portugueses.

Denominado então de Theatro Régio, seu repertório ampliou-se e passou a incluir óperas,

talvez até mesmo a única obra desse tipo composta pelo padre José Maurício Nunes Garcia, Le

Due Gemelle.5 A partir de 1811, passaram a ser encenadas óperas de Marcos Portugal,

contando com alguns executantes que o tinham acompanhado à América, como o bailarino e

coreógrafo Louis de Lacombe e sua mulher, a cantora Marianna Scaramelli, cuja estréia

ocorreu no mesmo ano com L’Oro non compra amore. Em 1812, foi a vez de Artaxerxes,

também do compositor, complementada por um bailado sério de Lacombe, Apolo e Dafne. No

ano seguinte, inaugurou-se o Real Theatro São João, e o Theatro Régio fechou suas portas,

sendo ocupado, sucessivamente, pelos mais diversos serviços públicos, até sua demolição em

1903.

Em Lisboa, o Theatro São Carlos era tido como um dos melhores teatros da Europa, e

a ópera em Portugal já constituía um divertimento bastante difundido. Em função disso, logo

após a chegada da corte portuguesa, tratou-se da construção de um novo teatro, que permitisse

a montagem de óperas sem os inconvenientes que apresentava aquele, bastante apertado,

4 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v II, p.103. As duas óperas citadas pelo informante anônimo são

L’Italiana in Londra , de Cimarosa, e Pietà d’Amore, de Milico. 5 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v II, p. 69 afirma que a peça foi executada. Cleofe Person de Mattos,

1996, p. 80. diz que não se pode afirmar. O documento apresentado por Andrade não confirma a execução.

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inadequado e antiquado, de Manuel Luís. Para tanto, entrou em cena Fernando José de

Almeida, que tinha vindo do reino como cabeleireiro de D. Fernando José de Portugal e

Castro, vice-rei do Brasil a partir de 1801, mais tarde Conde e Marquês de Aguiar. Tomado

sob a proteção de D. João, que autorizou a utilização de parte da cantaria da nova sé

inacabada, assim como outros privilégios, Fernandinho, como era conhecido, obteve os fundos

necessários junto aos comerciantes da praça e tornou-se o proprietário do teatro e seu

empresário. Após a aquisição de um terreno no Campo do Ciganos, onde já funcionara uma

feira de cavalos, decidiu-se pela construção de acordo com uma planta feita pelo marechal

João Manuel da Silva, concebida para imitar a do Theatro São Carlos de Lisboa, com lugar

para 1.200 pessoas na platéia e 112 camarotes em quatro ordens. Completava-o a tribuna real

e uma varanda externa que ocupava toda a largura do prédio, na face voltada para a praça. Não

tardou a desenvolver-se em torno do local um comércio variado e numeroso que, com o

tempo, passou a reunir casas de música e até um liceu musical, ajudando a compor a

fisionomia que viria a caracterizar a praça do Rossio, futuramente da Constituição e,

atualmente, Tiradentes.

Três anos durou a construção do novo teatro; e, apesar do empenho do príncipe, na

data prevista para a inauguração, 12 de outubro de 1813, dia em que D. Pedro completaria

quinze anos, ainda não estava totalmente concluída. Não obstante, foi inaugurado com o

“drama em música”, em um ato, O Juramento dos Nunes, cuja partitura era da autoria de

Bernardo José de Souza Queirós e o texto, de Gastão Fausto da Câmara Coutinho,

complementada pelo bailado O Combate do Vimieiro. No que diz respeito aos executantes,

com exceção de Mariana Scaramelli e de alguns músicos, como João dos Reis Pereira, com

prévia atuação no Theatro Régio, o número de artistas qualificados e afeitos ao gênero foi, de

início, insuficiente. Ainda em junho, o organista Simão Portugal informava que o quadro dos

músicos não estava completo.6 Da coreografia, juntamente com Luís de Lacombe e seus

irmãos, ocupava-se José de Carvalho Leandro, que teve João Manuel e Manuel da Costa, este

arquiteto, pintor e maquinista, como auxiliares e continuadores. A eles, juntaram-se, também

em 1813, o casal Augusto Toussaint, mestre de dança e coreógrafo, e sua esposa, cantora; em

1816, Debret como cenógrafo; e, ao longo de todo o período, vários cantores, como João e

Maria Teresa Fasciotti, Paulo Rosquellas, Miguel Vaccani, a família Piaccentini, Salvatore

6 Requerimento de 26 de julho de 1813 – Completa que ainda não existia uma folha do teatro e os instrumentos

estavam sendo pagos pela folha da Casa Real. Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, C-59,10-11-23-20.

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Salvatori e Nicola Majoraini. As óperas apresentadas de 1814 a 1821, freqüentemente

acompanhadas de bailados, foram as seguintes:

Tabela 1: Óperas apresentadas no Real Theatro São João (1814-1821)

Ano Mês Dia Título Compositor 1814 12 17 Axur, rei de Ormuz Antonio Salieri 1817 05 13 La Vestale Vicenzo Puccitta 1817 07 23 L’Oro non compra amore Marcos Portugal 1817 11 08 Merope Marcos Portugal 1818 05 13 Coriolano Giuseppe Niccolini (?) 1818 06 24 La Vestale Vicenzo Puccitta 1818 10 12 Camilla Ferdinand Paer 1819 01 22 A Caçada de Henrique IV Vicenzo Puccitta 1820 04 25 La Vestale Vicenzo Puccitta 1820 05 13 Aureliano em Palmira Gioacchino Rossini 1821 02 26 La Cenerentola Gioacchino Rossini 1821 05 13 Pamella nubile Pietro Generali 1821 06 01 La Cenerentola Gioacchino Rossini 1821 06 03 Il Segreto J. S. Meyer 1821 06 14 La Cenerentola Gioacchino Rossini 1821 06 24 Tancredo Gioacchino Rossini 1821 07 21 O Barbeiro de Sevilha Gioacchino Rossin i 1821 07 28 O Barbeiro de Sevilha Gioacchino Rossini 1821 09 20 Don Giovanni W. A. Mozart 1821 11 3 A Italiana em Argel Gioacchino Rossini

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 113-7.

Em 1822, paralelamente à agitação política, prosseguiu a intensa atividade operística,

com 16 espetáculos, ou seja, quase tantos quanto os 20 de 1814 a 1821, o que se explica pelo

papel que o teatro assumira como local privilegiado para manifestar as opiniões da época.

Tabela 2: Óperas apresentadas no Real Theatro São João em 1822

Mês Dia Título Compositor 01 08 Don Giovanni W. A. Mozart 06 03 La Prova d’un opera seria Francesco Gnecco 06 18 O Barbeiro de Sevilha Gioacchino Rossini 08 31 A Italiana em Argel Gioacchino Rossini 09 13 A Italiana em Argel Gioacchino Rossini 09 21 La Cenerentola Gioacchino Rossini 09 24 La Cenerentola Gioacchino Rossini 10 01 La Cenerentola Gioacchino Rossini

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10 08 Tancredo Gioacchino Rossini 10 15 A Caçada de Henrique IV Vicenzo Puccitta 10 18 Espetáculo misto Rossini / Puccita7 10 26 La Cenerentola Gioacchino Rossini 10 30 O Barbeiro de Sevilha Gioacchino Rossini 12 01 Elisabetta regina d’Inghilterra Gioacchino Rossini 12 02 A Italiana em Argel Gioacchino Rossini 12 28 Elisabetta regina d’Inghilterra Gioacchino Rossini

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 118-20.

O movimento crescera tanto que, em agosto de 1822, organiza-se uma companhia lírica

italiana sob a forma de sociedade, debaixo da direção de Maria Teresa Fasciotti. Contudo, no

clima acalorado em que se vivia, os estrangeiros logo se desentenderam com a companhia

dramática brasileira a respeito do uso da sala de espetáculos, o que exigiu até mesmo a

intervenção de José Bonifácio para que fosse estabelecido, por portaria ministerial, um

calendário que beneficiasse eqüitativamente as duas companhias.

Após a Independência

Em 1823, porém, as condições difíceis do país e o clima político cada vez mais tenso

limitaram os espetáculos líricos a um só, a ópera Adelaide di Borgogna, de Rossini, por

ocasião de um espetáculo de gala em comemoração ao episódio do Fico. No ano seguinte,

ainda por cima, um acidente fez o Real Theatro São João arder em chamas, após a

apresentação do drama A Vida de São Hermenegildo para celebrar o juramento por D. Pedro

da Constituição, outorgada naquela manhã. Diante da situação, a atividade lírica teve de

limitar-se por um período à inclusão de trechos cantados nos intervalos das encenações

dramáticas.

Do prédio do teatro, só tinham sobrado as paredes. Novamente Fernando José de

Almeida, o Fernandinho, pôs-se a trabalhar, hipotecando o terreno ao Banco do Brasil para

financiar as obras de reconstrução. Dessa forma, três meses depois, em 1º de dezembro,

conseguia inaugurar uma miniatura do antigo teatro, construída na área correspondente ao

salão principal do anterior, com 24 camarotes, dispostos em duas ordens, e 150 lugares na

platéia, apresentando a ópera L’Inganno Felice, de Rossini, de modestas proporções devido ao

7 Compreendeu o 1º ato de A Italiana em Argel e o 2º de A Caçada de Henrique IV.

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pequeno tamanho do novo palco. A sala passara a denominar-se Imperial Theatro São Pedro

de Alcântara.

Em 1826, as obras do novo teatro tinham avançado o suficiente para que na noite de 22

de janeiro fossem reabertas suas portas para um concerto em homenagem ao aniversário da

imperatriz D. Leopoldina, em que foi executado o Tancredo, de Rossini. A verdadeira

inauguração ocorreu em 4 de abril de 1826, com espetáculo de gala pelo aniversário da

princesa D. Maria da Glória, futura rainha de Portugal, o que, sintomaticamente, coincide com

o retorno do império à vida parlamentar, através da instalação da primeira legislatura, em 6 de

maio, após o fechamento da Constituinte por D. Pedro em 12 de novembro de 1823. Era muito

clara a consciência, na época, do papel que o teatro deveria desempenhar. Na Aurora

Fluminense do 1º de maio de 1829, podia-se ler:

não tardará a chegar a Companhia Portugueza, que se esperava para o Imperial Theatro de S. Pedro de Alcantara. A necessidade de huma Ópera Nacional, em huma Cidade tão populosa como o Rio de Janeiro, não necessita ser mostrada: para isso não se faria mais do que recorrer aos lugares comuns, e a quanto se tem escripto sobre a utilidade dos Theatros, e suas relações com o progresso da civilização e cultura social. Há porém hum objecto, em que não podemos deixar de fazer alguma recommendação, attento o abuso escandaloso, que tem deshonrado quasi sempre a nossa ópera nacional. Falamos das farças abjectas, e obscenas com que se corrompe a moral publica, e se torna o Theatro huma verdadeira escola de indecencia, e de perversidade. Entremezes, como o da “Parteira Anatomica” e outros do mesmo jaez, nunca deverião ser oferecidos na scena a hum Povo polido, e que já sahio das mantilhas da ignorancia barbara. [...] Por não apparecer no tablado o “Capitão Mor das Mauricias” ou outros personagens de igual sal, e força comica, não he que este ha-de ficar deserto: os mesmos que dão hoje palmas a semelhantes inepcias, se amoldarão a peças de melhor gosto, saberão por fim apprecia -las, e todos ganharão nesta necessaria reforma.8

Paralelamente, retomavam-se os espetáculos líricos.

Tabela 3: Óperas novas apresentadas no Imperial Theatro São Pedro (1826-1830)

Ano Mês Dia Título Compositor 1826 05 24 Tumonela ou o tutor logrado Luigi Caruso (?) 1826 06 11 Adelina Pietro Generali 1826 10 14 O Filósofo Giuseppe Mosca 1826 10 27 O Sapateiro ou as damas trocadas Marcos Portugal 1827 04 19 La Pietra del paragone Gioacchino Rossini 1827 07 27 Agnese Ferdinand Paer 1827 11 03 O Califa e a escrava Francesco Basili 1827 11 10 Roberto, chefe dos ladrões ?

8 Agradeço esta referência à Profª Lúcia Maria Bastos P. Neves.

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1828 02 14 O Grão Duque de Granada Gioacchino Rossini 1828 07 12 Otelo Gioacchino Rossini 1828 ? ? Le Due Gemelli P. Guglielmi (?) 1828 ? ? O Aio no embaraço Gaetano Donizetti 1828 12 12 Ser Marco Antonio Steffano Pavesi 1829 02 10 Corradino ou o coração de ferro Steffano Pavesi 1829 02 10 Matilde de Shabran Gioacchino Rossini 1830 07 31 La Gazza ladra Gioacchino Rossini 1830 12 01 A Festa da rosa Carlo Coccia

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 189-92.

Dentre as óperas repetidas, estavam: Tancredo, Aureliano em Palmira, O Engano feliz, O

Barbeiro de Sevilha e Cenerentola (1826); O Emgano feliz, Adelina, Aureliano em Palmira,

Tumonela, O Barbeiro de Sevilha, Cenerentola, A Italiana em Argel, A Vestal, Tancredo e A

Caçada de Henrique IV (1827); Agnese, A Italiana em Argel, O Barbeiro de Sevilha e

Aureliano em Palmira (1828); Ser Marco Antonio, A Italiana em Argel, Agnese, O Aio no

embaraço e Cenerentola (1829).9

Essa retomada das atividades líricas repercutiu no aparecimento dos primeiros esboços

de crítica musical em seção própria nos jornais de 1827 e no surgimento da primeira

rivalidade entre as divas atuando na cidade, com manifestações do público a favor ou contra as

cantoras Maria Teresa Fasciotti e Elisa Barbieri, por meio de moedas de cobre atiradas ao

palco enquanto cantavam. Entretanto, em 1829, falecia Fernando José de Almeida e, no ano

seguinte, a crescente insatisfação com as atitudes do imperador tornou o ambiente do teatro

cada vez mais tumultuado. Após a abdicação do 7 de abril de 1831, o São Pedro de Alcântara

transformou-se no Theatro Constitucional Fluminense, enquanto os cantores italianos tentaram

manter o ritmo das atividades com a promessa, que não se cumpriu, de uma temporada com

quatro óperas, todas de Rossini, inclusive a inédita O Turco na Itália. Na noite de 28 de

setembro, porém, um conflito sangrento, que fez da platéia uma praça de guerra, obrigou as

autoridades a interditarem o teatro. Segundo o Jornal do Commercio,

As melancólicas ocorrências do mês de setembro no Teatro fizeram com que o público ficasse privado de um divertimento que, além de muito profícuo à moral e à civilização dos povos quando bem dirigido, constituía presentemente o único que neste gênero tínhamos na capital do Império. [...] O Teatro nestes últimos tempos estava reduzido a uma arena de espadachins e a rendez-vous de tudo quanto a capital tem de mais abjeto e desprezível. [...] Altercava-se ali sobre política,

9 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 1, p. 189-92.

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formavam-se partidos, davam-se gritos sediciosos, havia freqüentes desafios e o homem sisudo, o cidadão pacífico, todo aquele, enfim, que ali ia para distrair-se, deixava-se ficar em casa para se não expor à fúria de uma mocidade infrene. [...] Julgamos que a Junta Policial, da qual são emanadas tantas providências sábias, bem poderá dar algum regulamento para o Teatro, proibindo semelhantes assuadas, assobios, atiradelas de dinheiro e outras cenas escandalosas, bem como a entrada na platéia de bengalas, chapéus de chuva ou qualquer outra arma, o que é prática religiosamente observada em todos os teatros da Europa, nos quais há sempre gabinetes para os guardar mediante uma pequena retribuição.10

O Segundo Reinado

Como resultado das circunstâncias expostas acima, de 1832 a 1843, nem uma ópera foi

encenada no Rio de Janeiro. Apenas esporadicamente algum artista apresentava-se em

público. Com a maioridade de Pedro II e a crescente estabilidade do segundo reinado, no

entanto, a situação começou a mudar. Em 1844, por iniciativa do capitão Pedro Pittaluga,

chegou ao Rio de Janeiro uma nova companhia lírica, tendo à frente Augusta Candiani,

soprano, e João Vitor Ribas, como regente. Após a estréia, em 17 de janeiro, com a Norma de

Bellini, incorporou-se no mês seguinte à companhia a soprano portuguesa Clara Delmastro,

assegurando 74 apresentações no decorrer do ano no teatro, novamente batizado de São Pedro.

O sucesso foi enorme e levou à contratação de outros cantores, como Arcângelo Fiorito,

Eduardo Medina Ribas e Grata Nicolini.

Pode-se dizer, então, que, de 1844 a 1850, o Rio de Janeiro teve temporadas líricas

efetivas. O repertório diversificou-se, cedendo Rossini a primazia que detivera a Donizetti e a

Bellini. Sobretudo o último, graças ao acentuado apelo dramático e melancólico que

provocava, acabou influenciando toda a música da época, inclusive as modinhas populares,

que passaram a alimentar-se dos motivos de suas óperas, a partir da publicação de alguns

álbuns, contendo melodias desse compositor com letras em português. Da Norma, por

exemplo, elaboraram-se várias versões, entre elas, uma de Francisco Manuel para meio-

soprano e piano, com letras em italiano e português. Em 1846, ocorreu a estréia do Hernâni de

Verdi, apenas dois anos depois de sua encenação original, o que dá a medida da importância

que tinham adquirido as temporadas líricas do Rio de Janeiro. Outro sinal dessa importância

foi o significativo número de apresentações a cada ano.

10 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 1, p. 194.

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Tabela 4: Récitas por ano no Theatro São Pedro (1844-1850)

Ano Récitas 1844 74 1845 50 1846 57 1847 76 1848 75 1849 63 1850 69

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 197; v. 2, p. 8-19.

Em 1851, porém, as apresentações limitaram-se a apenas três, em função da epidemia

de febre amarela que grassava na cidade, causando pânico. O Theatro São Pedro praticamente

cerrou as portas com a debandada dos cantores para Pernambuco ou para Buenos Aires.

Embora a direção do teatro recorresse a concertos para saldar os compromissos, a situação

agravou-se quando a Assembléia Legislativa deixou de votar o subsídio anual para garantir ao

Rio de Janeiro uma temporada lírica e, mais ainda, quando o prédio, de maneira bastante

conveniente, incendiou-se novamente na noite de 9 de agosto.

Ao longo desse período, a atração exercida pelas cantoras voltou a fazer-se sentir. A

Candiani, logo em 1846, separou-se do marido, num processo turbulento e escandaloso, com

acusações de parte a parte, fartamente noticiado nos jornais. Além disso, passou a rivalizar

com a Delmastro, assim como, pouco mais tarde, rivalizaram Adeodata Lasagna e Marina

Barbiere. Como resultado, a Candiani passou a excursionar pelo país, e sua rival deixou o São

Pedro para tornar-se empresária do Theatro São Januário, onde tivera êxito anteriormente com

a organização dos primeiros bailes de máscara realizados no Rio de Janeiro. Tais partidos,

freqüentes na época, não deixavam de provocar constrangimentos por força do

comportamento inoportuno de seus respectivos simpatizantes e, em alguns casos, a situação

saía do controle, exigindo a intervenção da polícia e de oficiais de justiça, que interrompiam o

espetáculo e faziam prisões. Ainda mais tarde, registraria José de Alencar:

Os que freqüentam o nosso theatro lírico sabem que essas questões são moléstia crônica do diletantismo; e ainda bem para os diretores, pois determinam lucrativa afluência de espectadores e dão animação ao theatro . Desde os tempos da signora Candiani e da signora Delmastro até hoje os temos tido, e, faça-se o que se fizer até o fim do mundo havemos de ter partidos teatrais. Para extingui-los só há de haver um meio: suprimir o theatro . Até agora em todas as questões de theatro intervinha a questão política, apareciam os ressentimentos de nacionalidade; um dos partidos

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apregoava-se infalivelmente o partido brasileiro e excomungava o outro com a qualificação de partido estrangeiro. Destarte a questão teatral podia tornar-se mais grave; devia pois mais imperiosamente chamar a atenção da autoridade. Penso que o bom senso da maioria dos espectadores, desses que vão ao theatro para terem um agradável passatempo, neutralizaria os esforços dos lidadores e acabaria com a contenda. A policia não pensou assim, assustou-se; viu a ordem perturbada, viu perigos, e armou-se de todas as suas extraordinárias prerrogativas para acabar com a questão.11

Indicando igualmente o sucesso da atividade lírica, João Caetano contratou uma

companhia de ópera cômica francesa, em 1846, para atuar no Theatro de São Januário, que,

em seguida, transferiu-se para o Theatro de São Francisco. Seus principais integrantes eram

Iabelle Mège e Dugazon Bougnol, e a estréia, em 26 de setembro, ocorreu com Le Pré-aux-

clercs, de Hérold. Em 1848, de volta ao São Januário, uma nova companhia estreou em 7 de

junho com Les Diamants de la Couronne, de Auber.

As produções operísticas do período, descontadas as muitas repetições, encontram-se

na tabela abaixo:

Tabela 5: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1844-1851)

Ano Mês Dia Título Compositor 1844 01 17 Norma Bellini 1844 02 14 Barbeiro de Sevilha Gioacchino Rossini 1844 03 14 Belisario Gaetano Donizetti 1844 05 05 A Dama do Lago Gioacchino Rossini 1844 05 17 Elixir de amor Gaetano Donizetti 1844 07 23 Ana Bolena Gaetano Donizetti 1844 09 07 O Furioso Gaetano Donizetti 1844 10 11 Torquato Tasso Gaetano Donizetti 1844 12 02 Capuletos e Montequios Bellini 1844 12 14 Betly Gaetano Donizetti 1844 12 20 Julieta e Romeu Bellini 1845 03 26 I Puritani Bellini 1845 06 17 Chiara di Rosenberg Luigi Ricci 1845 10 04 Saffo Pacini 1845 12 2 Il Giuramento Mercadante 1846 06 16 Ernani Giuseppe Verdi 1846 09 04 Beatrice di Tenda Bellini 1846 09 26 Le Pré-aux-clercs Hérold 1846 10 07 Le Nouveau seigneur du village Boïeldieu 1846 10 10 L’Ambassatrice Auber 1846 10 27 Lucrezia Borgia Gaetano Donizetti

11 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 1, p. 196.

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1846 10 30 Lucia di Lammermoor Gaetano Donizetti 1846 11 07 Le Domino noir Auber 1846 11 22 La Straniera Bellini 1846 11 28 Le Postillon de Lonjumeau Adam 1846 12 19 Concert à la cour Auber 1846 12 26 Zampa Hérold 1847 01 01 La Figlia del reggimento Gaetano Donizetti 1847 01 02 Les Diamants de la couronne Auber 1847 01 23 Le Maçon Auber 1847 02 ? Le Cheval de bronze Auber 1847 03 ? Jean de Paris Boïeldieu 1847 04 20 La Favorita Gaetano Donizetti 1847 05 03 La Prigione d’Edimburgh Caetano Rossi 1847 05 ? La Part du diable Auber 1847 08 ? Mazaniello Caraffa 1847 08 ? Ma Tante Aurore Boïeldieu 1847 09 02 Le Maître de Chapelle Ferdinand Paer 1847 09 04 Gemma de Vergy Gaetano Donizetti 1847 12 02 Semiramide Gioacchino Rossini 1848 04 06 La Sonnambula Bellini 1848 04 29 Il Pirata Bellini 1848 06 09 Linda de Chamounix Gaetano Donizetti 1848 06 13 Les Mousquetaires de la reine Halévy 1848 06 30 Il Contrabandieri ou Giovanna d’Edimburgh F. Ricci 1848 07 29 D. Afonso, rei de Portugal Mercadante 1848 07 29 La Sirène Auber 1848 09 07 I Lombardi alla prima crociata Giuseppe Verdi 1848 09 15 Robert le diable Meyerbeer 1848 10 04 Bianca e Faliero Gioacchino Rossini 1848 10 15 D. Inês de Castro Coppola 1848 11 17 Nabucodonosor Giuseppe Verdi 1848 11 18 La Muette de Portici Auber 1849 06 08 Parisina Gaetano Donizetti 1849 06 19 La Vestale Mercadante 1849 07 19 Maria de Rohan Gaetano Donizetti 1849 09 07 I Masnadieri Giuseppe Verdi 1849 09 12 I Due foscari Giuseppe Verdi 1849 11 04 Le Roi d’Yvetot Adam 1849 11 13 Il Templario Nicolai 1849 12 02 Marino Faliero Gaetano Donizetti 1850 01 19 Guillaume Tell Gioacchino Rossini 1850 05 29 Roberto d’Évreux Gaetano Donizetti 1850 07 09 Il Vascello di Gama Mercadante 1850 07 22 Marescialla d’Ancre Nini

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1850 08 10 Fausta Gaetano Donizetti 1850 09 04 Nina o La Pazza per amore Coppola 1850 09 07 Regina di Cipro Pacini 1850 12 02 La Fidanzata corsa Pacini

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 197; v. 2, p. 7-19.

Após a epidemia de febre amarela, com o incêndio do Theatro São Pedro de Alcântara,

a situação tornara-se crítica no final de 1851. No Jornal do Commercio, o futuro Visconde do

Rio Branco lamentou o episódio.

Ontem representou-se ali o Cativo de Fez, etc., etc., até uma hora e vinte da manhã, e hoje já não existe do primeiro teatro da América Meridional senão o vácuo e as quatro paredes que o encerram. Foi ocasional ou obra de vândalos [...]? O clarão era tão intenso que poucos deixaram de assustar-se, supondo o incêndio a poucos passos de si. Toda a cidade se ergueu como um só homem. [...] puderam escapar das chamas a casa contígua por onde SS. MM. entravam para o camarim de onde viam os espetáculos nas noites ordinárias; a cocheira também contígua, que fica do lado da escola militar e o telheiro de azeite da Rua do Sacramento. Do que existia no theatro, salvaram-se somente os livros do escritório, uma mesa que continha algum dinheiro e os móveis da sala de entrada de SS. MM., pertencentes à casa lateral de que acima falei. [...] o fogo pediu a palavra e encerrou o assunto sem que aos proprietários ficasse o mais insignificante recurso, nem mesmo uma indenização de algum seguro, porque não se tinham prevenido com essa garantia. [...] a diretoria do extinto theatro não se acabrunhou pelo sinistro que acaba de sofrer e hoje mesmo adotou providências que me parecem as mais felizes nas circunstâncias. Vai-se toda a pressa restaurar o Theatro de São Januário.12

De fato, a urgência de uma providência decorria do fato que o maestro Dionísio Vega

encontrava-se na Europa, incumbido pela empresa do São Pedro de contratar cantores e

bailarinos para a temporada, e da circunstância do teatro São Januário ser pequeno e o São

Francisco, ainda menor. A solução encontrada foi a construção de uma sala provisória, para a

qual escolheu-se como local o Campo de Santana.

As obras tiveram início ainda em 1851, uma vez aprovado o projeto do construtor

Vicente Rodrigues e nomeada pelo governo uma comissão para superintender as temporadas

de óperas e bailados. Desta comissão, um dos primeiros atos foi o de contratar Francisco

Manuel da Silva como diretor artístico em 27 de setembro do mesmo ano.

A Comissão Diretora do Theatro Lírico, por parte do Governo Imperial, nomeia ao Ilmo. Sr. Francisco Manuel da Silva para Diretor das Companhias Lírica e de Baile do mesmo teatro, vencendo 3% de toda a receita que produzirem os espetáculos e mais 10% sobre a economia que houver na despesa de todo o material, comparada com a do orçamento que a Comissão fizer quando se julgar para isso habilitada.

12 Jornal do Commercio, 12 de dezembro de 1851.

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Competem-lhe as seguintes atribuições: 1ª - Para a direção dos trabalhos artísticos haverá um empregado superior com a designação de Diretor. 2ª - A este empregado incumbe: 1°. Informar à Comissão Diretora sobre o mérito dos artistas e, bem assim, sobre a conveniência dos contratos que se houverem de celebrar 2°. Assistir aos ensaios e espetáculos, cumprindo, fazendo cumprir as disposições deste Regulamento e providenciando sobre tudo quanto for necessário para a perfeita execução dos trabalhos artísticos. 3°. Escolher as óperas e bailes novos, propondo-os à Comissão Diretora, com o orçamento da despesa, combinado com o Inspetor de Cena, para a mesma resolver. 4º. Fazer o programa dos espetáculos, submetendo o dos dias de grande gala à aprovação da Comissão Diretora. 5°. Organizar conjuntamente com o Diretor de Cena o orçamento das despesas que tem de ser feitas para preenchimento de suas obrigações e remeter, por meio do Administrador, à Comissão Diretora. 6º. Propor à Comissão Diretora os dias para os benefícios dos artistas. 7°. Distribuir o serviço dos Mestres e mais artistas. 8º. Determinar sobre informação dos mestres, o número dos ensaios e, bem assim, o local e hora em que deverão ter lugar. 9°. Conceder aos artistas dispensa de ensaios quando disso não resultar inconveniente ao serviço. 10º. Escolher o Regente e Diretor da Orquestra, designar o Arquivista e nomear um Escriturário para o serviço de escrita e do Inspetor de Cena, com o ordenado conveniente que não exceda a 600$000. 11°. Organizar a orquestra e propor o vencimento dos professores. 12°. Ter debaixo da sua guarda ou de pessoa de sua confiança o Arquivo das companhias. 13°. Impor as multas àqueles que nelas incorrerem, participando à Comissão Diretora por intermédio do Administrador. 14°. Mandar verificar as partes de doente dos artistas pelo médico da casa ou por qualquer daqueles que estiverem designados pela Comissão Diretora. 15°. Representar à Comissão Diretora sobre quaisquer omissões ou faltas que ocorrerem, propondo as medidas que julgar convenientes para o bom andamento do teatro.13

Inaugurado oficialmente a 25 de março de 1852, com a ópera Macbeth, de Verdi, o

teatro, conhecido inicialmente como Provisório, mas rebatizado de Theatro Lírico Fluminense

em 1854, foi o centro da vida musical carioca durante 23 anos. Levou apenas pouco mais de

seis meses para ser concluído, pois já em fevereiro abria suas portas para a realização de bailes

carnavalescos em benefício do construtor. Maior do que o São Pedro, era um casarão cor de

rosa, sem acabamento arquitetônico, que se estendia da atual rua da Constituição até a Buenos

Aires, com frente para o quartel central dos bombeiros. Possuía 120 camarotes distribuídos em

quatro ordens, 248 cadeiras de primeira classe, 443 de segunda e 147 gerais. De acordo com o

Jornal do Commercio, nada

tem de rico, tudo porém é alegre e vistoso, a pintura geral da casa nada temos que notar. [...] O theatro é provisório e tudo ali foi improvisado, mas da acústica ninguém pode reclamar. [...] A expectativa era geral e a administração, fundando nela os cálculos do lucro do theatro, elevou exorbitantemente aos preços das cadeiras e da platéia.14

13 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 1, p. 129 14 Jornal do Commercio, 25 de fevereiro de 1852.

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Enquanto isso, Montevidéu e Buenos Aires preparavam-se para inaugurarem,

respectivamente, o Solís, em 1856, e o primeiro Colón, em 1857, tornando-se, especialmente o

último, o centro nervoso da atividade operística na América do Sul daí em diante.15

Nessas condições, a temporada de 1852 teve lugar, de 1º de janeiro a 19 de março, no

Theatro de São Januário e, de 25 de março a 23 de dezembro, no Provisório. Pobre em

produções novas, destacou-se, porém, pela presença da cantora contralto francesa Rosine

Stoltz (1815-1903), que reinara na Ópera de Paris entre 1837 e 1847, e cuja carreira se

estenderia até 1860. Victoire Noël de nascimento, seu conhecimento musical era deficiente,

mas, nem por isso deixava de impressionar as platéias de seu tempo com suas atuações e de

escandalizar o público com sucessivos casamentos, que fizeram dela uma baronesa, Condessa

de Kestschendorf e Princesa de Bassano.16 Ela estreou em 12 de junho, numa récita de A

Favorita e causou furor.

Após algumas apresentações, a Stoltz realizou na noite de 23 de agosto o seu

benefício. Foi uma consagração: recebeu palmas, flores e, segundo o relatório do diretor do

teatro, “alfinetes, pulseiras, anéis e outros mimos”, além de um colar com que apareceu

adornada no 3º ato de A Favorita, avaliado por Charles Expilly em quatro contos de réis. Ao

final, 76 senhoras da melhor sociedade fluminense ofereceram-lhe e exigiram que colocasse

sobre a cabeça uma coroa, constituída por um “laço de brilhantes, com o centro formado de

uma esmeralda de não vulgar grandeza”, ao qual prendiam-se “dois ramos de café, cujos

frutos são granadas, sendo as folhas de ouro lavrado, elevando-se na frente uma estrela de

brilhantes correspondentes aos do laço.” Generosa, a cantora distribuiu parte dos mimos

recebidos entre os demais artistas que tinham participado do espetáculo, cabendo à Candiani

um bracelete de rubis; à Baderna, um par de brincos e um alfinete; à Bertani, um alfinete; à

Cantarelli, um par de bichas de ouro esmaltadas; ao regente João Vitor Ribas, uma corrente de

ouro para relógio; e assim por diante.17

Segundo o periódico Álbum Semanal,

Pode-se dela afoitamente dizer que é uma rara e completa cantora. [...] Considerada como atriz, é tudo quanto se pode desejar. Tanto em suas atitudes, em sua fisionomia, como nas diversas inflexões de sua voz, ela desenhava o que se passava

15 John Rosselli. The Opera Business and the Italian Immigrant Community in Latin America 1820-1930: The

Example of Buenos Aires. Past & Present. Oxford, 127:155-82, May 1990, p. 167. 16 Cf. Grove’s (1947), v. 5, p. 143-4, art. de Gustave Chouquet, e John Rosselli. The Opera Business ..., p. 161 17 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 2, p. 38-41.

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no coração de Leonor. O grande Donizetti, escrevendo a sua Favorita, não podia encontrar melhor intérprete do seu vasto e prodigioso talento. 18

Mas foi o folhetinista do Jornal do Commercio, após sua apresentação em 31 récitas e de sua

partida em 14 de dezembro de 1852, que se mostrou mais perspicaz a respeito dos efeitos

causados por Rosine Stoltz no imaginário da época:

Quando Madame Stoltz entrava em cena, com as feições maceradas, com os olhos velados, com os cabelos em desalinho, com o andar vacilante – sentia-se logo um não sei quê de penoso, uma compaixão, uma lástima verdadeira: suas notas saíam como que a custo e dilaceravam a alma que as recebia, tendo já dilacerado a que as soltava; seus movimentos desordenados revelavam a dor do espírito, tanto como o cansaço do corpo. [...] Madame Stoltz era a Georges Sand do teatro lírico; a mulher emancipada, superior aos acanhamentos do seu sexo, tratando os homens como seus iguais em direito e as mulheres como entes enfermos e dignos, ou de proteção ou de desprezo. [...] Aquela mulher não era uma artista somente; era uma revolucionária em trajes de rainha babiloniana.19

Dessa forma, o período de 1853 a 1858 constituiu a fase áurea do espetáculo lírico no

Rio de Janeiro do século XIX (ver gráfico em anexo). Cantores de destaque, continuaram a

vir. Anne Arsène Charton Demeur (nascida em 1824), para o público e a imprensa, apenas

Madame Charton, cantou 17 óperas, num total de 154 récitas, de 1854 a 1856, e criou os

principais papéis femininos de O Trovador, Rigoleto e La Traviata. A soprano Emmy La Grua

chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1855 no mesmo navio que trouxe o pianista Thalberg, a

caminho de Montevidéu para a inauguração do Teatro Solís, e, apesar de célebre, despertou

em José de Alencar uma reflexão um tanto desencantada.

Sabeis que vamos ter em breve uma celebridade lírica em nosso theatro? Temos tanto esperado que já é tempo de uma vez cumprirem as velhas promessas que nos costumam fazer. A nova cantora, o novo rouxinol da Ausônia, que vem encantar as noites da nossa terra, chama-se Emmy La Grua. É uma bela moça, de formas elegantes de grandes olhos, de expressão viva e animada. A boca, sem ser pequena, é bem modelada; os lábios são feitos para esses sorrisos graciosos e sedutores que embriagam. Bem entendido, se o retrato não mente; e se aquela moça esbelta e airosa que vi desenhada não é uma fantasia de “crayon”. Quanto à sua idade, bem sabeis que idade de uma moça é um problema ninguém deve resolver. Os indiscretos dizem que tem vinte e três anos; quando mesmo tenham trocado os números não é muito para uma moça bonita. As belas mulheres monumentais nascem, brilham enquanto vivem e deixam depois essas melancólicas ruínas em face das quais o viajante da terra vem refletir sobre o destino efêmero das coisas deste mundo.20

18 Álbum Semanal. Apud Ayres de Andrade, Francisco Manuel ..., v. 1, p. 42. 19 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ... , v. 2, p. 43. 20 No Correio Mercantil. Apud Ayres de Andrade, Francisco Manuel ..., v. 1, p. 56-57.

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De fama internacional foi também Enrico Tamberlick (1820-1889), tenor no auge de sua

carreira, que desembarcou no Rio de Janeiro em 3 de junho de 1856, a caminho de Buenos

Aires, contratado a peso de ouro para a inauguração do Teatro Colón, e que se destacou por

sua simpatia.21 Nas noites em que não cantava uma das 48 récitas de que participou, ia

aplaudir João Caetano, de quem logo se tornou amigo. Em 1857, Heloisa Marechal foi a

primeira senhora de sociedade no Brasil a ingressar no teatro lírico como profissional. Seu

rendimento em papéis de grande responsabilidade, como Açucena, em O Trovador, e

Adalgisa, em Norma, levou a direção do teatro a indicá- la para estudar na Europa, com

proteção da imperatriz e como pensionista do governo brasileiro na Itália e na França, mas não

há notícias de sua carreira posterior. As Tabela 6 e 7, a seguir, indicam as atividades do

período.

Tabela 6: Récitas por ano no Rio de Janeiro (1853-1858)

Ano Récitas 1853 86 1854 96 1855 117 1856 102 1857 65 1858 79

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 2, p. 52-60.

Tabela 7: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1852-1858)

Ano Mês Dia Título Compositor 1852 01 01 Anna la Prie Vincenzo Baptista 1852 03 25 Macbeth Giuseppe Verdi 1853 01 22 Os Mártires (Poliuto) Gaetano Donizetti 1853 02 12 Don Pasquale Gaetano Donizetti 1853 03 14 Il Bravo Mercadante 1853 05 03 Lenora Mercadante 1853 05 28 Luisa Miller Giuseppe Verdi 1853 09 07 Attila Giuseppe Verdi 1854 03 14 Merope Pacini 1854 07 07 Il Trovatore Giuseppe Verdi 1855 02 03 Gli Arabi nelle Gallie Pacini 1855 12 15 La Traviata Giuseppe Verdi 1856 01 17 Rigoletto Giuseppe Verdi

21 John Rosselli. The Opera Business ..., p. 167.

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1856 03 11 Horácios e Curiácios Mercadante 1856 07 29 L’Ebreo Appoloni 1856 09 07 Maria Padilla Gaetano Donizetti 1857 06 16 Fiorina Pedrotti 1857 06 17 Les Noces de Jeannette Victor Massé 1858 12 02 Mosé in Egitto Gioacchino Rossini

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 1, p. 197; v. 2, p. 26 e 51-60.

A diminuição do número das estréias, combinada com o maior número de récitas, entre

1853 e 1858, parecem indicar que se consolidava um público e uma organização comercial

para a vida operística do Rio de Janeiro. Chegou-se a pensar na construção de um novo teatro,

mas a intenção não saiu do papel, apesar de um concurso em que ficou classificado em

primeiro lugar o projeto do engenheiro Gustavo Waehneldt, residente no Rio de Janeiro; em

segundo, o de uma firma de Londres; e, em terceiro, o de um arquiteto de Filadélfia. Contudo,

depois desse bem sucedido período, a temporada de 1859 reflete um arrefecimento das

atividades relacionadas ao teatro lírico, modificação esta que ganhou corpo no decorrer dos

anos seguintes. Não se tratou propriamente de um afastamento do público, embora, a partir de

1860, a Guerra do Paraguai tenha mobilizado os ânimos em outras direções, mas sobretudo da

condição financeira do país, comprometida com os gastos envolvidos no conflito, o que

tornava difícil continuar subvencionando as temporadas líricas. Embora cheio de ironia,

observou Machado de Assis no Diário do Rio de Janeiro:

Temos teatro lírico? Não temos teatro lírico? Tais foram as perguntas que se fizeram a semana passada, depois da representação da Luísa Miller, dada como última da extinta empresa. O Diário Oficial veio por termo às duvidas, declarando peremptoriamente que o governo não fez nem pretende fazer contrato sobre o teatro lírico concedendo subvenção ou loterias. Mais de uma circunstância concorre para tornar este ato digno dos aplausos gerais. A mais insignificante dessas circunstâncias é a presença da estação calmosa, - durante a qual, nos países que nos servem de modelo, suspendem-se as representações líricas. Mas há alguns amadores intrépidos que resistem a tudo, a despeito de tudo, e que estavam dispostos a afrontar o verão, e a ir suar na sala do Provisório, enquanto na cena suassem os cantores durante as notas impossíveis de algumas óperas em voga. Esses dificilmente se acomodarão. Os leões fluminenses exigem a todo custo os encantos da lira de Orfeu. Infelizmente a resolução foi tomada e publicada. Em matéria de música devemos contentar-nos agora com o ruído da guerra e os gritos vitoriosos dos nossos bravos batalhões que lá defendem no Sul a honra nacional ultrajada. Se o Governo tivesse concedido o teatro lírico a uma empresa em semelhante situação, teria cometido simplesmente um escândalo. Repartir os dinheiros públicos entre os defensores do País e as gargantas mais ou menos

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afinadas dos rouxinóis transatlânticos, era uma coisa que nenhum Governo se devia lembrar, e eu folgo muito de ver que este não se lembrou. 22

Dessa forma, as temporadas de 1859 a 1865 foram minguando, como evidenciam as

tabelas a seguir.

Tabela 8: Récitas por ano no Rio de Janeiro (1859-1865)

Ano Récitas 1859 73 1860 31 1861 37 1862 38 1863 51 1864 44 1865 24

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 2, p. 63-72.

Tabela 9: Óperas novas apresentadas no Rio de Janeiro (1859-1865)

Ano Mês Dia Título Compositor 1859 Nenhuma 1860 04 25 Marco Visconti Petrella 1860 07 04 Giovanna d’Arco Giuseppe Verdi 1860 09 07 Malvina da Escócia Pacini 1861 11 24 Le Caïd Ambroise Thomas 1862 03 15 La Juive Halévy 1862 05 22 Ballo in maschera Giuseppe Verdi 1862 07 01 Martha Flotow 1862 08 28 Don Sébastien Gaetano Donizetti 1862 11 08 Estella Ricci 1863 07 11 Si J’étais roi Adam 1864 10 25 Aroldo Giuseppe Verdi 1865 10 12 Yona ou os últimos dias de Pompéia Petrella 1865 11 27 Freischütz C. M. von Weber

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. v. 2, p. 63-72.

Pode surpreender o Freischütz no Rio de Janeiro de 1865. No entanto, todos os

cantores envolvidos na temporada deste ano eram italianos ou de origem italiana, no máximo

brasileiros ou portugueses; o regente, Ferdinando Besanzoni. Por conseguinte, é pouco

provável que fosse cantado em alemão ou mesmo que correspondesse muito literalmente à

22 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., p. 72-73.

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obra de Weber. Ao contrário, deve supor-se que, nesse caso, também se aplicassem antigas

práticas italianas, descritas por John Rosselli:

O elenco vocal era livremente adaptado para atender às necessidades de uma trupe restrita; num Otello de Rossini em Montevidéu no ano de 1830, o barítono cantou a parte aguda de Rodrigo destinada a um tenor ligeiro, enquanto um castrato cantou Iago, outra parte de tenor – ambas obviamente transpostas. Na realidade, cantores transpuseram e interpolaram nos teatros italianos até que Verdi, munido com a arma de uma nova lei de direitos autorais, lhes impôs a sua vontade na segunda metade do século. Contudo, ele não podia fazer muito em relação à América do Sul. Na Argentina, não houve direitos autorais até 1910 e nenhum direito autoral internacional antes de 1932. Entrementes, muitas, provavelmente a maioria, das produções operísticas, que não fossem providas diretamente de Milão, usavam partituras pirateadas, cuja instrumentação tinha sido elaborada por um compositor de segunda categoria a partir da partitura vocal publicada.23

Por outro lado, data dessa época o hábito de as platéias dos teatros começarem a ser

freqüentada por senhoras, quebrando o velho preconceito de serem reservadas somente aos

homens. Assim como o de vender lugares numerados e pré-fixados, como sugere uma nota da

empresa do Theatro Lírico Fluminense:

Havendo algumas famílias que pretendam freqüentar as cadeiras ou espetáculos deste teatro, se lhes declara que tanto elas como as pessoas que as acompanham terão bilhetes para cadeiras numeradas; e no caso que queiram escolhe-las, poderão faze-lo durante o dia da apresentação ou na véspera. Se for crescido o número dessas pessoas, hoje mesmo terão lugar reservado.24

Como mencionado por Machado de Assis, diante das dificuldades financeiras, o

governo resolvera ceder o teatro a uma empresa que o quisesse explorar, sem, no entanto,

oferecer qualquer privilégio. Assim, em fevereiro de 1865, o Diário Oficial transcrevia o

contrato de concessão do Theatro Lírico Fluminense, firmado entre o governo e Pedro Veloso

Rebelo. Este, entre outras obrigações, assumia a de consertar e ornar o teatro; levantar o

lajeado que o cercava; dar dois benefícios anuais para a instituição que o governo designasse;

e solenizar os dias de festa nacional e os aniversários natalícios do imperador e da imperatriz

com espetáculo lírico ou dramático. Dessa forma, a 20 de agosto, abria-se novamente o

Theatro Lírico Fluminense, reformado e ornado para oferecer novas óperas.

Nos dias 3, 5 e 8 de outubro, foram à cena as óperas Trovador, Rigoleto e Hernâni,

respectivamente, em homenagem a vitórias no Paraguai. Depois de cada apresentação, eram

cantados os hinos das nações aliadas. Em 16 de novembro, após um espetáculo com a ópera

Marta, foi executado um hino, A Vitória de Uruguaiana, de João Teodoro de Aguiar, com

23 John Rosselli. The Opera Business ..., p. 167.

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letra de Bethencourt da Silva. Os demais teatros entraram no mesmo clima. No Ginásio, em

um espetáculo de gala em comemoração ao aniversário do Juramento da Constituição, o ator

Vasques representou a cena patriótica O Brasil e o Paraguai, durante a qual executou-se o

Hino dos Voluntários, de Furtado Coelho, encerrando-se com o quadro alegórico O Brasil

Esmagando o Paraguai, executado ao som do Hino Nacional. Paralelamente, grande

quantidade de composições invadiu então o mercado de partituras no Rio de Janeiro. Em sua

maioria, eram marchas e hinos, destinadas a bandas.

Na realidade, não havia clima para as manifestações artísticas. As atenções estavam

voltadas para a campanha do Paraguai. A própria cidade começava a modificar a

nomenclatura de suas ruas, como foi o caso da rua de Matacavalos, que passou a chamar-se

rua do Riachuelo, e do Rocio Pequeno, rebatizado de Praça Onze de Junho. O Theatro Lírico

Fluminense transformara-se num centro de civismo, em que se inscreviam os candidatos a um

lugar no corpo de voluntários e se promoviam reuniões. Para Machado de Assis:

Só temos uma novidade no capítulo dos teatros. O Sr. Gomes Cardim, maestro português, há muito tempo residente no Rio Grande, chegou ultimamente a esta Corte para executar uma composição musical denominada Batalha de Paissandu. No dia 18 teve lugar essa execução no Theatro de São Januário, com a presença da família imperial e diante de um numeroso concurso. A Batalha de Paissandu foi aplaudida com muito entusiasmo e muita justiça. [...] O assunto e o título da composição entraram por muito no movimento estrepitoso dos espectadores, que à uma se levantaram, no meio de vivas ao Imperador e ao Brasil em justa homenagem pelo triunfo alcançado pelas forças aliadas sobre os paraguaios.25

Francisco Manuel da Silva, mais uma vez, fez uma síntese do período com o seu Hino

de Guerra, com letra de Antônio José de Araújo. Foi cantado pela primeira vez na Escola

Central, mais tarde Escola Nacional de Engenharia. De acordo com o Jornal do Commercio:

Pelas 5 horas da tarde, já o concurso era numeroso e, apesar de ser a entrada por cartões, mal se podia o povo acomodar; artistas e amadores de ambos os sexos, discípulos do conservatório, mestres e as bandas de música marcial, enchiam o grande pátio e todas as janelas que cercam estavam apinhadas das famílias mais distintas. Pelas 5 e meia horas chegaram os Srs. Ministros da Guerra, da Marinha, da Fazenda e do Império, e um quarto de hora antes das 6 chegaram Suas Majestades Imperiais, que foram recebidas pelos Srs. Ministros, corpo acadêmico e senhores cavalheiros de distinção, seguindo-se logo a execução do hino, depois de ocupar a família imperial e a corte as janelas do lado sul. Não se pode descrever o entusiasmo que produziu essa música patriótica, que ao terminar, deu ocasião a fervorosos vivas a Suas Majestades Imperiais, à Nação

24 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., , v. 2, p. 69. 25 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 75.

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brasileira e aos bravos defensores do Império. Tudo ocorreu na melhor ordem possível. 26

Uma Ópera Nacional

O romantismo musical, em seu viés nacionalista, não deixou de manifestar-se no

Brasil novecentista e procurou alcançar dois objetivos: elevar a estima dos brasileiros pelo

próprio país e criar a possibilidade do canto em idioma nacional. Manuel de Araújo Porto

Alegre apontou o ano de 1856 como o inicio do movimento, marcado pela apresentação do

tenor Tamberlick no Theatro Provisório, interpretando a cena cantada Véspera dos

Guararapes de Gioacchino Giannini, mestre da Capela Imperial e professor do Conservatório

de Música do Rio de Janeiro, com letra do próprio Porto Alegre.27

Aparentemente, a idéia nascera em 1852, quando, em 19 de junho, o desembargador

João Antônio de Miranda, diretor de Theatro Provisório, escreveu a D. Pedro II:

Quero fazer representar no dia 7 de setembro uma ópera em italiano, cujo assunto seja nacional. Para esse fim recorri já hoje a Porto Alegre. Acham-se todos entusiasmados com esta idéia e Madame Stoltz é a primeira, depois de mim, que se coloca à frente de uma inovação que deve animar o teatro, sacudindo-lhe o torpor em que parecia submergido.28

Mais adiante, acrescentava: “O mesmo sucederá para o dia 2 de dezembro; mas para esse dia

pretendo animar o zelo dos nossos literatos oferecendo- lhes um premio.”

Em 26 de junho tornava a escrever:

Porto Alegre aceitou a comissão e muito se pagou da preferência que eu lhe dera. Já combinou com Gioacchino Giannini e com Madame Stoltz, e trabalha. A ópera terá por objeto a restauração de Pernambuco. Será pequena. A Stoltz representará de homem. Gioacchino Giannini instrumentará a peça. Tenho medo que o tempo nos falte.

Quanto ao 2 de dezembro, informava que

Quatro homens se hão alistado para a confecção de um trabalho [...]. São eles: Dr. Francisco Bonifácio de Abreu, padre Miguel Alves Vilela, Augusto de Sá e H.X.Y.Z. Não tenho idéia do indivíduo a que respeitam essas iniciais. O nome de Augusto de Sá me parece suposto. Um alemão, que me asseveram ser ótimo poeta e compositor de música, trabalha em uma ópera, que me oferecerá instrumentada. Tenho esperança de que mais alguns se inscrevam. A semente está lançada na terra.29

26 Jornal do Commercio, 05 de fevereiro de 1865. 27 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 78. 28 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 83. 29 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 87.

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Esse alemão era Adolfo Maersch. Tinha chegado ao Rio de Janeiro em 1849, e, em 1854, já

compusera a ópera Marília de Itamaracá ou A Donzela da Mangueira, baseada em libreto de

De Simoni. Jamais encenada completamente, uma versão da partitura para canto e piano foi

anunciada pelos jornais naque le ano como a primeira obra do gênero publicada no Brasil e

precedia por sete anos a de Elias Álvares Lobo, A Noite de São João, que só viria a ser

encenada em 1861 e é tida como a primeira ópera em idioma nacional versando sobre assunto

brasileiro.30

Seguiram-se outros relatórios do Diretor, dando notícias do andamento dos trabalhos.

Em 20 de julho, informava que “De Simoni já está traduzindo o primeiro quadro da ópera de

Porto Alegre, que não subirá à cena no dia 7 de setembro.” Acrescentava que

Há mais dois concorrentes para o dia 2 de dezembro. São eles: D. J. Monteiro e Francisco de Souza e Silva. O segundo é secretário do Regimento de Cavalaria. O primeiro não conheço e, a julgar pela idade e aparência, nada fará. No entretanto, os príncipes da nossa poesia escondem-se, sendo depois os primeiros a propalar que ninguém dá impulso à artes e às ciências.31

Em 7 de agosto: “Está completo o libreto por parte de Porto Alegre e todo já em poder do

tradutor De Simoni.” Em 26 de agosto: “A composição de Porto Alegre continua a ser

traduzida por De Simoni. Não tive ocasião de fazer extrair uma cópia.”32 Não obstante,

enviava o libreto de uma ópera intitulada Moema e Paraguaçu.

Ela foi composta pelo Dr. Francisco Bonifácio de Abreu. Não pude ler ainda, nem portanto apreciá-la. Hoje recebi outra, composta por Miguel Alves Vilela, cujo título é Moema. Vou manda-la copiar, a fim de faze-la chegar ao Alto Conhecimento de Vossa Majestade Imperial. Esses dois autores tiveram o mesmo pensamento. Seus trabalhos vão ser remetidos ao Conservatório Dramático.33

Em 6 de setembro, relatava: “Lindóia, nova ópera nacional. Recebi hoje essa ópera de Ernesto

Ferreira de França Filho, que se não havia inscrito. Vou dar- lhe o mesmo destino que às

outras.” Embora não fossem óperas, mas sim libretos, dos quais apenas Moema e Paraguaçu

veio a ganhar música, o Diretor, depois disso, deixou de ocupar-se do assunto.

Já no Conservatório Dramático, o parecer sobre os três libretos foi apresentado por

Francisco Manuel da Silva:

30 Dessa ópera foi executada a abertura sinfônica, sob a regência do maestro Gioacchino Giannini , como

número inicial do segundo concerto do pianista Thalberg, a 3 de agosto de 1855, no Theatro Lírico Fluminense. Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 89.

31 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p.88. 32 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p.83-84. 33 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., , v. 2, p. 89.

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Examinando os três libretos – Lindóia , Moema e Paraguaçu e Moema, que o Conservatório Dramático teve a bondade de submeter ao meu fraco juízo, parece-me que a tragédia Moema é a que reúne as circunstancias que se exigem para as composições líricas, considerando-a em relação à parte musical. Em geral o plano da ópera é bem traçado e tem situações que devem produzir grande efeito pela reunião de diversas personagens principais, onde o compositor lírico pode formar com êxito seguro as peças concertantes, fazendo-se notável o final do 1º ato. Observo porém que alguns cantos, e especialmente dos coros, produzirão maior resultado se não forem tão longos. Na cena 5ª do 1º ato, por exemplo, o coro das indianas, acho que seria conveniente suprimir alguns versos, resumindo quanto fosse possível o dialogo entre ele e Moema. É muito difícil na atualidade reunir na nossa cena um coro de damas tal que possa sustentar-se por muito tempo sem cair em monotonia, ainda mesmo havendo pensamentos felizes por parte do Maestro. Estes outros inconvenientes se podem com facilidade remover se as idéias do compositor lírico se harmonizarem com as do autor do poema. Longe de censurar o libreto nesta parte, não faço senão lembrar o método geralmente seguido pelos mais abalizados poetas que, pela sua reputação européia, podem servir de modelo. Romani, Camarano, Sollera, Piave, etc., tem sido os libretistas de Rossini, Mercadante, Pacini, Verdi e outros, e tanta parte tomavam aqueles na determinação do plano musical quanto eles tinham na composição dos libretos. No meu fraco conceito, julgo que o libreto da ópera Moema deve ser preferido aos outros, e que os seus variados cantos se prestam à composição lírica, uma vez que o seu autor faça as modificações necessárias de acordo com o Maestro que tiver de interpretar.34

Quanto à ópera com libreto de Porto Alegre, passou ao fim a ser apenas uma cena

cantada e só foi apresentada quatro anos mais tarde, não mais cantada por Rosine Stoltz, mas

por Tamberlick, na noite de 27 de novembro de 1856, quando, no Theatro Lírico Fluminense,

fazia o seu benefício o baixo Agostino Susini, com O Trovador. Segundo o Jornal do

Commercio:

No intervalo do 1º e 2º ato, cantarão o Sr. Tamberlick e o beneficiado uma cena histórica expressamente composta para esta representação, poesia do Sr. XXX, música do maestro Giannini. O assunto é tirado da história nacional. É um episódio da guerra contra os holandeses, em Pernambuco. Ao levantar do pano vê-se o acampamento dos pernambucanos: as trombetas chamam os guerreiros ao combate; um dos valentes chefes (Tamberlick) anima os seus companheiros, que entoam um hino nacional. João Fernandes Vieira (o beneficiado) entrará em cena trazendo a antiga bandeira brasileira, que é branca toda, tendo no meio o globo e a cruz de Cristo, tal qual se acha no centro das armas do Império do Brasil. Vieira é recebido com entusiasmo: todos juntos juram sobre a bandeira vencer ou morrer...35

34 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 89. Quanto à Moema, do padre Miguel Vilela, está

depositado na Seção de Documentação Histórica do Arquivo Nacional. Lindóia se perdeu. 35 Jornal do Commercio, 26 de novembro de 1856.

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Devido ao grande sucesso atingido, Giannini pôs-se a trabalhar imediatamente em uma

outra obra, agora com texto em português. Curiosamente, no entanto, a cantata inspirava-se no

Novo Testamento, mais precisamente na passagem “Deixai que as crianças venham ter

comigo.” Mais uma vez o intérprete foi Tamberlick que, em sua última apresentação no Rio

de Janeiro, no dia 16 de dezembro de 1856, levou-a à cena no Theatro Lírico Fluminense, sob

a regência do autor e em beneficio do Pio Instituto dos Surdos-Mudos.

De qualquer modo, foi em 14 de dezembro de 1860 no Theatro São Pedro de Alcântara

que se encenou a primeira ópera com assunto brasileiro e escrita, tanto libreto quanto

partitura, por brasileiros: A Noite de São João, com letra era de José de Alencar e música de

Elias Álvares Lôbo, montada pela companhia Ópera Lírica Nacional, tendo por interpretes

Eduardo Ribas, Andréa Marchetti, Luísa Amat e Carlota Milliet. Indicando que o libreto de

José de Alencar circulara antes de encontrar um destino definitivo, em 10 de maio de 1858, o

Diário do Rio de Janeiro tinha noticiado que

Temos enfim uma ópera brasileira em toda a extensão da palavra; intitula-se A Noite de São João; é composição do Sr. A. da S. Campos Fluminense, sobre poesia do Sr. J. de Alencar. Já ouvimos executa-la no piano pelo próprio compositor; a música pareceu-nos inteiramente original, sobretudo a ária di sortita do soprano e a canção do contralto. Foi composta em dois meses e é o primeiro ensaio de um jovem artista brasileiro que estréia na sua carreira sob os melhores auspícios.36

Seguiu-se Moema e Paraguaçu, encenada em 9 de julho de 1861 no Theatro Lírico

Fluminense.37 Um fato chama a atenção, pois foi nessa apresentação que o intercâmbio com

alunos do Conservatório de Música se iniciou com a presença de R. F. Lima, de apenas 12

anos, aluno do curso de dicção de canto da Ópera Lírica Nacional, que funcionava no

Conservatório.

Finalmente, em 4 de setembro de 1861, foi à cena a primeira ópera do compositor

Carlos Gomes no Theatro Lírico Fluminense, A Noite do Castelo, segundo um libreto em

português extraído por Antônio José Fernandes dos Reis do poema com o mesmo nome de

Antônio Feliciano de Castilho e tendo por regente Júlio José Nunes.38 O sucesso foi imediato,

afirmando o Diário do Rio de Janeiro de sua repetição no 7 de setembro:

Executou-se anteontem no Teatro Lírico, pela segunda vez, a ópera do Sr. Antônio Carlos Gomes, A Noite do Castelo. Mais preparados os espectadores da primeira

36 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva ..., v. 2, p. 98. 37 Libreto de Francisco Bonifácio de Abreu e música do maestro italiano Sangiorgi. Esta é outra ópera em

assunto nacional, sendo o libreto o mesmo que em 1852 fazia referencia o diretor do Theatro Provisório em relatório ao imperador.

38 Este era uma espécie de substituto de Gioacchino Giannini , de quem era aluno no Conservatório

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noite puderam apreciar ainda melhor as belezas dessa notável composição. O Sr. Gomes foi de novo vitoriado. A execução correu melhor que na primeira noite, o que facilmente se explica pela segurança e que estavam os artistas de seus respectivos papéis. Os interpretes de Leonor, Conde Orlando e Henrique tornaram-se principalmente dignos de menção pela maneira por que traduziram o pensamento do compositor. Mereceu os aplausos do público um solo de rabeca executado pelo professor Gusman. O jovem compositor teve anteontem uma demonstração que o devia tocar profundamente. Alguns dos nossos professores, com os Srs. Goiano e Demétrio, ofereceram-se para tocar na orquestra que executou a partitura do seu talentoso discípulo. 39

Nos três meses seguintes, a ópera alcançou mais sete apresentações e, numa delas, Carlos

Gomes recebeu várias homenagens, entre elas uma coroa de ouro ofertada pela Sociedade

Musical Campesina e a conhecida batuta de ouro, que trazia gravados os quarenta nomes das

senhoras que a ofertavam.

Sua ópera seguinte subiu à cena em 15 setembro de 1863, dando início à temporada

daquele ano no Theatro Lírico Fluminense. Foi Joana de Flandres, baseada em libreto de

Salvador de Mendonça e com os cantores Theresina Bayetti, Luísa Amat, Giuseppe Mazzi,

Luigi Walter, Achille Rossi Castagnola e Giuseppe Cervini, regidos pelo italiano Carlo

Bosoni, a pedido do próprio compositor. Com exceção de Luísa Amat, eram todos italianos e

tiveram que cantar em português, idioma que não conheciam, o que certamente contribuiu

para o fracasso do espetáculo, fazendo Carlos Gomes escrever na partitura: “Fim de um

fiasco”.40

Por situação parecida passou Henrique Alves de Mesquita (embora na ocasião ainda

estivesse em Paris como pensionista do governo) quando levou à cena O Vagabundo ou A

Infidelidade, Sedução e Vaidade Punidas, ópera em um prólogo e três atos, com libreto de

Francesco Gumirato, traduzido por De Simoni. O espetáculo teve lugar no Theatro Lírico

Fluminense em 24 de outubro de 1863, em récita de beneficio da soprano Dejeanni Vives e

com a colaboração de Luísa Amat, Achille Rossi Castagnola, Luigi Walter, Giuseppe Mazzi,

Heliodoro Maria da Trindade e Antônio Maria Celestino. Regente foi o maestro Carlos

Bosoni.41 Segundo um cronista da época,

39 Diário do Rio de Janeiro, 07 de setembro de 1861. 40 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 107-8. 41 O autor do libreto original Francesco Gumirato, era um tenor cujo nome aparece na lista dos cantores

contratados em 1851 para o Theatro Provisório, segundo Ayres de Andrade. Apesar de nessa lista aparecer como primeiro tenor, o certo é que ele não tomou parte na temporada daquele ano, nem na dos anos seguintes. Uma única vez o seu nome aparece nas colunas da imprensa – dez anos depois em 1861, e sem nenhum destaque.

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Conquanto o libreto seja absurdo, os executantes por tal maneira estropeiam as palavras, que poucos espectadores puderam verificar em que língua se cantava. Nem isso deve admirar, porquanto um dos cantores é polaco (o Sr. Miller), outro é espanhol (o Sr. Padilla), outra é francesa (a Sra. Dejeanni), o resto é italiano. 42

E acrescentava que havia momentos em que os cantores pronunciavam as palavras de tal

modo, que na platéia os homens riam e as mulheres coravam.

Da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional à Ópera Nacional e Italiana

Com as reencenações de O Vagabundo, em 1864, encerrava-se o movimento que, no

ano de 1857, nascera com o imponente nome de Imperial Academia de Música e Ópera

Nacional. Nele, esteve envolvida uma das figuras mais controversas da vida musical carioca

novecentista, José Zapata y Amat, nobre espanhol, com formação musical de tenor. Chegou

ao Rio de Janeiro em 1848,43 estabelecendo-se como professor de canto. Ao mesmo tempo,

começou a musicar textos de poetas brasileiros, o que logo o tornou conhecido. Trazendo de

seu país idéias nacionalistas semelhantes às que corriam pelo Brasil na época, teve a

perspicácia de perceber que, aderindo ao movimento de ópera nacional brasileiro, teria

maiores perspectivas de alcançar um reconhecimento.

Não obstante, apesar de alguns músicos participarem de ambos os lados do movimento

operístico nacional, como é o caso de Gioacchino Giannini, Amat manteve-se distante das

iniciativas do desembargador João Antônio de Miranda, Diretor do Theatro Provisório, e não

se aproximou de Carlos Gomes. Desempenhando o papel de elemento polarizador de forças

que se encontravam presentes no meio artístico local, ele parece ter adotado uma prática

recorrente na sociedade brasileira, até hoje, de estabelecer um pequeno grupo, que procura

consolidar-se ignorando os concorrentes. Contudo, como, no fim das contas, tudo era bancado

pelo governo, quando este fechou as possibilidades de financiamento, devido à Guerra do

Paraguai, o movimento esgotou-se.

Amat conseguiu reunir algumas das melhores pessoas da cidade e procurou despertar

neles o interesse pelo projeto que tinha em mente, convencendo-os de que a zarzuerla, assunto

que conhecia bem, era o gênero de teatro musicado que, tendo em vista as possibilidades

artísticas que oferecia o meio brasileiro, mais se recomendava para o início das atividades.

Segundo o Correio Mercantil:

42 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 108. 43 Veio para o Brasil por perseguições políticas em sua terra natal após a derrota do movimento carlista.

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A ópera nacional, que deve inaugurar-se por estes dias, terá de recorrer por muito tempo à ópera espanhola; com isso ganhará o nosso teatro mais novidades: os compositores e poetas nacionais terão belos modelos para estudar, avigorando assim a própria inspiração.44

E, de acordo com o Jornal do Commercio:

Deus ajude o Sr Amat, que muito se esforça por tornar em uma realidade este sonho de tantos anos. A ópera nacional é uma carreira nova que se abre aos nossos artistas e um campo ameno e fértil que deve ser desveladamente cultivado pelos literatos e compositores de música do País.45

Os primeiro passos oficiais foram dados em 25 de março de 1857 quando Amat e seus

colaboradores instalaram a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. Assinaram na

ocasião o termo de fundação, como membros do Conselho Deliberativo, o marquês de

Abrantes, o visconde do Uruguai e o barão do Pilar; e, como membros do Conselho Artístico,

Francisco Manuel da Silva, Gioacchino Giannini, Manuel de Araújo Porto Alegre, Dionísio

Vega e Isidoro Bevilacqua. José Amat ficou com a gerência e administração econômica do

empreendimento, além da direção dos trabalhos, subordinado, no entanto, ao Conselho

Artístico.

A Academia se propunha a promover a representação de óperas italianas, francesas e

espanholas, sempre no idioma nacional, e a montar uma vez por ano, uma ópera nova de

compositor brasileiro. O financiamento assegurou-se através da criação de um quadro de

acionistas e sócios. Eram 25 acionistas, entrando cada um com a quantia de 500$000 réis, a

ser paga em duas vezes, a primeira no ato da inscrição e a segunda, dois meses depois. O

quadro de sócios era dividido em duas categorias, com família (25) e sem família (50),

contribuindo com quantias fixadas de acordo com cada uma. De acordo com seus Estatutos, a

Academia, para o seu próprio funcionamento, deveria buscar a cooperação do Conservatório

de Música pelos meios ao seu alcance, com a previsão de quatro a oito bolsas de estudo para

alunos de ambos os sexos por conta da Academia, mas deteria o monopólio de apresentação

de óperas líricas, cantatas, idílios, e também atos ou cenas de óperas já representadas aqui em

língua nacional, assegurando a proibição, durante oito anos, de que qualquer teatro

subvencionado pelo Governo Imperial as encenasse. Logo que estivesse habilitada,

representaria, também em língua nacional, algumas das melhores óperas italianas, francesas e

espanholas, ainda não conhecidas aqui. Um conselho diretor, composto de três membros,

44 Correio Mercantil, Apud, Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 90. 45 Jornal do Commercio, Apud, Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 90.

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ficaria encarregado da administração e inspeção da Academia, devendo solicitar ao Governo

as medidas necessárias para a sua conservação e progresso. Uma vez cada ano, pelo menos, a

Academia criaria uma partitura nova de composição nacional e daria 10% do produto líquido

de cada récita aos autores de qualquer ópera lírica nacional que fosse por ela representada (6%

para o compositor e 4% para o libretista).46

O governo entrou com a concessão de quatro loterias anuais, durante três anos, a se

realizarem de três em três meses, e concedeu à Academia a permissão do uso do título de

Imperial e a concessão duas vezes por semana do salão da frente do Theatro Lírico

Fluminense, para representações e concertos, em dias que não coincidissem com os

espetáculos do teatro.

Devidamente organizada, amparada e articulada, pôde a Imperial Academia de Música

e Ópera Nacional iniciar sua primeira temporada. Na noite de 17 de julho de 1857, acionistas,

sócios e público em geral, com a presença da família imperial, compareceram ao Ginásio

Dramático para assistir ao primeiro espetáculo da recém criada instituição. O programa foi

composto de uma abertura sinfônica escrita expressamente para a ocasião pelo maestro

Giannini, sobre motivos da Marcha Real de Fernando de Nápoles e do Hino Nacional

Brasileiro, em atenção à imperatriz Tereza Cristina, que era irmã daquele monarca. Em

seguida, teve lugar a representação, com grande aceitação do público, da zarzuela A Estréia

de um Artista, traduzida do espanhol por José Feliciano de Castilho. O regente foi Giannini e

os principais papéis couberam a Luísa Amat, José Amat e Eduardo Medina Ribas.47

A segunda peça, a zarzuela Brincar com Fogo, de Asenjo Barbieri, traduzida do

espanhol também por Feliciano Castilho, foi à cena no dia 31 de agosto. Os interpretes foram

os mesmos da récita anterior e mais o barítono francês Charpentier, transcorrendo o

espetáculo, como o anterior, no Theatro de São Francisco. A 5 de outubro, deu-se a terceira

apresentação, no mesmo teatro, com O Beijo, de Ângelo Frondoni, compositor italiano

radicado em Lisboa, na qual estreou o tenor baiano Francisco Sales Guimarães.48 As demais

apresentações de 1857 aconteceram no Theatro São Januário, como a quarta, a zarzuela em

apenas um ato Boas Noites, D. Simão, de Cristobal Oudrid, a 26 de outubro, com a

46 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p.95. 47 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., p. 92. 48 Segundo Ayres de Andrade, devido ao fato da peça só ter um ato, o restante do programa foi preenchido com

números cantados pela Saengerbund, sociedade coral alemã dirigida pelo maestro Stockmayer.

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participação de Julia Milans, Ribas e Amat nos papéis principais, completando o programa um

concerto, em que tocaram o violinista André Schmidt e o solista Domingos Alves.

A essa altura, as cantoras da Academia começaram a introduzir nos espetáculos

trechos do repertório lírico consagrado, como fez Carlota Leal Milliet em uma das repetições

de A Estréia de uma Artista, substituindo a ária da partitura por uma da ópera Os Puritanos e

cantando-a em português. Para a quinta apresentação foi tentada uma ópera bufa, A Volta de

Columella, de Vincenzo Fioravanti, com tradução e adaptação de De Simoni, em 23 de

novembro, mas a iniciativa foi considerada acima das possibilidades da companhia. A última

apresentação de 1857 foi, no dia 7 de dezembro, a zarzuela de Asenjo Barbieri, traduzida e

adaptada do espanhol por Quintino Bocaiúva, com título As Colisões de um Ministro.

As demais atividades da Academia estão indicadas abaixo.

Tabela 10: Obras produzidas pela Imperial Academia de Música e Ópera Nacional

Ano Data Título da Obra Compositor 1857 17 de julho A Estréia de um Artista Joaquim Gaztambide 1857 31 de agosto Brincar com Fogo Asenjo Barbieri 1857 5 de outubro O Beijo Ângelo Frondoni 1857 26 de outubro Boas Noites, D. Simão Cristobal Oudrid 1857 23 de novembro A Volta de Columella Vincenzo Fioravanti 1857 7 de dezembro As Colisões de um Ministro Asenjo Barbieri 1858 20 de março Os Expostos ou Eram Duas, Já São Três Luigi Ricci 1858 8 de maio O Dominó Azul Arrieta 1858 6 de julho Loucura de Amor Coppola 1858 12 de agosto Norma Bellini 1858 14 de setembro Quem Porfia Sempre Alcança Luigi Ricci 1859 22 de janeiro Norma Bellini 1860 12 de fevereiro Pipelet Ferrari 1860 3 de março A Volta de Columella Vincenzo Fioravanti

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., v. 2, p. 90-7.

Em 1858, no entanto, um episódio veio perturbar a Imperial Academia de Música e

Ópera Nacional. Uma série de cartas e editoriais nos jornais passaram a acusar José Amat de

realizar negociações com o governo em proveito próprio. Pressionado, em 13 de agosto, Amat

dirige-se ao deputado Moreira de Castro para lembrar-lhe

que a proteção de V. pode já fixar a minha sorte e a de meus filhos, vigiando a redação do projeto de lei que concede à nossa Ópera os novos favores iniciados por V., dando à empresa, nesse projeto, a força e garantias necessárias para que ela

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possa com calma e prudência realizar as novas propostas que motivaram aqueles favores. Se não for possível modificar imediatamente nesse sentido a redação do decreto, cuidar ao menos que os contratos com o Governo ou particulares, a compra ou afrontamento de terrenos para a construção de um teatro, sejam feitos em nome do empresário.49

O deputado, porém, não gostou da carta e enviou uma cópia para os jornais. Foi mais além e

introduziu no projeto em andamento na Câmara uma emenda segundo a qual o teatro a ser

construído para abrigar a Ópera Nacional, que jamais saiu do papel, ficaria sendo de

propriedade do governo. Tal fato chegou ao conhecimento da diretoria da Academia e

provocou o afastamento de Amat. Um novo Conselho Diretor foi então instituído. No lugar de

Amat, entrava Manuel Antônio de Almeida e introduzia-se o conselheiro Luís do Couto

Ferraz, embora se conservassem o marquês de Abrantes e o visconde do Uruguai. Ao ser

empossado, o novo Conselho tratou de regulamentar o Decreto nº 9779, que acabava de ser

assinado e que aumentava o número de loterias concedidas à Academia de três para doze

anualmente, mas suspendia ao mesmo tempo as vantagens da Academia no que dizia respeito

aos espetáculos.

O novo regulamento, aprovado pelo Decreto nº 2.294, de 27 de outubro de 1858, entre

outros detalhes, instituía, em seu artigo 1º, que a Imperial Academia de Música e Ópera

Nacional tinha por fim: “1. Preparar e aperfeiçoar artistas nacionais melodramáticos; 2. Dar

concertos e representações de canto em língua nacional, levando à cena operas líricas

nacionais ou estrangeiras vertidas para o português.” Para tanto (art. 2º), ela manteria as aulas

necessárias e contrataria os artistas indispensáveis, contanto que a sua despesa anual não

excedesse ao produto das quatro loterias que lhe tinham sido concedidas. Segundo o art. 4º, a

administração interna e econômica da Academia ficava confiada a um diretor, também

nomeado pelo Governo, ao qual competia: contratar os artistas, nomear os que devam reger as

aulas e admitir os alunos ela Academia; e velar pela boa ordem e disciplina da Academia no

cumprimento das obrigações contraídas pelos artistas. Pelo art. 6º, a Academia devia manter

aulas para o ensino de canto e exercícios de coros, para o ensino de canto e exercícios de

concertos das partes das óperas e para o ensino da arte dramática ou da reta pronúncia, da

inteligência gramatical do discurso e da expressão das idéias pela música e entonação da voz.

Admitindo alunos pensionistas e gratuitos, oferecia pensões de 25$000, 30$000 e 40$000

mensais (art. 12). Além disso, garantia aos autores de óperas líricas nacionais 10% do produto

49 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 95.

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líquido de cada representação, pertencendo 4% ao escritor do libreto e 6% ao compositor (art.

29), a repartição do produto líquido de quatro concertos públicos no ano pelos artistas que

neles tomassem parte, sendo a divisão proporcional ao ordenado que cada um vencer (art. 32)

e o estabelecimento, logo que os recursos da Academia o permitissem, de um ou mais prêmios

aos autores de operas líricas nacionais que fossem julgadas dignas de serem levadas à cena

(art. 34).50

Praticamente nula, a temporada de 1859 contou com apenas quatro espetáculos, no

primeiro dos quais, a 22 de janeiro, foi cantada no original italiano a Norma, de Bellini, em

benefício de D. José Amat, que permanecia na Academia como cantor – e como credor. Nessa

condição dirigiu uma reclamação ao ministro do Império, requerendo o pagamento do que lhe

ficara devendo a instituição e sendo satisfeito.51 No ano seguinte, retomados os espetáculos a

partir de fevereiro com Pipelet, ópera em 3 atos e 4 quadros, música de Ferrari e libreto do

jovem Machado de Assis, calcado nos Mistério de Paris de Eugène Sue, a Academia foi

finalmente instalada no Theatro Lírico Fluminense, como havia sido prometido desde a sua

fundação. Contudo, em 12 de maio de 1860, o Decreto nº 2.593 revogava os estatutos e

extinguia a Imperial Academia de Música e ópera Nacional. De acordo com o Correio

Mercantil,

Não foi por falta de loterias que a Ópera Nacional deixou de existir; além das loterias que se tem extraído no decurso de dois anos para pagamento das dívidas que a Ópera Nacional contraiu durante o pouco tempo de sua duração, existem ainda loterias para três anos; o Corpo Legislativo não foi mesquinho quando teve de auxiliar esta empresa. O governo mandou extinguir a Ópera Nacional por falta de elementos para poder funcionar; foi essa a razão apresentada. Para que se justifique o aparecimento da Ópera Nacional é mister apresentar os elementos que hoje tem e que antes não tinha. Isto será difícil, porque não consta que hajam novos artistas. Ainda não há muito tempo que esses antigos elementos se reúnam e se tentaram em novo esforço; e o que aconteceu? Deram algumas representações em diversos teatros, inclusive no Lírico Fluminense e tiveram outra vez de dissolver-se por falta de concorrência. Quando o governo tiver elementos para montar a Ópera Nacional, o fará sem carecer de pedir auxílios ao Corpo Legislativo; porque tais auxílios já existem autorizados em lei.52

Ainda mais significativo é o fato de que pouco mais de um mês depois, em 17 de

junho, o governo assinava um contrato com uma nova empresa para a produção de

espetáculos, a Ópera Lírica Nacional, da qual voltava a fazer parte José Amat. Para ela foram

transferidas as loterias já concedidas e, em 9 de outubro, apresentava no Theatro São Pedro de

50 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 96. 51 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 96.

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Alcântara a ópera bufa D. Chico Cerefolio, de Degiosa, com tradução e adaptação de De

Simoni, tendo o barítono Ribas como protagonista, secundado pelos demais cantores que

tinham sido seus antigos companheiros na Academia. Os espetáculos que a nova companhia

promoveu encontram-se arrolados na Tabela 11, abaixo.

Tabela 11: Obras produzidas pela Ópera Lírica Nacional

Ano Data Título da Obra Compositor 1860 9 de outubro D. Chico Cerefolio Degiosa 1860 14 de dezembro A Noite de São João Elias Álvares Lobo 1861 19 de janeiro Brincar com Fogo Asenjo Barbieri 1861 - Norma Belini 1861 - A Noite de São João Elias Álvares Lobo 1861 14 de março Crispim e a Comadre ou O Médico e a Morte irmãos Ricci 1861 8 de junho As Bodas de Joaninha Martim Allú 53 1861 29 de julho Moema e Paraguaçu Sangiorgi54 1861 4 de setembro A Noite do Castelo Carlos Gomes 1861 7 de setembro A Noite do Castelo Carlos Gomes 1861 mais 7 récitas A Noite do Castelo Carlos Gomes 1861 2 de dezembro Dois Amores condessa Roswadowska 1861 23 de dezembro Dois Amores condessa Roswadowska 1862 24 de março A Transviada Verdi 1862 27 de junho A Estréia de uma Artista Joaquim Gaztambide 1862 6 de outubro A Corte de Mônaco Domingos J. Ferreira

Fonte: Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva ..., v. 2, p. 98-104.

Comentando a temporada lírica de 1861, Machado de Assis escreveu no Diário do Rio

de Janeiro:

O período é musical; três companhias de canto, a italiana, a francesa e a nacional, alternam as suas representações no mesmo teatro. Os compositores nacionais aparecem. Acha-se nesta corte, vindo de São Paulo, o Sr Elias Álvares Lôbo, autor da Noite de São João; retirado à sua província natal, o Sr Álvares Lôbo escreveu uma nova ópera, cujo libreto é devido à pena de um dos nossos jovens escritores dramáticos; o Sr Gurjão está no Pará e deve voltar brevemente para fazer cantar uma de suas quatro óperas, compostas na Itália, terra da música e dos mestres; um jovem professor, o Sr J. Teodoro de Aguiar, está a concluir uma ópera, cujo libreto tem por assunto um episódio de nossa história indígena, coisa que para alguns

52 Correio Mercantil, 15 de maio de 1860. 53 Segundo Ayres de Andrade, Francisco Manuel ..., v. 2, p. 99, um jornal informava que o “final da ópera é

composição do artista nacional Sr. Antônio Carlos Gomes, hábil moço, que tem de ser brevemente julgado pela partitura da Noite do Castelo, ópera que está em ensaios.”

54 Libreto de Francisco Bonifácio de Abreu, cirurgião-mor honorário do exército, presidente das províncias do Pará e Minas Gerais e agraciado em 1870 com o título de barão da Vila da Barra. Cf. Andrade, Francisco Manuel ..., v. 2, p. 99.

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espíritos rabujentos é enormemente ridícula. Não sou dessas suscetibilidades que fazem caretas ao ver um indígena em cena; não quero saber a que nação e a que civilização pertencem os personagens; exijo simplesmente que eles sejam verdadeiros, porque invariavelmente hão de ser belos; “rien n’est beau que le vrai” disse Boileau, que se me concedem, era uma pessoa de muito critério e siso e pensava nestas um pouco melhor que os censuristas. Por último está a vir da Europa o Sr Henrique Alves de Mesquita, talento de uma grande esfera, que mais se ampliou e fortaleceu com aquisição de sérios estudos, condição essencial do bom compositor, sem a qual fica-se em risco de não poder passar da antecâmara da gloria, que é esquiva e exigente como ninguém. O Sr. Mesquita já ligou o seu nome à nossa história musical, compondo algumas daquelas peças em que José Maurício se mostrou mestre. As suas missas trazem o cunho da verdadeira música religiosa. Como compositor de outro gênero, todos conhecem até que ponto chegam a sua caprichosa imaginação e a sua instrução musical. Será o digno chefe de tão distinta plêiade. Creio que podemos dizer: - temos música. E mais: - temos animação para os principiantes. Não acaba o Chefe do estado de ornar o peito do Sr Carlos Gomes, para quem lhe foi pedida pela academia de Belas-Artes uma condecoração? Este ato, olhado como estímulo, deve garantir aos operários da idéia de que serão sempre acolhidos, não só pelas graças do público, como pelos favores dos poderes do Estado.55

Em 1862, a temporada no Theatro Lírico Fluminense abriu-se com a repetição de

peças já conhecidas, surgindo a primeira novidade em 24 de março, A Transviada, título

adotado para a versão brasileira de La Traviata de Verdi. Contudo, em 26 de abril, apareceu

publicada nos jornais uma declaração dos cantores da companhia.

Tendo os abaixo-assinados, primeiros artistas da Ópera Nacional, apresentado a Sua Majestade Imperial uma súplica pedindo proteção e justiça contra o inqualificável e desleal procedimento do atual empresário D. José Amat, o qual traiçoeiramente se quer esquivar ao cumprimento dos contratos que com os mesmos artistas tem, vendo hoje anunciado que se acha em ensaio a ópera nova A Corte de Mônaco, e não querendo com o seu silencio autorizar falsas alegações, fazem público que deixaram de fazer parte da Ópera Nacional, sob direção de D. José Amat. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1862. Carlot Milliet – Julio José Nunes – Cervini Giuseppe – Andrea Marchetti – Eduardo Medina Ribas – Heliodoro Maria da Trindade.56

O efeito foi catastrófico, e Amat procurou defender-se com uma longa explicação, em que

transcrevia o documento que aqueles artistas haviam assinado, dando- lhe plenos poderes para

representá- los até que se definisse a atitude do governo quanto à subvenção da Ópera

Nacional. Os artistas responderam alegando que Amat não estava usando de boa-fé, mas, aos

poucos quase todos retornaram à empresa. As exceções foram Carlota Milliet e Eduardo

Ribas, substituídos por dois promissores alunos das aulas de canto e declamação mantidas

pela empresa no Conservatório de Música, Maria Siebs e Eduardo Moreira.

55 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 102. 56 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 103.

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Em outubro, era a vez de Elias Álvares Lobo fazer publicar no Diário do Rio de

Janeiro uma nota.

Não temos que intervir na administração da Ópera Nacional. Mas uma vez que esta instituição é sustentada com o dinheiro da Nação, devemos fazer pública uma queixa particular que nos é feita com bons fundamentos. O jovem compositor brasileiro, o Sr Elias Lôbo, escreveu uma ópera para ser representada. Prontificou-a e entregou-a já há muito tempo. Diz-nos agora que intrigas de bastidores e caprichos da administração põem obstáculo à exibição da peça. É sacrificar a um tempo o autor e o seu trabalho, desnaturando o fim ou pretexto da Ópera Nacional que é, segundo dizem, destinada a animar os talentos nacionais.57

Em seguida, ele próprio se manifestou:

Tendo apresentado ao Sr D. José Amat a partitura da minha ópera A Louca, a fim de levá-la à cena, e conhecendo hoje o propósito do mesmo em não querer faze-la representar, sou forçado a vir perante o público isso mesmo declarar, para que meus amigos e comprovincianos não façam juízos temerários a respeito da minha estada já de nove meses nesta Corte. Não foi vaidade de autor, nem tão pouco o interesse material, que me levou a esperar tanto tempo pela última resolução do Sr. Amat, que nunca francamente desenganou-me da possibilidade de levar à cena essa minha produção, mas unicamente o desejo de ver representarem um trabalho que tive a honra de dedicar a Suas Altezas Imperiais, com a augusta permissão de Sua Majestade o Imperador, de quem sempre tenho recebido palavras de admiração. Continuando porém como empresário da Ópera Nacional o Sr. Amat, que finalmente chegou a declarar-me não levá-la à cena, sem haver motivos justificáveis, resta-me agradecendo a todas as redações que até hoje se interessaram pela minha causa, a convicção de que, se a Ópera Nacional não tem apresentado maior número de produções de autores brasileiros, é isso devido, não à falta de homens que entre nós se dediquem ao estudo da arte de Bellini, mas, sim à direção da mesma Ópera, confiada às boas vistas do Sr. José Amat. Retirando-me para Itu, na província de São Paulo, aproveito a ocasião para oferecer aos meus amigos os meus pequenos serviços. Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1862. Elias Álvares Lôbo.58

A polêmica prosseguiu com a versão de Amat descrevendo os sacrifícios que fizera para levar

à cena A Noite de São João, sacrificando uma peça sua, O Berço, retirada dos ensaios, apesar

de quase pronta, para ceder a vez a Álvares Lôbo, e eximindo-se de responsabilidade pela não

execução de A Louca. O compositor retrucou, afirmando que Amat lhe propusera

a execução da Louca com artistas, porém, que eu não podia aceitar, porquanto na nova distribuição cabiam algumas das primeiras partes a simples coristas. Recusei e então declarou-me positivamente que não podia representar a ópera. [...] Descobri sempre no Sr Amat má vontade para comigo. Não entro na averiguação dos motivos dela. Tinha talvez o direito de faze-lo. Prefiro ceder o campo ao Sr. Amat e voltar para São Paulo, não podendo continuar em uma luta

57 Diário do Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1861. 58 Diário do Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1861.

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improfícua, da qual só resultaria o comprometimento do futuro de meus filhos. Elias Alvares Lôbo. Rio, 31 de outubro de 1862. 59

Diante desses dois episódios e da falta de interesse do governo em financiar

separadamente a temporada lírica italiana e a nacional, em 1º de setembro, firmou-se um

contrato com uma nova empresa, que assumiria a responsabilidade pelas duas companhias.

Dela eram diretores Francisco Manuel da Silva, Joaquim Norberto de Souza e Silva e Antônio

José de Araújo, embora o primeiro logo se afastasse, assumindo o papel de fiscal do governo

junto à empresa. Foi essa companhia da Ópera Nacional e Italiana a responsável pelas

temporadas de 1863 e 1864, em que predominaram as óperas italianas, montadas com os

recursos das loterias, embora também incluíssem as encenações da Joana de Flandres de

Carlos Gomes e de O Vagabundo de Henrique Alves de Mesquita, que tantos problemas

tiveram com os cantores italianos que as executaram, como registrado acima.60

Em 3 de junho de 1864, o Diário do Rio de Janeiro estampava o seguinte artigo:

Nada em prazer muita gente boa, que sentia falta de um divertimento gratuito para ela, mas pago pelo Estado. Já temos companhia lírica! O Sr. Amat voltou da sua missão à Europa, trazendo mais dúzia de cantarinos, que durante um ano ou mais irão ajuda-lo a gozar a pingue aposentadoria que lhe coube em partilha. Enquanto o teatro dramático nacional agoniza, entregue ao mais vergonhoso desprezo, haverá ópera “nacional” e italiana. Apesar de evidente que os protestos a semelhante respeito são inúteis, e que até se incorre no desagrado de muita gente sisuda, censurando a despesa de 11 contos mensais em música consignamos estas poucas palavras por desencargo de consciência. Não é nossa intenção ser injustos para com os modestos artistas da nova companhia, que não tem culpa do que o Sr. Amat tem feito ou lhes tem deixado de fazer. Seremos, pelo contrário, para com eles, não só indulgentes, mas benévolos.61

Foi a última notícia sobre D. José Zapata y Amat e o fim do movimento de ópera nacional,

que prosseguiria apenas graças ao talento no exterior de Antônio Carlos Gomes.

59 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 106-107. 60 Ayres de Andrade, Francisco Manuel..., v. 2, p. 107-9. 61 Diário do Rio de Janeiro, 3 de junho de 1864.

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CAPÍTULO 5:

A ORGANIZAÇÃO DA VIDA MUSICAL

Uma grande parte das atividades musicais no Rio de Janeiro do século XIX esteve a

cargo de sociedades e clubes. Entidades como o Cassino Fluminense, a Sociedade

Phil’Euterpe e a Sociedade Campezina rivalizavam com clubes, como o Mozart, estabelecido

em 1868, e o Beethoven, em 1882, e com uma série de sociedades de bairro, para oferecerem

entretenimento aos cariocas. No final do século, o movimento se intensificou. O Club

Schubert foi fundado em 1882, seguido em 1889 pelo Club Ricardo [sic] Wagner e, um pouco

mais tarde, pelo Club Rossini. Em São Paulo, surgiu em 1883 o Club Haydn. 1

Apesar da importância de seus eventos e do significado dentro da vida musical do Rio

de Janeiro, esses clubes privados eram na realidade empresas gerenciadas por uns poucos

privilegiados, dotados de riqueza, de posição política e de status intelectual. Seus concertos

nunca eram anunciados na seção de entretenimento dos jornais diários, ao lado de atividades

de teatro. Ao contrário, apareciam em pequenos anúncios, usualmente na seção de

comunicações, como lembrete aos membros das reuniões administrativas ou concertos que

iriam ocorrer: “Club Mozart: haverá hoje a reunião musical de costume – o secretário Silva.”2

Ocasionalmente, concertos especiais eram revistos nas colunas sociais, mas as reuniões

regulares escapavam completamente das notícias publicas. Isso indica, por um lado, que a

agenda era composta no mais das vezes de eventos sociais e políticos; de outro, que a

atividade propriamente musical, que constituía a proposta básica da existência dos clubs,

ainda se encontrava desprovida de caráter profissional, funcionando como uma espécie de

atividade ancilar para outras.

Em 1888, o Almanak Laemmert, por exemplo, anunciava que o Club Beethoven estava

com seus salões disponíveis diariamente das 10 às 13h, a fim de que seus membros os

aproveitassem para concertos, almoços, exercícios de esgrima e partidas de bilhar, xadrez e

uíste (um tipo de carteado), além de terem acesso à sala de leitura com cerca de 80 jornais

europeus. O Club das Laranjeiras, aberto das 18h à meia-noite, em adição aos concertos e aos

bailes, oferecia salões especiais de bilhar, esgrima, carteado, jantares e sala de leitura com

1 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967,

Coleção Sala Cecília Meireles, 2v, p. 167. 2 Jornal do Commercio, 13/08/1870

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todos os jornais nacionais e jornais europeus. De forma semelhante, o Congresso Brasileiro,

aberto das 20h à meia-noite, anunciava atividades musicais mensais, aulas de música e uma

livraria com mil volumes.

As Bandas Militares

Dalmo Trindade Reis, em Bandas de Música, Fanfarras e Bandas Marciais,3 esboça

as raízes das bandas militares. Ao que escreve, pouco se acrescenta. Embora a primeira tropa

regular no Brasil deva ser considerada aquela chegada com Tomé de Souza em 1549, além

daquelas que, sob o comando da família Sá, combateram os franceses no Rio de Janeiro, foi

no século XVII que se estruturou a organização militar da América Portuguesa, com o sistema

dos terços, copiado do modelo ibérico. Os terços formavam com pompa e teriam,

forçosamente, música. Trombetas, címbalos, tambores e pífaros eram os instrumentos

musicais que utilizavam, escreve André Corvisier em “Musique Militaire”, verbete de seu

Dictionnaire d’Art et d’Histoire Militaires.4 Em Pernambuco, o Regimento de Dragões

Auxiliares contava com tambores. Da mesma forma, os regimentos de Infantaria de Olinda e

Recife, com um tambor por companhia; as companhias de granadeiros, além do tambor, com

um pífaro.5

No século XVIII, os regimentos passaram a ser organizados de acordo com o modelo

francês, conservando-se o do terço apenas para as tropas de reserva. A Legião de Voluntários

Reais da Capitania de São Paulo, criada em 1775, tinha tambor-mor, tambores na infantaria e

trombetas na cavalaria.6 A iconografia da época, resgatada por Gustavo Barroso,7 mostra os

tambores dos corpos do Rio de Janeiro, do Rio Grande de São Pedro, da Ilha de Santa

Catarina e da Colônia do Sacramento, segundo os figurinos de 1767.

Na realidade, porém, as bandas militares no Brasil começaram por decreto de 20 de

agosto de 1802, do então príncipe regente D. João, que determinava a organização em cada

Regimento de Infantaria de uma Banda de Música Instrumental, paga pelo Erário Régio, em

substituição à confusa formação de músicos tocadores de charamelas, caixas e trombetas

vindos dos primeiros séculos da colonização. Apesar disso, a existência das bandas

3 Dalmo Trindade Reis. Bandas de Música, Fanfarras e Bandas Marciais. Apud, Hermes de Andrade. O “B”

da Banda. Rio de Janeiro, CIP, 1989. 4 André Corvisier. “Musique Militaire”,in: Dictionnaire d’Art et d’Histoire Militaires, Paris, s/e, 1995. 5 Pedro Schirmer. Música Militar & Bandas Militares . Rio de Janeiro, Estandarte, 2000. 6 Schirmer. Música Militar..., p. 30.

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permaneceu precária até a chegada do príncipe D. João com a corte portuguesa em 1808.

Segundo Castro,8 em 1802, dos 11 regimentos de milícias sediados em São Paulo, apenas

cinco possuíam completo o seu quadro de corporação musical.

Foi o decreto de 27 de março de 1810 que estabeleceu que deveria haver, em cada um

dos quatro regimentos de infantaria e artilharia da corte, de doze a no máximo dezesseis

músicos que tocassem instrumentos de sopro, exercendo a função de mestre de preferência um

primeiro clarinetista, como se vê a seguir.

Querendo conservar aos Regimentos de Infantaria e Artilharia desta Corte a Música que foi estabelecida, com a provação dos Vice-Reis do Estado, pelos Coronéis e Oficiais dos Regimentos, e sustentada até agora em alguns com as prestações gratuitas que os indivíduos dela fizeram mensalmente, e em todos com as licenças das chamadas de economia, que para esse fim distribuíam: considerando porem que este método era oneroso para as atividades dos corpos, e prejudicial a deles: sou servido a ordenar que de hoje por diante fiquem extintos as ditas contribuições e outros meios aplicados para o dito fim; e que pela Tesouraria Geral das Tropas se pague mensalmente a cada Regimento a quantia de 48$000, regulando-se a música na forma que se segue. Em cada um dos quatro Regimentos de Infantaria e Artilharia desta Corte haverá 12 a 16 músicos que tocam instrumentos de vento, sem que por princípio algum se possa aumentar o sobredito número. Os sobreditos músicos terão praça de soldado e serão divididos por todas as companhias, e vencerão os soldos que lhes competem como soldados, e assim mesmo a farinha e fardamento além de gratificação que abaixo se dirá. Os tocadores de bomba, campainhas, e de outros destas qualidade serão tidos da classe de tambores, e não vencerão gratificação nenhuma. Tanto os músicos de instrumentos de vento, como de bomba serão escolhidos no atual estado completo das Companhias, sem que se aumente o número deste em razão das praças escolhidas dos soldados, como pelos que hão se ser tirados dos tambores. A soma que vai determinada para gratificação do músico será recebida todos os meses da Tesouraria Geral, por um recibo do Coronel, e metida na caixa do Conselho de Administração, por onde se pagarão as despesas da música, de que haverá conta corrente separada do fardamento. As gratificações dos músicos serão tirados da dita soma e repartidas pelo Coronel na proporção do merecimento de cada um, em tal maneira que as despesas das ditas gratificações não excedam de 36$000 mensais. O excedente da referida soma será aplicado para a compra e concerto dos instrumentos, e para os enfeites dos uniformes. Os uniformes dos músicos serão sempre de pano igual aos dos soldados, e comprado da caixa do fundo de fardamento; os enfeites serão tirados da soma reservada, como se faz menção no capítulo que antecede para esse fim. O coronel nomeará todos os anos um Oficial para diretor de música o qual terá cuidado na sua instrução e disciplina; e ao Major competirá a fiscalização deste objeto, e dar parte ao Coronel dos inconvenientes que observar, o que o Chefe do Regimento deverá tomar em consideração. O sobredito oficial fará em cada mês a folha do vencimento da gratificação dos músicos por uma lista nominal, a qual entregará na caixa da música

7 Gustavo Barroso. Uniformes do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro e Paris, 1922. Apud, Hermes de Andrade.

O “B” da Banda. Rio de Janeiro, CIP, 1989. 8 Jeanne Berrance de Castro. “A Música na Guarda Nacional”. O Estado de São Paulo. Suplemento Literário,

31/05/1969.

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com o recibo competente, e pagará a cada indivíduo a gratificação que lhe tocar. Todos os gêneros que houveram de se comprar para enfeite dos músicos, assim como o concerto e compra de instrumentos, correrão por conta do Oficial encarregado, o qual fará as despesas, recebendo para esse fim o dinheiro necessário da caixa e dará a sua conta com os certificados convenientes, para servirem de título à conta corrente que terá o Conselho de Administração, e de que se tomará conta na inspeção. O Conselho Supremo Militar o tenha assim entendido e o faça executar. Palácio de Rio de Janeiro em 27 de março de 1810.9

Posteriormente, a carta régia de 26 de setembro de 1811 ordenou igualmente ao

governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro que a banda de música existente no

Regimento de Infantaria do Recife, mantida por sua oficialidade, fosse doravante paga pela

caixa pública, recebendo o mestre o estipêndio de 40 mil réis.10 Da mesma forma, o decreto de

11 de dezembro de 1817 determinou aos Batalhões de Infantaria (11º e 15º) e ao 3º Batalhão

de Caçadores a organização de suas respectivas bandas de música, cujos integrantes não

deviam exceder o número de dezessete.

Tendo determinado que os Batalhões de Infantaria nos. 11 e 15 e de Caçadores no. 3, que compõem a Divisão, que ultimamente mandou vir de Portugal, tenha cada um sua respectiva Banda de Música; sou servido aprovar para esta a criação e regulamento o Plano, que com esta baixa assinada por Thomaz Antonio de Villanova Portugal, do meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, carregado inteirinamente da Repartição dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. O mesmo Ministro e Secretário do Estado o tenha assim entendido, e o faço executar com os despachos necessários. Plano para a criação e regulamento da Banda de Música, que deve ter cada um dos Batalhões de Infantaria nos. 11 e 15 e de Caçadores no. 3, na Conformidade do Decreto desta data. 1° A Música de cada um dos Batalhões de Infantaria nos. 11 e 15 de Caçadores

no. 3 será por agora composta da maneira seguinte: 1 Mestre de música, primeiro clarinete; 1 primeiro requinta; 1 segundo primeiro clarinete; 1 segundo clarinete; 1 primeiro trompa; 1 segundo trompa; 1 primeiro clarim; 1 primeiro fagote; 1 trombão ou serpentão; 1 bomba; 1 caixa de rufo.

2° Este número só poderá ser aumentado, quando e como se declara. 3° Em cada um dos sobreditos Corpos haverá sempre quatro soldados destinados

para músicos, a quem o mestre de música será obrigado a ensinar por meios de lições regulares, a tocarem aqueles instrumentos, que se houverem por mais convenientes. Estes soldados serão escolhidos dos que voluntariamente quiserem aprender, e ficarão dispensados de outro qualquer serviço.

4° O soldo dos indivíduos que compuserem a música, e o pequeno aumento que deverão perceber os quatro soldados que aprenderem, poderão montar até

9 Schirmer. Música Militar..., p. 36. 10 No Arquivo Histórico do Exército, no Palácio Duque de Caxias, foi localizada a obra de Raimundo José da

Cunha Mattos, intitulada Repertório da Legislação em Vigor no Exército e na Armada. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1837. Compreende as leis colocadas em vigor desde 1808, mas delas constando também o decreto de 1804 pelo qual D. João criava a primeira Banda Militar (oficial) no Brasil. Permite ainda verificar que em março de 1810 ficou estipulado que a despesa com as bandas, cujo número de músicos não poderia ultrapassar 16, devia limitar-se 36$000 réis por mês.

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4$100 por dia, e será recebido pelos regulares, da mesma forma que os demais praças do Corpo, nos quais se declara a quantia que vencer cada indivíduo.

5° Na casa das observações do assento do livro mestre de cada um dos quatro soldados escolhidos para aprenderem a tocar, se porá - Aprendiz de música.

6° Em algum aprendiz estando hábil em tocar o instrumento a que se dedicar, passará a ter praça na música, logo que nela possa ter cabimento e é então que deixará de ser contado no estado efetivo dos soldados.

7° Quando tiverem praça na música dois ou três aprendizes deverá compor-se de 12 indivíduos, de 13 quando tiveram praça nela quatro ou cinco aprendizes, 14 quando tiveram praça nela seis ou sete aprendizes, de 15 quando tiveram praça nela oito ou nove aprendizes, de 16 quando tiveram praça nela 10 ou 11 aprendizes, de 17 quando tiveram praça nela 12 e terminará seu aumento.

8° No aumento da música assim designado não poderão entrar outros indivíduos fora dos seguintes: 1 primeiro flautim; 1 segundo clarinete; 1 terceiro primeiro clarinete; 1 segundo clarim; 1 segundo fagote; 1 serpentão.

9° Se o mestre não tocar clarinete, haverá um músico primeiro clarinete e de menos o destinado para aquele instrumento que o mestre tocar.

10° O soldo por dia do aprendiz que possa ter praça na música será de 200 rs. tocando primeiro clarinete, primeiro requinta, segundo clarinete, primeiro flautim, primeiro trompa, ou primeiro fagote; e de 160 rs. tocando terceiro primeiro clarinete, segundo clarinete, segundo trompa, primeiro ou segundo clarim, segundo fagote, trombão ou serpentão.

11° Quando a música não estiver completa a Tesouraria abonará de menos por dia o seguinte: Na falta do mestre 900 rs No bombo 100 rs Na caixa de rufo 100 rs Outros indivíduos 350 rs

12° Como em conseqüência do disposto no § 7° do estado completo da música deverá a Tesouraria, conhecendo pelo número dos músicos que nela houver que tinham sido aprendizes, qual é o estado completo que lhe corresponde, abonará de menos os indivíduos que vieram a faltar para este estado completo, seguindo constantemente a tarifa acima designada.

13.° O mestre de música e os demais indivíduos, que a formarem serão abonados de pão e etape nas ocasiões em que o Corpo a receber, e de fardamento como está determinado no Plano dos Uniformes de 19 de Maio de 1806.

14.° O mestre de música e os demais indivíduos dela, serão obrigados a conservar seus instrumentos no melhor estado que lhe for possível, e já fazer entrega deles findo o tempo de seu ajuste.

15.° A cada Corpo serão abonados no primeiro de cada ano pela competente Tesouraria 53$000 para compra de instrumentos: e o Arsenal Real fornecerá bombo e caixa de rufo sempre que for preciso.

16.° A Tesouraria abonará por dia o seguinte: Para o mestre de música 900 rs Para cada um dos outros músicos 350 rs Para cada aprendiz de 1ª classe conforme o § 10 200 rs Para cada aprendiz de 2ª classe conforme o § 10 100 rs Para o bumbo 100 rs Para a caixa de rufo 100 rs Abonará mais no princípio de cada ano conforme § 15 – 53$000 para a com-pra de instrumentos ou conserto.

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Estes soldos, e abonos para a compra de instrumentos terão princípio no primeiro dia, em que a Divisão Portuguesa, vindo ultimamente de Portugal, entrou no porto de Rio de Janeiro, como ajuda de custo para seu vestuário.

D. João trouxe consigo em 1808 para o Brasil a Banda da Brigada Real, com dezesseis

músicos – contando com flauta, clarinete, fagote, trompa, trompete, trombone e percussão –

que serviu de modelo para as muitas bandas que viriam a ser fundadas no Brasil. Também D.

Leopoldina se fez acompanhar, ao chegar em 1817 para casar-se com D. Pedro, de uma banda

constituída por músicos alemães de alto nível técnico. Foram essas formações que

contribuíram para a pompa da aclamação de D. João VI, do casamento e da coroação de D.

Pedro I em 1822 e de outros atos públicos, como ficou registrado em Debret.11 Na aclamação

de 6 de fevereiro de 1818, o padre Luís Gonçalves dos Santos, conhecido como “padre

Perereca”, não deixou de anotar a presença de

uma numerosa banda de música dos regimentos da guarnição da corte, [...] outra banda de música fechava esta cavalcata, após a qual se seguia uma companhia de cavalaria da real guarda da polícia, comandada por um capitão e dois subalternos, igualmente em grande uniforme.12

Apesar disso, as dificuldades para a formação das bandas militares, que datavam do

período colonial, continuavam a se fazer sentir, em especial a falta de instrumentistas de sopro

em uma sociedade extremamente simples e sem quadros de formação profissional. Por outro

lado, essa carência contribuía para situar os músicos em posição privilegiada dentro das

corporações. Atraídos aos quadros militares pela sua qualificação, músicos civis vestiam a

farda e passavam a fazer parte de corpos de tropa, levando muitas vezes os próprios

instrumentos e passando a comportar-se como funcionários contratados, aos quais se dava

freqüentemente a vantagem do pagamento na base do soldo oficial. Com isso, adquiriam uma

posição estável e podiam tocar nas horas vagas em outros locais para completarem o

orçamento doméstico.

O resultado dessa formação quase amadorística, conhecida na época por Música dos

Regimentos, conferia às bandas militares aspectos que atingiam, por vezes, o limite do

constrangimento. Em sua descrição do Rio de Janeiro de 1823, o oficial alemão a serviço da

marinha russa Otto von Kotzebue, referindo-se às festas comemorativas do 1º aniversário da

coroação de D. Pedro I, após registrar que os soldados das tropas fumavam, além de “fazer

outras coisas inconvenientes”, focalizava expressamente as bandas presentes aos desfile.

11 Jean Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

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A música atraiu, sobretudo, a minha atenção. Cada coronel tem o direito de dar aos músicos de seu regimento o uniforme que apraz; e por um efeito de diversidade dos gostos, esses uniformes são muito diferentes, posto que geralmente no gosto asiático. [...] vestiam costumes turcos, outras costumes indianos, havia uma cujos músicos não tinham uniformes, mas uma porção de penas de variegadas cores sobre a cabeça e em volta do corpo; achei sua música menos agradável do que a dos outros.13

Como se tratava de comemorar a coroação de D. Pedro I, uma festa que devia

congregar não apenas forças militares, mas representantes de todos os setores da vida

brasileira da época, essa estranha formação de músicos descrita por Kotzebue deve ter sido a

de uma banda de barbeiros ou uma representação de descendentes de indígenas, o que era

comum nos desfiles patrióticos da época.

De qualquer modo, após a Independência, as bandas dos regimentos de 1ª linha

parecem ter passado a merecer maior atenção das autoridades, as quais tornaram-se

praticamente a única instituição oficial no campo da música ao alcance do povo em geral, até

o aparecimento das bandas de música da Guarda Nacional, na década de 1830. De fato, as

bandas de música da Guarda Nacional – organização paramilitar de responsabilidade de

grandes proprietários, criada por lei de 18 de agosto de 1831 – foram as primeiras a incluir em

seu repertório, além de marchas e dobrados de estilo, números de música clássica e popular,

em competição com as bandas de negros brasileiros, únicas existentes até então para o

fornecimento de música durante festas de adro e outras solenidades cívicas, religiosas ou

leigas. Formadas quase simultaneamente em vários pontos do Brasil, havendo notícia delas no

Rio, Minas, São Paulo e Goiás desde 1840, as bandas da Guarda Nacional acabaram por

contribuir também para a valorização da profissão de músico, através da disputa de prestígio

que estabeleceram desde meados do século XIX com as bandas dos regimentos de 1ª linha.

No entanto, a existência dessas bandas permaneceu precária. Diante da carência de

músicos, estes ficavam dispensados de todos os serviços militares, assim como, com

freqüência, tinham desculpadas as infrações que cometiam. Segundo Jeanne Berrance de

Castro, um ofício do Comando da Guarda Nacional de São Paulo, dirigido ao presidente da

12 Jean Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, v. 2,

p.617. 13 Otto von Kotzebue. “Neue Reise um die Welt, in den Jahren 1823-1826, c’est-à-dire Nouveau Voyage au

tour du Monde, fait par dans les anées 1823 à 1826”, Saint Petersbourg, 1830, 2 vol., parte referente ao Rio de Janeiro traduzida por Rodolfo Garcia, Tomo 80, 1916, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1917, p. 507-525.

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província, lamentava a prisão do tocador de clarineta Manuel Eufrásio e solicitava “a soltura

do preso, o que lhe foi concedido.”14

Na Guarda Nacional, as despesas com a banda eram cobertas pelas contribuições dos

componentes da corporação. “Pagar para a música” – como se chamava então essa forma –

livrava os doadores de suas obrigações, constituindo às vezes problema reunir a companhia no

momento necessário, tal a quantidade de oficiais que alegava a desculpa de “pagar para a

música”. Na primeira versão da sua comédia em um ato O Judas em Sábado de Aleluia,

ambientada no Rio de Janeiro de 1844, Martins Pena mostrava o capitão Ambrósio assustado

ao saber pelo cabo-de-esquadra José Pimenta dos comentários maldosos sobre a falta de gente

em sua companhia, por que mais da metade dos membros pagava “para a música”.

Homem, isto é o diabo! Sabe que mais? Avise a alguns dos que pagam para entrarem de novo para o serviço. Diga-lhes que [é] ordem que tivemos do comandante superior. Basta que fiquem pagando aí uns vinte e cinco ou trinta... Chega! Lá mais para diante os dispensaremos de novo, e mesmo pode-se aumentar a prestação. Vamos ao sargento; é preciso entendermo-nos com ele.15

De qualquer forma, foi nas bandas militares das tropas de 1ª linha e da Guarda

Nacional que centenas de músicos de origem humilde encontraram a oportunidade para viver

de suas habilidades. E isso teve importantes conseqüências. De um lado, organizados em um

tipo de formação instrumental muito próxima daquele das orquestras das elites, ao executarem

música nos coretos e para as festas cívicas, contribuíram para divulgar junto à massa da

população estruturas musicais mais elaboradas e complexas. De outro, serviram de suporte

para a introdução em seu próprio repertório dos motivos e ritmos populares que traziam no

sangue.

O exemplo mais claro dessa posição de intermediário cultural das bandas foi o papel

que tiveram na criação do frevo em Pernambuco. A origem do passo, nome atribuído às

figurações improvisadas pelos dançarinos ao som dessa música, prendem-se à presença de

capoeiras nos desfiles das duas mais famosas bandas de música militares do Recife da

segunda metade do século XIX: a Banda do 4º Batalhão de Artilharia, chamada Quarto, e a da

Guarda Nacional, conhecida por Espanha, por ter como mestre o músico espanhol Pedro

Garrido. O costume dos “valentões” de abrirem caminho de desfiles, gingando e aplicando

14 Jeanne Berrance de Castro. A Música na Guarda Nacional... 15 Luís Carlos Martins Pena, “Judas em Sábado de Aleluia” in Teatro de Martins Pena. Rio de Janeiro, Instituto

Nacional do Livro, 1956, p. 156. A fala citada é de uma variante do texto-base (edição de 1873 existente na Biblioteca Nacional), e que o responsável pela edição, Darci Damasceno, dá como constando do manuscrito de 1844, do próprio Martins Pena.

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rasteiras, sempre fora comum em outros centros urbanos, como o Rio de Janeiro e Salvador,

principalmente nas saídas de procissões. No caso especial do Recife, porém, a existência de

duas bandas rivais em importância serviu para dividir os capoeiras em partidos. E,

estabelecida essa rivalidade, os grupos de capoeiras começaram a demonstrar as excelências

da sua agilidade à frente das bandas do Quarto e do Espanha, aproveitando o som da musga

para elaborar a complicada coreografia que viria a culminar, com a multiplicação das síncopes

pelas marchas militares, no gênero de música e dança que se passaria a chamar de frevo.

Aliás, segundo o historiador pernambucano Mário Melo, essa ligação geral do frevo

com as bandas militares não ficaria apenas aí, pois o responsável pela fixação do novo gênero

teria sido o regente da Banda do 40º Batalhão de Infantaria, capitão José Lourenço da Silva, o

Zuzinha:

Por esse tempo [inicio do século XX] vindo de Paudalho, onde era mestre de música [...] estava aqui como regente da banda do 40º Batalhão de Infantaria aquartelado nas Cinco Pontas o Zuzinha, hoje [escrevia em 1938] capitão José Lourenço da Silva, ensaiador da Brigada Militar do estado. Foi ele quem estabeleceu a linha divisória entre o que depois passou a chamar-se frevo e a marcha-polca, com uma composição que fez época e pertencia ao repertório da minha gaitinha dos tempos acadêmicos.16

No Rio de Janeiro, as ligações entre as bandas militares e a música popular foi

favorecida pelo advento do carnaval moderno à européia, introduzido em 1855 por iniciativa

de José de Alencar, numa tentativa de substituir o entrudo. No primeiro desfile carnavalesco,

realizado naquele ano – e segundo revela o próprio escritor no jornal Correio Mercantil de 14

de janeiro de 1855 – os foliões começaram contando com a música da banda que tocava aos

domingos no interior do Jardim do Passeio Público.

Na tarde de segunda feira em vez do passeio pelas ruas da cidade, os máscaras se reunirão no Passeio Público e aí passarão a tarde como se passa uma tarde de carnaval na Itália, distribuindo flores, confete e intrigando os conhecidos amigos. [...] Naturalmente, logo que a autoridade competente souber, ordenará que a banda de música, que costuma tocar aos domingos, guarde-se para a segunda, e que, em vez de uma, sejam três.17

Na verdade, era a música domingueira dos coretos das praças, proporcionada pelas

bandas marciais, uma das poucas oportunidades que a maioria da população das principais

cidades brasileiras tinha, na segunda metade do século XIX, de ouvir qualquer espécie de

música instrumental. Em função disso, começaram a entremear as marchas militares com

16 Mário Melo. “Origem e Significado do Frevo” in Anuário de Carnaval Pernambucano. Recife, 1938, p. 45. 17 Biblioteca Nacional – Periódicos.

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músicas de gosto eminentemente popular, ou seja, valsas, polcas, schottisches, mazurcas e, a

partir de 1870, o maxixe. Ritmos populares que algumas dessas bandas já estavam tocando

nos bailes de máscaras realizados nos teatros durante o carnaval e que logo passariam a tocar

também nas sedes das sociedades musicais. Em um anúncio conclamando o público a

comparecer aos três grandes bailes mascarados a serem realizados nas noites de 2, 3, e 4 de

março de 1862, os responsáveis pela promoção já adiantavam que a música estaria a cargo de

duas bandas militares: a dos Fuzileiros e a dos Artífices da Guerra, de cujo repertório faria

parte, além da valsa Machambomba, duas polcas e oito quadrilhas. Uma destas, intitulada Mal

das Vinhas (nome de um personagem popular carioca), incluiria o som de repiques de sinos,

castanholas e matracas.18

Ao final do século, após a guerra do Paraguai, o Império assistiu a uma segunda onda

de criação de bandas militares. Em 1866, surgiu a Banda do Corpo de Policia da Corte,

constituída por trinta componentes e tendo por maestros Joaquim Garcia Godinho e Antonio

da Rocha. Na Marinha, a partir de uma proposta do comandante do Corpo de Imperiais

Marinheiros, o aviso nº 22 de janeiro de 1872, assinado pela princesa regente D. Isabel,

complementado pelo oficio nº 63 do dia 15 do mesmo mês, estabeleceram oficialmente a

primeira banda de música, com o concurso de duas praças de cada companhia, que

perceberiam os vencimentos correspondentes à classe a que pertenciam. Como resultado, a

partir de 1879, os navios de guerra em viagens ao estrangeiro ou em cruzeiros de instrução

passaram a levar sistematicamente em sua guarnição uma banda de música. Finalmente, já no

período republicano, em 1896, criou-se a Banda de Música do Corpo de Bombeiros, fundada

e dirigida pelo célebre Anacleto de Medeiros.

Não obstante, as queixas quanto à qualidade das bandas militares continuaram, como

se pode verificar no artigo abaixo, de 1879.

A maneira por que estão organisadas as bandas de musica militares do nosso exercito, não satisfazem nem ás prescripções da arte, nem tão pouco aos preceitos da economia. Não emittiremos a nossa opinião sobre se devem ou não existir bandas de musica no exercito. Diremos apenas que por demais está provado pelos factos, que a maior parte dos governos do velho e novo mundo tem-as até hoje considerado como um elemento importante no pessoal dos seus lusidos exercitos; se é que não fazem mesmo das bandas de musica militares um padrão de suas glórias artísticas, um meio de attestar os progressos da arte musical.

18 Schirmer. Música Militar..., p. 44.

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Provada está também a acção que a musica exerce sobre o animo do soldado; já pelo rithmo, tomando mais suaves as penosas fadigas da marcha; já, pela execução dos cantos patrióticos; exaltando lhe coragem e arrastando-o ao commettimento de feitos da mais temerária coragem. Todos sabem a influencia que a Marselheza exerce sobre os Francezes; todos têm ouvido descrever o enthusiasmo que desperta nos hespanhóes o hymno de Riego e finalmente todos nós podemos avaliar, pelas palpitações do coração, a impressão nobre e heroica que provoca nos brazileiros o seu hymno nacional. A acção psychologica dos cantos patrioticos sobre o homem tem-na provado, em larga medida e com farta eloquencia, grande numero de eruditos escriptores, e não seremos nós que iremos agora rispigar sobre um campo tão bem explorado. O nosso ponto de vista é o lado prático da questão e é esse que pôde interessar mais os leitores da Revista Musical. A questão deve, quanto a nós, resumir-se aos seguintes termos: convém ou não que o exército brasileiro tenha bandas de musica? Se não convém, - dissolvam-as. Se convém, - conservem-as; mas com a dignidade e a decencia de povos civilisados. No caso affirmativo, ha ainda a encarar as musicas militares sob o aspecto econômico, tanto mais que as nossas finanças não permittem dispendios senão com o absolutamente necessario. Pois bem, perguntamos nós, realisam as bandas de musica do nosso exercito esse desideratum economico? De certo que não! Para um paiz cujas finanças nadassem em prosperidade, uma banda de musica militar igual ás nossas seria considerado como insufficiente e incompleta - para um paiz, cujo objectivo principal é o economico, o pessoal das nossas bandas marciaes é demasiado. Ora o que é mais para notar é que, este excesso de despeza, não concorre de forma alguma para que as musicas do nosso exercito fiquem melhores. Pelo contrário. O deffeito mais intoleravel que todos lhes notam é a desproporção do effeito sonoro, o desequilibrio da instrumenttação, porque para a organisação das nossas musicas não preside una regra instrumental, não se estabelece um quadro invariável, aceitam-se os artistas conforme os préstimos que possuem; embora esses préstimos já existam na banda em sobegidão. Uma pequena banda militar pôde perfeitamente constituir-se com o máximo de vinte e sete figuras, e com elas se conseguirá obter todos os effeitos instrumentaes nas marchas e passos dobrados e até nas musicas de harmonia. [...] Escolhendo todos os instrumentos do mesmo fabricante, seja Lefebre, Lecomte, Gautrot, ou Sax; escrevendo com discernimento para os instrumentos que devem compor a banda que indicamos, estamos certos que as musicas do exercito brazileiro melhorariam consideravelmente e que não ficariam, como acontece presentemente, inferiores á dos menores do arsenal, a do Asylo dos meninos desvalidos, e ás de varias philarmonicas, que, pelo menos são mais logicas na sua organisação Remunerem-se condignamente, os musicos do exercito; mas exija -se-lhes instrução musical e, além de disciplina militar, disciplina artística, e em breve as bandas se hão de regenerar. Fazemos votos para que o Sr. General Osório, actual ministro da Guerra, olhe para este assumpto com o disvello de que são dignos o exercito e os artistas que presentemente compõem as musicas militares.19

19 Revista Musical e de Bellas Artes, 18/01/1879.

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As Sociedades Musicais

A despeito de sua forte dependência da patronagem e de seu caráter elitista, a maioria

das sociedades privadas que proliferaram no Brasil do século XIX professava um objetivo

comum de promover o progresso, fazendo “apparecer os grandes propugnadores das lettras,

artes e ciências”, que “concorrem para o desenvolvimento social, estimulando os estudos e

[que] cimentão os bons princípios [...].”20

De fato, sociedades recreacionais privadas, ou clubs, foram as mais importantes

organizações de promoção musical no século XIX carioca. Similarmente às demais, essas

organizações e seu sucesso dependiam do suporte de abastados patrões. Em geral,

organizavam-se pelo sistema de sócios, cabendo a direção, na maioria das vezes, a aristocratas

e novos ricos. Os membros recrutavam-se entre a nata da sociedade, os quais se viam por isso

revestidos de maior status social. Cada uma tinha capital suficiente para organizar concertos e

bailes em bases regulares, seja semanal, quinzenal ou mensalmente, mas, quase sempre, esses

eventos, que também incluíam obras musicais, revelavam-se mais ocasiões sociais do que

artísticas. Em suas colunas sociais nos jornais, os cronistas registravam cada espetáculo,

comentando as performances ao mesmo tempo que também descreviam os vestidos e o estilo

dos penteados das espectadoras.

Em particular, as sociedades de dança integraram a moda do século XIX no Rio de

Janeiro, e a maioria delas organizava pequenos concertos. Uma idéia da concorrida agenda

dos eventos musicais das sociedades privadas em meados do século ficou registrada em um

periódico feminino.

O nosso mundo elegante teve a repetição do delicioso movimento dos bailes mensaes: o mágico e deslumbrante Cassino, o Campestre, a Sylphide, a Phil’Euterpe, o Cassino Medico, o Guanabara, a Harmonia Nitheroyense, a Eleusina Nitheroyense, e jantares e funcções particulares que o trouxerão ao seu verdadeiro estado de vida animadora e embriagante [...] Além das bellas noites do theatro lyrico, ainda gozarão os dilettanti alguns concertos e diversas soirées particulares em casa do Sr. Souler e na do Sr. Guilmet, e na Phil’Euterpe passarão horas bem agradáveis.21

20 Moreira de Azevedo, “Sociedades fundadas no Brazil desde os tempos coloniaes até o começo do actual

reinado,” Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 48 (1884), 265. 21 Jornal das Senhoras, 31/10/1852.

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As mais importantes sociedades do Rio de Janeiro, que ofereciam concertos regulares

entre os anos 1830 e 1900, com exceção daquelas voltadas para as danças populares e das

sociedades de carnaval, encontram-se listadas na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1: Sociedades Musicais

Designação Atividades Período Sociedade Philarmonica Concertos 1835/1851 Cassino Fluminense Concertos/Bailes 1845/1900 Sociedade Phil’Euterpe Concertos/Bailes 1850/1863 Sociedade Campezina Concertos 1851/1865 Sociedade do Catette Concertos/Bailes 1852 Sociedade Campestre Concertos/Bailes 1852 Sociedade Philarmonica de São Christovão Concertos/Bailes 1852 Club Fluminense Concertos/Bailes 1854/1870 déc. Sociedade Vestal Concertos/Bailes 1854 Congresso Fluminense Concertos/Bailes 1856 Club Minerva Concertos/Bailes 1860 déc. Club Mozart Concertos/Bailes 1867/1889 Sociedade Philarmonica Fluminense Concertos ca.1870/1879 Club Gymnastico Portuguez Concertos/Bailes 1872/1882 Congresso Brazileiro Concertos/Bailes 1877/1888 Club Familiar do Andarahy Concertos/Bailes 1882/ca.1887 Club Beethoven Concertos 1882/1890 Club do Engenho Velho Concertos/Bailes 1882/1892 Club Schubert (Sociedade Musical Allemã) Concertos 1882/1888 Club Wagner Concertos 1883 Club São Christovão Concertos/Bailes 1884/1887 Club Philarmonica Fluminense Concertos 1884 Club Botafogo Concertos/Bailes 1884/1887 Club Familiar Nitheroyense Concertos/Bailes 1885 Club das Laranjeiras Concertos/Bailes 1885/ca.1888 Club Rio Comprido Concertos/Bailes 1885/1889 Club Rossini Concertos 1886/ca.1888

Fonte: diversas – Biblioteca Nacional, Divisão de Obras Raras e Jornal do Commercio .

A maioria dos executantes que atuavam nessas sociedades musicais era constituída por

amadores, mas cada uma tinha um diretor musical escolhido entre os melhores profissionais

da cidade. Dessa maneira, numa época ainda desprovida de meios de comunicação de massas

e de uma indústria cultural, essas sociedades acabavam oferecendo aos músicos amadores,

quase sempre aristocratas – e, talvez, sobretudo, às musicistas das famílias mais ilustres, que

veriam como uma degradação o exercício de uma carreira profissional – a oportunidade de

tocar ao lado de profissiona is e de aparecerem diante de uma educada e seleta platéia. Isso era

o suficiente para torná-las um lugar por excelência para a prática da sociabilidade, sob a

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forma de uma moda adotada por determinados estratos. Por isso, antes de 1889, cada

vizinhança elegante do Rio de Janeiro ambicionava dispor de uma sociedade para seu próprio

entretenimento e para adquirir status.

Há muito que o bairro do Cattete e os seus amadores já devião ter cuidado de instituir um ponto geral de reunião, para certo e determinado numero de sócios com suas famílias ahi passarem algumas noites do mez, tão reclamada nos diversos pontos desta corte. Consta-nos que essa idéia está encetada, que algumas pessoas de toda consideração tratão de instalar no Catette uma destas reuniões pelo systema da sociedade Phileuterpe, composta de cantoria e dança, cujas partidas serão semanaes e debaixo de um rigoroso toilette simples. A agencia musical está confiada aos Srs. Guilmet e Amat.22

Apesar disso, algumas dessas sociedades de vizinhança mantinham um alto nível em

suas performances, conseguindo o maior sucesso em seus saraus. A Sociedade Philarmonica

São Christovão, por exemplo, tinha amadores suficientes para formar sua própria orquestra.

A sociedade Phil’armonica de S. Chistovão é uma bem agradável reunião mensal. Ali a orchestra é composta de curiosos amadores, dignos de todo o elogio; as senhoras que cantão são interessantes, muito interessantes, e sua doce voz nos deixarão ficar fagueiras impressões; o baile, para o fim de noite permittido, é animado e influído por vivazes quadrilhas executadas por nova orchestra destinada para esse fim; dançou-se então com furor até as duas horas da manhã, e é de crer que muita gente retira-se saudosa de tão agradável reunião, assim como me aconteceu. Fazemos votos pela sua prosperidade.23

Esses concertos de natureza mais íntima, nas sociedades de bairro, dispunham de

salões com espaço limitado e requeriam programas de forças reduzidas. Em meados do

século, predominavam em seu repertório números vocais dos compositores Rossini, Bellini,

Donizetti e Verdi. Nas ultimas três décadas do século, além de arias de óperas, integravam

esses eventos com freqüência peças características para piano ou duetos para piano,

compostos por compositores-virtuoses estrangeiros, encabeçados por Joseph Ascher (c. 1825-

1870), Émile Prudent (1817-1863) e Alexandre Edouard Goria (1823-1860). Na década de

1880, Camille Saint Saëns (1835-1921) e Anton Rubisntein (1829-1894) começaram a ganhar

espaço nesses concertos familiares, assim como introduziram-se gradualmente peças do

repertório germânico, graças ao crescente número de músicos profissionais disponíveis para a

execução de música de câmara. No fim do século, obras de Mozart, Beethoven, Schumann e

Mendessohn passaram a fazer parte do repertório dos amadores.

22 Jornal das Senhoras, 07/03/1852. 23 Jornal das Senhoras, 16/05/1852.

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Neles ainda fizeram suas estréias alguns importantes compositores brasileiros. O

jovem Alberto Nepomuceno (1864-1920)24 começou sua carreira como pianista em um

concerto no Congresso Brasileiro, em 21 de setembro de 1885, tocando Souvenir d’Andalusie

de Gottschalk e apresentando-se novamente no Club Beethoven, no 1º de novembro

seguinte.25 Da mesma forma, Ernesto Nazareth (1863-1934) começou sua carreira, aos

dezessete anos, tocando nesses ambientes, juntamente com amadores. Embora, ao que tudo

indica, tenha estreado como pianista no salão do Club Mozart, em 8 de março de 1880,26 foi

no Club do Engenho Velho, em 1883, que Nazareth passou a atuar de maneira regular. Em 21

de julho, dividiu com a Sra. D. Eulália Leal um dueto para piano de Cerimele e uma fantasia

sobre temas do Rigoletto de Verdi; em setembro do mesmo ano, executou, com as Sras.

Eulália Leal, Emma e Amália Weguelin, uma redução feita por F. Fasanotti para piano a oito

mãos do Haroldo em Itália, de Berlioz; em 27 de junho de 1884, Nazareth e Alfredo Pereira

tocaram uma fantasia de Thalberg sobre Norma; e, no dia seguinte, ele voltou a tocar com a

Sra. Eulália Leal um dueto para pianos e a Marcha Triunfal de Alexandre E. Goria.27 E foi no

salão do Club Familiar do Andarahy que Bernard Wagner, um pianista e compositor de

origem alemã,28 organizou, em 15 de dezembro de 1883, um concerto para homenagear

Carlos Gomes, apenas com trechos de suas óperas. Provavelmente, foi a primeira vez que um

concerto teve peças de apenas um compositor.29

Esse Club Familiar do Andarahy manteve-se em atividade de 1883 a 1888 e, em 15 de

dezembro de 1883, organizou um concerto com o seguinte programa.

24 Nascido em Fortaleza, Nepomuceno chegou ao Rio de Janeiro em 1885, foi indicado professor de piano no

Club Beethoven em 1886. Em 1887 foi para Roma, onde estudou piano com Giovanni Sgambati (1841-1914) e composição com Eugenio Terziani (1824-1889). Depois foi para Berlin, onde foi discípulo de composição de Heinrich von Herzogenberg (1843-1900); mais tarde foi para Paris onde estudou órgão com Alexandre Guilmant (1837-1911). De volta ao Rio de Janeiro em 1895, se engajou no movimento nacionalista brasileiro, tendo editado várias peças de José Maurício Nunes Garcia. Em 1902 foi indicado diretor do Instituto Nacional de Música. Prolífico compositor, Nepomuceno escreveu óperas, músicas para orquestra, peças para piano, e um grande número de peças com letra em português.

25 Sergio Alvin Correa menciona a apresentação no Club Beethoven como sua estréia no Rio de Janeiro; ver Alberto Nepomuceno, catálogo geral, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 9.

26 Foi um concerto em benefício de Luiza Saucken com participação das cantoras Marietta Siebs, Luiza Regadas, P. Cunha e Scolari; os pianistas Silveira, Madeira e Nazareth; o violinista Bernadelli; o flautista Viriato; e o clarinetista Horacio Lemos. Revista Musical e de Bellas Artes, 13/03/1880.

27 Essas performances são das escassas informações sobre o inicio musical de Ernesto Nazareth. Apesar de vários professores terem discutido seu trabalho em vários livros sobre História da Música Brasileira. A bibliografia sobre Ernesto Nazareth não é grande. Os principais trabalho são, Jaime Diniz, Nazareth, estudos analíticos, Recife, Deca, 1963; Batista Siqueira, Ernesto Nazareth na música brasileir a, Rio de Janeiro, n. p., 1967.

28 Bernard Wagner chegou ao Rio de Janeiro em 19/10/1863, ver Jornal do Commercio de 20/10/1863. 29 Um dos concertos em homenagem ao proeminente Carlos Gomes, como o que aconteceu no Cassino

Fluminense em 02/09/1880, incluindo vários músicos.

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Gottschalk Scherzo para piano Bellini Placca, de I puritani Donizetti Ária de Dom Sébastien Donizetti/Mohr Lucia de Lammermoor, Fantasia para cello Verdi Aida, dueto para dois sopranos Chopin Valsa em Dó sustenido menor Thomas Ária de Mignon, para baixo Gounod Ária de Fausto Donizetti Dueto de L’elisir d’amore, para soprano e baixo30

Já o Club Familiar Nitherohyense, em 17 de outubro de 1885, sem deixar de anunciar

que, após o concerto, “o chá será servido e o baile irá começar, até as 4 horas da manhã”,

organizou o seu com a seguinte programação.

Verdi I masnadieri, dueto para tenor e baixo Guercia “Oh, como é triste l’anima”, para soprano Prudent Fantasia para piano sobre Les Huguenots Luzzi “La povera Marta”, para contralto Campana Il Pazzo, para baixo Donizetti/Oberthür Lucrezia Borgia, grande duo para piano e harpa Gomes Il Guarany, dueto para soprano e tenor31

De forma semelhante, o Club do Rio Comprido, dirigido por Américo de Castro, alguns dias

antes da Abolição, em 5 de maio de 1888, ofereceu aos seus membros:

Ritter Dança Tcherkesse, para piano Gomes Romanza Gottschak La Radieuse, valsa para dueto de pianos Popp Zither Klange e La Chasse, para flauta Chopin/Rotoli Noturno, para soprano Raff Cavatina, para cello Pinsuti Il Libro Santo , para soprano, violino e piano Kowalski Marche Hogroise, para piano32

Do diretor musical dessas sociedades privadas, como o violinista José White, fundador

e diretor da Sociedade de Concertos Clássicos, mas também diretor musical do Club das

Laranjeiras, esperava-se a organização de um programa acessível. A crítica ao primeiro

concerto deste club, ocorrido em 24 de outubro de 1885, elogiou justamente a sua capacidade

“em organizar progammas attrahentes, ultrapassando o limite fatalmente imposto á musica em

30 Fontes diversas Biblioteca Nacional seção de Obras Raras e Jornal do Commercio. 31 Fontes diversas Biblioteca Nacional seção de Obras Raras e Jornal do Commercio. 32 Fontes diversas Biblioteca Nacional seção de Obras Raras e Jornal do Commercio.

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reuniões deste gênero.”33 Note-se que o programa escolhido, antecedendo, como de hábito,

um baile “até a manhã seguinte”, não incluía compositor germânico algum.

Gottschalk La Radieuse, valsa-concerto para dueto de pianos Donizetti Marino Faliero, dueto para soprano e baixo Popp Klange aus der Puszta , para piano e flauta Bériot Fantasie, balle t para violino Manzocchi Dolores, scena para soprano

Entre as sociedades de bairro em atividade de 1882 a 1891, no entanto, era

provavelmente o Club do Engenho Velho, dirigido pelo tenor Augusto Weguelin, que

desfrutava dos concertos mais sofisticados, garantindo o alto nível a participação regular de

proeminentes profissionais, que ocasionalmente programavam obras de câmara e solo de

compositores germânicos. Além disso, seus programas incluíam regularmente peças de

compositores locais como Carlos Gomes, Arthur Napoleão e Alberto Nepomuceno. Por

ocasião do 47º Sarau-concerto, em 28 de junho de 1887, executaram-se.

Schubert Adieu, romance para baixo Chopin 8ème Polonaise Tofano Occhi lucenti, romance para mezzo-soprano Napoleão Grand Scherzo para piano Schumann Andante com variações, Op. 46 para dois pianos Schumann Lotus Mystique, romance para baixo Miceli La figlia de Jefte, dueto para dois sopranos Verdi “Ave Maria”, do Otello

Já o 52º Sarau-concerto, em 29 de outubro de 1887, que contou com a participação do

jovem Alberto Nepomuceno como compositor e pianista, incluiu.

Beethoven Trio em Dó menor, para piano, violino e cello, Op. 1, nº 3 Ferrari A une Edelweiss, romance para mezzo-soprano Nepomuceno Romance em Mi bemol e Mazurka em Ré, para piano Nicastro Gran Scena e Romanza, para barítono Saint-Saëns Marche Heroïque, para dois pianos Massenet Herodiade, romance para barítono Pinsutti Il libro santo, romance para mezzo-soprano

Depois da proclamação da República, esses pequenos clubs continuaram a tradição das

três décadas anteriores, assim como a organização de bailes depois dos concertos. Amadores

ainda predominavam, mas seus nomes tinham passado a integrar os programas, juntamente

33 Jornal do Commercio, 30/09/1885.

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com a participação regular de profissionais de alto nível, como Duque Estrada Meyer (flauta),

Arthur Napoleão e Alfredo Bevilacqua (piano) e Vicente Cernicchiaro (violino). 34

Outras sociedades tinham um alcance mais amplo do que o público dos bairros. Eram

preferidas, por isso, para a realização de concertos em beneficio, alguns deles com a

colaboração dos mais proeminentes cantores e instrumentistas da cidade, que ali eram tão

prestigiados quanto nos teatros. Em função da capacidade das salas e do público a que se

destinava, o beneficiado via-se na contingência de adaptar o formato do espetáculo, mas, ao

final, não podia faltar o baile tradicional. Assim fez, em 1852, o flautista Achilles Malavasi,

que chegara ao Rio de Janeiro no ano anterior.35

No salão da sociedade Phil’Euterpe realisou o Sr Achilles Malavasi o seu beneficio em a noite do dia 30 de novembro, offerecendo aos seus numerosos amadores em brilhante concerto, no qual tomarão a parte instrumental os Sr Maercsh e Bevilacqua, e a Illma. Srs. Kastrup e Guilmet a parte cantante. Da meia noite em diante dançou-se muito; a reunião tornou-se então animada, que só ás 3 horas e meia da madrugada acabou. Felicitamos ao estimável artista o Sr. Malavasi pelo variado divertimento que soube preparar para essa noite toda sua, e lhe desejar cordialmente aquella prosperidade de que se tornão merecedores artistas taes como o Sr. Malavasi.36

De fato, entre as mais proeminentes sociedades musicais do Rio de Janeiro nos anos

1850, encontrava-se a Sociedade Phil’Euterpe, que oferecia concertos e bailes mensais a seus

sócios. Como era comum, aqueles incluíam números vocais e instrumentais, aos quais

seguiam-se o baile. No entanto, a despeito de sua ativa participação nesses eventos, os

amadores raramente tinham seus nomes divulgados nos programas dos concertos em meados

do século, o que parece indicar um certo recato, ou hesitação, em identificarem-se com os

profissionais. Eis um exemplo típico, relatado no Jornal das Senhoras:

A sociedade Phileuterpe deu na noite do dia 20 a sua reunião mensal, cada vez mais augmentada e aperfeiçoada na musica vocal e instrumental e no escolhido numero de sócios. Não ajuizamos mal quando dissemos que esta sociedade tomaria não muito tarde o justo logar que lhe compete: ella se aproxima. A 1ª parte consistiu na ouvertura de Nabucodonozor, de Verdi, para piano, mui bem executada; depois o coro religioso – La Fede – de Rossini, contralto e coro. O contralto algelico que executou esta parte é tão symphatico que comoveu os corações. Mme. K..., perfeito soprano, cuja voz bellissima, de grande e igual circunferência, junta uma perfeita execução, nada deixa a desejar ás maiores exigências, executou o Rondó final de Saul. La Caritá – coro religioso com solo de soprano, foi muito bem desempenhado

34 Mercedes Reis Pequeno, Exposição comemorativa do centenário do nascimento de Ernesto Nazareth, Rio de

Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1963, p. 53. 35 Cernicchiaro, em Storia della musica nel Brasille, afirma que sua estréia ocorreu em dezembro de 1851, p.

508. 36 Jornal das Senhoras, 05/12/1852.

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pela voz suave e meiga da fluminense d’alta transcendencia musical. Não sabemos se fizerão bem dividir o belíssimo coro religioso – La Fede, la Speranza, la Caritá – intercalando-lhe outras musicas; achamos que, assim dividido, destruirão o bello effeito das três partes, que não puderão ser apreciadas no seu justo valor. Entretanto foi muito bem executado, e deve ter deixado uma profunda impressão sobre cada momento musical. A 2ª parte constou da fantasia, introdução, cavatina, terzettino, sextetto e final de Nabucodonozor, de Verdi. A Sra. G... cantou com muita arte e gosto consumado, nesta 2ª parte: a falta porêm de um baixo completo fez-se sentir nessa occasião. A’ hora designada, vierão as contradanças, e os devotos tiverão espaço para se empertigarem, porque desta vez a concurremcia foi limitada: não obstante, a reunião esteve muito animada [...] Desejamos á sociedade Phileuterpe toda a prosperidade de que ella se torna merecedora.37

Alguns concertos em benefício na Sociedade Phil’Euterpe chegavam a ser

suficientemente importantes para atrair a família real; um exemplo foi o concerto em

beneficio dos Homens de Letras, em 25 de novembro de 1856, o qual contou com a

participação do tenor Enrico Tamberlik (1820-1889), conhecido em Madri, Lisboa, Paris e

Londres, que veio contratado a peso de ouro para a inauguração do teatro Solís, em

Montividéu (1856), e do primeiro Colón, em Buenos Aires (1857).38

De todas a mais celebrada sociedade musical do Rio de Janeiro entre 1860 e 1880 foi o

Club Fluminense, uma das poucas a sobreviver por mais de duas décadas. O Club, como era

conhecido, entrou em atividade em 1854, mas ampliou seu prestígio, assegurado com a

presença da família imperial inúmeras vezes, quando, em 1865, adicionalmente aos bailes

tradicionais, o violoncelista Casimiro Lúcio de Souza Pitanga passou a dirigir encontros

semanais que não eram “consagrados à dança, mas sim a apreciar a música e a conversar”.39

Dessa forma, os sócios tinham a oportunidade de freqüentar eventos variados, alguns para sua

própria “vivacidade e animação”, e outros mais “próprios por sua natureza para distrahirem o

espírito e convidarem á sociedade”.40 O sucesso foi tamanho que, na década de 1870, alguns

concertos destinavam-se a arrecadar fundos em beneficio de instituições de caridade. Além

disso, apresentavam a vantagem, devidamente anunciada, de que as mulheres não precisavam

aparecer em “suntuoso toilettes”. Na realidade, uma das atrações do Club Fluminense era essa

suposta simplicidade, que diminuía a separação social entre os membros mais e menos

37 Jornal das Senhoras, 27/03/1852. 38 Tamberlik estreou no Rio de Janeiro em 06/06/1856, com o Otello de Rossini. Ver Vicente Gesualdo.

História de la musica en Argentina. Buenos Aires, Editorial Beta, 1961, p. 35-38. Cf. ainda John Rosselli. Opera Business, and the Italian Immigrant Community in Latin America 1820-1930: The Example of Buenos Aires. Past & Present. Oxford, 127:155-82, May 1990, p. 167 para sua inserção entre os pioneiros dos circuitos comerciais de ópera na América austral.

39 Jornal do Commercio, 13/09/1885. 40 Jornal do Commercio, 13/09/1885.

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afluentes. De acordo com um deles, por causa dessas características, o Club, “sem as

imposições do luxo, que affugentão quem não tem posses ou não quer ostenta- las, são

garantia que este estabelecimento continuará a ser concorrido pelo publico, e freqüentado

pelas melhores famílias desta capital”41 Não obstante, e a despeito da predominância de

amadores, desde cedo, esses eventos criaram um modelo, que, mais tarde, iria influenciar

sociedades como o Club Mozart e o Club Beethoven.

As Philarmonicas e os Clubes Musicais

Não obstante as atividades dessas sociedades musicais de vizinhança ou daquelas mais

direcionadas para o entretenimento, o Rio de Janeiro do século XIX também conheceu

organizações privadas devotadas somente à música. Já em 24 de agosto de 1835, surgiu na

capital do Brasil a Sociedade Philarmonica, dirigida por Francisco Manuel da Silva. Embora

organizada e gerenciada por músicos profissionais e dela participassem com freqüência

amadores como executantes, a Philarmonica contava com membros da aristocracia, eleitos

semestralmente, para dirigi- la. Proporcionava concertos mensais, apresentados no salão da

sociedade, primeiramente localizado à Rua do Conde nº 10, mas transferido, em 1836, para a

Rua de São Pedro nº 56 e, em 1837, para a Rua do Rocio, alguns dos quais restritos aos

membros, outros para os quais cada um recebia um convite para si e sua família, com a

possibilidade ainda de pedir um número restrito de convites adicionais para convidados, que

deveriam passar, no entanto, pelo crivo de um especial comitê.42

Em 1850, porém, a Sociedade Philarmonica cessou suas atividades. De acordo com

Manuel Araújo Porto-Alegre, na revista Guanabara, em 1851,

A Filarmônica foi uma filha necessária, que engrandeceu, brilhou e adornou a sua época enquanto não preencheu a sua missão; porque o gosto da música se generalizou e reapareceu a necessidade do teatro italiano e se formaram espetáculos líricos, a sua queda era inevitável. Os sacrifícios dos sócios eram todos por amor da música, eram todos por esta necessidade que devia minorar com a presença dos espetáculos líricos e suas diárias representações. E já ninguém fala da Sociedade Filarmônica, daquela brilhante reunião de formosas cantoras, de artistas e de amadores! Já ninguém lembra que ela foi saudar o novo imperador e de que este lá ia passar noites harmoniosas! Já ninguém lembra dessas amáveis senhoras que tanto se distinguia pelo seu talento, assiduidade e modéstia: e talvez ninguém se recorde de que o teatro lírico e os sacrifícios que por ele faz o governo sejam devidos aos triunfos e aos esforços da Sociedade Filarmônica!43

41 Jornal do Commercio, 13/09/1885. 42 Jornal do Commercio, 16/10/1837. 43 Ayres de Andrade, Francisco Manuel ..., v. 1, p. 179.

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E levou mais de quinze anos para o Rio de Janeiro ver a organização da Sociedade

Philarmonica Fluminense, ativa nos últimos anos da década de 1860 até o início dos anos

1880. Constituída por um grande número de músicos profissionais, a nova Philarmonica

também assegurou aristocratas para o rol de seus diretores e contou com a presença da família

imperial – dois ingredientes cruciais para o sucesso naquela época. Foi também em seu salão

que se realizou o velório de Louis Moreau Gottschalk, em 1869, após três concertos com o

pianista americano. A direção musical coube inicialmente ao violinista italiano Luigi Elena

(falecido em 1879), que chegara ao Rio de Janeiro em 1854,44 mas, em 1875, a posição

passou para Leopoldo Miguez (1850-1902), cuja Marcha Nupcial, anunciada com “composta

pelo distincto amador L. Miguez”, abriu a segunda parte do programa do concerto de 1º de

dezembro de 1876 e que, em 1878, nela fez sua estréia como regente.45 Em 1879, assumiu a

presidência o visconde de Pirapitinga, passando o quadro de diretores a incluir o violinista

Robert Kinsman Benjamin (1853-1927),46 figura chave na fundação do Club Beethoven em

1882.

Embora não fosse grande, afirmava-se sobre a orquestra, em 1879, que não lhe

faltavam “professores capazes de interpretar qualquer obra, por importante que seja [...]”.47

Seus concertos dividiam-se em duas ou três partes, cada uma iniciada por uma ouverture

operistica. Em 1875, os programas ainda omitiam os nomes dos músicos e continuavam a ser

dominados por compositores de operas, mas, daí em diante, passaram a incluir trios, quartetos

e algumas sinfonias ao lado das peças extraídas de óperas. Na década de 1870, surgiram ainda

pela primeira vez obras do repertório alemão, com a inclusão de peças de Mendelssohn e

44 Luigi Elena foi o primeiro regente dos Concertos populares, apresentada por Canongia e Carrero em 1862.

De acordo com Ayres de Andrade, Elena foi o primeiro interprete da peça de J. S. Bach no Brasil, o Prelúdio nº 1 do Cravo Bem Temperado, transcrito para o violino com superposição sobre melodia de Gounod. Ayres de Andrade dá ainda o ano de 1856 como o ano de sua chegada ao Brasil, mas Elena tocou em um concerto em 18/09/1854.

45 Miguez nasceu no Rio de Janeiro, mas cresceu e estudou na Espanha e em Portugal, retornando ao Rio de Janeiro em 1871, onde trabalhou como empresário no ramo musical. Ocasionalmente, tocava e regia. Em 1881, ele decidiu devotar-se somente à composição, despendendo para tanto dois anos (1882 a 1884) na Europa, onde se encontrou com músicos importantes. Já na Republica, ele foi indicado diretor do Instituto Nacional de Música e se tornou um dos mais importantes compositores brasileiros no final do século XIX. Cf. também Almanak Laemmert, 1875, e o programa do concerto conservado na Biblioteca Nacional, Obras Raras.

46 Nascido no Rio de Janeiro, Robert Kinsman Benjamin foi para a Europa com a idade de três anos (Londres e Cologne), onde estudou violino e composição, voltando ao Brasil em 1876.

47 Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, nº 33, 16/08/1879, p. 6.

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Schumann. Após sua dissolução, foi criado em 1884 o Club Philarmonica Fluminense, mas,

aparentemente, não durou muito tempo.48

Para preencher a lacuna entre as duas sociedades philarmonicas, surgiu em 1851 a

Sociedade Campezina, oferecendo concertos para a audiência de elite dos anos 1850 ao inicio

da década de 1860. No seu décimo aniversário, em 12 de abril de 1861, a Campezina

apresentou uma orquestra capaz de tocar “os mais intrincados pensamentos de Bellini, Ricci e

Verdi [...], traduzidos pela harmonia de um instrumental afinado e lidos com precisão e

desembaraço.”49 Em 1861, ela não tinha “competidores no Rio de Janeiro”, e a sociedade foi

transferida para o grande salão do Pavilhão Paraíso, onde “seletos espectadores com fino

preparo social” poderiam melhor apreciar os encantamentos da música.50 A sociedade

oferecia concertos mensais com larga participação de amadores, mas, ao que tudo indica, sem

os costumeiros bailes após os concertos. Abertos em geral por uma ouverture operistica, os

programas consistiam de vários números vocais e poucas peças instrumentais. Em algumas

ocasiões, prolongavam-se em função de longas interrupções, para atender às conveniências de

uma verdadeira reunião social, começando às 20h e terminando depois de uma hora da

madrugada.51 Profissionais colaboravam constantemente, tendo o jovem Carlos Gomes (1836-

1896) dedicado sua segunda ópera, Joanna de Flandres (1863), à Campezina; em retribuição

esta ofereceu ao compositor uma batuta de ouro.52

Em 1883, surgiu uma das mais bem sucedidas sociedades devotadas à promoção do

repertório germânico: a Sociedade de Concertos Clássicos, fundada pelo violinista cubano

José White e pelo português Arthur Napoleão. Depois de chegar ao Rio de Janeiro em 1879, o

primeiro conseguiu acesso às esferas aristocráticas e procurou tirar proveito das nem sempre

sólidas estruturas que o Império oferecia para a música, procurando organizar para a nova

sociedade um corpo de diretores composto de barões e condes – entre eles, o conde d’Eu

(presidente honorário), o visconde da Penha (presidente) e o barão de Teffé (vice-

presidente).53 O primeiro concerto, em 12/08/1883, foi um grande sucesso: “SS. MM. estavam

48 Revista Illustrada, 14/06/1884. 49 “Chronica da Semana,” Revista Popular, 26/04/1861. 50 Revista Popular, 26/04/1861. 51 Revista Popular, 10/10/1861. 52 Cf. Jornal do Commercio, 03/09/1863 e Revista Popular, 10/10/1861. 53 Em 1889, seu nome, incluído nos programas, vinha como Comendador José White. Ver o artigo sobre o

músico em Eileen Southern, Biographical Dictionary of Afro-American and African Musicians. Wesport, Ct, Greenwood Press, 1982, p. 400. Para uma detalhada descrição das atividades de José White no Chile e em outros paises latino americanos, ver Luis Merino, José White in Chile, National and International Repercussions, Inter-American Music Review, 11/1 (Fall-Winter), 1990, p. 87-112.

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presentes. E eu notei ainda com grande satisfação que o salão estava cheio, brilhante de tudo

quanto há mais selected na sociedade Fluminense.”54

A Sociedade de Concertos Clássicos não oferecia atividades sociais, restringindo-se à

organização de concertos – foram cinco somente em setembro e outubro de 1885 – em que os

ingressos eram oferecidos ao público em geral, de ambos os sexos, através de anúncios na

seção de entretenimento dos jornais.

Inaugurou esta sociedade hontem, os concertos desta temporada, com concurrencia, composta da nata da sociedade fluminense. Póde dizer-se que quatro quintas partes dos assistentes erào senhoras, essas infelizes expulsas do paraíso da musica clássica e que hontem, na escola da Gloria, mostrarão heroicamente, sem fallar e sem dormir, que as obras antigas dos bons mestres as impressionão e comovem [...].55

Constituíam, por conseguinte, eventos públicos, mas nem por isso dispensavam o

suporte financeiro e social da aristocracia, o que acabava por ofuscar a linha entre o público e

o privado, como muitas vezes acontecia nos eventos artísticos do Brasil do século XIX.

Embora a principal proposta da Sociedade de Concertos Clássicos fosse a introdução

da música clássica junto ao público brasileiro, principalmente música sinfônica e de câmara

do repertório germânico e embora White tomasse cuidados para convidar pessoas do mais alto

nível social e cultural no Rio de Janeiro para freqüentarem seus concertos, o interesse pelo

repertório não parece ter sido alto, a julgar por um poema que circulou no Rio de Janeiro nos

anos 1880, intitulado “Observações de um freqüentador da Sociedade de Concertos

Clássicos”, em que enfatizava-se o glamour do eventos, o tormento de ter que ouvir a música

e o alívio quando o concerto terminava.

O imperador, princeza, fidalguia E fina flor da gente brazileira Atacados de cruel monomania Se congregão n’uma festa domingueira Em tributo d’uma nova archeologia O encontro d’esta alegre romaria Q’a pretexto d’antiguada synphonia Vem expor a maior tafularia E a vaidade da moda tanto açula De clássicos concertos s’intitula... Como em busca d’accertar uma charada, Procurando descobrir essa belleza, Que se esconde na infinita rebeccada, De sobrolho carregado e vista aceza

54 Revista Ilustrada, 18/08/1883. 55 Jornal do Commercio, 07/09/1885.

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Com’a vontade mais completa concemtrada No alvo nunca acerta com justeza A assembléia, que já está muito estafada E á força d’attenção constante e preza N’um crescendo vão-s’os olhos apertando E os melhores amadores cochilando. Quando em bagas suando os professores O alfarrábio acabarão d’esgotar Despencando as semifusas como flores E não tem mais ritornellos que tocar Como aquelles, q’allivião certas dores, Um suspiro geral faz-s’escutar Os semblantes rizonhos tomão cores, No salão é completo o acordar. Recomeça outra vez o rumorejo, De conversa, namorico e do gracejo. A tocata terminou sem incidente, As tornures vão-se logo concertanto, Cavalheiros dando o braço incontinente Ás senhoras, suas gallas ostentando Sahe a turma cochichando alegremente, Schuber [sic], Hayden [sic], Mendelson [sic] elogiando, Mas in petto pensa couza differente, Pois concorda, sem um voto discrepando, Do concerto o que deu maior regallo, Foi o fim, o principio, o intervallo.56

Mais importantes, porém, para o desenvolvimento da vida musical do Rio de Janeiro

no século XIX foram os clubes musicais, em especial, o Mozart e o Beethoven. O primeiro foi

fundado em 1867 à Rua Visconde do Rio Branco nº 10. Seu apogeu situa-se nos anos de

1870, mas permaneceu ativo até meados da década de 1880, não sendo dissolvido até a

proclamação da República. De acordo com os Estatutos de 1868, a principal proposta do Club

Mozart era “a cultura e o desenvolvimento da música vocal e instrumental.”57 Como as

demais sociedades do Rio de Janeiro, operava dentro de um sistema de associados, que

requeriam recomendações que demonstrassem “boa conduta e posição decente na

sociedade.”58 Tais referencias eram submetidas aos outros membros e julgadas pelo corpo de

diretores, que consistia de aristocratas, proeminentes políticos, intelectuais e artistas.59 A

56 O original do poema encontra-se na Biblioteca Nacional, Seção de Obras Raras. 57 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typ. Perseverança, 1868. p.3 (Art.1, §1º). 58 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro ... , p.6 (Capítulo II, Art 3º). 59 Em 1868 – Presidente: Ernesto A. de Almeida Campos; secretário: José Ferreira Albuquerque; Thesoureiro:

Manoel Pereira Barbosa; Archivista: João Augusto da Costa. Em 1872 – Presidente: Joaquim da Rocha Fragoso; Vice-Presidente: F. A. Proença; 1º secretário: Manoel José da Fonseca; 2º secretário: José Maria da Cunha Vasco; Thesoureiro: Modesto Augusto da Silva Ribeiro; Archivista: Manoel Joaquim Valentim. Em

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despeito disso, o Club Mozart recebia “indivíduos de ambos os sexos, sem distinção de

nacionalidade” e era menos restritivo do que várias associações congêneres do Rio de

Janeiro.60 Buscava atrair “artistas e amadores de nomeada [...]; aquellas pessoas que por suas

distinctas posições possão concorrer para desenvolvimento e consideração do Club; as de

authoridade publica, e as residentes fora desta corte”.61

Em 1872, o Club Mozart dispunha de quatro categorias de sócios: (1) sócios

contribuintes, que pagavam 10$000 réis, em adição à mensalidade regular de 5$000;62 (2)

sócios beneméritos, que contribuíam com uma soma substancial, “nunca menos que

500$000”, e que, em adição, deviam trazer consigo trinta novos membros dependentes; (3)

sócios prestantes [participantes], que pagavam somente a entrada, mas que, dispondo de

conhecimentos musicais, deviam estar disponíveis para as performances, sempre que fossem

solicitados; e (4) sócios honorários, categoria oferecida somente a músicos proeminentes, que

demonstrassem seus talentos nas atividades do club. Os dois últimos grupos não recebiam

salário algum pelos trabalhos que executassem. 63 De acordo com o Almanak Laemmert de

1880,64 o Club tinha então 400 membros, dos quais 150 eram músicos profissionais ou

amadores, e mantinha uma biblioteca musical, um bibliotecário e um arquivista, além de

ambos os Estatutos, tanto o de 1868 quanto o de 1872, incluírem disposições para a criação de

uma escola de música vocal e instrumental.

Todas as semanas, o Club Mozart oferecia concertos de câmara organizados pelo

diretor musical, ou pela comissão de harmonia, encarregada de escolher os músicos e o

repertório. De acordo com os estatutos, a cada ano, também tinham que ser promovidos

quatro grandes concertos com orquestra, eventos esses freqüentemente honrados com a

presença da família real, sendo a orquestra recrutada entre profissionais e amadores, membros

do Club.65 Não obstante, era habitual, até mesmo no início dos anos de 1880, a organização de

bailes após os concertos, como evidencia uma notícia na Revista Musical.

1879 – Presidente: Dr. Ismael Torres de Albuquerque; Vice-Presidente: Luiz Prades; 1º secretário: D. J. Capistrano do Amaral; 2º secretário: J. Alves Affonso; Thesoureiro: C. A. Guimarães; Archivista: H. C. da Silveira Lemos; Bibliotecário: L. R. Costa Junior.

60 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro ..., p.5. 61 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro ..., p.11 (Capítulo V, art 8º). 62 Em 1875, a mensalidade era de 6$000, ver Almanak Laemmert, 1875. 63 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro ..., p.6-9. 64 Ver também Maria Luiza de Queiroz Amâncio dos Santos, Origem e evolução da música em Portugal e sua

influência no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 318. 65 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro ..., p. 15.

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Na noite de 31 de maio de 1879 deu o seu saráo musical esta sociedade [o Club Mozart]. Esteve presente um numeroso auditório. Foram muito aplaudidos diversos trechos do programa [...]. A parte dansante esteve muito animada, e todos sahiam satisfeitíssimos pela maneira attenciosa com que a digna directoria soube receber os seus sócios.66

Em adição a esses eventos, o salão do Club Mozart abrigava regularmente concertos

em benefício de músicos e entidades de caridade, assim como hospedou os mais proeminentes

cantores e músicos que visitaram o Rio de Janeiro nas décadas de 1860 e 1870, incluindo

Louis Moreau Gottschalk. Não obstante, a programação do Club Mozart não se diferenciava,

em essência, daquela oferecida pelas sociedades de bairro descritas acima. A maioria dos

eventos, no entanto, contava com programas impressos – grande parte dos quais encontra-se

na Divisão de Música da Biblioteca Nacional – de que eram omitidos os nomes dos

intérpretes, provavelmente por que era grande o número de amadores. Eis o comentário sobre

um desses concertos.

Sabbado, 26, realizou-se o concerto d’esta sociedade. Graças á sua intelligente directora, este club tem sabido organizar os seus programas de modo a satisfazer amplamente os seus sócios. Sempre que póde lançar mão de qualquer elemento de interesse no mundo ella é prompta em aproveita-lo. Assim é que, ouvimos n’essa noite, a serenata da opera Maria Tudor, cuja musica ainda não se acha no domínio público. A Sra. Mariana de Azevedo, talentosa pianista, também executou uma tarantella de Thalberg com applauso geral. 67

Como ilustração, sirva o programa do concerto de 14 de junho de 1879.

Auber Overture Zanetta Verdi Ária de Il Finto Stanislao Meyer Marcha de Carnaval Moderati Il primo baccio, romance para barítono Kalliwoda Grand fantasia para clarinete Palloni Noi ci amavamo tanto!, romance para soprano Verdi/Ricordi Quarteto do Rigoletto , para dois violinos, cello e piano Weber Oberon, barcarola para piano Verdi Dueto de Nabuco Meyerbeer/Stasny Potpourri, para orquestra

O concerto mais elaborado, distinguido pela presença da família imperial, ocorreu em

14 de julho de 1881. Seguiu o formato de costume, dividido em duas seções, cada uma

iniciada com uma ouverture operística, tocada pela orquestra do Club, mas excepcionalmente

66 Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, nº 23, 06/06/1879. Ve r também Revista Illustrada, 09/02/1884. 67 Revista Musical e de Bellas Artes, 03/05/1879.

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foram incluídas duas peças de compositores brasileiros – a Tarantella de Jerônimo Queiroz,68

e a fantasia Africana de Alfredo Bevilacqua – além dos minuetos de Lully e de Boccherini,

duas peças inéditas nesse tipo de concerto, executadas nas cordas.

I – Rossini Sinfonia de Seramide Beethoven Quarteto de cordas nº 5 Rossini/Cavallini Fiori Rossiniani, fantasia para clarinete e orquestra Thalberg/Bériot Dueto para violino e piano Baratta La Fioraja, scherzo para soprano e orquestra Bevilacqua Africana, fantasia para piano II – Meyerbeer Sinfonia de Dinorah Lully Minueto para cordas Boccherini Minueto para cordas Bériot Concerto para violino e orquestra Queiroz Tarantella para piano e orquestra

E ainda mais do que o Mozart foi o Club Beethoven, fundado em 4 de janeiro de 1882,

pelo violinista, compositor e regente Robert J. Kinsman Benjamin, que promoveu os mais

significativos eventos musicais do Rio de Janeiro na década de 1880, com destaque para o

repertório alemão de câmara e orquestra, numa empresa considerada “nunca alcançada por

nenhuma sociedade desse tipo na América do Sul”.69 De acordo com seus estatutos.

o Club se propunha a proporcionar aos homens de boa sociedade um ponto de reunião onde gozassem de todas as vantagens dos principaes Clubs Europêos, e ao mesmo tempo para fazer ouvir aos seus consócios musica da mais alta escola, interpretada pelos melhores executantes que o Rio de Janeiro possuisse.70

Os primeiros estatutos foram redigidos no Salão Bevilacqua em 9 de janeiro de 1882

por Robert J. Kinsman Benjamin e 27 fundadores (indicados na Tabela 2), todos membros

proeminentes da sociedade carioca, embora com forte preponderância de imigrantes ou de

seus descendentes. A eles se juntaram mais cinco músicos e, na época do primeiro concerto,

em 4 de fevereiro seguinte, o club já contava com 56 membros, os quais alcançaram 222

depois de um ano de atividades.71 Em 1884, o Club Beethoven era uma bem estabelecida

sociedade com 485 membros, número que permaneceu relativamente constante daí em diante,

subindo apenas para 504 em 1887.

68 Nascido no Rio de Janeiro, Jerônimo Emiliano de Sousa Queiroz (1857-1936) estudou em Paris com

Antoine-François Marmotel. De volta ao Brasil, promoveu a música francesa, e em 1902 estreou a sonata para violino de César Frank no Rio de Janeiro. Em 1918, Queiroz foi indicado professor de piano no Instituto Nacional de Música.

69 Club Beethoven, Segundo Relatório para o ano social de 1883-1884. Rio de Janeiro, Typografia de G. Leuzinger & Filhos, 1884, p. 7. Ver também Revista Musical e de Bellas Artes, Ano 1, nº 3, 18/01/1879, p. 6.

70 Club Beethoven, Primeiro Relatório para o ano social de 1882-1883 ..., p. 7.

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Tabela 2: Fundadores do Club Beethoven em 1882

Personalidades Dr. Leopoldo Duque-Estrada César Duque-Estrada M. J. Amoroso Lima Jr

Louis Droüet Albert Tootal Edward Tootal Otto Warsnstorff Max Krutisch Harold E. Hime

George Eutis José Tavares Guerra P. J. Santos Dr. Joaquim Gonçalves de Araújo Dr. João Gonçalves de Araújo Manoel Alves Souto

Leandro Sanchez M. Calogeras Alfredo Romaguera Eugenio Tourinho Edgar James Dr. Frederico Liberalli

Luiz Barbosa de Coppet Emilio de Barros J. S. P. de Meirelles Dr. Carlos Ferreira França George Cox Dr. Arthur Alvim

Músicos Robert J. Kinsman Benjamin Carlos Boisson Carlos França

C. Schiller P. P. da Fonseca J. A. Segurato

Fonte: Listagem dos fundadores anexa aos Estatutos.

De maneira semelhante ao Club Mozart, o Beethoven admitia como categorias de

sócios os contribuintes, participantes, beneméritos e honorários. Mais tarde, foi adicionada a

categoria dos visitantes – oferecida a indivíduos que passavam curtas temporadas na cidade

do Rio de Janeiro – que procurava beneficiar em particular aos “emissários diplomáticos, bem

como oficiais de navios de guerra ancorados no porto do Rio de Janeiro”.72 Destes, cobrava-se

a mensalidade de 6$000 réis, mas não a entrada para os espetáculos.73 Antes de 1888, porém,

não se admitiam mulheres, que somente eram convidadas para o concerto sinfônico anual e

para solenidades especiais, quando uma comissão de senhoras ficava encarregada de receber

as representantes do sexo frágil. “Pas de femme”, comentava um periódico local,

acrescentando com ironia: “os fundadores do Beethoven são demasiados rigoristas. A mulher

e o jogo são os dois pulmões que sustentam os clubs”.74 De fato, para os homens, além dos

concertos, havia outras atividades nos salões do Club Beethoven, como as competições anuais

de xadrez e bilhar.

A primeira sede do club consistiu em uma pequena casa à Rua do Catete, nº 102, logo

substituída, em 1883, pela aquisição de um novo edifício à Rua da Glória, nº 62, remodelado

para atender às atividades da agremiação. Inaugurada em 21 de abril de 1883, a nova sede

dispunha de uma sala de concertos, com um piano de cauda Érard, e incluía salas de leitura,

71 Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ..., p. 8. 72 Almanak Laemmert, 1888. 73 Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883..., p. 9.

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xadrez, bilhar e uma biblioteca, cujo bibliotecário, a partir de 1886, foi Machado de Assis. A

sala de leitura oferecia periódicos brasileiros e europeus para os membros em suas horas de

laser, entre os quais contavam-se, em 1884, o inglês Monthly Musical e Musical World, o

alemão Musik-Zeitung, o francês L’Art Musicale, o italiano Gazzetta Musicale e o espanhol El

mundo artístico. Para arcar com essas melhorias, o Club Beethoven aumentou a anuidade em

7%, levantou fundos entre seus membros, no valor de 14:000$000 réis, e fez um empréstimo

junto ao Banco Industrial e Mercantil de mais 15:797$000 réis.75 E, a partir de 1886, o Club

Beethoven propôs-se a criar uma escola de música, com cursos de iniciação musical, solfejo,

piano solo, piano acompanhador, flauta, clarinete, oboé, violino, viola, cello, baixo, gaita e

outros instrumentos de sopro, quarteto de cordas, orquestra, harmonia, contraponto e

composição, dirigidos para “o cultivo da alta-música”, mas cujo funcionamento não foi

possível comprovar.76

O Club Beethoven organizava concertos quinzenais com música de câmara e, nos dois

últimos concertos do ano, com orquestra, em adição ao festival anual Beethoven, que incluía

igualmente música sinfônica. Para tanto, mantinha um quarteto de cordas, inicialmente

constituído pelos violinistas Vincenzo Cernicchiaro e Kinsman Benjamin, o violista Luis

Gravenstein e o cellista J. Cerrone. No segundo ano, tendo o primeiro que deixar o Brasil por

um curto período, foi contratado para substituí- lo o alemão Otto Beck, recomendado,

provavelmente por intermédio de Arthur Napoleão, pelo pianista Carl Reinecke (1824-1910),

professor de composição no Conservatório de Leipzig (1860-1902) e regente do famoso

Gewandhaus (1860-1895), que, em troca, foi contemplado, juntamente com Arthur Napoleão,

com o titulo de Membro Honorário do Club, em 1884. Beck chegou ao Rio de Janeiro em 1º

de agosto de 1883 e permaneceu na cidade até sua morte.77

Em seu primeiro ano de existência, o Club Beethoven ofereceu não menos que 26

concertos de câmara e quatro concerto sinfônicos, números que permaneceram mais ou menos

constantes através da década.78 E era de iniciativa de seus diretores que muito poucos

amadores tomassem parte nesses concertos, uma característica própria do Club Beethoven,

que indica a preocupação com uma maior profissionalização, diferentemente das outras

74 Revista Illustrada, 04/02/1882. 75 Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883... 76 Estatutos da Academia de Musica do Club Beethoven , Capitulo VII, art. 18. 77 Stanley Sadie (ed.) Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.

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sociedades do Rio de Janeiro, que também contribuíam para divulgar o repertório europeu.

Como se vê da Tabela 3, que indica os músicos que tomaram parte nos eventos do Club no

biênio 1882/1883, as mulheres musicistas não eram permitidas, nem mesmo as cantoras, mas

os músicos estavam entre os melhores profissionais do Rio de Janeiro. Mais tarde, o violinista

Leocadio Rayol, o violista Paul Faulhaber e o cellista Frederico Nascimento foram

acrescentados à lista.

Tabela 3: Músicos que atuaram nos concertos do Club Beethoven nos anos 1882 e 1883

Pianistas Alfredo Bevilacqua Carlos de Mesquita Oscar Pfeiffer José de Siqueira

R. Eichbaum Alfredo Napoleão J. Queiroz Dr. Godofredo Velloso L. Mesnier Arthur Napoleão F. Moreira de Sá Eduardo de Vincenzi

Violinistas L. A. Albbé F. Bernadelli G. Foetterle

Robert J. Kinsman Benjamin Vincenzo Cernicchiaro Leopoldo Miguez Violistas

G. Bonfigliori L. Gravenstein J. Martin Violoncelistas

J. Cerrone J. Levreiro L. Marenco J. Rodrigues Villares Flautistas

Augusto Duque-Estrada Carlos Graça Clarinetista

Domingos Miguel Tenores

J. Alves de Carvalho A. Fogliani A. Kastrupe Albert Tootal A. Weguelin Barítonos

João Chaves Max Krutisch J. Dias de Mello J. Agostinho dos Reis Baixos

Carlos B. de Castro J. Cerrone Harold Hime Luigi Rossi

Fonte: Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ....

Os concertos de câmara começavam regularmente às 20h, anunciados em voz alta para

os membros reunidos no salão social. Em programa de 1885, há uma nota dizendo: “O inicio

de cada parte será anunciado pelas trombetas”.79 Em geral, também incluíam um aviso.

Pede-se ás pessoas que têm de assistir ao concerto de occupar os seus logares antes das 8 horas da noite. As que chegarem depois são rogadas a occupar os seus no

78 As datas dos concertos entre 1882-1883 foram: 04 e 18/02; 04 e 18/03; 03 e 15/04; 02 e 17/05; 09 e 26/06;

12, 19 (e xtraordinário) e 26/07; 09 e 24/08; 12 e 28/09; 12/10 (festival sinfônico); 04 e 21/11; 06 e 29/12; 17 e 31/01. Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ....

79 Biblioteca Nacional, Seção de Música.

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intervallo de uma peça e outra. Assim também as que precisarem deixar o salão durante o concerto são rogadas a não o fazerem senão nos mesmos intervalos.80

Os concertos sinfônicos anuais ocorriam na grande sala do Cassino Fluminense e

constituíam um grande empreendimento, que envolvia toda a comunidade musical do Rio de

Janeiro. A orquestra reunida para esses eventos incluía músicos da orquestra do teatro de

ópera, professores do conservatório e outros instrumentistas, membros ou não do Club. Em

1884, a orquestra consistia de 76 músicos, com 12 primeiros violinos, 10 segundos violinos, 4

violas, 4 cellos e 6 baixos. Em 1885, adicionaram-se saxofones e tubas e, mais tarde, as violas

e os violoncelos aumentaram para seis. Não se tem referencias as madeiras.

Para o concerto sinfônico de 4 de outubro de 1883, com a colaboração de Arthur

Napoleão e Otto Beck, Kinsman Benjamin escreveu um programa especial. 81 Tratava-se de

um livreto, vendido separadamente nos diversos setores do salão, com as biografias dos

compositores executados, como Beethoven, e comentários críticos sobre cada composição,

além da lista dos membros do Club, com destaque para os que se tinham envolvido na

organização do evento e do comitê encarregado da recepção das senhoras. De conteúdo

eminentemente didático, embora não isento de alguns erros de detalhes – como datar a morte

de Mendelssohn de 1851 ao invés de 1847 e o nascimento de Paganini de 1784 ao invés de

1782 – o programa preocupava-se em introduzir o repertório clássico para um público que

raramente tinha a chance de ouvir música sinfônica, a fim de ampliá- lo, confirmando, se

necessário fosse, a atitude profissional da agremiação.

Três mil pessoas compareceram ao primeiro concerto sinfônico no dia 12 de outubro

de 1882. Seu custo elevou-se a 5:993$000 réis, dos quais 5:200$000 coletaram-se entre os

membros e 793$000 retiraram-se dos fundos da sociedade. Apesar de extremamente alta, a

despesa foi considerada plenamente justificável para uma ocasião que “marcou a história da

música do Rio de Janeiro”. De acordo com o presidente do Club, Albert Tootal,

difficilmente se obteria um sucesso mais brilhante nas grande capitaes europeas onde mais facilmente se encontram os elementos necessários para tal fim, e em que uma parte muito grande da população já está educada na escola clássica.82

Para o segundo concerto sinfônico anual, em 4 de outubro de 1883, não mais

organizado por Kinsman Benjamin e, sim, por Paul Faulhaber, o Club colocou à venda

80 Programa do Concerto Sinfônico Anual do Club Beethoven – 1883 conservado na Biblioteca Nacional,

Seção de Música. 81 A participação de Napoleão e Beck na elaboração dos programas foi solicitada por Benjamin no programa do

segundo concerto em 04/10/1883 também.

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convites para seus membros ao preço de 5$000 réis cada, de modo a aumentar a receita. A

audiência de duas mil pessoas foi considerada mais apropriada para as dimensões do salão do

Cassino Fluminense.83 Em agosto de 1884, realizou-se a primeira matinée musical – feita no

salão do Cassino em agosto de 1884, às 13h – repetindo-se o sucesso, com a presença de

“toda a elite fluminense [... de ...] diplomatas, senadores, ministros, deputados, homens

illustres, e grande número de damas allegrando tudo com as suas brilhantes toilettes”.84

Em 16 de outubro de 1885, o 77º concerto do Club Beethoven continuou a atrair os

cariocas.

O programa, organizado com aquella habilidade que tanto distingue esta benemérita sociedade, estava na altura da reputação do Club. Entre as peças que foram executadas podemos citar o Andante Scherzando e Adágio e Lento do esplendido quinteto de Mendelssohn; o Adante Cantabile e Allegro Finale do trio em sol op. 27 de Onslow, executado pela primiera vez no Rio de Janeiro, e o Minuetto de Fleming, nosso compatriota, que dedicou esta composição especialmente ao Club, e uma linda Gavotta, de Celepe, obra de pouca importânc ia musical, mas escripta em um estylo gracioso e de certo effeito. O Sr. Otto Beck mostrou-se, como sempre, mestre do seu violino, executando com aquelle estylo severo e clássico, que todos conhecem, o andante e final do bello concerto de Mendelssohn e a dansa hespanhola de Sarasate. Os Srs. Dr. Costa Lima e Victor de Beauclair apresentaram diversas peças de canto, que foram bastante applaudidas. O Sr. Arthur Napoleão, o gigante do piano forte, tocou três peças, Ricordati composição delle; mazurka de Godard e a 2ª rhapsódia de Liszt, e em todas as três mostrou aquellas qualidades que lhe dão o direito de se collocar nas filas dos primeiros virtuosi da actualidade. Enthusiasmou o auditório e foi recebido com uma salva de applausos, que durou muito tempo depois de ter acabado. Continua assim o Club a justificar com esplendidas provas o alto conceito em que o tem a sociedade fluminense.85

Em 30 de outubro do mesmo ano, o 78º concerto despertou o mesmo entusiasmo do

crítico de O Paiz.

O programa, como sempre acontece nestes concertos, foi de grande interesse para os verdadeiros amadores da boa musica. Para o Club Beetoven, que desde a sua fundação tem sido a única sociedade entre nós que trata, por assim dizer, seriamente da arte musical e que tem apresentado de quinze em quinze dias, pelo espaço de quase quatro annos ininterrompidamente as obras dos grandes vultos, tanto do passado como da actualidade, os elogios tornam-se desnecessários. A melhor prova do quanto elle tem influenciado o movimento artístico, está na creação de innumeras sociedades depois que elle se fundou, as quaes, apezar de não terem a mesma importância no nosso mundo musical, tem contribuído para tirar-nos do atrazo artístico em que infelizmente se achava essa arte entre nós.

82 Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ..., p. 16. 83 Benjamin, ao retornar da Europa em 01/07/1883, passou a cuidar dos negócios da família. 84 Revista Ilustrada, 31/08/1884. 85 O Paiz, 18/10/1885.

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O programa de ante-hontem, além de apresentar duas novidades musicais de grande importância, como o octetto de Niels W. Gade, para quatro violinos, duas violas e dous violoncelos, e a serenata de Hoffmann, para flauta, dous violinos viola, violoncello e contrabaixo, annunciava a estréa de dous jovens amadores, que de certo hão de apparecer mais vezes. O pianista cearense Alberto Nepomuceno e o barytono Sr. Donald Mc. Nicoll. O primeiro tocou uma barcarola de Rubinstein, uma mazurka de Chopin e o final da 9ª sonata de Clementi. O Sr. Nepomuceno, que é ainda muito moço, mostrou sentimento e gosto artístico no tratamento destas três peças e só falta-lhe talvez mais nitidez na parte technica, para collocar-se ao lado dos nossos bons pianistas. O bello octetto de Niels W. Gade agradou muito, sendo o scherzo especialmente notável pela maneira em que se combinam os effeitos de arco e pizzicato. Foi magistralmente executado e aconselhado a sua repetição em outros concertos. A serenata de Hoffmann, que fechou o concerto de ante-hontem, é também obra musical de grande valor. O andante, escripto no estylo de musica húngara, tem uma certa semelhança com os cantos nupticos e tristes dos ciganos. A melodia que abre o alegro, dada pelo violoncello e depois em resposta pela flauta, é uma das phrases mais bellas da serenata. O Sr. Roberto Benjamin tocou duas peças, Souvenir de Haydn, de Leonard, e a Reverie de Vieuxtemps. Escusado e dizer que foi de uma correção hors ligne e que os applausos que lhe foram dispensados apenas revelam justiça da parte de seus amigos e admiradores. O Sr. Duque-Estrada Meyer agradou, como sempre, no Impromptu de Andersen, peça que serve especialmente para mostrar a qualidade de som do executante, e que foi interpretada com muito sucesso. O Sr. Dias de Mello e Donald Mc. Nicoll estavam encarregados da parte cantante. O primeiro já é conhecido dos freqüentadores do Club e sempre ali apreciado. O Sr. Donald Mc. Nicoll, que fez a sua estréa, possue uma voz de barytono de timbre puro e sympathico, e de bastante flexibilidade. Cantou com muito gosto Le Lac, de Niedermeyer, e Le Valon, de Gounod. Tomaram parte também nas peças concertantes, os Srs. Otto Beck, F. Bernardelli, M. Lichtenstein, L. Gravenstein, J. Martini Filho, J. Cerrone e J. Martini, sendo o concerto um dos melhores deste gênero que temos tido ultimamente. Nossos emboras ao Club Beethoven e á sua intelligente e digna administração.86

Em termos do repertório, durante o primeiro ano de existência do Club Beethoven,

foram executadas obras de Abt, Adam, Bach, Bazzini, Beethoven, Bériot, Bordese,

Burgmüller, Cernicchiaro, Chopin, De Vincenzi, Delsarte, Donizetti, Faulhaber, Fesca,

Giraud, Gluck, Goltemann, Gounod, Hauser, Haydn, Heller, Henrion, Hölzel, Kuhlau,

Lachner, Liszt, Litolff, Lully, Marenco, Marschner, Massenet, Mattei, Mendelssohn,

Mercadante, Meyerbeer, Mozart, Paganini, Pfeiffer, Raff, Reissiger, Rossini, Rotoli,

Rubinstein, Saint-Saëns, Schubert, Schumann, Spohr, Stradella, Tartini, Thalberg, Thomas,

Tosti, Wagner e Wieniawski. 87 A Tabela 4 sumariza as peças mais importantes, de acordo

com o relatório do Club.

86 O Paiz, 01/11/1885. 87 Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ..., p. 13-16.

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Tabela 4: Obras executadas no Club Beethoven durante os anos 1882 e 1883

Para Orquestra L. van Beethoven 5ª Sinfonia

Ouverture Fingelshöle (Gruta de Fíngal) F. Mendelssohn Concerto para Violino em Mi menor

A. Rubinstein Bailado de Feramors R. Wagner Ouverture Tannhäuser

Para Quinteto, de Cordas com Piano R. Schumann Op. 44

C. Saint-Saëns Op. 14 Para Quinteto, de Cordas com Clarinete

W. A. Mozart K. 581 Para Quinteto de Cordas

W. A. Mozart K. 516 em Sol menor F. Schubert D. 956, com dois violoncelos

F. Mendelssohn Op. 18 nº 2 J. J. Raff Op. 10 nº 1

Para Quarteto, de Cordas com Piano R. Schumann Op. 47

Para Quarteto de Cordas Op. 18 nº 1 Op. 18 nº 4 (duas vezes) Op. 18 nº 5 (três vezes)

L. van Beethoven

Op. 74 Op. 64 nº 1 Op. 64 nº 2 (duas vezes) Op. 71 nº 3

J. Haydn

Op. 76 Nº 6, K.159 W. A. Mozart Nº 12, K.172 (duas vezes) Op. 12 Op. 13 Op. 44 nº 1

F. Mendelssohn

Op. 81 J. J. Raff Op. 13 nº 4 L. Spohr Op. 45 nº 2

Para Trio com Piano Op. 1 nº 1 L. van Beethoven Op. 97 (Arquiduque)

W. A. Mozart Nº 5 em Sol Op. 49 F. Mendelssohn Op. 66

A. Rubinstein Nº 3 (duas vezes) R. Schumann Op. 63

Para Piano e Violino L. van Beethoven Op. 47 (Sonata à Kreutzer)

Para Piano Sonata Op. 2 nº 1

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Sonata Op. 2 nº 1 L. van Beethoven Sonata Op. 13 (Pathétique)

F. Mendelssohn Variations Sérieuses J. J. Raff Rigodon (La fileuse)

Op. 6 nº 3 (Mazurka) Op. 16 (Rondo em Mi bemol) Op. 31 (Scherzo nº 2 em Si bemol menor) Op. 43 (Grande Tarantella) Op. 47 (Ballade nº 3 em Lá bemol) Op. 53 (Grande Polonaise)

F. Chopin

Op. 71 nº 3 (Polonaise nº 8) R. Schumann Arabesque

2ª Rhapsodie Hongroise F. Liszt Fantasie L’Africaine Barcarolle Romance em Mi bemol A. Rubinstein Sonata em Mi menor

C. Saint-Saëns Minueto e Valsa (duas vezes) Para Voz

Adelaide L. van Beethoven L’Absence Am Meer Aufenthall Der Neugierige Der Wanderer Du bist die Ruh Erkölnig Serenata

F. Schubert

Ungeduld Ária de Elias F. Mendelssohn Frühlingslied

R. Schumann Die beiden Grenadiren R. Wagner Ária de Tannhäuser

Fonte: Club Beethoven, Primeiro relatório para o ano social de 1882-1883 ....

Nos anos posteriores, outros compositores foram incluídos, tais como: Alard, Berlioz,

Boito, Braga, Brahms, Cantú, Celega, Cerrone, Cherubini, F. David, Denza, Dotzauser,

Dreischock, Ernst, Gomes, Halévy, Händel, Hauser, Hummel, Napoleão, Nascimento,

Niedermeyer, Piatti, Ponchielle, Popp, Queiroz, Reissiger, Ries, Rode, Sarasate, Tchaikovsky,

Vieuxtemps e Widor.

Os programas de música de câmara eram organizados em duas partes, cada uma aberta

com um quarteto ou quinteto de um compositor germânico. Números vocais, interpretados por

homens, apareciam freqüentemente. As canções de Schubert eram as favoritas, especialmente

Le Voyageur (Der Wanderer). Mozart e Haydn eram sempre representados por trabalhos de

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câmara, pois nenhuma sinfonia deles foi incluída. O salão do Club Beethoven também

oferecia premières de peças de compositores brasileiros, como Nepomuceno e Miguez.

Os concertos sinfônicos tinham usualmente três partes. A primeira iniciava-se com

uma ouverture orquestral (em 1882, a Fingal’s Cave de Mendelsshon; em 1883, A Flauta

Mágica de Mozart; em 1884, Genoveva de Schumann; em 1885, a Leonora nº 3 de

Beethoven). A segunda compreendia uma sinfonia de Beethoven (em 1882, a 5ª; em 1883, a

7ª; em 1884, a 6ª; em 1885, a 3ª). A terceira parte encerrava com uma peça orquestral (em

1882, a Suite Feramors de Rubnstein; em 1883, a Valse des Syphes e a Marche Hongroise da

Dammation de Faust de Berlioz; em 1884, a Kaiser Marsch de Wagner; em 1885, o 2º

movimento da Rhapsodie Hongroise para orquestra de Liszt/Muler). No entanto, incluíam-se

igualmente peças para voz com acompanhamento de orquestra, inclusive de Rossini, embora

os organizadores dos concertos sinfônicos mostrassem uma preferência por concertos

românticos a peças solo para piano ou violino.

Não se sabe o porquê, e sem motivos aparentes, as atividades do Club Beethoven

encerrarem-se em 1890, sua sala de concerto na Rua da Gloria nº 62 transformou-se na Casa

Hecht, de manufatura de pianos. O hall foi renomeado como Salão Hecht ou Grande Salão de

Música do Estabelecimento e Fabrica de Piano do Sr. Hecht, no qual continuaram a ocorrer

concertos de música de câmara com a participação de alguns músicos ativos nos eventos do

Club Beethoven, abertos ao público através do pagamento de mensalidade (ingresso). Os

anúncios e programas continuaram referindo-se ao local, no entanto, como “ex-salão do Club

Beethoven”.

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CAPÍTULO 6:

O ESPAÇO DOS CONCERTOS

A palavra concerto, em si, não circulou no Rio de Janeiro antes dos anos de 1860. Em

meados do século, concerto ainda significava “assembléia de músicos em execução”, e a

palavra servia de sinônimo para “academia musical”.1 Academia, o termo mais em voga nesse

período, significava um evento público contendo somente música, fosse vocal ou

instrumental, envolvendo a participação de vários músicos tocando solo ou fazendo música de

câmara. Ocasionalmente, companhias líricas também ofereciam academias como alternativa

para abortadas apresentações de óperas. Na maioria das vezes, porém, ocorriam em salas de

teatros, com beneficio destinado a instituições de caridade ou a músicos locais, especialmente

os que eram membros das orquestras de teatros ou companhias líricas. Isso fica claro dos

anúncios nos jornais, em que empresários incluíam uma noite de benefício nos contratos dos

cantores, sendo o beneficiário, que tomava parte ativa na apresentação, o organizador do

evento.2 Os ingressos eram vendidos em suas casas particulares, em casas de amigos, em lojas

de música e, no dia do evento, também nas bilheterias dos teatros e em seus escritórios.

No caso de um concerto de caridade, vários músicos tomavam parte da promoção. Em

16 de outubro de 1837, o tenor Cândido Ignácio da Silva (1800-1838), que também foi

violinista e compositor, e deixou um grande número de modinhas, organizou, junto com

outros músicos, no Theatro Constitucional Fluminense, uma típica “Academia de música

vocal e instrumental” em proveito da Sociedade Beneficência Musical, que Francisco Manuel

da Silva organizara em abril de 1834, com o seguinte programa:

Primeira Parte

1. Nova abertura do Lestocq de Auber 2. Introdução do Coradino: Gabriel Fernandes da Trindade, João dos Reis Pereira,

e coro 3. Variações para English horn [sic, ou seja, corne inglês] de Januário da Silva:

Francisco Motta 4. Dueto de Bianca e Faliero de Rossini: Elisa Piacentini e Cândido Ignácio da

Silva 5. Variações para clarinete: João Bartolomeu Klier 6. Ária de Tancredi de Rossini: João Francisco Fasciotti

1 “Concerto [...] assembléia de músicos em execução então é syn. de academia musical”; Raphael Coelho

Machado. Diccionario Musical. Rio de Janeiro, Typografia do Commercio de Brito e Braga, 1855, p. 28. 2 Delso Renault. O Rio Antigo nos Anúncios de Jornal. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984.

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7. Introdução de Semiramide de Rossini: Elisa Piacentini, Cândido Ignácio da Silva, João dos Reis Pereira e coro.

Segunda Parte

1. Nova abertura de Le Cheval de bronze de Auber 2. Arie de Vaccai: Cândido Ignácio da Silva e coro 3. Alegre [sic] do concerto para forte piano de Kalkbrenner: Francisco Muniz 4. Dueto de Tancredi de Rossini: João Francisco Fasciotti e Gabriel Fernandes da

Trindade 5. Nova variação para ‘corneta de chaves’ de Cândido de Ignácio da Silva:

Desiderio Derison 6. Introdução de Adia de Rossini: Cândido Ignácio da Silva, Gabriel Fernandes da

Trindade e João dos Reis Pereira

N. B. Tickets estarão a venda na casa de Cândido Ignácio da Silva, Rua da Alfândega nº 50.3

Na realidade, recitais públicos com um único solista não apareceriam no Brasil até o

final do século XIX. Até então, o que predominavam eram performances teatrais ou

produções operísticas, no intervalo das quais um virtuose célebre fazia sua apresentação. Isso

foi o que aconteceu com o violinista Francisco de Sá Noronha (1820-1881), que, em 26 de

novembro de 1856, no Theatro Gymnasio Dramático, tocou entre os cinco atos da peça As

Mulheres de Mármore.4 Nem mesmo o pianista Arthur Napoleão escapou dessa tradição,

como evidencia o programa de um de seus primeiro concertos no Rio de Janeiro.

Lyrico Fluminense: Sexta Feira, 6 de junho de 1866 Concerto de ARTHUR NAPOLEÃO E Sr. Vasques, artista do Theatro Gymnasio, em uma de suas melhores cenas cômicas. Grande fantasia sobre motivos da ópera Luiza Miller, composta e tocada por ARTHUR NAPOLEÃO. Tocada em quatro atos, Heloiza Paranquet do Theatro Gymnasio. Em intermezzo entre o segundo e terceiro ato: Fantasia-Concerto sobre motivos da ópera Africana de Meyerbeer, para piano e grande orquestra composta e tocada por ARTHUR NAPOLEÃO Depois de tocar Heloiza Paranquet, será apresentado o Grande Capricho sobre a valsa e dueto da ópera Fausto composta e tocada por ARTHUR NAPOLEÃO. Ingressos estão disponíveis na casa do Sr. Inaley Pacheco, Rua do Ouvidor nº 102, ou na loja de música do Sr. Canongias, Rua do Ouvidor nº 111, e no dia do espetáculo, nos escritórios e bilheterias do teatro, com os seguintes preços: camarote de primeira fila, 20$; camarotes de segunda fila, 25$; terceira fila de camarotes, 12$; quarta fila 6$; primeira classe de cadeiras, 2$; segunda classe de cadeiras, 2$.5

3 Jornal do Commercio, 11/10/1837. Durante a regência o Theatro São Pedro de Alcântara era chamado de

Constitucional Fluminense entre 1831/38. 4 Jornal de Commercio, 25/11/1856. 5 Jornal do Commercio, 05/07/1866

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Os críticos consideravam esse tipo de espetáculo, que combinava música e teatro, “digno de

uma seleta audiência”, e até os concertos de Gottschalk no Rio de Janeiro, três anos depois,

continuaram a seguir o mesmo formato.6

Quando não dividiam o espaço com as representações teatrais, os músicos famosos

que visitaram o Rio de Janeiro viam-se obrigados a colaborar com os músicos estabelecidos

ou com outros visitantes ilustres como eles. Como aconteceu durante a estadia do pianista

austríaco Sigismund Thalberg. Chegando ao Brasil pela primeira vez em 10 de julho de 1855,

Thalberg permaneceu seis meses na cidade (embora interrompidos por uma viagem ao Prata)

e ofereceu seis concertos no Rio de Janeiro, além de aparecer várias vezes em salões privados,

sempre executando suas próprias fantasias sobre temas operisticos. Apesar dos altos preços

dos ingressos e da epidemia de cólera que grassava naquela ocasião, seus concertos públicos

ficaram lotados, mas, em duas ocasiões, apresentou-se a dois pianos e, nas demais, teve que

dividir as glórias com o regente Gianinni e diversos cantores, entre os quais a soprano

francesa Anne Arsène Charton-Demeur (1827-1892), que fora escolhida por Verdi para a

première de O Rigoletto em 11 de março de 1851, e a contralto Annetta Casaloni, que iria

cantar o papel de Dido na estréia francesa de Les Troyens de Berlioz em 4 de novembro de

1863, tendo ambas chegado ao Rio de Janeiro em 1854, aparecendo inicialmente a primeira

em La Sonnambula de Bellini e a segunda, em La Cenerentola de Rossini.7

Academias ou concertos de beneficio eram também inseridos em grandes eventos

chamados divertimentos. Consistiam usualmente de uma abertura orquestral, à qual seguia-se

uma peça teatral, mais alguma música (ou vice-versa), e concluía-se com um ato cômico,

precedido ou seguido por um número de dança. A maioria dos instrumentistas e cantores

participavam desses eventos, às vezes apresentando suas próprias composições.

Freqüentemente, entretanto, os divertimentos estavam incluídos como parte da subscrição de

temporadas de representações teatrais, servindo as performances musicais apenas como um

ornamento inicial ou para preencher os intermezzi. Para exemplo, basta esse beneficio de José

Joaquim Lodi, em 1837:

Theatro Constitucional Fluminense

Hoje sexta feira 9, em beneficio de José Joaquim Lodi. Depois de hum tocantes elogio de gratidão recitado pelo Sr. João Caetano dos Santos, terminado por hum hymno composto e executado pelo beneficiado, haverá uma academia, na qual o

6 Jornal do Commercio, 06/07/1866. Ver também Francisco Curt Lange, Vida y Muerte de Louis Moreau

Gottschalk en Rio de Janeiro (1869), Revista de estudos musicales , 2/6, 1951, p. 315-316. 7 Jornal do Commercio, 25/07/1855; cf. Ayres de Andrade, op. cit., v. 1, p. 232-4.

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mesmo executará os duetos da Gazza Ladra, e Frociondy, com a Srª. Elizia Piacentini; os de El Sepulchro, com o Sr. Gabriel Fernandes Trindade; huma canção franceza, de L’Eclair Quand de la nuit, etc., que foi cantada em Paris por Chollet, musica de Halèvy; humas novas variações no forte piano magnetisado; e outras na flauta, executadas pelo Sr. Francisco Mota. Seguir-se-há o muito applaudido drama em três actos A ÓRFÃ, ou A ultima assembléia dos condes livres, por Luiz Antonio Burgain; rematando-se o espetáculo com huma muito graciosa farsa. As ouverturas todas serão novas, de Carafa, Beetowin [sic] e Mercadante; haverá a característica hespanhola, feita sobre a Caxuxa, os Boleiros,a Tyranna, etc., etc., e executada nos primeiros concertos da Europa. A orchestra será muito augmentada, e o theatro brilhantemente illuminado. A distribuição do divertimento será annunciada pelos cartazes. N.B.: O beneficiado tem mais a satisfação de advertir ao respeitável publico, que os Srs. Proprie tários do estabelecimento de pianos, etc., etc., de Muller e Heinen, Rua Nova do Ouvidor nº 36, tiverão a bondade de o servir para seu beneficio, com hum piano inglez, hum dos melhores instrumentos que chegarão a esta corte.8

Dois anos depois, provavelmente pela primeira vez no Rio de Janeiro, a sinfonia nº 1

(1801) de Beethoven, em versão orquestral, foi ouvida num desses concertos, organizados

pelo violinista Francisco Schmidt e pelo pianista francês Carlos Neyts:

Grande Concerto vocal e instrumental dado pelos Srs. Francisco Schmidt e Carlos Neyts. A Orchestra, composta de 40 músicos, os mais hábeis desta corte, e dirigida pelo Sr. Schmidt, executará, entre outras peças brilhantes, a grande synphonia em Ut maior do celebre Beethoven, e a ouvertura de Guilherme Tell, ambas notáveis pela belleza e difficuldade da execução.

Programa: Primeira parte. Guilherme Tell (overture), Rossini; Ária, cantada pelo Sr. Schweers; La première heure (quadrilha), Musard; Variações concertantes para piano e rabeca, executadas pelos Srs Schmidt e Neyts (Herz e Lafont); Romance franceza, cantada pelo Sr. Scmidt; Grande symphonia em ut maior, Beethoven.

Segunda parte. Le domino noir (ouvertura) Auber; I Puritani (duo), cantado pelos Srs. Schweers e Guigon (Bellini); Variações de cornet a piston, pelo Sr. Cavalier; ária, cantada pelo Sr Schmidt; solo de piano, cantado [sic] Sr. Neyts; I Puritani (quadrilha de Musard), motivos de Bellini; Rosita (valsa castilhana) Julien. O concerto terá lugar no dia 30 de março, na sala do theatrinho da Rua de S. Francisco de Paula, e começará ás 8 horas da noite em ponto. O resto dos bilhetes acha-se na Rua do Ouvidor, nº 65 e 84; Quitanda nº 77; e Ourives nº 43. Terão entrada na galeria somente os chefes de família, ou homens que acompanharem senhoras.9

Dessa forma, os programas, em geral, consistiam de numerosas peças curtas de

diferentes gêneros e podiam chegar até três ou quatro horas de duração, dependendo de

quantos intermezzi houvessem. Depois dos anos 1870, quando um grande movimento

instrumental começou a ser incluído regularmente, foi comum a prática de saltar, omitir

movimentos ou separar partes da obra no interior do programa. Esse tipo de divisão ocorreu,

por exemplo, quando o primeiro movimento do Septeto Op. 26 de Friedrich Fesca (1779-

8 Jornal do Commercio, 09/06/1837

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1826) abriu um dos Concertos Patti em 4 de julho de 1870, e o segundo movimento foi

tocado no inicio da segunda parte do concerto.10 Programas impressos passaram a ser

distribuídos regularmente nos anos 1870, mas somente em meados dos anos 1880 surgiram as

informações como é de hábito fazer-se atualmente. As obras eram constantemente indicadas

sem as divisões de seus movimentos, o que torna difícil de determinar se ela era tocada

integralmente ou não.11

Os anúncios de jornais constantemente se referiam à orquestra que tocava aberturas no

inicio de cada uma das partes e que, principalmente, encarregava-se do acompanhamento dos

números solo. O concerto organizado por Francisco Schmidt e Carlos Neyts em 1839, um dos

primeiros a trazer essa informação, envolveu uma orquestra de 40 músicos. Um ano antes, o

concerto em benefício do cantor Joaquim Lody incluía apenas “huma numerosissima

orchestra”,12 e outro, em beneficio do violinista José de Giovanni, no mesmo ano, tinha uma

“orchestra augmentada com pancadaria [percursão] e mais professores”.13 Em 1854, um

concerto apresentado pela Sociedade Saengerbund incluiu uma orquestra de 50

instrumentistas e um coro de 30 cantores para executar obras do repertório germânico. Em

1870, os empresários dos Concertos Patti foram capazes de reunir uma orquestra de 50

músicos, ampliada para 60 na segunda série. Doze anos depois, os concertos sinfônicos do

Club Beethoven dispunham de uma orquestra com 75 instrumentistas. Já em 1901, os

concertos sinfônicos de Mesquita e Francisco Braga anunciavam uma orquestra de 52

músicos, menor do que a do Club Beethoven. Quanto às orquestras de bailes, as informações

são poucas e esparsas, contando aquela para os bailes à Musard com apenas 40 músicos,

embora numa especial festividade, em 5 de maio de 1866, tenha sido acrescida de mais dez

músicos.14

Não obstante, em 24 de novembro de 1869, Gottschalk conseguiu reunir no Theatro

Lyrico Fluminense 650 músicos para o seu concerto monstro. O conjunto incluía várias

bandas militares, orquestras de amadores, mas apenas 70 profissionais.15 A idéia de organizar

uma grande força orquestral desse tipo captou a imaginação do público e, em 30 de dezembro

9 Jornal do Commercio, 28/03/1839 10 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva... 11 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva... 12 Jornal do Commercio, 28/08/1838. 13 Jornal do Commercio, 05/09/1838. 14 Jornal do Commercio, 05/05/1866. 15 Jornal do Commercio, 24/11/1869; ver também Curt Lange, “Vida y muerte de Louis Moreau Gottschalk en

Rio de Janeiro (1869)”, Revista de Estudios Musicales 2/4 (1950), 133-134.

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de 1871, o Jornal do Commercio anunciava um concerto com a participação de 896

músicos.16 No amplo salão do Cassino Fluminense, um concerto organizado por Arthur

Napoleão e Leopoldo Miguez, em 10 de setembro de 1882, reuniu um coro amador de 80

vozes e orquestra de 80 músicos profissionais, em beneficio do Lyceo de Artes e Officios e do

Lyceo Litterario Portuguez.17 Esses devem ter sido os limites máximos que as condições da

época permitiam.

Na realidade, a inclusão de sinfonias, aberturas ou concertos nos programas não exigia

necessariamente uma execução orquestral. Particularmente nos concertos de pequenas

sociedades, cujas salas não poderiam comportar grandes conjuntos, as sinfonias acabavam

tocadas por um grupo reduzido. Um exemplo foi o concerto vocal e instrumental oferecido

pelo Congresso Gymnastico Portuguez, em 25 de setembro de 1885, o qual, “perante regular

concurrencia, [começou] com uma symphonia para quartetto de cordas e piano, sobre motivos

da opera Guilherme Tell [...] [sendo depois] executada ao piano, violino, flauta e violoncello a

‘Synphonia’ do Freischütz, de Weber”18.

Quanto ao repertório, embora fossem publicadas em larga quantidade, modinhas e

lundus pouco eram ouvidas nas salas públicas. Aparentemente, destinavam-se somente ao

entretenimento caseiro e assim permaneceram até o fim do século XIX. 19 Entretanto, em

meados do século, arias e trechos de óperas italianas e francesas competiam com as modinhas

no ambiente doméstico, como se percebe no Jornal das Senhoras de 27 de março de 1852.

Geralmente aprecião-se muitos as árias e duettos italianos, outros são fanáticos pelos romances francezes, e a moda prevalesce sempre na cantoria, ao ponto de serem despresadas musicas de alto merecimento, por serem antigas. Eu porêm (e comigo muita gente) sou o resumo de todas essas inclinações ou gostos, por que gosto de tudo que é bem cantado, segundo é a hora a occasião e o logar. Ora está claro que nos theatros quero ouvir os coros, as árias, os duettos italianos, mas nas salas de intimidade, prefiro as nossas Modinhas, entoadas por uma voz angélica, expressiva no verso, e engraçada ou sentimental na execução. E se ella canta depois um lundu! Meu bom Jesus, que fico elétrico! Que movimento risonho vae na sala! Os meninos chegão-se para o piano, os velhos babão-se de gosto, os moços ficam perdidos, e como que enfeitiçada fica toda a reunião. Nenhuma heresiarca musical poderá contestar os effeitos diversos, mas agradáveis, que produzem as nossas Modinha e Lundus.20

16 Jornal do Commercio, 29/12/1871. Esse concerto, organizado por A. Agostini, teve a participação de vária

sociedades musicais, incluindo a Philarmonica Fluminense, músicos de teatro, bandas militares, estudantes do conservatório; a orquestra foi regida por J. White, diretor do Club Mozart.

17 Jornal do Commercio, 10/09/1882. 18 Jornal do Commercio, 27/09/1885. 19 Ver Mário de Andrade, Modinhas Imperiais, São Paulo, Casa Chiarato, 1930, p. 5-7. 20 Jornal das Senhoras, 27/03/1852.

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Na realidade, o público do Rio de Janeiro ia ao teatro para ouvir músicas italianas e

francesas. Poucas instâncias havia de músicas em português sendo tocadas fora dos círculos

familiares. Em 8 de agosto de 1854, o concerto em benefício de Clotilde Favrichon, no

Theatro São Pedro de Alcântara, não deixou de apresentar, porém, um “variado espetáculo em

português e francês”, que incluíram dois vaudevilles e uma peça em dois atos, além de várias

danças no intervalo e uma “Canção em língua nacional, composta por um dos nossos

maestros, [na qual a beneficiada exprimia] sua gratidão ao povo brasileiro”.21 E, em 1846,

durante os concertos em beneficio de Margarita Deperini, a Candiani cantou uma Romanza e

o Buffo Terzetto em português, com música do imigrante italiano Tornaghi.22

Música de dança, por sua vez, era regularmente apresentada em bailes e nos intervalos

dos teatros, mas raramente como números de concerto. Julien, Musard, ambos os Strauss e

outros europeus, além de poucos compositores nativos, dominavam os bailes das sociedades

privadas e bailes de máscara (carnaval) dos teatros, em que atuavam orquestras profissionais,

tocando valsas, quadrilhas, polkas (depois dos anos 1840) e, mais tarde, schottisches. Danças

baseadas em temas operisticos estavam especialmente em moda nos intermezzi. Entretanto,

nas performances teatrais, os números de dança mais populares baseavam-se em tipos

híbridos, como a caxuxa, o sorongo,23 o miudinho,24 e outros, tais como as danças espanholas

(boleros e tiranas). Notável é observar a inclusão de danças de características afro-brasileiras,

como o coco,25 num espetáculo do Theatro São Pedro de Alcântara em 5 de outubro de 1850,

no qual foi apresentado um “Dançado dos cocos, pelos pretos”.26 Ao mesmo tempo, todas

essas peças, incluindo as danças populares, circulavam em reduções para piano, destinadas ao

entretenimento familiar.

21 Jornal do Commercio, 18/08/1854. 22 Jornal do Commercio, 03/01/1846. Em 1845, Candiani tinha cantado no teatro a modinha de Machado A

Sepultura de Carolina com texto de M. Lemos de Magalhães; ver Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo, vol I, p. 205.

23 Dança de origem espanhola (zo rongo) relacionada ao bolero e executada por um dançarino solo. 24 Dança de corte da virada do século XIX, dançada por casais abraçados. O miudinho mais tarde foi aceito nos

bailes populares. Renato de Almeida em seu livro História da música brasileira, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1942. Relaciona o miudinho com as primeiras versões do maxixe; ver Enciclopédia da Música Brasileira, Vol. I, p. 491.

25 Dança em tempo cortado (sincopado), provavelmente de origem africana, dançada no Rio de Janeiro no fim do século XVIII e século XIX. Foi descrita por Oneyda Alvarenga como, dança comum solista que canta uma linha melódica, seguido por um coro que bate palmas ao redor do solista.

26 Jornal do Commercio, 28/09/1850.

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A Fazenda de Santa Cruz

Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1808, D. João instalou-se, de inicio, no Paço, antiga

residência dos vice-reis, no coração da cidade. Mais tarde, o grande negociante de escravos

Elias Caetano Lopes ofereceu- lhe o palácio da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão. Além

dessas propriedades, ainda tinha à disposição uma coutada – quer dizer, uma área de caça –

na ilha do Governador e a Fazenda de Santa Cruz.

A cerca de sessenta quilômetros a oeste da cidade, essa fazenda pertencera aos

jesuítas, mas, extinta a ordem e expulsos os padres do Brasil pelo marquês de Pombal em

1759, foi confiscada e incorporada aos bens da Coroa, que passou a administrá- la, em geral,

com pouco sucesso. Ocupava uma grande área, que ia das ilhas Guaraqueçaba e de Itinguçu à

serra de Mata-Cães em Vassouras, compreendendo os campos da bacia do rio Guandu e

fazendo limites com Guaratiba, Marapicu e Mangaratiba.27 Obras de engenharia hidráulica

dos inacianos haviam transformado os campos pantanosos em lavouras e pastos, com mais de

onze mil cabeças de gado. No momento da expulsão, a fazenda reunia cerca de 1600 escravos,

cujas moradias se distribuíam por ruas que convergiam para o largo, com uma grande cruz de

madeira, que ficava em frente à residência dos padres. Esta tinha proporções simples e

aparência de convento. No altar da capela, um dispositivo em forma de concha podia abrir-se

e fechar durante as cerimônias, causando um grande efeito visual. 28 E, no largo, festejavam os

habitantes da região, anualmente, no mês de maio, o dia da Santa Cruz. 29

Em 1817, o prédio foi reformado, ganhando aposentos amplos, e redecorou-se a

capela, tudo ao gosto e conforme os costumes dos palácios reais portugueses, para que a

Fazenda de Santa Cruz passasse a ser a residência de verão da família real.30 Local de recreio,

além da tradicional festa de maio e daquela de Nossa Senhora da Conceição, em novembro,

27 Para maiores informações ver J. de Saldanha da Ga ma, História da imperial Fazenda de Santa Cruz, Revista

do IHGB, v. 38, 1875 e B. Freitas, Santa Cruz – Fazenda jesuítica, real, imperial, 2v, p. 206. 28 “[...] fizeram construir uma grande esfera oca, de madeira leve, que ora se fecha e ora se abre pelas duas

metades, ficando ainda unidas pela linha posterior, com superfície pintada de verde e guarnecida de estrelas douradas, e os bordos ornamentados com raios salientes de áureo brilho. No momento em que os sacerdotes chegavam ao altar abria-se esta magnífica concha, e o Santíssimo Sacramento ostentava-se esplêndido no seio de uma rica custódia alumiada por 72 velas de cera, distribuídas por todos os degraus do trono!”. Saldanha da Gama, “História ..., p. 211.

29 “[...] a festa consistia em uma brilhante iluminação à giorno do perímetro ocupado por aquele eloqüente monumento: lampiões e archotes às centenas; danças populares e frenéticas, cânticos profanos e religiosos, era no templo, e durante a noite em face do imponente sinal da redenção. Esse costume o tempo não fez desaparecer, porque ainda hoje se celebra a festa da Santa Cruz o dia assinalado do mês de maio [...]”, idem, ibidem.

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ali ocorreram inúmeras festividades que ficaram registradas, como aquelas ordenadas por D.

João para celebrar o fim da revolta de Pernambuco em 1818, a procissão de Corpus Christi em

1819 e as festas da Semana Santa em 1820. Em todas, havia alegorias, procissões e missas na

capela toda paramentada, luxuosas tapeçarias nas janelas do palácio, profusa iluminação, que

podia consumir até vinte arrobas (cerca de 300 kg) de cera, fogos, salvas e música.

Em 1822, Maria Graham maravilhou-se com a vista magnífica das extensas planícies

entre o mar e as montanhas.

O próprio palácio ocupa o lugar do velho Colégio dos Jesuítas. Três alas modernas: a quarta contém a bela capela dos reverendíssimos padres e uns poucos aposentos aceitáveis. A parte nova foi feita pelo rei D. João VI, mas os trabalhos se interromperam com a sua partida. Os apartamentos são belos e mobiliados com conforto. Neste clima, as tapeçarias de parede, quer de papel, quer de seda, estão sujeitas a rápido estrago por causa da umidade e dos insetos.

Impressionou-se ainda com o reboque das paredes, feito de barro amarelo, com cornijas,

barras e frisos pintados de belos desenhos de arabescos compostos de frutas, flores, pássaros e

insetos do país: “Tudo criado por artistas mulatos e negros crioulos”.31

Relevante para este trabalho é o fato de que na Fazenda de Santa Cruz constituiu-se

igualmente um conjunto de escravos músicos que participaram da vida musical do Rio de

Janeiro. A Tabela abaixo, embora muito posterior ao período joanino e embora cerca de 30%

deles estivesse empregado em outros locais, permite aferir uma idéia da participação que

tinham no conjunto da escravaria.

Tabela 1: Mapa da escravatura da Imperial Fazenda de Santa Cruz (junho de 1847)

Empregos H Rapazes M Raparigas Meninos Meninas Soma Carpinteiros 31 22 - - - - 53

Falquejadores, e Serradores 09 - - - - - 09 Pedreiros 32 07 - - - - 39 Tanoeiros 02 - - - - - 02

Ferreiros, e Serralheiros 16 02 - - - - 18 Lombilheiros 01 01 - - - - 02

Cortidores 02 - - - - - 02 Oleiros 20 08 - - - - 28

30 Não teve sucesso a iniciativa do conde de Linhares de transformá -la em granja modelo, com plantações de

chá, aproveitando a mão de obra de colonos chineses trazidos de Macau. Cf. Heitor Lyra. História de d. Pedro II. (1938-40). São Paulo, Belo Horizonte, Edusp, Itatiaia, 1977, v. 3, p. 287.

31 Maria Graham. Diário de uma viagem ao Brasil – Segunda visita, 1822. São Paulo, Nacional, 1956.

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Cavoqueiros 09 - - - - - 09 Sacristães 02 - - - - - 02

Enfermeiros 11 04 05 - - - 20 Serviço do Campo 25 09 - - - - 34

Às Ordens do Superintendente - - - - - - - No Armazem 01 01 - - - - 02

Na Cozinha das Crianças - - 02 - - - 02 Carreiros, e Candieiros 12 07 - - - - 19

Feitores 08 - 09 - - - 17 Esquadras Ambulantes 39 88 323 152 - - 602

Parteiras - - 02 - - - 02 Valetudinários 29 - 22 - - - 51

Nos Teares - - 43 - - - 43 Amas de Cegos, e Crianças - - 27 - - - 27

Velhos, e Achacosos 17 - 50 - - - 67 Menores de 7 anos - - - - 165 170 335 Primeiras Letras - 22 - 05 - - 27

Músicos 01 - - - - - 01 Aprendizes de Músicos 01 13 01 06 - - 21

Destacados nas Quintas, e Paços e outras repartições da

Coroa Imperial 102 75 98 70 27 27 399

Desertados 17 - 01 - - - 18 Tambor 02 - - - - - 02 Totaes 389 259 583 233 192 199 1353

Fonte: Apud Lilia Moritz Schwarcz. As Barbas do Imperador. São Paulo, Cia das Letras, 1998. p. 44 (original encontra-se no Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro).

Iniciados pelos mestres jesuítas, esses cativos formavam corais e aprendiam a tocar

instrumentos. Durante os cinqüenta anos entre a expulsão da Companhia de Jesus e a chegada

da família real, quando a fazenda passou por um processo de estagnação e decadência, eles

continuaram, como puderam, a exercer o seu ofício, formando novas gerações e dando

seqüência à tradição. Dali saiu, inclusive, Salvador José, um dos professores de José Mauricio

Nunes Garcia, e cantores negros, que ficaram conhecidos atuando na cidade, como o

modinheiro Joaquim Manuel. Por isso, chegou-se a falar, de maneira inapropriada, em um

‘Conservatório de Santa Cruz’,32 e assumiu-se que constituíra

32 Bendicto Freitas. Santa Cruz – Fazenda jesuítica, real, imperial. Rio de Janeiro, s.e., 1985/87.

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o primeiro estabelecimento em que a música teve sério cultivo, sendo certo que ali se educaram virtuoses notáveis, não só [instrumentistas] como cantores aptos para todas as solenidades do culto e também para execução de óperas.33

Não obstante, a atividade musical em Santa Cruz recebeu novo impulso com D. João,

que se encantou com a orquestra e os escravos cantores, ficando, no dizer de um cronista,

estupefato e tomado de indizível alegria ao encontrar no famoso conservatório dos jesuítas, uma capela coral como nunca tinha havido no Brasil, o mesmo acontecendo aos fidalgos, nobres e eméritos músicos que o acompanhavam.34

Logo que os ouviu, D. João requisitou os primeiros violino, clarinete e fagote, bem como as

cantoras Maria da Exaltação, Sebastiana e Matildes, para integrar a orquestra da Real Capela

do Paço da Boa Vista, que se apresentaria em uma cerimônia especial.35 Em sua estadia de

1816 na fazenda, levou consigo o padre José Maurício, que atuou nessa ocasião como mestre

dos escravos músicos.

Já Pedro I pouco utilizou a fazenda, mas seu filho não deixou de ir a Santa Cruz,

fugindo do calor da cidade para fazer o papel de fazendeiro cioso de suas terras. Suas idas,

porém, rarearam após a morte do filho na propriedade, levando-o à construção de um novo

palácio de veraneio em clima mais ameno, no alto da serra dos Órgãos.36 Aliás, o soberano

não construiu apenas um novo palácio de veraneio, mas toda uma cidade, e, pretendia ele, à

sua imagem e semelhança: Petrópolis. Apesar disso, os rituais religiosos continuaram a

ocorrer no local, com ou sem a figura do imperador. E, mais tarde, festas e bailes para a corte,

como bem gostavam a princesa Isabel e o conde D’Eu, eram promovidos naquele palácio,

aonde se chegava após curta viagem. Em 1885, uma convidada para um baile da princesa

gastou, em trem expresso, pouco mais de uma hora para ir até lá.37 Nessa época, eram três os

trens que iam e voltavam diariamente.38

Por outro lado, uma banda, criada originalmente em 1818, depois denominada Banda

de Música da Imperial Fazenda, manteve os músicos de Santa Cruz em atividade. O grupo,

quando solicitado, percorria todos os cantos da província, tocando em solenidades, festas,

33 O Paiz, 10/10/1908. 34 Bendicto Freitas. Santa Cruz..., p. 130. 35 Bendicto Freitas. Santa Cruz..., p. 130. 36 D. Pedro Afonso, nascido em 1848 e herdeiro do trono, morreu na Fazenda de Santa Cruz em 10 de janeiro

de 1850, quando a família lá passava o verão. 37 Carta de dona Maroca, mulher do conselheiro Soares Brandão, de agosto de 1885, em Lyra, História de d.

Pedro II ..., v. 2, p. 63. Segundo o autor, a princesa realizava um ou dois grandes bailes por ano ali. 38 Almanak administrativo, mercantil e industrial do império do Brasil . Rio de Janeiro, H. Laemmert & C.,

1883-1888.

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bailes. Aliás, José de Alencar, em O tronco do ipê,39 narra a ocorrência de uma festa na casa

de um rico fazendeiro em que não faltou nada, nem mesmo “o som de música dos pretos da

fazenda, que tocavam quadrilhas e valsas”, indicando um costume de se empregar escravos

cantores e instrumentistas em ocasiões especiais.

Na década de 1830, a banda contava com 36 músicos: trinta instrumentistas e seis

cantoras. Em 1856, havia um mestre, quatro cantoras no coro e 22 instrumentistas, e

participou dos festejos do Divino Espírito Santo, em Itaguaí, que se estenderam durante dez

dias.40 Destacava-se então o escravo Antonio José, primeira flauta, que em 1860 recebeu de

Pedro II a carta de liberdade, “por suas execuções primorosas, que tanta fama emprestavam à

banda da Fazenda”.41 De fato, o imperador foi bem claro:

Na aula de música ouvi um excelente flautista, um bom cornete-a-piston e uma requinta já inferior mas sofrível. Uma escrava cantou afinada a bela ária da Elvira [...]. O todo da orquestra incomoda às vezes os ouvidos; mas ainda assim acham-se adiantados e o mestre Joaquim de Araújo Cintra parece zeloso.42

A banda fazia boa figura também na aparência. Reorganizada, trocou a calça e jaqueta

do velho uniforme por um reluzente fardamento: azul, com quepe da mesma cor, guarnição

vermelha, galões e botões dourados. Um cinturão preto envernizado ostentava fivelões

dourados, que foram substituídos por prateados em 1888. Os sapatos eram pretos e, a partir de

1871, fornecidos pela Casa Clarck.43 Em 1841, a banda apresentou-se em um baile oferecido

por D. Pedro II no Paço da Cidade, e, pela descrição de um oficial da marinha americana, os

trajes usados pelos músicos eram “de muita gala”:

Finalmente o camareiro da corte, com seu pequeno bastão encabeçado de ouro, deu o sinal e, no fundo do salão, uma banda de 13 ou 14 músicos negros, em trajes de veludo vermelho enfeitados e listrados de renda dourada, começou a tocar uma alegre valsa.44

39 J. de Alencar. O tronco do ipê , (1871). São Paulo, Ática, 1995, p. 100. 40 O padre José Mauricio e os irmãos Marcos e Simão Portugal. Posteriormente, com a reorganização da banda,

novos mestres se destacaram: Inácio Pinheiro da Silva, o reorganizador, Carlos José Maria, João Targine das Chagas (1849), Francisco de Sant’Ana (1852), José Joaquim Goiano e Joaquim de Araújo Cintra (1856). De 1860 a 1862 a banda foi regida pelo chamado Escravo Mestre. Em 1864, o mestre era José Martins Leandro Filgueiras. Em 1872, Joaquim Antônio da Silva era regente da orquestra e apresentou, no Palácio de Santa Cruz, a ópera de Carlos Gomes O Guarani. Mannuel dos Santos Ventura assumiu em 1875. Cf. Bendicto Freitas. Santa Cruz..., v. I, p. 151.

41 Bendicto Freitas. Santa Cruz..., v. I, p. 151. 42 Diário do Imperador D. Pedro II , 1860. – Museu Imperial de Petrópolis. Apud Bendicto Freitas. Santa

Cruz... 43 Bendicto Freitas. Santa Cruz..., p. 148. O autor fala em dois modelos de fardamento: um de verão, outro de

gala, mas só descreve o citado. 44 Horner (1841-42), Apud, Gilberto Ferrez. A fotografia no Brasil (1840-1900). Rio de Janeiro, Funarte, 1985.

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Tocavam de tudo: rabecas, violoncelos, clarinetas, rabecões, flautas, fagotes,

trombones, trompas, pistons, requinta, bumbos, oficlides, flautins de ébano, bombardinos e

bombardões. Executavam marchas militares e patrióticas, valsas, modinhas, quadrilhas. E

óperas, as de preferência de D. Pedro II e de D. Teresa Cristina. Era por isso mesmo que a

Casa Imperial pagava as despesas: partituras, métodos, cadernos pautados, instrumentos e

peças como cordas, peles, chaves, arcos e varas, que eram fornecidos pela Casa Arthur

Napoleão. Uma idéia de quem eram esses escravos talentosos pode ser obtida do documento

transcrito abaixo, sob a forma de uma tabela:

Tabela 2: Relação dos músicos escravos da Imperial Fazenda de Santa Cruz (1860)

Nº Nomes Instrumentos que Tocam Conduta

01 João Francisco Rebeca Boa 02 Fernando Joaquim Rebeca Boa 03 Carlos José Rebeca Boa 04 Calixto da Cruz Rebeca Boa 05 Manoel dos Passos Violeta Regular 06 Florentino Pereira Violão Selo Regular 07 Sebastião Esteves Violão Selo Regular 08 Belisário Joaquim Contra Baixo Boa 09 João Ignácio Contra Baixo Regular 10 Antonio José Flauta Regular 11 João do Carmo Flauta Regular 12 Joaquim Cordeiro Clarineta Boa 13 João Fernandes Clarineta Rebelde 14 Manoel dos Santos 2º Clarineta Regular 15 Manoel de Sta. Anna Piston Boa 16 Targure José Piston Regular 17 Virgilho Joaquim Clarin Rebelde 18 Pedro Maria Trompão Regular 19 João Leocadio Trompão Regular 20 José Teixeira Trompão Regular 21 Manoel Alves Trombone Regular 22 Joaquim Gonsalves Trombone Regular 23 Narciso de Lemos Trombone Embreagado 24 Ignácio José Requinta Regular 25 Carlos Maria Basso Regular 26 Luiz de Sta. Anna Basso Embreagado 27 Firmino Mendes Tenor Embreagado

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Fonte: Museu Imperial de Petrópolis – D. 1059 Ainda em 1887, segundo o Almanak Laemmert, eram 31 músicos negros que integravam a

banda.45

Salões Privados

No Rio de Janeiro do século XIX, a música, enquanto uma atividade autônoma, passou

a ser executada em diferentes lugares e em diferentes circunstâncias, apesar de algumas

características específicas, como se verá. Quatro eram os principais tipos de locais utilizados:

(1) grandes teatros, de mil acentos ou mais; (2) salas de sociedades ou associações musicais,

comportando de trezentas a mil pessoas; (3) salas de médio porte, em lojas de música, por

exemplo, acomodando até trezentos ouvintes; (4) pequenos ambientes, em casas privadas ou

na corte. Execuções musicais também podiam ser encontradas em parques públicos – o mais

importante dos quais era o Passeio Público – e em igrejas, principalmente por ocasião de

importantes festividades religiosas, mas que não serão aqui examinadas, exceto indiretamente,

como acima, quando se tratou das bandas militares.

A palavra concerto também servia de sinônimo para sarau, soirée ou partida musical –

eventos associados com performances em sociedades privadas, em casa de pessoas ricas, ou

na corte. O sarau usualmente incluía mais do que música; números artísticos poderiam surgir,

como poesia e leituras, e, em menor escala, peças cômicas também. 46 Em um típico sarau,

depois dos números artísticos, jantar, chá, biscoitos, e bebidas eram servidas, tudo seguido por

um baile, que terminava tarde da noite. Músicos amadores e profissionais participavam desses

saraus; contudo, a orquestra de baile era composta por profissionais. O estreito

relacionamento entre aristocratas-amadores e profissionais no século XIX do Rio de Janeiro

poderia ser melhor explicado como o espaço e o lugar onde professores, alunos e

patrocinadores tocavam juntos em um mesmo nível social.

A família Bragança, famosa por sua patronagem em arte e música, promoveu vários

desses saraus. O imperador Pedro II, o patrono das artes, regularmente abria o Paço Imperial

da Quinta da Boa Vista para eventos artísticos e sociais. Convites eram distribuídos entre os

mais influentes aristocratas, embaixadores e outros indivíduos politicamente importantes.

Visitantes virtuoses e proeminentes músicos locais eram convidados a participar desses saraus

45 Almanaque Laemmert, 1888, p. 45. 46 Wanderley Pinho, Salões e damas do segundo reinado. 4ª ed. São Paulo, Livraria Martins, 1970, 345.

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da corte – oportunidade nunca desperdiçada por esses artistas que cobiçavam a patronagem da

classe dominante. Recentemente estabelecido no Rio de Janeiro em 1854, o pianista

napolitano Achille Arnaud (1832-1894)47 tocou em um desses saraus.

Saráo Musical. – SS. MM. II. derão ante-hontem um saráo musical, para o qual tiverão a honra de ser convidadas muitas pessoas mais distinctas da corte. O Sr, Achilles Arnaud tocou em um belo piano de Erard cinco peças de grande dificuldade e effeito, que forão primorosamente executadas.48

O salão da princesa Isabel, no Paço Isabel (atual Palácio Guanabara), foi famoso pelo

patrocínio das artes, música e dança. A música dominava os eventos, que regularmente incluía

cantores e pianistas, sendo a princesa freqüentemente criticada por enfatizar demasiadamente

a música em seus saraus. Em seu jornal Diário, André Rebouças deixou um comentário sobre

um sarau que aconteceu em 14 de janeiro de 1867.

às 8 horas estávamos no segundo salão do Palácio, onde teve uma partida musical. Tocaram piano o Bevilacqua, filho do mestre da Princesa, a filha do Taunay, o Dr, Martins Pinheiro, e uma filha do Dr. Ferreira d’Abreu. O Príncipe conversou muito sobre música, Palácio Cristal, etc [...] Cumpre mencionar uma peça a 4 mãos, tocada pela Princesa Imperial, accompanhada pela Taunay, sobre motivos da “Muette de Portici” d’Auber, de que é apaixonado o Príncipe [...]49

A corte também oferecia grandes eventos musicais em especiais ocasiões. Durante as

celebrações da coroação de Pedro II em 1841, por exemplo, a corte ofereceu um concerto com

a Sociedade Philarmonica, dirigido por Francisco Manuel da Silva. Um grande grupo de

aristocratas amadores participaram desse concerto, pagaram tributo ao monarca através de sua

performance. O Jornal do Commercio de 25 de julho reportou o evento:

Sociedade Philarmônica – conforme ao programa que regulava os festejos da coroação, S. M. se dignou a receber no Paço, no dia e hora aprazados, o concerto dado pela Sociedade Filarmônica. O concerto principiou pela execução do himno composto e dedicado a S.M.I. pelo Sr. Francisco Manuel da Silva depois do que seguiu-se: A introdução da ópera – Cenerentola – de Rossini, executada pelas Sras. Maria Henriqueta Graças, D. Henriqueta Carolina dos Santos, D. Maria Carolina Nunes e pelo Sr. Antonio Severino da Costa. A cavatina da ópera – Gianni di Calais – de Donizetti, executada pela Sra, D. Amália Maria Firmo. O quarteto da ópera – Mosé in Egitto – de Rossini, executado pelas Sras D. Tereza Joaquina Nunes, D. Mariana Henriqueta, José Rufino Rodrigues de Vasconcelos e Salvador Fabregas. – A cavatina da Pia de Tolomei – de Donizetti, executada por D. Paulina Porto Alegre, o dueto da ópera – Belisário – de Donizetti, executado pela Sra. D. Delfina

47 O pianista napolitano Achille Arnaud chegou ao Rio de Janeiro em 1854, colaborou nos concertos de

Thalberg em 1855. Casou-se com uma brasileira e se tornou um proeminente professor de piano do Rio de Janeiro.

48 Jornal do Commercio, 03/10/1854. 49 Coletado em Wanderley Pinho, Salões e Damas do Segundo Reinado. São Paulo, Livraria Martins, 1942, p.

151.

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Rosa da Silva Vasconcelos e pelo Sr, Dionísio de Veja. O Rondó da ópera – Cenerentola – de Rossini, executado por D. Mariana Henriqueta Graça. A introdução da ópera – Aurélio in Palmira – de Rossini, executada pelas Sras. D. Amália Maria Firmino e D. Paulina Porto Alegre. – Desnecessário parece-no dizer que este concerto foi o mais bem desempenhado possível [...] E, com efeito, ninguém há que ignore o alto apreço em que é tida a Sociedade Filarmônica na opinião dos amadores; não há reunião cujos convites sejam cobiçados com tanta ânsia e que mais satisfaça a expectativa dos convidados. A elegância e beleza do estilo, a harmonia Angélica das vozes, a expressão do canto e profundo conhecimento dos mistérios da arte, tudo se encontra nesses belos saraus tão desejados, que inundam a alma de harmonias celestes, e nelas gravam recordações que nunca se podem esquecer.50

Como parte das celebrações da coroação, o Paço Imperial também abriu seus salões

para o baile oferecido pela Assembléia Estrangeira, no qual a música tocada foi uma

importante parte do protocolo:

Ao entrar no salão [o Imperador] rompe a orquestra o hino da sagração composto por Francisco Manuel, e dada a vênia de S. M. iniciou-se o baile por contradanças francesas, sòmente em suas alas ao longo do salão, em frente de S. M. e A. A... Voltando a seus lugares tomam os imperiais convidados chá, acabado o qual continua o baile, alternando as valsas e quadrilhas tocadas pela orquestra dirigida por Milliet, que nessa noite fez executar algumas valsas e contradanças novas de sua composição que muito agradaram [...] Para essa sala dirigem [o Emperador] entre alas, com seu cortejo e corpo diplomático e mais companhia ao som de uma marcha [...] ao aproximar-se a comitiva do salão da ceia o diretor mestre-sala do Sr. M. J. Coelho, que ia a frente, deu a voz para se franquear o salão e caindo um a um os panos que fechavam as entradas, descortinou-se repentinamente o brilhante salão em todo o seu esplendor e magnificência. Coelho faz um sinal e da orquestra ouve-se um hino pelo dito Coelho composto para aquela ocasião.51

Saraus nos salões da alta sociedade eram uma significantiva parte da vida musical do

Rio de Janeiro do século XIX. A mesma classe que dava suporte aos teatros públicos das

cidades também reagia favoravelmente ao extensivo incentivo oferecido pela iniciativa

privada. Salões costumavam abrir às sete horas, sendo de hábito seguir aos números artísticos

com o jantar e o baile. Poucos salões privados reuniam intelectuais, políticos, poetas e

músicos uma vez por semana. Compositores locais e músicos eram freqüentadores desses

locais, freqüentemente misturados com amadores, que aproveitavam essas oportunidades para

mostrarem seus talentos. Na década de 1875-1885, o salão do barão de Cotegipe era

conhecido pelas reuniões de quinta-feira à tarde, das quais participavam e eram convidados

compositores, músicos e professores de música, como Arthur Napoleão, Brasílio Itiberê da

Cunha e José White, que deixaram relatos sobre esses eventos. Nessas ocasiões, novos

50 Jornal do Commercio, 25/07/1841. 51 Jornal do Commercio, 10/09/1841

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talentos eram introduzidos e composições estreadas; a Gavotte Impériale, por exemplo, foi

ouvida pela primeira vez no salão de Cotegipe.52

Salas Públicas

Uma das primeiras tentativas de promover concertos públicos por subscrição no Rio

de Janeiro foi registrada nas páginas do Diário do Rio de Janeiro em 30 de julho de 1823.

Fabrício Piaccentini anunciava concertos com uma “nova cantora chegada de Paris”, mas

apenas dois concertos foram realizados nessa ocasião, embora uma outra tentativa frustrada de

organizar concertos em série fosse feita alguns anos depois.53

Após o período conturbado que se estendeu do primeiro reinado ao final da regência

do padre Feijó, o Jornal do Commercio, em 20 de novembro de 1837, voltava a anunciar uma

série de três concertos. O coordenador do evento teve que desdobrar-se para recolher os lucros

em seu próprio benefício. De um lado, era necessário contar com a participação de bons

músicos; de outro, escolher cuidadosamente o repertório e obter assinaturas de famílias

proeminentes, de modo a servirem de atrativo, para assegurar um público adequado.

Concertos de Musica: O abaixo assignado tem a honra de anunciar ao respeitável publico que, por causa de sua moléstia, tem sido demorado os três grandes concertos vocaes e instrumentaes, que o mesmo pretende dar no magnífico salão ultimamente construído para esse fim, no theatro de S. Pedro de Alcântara. Tendo já as assignaturas das famílias as mais respeitáveis, sendo protegido pelos mais hábeis professores e curiosos desta corte, e offerecendo novas, escolhidas e lindas peças de musica, espera poder prometter a algumas noites de hum honesto e aprazível passatempo ás pessoas que o honrarem com suas assignaturas. As listas achão-se na Praça do Commercio, em mão do porteiro da mesma; na livraria dos Srs. E. e H. Laemmert, Rua da Quitanda nº 77; e em casa do beneficiado, Rua da Direita nº 139, 1º andar. Logo que estiverem completas as listas, se annunciará pelos jornaes o dia em que terá lugar o primeiro concerto. O abaixo assignado espera do benévolo publico desta capital haja de concorrer com suas assignaturas pois não se admitirão senão as pessoas que tiverem assignado. – Alberto G. Schwéers.54

Em 1862, os Concertos Populares, anunciados por Canongia e Carrero, ofereceram

novamente concertos regulares com o pagamento de mensalidades, mas sem lista de

associados ou qualquer outra forma de seleção social.

Na realidade, a primeira série de concertos financiados de sucesso no Rio de Janeiro

foi organizada em 1870 pelos empresários Farani & Irmãos em torno de três artistas

52 Wanderley Pinho, Salões e Damas..., p. 182-183. O autor da Gavotte não é mencionado. 53 Ver Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu Tempo, 1808-1865. Rio de Janeiro, Tempo

Brasileiro, 1965, vol 1, 132-133.

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estrangeiros, que chegaram ao Rio de Janeiro em 19 de junho de 1870, a bordo do navio

South-America: a cantora Carlotta Patti (1835-1889), que excursionara com Gottschalk pelos

Estados Unidos em 1862-1864 e era irmã da famosa Adelina Patti (1843-1919), o não menos

famoso violinista Pablo Sarasate (1844-1908),55 e o pianista Theodore Ritter (1841-1886).56

Com o nome Concertos Patti, consistiram de seis concertos com participação de orquestra e,

como de habito, de artistas brasileiros ou estabelecidos no país, entre eles o pianista Ricardo

Ferreira de Carvalho (nascido em 1840),57 André e Luís Gravenstein, e outros. As

dificuldades, de início, foram inúmeras. Previstas as apresentações no Theatro Lyrico

Fluminense, acabaram sendo transferidas para o Theatro São Pedro de Alcântara – como foi

anunciado no Jornal do Commercio.

A empreza tem a honra de informar ao respeitável publico desta capital que, á vista das difficuldades que sobrevirão em conseqüência de não se poder fixar o dia da representação, não estando ainda marcada a época em que terão lugar os festejos officiaes no campo da Acclamação, os concertos que deverião ter lugar no theatro Lyrico Fluminense, serão dados no theatro S. Pedro de Alcântara. N. B. – As pessoas que tiverem de fazer alguma reclamação a respeito da mudança, queirão dirigir-se de sagunda-feira em diante, do meio-dia as 3 horas da tarde, á casa dos Srs Farani & Irmão, rua dos Ourives nº 59, onde se darão todas as informações.58

O preço pelos seis concertos correspondiam a 240$000, 180$000 e 120$000 réis,

respectivamente, para a primeira, segunda e terceira fileiras de camarotes; a 48$000 para as

cadeiras numeradas; a 36$000 e 24$000 para as cadeiras de primeira e segunda classe; e a

12$000 para a galeria. A despeito da reclamação geral contra os altos preços, o sucesso da

empresa foi evidente já na primeira rodada de venda dos ingressos e, em 26 de junho, os

empresários anunciavam uma redução:

[...] para a primeira serie de seis concertos estão vendidos todos os bilhetes de camarotes de 1ª e 2ª ordem, restando apenas alguns de 3ª e cadeiras numeradas. Á vista de tão inesperada procura de bilhetes e das justas reclamações dos preços das cadeiras não numeradas, a administração resolveu diminuir o preço de 6$000 para

54 Jornal do Commercio, 20/11/1837. 55 O violinista e compositor espanhol Pablo Sarasate estudou no Conservatório de Paris, onde foi aluno de

Alard. Ele excursionou longamente pela Europa, América do Norte e Sul, África do Sul e Oriente. Compositores como Max Bruch, Dvorák, Lalo, Saint-Saëns e Wienawski escreveram peças para ele. Seu próprio opus 54 incluem Ziegunerweisen, Op. 20, Spanische Tänza, Op. 21, 22, 23, 26, a Jota Aragonesa, Op. 27, Carmen Fantasy, Op. 25, e sete outras fantasias sobre óperas.

56 O pianista francês Théodore Ritter dizia ter sido aluno de Franz Liszt. Ele escreveu duas óperas e várias peças para piano, algumas delas publicadas no Rio de Janeiro.

57 Ricardo Ferreira de Carvalho começou seus estudos no Rio de Janeiro, mas mudou-se para Pais no anos 1860 onde foi aluno de Antoine-François Marmontel (1816-1898). Depois de volta ao Brasil Carvalho foi ativo músico se apresentando no Rio de Janeiro em concertos das sociedades. Ernesto Vieira. Dicionário biográfico de músicos portugueses. Lisboa, Tipografia de M. Moreira & Pinheiro, 1900. 2v. il.

58 Jornal do Commercio, 18/06/1870.

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5$000. As pessoas que já tomarão bilhetes por aquelle preço são rogadas de receberem a diffrença á rua dos Ourives nº 59, do meio dia ás 3 horas da tarde.59

A iniciativa inspirava-se nos Concertos Populares organizados por Jules Etienne

Pasdeloup (1819-1887) em Paris, que tinham procurado divulgar, a partir de 1861, “em uma

sala enorme, obras-primas estabelecidas e solistas talentosos para uma audiência maior,

menos afluente (e presumidamente menos refinada culturalmente), com ingressos a preços

acessíveis.”60 A orquestra com 101 membros tocava a cada domingo no Cirque Napoléon, no

boulevard des Filles-du-Calvare, depois chamado de Cirque d’Hiver e hoje conhecido como

Place Pasdeloup, diante de uma platéia com cinco mil lugares, sendo os ingressos vendidos

individualmente ou por subscrição, em séries de oito concertos.

No Brasil, os Concertos Patti de Musica Clássica, em seguida conhecidos como

Concertos Populares, foram anunciados de maneira curiosa na seção de recreação do Jornal

do Commercio:

Por maior que seja o embaraço da administração em dirigir a palavra ao illustrado publico da capital do grande Império do Brazil, ella julga de seu dever chamar attenção de seus antigos assignantes, que em breve espera considerar seus novos protectores para a serie de concertos annunciados para quinta-feira no encantador theatro de s. Pedro. A inesperada felicidade de encontrar o poderoso auxilio de uma orchestra de professores nos suggerio a idéia de satisfazer as numerosas reclamações dos dilletanti brazileiros. Com effeito, o Rio de Janeiro, que apreciou todos os grandes artistas lyricos e solistas deste século, ainda hoje não conhece de todo as bellezas que encerrão as synphonias pouco elogiadas de Mozart, Haydn, Beethoven, Mendelssohn, Litolff, etc., etc., Há mais de 10 annos, no inverno, todos os domingos, 5.000 pessoas de todas as classes de sociedade pariziense se reúnem no circo Napoleão, transformando em templo musical, sob a direção do Sr Pasdeloup. Todos os povos do globo ahi são representados e se confundem em commum admiração pelo verdadeiro e bello da arte musical. Porque é que os sábios professores que brilhão em nossas orchestras não se reúnem em sociedade e não despertão no publico portuguez, brazileiro, francez, allemão, italiano, etc., etc., que se acha estabelecido nesta capital, o desejo de gozar das suaves impressões de que se felicitão seus irmãos da França, da Allemanha, da Inglaterra? Uma serie annual de concertos instrumentaes e vocaes (como os da florescente sociedade de concertos fundada por Prabeneck [sic]61 em 1827 e sociedade Pasdeloup) dados pela excellente orchestra que tem de preludiar na missão apostólica, seria aceita com enthusiasmo pelos numerosos Brazileiros e animados pela alta e benevollente sympathia de S. M. o Imperador. O tempo das chimeras passou; a fantasia despida de sentido teve seu tempo; lugar ao verdadeiro, aos divinos chefes de obra,

59 Jornal do Commercio, 26/06/1870. 60 Jeffrey Cooper, The Rise of Instrumental Music and Concert Series in Paris 1828-187. Ann, Michigan, UMI

Research Press, 1983, 46; ver também Elisabeth Bernard, “Jules Pasdeloup et les Concerts Populaires,” Revue de Musicologie 57/2, 1971, 150-178.

61 Esse foi sem dúvida o violinista François Antoine Hebeneck (1781-1849), fundador da Société des Concerts du Conservatoire em 1828 (não 1827) e regente responsável por seus concertos durante vinte anos.

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applaudidos e adorados do outro lado do equador. A hora do progresso intellectual musical soou para o Braszil [...].62

O programa do primeiro concerto incluía trabalhos de Friedrich Fesca (1789-1826),

Beethoven, Donizetti, Verdi, Mendelssohn, Flotow e Ritter, revestindo-se o acontecimento

com detalhes especiais.

Havia muito que este theatro se não mostrava esplandecente de galas como ante-hontem á noite. Estatuas de mármore, vasos, espelhos, flores e arbustos ornavão a scena e o espaço da orchestra, enquanto lustres addicionaes suspensos do arco de boca e arandelas pregadas por toda a sala realçavam os ricos e variegados trajes das senhoras que guarnecião os camarotes.63

Já no segundo concerto, a crônica do Jornal do Commercio concentrava seus

comentários nos espectadores e em suas reações diante da música erudita. A audiência, o

cronista orgulhoso ressaltou, ouviu o Rondo Capriccioso de Mendelssohn, tocado por Ritter,

com religioso silêncio, deixando de pensar, talvez, que aquele tipo de música fosse “sinônimo

de chatice”.64 Em sintonia, porém, com as modas do Rio de Janeiro, Patti não podia deixar de

misturar os mestres do classicismo com trechos de óperas populares em suas séries, como

mostra o programa abaixo, de 25 de julho de 1870.

Rossini Overture de Semiramide Verdi/Vieuxtemps Nabucco, fantasia paraviolino Mendelsohn Concerto em Sol menor para piano e orchestra Beethoven Sinfonia Pastoral Donizetti/Artôt Lucia de Lammermoor, scene para piano J. S. Bach Gavota e Musette para piano Ritter Les courriers Auber L’eclat de rire, para soprano Fra Diavolo, overture

Diretor de Orchestra: André Gravenstein

Depois do sucesso da primeira série, Patti e seus associados decidiram oferecer uma

segunda, sempre favorecendo o repertório sinfônico. Também promoveram a performance de

peças de Carlos Gomes, Henrique Alves de Mesquita e Carlos Mesquita, compositores “que

não duvidarão de suas forças e de seus gênios,” reservando-se um lugar especial para a estréia

em palcos brasileiros de O Guarani. Da mesma forma, houve a preocupação de trazer para o

público explicações sobre as natureza das sinfonias, “um gênero que não pode ser

62 Jornal do Commercio, 21/07/1870. 63 Jornal do Commercio, 06/07/1870. 64 Jornal do Comercio, 08/07/1870

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completamente familiar aos leitores”, lançando mão inclusive de uma discussão a respeito

delas publicada no Journal du Debats de 19 de novembro de 1836 por ninguém menos do que

Hector Berlioz (1803-1869), “de quem a autoridade é lei”.65 O sucesso dos concertos superou

de longe as expectativas iniciais, mas Carlotta Patti e seus companheiros deixaram o Rio de

Janeiro na segunda semana de agosto, e a vida musical retornou à antiga rotina, dividida entre

a ópera e os concertos de câmara oferecidos pelas sociedades.

Outras tentativas no Rio de Janeiro inspiradas pelos concertos em série parisienses

vieram em seguida, uma, em 1873, quando Gravenstein ofereceu seus Concertos-Promenade;

e outra, em 1875, quando a Sociedade de Musica Clássica começou a apresentação de

quartetos de corda tocando o repertório clássico alemão. Organizada pelos violinistas Luigi

Elena e F. Muratori, pelo violista J. White,66 pelo cellista J. Cerrone e o pianista Ricardo

Ferreira de Carvalho, seus concertos ocorriam em geral no Imperial Conservatório de Música,

sob a forma de uma Matinée Musicale, sempre às 13h, mediante a venda de ingressos nas

lojas de música de Narciso & Arthur Napoleão e de Henri Préalle e, do repertório, estava

excluída a música vocal, embora não algumas peças para piano solo.67

Na realidade, esse tipo de repertório começou a ser tocado em 1854, por iniciativa de

imigrantes alemães, quando Christiano Stockmeyer organizou um concerto em beneficio da

Associação Germânica do Rio de Janeiro, a Sociedade Saengerbund, com o seguinte

programa.

Theatro São Pedro de Alcântara, 7 de outubro de 1854 Diretor Musical: Christiano Stokmeyer

Mozart Overture de Zauberflöte Beethoven Concerto para piano em Dó menor Ária Kreutzer A capella Mendelsohn O Adeus do Caçador Ernst Elegia para rebeca e piano Weber Ária “Robin des Bois” de Freischütz por Mme. Kastrup Alary Variações de Le ter Nozze Bériot Concerto em Si menor para rebeca por Sr. Van Marck Truhn/Abt Desacompanhado Coro de vozes masculinas

65 Cristina Magaldi. “A disseminação de música de Mozart no Brasil, séc. XIX.” Revista Brasileira de Música

19, 1991 66 Possivelmente o inglês John Jesse White, no Brasil desde a abertura do Club Mozart em 1867. O cubano José

White viveu no Brasil de 1879 a 1889. 67 Um concerto foi anunciado no Jornal do Commercio em 03/10/1875. Henri Prealle também tinha uma

editora gráfica no Rio de Janeiro.

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Thalberg Fantasia sobre Les Huguenots Schubert Três Romances: Der Erlkönig e Barcarolle por Mme. Kastrup Serenata Weber Grande coro de caçadores de Freischütz

Além do programa misturar gêneros clássicos, com trechos de óperas, variações e

canções – formato usual dos concertos em beneficio nesse período – a ênfase recaiu sobre o

trabalho de Mozart, Beethoven, Weber e Schubert, típicos representantes do cânone da música

alemã até hoje. Após considerá- lo um “concerto histórico”, o crítico do Jornal do

Commercio68 avaliou que esse evento teria presenteado o público não somente com o

programa, mas também com o nível de realização alcançado pelo coro, cantores e regente.

Dizendo-se ter sido aluno do padre José Mauricio Nunes Garcia, ainda aproveitava para

relembrar os velhos tempos quando o Brasil tivera a oportunidade de ouvir esse tipo de obras,

como o Stabat Mater de Pergolesi, o Réquiem de Mozart e a Criação de Haydn.

Apesar de excepcional, esse concerto histórico não foi um evento isolado, pois a

Sociedade Germânica Saengerbund continuou a organizar concertos em benefício com

programas semelhantes. Em 2 de dezembro de 1856, por exemplo, um concerto em beneficio

do oboista M. Theodoro Van-Leeuwen, voltava a incluir peças de Beethoven e Mozart:

Grande Concerto Vocal e Instrumental, seguido de baile oferecido a SS. MM. II. por M, Theodoro Van-Leeuwen no salão do Congresso Fluminense.

Primeira Parte

Primeira parte da Sinfonia Pastoral de Beethoven, pela primeira vez no Brasil e regida pelo Sr. Castagneri

Il Don Giovani, ária cantada por Susini Solo de violoncelo, por Pitanga Grande dueto cantado por Tamberlik e Mme. Lucas Variações para Oboé por Verboust Grande Phantasia tocada por Thalberg de Annibal Elena

Segunda Parte

Segunda parte da Sinfonia Pastoral de Beethoven Ária cantada por E. Ribas Terceto para piano, cello e oboé Ária de La Favorita de Donizetti Romance Terceto de William Tell, por Tamberlik, Walter e Susini69

Aparentemente, no entanto, essas e outras tentativas similares foram de pouco alcance

no fim do século XIX, o público do Rio de Janeiro continuava favorecendo o bel canto e o

68 Jornal do Commercio, 11/10/1854. 69 Jornal do Commercio.

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repertório estaparfúdio a que estava habituado. Além dos bailes públicos, para cujas séries as

subscrições tiveram, ao que tudo indica, um enorme sucesso, a partir de julho de 1850,

quando a Sala Paraíso passou a oferecer subscrições para três bailes mensais – sendo as

mulheres admitidas gratuitamente.70 André Gravenstein, regente dos Concertos Patti,

notabilizou-se, entre 1861 e 1866, com sua série de bailes à Musard , que ocorreram no

Pavilhão Fluminense.

De fato, após 1870 e até quase o final do Império, as iniciativas para promover

concertos públicos em série, independentemente de promoções teatrais, nunca foram muito

duradouras. As razões podem ter sido a grande competição entre os entretenimentos privados

e os eventos teatrais públicos ou a falta de um gerenciamento próprio. Desde de que os teatros

recebiam subsídios do governo, companhias líricas tinham que negociar elaborados contratos

com os donos de teatros assim como com os empregadores do governo. Além disso, tinham

sempre problemas para ganhar suporte para os concertos públicos. A elite brasileira, que

ditava o gosto, confiava a grandes companhias (usualmente contratadas da Europa) para a

ópera e performances em benefícios, e sociedades privadas para promoção de concertos. Mas

hesitava em freqüentar eventos que eram indiscriminadamente abertos ao público.

Tal atitude do público fica clara por ocasião da fundação do Club Beethoven (1882),

quando um comentarista observou que a nova sociedade estava comprometida com a

promoção da boa música – boa música clássica, o que devia causar um certo desapontamento

no leitor, cujas preferências não deviam distinguir-se majoritariamente das suas.

A respeito da música clássica, confesso que sou bárbaro – na opinião dos que se dizem entendidos em música [...] – quanto à sensação que tão scientífica música produz em meu espírito, declaro que senti não poder ouvi-la em posição horizontal n’um bom canapee e saboreando um bom havana. Que querem, eu sou um daqueles que entendem que a música deve antes ser uma arte de que uma sciencia. Prefiro um andante largo executado com expressão e sentimento, a todas as variações possíveis e imagináveis, nas quaes só admiro a parte scientifica e mecânica da composição e execução.71

Da mesma forma, o repertório dos concerto em beneficio continuou seguindo os

mesmos moldes ao longo de todo o século, com destaque, entre 1837 e 1867, para as obras de

Auber, Mercadante, Rossini, Bellini, Donizetti, Meyerbeer e Verdi, assim como as peças

virtuosísticas de Kalkbrenner, Herz, Thalberg e Bériot. Se a música de Rossini predominou

70 Jornal do Commercio, 18/07/1850. 71 Revista Illustrada, 15/09/1883.

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antes de 1844, Bellini e Donizetti ocuparam o procênio nos quinze anos seguintes e Verdi, nos

anos 1850 e 1860. Como primeiro exemplo, veja-se o evento em benefício ocorrido em 1839.

Theatro de São Januário

Terça-Feira, 16 de julho de 1839: Em benefício da atriz Margarida Lemos. Depois de seleta abertura, a representação será aberta com um drama em cinco atos e um ato: O Juiz de Paz, ou As Victimas do Claustro Esse drama, traduzido do francês, foi primeiramente apresentado no Theatro São João na cidade do Porto em Portugal, em 1837, com grande efeito foi repetido dezesseis vezes... Músicas tocadas pelo beneficiado no intermezzos: Entre o primeiro e segundo actos: Cavatina da ópera Torquato Tasso de Donizetti Entre o segundo e terceiro actos: Cavatina de Astartea, com coro de Vaccai Entre o quarto e quinto actos: Grande rondó com coro, de Edoardo e Cristina de Rossini72

Em 1845, um programa similar, privilegiava Donizetti.

Theatro de S. Pedro de Alcântara

Sábado, 10 de maio de 1845, em benefic io da atriz Nicolini Depois de uma das melhores aberturas, será encenada a muito aplaudida comédia em 5 actos: The Secretly Married Couple No intermezzo entre o segundo e terceiro acto, Graziani cantará o segundo acto da ópera Belisario de Donizetti, com inclusão de uma bela ária com coro; o dueto de Belisario e Irene cantado por Massiani e Candiani, que também cantará no intermezzo entre o quarto e quinto actos, junto com Eduardo Medina Ribas, o belo dueto da ópera La Fille du Régiment de Donizetti [...].73

Onze anos depois, formato semelhante favorecia Verdi.

Theatro Lyrico Fluminense

Sábado, 19 de abril de 1856 Em benefício de Clotilde Favrichon Terceira representação do drama em três actos: O Monge Serra D’Ossa ou D. Affonso IV na Batalha das Margens do Salado [...] No intermezzo entre o primeiro e o segundo actos o beneficiado ira cantar a ária de I masnadieri (“Tu del mio Carlo al Seno”) de Verdi. No intermezzo entre o segundo e terceiro actos o beneficiado ira cantar uma ária de Lombardi (“Non su sogno”) [...] No final, o beneficiado cantará a cavatina de Il Trovatore. O espetáculo encerrará com a bela comédia em um acto: Os Recursos de Jonathas [...].74

Fantasias instrumentais baseadas em temas operisticos também passaram a invadir os

intermezzi. Surpreendentemente, porém, no Rio de Janeiro de meados do século XIX, a

maioria das peças instrumentais tocadas nessas ocasiões e nos concertos em beneficio eram

72 Jornal do Commercio, 03/07/1839. 73 Jornal do Commercio, 05/05/1845. 74 Jornal do Commercio, 17/04/1856.

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escritas especificamente para esses acontecimentos e executadas por instrumentos de

orquestra, principalmente de sopro. Em 23 de janeiro de 1846, por exemplo, um concerto em

beneficio do cantor Francisco Massiani, no Theatro São Pedro de Alcântara, incluiu a peça

Saffo de Pacini. No intervalo entre o primeiro e o segundo atos, Demetrio Rivero cantou

Tremolo de Bériot e, entre o segundo e terceiro, Bernardo José da Silva e Luiz da Cunha

tocaram um dueto da Norma de Bellini adaptado para corne inglês e corneta.75 Talvez não

seja despropositado atribuir esse destaque adquirido pelos instrumentos de sopro à experiência

que muitos desses músicos tinham acumulado nas bandas militares.

E eram os compositores locais que asseguravam esses arranjos e proviam a música

incidental para comédias e outras peças teatrais, como Francisco Sá Noronha,76 Cândido

Ignácio da Silva e Gabriel Fernandes da Trindade (morto em 1854),77 igualmente conhecidos

como compositores de modinhas. Em concerto em beneficio da atriz Graciosa Maria Cândida

de Souza em 31 de janeiro de 1838, depois da peça Hum dos Muitos, a beneficiada cantou

com Victor Porfírio de Borja o Dueto Brasileiro do professor Gabriel Fernandes da

Trindade.78 Particularmente significativo foi o beneficio que teve lugar no Theatro São Pedro

de Alcântara em 14 de outubro de 1884, no qual foram executadas obras de três compositores

baianos entre os atos de uma peça.

Theatro São Pedro de Alcântara

Domingo 14 de outubro de 1838, em beneficio de Delfina Benigna da Cunha; depois da abertura a beneficiada apresentará o Monologo de Gratidão que terminará com um Hino também escrito por ela e cantado por Gabriel Fernandes da Trindade.

75 Jornal do Commercio, 15/01/1846. 76 O violinista, compositor e regente português Francisco de Sá Noronha chegou ao Rio de Janeiro em janeiro

de 1838, deu vários concertos antes de sua tourné pela América Latina e Nova York. Ele retornou ao Brasil várias vezes, provendo de música um grande número de comédias locais. Noronha é também autor de modinhas e outras músicas com texto em português, a maioria delas publicadas no Rio de Janeiro, em adição a peças de virtuosismo para violino. Para uma visão geral sobre as atividades de Francisco Noronha em Portugal ver Manuel Carlos de Brito e Luísa Cymbron, História da Música Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta, 1992. Ver também Luísa Cymbron “Noronha” entrada do verbete, The New Grove Dictionary of Opera, ed S Sadie, Londres, Macmillan, 1992, vol II, 619.

77 Gabriel Fernandes da Trindade foi aluno de José Maurício Nunes Garcia e começou como cantor na Capela Real. Muito ativo como tenor, violinista e compositor, Trindade participou constantemente de concertos como músico, foi membro da Sociedade Filarmônica e um dos organizadores da Sociedade de Beneficência Musical, junto com Francisco Manuel da Silva. Ele deixou um grande número de modinhas, várias das quais publicadas por Pierre Laforge. Marcos Antônio Marcondes (ed). Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São Paulo, Art Editor, 1998.

78 Jornal do Commercio, 27/01/1838.

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Uma ária de José Joaquim Lody seguirá [...] depois da qual a orquestra tocará a nova abertura composta pelo Dr. em música José Rebouças.79 A companhia dramática apresentará a tragédia: Othelo ou O Mouro em Veneza No intermezzo entre o primeiro e o segundo actos, será tocado, entre outras, uma composição do proeminente professor Mussurunga,80 professor de música na província da Bahia, e durante o intervalo entre o segundo e o terceiro actos, uma nova sinfonia do professor Damião [Barbosa de Araújo],81 bem conhecido por suas belas composições. O espetáculo será encerrado com uma farsa...82

Outra forma de concertos públicos nas últimas décadas do século foi oferecida pelas

duas mais prósperas lojas de artigos musicais: Bevilacqua e Napoleão. Embora bem sucedidos

homens de negócios, ambos eram músicos e compositores e, portanto, bem familiarizados

com publicações, promoções e produções de concertos. Seus salões, localizados no endereço

de suas lojas, eram de pequenas dimensões, acomodando apenas música de câmara e

concertos solo. Entretanto, não deixavam de emular o esplendor dos salões franceses Pleyel e

Herz. Através de suas atividades, esses salões hospedaram uma impressionante corrente de

músicos proeminentes: os violinistas cubano White e o português Francisco Pereira da Costa

(1847-1890),83 o pianista Alfredo Napoleão (1852-1917), o violoncelista português Frederico

do Nascimento (1852-1924),84 e o cantor Giovanni Scolari, entre outros.

Concerto Scolari: brevemente deve effectuar-se, no salão Arthur Napoleão & Miguez, o concerto do bem conceituado baixo Sr. Scolari. Estamos informados de que tomarão parte alguns distinctos senhores amadores, bem como alguns dos mais notáveis artistas d’esta corte. Entre estes últimos podemos nomear a Sra. Marietta Siebs.85

79 O violinista, compositor e regente José Pereira Rebouças nasceu em Marogogibe, Bahia em 1789 e morreu

em Salvador, Bahia em 1843. Em 1828, foi para França, onde estudou com Charles Bériot no Conservatório de Paris; estudando também composição na Itália. De volta ao Brasil em 1833, fundou uma sociedade musical em Salvador. Rebouças compôs peças para violino e canções. Marcos Antônio Marcondes (ed.) Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São Paulo, Art Editor, 1998.

80 O compositor Domingos da Rocha Mussurunga [Moçorunga] (1807-1856) nasceu na Bahia e deixou uma grande quantidade de peças sacras e algumas canções com texto em português. Marcos Antônio Marcondes (ed.) Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São Paulo, Art Editor, 1998.

81 Damião Barbosa de Araújo (1778-1856), foi contemporâneo de José Mauricio Nunes Garcia e Marcos Portugal, vindo para o Rio de Janeiro em 1813. É autor de várias peças sacras, nenhuma das quais foram publicadas. Marcos Antônio Marcondes (ed.) Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São Paulo, Art Editor, 1998.

82 Jornal do Commercio, 04/10/1838. 83 Nascido na cidade do Porto em Portugal, Francisco Pereira da Costa, foi aluno de Alard no Conservatório de

Paris. Sua estréia no Rio de Janeiro se deu em 08/1864; em 1871 ele se estabeleceu na capital do Brasil, onde foi um músico ativo e professor.

84 Frederico do Nascimento nasceu em Setúbal, Portugal, e estudou violoncello com seu pai. Ele estreou no Brasil em 1877 e em 1880 se estabeleceu no Rio de Janeiro. Em 1890, Nascimento foi indicado professor no Instituto Nacional de Música, onde lecionava cello e harmonia; entre seus alunos estava Heitor Villa-Lobos.

85 Revista Musical e de Bellas Artes, 03/05/1879.

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Os eventos eram abertos ao público em geral, embora o seleto círculo de espectadores

não diferisse do sistema de associados das sociedades privadas. O concerto de White com

Alfredo Napoleão, em 30 de dezembro de 1879, reuniu no salão Napoleão & Miguez, por

exemplo, “um núcleo de distinctissimas senhoras, ministros d’estado, músicos notáveis, e

outras pessoas gradas”.86

Ainda que eventos de pequena escala, tais ocasiões eram cercadas das mesmas

formalidades esperadas nos concertos das sociedades privadas, evidenciando a necessidade de

educar o público, pouco afeito a elas. O programa de um concertos no Salão Bevilacqua, dado

pelo violinista Enrico de la Rosa, em 8 de outubro de 1890, dizia: “Pede-se encarecidamente

às pessoas que honrarem este concerto com a sua presença o obséquio de não entrar nem sahir

do salão durante a execução dos trechos.” Usualmente, o músico alugava o salão e

encarregava-se da organização geral e da venda dos ingressos, revelando uma estrutura

similar à dos concertos em beneficio, em que vários artistas participavam da performance em

beneficio de um outro. O programa dos dois salões eram bem ecléticos, cabendo aos irmãos

Napoleão fazerem detalhadas criticas deles em sua Revista Musical e de Bellas Artes. O Salão

Bevilacqua permaneceu ativo ainda no século XX como um lugar de reunião de jovens

músicos e compositores.

Ao redor do final do Império, enquanto os salões Napoleão e Bevilacqua enfatizavam

peças solo e de câmara de compositores nativos, o grande salão do Cassino Fluminense

passava a oferecer música sinfônica, assim como o Cassino Fluminense e o Theatro São Pedro

de Alcântara, uma série de concertos sinfônicos organizados por compositores brasileiros que

tinham recentemente retornado de estudos na França e na Alemanha. Os primeiros foram os

de Carlos Mesquita (1864-1953), com sua Sociedade de Concertos Populares, iniciada em

1887. Em 1892, Vicente Cernicchiaro deu início a uma empresa similar, com seus Concertos

Synphonicos, os quais foram seguidos em 1896 por Alberto Nepomuceno e seus Concertos

Populares e, a partir de 1901, por Francisco Braga com outros Concertos Synphonicos.

De 1877 a 1886, Carlos Mesquita estudou piano no Conservatório de Paris com

Marmontel, órgão com César Frank e composição com Émile Durand e Jules Massanet. De

volta ao Rio de Janeiro, ele promoveu, de 1887 a 1902, com uma interrupção de 1893 a 1897,

o repertório francês em sua Sociedade de Concertos Populares, uma das mais influentes

séries de concertos sinfônicos públicos oferecida no Rio de Janeiro. Os programas continham

86 Revista Musical e de Bellas Artes, Ano II, nº I – 03/01/1880, p. 6.

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breves notas com datas e fatos a respeito dos compositores e peças, como se fazia nos do Club

Beethoven, e o repertório incluía obras orquestrais e peças para voz solo e orquestra. Vários

trabalhos sinfônicos de compositores franceses tiveram suas estréias no Brasil nos Concertos

Populares – entre os quais destacam-se Jules Massenet (1842-1912), Léo Delibes (1836-

1891) e Camille Saint-Saëns (1835-1921). Contudo, os compositores brasileiros não eram

ignorados e, embora predominassem composições do próprio Mesquita, favoreciam-se jovens

compositores como Francisco Braga (1868-1945) e Alexandre Levy (1864-1892), cujo

famoso Samba da Suíte Brasileira estreou no concerto de 20 de julho de 1890. Abertos ao

público em geral através da venda de ingressos individuais ou de subscrições, o sucesso

desses eventos em larga escala continuava dependendo no entanto de patronagem. O primeiro

concerto, em 13 de novembro de 1887, no salão do Cassino Fluminense, por exemplo, foi

“honrado com a presença do imperador”87 e, após a proclamação da República, o programa de

um concerto em 20 de julho de 1890 continuava a registrar: “honrado com a presença do

Generalíssimo Deodoro – Chefe do Governo Provisório”; assim como o de 20 de junho de

1901 foi “honrado com a presença do Snr. Presidente da Republica e sua Exma. Família”.88

Ao retornar ao Rio de Janeiro, após sete anos de estudos na Europa, Alberto

Nepomuceno manifestou a mesma preocupação de Carlos Mesquita com a promoção da

música sinfônica. O primeiro concerto que organizou, em 27 de outubro de 1895, incluiu

composições suas (Souvenir para Instrumentos de Arco e Intermezzo para Orchestra), mas

também a Sinfonia Inacabada de Schubert, a abertura Coriolano de Beethoven, um concerto

para piano de Arthur Napoleão, a marcha de Tannhäuser de Wagner, e uma ária da ópera Lo

Schiavo de Carlos Gomes, outra do Faust de Gounod, e mais uma de La Gioconda de

Ponchielli. Para o de 24 de maio de 1896, além de árias de Un Ballo in Maschera e de Simon

Boccanegra de Verdi, de Il Ré di Lahore de Massanet, de Le prophète de Meyerbeer e da

Semiramide de Rossini, programou a primeira Sinfonia em Sol menor de Mozart (K. 183) e a

suíte do Peer Gynt de Grieg. 89 A essa altura, o formato contemporâneo do concerto já estava

praticamente definido.

87 Revista Illustrada , 15/07/1887. 88 Revista Illustrada , 22/07/1890. 89 Nepomuceno incluiu a música de Grieg para enfatizar a sua relação pessoal com este compositor. Ele casou-

se com a pianista Walborg Bang, que foi aluna de Gr ieg, e em 1893 passou alguns meses hospedado na casa de Grieg.

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CAPÍTULO 7:

O FASCÍNIO DOS VIRTUOSES

Segundo o Grove’s, virtuose é um músico de habilidade técnica excepcional, um

instrumentista com extraordinário domínio da técnica de execução, algumas vezes em

proveito da própria interpretação, outras vezes tomando-a como um fim em si mesmo. A mais

antiga aplicação dessa palavra surgiu na Itália, podendo designar um teórico ou compositor,

assim como um intérprete, muito hábil. Amplamente utilizada no norte da Europa em relação

a músicos italianos de todos os tipos, veio a significar, no final do século XVIII, um músico

que seguia a carreira solista. Foi, porém, no século XIX, que o termo adquiriu o significado

atual, associado a intérpretes de um brilho excepcional e, muito especialmente, a Niccolo

Paganini (1782-1840), no violino, e a Franz Liszt (1811-1886), no piano.1

Sem dúvida, o aparecimento do virtuose moderno está ligado ao aperfeiçoamento

mecânico dos instrumentos musicais, particularmente do piano, das madeiras e dos metais,

graças a novos métodos de fabricação, que aprimoraram a afinação, facilitaram a execução

(com a criação de um sistema de chaves por volta de 1834 pelo alemão Theobald Boehm,

1793/4-1881) e ampliaram os recursos tímbricos da orquestra.2 No caso do piano, também

contribuíram as exigências cada vez maiores colocadas pelas composições de Beethoven e

dos românticos.3 Não obstante, o fato de o primeiro virtuose moderno ser um violinista,

Paganini, indica que algo mais era necessário. Afinal, desde o final do século XVII, as luterias

de Cremona e de outras cidades italianas produziam Stradivarius, Guarnerius e outros violinos

de uma perfeição, segundo a voz geral, jamais igualada. Por conseguinte, o virtuose moderno

não é apenas o produto de um instrumento aperfeiçoado, mas também o de uma sociedade que

passou a relacionar-se com a música de uma maneira diferente, vendo no intérprete dotado de

habilidades excepcionais um exemplo do potencial humano para o progresso, esta idéia que

dominava as mentes de todos no século XIX, ainda que encarando-o de um ponto-de-vista

fáustico, temendo que resultasse de um pacto com o demônio, como ocorria com Paganini. E

1 Stanley Sadie. (ed.) Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994. 2 Stanley Sadie. (ed.) Dicionário Grove... Ver também Jean Massin. História da Música Ocidental. Rio de

Janeiro, Nova Fronteira, 1997. 3 “The Piano: A History”. Apud, Lilia do Amaral Justi. A Prática de Música de Câmara com Piano no Rio de

Janeiro (1850-1925). Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, Escola de Música da UFRJ, 1996.

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foi o estabelecimento de salas públicas e de uma organização para concertos que criaram o

espaço necessário para a atuação dos virtuoses.

Estimulados pela tentação de rivalizar em seu instrumento com Paganini, surgiram os

inúmeros virtuoses do piano romântico, que viriam a dominar o século com suas carreiras,

construídas à base de turnês sucessivas e de um estilo de vida peculiar, com forte apelo à

imaginação do público, como Liszt, em primeiro lugar, mas também como Moscheles,

Thalberg, Kalkbrenner, Gottschalk e muitos outros. A técnica de Liszt tinha como objetivo

explorar todas as possibilidades do instrumento, não só desenvolvendo as qualidades naturais

da mão, libertando-a de todas as amarras até então impostas ao dedilhado, como também

devolvendo a liberdade de cotovelo, ombro e tronco, normalmente submetidos a uma rigidez

paralizante, herdada da técnica clavicenística. Além dessa sua concepção mais corpórea, mais

sensual da execução, a técnica de Liszt permitia ampla exploração das possibilidades sonoras

do piano, facultando- lhe criar, na expressão de Claude Rostand, um verdadeiro piano

orquestral. Segundo Oliver Alain,

Liszt, em sua linguagem musical, procurou e encontrou equivalente das principais conquistas sonoras dos compositores da época: o “canto ao piano” de Thalberg, os novos efeitos revelados pela acrobacia violinistica de Paganini, o retorno cíclico dos temas, esboçado pelos primeiros românticos, o esplendor do relevo orquestral descoberto por Berlioz, a densidade harmônica de Schumann, a sedução da sonoridade própria de Chopin, Liszt reuniu todos estes recursos tão diversos em uma síntese excepcionalmente rica. Ao refinamento acrobático da técnica, acrescentou uma diversidade de coloridos e uma extensão na gradação da força sonora como, até então, jamais se haviam visto reunidas. [...] O virtuosismo lisztiano não é e não deve ser um fim em si. É apenas um meio a serviço de uma intenção sonora. De fato, temos de ver nele um ponto de partida e não de chegada.4

Em especial na segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro tampouco ficou

imune à febre dos virtuoses, nem estes ignoraram a cidade, seja direta ou indiretamente. Até

1850, no entanto, após a prolongada estadia de 1816 a 1821 de Sigismund Neukomm, o

discípulo de Haydn, durante a qual escreveu a fantasia para flauta e piano L’Amoureux

(dedicada aos Sr. e Sra. Langsdorf em 1819), baseada na modinha La Mélancolie do mulato

brasileiro Joaquim Manuel Câmara, e o capricho O Amor Brasileiro ou L’Amour Brésilien sur

un Londu Brésilien (dedicado a D. Maria Joanna de Almeida), com trechos em ritmo de

4 Apud, Jean Massin. História da Música Ocidental . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 746/7.

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lundu,5 o movimento foi irregular e ainda carecia do frisson que posteriormente iria revestir

esses acontecimentos.

Na esteira da fama de Paganini, os primeiros a chegar foram os violinistas. Em 1834,

foi a vez do italiano Carlos Bassini, que executa as Variações na quarta corda de Paganini

pela primeira vez no Brasil. No mesmo ano, ainda surgiu o menino Frederico Planel,

acompanhado pelo irmão Teófilo ao piano, ambos filhos de pais franceses, que, partindo de

Montevidéu, dirigiam-se a Paris, em cujo conservatório pretendiam matricular-se. Em 1841,

vieram o italiano Giuseppe Crocco e o português João Vitor Ribas, este atuando também

como regente de uma companhia dramática. Após ter tocado em 1838 com a Filarmônica,

retornou, em 1845, Francisco de Sá Noronha, autor de um concerto para violino e orquestra,

dedicado a D. Pedro II, e, ainda no mesmo ano, apresentou-se Halma, com a fama de

recentemente diplomado pelo conservatório de Paris. De então até 1849, ainda outros

passaram pelo Rio, como o belga Charles Wynem, que recebeu do imperador um anel de

brilhantes com o seu monograma, e Agostino Robbio, que afirmava ter sido aluno de

Paganini, sendo capaz de imitar em seu instrumento o gorjeio de pássaros, o relinchar de

cavalos, ruídos de carros de boi e assim por diante. Vieram igualmente, em 1847, os meninos-

prodígio Giuseppe e Alessandro Uguccioni, um com sete e o outro com cinco anos, o francês

Eugène Warneck, a reboque da companhia francesa de canto lírico contratada por João

Caetano para o teatro São Januário, e o argentino Demetrio Rivero, que se estabeleceu no

Brasil. Em 1848, foi a vez não só de Pedro Medina Ribas, de apenas quinze anos, que, ao

contrário de seus irmãos Vitor e Eduardo, logo retornou a Portugal, como do alemão August

Möser (1825-1859), com o titulo de concertista da corte real da Dinamarca e de Hanover.

Filho de Karl Möser (1774-1851), que regeu a estréia da 9ª Sinfonia de Beethoven em 1826, o

último foi um dos primeiros músicos a escrever uma peça tomando por motivo a paisagem do

Rio de Janeiro, a valsa O Pão de Açúcar. Para executar a sua peça Introdução, Tema,

Variações e Final, Möser retirava perante o público as três cordas mais agudas do

instrumento, deixando apenas a quarta. O afluxo de violinistas encerrou-se com Ernesto

5 Ambas as peças foram publicadas por Breitkopf & Härtel, em Leipzig, depois do retorno do compositor à

Europa. Cf. Biblioteca Nacional M 788.5 N-I-I e M 786.1 N-II-I. Para as atividades de Neukomm no Rio de Janeiro, ver Luiz Heitor Correa de Azevedo, “Sigismund Neukomm, An Austrian Composer in the New World,” Musical Quarterly 45, 1959, p. 473-483; ver também Mozart de Araújo, “Sigismund Neukomm, Um músico austríaco no Brasil”, Revista Brasileira de Cultura 1/1, 1969, p. 61-74. O catálogo da coleção de D. Leopoldina foi publicado pela Biblioteca Nacional. Música no Rio de Janeiro Imperial, 1822-1870, ed. Mercedes Reis Pequeno, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1962. Cf. ainda Cristina Magaldi,

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Camillo Sivori (1815-1894), de fama internacional, o único aluno direto de Paganini, cujas

peças executava, e que excursionaria mais tarde, com o violoncelista Alfredo Piatti, na

Inglaterra em 1857, acompanhado ao piano pelo jovem Arthur Napoleão.6 Ele compôs o

Canto do Sinsonte, parte de uma peça maior, O Carnaval de Cuba, em que, supostamente,

segundo um jornal da época, procurava imitar os pássaros que ouvira durante uma viagem à

cidade do Desterro, atual Florianópolis. Ao final de seu último concerto, para contornar uma

exigência do administrador do teatro em que tocava, a viscondessa de Ourém, enteada de

Francisco Manuel da Silva, ofereceu- lhe uma medalha como recordação diretamente de seu

camarote, sob uma ovação do público.7

Mais tarde, paralelamente à atuação de brasileiros, como Francisco Munis Barreto, que

fez uma série de concertos em 1862 após retornar de Paris, onde fora aluno de Delphin Alard

(1815-1888), embora ainda viessem outros violinistas, os pianistas começaram a chegar em

1839, com o francês Charles Neytes. Em 1840, veio o português João Domingos Bontempo e,

no ano seguinte, o alemão Corty executou pela primeira vez peças de Liszt no Rio. Foi na

segunda metade do século, porém, que seu número cresceu. Marcou época, em 1855, a

chegada de Sigismond Thalberg (1812-1871), contemporâneo e rival de Liszt, cujo repertório

consistia, em sua quase totalidade, de obras suas, como variações, paráfrases e fantasias sobre

temas das óperas em voga. Apesar disso, com seu exemplo, Thalberg renovou o conceito em

que o piano era tido no país, pois deixou de constituir um simples instrumento de salão,

abrindo o caminho para outros virtuoses, como o português Arthur Napoleão em 1857,

Thalberg novamente em 1863 e Louis-Moreau Gottschalk em 1869.8

Os flautistas também se destacaram a partir de 1839, quando o francês Antoine

Manger estabeleceu-se no Brasil, atuando como músico de orquestra e em concertos, e,

sobretudo, após 1859, quando se radicou no Rio o belga M. A. Reichert.9 No clarinete,

destacaram-se João Bartolomeu Klier e Ernesto Cavallini, em atividade entre 1830 e 1865,

mas trompetistas, oboístas, trompistas e até arpistas foram poucos, merecendo menção, no

entanto, os violoncelistas Domenico Labocetta e Giuseppe Martini, que chegaram à cidade em

1851, por que ambos tinham outras especialidades, atuando o primeiro também como tenor e

“A disseminação da música de Mozart no Brasil (séc XIX), Revista Brasileira de Música nº 19, 1991, p. 21-24.

6 Cf. Grove’s [1947], p. 778-80. Verbete de George Grove, com adições de E. Heron-Allen. 7 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, 1967. v 2, p. 221. 8 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva..., v 2, p. 231.

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o segundo, como contrabaixista. Alguns instrumentistas brasileiros adquiriram igualmente

uma certa projeção, como os flautistas Francisco da Mota, por volta de 1831, e, no final do

século, o célebre Joaquim Antônio da Silva Calado; os clarinetistas Rufino José Ribeiro e

Antônio Luís de Moura; e, no violoncelo, o carioca José Policarpo de Faria Beltrão e o baiano

Casimiro Lúcio de Souza Pitanga.

Indiretamente, o efeito dos virtusoses se fez sentir por intermédio da divulgação das

partituras de alguns astros europeus, hoje quase esquecidos, que nunca colocaram os pés no

Brasil, como o vienense Herz e o holandês Ascher. Henri Herz (1802?-1888), como ficou

conhecido, fixou-se em Paris desde 1816, ingressando no Conservatório como estudante nas

classes de Louis Pradher (piano) e Anton Reicha (composição), sendo lembrado hoje quase

exclusivamente por suas variações integradas ao Hexameron, uma obra coletiva sobre a

“Marcha” de I Puritani de Bellini, composta para um concerto de caridade parisiense em

1837, juntamente com J. P. Pixis (1788-1874), K. Czerny (1791-1857), Thalberg, Chopin e

Liszt.10 Embora Schumann julgasse que suas numerosas composições, que alcançaram o op.

215 na época de sua morte, “procuravam fazer crer que fossem as mais difíceis e as mais

importantes do mundo”,11 Herz foi um daqueles músicos versáteis do século, que

compreendeu perfeitamente a emergência de um mercado musical. Pianista virtuose, prolífico

compositor e pedagogo, tendo criado uma instituição de ensino do instrumento com seu

irmão, o também pianista Jacques Simon Herz (1794-1880), ele também fabricou e vendeu

pianos,12 editou e comercializou partituras, patrocinou concursos de piano, escreveu crítica

musical, lutou pelos direitos autorais dos compositores, opondo-se à circulação de edições-

pirata, assim como construiu uma sala de concertos em Paris para a promoção de concertos.13

9 Odette Ernest Dias. Mathieu-André Reichert: um flautista belga na Corte do Rio de Janeiro. Brasília,

Universidade de Brasília, 1990. 10 Em 1970, foi publicado um facsimile do Op. 60 de Herz, as Variations on Non più mestra from Rossini’s La

Cenerentola. New York, Music Treasure Publications, 1970, ed. Donald Garvelmann, com o objetivo de “stimulate renewed interest in Herz” e na “lilting joie-de-vivre” de sua música. Mais recentemente, a série Piano Music of Parisian Virtuosos 1810-1860. New York and London, Garland, 1993, ed. Jeffrey Kallberg, incluiu outros trabalhos de Herz.

11 Robert Schumann. Écrits sur la musique et les musiciens . Trad. de Henri de Curzon. Paris, Fischbacher, 1898. v. 2, p. 164.

12 Algo dessa sua atividade pode ser encontrado em Cyril Ehrlich. The Piano: A History. London, J. M. Dent & Sons, 1976.

13 Sobre as obras de Herz, veja -se Charles Russel Suttoni, Piano and Opera: A Suty of the Piano Fantasies Written on Opera Themes in the Romantic Era , Ph.D. Dissertation, New York University, 1973, p. 130 e 143; ver também, Loesser, Men, Women, and Pianos. New York: Simon and Schuster, 1954, p. 359. Apud, Jeffrey Kallberg (ed.) Piano Music of the Parisian Virtuoso 1810-1860. 10 vols., New York, Garland, 1993.

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Após extensas turnês na Europa, Herz foi o primeiro pianista virtuose a cruzar o

Atlântico, percorrendo a América, dos Estados Unidos ao Chile, passando pelo México, as

Antilhas e o Peru, de 1845 a 1851, de modo a reunir o capital necessário para constituir sua

empresa de pianos. Ele registrou essas viagens em seu livro Mes Voyages en Amérique

(1866),14 no qual incluiu apontamentos sobre a impressão que a escravidão lhe causara e sobre

as características da música afro-americana.

Eu nunca havia visto escravidão até chegar em Charleston, e os sinais dos seus sofrimentos produziram em mim uma vívida impressão. Eu não percebi o ar aflito ou que eles eram mal tratados; mas o contrário sua aparência indicava que um ar gaiato ou indiferença, e materialmente eles podem ser considerados com a mesma sorte de alguns europeus; mas eles eram escravos, e esse fato, a despeito de qualquer coisa mais eu penso, fazem de todos eles uma sombra do que poderiam ser.15

Além disso, em New Orleans, um grupo de negros pediu que oferecesse um concerto

privado, pois não podiam freqüentar os concertos públicos. Embora pensasse em aceitar,

acabou desistindo da idéia a conselho de seu secretário Ulmann, que o advertiu do perigo de

“cometer um imperdoável erro em tocar primeiro para os negros”, uma vez que fazendo-o, ele

“nunca mais teria a audiência dos brancos em New Orleans” e que se lembrasse de que “um

branco é igual a dois negro, assim como você diz no Conservatório [Paris] que uma semínima

é igual a duas colcheias.”16

A despeito de abortar o concerto, Herz manteve seu interesse pela música dos afro-

americanos e usou vários de seus temas em improvisações durante a sua turnê, revelando

mesmo uma certa noção do que se praticava no Brasil.

Ao agir assim como um pesquisador, procurando capturar o idioma musical local em

suas peças, Herz inaugurou a prática, empregada pelos virtuoses que o seguiram, de compor e

tocar fantasias baseadas em temas ou em referências regionais para despertar o entusiasmo do

público local. Nos Estados Unidos, além da polca La Californienne, Op. 167, que documenta

sua visita a São Francisco no inicio de 1850,17 e de suas Mélodies de Christy, simples citações

dos temas de Oh Susanna e de Stop dat Knocking, ele escreveu Variations Brillantes et

Grande Fantasie sur des Airs nationaux américains (1846), Op. 158, sobre três temas

americanos: Jackson’s March, Hail Columbia, e Yankee Doodle, que antecipa em quinze anos

14 Traduzido como My Travels in América. Paris, Achille Faure, 1866; trans. Henry Bertram Hill, Madison, The

State Historical Society of Wisconsin, 1963. 15 My Travels in America, p. 74. 16 Ibidem, p. 88. 17 Herz chegou a São Francisco em 26/03/1850.

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a peça de Gottschalk Union, Paraphrase de Concert, composta entre 1852-1862, que também

emprega Hail Columbia e Yankee Doodle, mais The Star Spangled Banner.18 Em sua visita ao

México, em 1849, prestou uma homenagem especial aos mexicanos com a Marcha Nacional

a los Mexicanos, Op. 166,19 e a Polka del Siglo, dedicada “a las Señoras Mexicanas”,20

embora em sua Fantasie Méxicaine, Op. 162, Herz construísse as variações mais uma vez

sobre o tema de Stephen Foster, Oh Susanna.21

Para a América do Sul, Herz escreveu La Tapada, polka caractéristique du Perou

(1850-51), Op. 171, que não recorre a qualquer tema popular peruano, ainda que a contracapa

da publicação francesa procurasse descrever os costumes de Lima:

A Tapada é um termo sobre o qual se designa em Lima a mulher se veste com a roupa mais picante do mundo. Essa roupa consiste em uma saia de soie plissée que se coloca admiravelmente na cintura, um pouco baixa nas ancas com uma dobra que entra de volta na saia que deixa visível uma figura negra em flamboyant. Uma écharpe de cor berrante faz contraste com a cor sóbria da vestimenta e lhe completa. 22

Em Santiago do Chile, onde permaneceu de dezembro de 1850 a fevereiro de 1851,

Herz compôs uma peça para piano intitulada Las Flores de Santiago,23 e deu alguns

concertos. O primeiro trazia o título de “Panorama musical o Revista de óperas y canciones

las más célebres de todos los países desde el siglo XV hasta el presente”24 e incluía fantasias

sobre temas de Beethoven, Weber, Rossini, Bellini, Donizetti, Auber, Meyerbeer, Verdi, além

de canções populares do Novo Mundo, como as Canciones chistosas y muy simples de los

esclavos negros, dos Estados Unidos, El Jarabe, do México, e a Canción Nacional, do

próprio Chile. O segundo concerto intitulou-se “Viaje musical de Herz” e procurava descrever

sua turnê pelas Américas através das músicas, que compreendiam: 1) Tempestade en el

Atlântico; 2) México: Perico; 3) Califórnia: Yankee Doodle; 4) Bohemia: La polca [sic]; 5)

18 John G. Doyle, Louis Moreau Gottschalk, 1829-1869. Detroit, Information Coordinators, 1983, p.328-329.

Gottschalk era conhecedor da música de Herz. No seu concerto de despedida em St. Louis , antes de ir para Paris em 1841, ele tocou a peça Op. 23 de Herz.

19 Esperanza Pullido, “Marcha Nacional dedicada a los Mexicanos”, Heterofonía 88/18, 1985, p. 45-52. 20 Donald Garvelmann, ed. Variations on Non più mesta from Rossini’s La Cenerentola, 9. Apud. Esperanza

Pullido, Marcha Nacional dedicada... 21 Aparentemente Herz incluiu ‘Oh Susanna’ al lado do tema de E. P. Christy ‘Carry Me Back to Old

Virginny’, em seu Impromptu burlesque sur des melodies populaires de Christy’s Ménestrels, peça também publicada como Op. 162. Ver Lott, “The American Concert Tours of Leopoldo Meyer, Henri Herz, and Sigismond Thalberg”, 183.

22 Contra-capa de La Tapada, polka caractéristique du Pérou, Op. 171, Brussels: Schott & Cie. 23 Pereira Salas, Historia de la música en Chile, 1850-1900. Santiago, Publicações de la Universidad de Chile,

1957, p. 113. 24 Pereira Salas, ibidem, p. 112.

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Chile: La zamacueca.25 Esta última dança já fora utilizada pelo violinista Camillo Sivori,

mencionado acima, em seu El Carnaval de Chile, “variaciones burlescas”, tocadas em

Santiago em 1849,26 assim como voltariam a aparecer com La Zambacüeca, Danse nationale

du Chili do pianista holandês Ernst Lübeck (1829-1876), que foi executada em Santiago em

1853.27

Henri Herz não chegou ao Brasil em sua turnê,28 mas, antes mesmo, sua fama

espalhara-se largamente pelo continente. No Rio de Janeiro, em 6 de junho de 1832, uma

academia incluía composições suas e, em 1837, seu Op. 1 estava à venda em vários locais na

capital brasileira.29 Em 1840, Herz dedicara seu Grand Duo Brillant sur um motif de l’Opéra

L’Elisire d’Amore, para piano a quatro mãos, Op. 113, publicado por Breitkopf & Härtel em

Leipzig, “À Leur Altesses Impériales Donna Januaria et Dona Francisca, Princesses du

Brésil”.30 Nos Estados Unidos, o Charleston Courier registrava em 1847: “Não existe

nenhuma casa, em que se toque piano, em que sua música não é ouvida.”31 Sua popularidade é

atestada ainda pela inclusão do retrato de Herz no periódico O Ramalhete das Damas (1842-

1850) e pela ampla circulação que alcançou no Brasil não só La Tapada, incluída no catálogo

da Casa Napoleão em 1871, como a polca La Brésilienne, Op. 195, editada por Schott de

Meyence em 1860, que encabeçava uma longa lista de danças para piano intitulada “Polca

Brasileira”, publicada no Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XIX e que,

embora não contivesse tema brasileiro algum, trazia na contra-capa da publicação francesa o

retrato elaborado de uma mulher cercada de plantas tropicais.32 Um outro elo entre Herz e o

Brasil derivava de seu contato com Arthur Napoleão, pois foi na sala de concertos deste

virtuose que o pianista português deu seu concerto de estréia em Paris, tornando-se admirador

de Herz, como confessou em sua autobiografia.33

25 Ibidem, p. 112-113. 26 Luis Merino, “José White in Chile: National and International Repercussions”, Inter-American Music Review

XI/, Fall-Winter 1990, p. 108-109. 27 Leipzig: Bartholf Senff. 28 Embora os jornais do Rio de Janeiro não noticiem sua visita, Marmontel menciona sua estada no Rio de

Janeiro em seu Les pianistes célèbres, silhouttes et médaillons. Paris, A. Chaix et Cie., 1878, p. 38. 29 Herz “variações concertantes” para piano e violino (Herz e Lafont) e as variações “Fouchette ests

Chamarante”, Op. 10 para piano; ver Cerninnhiaro, Storia della Musica nel Brasile. Milão, Stab. Tip. Edit. Fratelli Riccioni, 1926, p. 132.

30 Biblioteca musical da Universidade da Califórnia conserva um exemplar. 31 Charleston Courier, 23/01/1847; cotejado em R. Allen Lott, “The American Concert Tours of Leopoldo de

Meyer, Henri Herz, e Sigismond Thalberg”. Ph.D. dissertation, City University of New York, 1986, p. 173. 32 Catalogo das musicas impressas no imperial estabelecimento de pianos e musicas de Narciso & Arthur

Napoleão. Rio de Janeiro e Lisboa, Imprensa Nacional, 1871. 33 Arthur Napoleão. “Memórias de Arthur Napoleão“. Revista Brasileira de Musica 3. 1962, 4-6, 1963.

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Ainda mais esquecido do que Henri Herz encontra-se Joseph Ascher (1829-1869), que

nasceu em Groningen, de pais alemães.34 Depois de estudar em Londres com Moscheles,

acompanhou-o em 1846 ao Conservatório de Leipzig e, em 1849, fixou-se em Paris, onde foi

compositor de músicas para piano de sucesso e ativo nos círculos da corte de Napoleão III.

Ascher jamais visitou a América do Sul, mas suas peças para piano começaram a

circular no Brasil já na década de 1850, mostrando-se bem representadas no periódico O

Brasil Musical, tendo 48 peças incluídas no catálogo de 1860 de Filipone e revelando-se um

dos mais representativos compositores no catálogo da Casa Napoleão em 1871, embora

fossem menos tocadas nos concertos brasileiros que as de Herz, Thalberg ou Gottschalk. Mais

uma vez, é sua ligação com Arthur Napoleão que explica essa popularidade por mais de vinte

anos.

Tive a fortuna de encontrar ali [Paris] Joseph Ascher, um excelente rapaz e distinto pianista muito em voga nesse tempo. Afeiçoou-se a mim e deu-me algumas boas lições, ensinando-me diversas das suas composições que, sem pretenderem ombrear com as dos grandes mestres, são extremamente graciosas e brilhantes.35

Uma outra razão para a popularidade da música de Ascher no Rio de Janeiro pode ter

sido seu interesse pela música de terras estrangeiras, como demonstra o grande número de

suas publicações recorrendo a temas ibéricos, como o Capricho Danse Andalouse, o Bolero

Le Muletier de Tolède e o Capricho La Sevillana, todas reimpressas no Brasil.

Particularmente evocativa é uma peça de Ascher baseada em elementos africanos, a Danse

Nègre, Caprice Caracteristique, Op. 109, datada de 1860. Foi reimpressa no Rio de Janeiro

em O Brasil Musical nº 553, no final da década de 1860, e enfatiza notas repetidas, forte

acentuação no primeiro e no terceiro tempo, extensivo uso de notas em stacatto e ritmos

sincopados. A abertura de doze compassos contém material percussivo, como se invocando os

tambores de uma dança ritual, enquanto uma escala pentatônica dá início à segunda seção,

acima do baixo ostinato também repetido várias vezes com ornamentos. Na ultima seção, os

tambores retornam como um coro marcado martellato, requerendo o cruzamento de mãos e

criando, como na Bamboula de Gottschalk, um atrativo efeito visual. É difícil não reconhecer

34 Embora F.-J. Fétis. Biographie universelle des musiciens . Paris, Firmin-Didot, 1877, v. 1, p. 153, indique

Londres como seu local de nascimento, mas o editor da biografia de Arthur Napoleão, publicada na revista Brasileira de Música, 1963, p. 50, situa seu nascimento na Holanda, na cidade de Groningen, em 04/06/1829, e seu falecimento em Londres, em 26/06/1869.

35 Apud Revista Brasileira de Música, p. 42. Ayres de Andrade. “Um rival de Liszt no Rio de Janeiro,” Revista Brasileira de Música 1/1, 1962.

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sua influência sobre a Dança de Negros, para piano (1887), e sobre a versão orquestral do

Batuque, o ultimo movimento da suíte Série Brasileira (1888), de Alberto Nepomuceno.

Thalberg, Arthur Napoleão e outros

Desde terça-feira passada, anda em alvoroço esta boa capital. A população agita-se, corre, gesticula, grupa-se, fala em segredo como se conspirasse, e por fim repete com todas as entonações do espanto um nome semibárbaro. Os afinadores de piano andam numa dobadoura; correm de um ao outro canto da cidade, rompem cordas, põem cordas novas, afinam, desafinam e suam em bagas. Há um fio elétrico circulando por todas as casas, agitando todas as mãos e todos os espíritos. A atmosfera está cheia de ecos despertados pelos ohs! e ahs! pronunciados em todas as línguas. Mas de fato Segismundo Thalberg está no Rio de Janeiro? Está, sim senhor. Já foi visto nas ruas como um simples mortal, e no Teatro Lírico como um semideus que é. Que capital mais que a do Império do Brasil teria direito a uma visita do grande artista? Não há palácio, casebre ou choupana onde a um canto da peça principal não se arrume o precioso Erard ou o velho Broadwood de teclas amarelas e cordas desafinadas. No Rio de Janeiro todos tocam piano: mulheres, crianças, velhos e rapazes... No Rio de Janeiro há poucos professores e muitos amadores. Amadores do mau, do extravagante, do absurdo; professores que sabem tudo, menos o que devem ensinar. Toda a regra tem exceção e estas duas mais do que as outras. Mas o Rio de Janeiro é, de fato, a cidade pianista por excelência.36

Apesar dos exageros, as expressões do cronista não deixam dúvida quanto ao impacto

gerado pela primeira visita do pianista virtuose Sigismund Thalberg (1812-1871) junto à

reduzida camada da boa sociedade carioca. Ele chegou ao Rio de Janeiro em 10 de julho de

1855, mas suas composições já eram conhecidas na cidade. Em seu Methodo de Afinar Piano

(1843, 1845, 1849), Raphael Coelho Machado cita Thalberg como um grande artista europeu,

ao lado de Herz, Liszt e Prudent. No famoso concerto alemão organizado pela Sociedade

Saengerbund, regido por Cristiano Stockmeyer em 7 de outubro de 1854, executou-se sua

Fantasie Les Huguenots, juntamente com obras de Mozart, Weber, Beethoven, Mendelssohn,

e Schubert. E depois de sua visita em 1855, a música de Thalberg permaneceu no repertório

dos editores brasileiros por décadas e continuou a ser tocado em concertos até o fim do

século. Trabalhos seus foram publicados por Filipone & Cia. e apareciam freqüentemente no

periódico O Brasil Musical (1848-1875). Thalberg também foi um dos mais representativos

compositores do catálogo de 1871 de Napoleão. Sua Barcarolle, Op. 60, e Thème et Étude,

Op. 45, apareceram no catálogo de Bevilaqua em 1900. Depois da visita de Thalberg, sua A

36 Comentário de Henrique Cesar Muzzio em um folhetim apud Andrade, Francisco Manoel ..., v. 1, p. 231-2.

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Arte do Canto Aplicada ao piano Op. 70 – oferecendo instruções para tocar piano –

encabeçava as vendas de música para piano no Rio de Janeiro.

Músicas de Thalberg: Uma das mais modernas composições, Op. 70 intitulada Arte do Canto Aplicada ao Piano. Estas composições se acham precedidas de preciosas instruções do insigne artista sobre a arte de tocar piano, e que revelam aos pianistas os principais fins que devem ter em vista, a simplicidade e a beleza, a arte de encantar em lugar de espantar, de tocar menos para os olhos e mais para o coração.37

Discípulo de Hummel e Moscheles, Thalberg possuía uma técnica adquirida da escola

clássica, que mantinha as mãos predominantemente quietas, sem os movimentos de braços e

ombros que caracterizavam a de Liszt. Distinguia-o, em particular, o estilo cantante,

aclamado até mesmo por Liszt, e a clareza de suas execuções, elogiada por Mendelssohn,

Clara Schumann e seu marido, um constante inimigo do piano virtuosístico vazio.38 Em suas

fantasias, o aparecimento do tema é o momento especial - a especialidade de Thalberg era o

efeito criativo de enunciar a melodia no registro médio do piano por meio da utilização de

ambos os dedos polegares, enquanto a cercava com arpejos de cima a baixo do teclado, de

modo a criar a impressão de três mãos tocando.

Típico virtuose do século XIX, que, além das turnês pelo Rio de Janeiro e Buenos

Aires em 1855 e 1863, ainda circulou pela América do Norte em 1856/1857,39 Thalberg

compunha de acordo com o gosto de suas audiências, predominando as fantasias sobre temas

operisticos, das quais produziu em torno de 60. Elogiadas por seus contemporâneos, serviram

também de modelos para vários outros compositores depois de 1850. Não obstante,

comparadas com as de Herz, as obras de Thalberg são mais expandidas nos extremos e

empregam um número maior de temas, combinados através do uso de sofisticada técnica

contrapontística, e, ao final, fazem retornar o tema principal na voz aguda, ornamentado com

diferentes tipos de figuras pianisticas, como passagens cromáticas e terças e sextas dobradas,

a fim de sugerir uma sonoridade orquestral.40

Por tudo isso, não é de admirar-se o sucesso que Thalberg alcançou no Rio de Janeiro

e que contribuiu decisivamente para atribuir ao piano uma nova posição na imaginação dos

cariocas. Conforme um crítico musical da época, o

37 Ayres de Andrade, “Um rival de Liszt no Rio de Janeiro”, Revista Brasileira de Música I/1 (1962), 40. 38 Plantinga, Schumann as a Critic. New Haven, Yale University Press, 1967, p. 207-211. 39 Ver Gesualdo, História de la musica en Argentina . Buenos Aires, Editorial Beta, 1961, Vol. II, 219. 40 Charles Suttoni, Piano and Opera, A Study of the Piano Fantasies Written on Opera Themes in the Romantic

Era. Ph.D. dissertation, New York, New York University, 1973, p. 178.

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piano sob seus dedos [...] soa como um instrumento áspero nós sabemos, é uma harpa eólea, algo como a suave voz de uma mulher apaixonada; suas destacadas notas emergem com muitas outras, e ele canta melodias nunca antes ouvidas. Thalberg sozinho ocupa seu lugar; nem Liszt, Chopin, Herz, Meyer, nem Pleyel poderiam igualar o seu sucesso [...].41

Entre os pianistas-compositores que exploraram as lições de Thalberg de misturar

vários temas para construir uma grande fantasia para piano estava Arthur Napoleão. Ele

nasceu no Porto, em 6 de março de 1843, filho de Alexandre, um italiano natural de Bérgamo,

com formação musical, que emigrara para escapar da perseguição política a sua família,

tornando-se professor em Lisboa.42 Ao mudar-se para o Porto em 1841, o pai casou-se com

uma portuguesa, Joaquina Amália dos Santos (falecida em 1853), e da união nasceram nove

filhos, quatro dos quais morreram na infância, enquanto um outro, Julio, viajou para o Brasil e

estabeleceu residência em São Gabriel, Rio Grande do Sul.43 Percebendo o talento do filho

para o piano, Alexandre levou-o a Londres, em 1852, e a Paris, no ano seguinte. Na capital

francesa, com dez anos de idade, Arthur conheceu Ascher, Thalberg, Ravina, Prudent, Goria,

Marmontel e ainda o jovem cellista J. Offenbach. Após algumas aulas, Herz ofereceu-lhe o

salão que mantinha para seu concerto de estréia, com peças de Thalberg, Herz e Ascher, que

obteve um razoável sucesso. Em um concerto posterior, dirigido por Auber, acabou saudado

por Napoleão III.

Em seguida, retornou a Londres e, em 1855, visitou a Alemanha, onde encontrou

Ferdinand Hiller, Meyerbeer, na casa do embaixador de Portugal em Berlim, e Rossini, que se

encontrava em uma estação de águas em Baden; além de receber lições de Carl Reinecke e de

tocar para Liszt em Weimar. Na Inglaterra, à qual retornaria em 1857 para uma turnê com

Sivori e Piatti, como mencionado acima, tornou-se protegido de John Ella (1802-1888),

personagem importante na criação da organização musical inglesa moderna. Após atuar como

41 Henrique César Muzzio, “Páginas Menores,” Correio Mercantil; coletado em Ayres de Andrade, “Um rival

de Liszt no Rio de Janeiro,” Revista Brasileira de Música 1/1 (1962), 29-30. 42 Ale xandre, nascido em 1808, adaptara Napoleão como seu ultimo nome em homenagem ao imperador

Bonaparte. 43 Sanches de Frias, Arthur Napoleão, resenha comemorativa da sua vida pessoal e artística (Lisboa, n.p.,

1913), 16. O livro de Frias é baseado na autobiografia do compositor, e parte dela foi publicada no periódico Correio da Manhã no Rio de Janeiro em 04/09/1925, e na Revista Brasileira de Música III (1962), IV, V, VI (1963) como “Memórias de Arthur Napoleão”. Luiz Heitor Corrêa de Azevedo sumarizou a biografia de Napoleão em “Arthur Napoléon 1843-1925, Un pianiste portugais au Brésil”, Arquivos do Centro Cultural Português, Vol. III (Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971), 572-602. De acordo com Azevedo, uma cópia do original encontra-se na Biblioteca Alberto Nepomuceno, na Escola Nacional de Música (UFRJ). Uma mais recente biografia de Arthur Napoleão foi publicada no Dwight’s Journal of Music (Boston 1852-1881. 41 vols. New York, Johnson Reprint Corp., 1968) 01/01/1859. Cf. também Enciclopédia de Música Brasileira (1977) e na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1936-1960).

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violinista, Ella estabelecera em 1845 The Music Union, uma sociedade para a promoção de

concertos de câmara instrumentais, cujas atividades se estenderam até 1880. Para essas

ocasiões, ele introduziu os programas analíticos, escritos por ele próprio, com análises das

músicas executadas e que incluíam extratos das obras.44

Ainda em 1857, Napoleão veio ao Brasil pela primeira vez. Tinha apenas 14 anos, mas

já havia encontrado, ouvido ou tocado para os mais famosos músicos de sua época. No Rio de

Janeiro, apresentou-se no Theatro Provisório e no Theatro São Pedro de Alcântara. O

programa do primeiro concerto incluiu o Concerto nº 1 de Herz, com acompanhamento de um

segundo piano, a cargo de Guilherme Weiss, um alemão residente no Brasil; a Grande

Fantasia et Variations Norma e a Introduction et Variations l’Elisir d’Amore de Thalberg;

mais a então célebre Fantasie Lucia de Lammermoor, Op. 8, de Emile Racine Gauthier

Prudent (1817-1863), um virtuose parisiense.45 Embora a editora do italiano Isidoro

Bevilacqua publicasse a sua peça no Brasil, a impressão do jovem virtuose a respeito da vida

musical carioca não foi muito positiva.

A impressão que guardo dessa época, em relação ao andamento progressivo do piano no Rio de Janeiro, é pouco lisonjeira. Thalberg, passando pela capital fluminense dois anos antes de mim, iniciava naturalmente uma revolução entre amadores e profissionais; mas, dahi até a minha chegada, essa revolução não tinha ainda produzido grandes resultados.46

Assim, ele retomou suas excursões em companhia do pai. Em New York, durante a

primavera de 1859, Arthur tocou a sonata Waldstein de Beethoven e prosseguiu em direção a

Boston, Washington, Philadelphia e New Orleans.47 Entretanto, com exceção de New

Orleans, os concertos nos Estados Unidos não deram o lucro esperado e, no começo de 1860,

pai e filho seguiram para La Habana, ponto fulcral do circuito comercial da música ao norte

do Equador, como mostrou John Rosselli.48 Ali conheceram L.-M. Gottschalk e o violinista

cubano José White, com os quais Arthur continuou em estreita amizade.

Em agosto de 1862, Arthur fez sua segunda visita ao Brasil. Além de concertos no

Theatro Provisório, Arthur promoveu saraus na casa de Francisco da Rocha Miranda, na rua

44 Stanley. Sadie (ed.) Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994, p. 157. Cf.

também v. 1, p. 84-85. 45 Stanley. Sadie (ed.) Dicionário Grove..., p. 262. 46 Frias, Arthur Napoleão..., p. 99. 47 Arthur Loesser, Men, Women, and Pianos. New York, Simon and Schuter, 1954, 498. Ver também Dwight’s

Journal of Music. Boston 1852-1881. New York, Johnson Reprint Corp., 1968, Frias, Arthur Napoleão, 156-7.

48 John Rosselli. The Opera Business and the Italian Immigrant Community in Latin America 1820-1930: The Example of Buenos Aires . Past & Present. Oxford, 127, 155-82, May 1990.

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Nova das Laranjeiras, e, em reuniões especiais na rua da Quitanda, na companhia dos

pianistas Schramm e Arnaud, do violinista Muniz Barreto e do flautista Reichert, travou

conhecimento com personalidades literárias como Machado de Assis, José Feliciano de

Castilho e outros.49 Depois do Rio de Janeiro, pai e filho prosseguiram em direção a Porto

Alegre, Montevideo e Buenos Aires, para retornarem e dirigirem-se para uma turnê pelo norte

do Brasil, que incluiu a Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará.

Em 1866, Napoleão retornou ao Rio de Janeiro, já então liberado da tutela do pai-

empresário, que com ele dividira, quando fizera 21 anos, o dinheiro acumulado naqueles

anos.50 Aproveitou a estadia para colaborar com o francês Arnoud, diretor do Alcazar

Lyrique, na organização de concertos e para fazer a estréia, no Theatro Gymnazio Dramático,

de uma opereta sua, orquestrada por Henrique Alves de Mesquita, O Remorso Vivo, com

textos de Machado de Assis, Joaquim Serra e Furtado Coelho, o diretor do teatro.51

Finalmente, em 1868, Napoleão veio para ficar e, em janeiro do ano seguinte, criou a firma

Narciso, Arthur Napoleão & Cia, uma editora, que administrou até sua morte em 1925 e que

logo passou a constar entre os negócios mais prósperos da cidade. A mudança de estilo de

vida, de músico itinerante para homem de negócios, confirmou-se com a decisão de casar-se

com Lívia Avelar em 1871.

Não obstante, Napoleão continuou tomando parte em todas as mais importantes

promoções musicais do Rio de Janeiro. Em 1869, apoiou entusiasticamente a visita ao Brasil

de Gottschalk, de quem admirava a técnica pianística e o caráter benevolente, apesar de

caracterizá- lo como um compositor “a ser admirado mas não imitado”.52 Em 1876, a convite

do imperador, dirigiu a primeira execução do Requiem (1874) de Verdi na cidade e, no início

dos anos 1880, ficou encarregado dos números musicais por ocasião das comemorações pelo

centenário de Camões, que inspiraram composições de Carlos Gomes, Leopoldo Miguez e

dele próprio. Além da ativa participação que manteve, indicada mais acima, nas sociedades e

clubes musicais fluminenses, destacou-se ainda, naturalmente, no papel de professor de piano,

contando entre seus alunos inclusive com Francisca Gonzaga. Em 1887, o imperador

concedeu- lhe a Ordem da Rosa.

49 Frias, Arthur Napoleão..., p.156-7. 50 De volta a Portugal, Alexandre depois de se casar novamente, comprou uma casa em Lisboa (Rua da Lapa),

onde passou seus últimos 20 anos. 51 Frias, Arthur Napoleão..., p. 200. A opereta, a qual foi inspirada em uma fantasia para piano de Bernard

Wagner, foi encenada várias vezes no Rio de Janeiro nas décadas seguintes; em 02/12/1899, ainda estava sendo levada pela companhia de Dias Braga no Theatro de Variedades.

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O catálogo de suas composições, publicado em 1913 por Sanches Frias, inclui 90

obras, começando com uma paráfrase de The Bohemian Girl (1843), a mais conhecida ópera

do compositor irlandês Michael William Balfe (1808-1870), e terminando com vários Études

pour virtuosos. A maioria delas consistem de peças de salão e de fantasias baseadas em temas

operisticos de Donizetti, Verdi e Offenbach. Após o seu estabelecimento no Rio de Janeiro,

destacam-se peças sobre temáticas brasileiras, entre elas, duas fantasias a partir de Il Guarany

e Il Schiavo de Carlos Gomes.

Na primeira, Napoleão recorre a três temas da ópera. A introdução retoma a

“Sinfonia”, transposta para Si maior e Mi maior, e embora não tão longa quanto as aberturas

de Thalberg, reproduz os efeitos típicos deste virtuose, ressaltando o tema no registro médio

do instrumento, cercado de acordes. O segundo tema deriva da ária “Or bene insano” e

conserva-se na tonalidade original de Mi maior, praticamente sem modificações, ainda que

igualmente cercado por acordes, escalas e arpejos para assegurar o brilho pianístico, reforçado

ainda, em algumas passagens, por uma terceira pauta suplementar, com a indicação de ser

aquela a forma “comme l’auteur le joue”. Por fim, o Molto Brillante final explora a “Canzone

dell’avventuriere”, a popula r ária em ritmo 3/8 de Gonzales, “Senza tetto, senza cuna”.

Napoleão transpôs o tema de Dó maior para Si maior, introduzido primeiramente sem

ornamentos, tecendo-o depois com diferentes figurações pianisticas, para alcançar o clímax

pelo acrescentamento de elementos de bravura.

Em Echos do Passado, Op. 45, Napoleão reuniu seis romances com textos de poetas

brasileiros, que incluíam Gonçalves Dias e Machado de Assis, assim como na peça intitulada

Les Jongleurs, Caprice Brésilien, Étude de Genre, Op. 51, dedicado a N. Ruiz Espadero, de

Havana, explorou alguns ritmos e figuras de ritmo característicos das primeiras polcas-tangos.

Apesar desses tributos à pátria que escolhera, no entanto, sua obra de maior sucesso foi um

Romance et Habanera, Op. 71, marcado pelos ecos da dança cubana e dedicado a “Madame

R. de Carneiro Leão Ribeiro, do Rio de Janeiro”, com quem, após ambos enviuvarem, iria

casar-se novamente em 1903.

A essa altura, apesar das freqüentes viagens à Europa por conta de seus negócios de

comerciante de pianos e editor de partituras, durante as quais mantinha contatos com Henri

Herz e com a família Érard, Arthur Napoleão tornara-se uma instituição no meio musical do

52 Frias, Arthur Napoleão..., p. 221.

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Rio de Janeiro, posição que continuaria a ocupar até sua morte, em 1925.53 Afinal, em 1907,

Arthur Napoleão viria a completar cinqüenta anos de sua primeira apresentação no Rio de

Janeiro e, para comemorar a ocasião, Alberto Nepomuceno, enquanto diretor do Instituto

Nacional de Música, organizou um concerto, que foi assistido pelo presidente da República e

várias autoridades portuguesas, seguido de banquete. Ninguém, exceto talvez Francisco

Manoel da Silva, teve um papel tão importante na organização da vida musical carioca.

No entanto, entre Sigismund Thalberg e Arthur Napoleão, também merecem menção,

de modo a completar o panorama da segunda metade do século XIX, alguns brasileiros e o

longevo italiano Ercole Pinzarrone (1826-1924). Este, nascido em Nápoles e educado no

Conservatório de S. Pietro, em Majella, chegou ao Rio de Janeiro no final de 1853, onde se

tornou um conhecido professor de piano e compositor, cujas obras incluíram um método

didático para o seu instrumento, uma série de prelúdios para iniciantes, alguns Estudos de

Aperfeiçoamento de Trinado e uma grande lista de fantasias para piano.54

Embora não se tratasse propriamente de um virtuose, já em 1854 o Jornal do

Commercio anunciava de Pinzarrone a fantasia A Saloia, baseada em uma cantinela popular,

“Moda da Saloia”, da farsa O Beijo do Mestre de Ângelo Frondoni, publicada em O Brasil

Musical nº 141, assim como o nº 149, do mesmo ano, incluiu suas variações sobre a valsa

Terna Paixão. Por volta de 1862, a coleção A Família Imperial nº 32, 33 e 50 estampou suas

valsas D. Isabel e D. Leopoldina, mais a marcha Tomada de Paysandú, revelando a

integração que alcançara na sociedade local. Em seguida, produziu um grande número de

composições incorporando temas de Carlos Gomes. Em adição a uma fantasia sobre Il

Guarany, três outras, baseadas nas óperas Fosca, Maria Tudor e Salvator Rosa, constavam

dos catálogos das casas Napoleão (1871) e Bevilacqua (1900).

A Fantasia Brasileira (1858) de Pinzarrone, publicada em O Brasil Musical nº 247,

procurava seguir os passos de Herz e Thalberg. O tema, a melodia de um lundu com oito

compassos, oscila entre a tônica e a dominante, com repetições e ornamentos limitados por

um esquema harmônico simples, de acordo com o padrão do gênero.55 O introdutório Allegro

53 Em depoimento pessoal, Guilherme Pereira das Neves observou que sua avó materna, nascida em 1901 e

falecida em 1981, ainda se recordava de ter assistido a concertos de Arthur Napoleão em sua juventude, chamando-lhe então a atenção a grande agitação do virtuose diante do piano.

54 Cerninnhiaro, Storia della Musica nel Brasil, 411. 55 O quarto e quinto capítulos da obra de Czerny A Systematic Introduction to Improvisaton, Op. 200,

primeiramente publicado em 1836 (trad. e ed. por Alice L Mitchel. New York and London, Longmann, 1983), contém os esquemas usados no inicio do século XIX pelos compositores que escreviam fantasias em temas ‘emprestados’.

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brilhante lembra as reduções para piano de aberturas operísticas, utilizando um acorde de

sétima diminuta para preparar o surgimento da melodia do lundu, em Dó maior, sem qualquer

ornamento. Seguem-se três variações que revestem o tema por meio da adição de oitavas,

escalas e arpejos, mas de dificuldade apenas mediana. No final da primeira seção, um acorde

de Mi maior anuncia uma nova melodia sincopada, derivada da segunda parte do tema do

lundu, marcada dolce e meno mosso, que antecipa o idioma musical nacionalista de fins do

século XIX e inícios do XX. O Largo Expressivo central explora a região mediana do piano,

nas tonalidades de Mi maior e seu relativo Dó menor. Na última seção, o tema do lundu

retorna, sustentado por tríades e oitavas.

Assimilado pela comunidade musical local, Pinzarrone associou-se, em 1892, a

Leopoldo Miguez, Carlos Gomes, Arthur Napoleão, V. Cernicchiaro, A. Fertin de

Vasconcelos, J. Cortes, Ignácio Porto Alegre e Miguel Cardoso para prestar homenagem a

Alexandre Levy (1864-1892).

A arte musical, acaba de perder um dos seus dedicados apóstolos: Alexandre Levy já não existe. O talentoso e modesto compositor, prematuramente pagou á natureza, esse fatal tributo, ao qual todos estamos sujeitos. Mas a morte, apezar de ser inexorável, não póde apagar o rastro luminoso, que após si deixa um verdadeiro artista. O seu nome ligado ás suas inspiradas obras há de viver eternamente.56

Suas peças, porém, embora integrassem com freqüência os programas dos concertos,

nem sempre recebiam criticas favoráveis. Em 16 de agosto de 1879, a Revista Musical e de

Bellas Artes trouxe um comentário bastante significativo de Arthur Napoleão.

o Sr. Pinzarrone, ou alguém por elle, tem publicado nas secções a pedido do Jornal do Commercio , alguns artigos em que se mostra magoado pelas ligeiras considerações que fizemos sobre a sua composição L’addio del guerriero, que se executou no Club Mozart, na noite de 7 de agosto, corrente [...] No concerto do Club Mozart havia quem, a não ser este senhor [Sr. Duque Estrada Meyer], estivesse no caso de avaliar as composições do Sr. Pinzarrone [...] O Sr. Pinzarrone é um caráter honesto e um artista laborioso; mas permitta-nos S. S. que lhe digamos que a exclamação “pobre arte a que estás reduzida!” com que termina um de seus artigos pecca por pouco modesta. Que logar occupa o Sr. Pinzarrone no mundo artístico e que composições são as suas para que se julgue fora da alçada da critica?57

Dentre os brasileiros, vale mencionar em primeiro lugar o próprio Carlos Gomes, cujas

obras para piano e música de câmara tem permanecido na sombra.58 Vasco Mariz considera

56 Gazeta Musical, anno II, nº 4, (17/02/1892), 64. 57 Revista Musical e de Bellas Artes 33 (16/08/1879), 2. 58 Os dois trabalhos disponíveis são, Bruno Kiefer, “A obra pianística de Antônio Carlos Gomes”, Carlos

Gomes, uma obra em foco. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1987, 35-48; e Agydio de Castro e Silva, “Música

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que nenhuma de suas modinhas “merece comentário mais pormenorizado, tão pouco originais

são e tão pobrezinhas em recursos harmônicos se revelam”.59 De acordo com Bruno Kiefer,

suas peças para piano são “música de salão do século passado! E européia, antes de mais

nada!”60

Aparentemente, é verdade, o sucesso em Milão das óperas de Carlos Gomes não

estimulou logo o esperado aparecimento de arranjos, limitados, segundo o catálogo de 1871

da casa Napoleão, a dois trechos de Il Guarany: “Cera uma volta un principe” e “Canzone

dell’avventuriere”, ambas em reduções para piano feitas por Pinzarrone. No entanto, trechos

de A Noite do Castelo (1861) surgiram em reduções para voz e piano e para piano solo,

anunciadas por Raphael Coelho Machado em dezembro do mesmo ano da estréia.

A noite do castelo. Ópera nacional em três atos do compositor brasileiro A. Carlos Gomes. Fecha-se no dia 25 do corrente mês a assinatura desta excelente obra. Para canto e piano 9$000, e para piano só 6$000, pagos imediatamente. Aos Srs. Subscritores será oferecido o fiel retrato do autor com a lista dos seus nomes, designando as localidades a que pertenceram. A obra depois de publicada será vendida por maior preço. As pessoas de fora da corte podem dirigir-se pelo seguro do Correio ao editor Rafael Coelho Machado, rua da Quitanda nº 43. Depósito de música e pianos.61

Do referido catálogo constava também um grande número de peças para piano de

Carlos Gomes, desde seus primeiros trabalhos, como os schottisches Cândida (1859) e

Angelica (1859), assim como o catálogo de 1900 da casa Bevilaccqua trazia várias canções

italianas (Addio, Lontana, Mamma dice [1893], Notturno para soprano ou mezzo soprano e

Noturno para baixo [1866], Sempre teco! e Tu m’ami), além de três canções portuguesas

(Conselhos, canção popular brasileira [1884], Quem sabe [Tão longe de mim distante, 1859] e

Suspiro d’alma [1859]).

Dentre as peças para piano, destaca-se a suíte Quilombo, quadrilha sobre os motivos

dos negros (1857-1885?),62 constituída por quatro danças intituladas Cayumba, Bananeira,

Quingombô e Bamboula, e um final. A segunda e a quarta eram versões facilitadas de Le

Bananier e Bamboula de Gottschalk, derivadas da creole song En avan’ Grenadie,63 cujos

títulos Gomes reteve, apenas passando para português Le Bananier. Não obstante, ele transpôs

para piano de Carlos Gomes”, Revista Brasileira de Música. 1936, 188-190. Benedito Barbosa Pupo ed., Carlos Gomes e suas obras para piano. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1986.

59 A canção brasileira. Brasília, Civlização Brasileira, 1977, 34. 60 Nota da contracapa do LP O piano brasileiro de Carlos Gomes. RJ, INM, 1979, tocado por Fernando Lopes. 61 Jornal do Commercio, 07/12/1861. 62 A coleção de Gomes foi publicada no Ramalhete das Quadrilhas por Filippone & Tornaghi. 63 Richard Jackson, Ed. Piano Music of Louis Moreau Gottschalk. New York, Dover 1973, ix.

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ambas as peças para tonalidades com menor número de notas pretas (Ré maior no lugar de Ré

sustenido maior e Mi menor no lugar de Dó menor), eliminou repetições, simplificando a

estrutura AABBCAB, assim como aliviou acordes e oitavas de dobramento nas passagens

difíceis, deixou de lado um tema distinto na mão esquerda, evitou cruzamentos de mãos e

ignorou marcações de expressão e pedal. A sua Bamboula era para iniciantes.

A primeira peça da quadrilha, porém, é uma versão facilitada de uma dança composta

pelo próprio Carlos Gomes, A Cayuma, Dança de Negros, descoberta por Carlos Penteado de

Rezende em 1967 em um anúncio do Correio Paulistano de 1857, e escrita ainda em

Campinas, antes que partisse para o Rio de Janeiro em 1859: “A Cayuma – dança dos negros,

música original e de um gosto todo novo para piano.”64 No Rio de Janeiro, porém, outro

anúncio da peça já tinha aparecido no ano anterior: “A CAYUMA: Dança de negros;

composta por A. Carlos Gomes para piano, só 500 rs; á venda no imperial estabelecimento

musical de Diniz, Praça da Constituição nº 11.”65 Dedicada a seu amigo E. Maneille, a

introdução de A Cayuma contém três trechos, após os quais uma melodia em escala

pentatônica entra em um tempo de chula.66 Isso revela claramente que Gomes conhecia a

música fe ita fora da casa de ópera, assim como a recorrência de melodias pentatônicas e de

notas repetidas mostra como ele estava atento à música da rua.67

Gomes simplificou a sua A Cayuma da mesma maneira que facilitou as peças de

Gottschalk. Embora a transposição do original em Sol maior não fosse necessária, ele omitiu

uma curta introdução e várias repetições, assim como as vozes intermediárias nas três seções,

de modo a tornar a peça mais simples para os iniciantes, e, na ultima seção, ele ainda mudou o

acompanhamento, transformando o ritmo para algo próximo de uma habanera. Já a terceira

peça da suíte é uma composição original, em compasso duplo composto, semelhante a um

lundu-canção, como sugere a estrutura de rondó e a seqüência de tonalidades (Lá menor/Dó

maior/Lá maior). Para finalizar, surge um tradicional final em tempo cortado, com motivos

derivando das partes integrantes de Quilombo.

64 Ver Carlos Penteado de Rezende, “A música em São Paulo”, São Paulo, terra e povo. Porto Alegre, 1967,

266. Essa dança não fora mencionada por Agydio de Castro e Silva em seu artigo de 1936 “Musica para piano de Carlos Gomes” e, desde o artigo de Rezende, 1857 tem sido comumente aceito com o data da composição de A Cayuma. Ver Benedito Pupo e seu prefácio da publicação de 1986 de Carlos Gomes e suas obras para piano. Rio de Janeiro, FUNARTE.

65 Jornal do Commercio, 08/10/1856 66 Chula é uma dança portuguesa de metro curto introduzida no Brasil no inicio do século XIX. A chula

também pode ser cantada por um solista acompanhado de um vilão.

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Menos conhecido do que Carlos Gomes, Henrique Alves de Mesquita foi um

compositor versátil, muito bem representado nos catálogos das editoras do período, que

deixou não só operetas e peças para piano, como ainda várias peças sacras.68 Em 1853, junto

com o clarinetista Antônio Luis de Moura, ele ainda abriu uma pequena loja de música para

vender instrumentos, copiar música e oferecer lições de música. Como músico, estudara

instrumentos de sopro com Desidério Dorison e composição com Gioacchino Giannini,

começando a atuar em 1847 numa apresentação no Theatro São Francisco, quando tocou

“umas variações de Piston compostas pelo Sr. Desidério Dorison”.69 Três anos depois, com

apenas 20 anos de idade, estreou como compositor, responsabilizando-se pela música

incidental para um drama em quatro atos, O Padre e a Sigana [sic] ou A Inquisição em Roma,

apresentada no teatro São Pedro de Alcântara em 8 de outubro de 1850.70 Em 1854, publicada

por T. B. Diniz, surgiu sua modinha O Retrato, logo seguida pelo romance Illusão, no ano

seguinte. Em 1857, Mesquita obteve uma bolsa de estudos do Imperial Conservatório para ir

estudar em Paris, onde se tornou aluno do Conservatório, sob a direção de Emmanuel Joseph

François Bazin (1816-1878), somente retornando ao Brasil em 1866.

Nesse meio tempo, sua opereta La Nuit au Château, com texto de Paulo Kock,

posteriormente traduzida para o português por Lino Assunção, foi encenada e teve vários

trechos publicados em Paris, enquanto a ópera O Vagabundo, com Vicente De Simoni, subia

ao palco do Theatro Lyrico Fluminense em 24 de outubro de 1863, com libreto traduzido do

italiano para o português, montada pela Ópera Nacional.71 De volta ao Rio de Janeiro,

Mesquita atuou como trompetista no Alcazar Lyrico Fluminense e, a partir de 1869, passou a

reger com freqüência a orquestra do Theatro Phenix Dramática, dirigido por Furtado Coelho,

aí estreando suas mais famosas operetas, como Triunfo às Avessas (1871) e Ali Babá (1872).

Nesse último ano, com a morte de Thiago Henrique Canogia, tornou-se regente efetivo do

teatro, assim como assumiu as posições de professor no Imperial Conservatório e de organista

e compositor na Igreja de S. Pedro. Não obstante, era como homem de teatro que o público

67 De acordo com Bruno Kiefer, A Cayumba é “muito repetitiva” e o elemento negro é somente mostrado no

título, “como é comum nas peças desse período”; ver “A obra pianistica de Antônio Carlos Gomes”, Carlos Gomes, uma obra em foco , 42.

68 De acordo com os anúncios diários do Jornal do Commercio, depois de seu retorno ao Rio de Janeiro em 1866, a música sacra de Mesquita foi constantemente tocada no serviço religioso da cidade. Esse lado de sua atividade composicional ainda merece um estudo separado.

69 Jornal do Commercio, 01/17/1847. 70 A peça foi anunciada no Jornal do Commercio em 07/10/1850. Para uma performance anterior da mesma

peça em 19/09/1850, Dionísio Vega fez a música; Jornal do Commercio de 18/09/1850. 71 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva...

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carioca o reconhecia, adquirindo com avidez as reduções para piano de suas operetas baseadas

no cotidiano brasileiro e, em particular, as polcas, tangos e habaneras nelas incluídas, que se

tornaram bastante populares nas décadas de 1870 e 1880, por que de fácil execução e

adequadas para serem dançadas nos salões.72

Baptista Siqueira, aliás, considera que Henrique Alves de Mesquita, sob a inspiração

do Tango Chanson Avanais, do francês Lucien Boucquet (1863), que integrava a peça teatral

L’Île de Calypso, foi o autor do primeiro tango brasileiro, intitulado Olhos Matadores e

publicado em novembro de 1871.73 O tango Ali-Babá, publicado bem depois da estréia da

opereta no Phenix Dramática, em 1872,74 segue a estrutura AABB da maioria de suas peças

nesse gênero. A primeira parte, em Lá menor e de compasso 6/8, é precedida por uma

introdução somente no acompanhamento em 3/4. Uma breve transição para a dominante, Mi

maior, conduz à segunda parte em Lá maior, com um acompanhamento sincopado, em padrão

rítmico 3+3+2 com seis notas, o qual, justaposto contra outras figuras de ritmo na melodia,

cria um contraste na acentuação das duas linhas, como também ocorre nas peças de Gottscalk.

Na realidade, evidenciando a preferência pela utilização de melodias com saltos e síncopes

similares ao lundu, amplamente adornadas com acentos triplos e apogiaturas, como os tangos

espanhóis, Mesquita, em 1856, no lundu Os Beijos do Frade, já tinha recorrido a esse padrão

rítmico com ecos caribenhos, que voltaria a ser empregado por Ernesto Nazareth.

No entanto, a peça que melhor caracteriza esse momento de elaboração musical no

Brasil da segunda metade do século XIX talvez seja A Sertaneja (1869) de Brasilio Itiberê da

Cunha.75 Anunciada no Correio Paulistano em 17 de junho de 1869 como uma publicação de

72 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva... 73 Ary Vasconcelos dá o ano de 1868 para a composição de Olhos Matadores, e 1871 como o ano da

publicação; ver Raízes da música popular brasileira (Rio de Janeiro, Rio Fundo, 1991), 184. Siqueira coloca que essa publicação é anterior ao tango argentino Buenos Aires, publicado em 1880 e colocado pelo acadêmico argentino Carlos Vega como o primeiro do gênero (Danças e Canções Argentina, 239). José Ramos Tinhorão, avaliando a informação de Siqueira, inclui o capítulo “O tango brasileiro” em seu livro Pequena história da música popular, da modinha a lambada (São Paulo, Art Ed., 1991), 97-102. Siqueira dá a data de 04/10/1851, como a data quando a primeira vez que a peça intitulada habanera aparece no repertório brasileiro; a peça intitulada Tango Chanson Avanaise de M. Lucien Boucquet foi anunciada no Jornal do Commercio em 31/05/1863; ver Três vultos históricos da música brasileira, Mesquita, Callado, Anacleto (Rio de Janeiro, D. Araújo, 1970), 79. Siqueira diz que, nas décadas de 1860 e 1870 a música espanhola invadiu os teatros brasileiros, até rivalizando com a popularidade do teatro francês. Na realidade, a identificação do público brasileiro com a música espanhola de teatro já acontecia na década de 1840, quando os boleros e tonadillas foram profusamente compostas e tocadas no Brasil.

74 Na publicação está escrito, “grande sucesso no Theatro Phenix Dramática!!!”; a partitura usada para esse estudo está na Divisão de Música da Biblioteca Nacional, foi publicada pela viúva Canogia (Rua do Ouvidor nº 111), e era parte da coleção Álbum de Musica de Dança.

75 Renato de Almeida deu o ano de 1860 como a data da composição de A Sertaneja, quando Itiberê da Cunha tinha apenas 16 anos; ver História da música brasileira (Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1942), 424. Curt Lange

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H. L. Levy e Mme Fretin (São Paulo), foi obra de um jovem de vinte e cinco anos, que

estudava direito em São Paulo. Extensivamente estudada por Helza Camêu, é uma típica e

elaborada fantasia, similar a várias outras em circulação no Rio de Janeiro na época, em que o

piano é explorado em estilo de bravura. Sua originalidade consiste no uso como tema de uma

canção popular, Balaio, meu bem balaio, apresentada à maneira de uma habanera.

Ainda ignorada por Cernicchiaro em 1926 e pela edição do mesmo ano da História da

Música Brasileira de Renato de Almeida, de acordo com Helza Camêu, foram somente “os

músicos nacionalistas e, mais tarde, os compositores nacionais que, conscientemente,

contribuíram para a consagração do nome de Brazílio Itiberê da Cunha, tomando- lhe ‘A

Sertaneja’ como padrão de obra nacional.”76 E, pode-se acrescentar, deixando outras

composições do autor, como as Rhapsodies Brésiliennes e a Danse Américaine, no

esquecimento. Contudo, na época de sua composição, a peça de Itiberê da Cunha não foi um

caso isolado. Gerard Béhague levanta a dependência de A Sertaneja em relação ao modelo de

Gottschalk, embora advirta que “a prática de introduzir elementos populares na música de

caráter artístico [art music] não fosse certamente uma tendência nesse período”.77 Como

indicam as peças de E. Pinzarrone e de Carlos Gomes mencionadas acima, para não remontar

ao lundu brasileiro de S. Neukomm, o uso de danças e canções nativas como tema para

variações não constituía uma pratica inovadora, embora a idéia de incluir a habanera como

tema para variações possa ser considerada uma novidade.

De qualquer modo, como já ficou sugerido, a figura do virtuose por excelência que

tomou conta da imaginação dos cariocas na segunda metade do século XIX foi a de Louis

Moreau Gottschalk.

Morte!: Gottschalk e o Rio de Janeiro

Era domingo, 19 de dezembro de 1869. O corpo de Louis Moreau Gottschalk jazia no

salão principal da Sociedade Phillarmonica do Rio de Janeiro, na Rua da Constituição, 41. O

ratifica a informação em “A música no Brasil durante o século XIX (Regência -Império-República)”. Carlos Penteado Rezende acredita que a peça foi composta entre os anos 1863-1865, quando Itiberê da Cunha preparava-se para ingressar na escola de direito; ver Tradições musicais da Faculdade de Direito de S. Paulo (São Paulo, Ed. Saraiva, 1954), Helza Camêu preferiu os anos de 1867 ou 1868, desde que o compositor tinha a experiência no inicio dos anos 1860; ver “A importância histórica de Brazilio Itiberê da Cunha”, Revista Brasileira de Cultura (1970), 34.

76 Ver “A importância histórica de Brazilio Itiberê da Cunha”, Revista Brasileira de Cultura. 1970, p. 34. 77 Gérard Béhague, The Beginnings of Musical Nationalism in Brasil. Detroit, Michigan, Detroit, Michigan,

Detroit Monographs in Musicology nº 1, 1977.

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pianista e compositor americano de quarenta anos havia morrido às 4h da manhã do dia

anterior. Era o que dizia o atestado de óbito assinado pelo Dr. Severiano Rodriguez Martins, o

médico pessoal do imperador que o atendera, mulato e descendente do padre José Maurício.78

Durante a noite, o corpo fora embalsamado por um grupo de especialistas. O escultor

Bernadelli, professor da Academia de Belas Artes, tirara- lhe o molde do rosto para fazer a

máscara mortuária e um busto comemorativo.79 Perto do ataúde, ornado para a ocasião,

encontrava-se o piano marca Chickering. Com ele, três semanas antes, o músico fizera sua

ultima apresentação. Enquanto interpretava sua peça Morte!, passara mal. Chegou a

recuperar-se, mas, ao começar a tocar a última composição programada, a popular Tremolo,

caiu desacordado sobre o teclado.80

Por volta do meio-dia, um pequeno congestionamento formara-se em torno da rua da

Constituição. Enquanto a orquestra da Sociedade Phillarmonica voltava a executar Morte!,

iniciou-se o cortejo. Atrás da banda do Primeiro Batalhão do Imperador, caminhavam os

membros da Sociedade Philarmônica, em traje de luto completo e carregando tochas. Seguia-

se o caixão, carregado por oito pessoas. Rodeavam-no músicos e amigos, que também

portavam tochas.81

O cortejo seguiu lentamente pelas ruas estreitas do centro da cidade. Ao chegar ao

Largo da Lapa, o esquife foi transferido para um coche. Seguindo pela orla, em direção ao

cemitério São João Batista em Botafogo, o cortejo se fazia acompanhar de inúmeras

carruagens. Das janelas e das calçadas ao longo do trajeto, pessoas observavam. No cemitério,

esperavam-no representantes das sociedades musicais em que o músico se apresentara e das

sociedades beneficentes para as quais Gottschalk fizera contribuições. Os discursos couberam

ao Dr. Achille Verejão e ao Prof. Antonio Cardoso de Meneses. O primeiro aclamou o

pianista como o Campeão do Novo Ideal Pan-Americano.82 O corpo foi enterrado em um

túmulo cedido por uma família carioca. Uma semana depois uma missa foi rezada pela sua

78 Para todos os aspectos da morte e do funeral de Gottschalk, ver Francisco Curt Lange, Vida y Muerte de

Louis Morreau Gottschalk , Cf. tb. Starr, p. 424. 79 Jornal do Commercio, 19/12/1869. 80 Dr. França Junior, Diário do Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1869. Apud. Lange, Vida y Muerte de Louis

Morreau Gottschalk , 81 Henri Préalle para Clara Gottschalk em 23 de dezembro de 1869, Glover Collection. Apud. Frederick Starr,

Louis Moreau Gottschalk . University Illinois Press, 2000, p. 35. 82 Ba-ta-caln, 25 de dezembro de 1869. Lange, op. Cit, p. 5.

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alma na igreja de São Francisco de Paula, ocasião em que se executou um réquiem. A missa

de mês foi celebrada no salão principal da Sociedade Phillarmonica.83

Em São Paulo, que tinha recebido recentemente o compositor, a notícia chegou em 24

de dezembro, levando um compositor local a escrever uma Marcha Funèbre em sua memória,

enquanto um poeta registrava que “esse compositor do novo mundo foi se encontrar com os

grandes europeus.”84 No Rio, nas semanas seguintes ao enterro, a imprensa carioca publicou

inúmeros artigos sobre o compositor. Alguns eram em forma de poesia, como foi o caso de

“Para Gottschalk”.85 O desejo do público sobre histórias da vida e morte do compositor era

insaciável; nenhum detalhe parecia trivial o bastante, como prova um outro com detalhes do

processo de embalsamamento do pianista que apareceu no Diário do Rio de Janeiro.86 O

popular A Vida Fluminense trouxe uma gravura do funeral e também uma vista frontal do

corpo do compositor em seu caixão, ambas convenientemente emolduradas por uma tarja

negra. Outra imagem retratava o compositor subindo aos céus sustentado por um anjo,

representando a Sociedade Phillarmonica, enquanto as figuras femininas da Europa e das

Américas do Sul e do Norte emudeciam. 87 Até o irreverente Ba-ta-clan, que costumava

oferecer caricaturas do compositor, agora apresentava uma seqüência de litografias, também

emolduradas de negro, que mostravam o gradativo envelhecimento do rosto de Gottschalk em

seus últimos dias.88

Jamais um músico havia recebido uma demonstração dessas na cidade. “Não se pode

imaginar a sensação que a morte de Gottschalk causou no povo do Rio de Janeiro”, escreveu

um cronista da época.89 A aura que tinha cercado suas apresentações, a tragédia de sua morte

inesperada e, provavelmente de maneira secundária, sua própria música fizeram o virtuose

entrar no imaginário dos cariocas. De fato, era do concerto monstro que Gottschalk organizara

e dos Gottschalk Chocolates, que passaram a ser vendidos nas principais confeitarias do

83 Ver D. Moreira de Azevedo, Rio de Janeiro, 2 vols., Rio de Janeiro, 1877, 1,229ff. Apud. Frederick Starr,

Louis Moreau Gottschalk . University Illinois Press, 2000, que serviu de base para esta narrativa. 84 Brasilio Machado in Correio Paulistano, 24 de dezembro de 1869; levantado por Carlos Penteado de

Rezende, “O Poeta do Piano”, Investigações , Revista do Departamento de Investigações, São Paulo, dezembro de 1951, p. 41. Cf Francisco Curt Lange, Vida y Muerte de Louis Morreau Gottschalk...

85 Jornal da Tarde, 23 de dezembro de 1869. 86 Diário do Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1869. Apud, Francisco Curt Lange, Vida y Muerte de Louis

Morreau Gottschalk... 87 Desenho de Ângelo Agostini, A Vida Fluminense, 25 de dezembro de 1869. Biblioteca Nacional. 88 Ba-ta-clan, 25 de dezembro de 1869. 89 Henri Préalle, carta intitulada “Gentleman and Friends”, 23 de dezembro de 1869, Miscellaneous Letters,

Gottshalk Collection, NYPL. Apud, Starr, . Frederick Starr, Louis Moreau Gottschalk . University Illinois Press, 2000.

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centro do Rio de Janeiro, que eles se lembravam. Republicano, mas amigo do imperador,

abolicionista num país escravista, esse americano tocara o coração dos brasileiros, acabando

por ser enterrado com honras de chefe de estado e considerado um “herói da cultura”, uma

“celebridade universal”.90

Gottschalk nascera em New Orleans em 1829, de pai inglês educado na Alemanha. A

mãe pertencia a uma família de nobres franceses, arruinada pela revolta dos escravos do Haiti.

A infância, passara-a sob influência da cultura européia do pai, das histórias da avó sobre o

Caribe e da música negra da Lousiana. Aos treze anos, seguiu para Paris a fim de se

aperfeiçoar no piano e, na França, permaneceu por onze anos, convivendo com Victor Hugo,

Théophile Gautier, Chopin e Berlioz. Em 1851, começou a vida de virtuose itinerante,

excursionando pela Espanha. De volta aos Estados Unidos em 1853, no ano seguinte realizava

uma turnê pelo Caribe. A partir de 1857, escolhe novamente La Habana como base para

percorrer vários países da América Central, compondo, dando espetáculos individuais ou

organizando concertos. Ao mesmo tempo, começou a redigir um diário, mais tarde publicado

com o título de Notas de um Pianista.

Por essa altura, um jornal local noticiou que ele havia morrido de aneurisma. O músico

dirigiu uma carta ao editor responsável, garantindo que ainda permanecia no mundo dos

vivos, mas, dias depois, o jornal trazia uma gravura do busto do compositor emoldurado por

uma lira partida, com os dizeres: “Para Gottschalk, respeitos dos seus inconsoláveis

admiradores”. A notícia exigiu do compositor um enorme esforço para convencer seus

editores na Europa e nos Estados Unidos de que ainda continuava vivo.91

Durante a Guerra Civil americana, de 1862 a 1865, aproveitando as crescentes

facilidades de uma rede ferroviária em expansão, Gottscalk, sulista, mas partidário das forças

do norte, que homenageara com The Union (1862), fez uma extensa turnê pelos Estados

Unidos, ao longo da qual apresentou-se provavelmente mais de mil vezes, com cerca de seis

concertos por semana durante alguns períodos. No início do último ano, quando a vitória do

norte sobre o sul escravista já estava praticamente consolidada, decidiu partir para a

Califórnia. Lá, porém, envolveu-se, em um escândalo, acusado de seduzir, juntamente com

um parceiro, que lhe teria servido como Leporello a D. Giovanni, duas moças de uma escola

em que tocara. Assustado com as repercussões do caso, preferiu interromper a turnê e tomar

90 Cf., Gilberto Freyre, Ordem e Progresso. Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 54. 91 Cf. cópia da carta de Gottschalk para Leon Escudier, (1857), Starr, . Frederick Starr, Louis Moreau

Gottschalk. University Illinois Press, 2000.

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incógnito um vapor para o Panamá, de onde, ao invés de retornar a New York, deu início a

uma grande turnê pela América do Sul, visitando Lima, Santiago, Montevideo e Buenos

Aires. Finalmente, em 3 de maio de 1869, chegou ao Rio de Janeiro, então com uma

população total ao redor de 450 mil habitantes, em meio ao clima do nascente nacionalismo

provocado pela guerra do Paraguai. 92

Desde a visita de Thalberg em 1855, a vida musical do Rio de Janeiro mudara

consideravelmente. O estabelecimento da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional

nascera e estimulara o desejo por uma identidade musical nacional. As sociedades e os clubes

tinham se multiplicado com a afluência urbana propiciada pelo café e a estabilidade política

alcançada no auge do Império. Até as modinhas, lundus, miudinhos, sorongos e outras danças,

muitas de origem hispânica, começavam a aparecer como motivo para variações e fantasias.

Nesse ambiente, o pot-pourri de temas e motivos das mais variadas regiões da América, que

Gottschalk fora acumulando em suas turnês, combinavam-se sem dificuldade e contribuíram

para seu sucesso, assim como aplainaram o caminho para a produção em escala cada vez

maior de peças com sabor local por parte dos compositores nativos.

No Rio de Janeiro, onde, para praticar e compor, Gottschalk alugou o salão de Arthur

Napoleão, que conhecera muitos anos antes em Cuba, suas composições não eram

desconhecidas. Le Bananier, chanson nègre teve a primeira performance no Theatro São

Pedro de Alcântara pelo pianista Leon Soulié num concerto realizado em 8 de agosto de 1850

e passou a circular em partitura nos anos seguintes.93 La Savanne, ballade créole foi

publicada na coleção A Família Imperial por volta de 1862. Até a família imperial conhecia e

executava suas composições, como ele próprio descobriu quando foi chamado ao Palácio de

São Cristóvão para uma audiência.94 Além disso, contava não só com a amizade de Arthur

Napoleão, como também de outros, que logo dele se aproximaram, como o diretor de teatro

Furtado Coelho e o litógrafo Henrique Fleiuss, que lhe daria grande cobertura em A Semana

Ilustrada. O resultado disso, relatou o virtuose em carta a um amigo em Boston, foi que seus

concertos tornaram-se “um perfeito furore. Os ingressos estão sempre esgotados com oito dias

de antecedência”, jamais perdendo o imperador e a família imperial “um só dos meus

entretenimentos”.95

92 Candido Mendes [de Almeida]. Atlas do Império do Brasil [1868]. Rio de Janeiro, Arte & História, 2000.

Prancha 15 (Município Neutro). 93 Jornal do Commercio, 08/08/1850. 94 Frederick Starr, Louis Moreau... , p. 424. 95 Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 424.

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Ao chegar ao Rio, contava dispor de dois pianos Chickering, marca da qual era o

representante e que o fabricante tinha prometido enviar. Os instrumentos, no entanto, ainda

não tinham alcançado a cidade. Como não suportasse tocar num Érard, comercializado por

Napoleão, e considerasse os Pleyel disponíveis muito inferiores aos antigos, Gottschalk

preferiu aguardar, instalando-se num hotel na rua do Ouvidor e fazendo a ronda aos salões

cariocas. Assim, sua estréia somente ocorreu em 3 de junho, no Theatro Lyrico Fluminense,

utilizando um velho piano Broadwood que conseguira alugar.96 Ângelo Agostini registrou a

casa completamente lotada, contando, entre os presentes, o imperador e a família imperial.97

Com o grande êxito, o concerto teve de ser repetido nos dias 6 e 15 de junho. Das

composições de Gottschalk, as mais pedidas eram a Tarantela, Banjo, Tremolo e Morta!.

Em novo concerto no dia 18 de junho, o pianista executou pela primeira vez sua

Grande Fantasie Triomphale sur l’Hymne National Brésilien, Op. 69,98 que, a partir daí,

passou a ser exigida pelo público em todas as apresentações seguintes. Estava assegurada a

popularidade. O imperador continuava indo a todos os seus concertos, e a imprensa era

unânime em elogiar seu virtuosismo. Em julho, foi convidado a dar um concerto no palácio de

São Cristóvão, no qual repetiu as “Variações sobre o Hino Nacional”.

Embora atingido pela febre amarela, endêmica na cidade, Gottschalk recuperou-se e

seguiu para São Paulo e Santos. Ao retornar ao Rio em setembro, encontrou finalmente os

pianos Chickering enviados de Boston e retomou a maratona dos concertos. Em outubro, deu

início aos concertos de grande porte, que o celebrizariam. A 5, 7 e 10 desse mês, apresentou-

se com 16 pianos e 31 pianistas no Theatro Lyrico Fluminense, o maior salão da cidade,

executando, entre outras peças, a “Marcha” de Tannhäuser e o “Coro dos Soldados” do

Fausto de Gounod.

Encorajado pelo êxito, Gottschalk continuou em intensa atividade, planejando um

concerto monstro, algo nunca visto na cidade. O concerto ocorreu no dia 24 de novembro,

outra vez no Lyrico Fluminense, completamente lotado e com a presença do imperador. Ao

fundo do palco, as bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos. Na orquestra, havia 650

músicos, possivelmente quase todos os instrumentistas da cidade, extraídos de várias

orquestras particulares, de nove bandas da Guarda Nacional, quatro da Marinha e duas do

96 Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 424-5 97 Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 425. 98 Jeanne Behrend, Notes of a Pianist, 320. Para detalhes relacionados a publicação da Grande Fantasia, ver

Doyle, Louis Moreau Gottschalk, 1829-1869, 287-288.

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Exército. O programa incluiu uma Fantasia sobre o Fausto, a “Marcha” de O Profeta de

Meyerbeer, o Carnaval de Veneza, a Grande Tarantela e um dos dois movimentos do poema

sinfônico A Noite dos Trópicos [La Nuit des Tropiques], talvez a composição mais ambiciosa

do próprio Gottschalk, que incluía, de maneira absolutamente original na época, instrumentos

de percussão caribenhos.99 Ao final, durante a execução da Marcha Solene Brasileira, agora

renomeada Humaitá, em que o pianista incluía o Hino Nacional, canhões dispararam nos

bastidores.

Diante do êxito estrondoso, uma outra exibição foi programada para o dia 26. Na

véspera, porém, no salão da Sociedade Phillarmonica Fluminense, Gottschalk desmaiou sobre

o teclado ao iniciar Tremolo, logo depois de executar Morte! com visível dificuldade. Levado

de volta para o hotel na rua do Ouvidor, o pianista não mais se recuperou. Faleceu na

madrugada de 18 de dezembro de 1869 em um outro hotel, o Bennet, no sopé do Corcovado,

para onde fora transferido por causa dos bons ares.100

A notícia da morte de Gottschalk chegou primeiro a Montevideo, Buenos Aires,

Santiago, Lima e outras cidades da América do Sul por onde o pianista havia passado. Artigos

de jornal com biografias adulatórias foram apressadamente publicadas para atender à

demanda do público.101 De La Habana, o compositor cubano Nicolas Ruiz Espadero escreveu

um elogio em homenagem a Gottschalk que saiu no jornal parisiense L´Art Musical em

abril.102 Antes disso, a irmã mais nova do compositor, Clara, já divulgara a notícia nos

principais meios de comunicação da capital francesa.103 Em Londres, cidade em que

Gottschalk nunca tocara, coube às duas outras irmãs que ali moravam passar a novidade para

a imprensa. Tanto o Morning Post quanto o Illustrated London News e a revista Orchestra

publicaram extensos relatos sobre a vida e a obra do compositor, embora nem sempre

valorizassem sua música.104 Até São Petersburgo foi alcançada pela notícia em abril de 1870:

“A tristeza foi consumada no Rio de Janeiro e foi ecoada em toda a Europa [...] Quem não

99 Frederick Starr, Louis Moreau... , p. 284-7 100 José Murilo de Carvalho, Pontos e Bordados, Escritos de História e Política. Belo Horizonte, UFMG, 1998,

p. 396-399. 101 Santiago Estrada, “Louis M. Gottschalk [sic],” Revista Argentina , janeiro de 1870, 6,57-64. Apud, Frederick

Starr, Louis Moreau... 102 N. R. Espadero, “À propôs de Gottschalk”, L´Art musical, 31 de março de 1870, p. 141-2. Apud, Frederick

Starr, Louis Moreau... 103 Leon Escudier, ,”Mort de Gottschalk”, L´Art musical, 27 de janeiro de 1870, p. 25-27; ver também Gustave

Chouquet, “Les Dernières Oeuvres de Gottschalk”, L´Art musical, 19 de maio de 1870. p. 197-98. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau...

104 Morning Post (Londres), 23 de fevereiro de 1870, Ilustrated London News , 29 de janeiro de 1870 e Orchestra, 28 de janeiro de 1870. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 526.

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conhece suas composições?”.105 No entanto, nada foi noticiado no mundo alemão, e uma

jovem americana, estudante de piano em Berlin, escreveu para os pais.

Eu fiquei profundamente triste ao saber da morte do pobre Gottschalk [...] mas que maneira mas romântica de se morrer! – cair sem sentidos sobre seu instrumento, enquanto tocava La Morte!!. Isto é muito estranho. Se alguém mais nos jornais falar sobre ele você deve mandar para mim, para alimentar a paixão que eu e 99,999 outras garotas americanas temos por ele e ainda arrasta -se no meu peito!106

Nos Estados Unidos, o conhecimento da morte de Gottschalk chegou a New York por

meio do vapor com o correio do Rio de Janeiro em 21 de janeiro de 1870. Os jornais Tribune,

Herald e New York Times publicaram obituários, acrescentando o último que ele estava sendo

esperado em breve em sua terra natal. Em Boston, o Dwight’s Journal of Music republicou o

artigo do Times.107 Em Philadelphia, foram as cartas mandadas do Brasil por Henri Préalle

para o empresário, e também amigo do compositor, Charles Vezin que levaram a notícia.108

Em New Orleans, por fim, informada do ocorrido via La Habana, o jornal de língua francesa

L´Abeille publicou um extenso artigo sobre o compositor.109

Nem tudo, porém, foram elogios. Já em 22 de janeiro de 1870, um artigo impresso no

New York World revelava o caráter polêmico de Gottschalk, tomado, neste caso, como um

exemplo do que andava mal na cultura americana. Segundo o autor anônimo, o compositor

“foi o possuidor do fogo sagrado em algum grau”, mas não produzira mais do que “todo tipo

de delicados capricho efeminados, morceaux, e fantasias para falar a sensibilidade. Nascido

no solo quente do sul, Gottschalk foi [...] arauto da cultura parisiense de grande expressão”.

Infelizmente,

A lisonja cedo converteu [Gottschalk] [...] de um Apollo em um Adonis. Ele se recostou pouco a pouco na plataforma, inebriado pela fragrância do aplauso, e vindo a baixo pelo sonho de seu instrumento, essa lânguida graça o tornou irresistível. Alguma coisa de voluptuoso charme era evocada pelo seu piano.

Na realidade, Gottschalk podia evocar poemas, sonhos e paixões “em flashes

brilhantes, mas nenhum deles tinham a refulgência de uma poesia”. Isto porque “a carreira de

105 Nekrolog, Literaturnoe pribavlenie k Nuvellistu , Abril de 1870, p. 28-29. Apud, Frederick Starr, Louis

Moreau... 106 Amy Fay, Music Study in Germany, New York, 1965, p. 42. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 107 Dwight´s Journal of music, 29 de janeiro de 1870, p. 184. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau..., 108 Henri Préalle para Charles Vezin, Daily Evening Bulletin (Philadedlphia), 25 de janeiro de 1870, reimpresso

em New Yorke Observer, 06 de fevereiro de 1870. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 109 L´Abeille, 23 de janeiro de 1870, “Mort de Gottschalk”, L´Epoque, n.d., unfiled cliping, Gottschalk

Collection, NYPL. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau...,

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Gottschalk indicava mais uma vez a antiga e eterna moral de que, sustentando a verdadeira

Arte, deve encontrar-se a moralidade”.110

Em resposta, o Orpheonist and Philarmonic Journal logo declarou que Gottschalk “foi

um dos poucos artistas originais e reconhecidos nesse século”.111 E Henry Clapp Jr., amigo de

Walt Whitman, patrão de Mark Twain e editor do jornal Leader, concentrou-se em defender a

figura humana de Louis Moreau.

Ele foi mais que generoso com os amigos e inimigos; sua caridade não tinha limites ou tarefa; ele sempre tinha um coração aberto e uma mão aberta para os seus irmãos artistas; ele devotou até a sua ultima gota de sangue a sua família; ele foi apaixonadamente ligado as crianças; ele nunca prostituiu sua arte; ele amava o seu país mesmo nas horas mais negras; sua devoção À verdade em todos os departamentos da arte e da ciência era absolutos; e, finalmente, eu nunca ouvi ele falar mal de nenhum ser humano.112

Enquanto isso, no Rio, rumores circulavam sobre o virtuose e montava-se um enorme

imbroglio em torno de seu espólio. Em primeiro lugar, as diferentes versões sobre a causa de

sua morte. O atestado óbito, arquivado na Santa Casa da Misericórdia, atesta laconicamente

que ele morrera de uma “incurável pleuropneumonia galopante”.113 Henri Préalle, um amigo

do compositor, rapidamente transformou a pleuropneumonia em um abscesso estomacal,

enquanto Arthur Napoleão não tardou a atribuí- la a “um tumor! Um estúpido tumor! Nada

mais nada menos.”114 O secretário de Gottschalk, Firmin Moras confirmou a teoria do

abscesso, mas, pouco depois, comunicou aos jornais que o abscesso fora causado pela

pancada de um saco de areia, atirado por um estudante paulista irritado por ter sido desalojado

de sua república para abrigar a comitiva do pianista em turnê na cidade. Em uma variante logo

posta em circulação, o agressor teria sido um marido ciumento.115 A notícia logo se espalhou

e foi estampada no New York Tribune, voltando em seguida à América do Sul, divulgada por

La Tribuna de Buenos Aires em 22 de setembro de 1871.116 Ainda mais curiosa foi a versão

de que Gottschlk morrera por obra da sedução de uma atriz francesa, Clélie, que conhecera

em Montevideo e que o seguira até o Rio de Janeiro, colocada em circulação por um amigo

110 “Elogio a Gottschalk”. New York World , 22 de janeiro de 1870, Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... p. 11. 111 Orpheonist and Philharmonic Journal, n.d. 1870, Offergeld Collection. Ver também Watson´s Art Journal,

29 de janeiro de 1870, e 25 de junho de 1870. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 112 Leader, n.d. 1870, unmounted clipping, Gottschalk Collection, NYPL e “Figaro on Gottschalk”, Leader, n.d.

1870, unmounted clipping, Gottschalk Collection, NYPL. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 113 Certiduo ole óbito, nº 651, Santa Casa do Misericórdia, Glover Collection . Apud, Frederick Starr, Louis

Moreau... 114 Arthur Napoleão, Autobiographia, citado por Lange, op. Cit, nº 5-6, p. 102. Henri Préalle para Clara

Gottschalk, 23 de dezembro de 1869, Glover Collection. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 115 Lange, op. Cit, p. 171-75. Cf. tb. Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 6.

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cubano do pianista, Luís Ricardo Fors, de larga imaginação.117 S. Frederick Starr, autor da

mais recente biografia de Gottschalk, considera, no entanto, que a causa mortis mais provável

tenha sido um apêndice supurado, algo raro, mas não de todo improvável numa pessoa de

quarenta anos.118

Em relação ao enterro, especulava-se sob dois aspectos. Primeiro, o fato de apenas

dois representantes dos três mil residentes americanos terem comparecido. Dessa forma,

insinuava-se que Gottschalk era persona non grata em seu próprio país ou de que os norte-

americanos eram grosseiros demais para apreciar um grande artista. A explicação, porém, era

bem mais simples: a maioria dos residentes americanos no Rio de Janeiro da época eram ex-

confederados, enquanto Gottschalk tinha apoiado a causa da União durante a Guerra Civil.119

Segundo, como explicar a ausência do imperador ao funeral? Alegava-se que a razão era o

envolvimento do compositor com uma cantora do mal falado Theatro Alcazar, embora a corte

tivesse se deslocado, como de hábito, para Petrópolis em função do verão, a imperatriz ainda

estivesse se recuperando de uma doença grave e D. Pedro houvesse mandado prestar todo o

auxílio possível a Gottschalk.120

Em seu leito de morte, Gottschalk havia ditado um testamento, mas outro, elaborado

em 1855, encontrava-se em Philadelphia, designando seu amigo empresário Charles Vezin

como inventariante. Suas quatro irmãs, há muito sustentadas por ele, residiam em Paris e

Londres e acreditavam que tivesse se tornado fabulosamente rico. Além disso, ele tinha

contratos com firmas editoras e de fabricantes de pianos que eram ignorados no Rio. Seu

secretário, para ainda completar a confusão, não recebera o salário de 1869 e decidiu guardar

alguns dos bens valiosos do compositor como garantia. Como resultado, estabeleceu-se um

imbroglio difícil de desatar, ainda mais que uns não sabiam das intenções nem dos poderes

que tinham sido conferidos aos outros.121

Inicialmente, o cônsul americano, Henry W. Milford, bastante doente, quis colocar em

ordem as inúmeras dívidas do pianista, mas se deixou convencer pelo secretário Moras de que

116 Vicente Gesualdo, História de la música em la Argentina, 2 vols., Buenos Aires, 1961, 1,259, fn. 17. 117 Luís Ricardo Fors, Gottschalk, Havana, 1880, p. 177-95. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau... 118 Frederick Starr, Louis Moreau... , p. 436-7. 119 A situação foi explicada pelo jornal Anglo-Brazilian Times, o qual começou esses rumores em 23 de

dezembro de 1869. O Americam Minister, Henry T. Blow, não esta na cidade naquele dia. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau...

120 Cf Lange, op. Cit. Cf. ainda Henry T. Blow para Hamilton Fish, 9-19 de novembro de 1869, Despatch nº 46, vol. 37, Domestic Despatch, Brazil, General Records of Department of State, Record 59, US. National Archives. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau...

121 Para todas essas questões do espólio, cf. Frederick Starr, Louis Moreau..., p. 10-13.

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os bens limitavam-se a algumas peças de roupa, 23 volumes encadernados, três pianos, uma

quantidade de músicas e pequenos artigos de ouro e prata. Enquanto isso, Henri Préalle

avisava as irmãs e Vezin do ocorrido, os quais se prepararam para partir para o Brasil. Ao

mesmo tempo, o Tribunal de Órfãos e Ausentes vendia em leilão, a 26 de março de 1870, o

que conseguira recolher do espólio. Aí, encontravam-se incluídos os manuscritos de

Gottschalk, arrematados pela casa editora de Arthur Napoleão, mas que legalmente

pertenciam a uma firma de New York, a William Hall & Son, com a qual o compositor

firmara um contrato, embora fosse o cubano Nicolás Ruiz Espadero que Gottschalk designara

como seu executor literário. O fabricante dos pianos Chickering, por sua vez, trataram de

enviar correspondência ao governo do Brasil esclarecendo que os instrumentos desta marca

não pertenciam a Gottschalk e que deveriam ser enviados o quanto antes aos seus legítimos

donos.122 Com a chegada ao Rio de Charles Vezin e, posteriormente, da irmã Clara, estava

montado o cenário para uma disputa judicial interminável, que só se resolveu dois anos mais

tarde de maneira insatisfatória para todos, exceto para Arthur Napoleão, que guardou consigo

os manuscritos e deles fez bom proveito nos anos seguintes. Moras conservou tudo de que se

apoderara no momento da morte de Gottschalk, mas preferiu fugir. Vezin, na realidade,

encontrava-se em situação de falência quando partiu de Philadelphia e, sem resultados no

Brasil, também desapareceu, antes que fosse alcançado por um enviado especial da justiça

americana. Clara acabou convencida, em uma audiência com o imperador, de que nada mais

havia para ela, só lhe restando viver às custas da memória do irmão.

Ainda em 1870, o caixão de Gottschalk foi aberto, num rito um tanto macabro, para

que a cantora Carlotta Patti fizesse uma última despedida e, em seguida, embarcou num

vapor, com a passagem paga pelo generoso Henri Préalle. Em New York, uma cerimônia

religiosa foi realizada no dia 3 de outubro, antes que os restos do compositor fossem levados,

juntamente com os do irmão Edward, que morrera em 1863, para o cemitério Greenwood no

Brooklin, onde foram depositados em um túmulo cercado por uma grade de ferro e assinalado

por uma coluna de mármore encimada por um anjo segurando um livro, em cujas páginas

podiam ser lidos os nomes de seis composições famosas de Gottschalk. Com os anos, as

grades ruíram, o anjo foi derrubado e até o nome do compositor apagou-se.123

122 Henry T. Blow para o visconde de São Vicente, 28 de outubro de 1870, cópia em carta de Blow para

Hamilton Fish. Diplomatic Despatches, Brazil, vol. 37, General Records of the Department of States, Record Group 59, U.S. National Archives. Apud, Frederick Starr, Louis Moreau...

123 Cf. Frederick Starr, Louis Moreau... , p. 13-4.

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No Brasil, a memória de Gottschalk também foi se esvanecendo com o tempo, embora

ainda em 15 de maio de 1893 o Jornal do Commercio observasse que seu nome “é sempre

lembrado com saudade nesta capital”, pois o Brasil fora “um dos paízes que mais soube

apreciar o talento do grande pianista”. Por isso, transcrevia, como uma homenagem, um artigo

que saíra recentemente em importante jorna l norte-americano.

Acontece, às vezes, que logo apóz a morte de um compositor ou de um autor, que foi excessivamente popular, apparece uma reacção e seus trabalhos são desprezados por algum tempo. Se esses trabalhos não têm valor ficão para todo o sempre desconhecidos; se, porém, elles têm alguma originalidade, cedo ou tarde são favoravelmente acolhidos. Esse caso deu-se com o pianista Luiz Moreau Gottschalck. Os seus trabalhos estão sendo de novo procurados pelos pianistas. Gottschalck nasceu em Nova Orleans, a 8 de Maio de 1829. Seu pai era filho de ingleses e a mãe, de francezes. Cedo, muito cedo appareceu o seu talento pelo piano e foi então entregue a um dos melhores educadores de seu paiz. Aos 12 anos foi para Pariz, onde estudou com Charle Halle, Camillo Stamaty e Meleden. Foi-lhe negada admissão no Conservatório. No entretanto, poucos annos depois, foi convidado para ser um dos juizes do concurso daquella instituição, pelos mesmos que tinhão negado a sua admissão. No numero dos seus companheiros de estudo achava-se Saint-Saens. Nesse período de estudo Gottschalk freqüentemente tocava em salões da aristocracia. Em Abril de 1845 annunciou o seu apparecimento ao publico. Foi grande a curiosidade. Muitos perguntavão: Póde então a América apresentar um artista? Ficou essa pergunta bem respondida; os sucessos de sua mocidade começarão quando Chopin entrando em dia em seu quarto, e pondo a mão sobre a sua cabeça, disse-lhe diante de testemunhas que elle seria o rei dos pianistas. Todos os críticos parizienses o elogiarão e o mais notável, Heitor Berlioz, ficou seu amigo intimo, com o qual entreteve depois correspondência durante muitos annos. Depois de excursões concertistas através da França, da Bélgica, da Suissa foi para a Itália e Hespanha. Gottschalk voltou mais tarde para sua pátria, apparecendo pela primeira vez em publico em Nova York no dia 11 de Fevereiro de 1853. Deu um certo numero de concertos nos Estados Unidos e por toda a parte obteve grandes triunphos, excepto em Boston, onde os sentimentos, em matéria de arte, erão tão inclinados ao germanismo. Foi nessa occasião que, unido a Thalberg, elle realizou grandes festas musicaes. Dividio depois seu tempo entre os Estados Unidos e as Índias Occidentaes. O instincto tropical de sua execução, a sua natureza irrequieta forão elementos para que fosse idolatrado nas Antilhas. Na Havana compoz uma opera em 1 acto, que representou no Tacon Theater. Naquelle theatro elle também exhibio a sua symphonia A Night in the Tropics (Uma Noite nos Trópicos). Durante muitos annos Gottschalk viveu sobre a cratéra de um extinto vulcão nas Antilhas. Eis como elle fallava de sua residência – ‘Pendurado na bocca da cratera, no alto extremo da montanha, meu quarto abrangia todo o paiz. O rochedo, sobre o qual foi edificado, quase encimava um precipicio, cujas profundezas erão cobertas de arvores agrestes, bambus, etc. O meu predecessor nesta vivenda havia feito um aprazível terraço com parapeito. Todas as tardes eu arrastava meu piano para o terraço e ahi, em presença das mais encantadoras scenas do mundo bafejadas pela serena e límpida atmosphera dos trópicos, eu tocava for

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may self alone, para mim só, tudo o que aquellas scenas, e que scenas, me inspiravão. Imaginem um amphiteatro gigantesco, como teria edificado na montanha um exercito de poderosos heroes, á direita e á esquerda florestas virgens com as suas selvagens e longínquas harmonias, imitando a voz do silencio; deante de mim vinte léguas de paiz, cuja perspectiva mágica tornava-se mais maravilhosa pela transparência da athmosphera; sobre mim o azul do firmamento; debaixo os declives das montanhas em direção a planície: muito longe, savanas verdes; mais longe ainda, um porto: é a cidade; e ainda mais longe a immensidade do oceano, cuja linha de azul carreagado fórma o horizonte’. Foi alli naquella original e seductora vivenda que elle compoz os seus melhores trabalhos. Em 1862 voltou para os Estados Unidos e recomeçou a sua vida errante de pianista. Em 1865 embarcou para a América do Sul. A sua excursão nesse continente rivalizou com as excursões europeas de Liszt taes eram as festas e homenagens rendidas. A maneira porque durante essa sua viagem elle protegia o pobre, o numero de instituições caridosas que fundou, são attestados eloqüentes da benevolência do seu caracter. No Rio de Janeiro, o triumpho de Gottschalk attingio ao auge com a organização de grandes festividades, em que erão empregadas enormes massas orchestraes e choraes dirigidas por elle. No seu ultimo festival, quando executou ao piano a sua ultima peça denominada Morte, foi accommettido de uma syncope, sendo depois remettido para a Tijuca, onde, a 18 de Dezembro de 1869, exhalou o ultimo suspiro. A noticia de sua morte foi recebida com sincera tristeza pelos brazileiros, que fizerão de seu funeral uma manifestação publica. Mais tarde forão seus restos mortaes removidos para Nova York, onde se achão hoje no cemitério Greenwood. Quando morreu deixou incompletas varias operas, uma das quaes Isaura de Salemo, que era o seu trabalho favorito, em que sempre applicou muito cuidado. Tinha a intenção quando deixou o Brasil, de ir á Inglaterra e á França exhibir os seu trabalhos e o seu talento. Em França as sua composições eram mais conhecidas do que nos Estados Unidos; a sua Tarantella (op. 67), para piano e orchestra, foi além de 20 edições. O nosso paiz nunca teve melhor gênio musical do que Luiz Moreau Gottschalk. Vencia todas as difficuldades ao piano e a sua execução era ouro (golden). Tinha o poder de fascinar um auditório e se fosse para a Europa, de certo teria tomado lugar eminente entre os pianistas daquele continente. Tendo-se dirigido a América ainda não musicalmente cultivada, teve de cingir-se ás exhibições do tempo e por conseguinte escreveu muita cousa de ordem inferior. Muito cooperou para cultivar o gosto pelo piano. Era um homem de fino trato. Fallava cinco línguas e conhecia a litteratura dellas todas. Suas Notas de um pianista, que consistião em impressões de viagem, editadas por sua irmã, forão publicadas em 1881 e denunciarão um grande observador da natureza humana. As melhores composições de Gottschalk são A Creoula, Negro, A Bananeira, A Savana, Bamboula, Lembranças de Andaluzia, Meia Noite em Sevilha, grande numero de danças cubanas, entre as quaes Responde-se, O minha Encantadora, Lembrança de Havana são as melhores e espalhão um rythmo de graça e languidez tropical. Seus nocturnos e balladas são cheios de ternos e pórticos sentimentos, basta citar Ricordati, Solidão, Berceuse, Ilusões Perdidas. Murmúrios Eólicos, Valse Poetique, Pasquinade, Polonia, Danda, Tremulo, Dernier, Grand Scherzo e Scherzo Romantique, e muitas mazurkas são peças melodiosas, límpidas, brilhantes, com devido caracter de individualidade. As suas

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melodias são simples e graciosas, de pensamento elevado, cahido raras vezes no domínio do trivial. Era mestre na arte difficil de bem escrever para o piano. Talvez seja ainda muito cedo para julgar a posição definitiva de Gottschalck no mundo da arte: o que é certo é que hoje um bom numero de suas composições são consideradas modelos e que outras merecem ser melhor conhecidas.124

124 Jornal do Commercio, 15/05/1893.

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CAPÍTULO 8:

A CAPELA IMPERIAL NA CRISE DO IMPÉRIO (1866-1889)

Discípulo do padre José Maurício Nunes Garcia, Francisco Manoel da Silva fez parte

de uma geração que, já em pleno século XIX, não perdera a ligação com as tradições musicais

setecentistas, cujo repertório contribuiu para conservar através de inúmeras cópias, arranjos e

reorquestrações. Com seu desaparecimento, em 1865, a Capela Imperial ingressou em uma

nova fase, marcada pela atuação de três mestres principais: Arcangelo Fioritto, Hugo

Bussmeyer e Bento Fernandes das Mercês.

No vácuo de Francisco Manoel (1865-1875)

Arcangelo Fioritto nasceu em Nápoles, Itália, em 1813, onde estudou harmonia com

Saverio Mercadante e canto com Lablanche no Conservatório S. Pietro a Majella.1 Chegou ao

Brasil em 1843 na comitiva que trouxe Tereza Cristina para seu casamento com Pedro II.2 Foi

um destacado cantor de ópera nas temporadas líricas do Theatro São Pedro de Alcantara nas

décadas de 1840 e 1850, com sua voz de baixo e seu repertório constituído basicamente por

óperas de Rossini, Donizetti e Bellini.

No entanto, Martins Pena, crítico do Jornal do Commercio, embora elogiasse a

sonoridade de sua voz, não deixava de criticar suas qualidades artísticas.

Sua voz forte, sonora e corpulenta, ribombou na sala, sobrepujando a instrumentação. É verdadeiro prazer ouvir-se um cantor soltar a voz vibrante e poderosa sem se esforçar, assim como causa pena sabendo-se que tão bela voz não é cultivada como tanto o merece ser.3

Em outra oportunidade, comenta uma récita da ópera Anna Bolena, de Donizetti, apresentada

em 18 de novembro de 1846.

Cumpre-nos agora felicitar os dilettanti pela reaparição do Sr. Fioritto, a quem há tanto tempo não tinhamos o gôsto de ver sob as brilhantes galas de Henrique VIII. Está a mesma pessoa, seja Deus louvado; gordo e anafado como sempre o conhecemos. Ainda é o grande depósito de voz de toda a companhia; mas está na mesma posição de um milionário alienado que, não sabendo empregar proficuamente seus cabedais, atira as burras cheias de ouro pela s janelas fora e esmaga as cabeças dos que vão passando. O Sr. Fioritto entende que basta ter voz, que não é mister modulá-la como a música lhe indica, que isto de cadencias, de

1 Vicenzo Cernichiaro. Stória della música nel Brasile. Milano, Fratelli Riccioni, 1926, p. 162. 2 Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu Tempo. Rio de Janeiro, 1967, 2v., p. 169. 3 Luiz Carlos Martins Pena. Folhetins a semana lírica (1846-1848). Rio de Janeiro, INL, 1965, p. 187.

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harmonia, são tudo pêtas... O que se há de fazer? Quanto a nós, calamo-nos; receamos muito os enfados do Sr. Fiorino, especialmente vendo que êle os exprime por meio de grosseiros arremessões, de voltas, reviravoltas, e de tais movimentos de braços, que por mais de uma vez ia êsse senhor atirando com a pobre Ana por cima do rabecão grande da orquestra [...]. Felizmete o Sr. Fiorito teve a boa lembrança de modificar um pouco a voz no dueto com Seymour; pois se o não fizesse, teríamos um verdadeiro concêrto, ou antes desconcêrto, de oficlide com flageolet.4

E chega ao ponto de aconselhá- lo a que “estude, procure corrigir seus defeitos, e já se pode

deixar de pisar com os calcanhares, e conte que há de ser aproveitável.”5 Tempos depois,

diagnostica uma melhora em seu desempenho. “O Sr. Fiorito vai fazendo progressos; Deus o

ajude. ”6

Foi primeiro como cantor que Fioritto ingressou na Capela Imperial, no ano de 1843,

poucos meses depois de sua chegada. Seu comportamento profissional, entretanto, era dos

piores. Faltava constantemente, chegando mesmo a forjar atestados médicos para justificar

suas ausências. Tal situação chegou ao limite com uma representação contra ele feita pelo

inspetor Manoel Joaquim da Silveira para o Ministro Eusébio Queiros Mattoso Câmara, em

26 de abril de 1850.

Tenho a honra de participar à V.Exª que o musico desta Imperial Capella Arcangelo Fioritto do naipe dos baixos tem levado a sua relaxação no cumprimento de seus deveres a tal ponto, que em cada trimestre apparece na Capella uma até tres vezes com notavel escandalo, dando parte de doente, e passeando por toda esta cidade e neste ultimo trimestre appareceu uma única vez em a Capella no dia do funeral de Sua Alteza Imperial, e ainda assim por ser rogado. Ultimamente auzentou-se da cidade sem licença, e consta-me, que está em Petrópolis. Parece-me que seria conveniente seguir com elle a pratica adoptada para os refractarios de lhes suspender os vencimentos até que cumprão seus deveres. Entretanto V. Exª resolverá o que for justo.7

A decisão do Ministro foi mais radical: “Seja demittido”.8

Fioritto ficou fora da Capela Imperial por mais de dez anos, tempo suficiente para

apagar da memória as lembranças de seu comportamento profissional inadequado. A

oportunidade de retorno se deu com a morte do mestre-de-capela Gioachino Giannini. A vaga

foi pleiteada por ele e nada menos do que outros quatro músicos: Francisco da Luz Pinto,

4 Luiz Carlos Martins Pena. Folhetins…, p. 72. 5 Luiz Carlos Martins Pena. Folhetins…, p. 78. 6 Luiz Carlos Martins Pena. Folhetins…, p. 100. 7 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 13 pac. 4 doc. 22. 8 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 13 pac. 4 doc. 22.

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Dionísio Vega, Romualdo Pagani e José Joaquim Goyanno.9 Segundo um funcionário do

Ministério, calçado em informações do inspetor da Capela Imperial,

O 1º peticionário, Francisco da Luz Pinto, mostra que na qualidade de músico cantor foi transferido da antiga Sé, no ano de 1808, para a Imperial Capella, onde serve até hoje, havendo n'ella occupado o logar de archivista, regido o coro musical muitas vezes e apresentado boas composições que até hoje são executadas com satisfação: que servio de Professor da cadeira de rudimentos e solfejos do Conservatório de Música desta Corte: que exerceo as funcções de Mestre de música do Collégio de Pedro 2º, e que finalmente, por Aviso de 12 de Novembro de 1855 foi nomeado substituto dos Mestres de Capella. O Monsenhor Inspector informa que serviços tão valiosos, como os que o Sppe apresenta, juntos à perícia artística, assíduo comparecimento e fiel desempenho das respectivas obrigações e ordens superiores, o tornão digno de louvor e consideração, e que por isso o julga nos termos de ser attendido. O 2º peticionário, Dionisio Vega, serve na Imperial Capella, como muzico cantor, desde 13 de setembro de 1842, e foi agraciado com as honras de Mestre de Capela por Portaria de 27 de setembro do anno próximo passado. É Professor no Conservatório de Música desta Corte, e n'elle exerce as funcções de Secretário. O Monsenhor Inspector informa que o Suppe está nos termos de ser attendido. O 3º peticionário, Archanjo Fioritto, não é actualmente empregado na Capella, porem já exerceo n'ella o logar de musico cantor desde outubro de 1843 até maio de 1850. O Monsenhor Inspector informa que o Suppe, mestre de muzica e composição pelo Conservatório de Napoles, teve a honra de acompanhar à S.M. a Imperatriz quando veio para o Brasil, que já ocupou o logar de muzico da Capella por espaço de sete annos e que por isso lhe parece estar nos termos de ser atendido. Sobre o 4º e o 5º peticionários, Romualdo Pagani e Jose Joaquim Goyano, não pôde o Monsenhor Inspector da Capella emitir juizo algum, como diz em seu officio de 16 e 18 do corrente mez, por não haverem provado com documentos as suas habilitações, e por isso nenhum d'elles se acha no caso de ser escolhido. 10

Tendo Dionisio Vega falecido em 16 de novembro de 1860,11 a disputa ficou

polarizada entre Francisco da Luz Pinto e Arcangelo Fioritto. No entanto, apesar dos anos de

bons serviços prestados à Capela e da irrepreensível conduta profissional, o primeiro acabou

preterido, a favor de um músico cujo comportamento anterior em nada o recomendava,

embora a escolha pudesse estar baseada em seu estilo mais moderno, de acordo com a opinião

do cônego Januário Cunha Barbosa.12 Foi assim Arcangelo Fioritto nomeado para o cargo de

mestre-de-capela por decreto de 1861, mas, nos primeiros anos, teve atuação discreta, em

função da presença ativa de Francisco Manoel da Silva.

Com a morte do compositor do Hino Nacional e o indeferimento do pedido de Bento

Fernandes das Mercês para ocupar a vaga, como será visto adiante, a partir de 1866,

9 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108(1). 10 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108 (1). 11 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 14 pac. 6 doc. 19. 12 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108 (1).

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Arcangelo Fioritto tornou-se então o único mestre da Capela Imperial, acumulando o serviço

e os salários, como se depreende de ofício de 10 de março de 1866 de monsenhor Felix Maria

de Freitas e Albuquerque para o Marquês de Olinda:

Em virtude da authorisação de 3 de fevereiro passado contractei o Mestre de Capella Arcanjo Fioritto para se incumbir do serviço que cabe ao outro Mestre de Capella enquanto estiver vago este lugar, vencendo a gratificação de seiscentos e vinte e cinco mil reis e ficando sujeito ao desconto correspondente às obrigações que lhe tocão: Rogo a V.Exª se digne declarar-me se o pagamento desta gratificação deve ser feita pela folha dos engajados, como parece.13

Tal situação encontrava precedente no próprio Francisco Manoel da Silva, que acumulara as

incumbências e vencimentos de Fortunato Mazziotti, desde o seu falecimento, em 3 de agosto

de 1855, até a nomeação de Gioachino Giannini, em 1858. Não obstante, em 10 de outubro de

1868, Fioritto, para assegurar seus interesses, encaminhou um documento para o ministério,

no qual deixava claras suas manobras e suas reais intenções.

Ao alto criterio de V. Exª peço venia para offerecer algumas considerações que parecem de grande importância em relação ao melhoramento da musica na Capela Imperial. A musica, Ex.mo Sr, como todas as belas artes, exige conhecimentos especiais para ser bem dirigida; os artistas cumprem melhor seos deveres quando o chefe que os dirige, e de quem dependem, lhes merece toda attenção pela sua proficiencia na arte, qualquer entidade que se interponha entre elles e o seo Director por assim dizer natural, não pode senão embaraçar e prejudicar o serviço, não só porque tende a afrouxar os vínculos que devem ligar os subordinados ao chefe, como também porque coagido pela intervenção de elementos extranhos a arte, não pode o mesmo chefe tomar ao serio a responsabilidade que lhe deve incumbir e que he a melhor garantia da bôa execução do serviço. Na Capela Imperial a musica está directamente sugeita à fiscalisação do Rev.mo Monsenhor Inspector, pessoa certamente digna de todo o respeito e consideração, mas que, por não ser profissional, não pode dirigir o serviço na parte que se refere especialmente à arte, e d'ahi vem que, apesar das melhores intenções do mesmo Inspector, acontece que não só a corporação dos artistas não he formada segundo as exigências dos preceitos musicaes, como tambem que raras vezes possuem os meios necessarios para bem desempenhar seos deveres; e que eximem-se muitas vezes da responsabilidade de suas faltas porque pouco ou nada dependem d'aquele que he competente para julgal-os. Estes e outros inconvenientes que V. Exª bem pode aquilatar, e que resultão de não ter o Mestre da Capela Imperial a devida ingerencia no que respeita a Direcção da musica; o Governo Imperial pode perfeitamente sanal-os, visto que do titulo IV & 12 dos Estatutos annexos ao alvará de 15 de junho de 1808 (27 de setembro de 1810) deprehende-se claramente que ainda não está feito o Regimento proprio da referida Capela relativamente à musica. Pelas disposições em vigor, deve haver dous mestres da Capela Imperial, antigamente havia só hum. Este último arbitrio parece preferivel não só porque há nelle unidade de vistas, e responsabilidade real, como também porque com este

13 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx 15 doc. 19.

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melhoramento poder-se-há retribuir melhor um serviço que na carestia actual dos objectos necessários à vida não he sufficientemente remunerado. E poderá nos seos impedimentos fazer-se substituir por um artista que lhe mereça confiança. À vista do exposto, rogo a V.Exª q. se digne de providenciar de modo que haja hum só mestre da Capella Imperial incumbido de todo o serviço relativo à musica, o qual receberá de tres em tres meses no Thesouro Nacional a quantia marcada no Orçamento para este serviço, e bem assim para que fiquem depositadas em seo poder as multas a que forem sugeitos os artistas pelas faltas que commeterem, assim como as sobras da consignação annual a fim de prover as exigências imprevistas do serviço, devendo o mesmo Mestre prestar contas trimensalmente ao Rev.mo Monsenhor Inspector da Capella Imperial. 14

O despacho não contrariava diretamente seus interesses, declarando “que a não ser o Decreto

de 10 de setembro de 1850, que reformou a Capella Imperial, nenhum acto se encontra

elevando a dois o numero dos Mestres de Capella, não obstante serem elles dois desde o

tempo do Senhor Rey Dom João Sexto.”15 Dessa forma, Arcangelo Fioritto continuou atuando

sozinho como mestre-de-capela até deixar o cargo, em 1875, e, durante esse período, viu-se

distinguido pelo imperador com a nomeação, em 1870, para o posto de inspetor de ensino e

diretor de concertos do Conservatório de Música, favor que agradeceu compondo um hino

que ofereceu a D. Pedro II.16

Sua atuação, contudo, durante os nove anos em que ocupou o posto, revelou-se no

mínimo controvertida. Sob sua direção, os conjuntos da Capela Imperial funcionaram de

maneira bastante precária. Na verdade, uma boa parte dos músicos, originários da época em

que Francisco Manoel da Silva reorganizara a orquestra em 1842, lá trabalhavam há mais de

trinta anos, e, mais grave, seus salários permaneciam os mesmos daqueles estipulados em

1848, pagos aos quartéis, isto é, a cada três meses, uma herança colonial. Tal situação

constituía a principal causa das inúmeras faltas e indisciplinas que comprometiam a qualidade

artística da instituição, uma vez que os músicos recorriam a biscates para suplementar o

orçamento, pouco se importando com as multas irrisórias a que estavam sujeitos. Em 10 de

fevereiro de 1873, vinte e cinco anos após o último aumento, eles encaminharam ao

Ministério do Império uma súplica:

Os Professores de Musica, e instrumentistas da Capella Imperial, vem respeitosamente perante V.Exª, implorar o augmento dos seos ordenados, à semelhança do que se tem praticado com todos os empregados das diversas Repartições do Imperio, o que, em abono à justiça, tem sido sanccionado pelo Paiz inteiro, por ser considerado um acto de verdadeira equidade.

14 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 15 - pac. 3 - doc. 97. 15 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial cx. 15 - pac. 3 - doc. 97. 16 Biblioteca Nacinal - Divisão de manuscritos - I-35.6.26.

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Há já muito tempo, Exmo Sr, que os Professores de musica, cantores e instrumentistas da Capella Imperial, tem vivido com seos actuaes or[de]nados, que mal chegão para o seu sustento e de suas familias, mas V. Exª há de convir que os tempos se tem mudado, as difficuldades da vida tem crescido, e não é justo que os supplicantes continuem a perceber o mesmo ordenado que tem agora vencido.

O documento, sob forma de abaixo-assinado, era firmado por 27 indivíduos: Heleodoro Maria

da Trindade, Domingos Alves da Silva, Henrique Silva Oliveira, Francisco Gomes de

Carvalho, Amaro Ferreira de Melo, Domingos Miguel Rodrigues, Francisco José Ribeiro,

Fortunato Gomes de Andrade, José Joaquim de Araujo Braga, Miguel Pereira de Normandia,

Antonio Dias Lopes, Francisco João Costa Lima, Delfino Antonio da Silva, Antonio Alves de

Mesquita, Martiniano Nunes Pereira, João Rodrigues Cortes, Basilio Luiz dos Santos, José

Nicolau Martini, João Baptista Martini, Carlos Gonçalves de Mattos, Luiz Julio Paulo de

Souza, Romualdo Pagani, Fernando Pagani, Joaquim Maria Costa Ferreira, Boaventura

Couto, João Joze Tavares e Joaquim Cintra.17

Em 30 de janeiro de 1869 e, novamente, em 11 de agosto do mesmo ano, o governo

solicitou que Fioritto, de acordo com o inspetor da Capela, organizasse e propusesse um

projeto para melhorar o serviço da música.18 Os esforços do mestre-de-capela para fazer a

reforma solicitada e restabelecer a disciplina nos conjuntos da instituição, se é que chegaram a

realizar-se, porém, não tiveram êxito. Ao invés, embora, no passado, tivesse sido um

profissional irresponsável, Fioritto, enquanto mestre, passou a reclamar constantemente das

ausências, da impontualidade e, principalmente, da qualidade dos músicos.

Cabe-me o dever de chamar mais huma vez a attenção de V. Eª. Rma para a absoluta necessidade de lançar mão das convenientes medidas a fim de melhorar o serviço da musica da Cappela Imperial, que, por falta de cantores idoneos, não pode ser executado como é para desejar. Os cantores actuaes, em sua pluralidade, não só não possuem as necessarias habilitações como também são impontuaes e indisciplinados. Não cuidão em supprir com alguma applicação aos conhecimentos que lhes faltão, e a multa é insufficiente para obrigalos a serem mais zelosos no cumprimento de seus deveres. Para se obter hum melhoramento no serviço he indispensavel augmentar os vencimentos dos musicos da Capela Imperial. Só com este argumento poder-se-há conseguir alguns cantores serios, taes que possão, e queirão prestar-se para huma boa execução da musica da referida Cappela Imperial. Enquanto isto se não fizer, ficarão baldados os bons desejos, e todos os esforços de V. Ea. Rma, e mais ainda os meus. E como na minha qualidade de Mestre da Cappela Imperial, sobre mim mais especialmente recahe a responsabilidade das faltas irremediaveis à vista dos elementos de que disponho, expero [sic] que V. Ea. Rma se dignara de attender, tanto quanto estiver ao seo alcance a esta minha

17 Arquivo Nacional - Coleção Ec lesiástica - cx. 938 pac. 122 doc. 126. 18 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110

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representação afim de que não me seja attribuida huma falta que não é minha!, e sobretudo para que não continue no esquecimento hum tão importante serviço.19

E, para remediar essas dificuldades, Fioritto recorria aos artistas líricos que se apresentavam

no Theatro São Pedro de Alcântara.

Queira V. Excia desculpar-me dirigir-me, sem titulos que me recommendem à pessôa de Sua Excia, o Snr Ministro do Imperio; mas imperiosas circunstâncias a isso me obrigão. O pessoal que compoe a musica da Capella Imperial não é sufficiente para a execução de uma solemnidade de 1ª ordem, como deve ser o officio funebre de S. M. Imperatriz Viuva; sollicitei por isso do Exmo Snr Monsenhor Inspector da Capella a indispensavel autorisação para encajar [sic] para esse acto alguns artistas da Companhia Italiana e outros: S. Excia me respondeu verbalmente que eu me dirigisse a V. Excia para que V. Excia o autorisasse; e como as obras de armação progridem rapidamente, eu receio que me falte o tempo para promptificar uma boa musica, vindo a autorização nas vesperas da solemnidade.20

Em 1873, a situação do mestre-de-capela tornou-se periclitante, quando, após um

serviço no qual a execução musical deve ter deixado muito a desejar, Fioritto foi repreendido

pelo próprio imperador. A essa altura, Bento Fernandes das Mercês, em setembro do mesmo

ano, aproveitou para fazer uma segunda investida, igualmente fracassada, para tornar-se

também mestre da Capela. Em 4 de março de 1874, aproximando-se a semana santa, Fioritto

escreveu ao imperador para explicar que, nada ainda havendo sido providenciado, não poderia

caber-lhe responsabilidade no caso.

Em consequencia das justas observações que V.ª M. e Imperial dignou-se fazer a cerca da musica da Capella Imperial, fiz logo o que de mim dependia para o melhoramento deste serviço, apresentando ao Sr Inspetor da mesma Capela, hum projecto de reforma, que tive a subida honra de levar ao Alto conhecimento de V.ª M. Imperial. Não se tendo dado até agora providencia alguma a este respeito, e por conseguinte, tendendo provavelmente a reproduzirem-se na prossima Semana Santa os inconvenientes já apontados, visto que, como já declarei na carta que a acompanhou a copia do referido projecto, a maior parte dos cantores actuaes já não tem voz sufficiente, e alem disso pouco se importam com as multas que lhes são impostas quando faltam aos ensaios; por estes motivos, peço venia a V. M. Imperial, apresentar-lhe a copia inclusa do officio que dirigi ao Sr Inspector interino da Capella Imperial, como também peço licença a V. M. Imperial para ponderar que, não me caberá responsabilidade alguma por huma falta que não dependia de mim evitar.21

E para complicar as coisas, uma pequena nota, publicada no Jornal do Commercio de 17 de

março de 1874, assinada por O Cathólico, cobrou providências do mestre-de-capela.

19 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público - IJJ1129, s/d. 20 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público - IJJ1129 - 01 de julho de 1873. 21 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1129.

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Em vista dos concertos feitos na capella imperial que erão muito necessarios para dar à mesma capella o aspecto digno da igreja metropolitana do Imperio, esperamos que também o Sr. mestre da capella [...] terá por sua vez providenciado para melhorar o serviço de musica, que até agora tem dado justos motivos de reparo, e principalmente na semana santa do anno passado, em que o referido serviço deixou muito para desejar por falta de cantores devidamente habilitados.22

Repetindo as queixas usuais, Fioritto solicitou então ao inspetor da Capela Imperial

um reforço para o serviço da semana santa de 1874:

À maior parte dos cantores da Capella Imperial falta a voz, e este defeito torna-se mais saliente no serviço da Semana Santa, que deve ser executado com a simples voz, sem acompanhamento de instrumentos. Por este motivo o serviço de Semana Santa do anno passado foi tão imperfeito que mereceo a censura, não só de S.M. o Imperador, como também do público. Para evitar que se reproduza semelhante inconveniente, declaro a V. Exª Revma que serei obrigado a contratar para aquele serviço alguns cantores estranhos à Capella, o que não será tão fácil de conseguir. E por isso venho a tempo communicar esta imprevista necessidade a V. E. R.ma a fim de que haja de providenciar, pelo modo que for mais conveniente, para o pagamento destes cantores, a saber: 12 cantores a 40$reis ............................................................................. 480$000 Copia de partituras para poder ensaiar com copia de partes dobradas para as vozes ................................................. 100$000 Total ....................................................................................................... 580$00023

Não obstante, a posição dele continuou piorando. Por conta das despesas extras para as

solenidades que envolviam a família imperial, que não eram devidamente discriminadas, o

Ministério passou a levantar suspeitas, como se observa num parecer da 2ª Diretoria sobre o

orçamento para o Te Deum, celebrado pelo restabelecimento da saúde da princesa Isabel.

O mestre Fioritto, a pedido seu, foi autorizado por aviso de 28 de outubro a executar na Capella Imperial um Te Deum pelo restabelecimento da Senra Princeza Imperial. Comunicando agora que S. M. o Imperador marcou o dia 2 de dezembro para celebrar o dito Te Deum, diz que a despeza elevar-se-a a 1.000$, quantia que pede lhe seja entregue. Junta um orçamento da despeza, que não é orçamento especificado, como deveria ser, mas apenas uma nota em globo da despeza, que avalia, conta redonda, em 1.000$000. Na tal nota vejo, por exemplo, = direitos à Sociedade Musical de Beneficiencia =, com que o Governo nada tem, que me conste. Penso que se deve declarar ao Inspector da Capella que se entenda com o Mestre Fioritto a respeito da despeza, que o mesmo Inspector fiscalizará, cujas contas remetterá em tempo para serem pagas, e que será menor de 1.000$, supprimidos os taes direitos e quaisquer outros gastos que não sejam estrictamente necessários! Cumpre acrescentar que não vejo razão para o adiantamento que pede o Mestre Fioritto – O Inspector da Capella tem quantia adiantada para despezas de prompto pagamento.24

22 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1129. 23 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1129.

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Ao prestar contas, em 9 de dezembro de 1874, Fioritto, porém, embora suprimisse a

porcentagem que seria de direito da Sociedade Musical de Beneficência, que deveria ser paga

por cada um dos músicos individualmente, manteve o total em um conto de réis, ao contrário

do que recomendara o funcionário da 2ª Diretoria do Ministério.

Conta da despesa feita com o Te Deum, Tantum Ergo, O Salutaris que, como serviço extraordinário, em acção de graças pelo restabelecimento de Sua Alteza Imperial a Princeza D. Izabel, foi, por ordem de Sua Majestade Imperial, executado a 2 de dezembro do corrente anno na Capella Imperial, a saber: Vencimento por ensaios e execução a 65 professores, pagos relativamente ....................................................650$000 Gratificação ao mestre (como é costume) ............................................. 200$000 Copia da musica, comprehendendo Te Deum, Tantum Ergo, O'Salutaris e uma Missa, composições todas novas ...................................................................... 100$000 Alugueis de piano e da harmonica de crystal ........................................ 40$000 Transportes ............................................................................................ 10$00025

Como resultado, em 30 de janeiro de 1875, Arcangelo Fioritto foi exonerado das funções de

mestre da Capela Imperial através de decreto.26

Hugo Bussmeyer – O Mestre-de-Capela Protestante

Com a saída de Arcangelo Fioritto, assumiu o posto de mestre-de-capela um músico

alemão. Hugo Bussmeyer nascera na cidade de Brunswick, em 26 de fevereiro de 1842, filho

do cantor de ópera Maurizius Bussmeyer. Após estudar com Henry Litolff e Hans von Bülow,

excursionou por toda a América do Sul, chegando ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, no

ano de 1860. Em seguida, visitou Paris e viveu algum tempo em Nova York, estabelecendo-se

como concertista e professor de piano.27 Em 1874, retornou ao Rio de Janeiro, assumindo

imediatamente as funções de professor da cadeira de ‘Regras de acompanhar ao órgão’, no

Conservatório de Música, e, em 16 de fevereiro de 1875, foi nomeado mestre da Capela

Imperial, com um ordenado de 650$000 réis e uma gratificação correspondente ao salário do

outro posto de mestre-de-capela, com a incumbência de proceder à tão necessitada reforma da

música da Capela Imperial.

Em virtude da autorização conferida pelo Governo Imperial em Aviso do Ministério do Império de 6 de Fevereiro do corrente anno, Monsenhor Felix Revmo Sñr Inspector da Capela Imperial contracta o Sñr Hugo Bussemeyer, Professor de

24 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 - pac. 6 - doc. 42 (3). 25 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 - pac. 6 - doc. 42 (4). 26 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. XXXIX pac. 1 doc. 14. 27 Ayres de Andrade. Francisco Manuel… , v. 2, p. 152.

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Música, allemão, para Mestre da mesma Capella; vencendo o ordenado correspondente e a gratificação marcada na tabela anexa ao Decreto nº 697 de 10 de Setembro de 1850 para dous Mestres de Capella. Para segurança se passará tres de igual theor, assignadas pelo dito Sñr Hugo Bussemeyer e pelo Revmo Sñr Inspector da Capela Imperial, uma das quaes será remetida à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, outro ficará no archivo da Capella e o terceiro em poder do Sñr Hugo Bussemeyer.28

Através de lei orçamentária para os anos de 1875/1876, o governo destinara para a

Capela Imperial, além da folha dos empregados, a quantia de 12:000$000 réis para as

despesas com o pagamento dos músicos contratados. Em 25 de agosto de 1875, com a

intenção de dispor de mais verba para pagamento dos músicos e sem entender ainda os

mecanismos financeiros do Império, Bussmeyer encaminhou então ao ministro José Bento da

Cunha Figueiredo um pedido.

O Mestre de Capella Hugo Bussmeyer representou-me que para poder executar a reforma da musica da Capella Imperial, de conformidade com o Aviso de 24 de Abril do corrente anno, é indispensável que V.Exª se digne mandar pagar-lhe o ordenado e gratificação de Mestre de Capella Imperial pela folha dos empregados da mesma, porque sendo esta quantia tirada dos doze contos consignados para os músicos e cantores da Capella Imperial difficulta e torna quase impossível regularizar aquelle serviço visto que é necessário melhorar os vencimentos dos cantores e professores da orchestra.29

Em 26 de agosto de 1875, um funcionário da 3ª Secretaria do Ministério respondia que ainda

mesmo pagando-se pela folha dos empregados os vencimentos do Mestre da Capella [...] estes vencimentos tem de sahir da consignação de 12:000$000 marcada na lei do orçamento para a musica da Capella Imperial. Assim, o modo de se fazer o pagamento não folgará aquella consignação como pensa o Mestre da Capela, para poder melhorar os ordenados dos demais musicos da mesma Capella. Se é portanto sufficiente a consignação para se fazer a reforma que se tem em vista; o remédio é pedir a elevação da dita consignação na futura proposta de orçamento para o exercício de 1877-78.30

Seguiram-se muitas dúvidas e trocas de documentos, indagando mesmo um outro funcionário

“quais são os termos da lei do orçamento e este respeito? A verba votada para os empregados

da Capella dá margem para o que pede o Mestre? O que diz essa verba?”.31 No entanto, em 30

de agosto de 1875, a resposta final foi favorável ao pedido de Bussmeyer.

Tendo sido informado de que Hugo Bussmeyer fora contractado para o lugar de Mestre de Capella percebendo as duas gratificações marcadas do Decreto nº 697 de 10 de abril [sic] de 1850 e consignados nas leis do orçamento para os dois lugares

28 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 - pac. 7 - doc. 15. 29 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 - pac. 6 - doc. 50. 30 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 50 (anexo 1). 31 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 50 (anexo 1 - nota).

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de Mestre de Capella e compositores, que ficarão por este facto reduzidos a um só lugar, reformo a informação que dei, para declarar que à vista do exposto não deveria ter incluído, como se tem incluído, o mesmo Bussmeyer na folha dos músicos da Capella Imperial, mas sim na própria folha do pessoal da mesma Capella, visto tratar-se de lugar criado por lei.32

Da mesma forma, em 23 de agosto de 1875, o novo mestre-de-capela solicitou que a

parte destinada ao pagamento dos alunos do Conservatório de Música saísse da verba do

próprio Conservatório e não da folha da Capela.

Tendo toda necessidade da quantia integral de doze contos para poder effectuar a reforma da musica da Capella, peço Vª Ilma de comunicar ao Exmo Sr. Ministro do Imperio que declare sem effeito o aviso tratando da despesa de seis centos mil reis em favor de praticantes, discípulos do Conservatório de Musica, ou que se pague esta quantia da verba do mesmo Conservatório. Como intendo passar dois dos cinco praticapntes actuaes à categoria de cantores da Capella Imperial, e o resto mais bem impede do que ajuda ao serviço, o Conservatório Imperial de Musica tão pouco podendo offerecer discipulos assaz preparados para poder entrar no serviço da Capella Imperial, não creio que pode haver difficuldade em satisfazer este meu pedido. 33

Apesar do objetivo louvável, tal atitude representou o fim da participação dos alunos do

Conservatório como estagiários no coro e na orquestra da Capela Imperial, deixando eles de

receber seus pagamentos a partir da folha de outubro de 1875.34

Finalmente, em 14 de setembro de 1875, depois dessas medidas preliminares, Hugo

Bussmeyer apresentou sua proposta de reforma da música da Capela Imperial. Consistia,

basicamente, no aumento dos salários, na renovação dos contratos de alguns músicos antigos,

que ainda desempenhavam bem a função, na dispensa de outros julgados inaproveitáveis e na

contratação de novos músicos para o lugar daqueles dispensados.

Tenho de comunicar a V. R. Illma que resolvi fazer a reforma da musica da Capella Imperial do modo seguinte: hum solista tenor I a 700$000, tres solistas, a saber de tenor IIº de baixo Iº e de baixo IIº a 600$000 e oito cantores coristas a 500$000 por ano cada hum. A orchestra formar-se-há de hum Baixo solista a 500$000 e de vinte e cinco musicos a 200$000 por anno cada hum. Com este officio vai a lista dos cantores e musicos habilitados a estarem contratados. Peço a V. I. Revma dignar-se de assignar os novos contractos o mais breve possível para poder funcionar a nova organização de 1o de outubro seguinte em diante, evitando assim uma desordem no serviço da musica da Capella.

LISTA DOS CANTORES E MUSICOS DA CAPELLA IMPERIAL

MÚSICO INSTRUMENTO / VOZ ORDENADO [não especificado] Tenor I solista 700$000

32 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 50 (anexo 2). 33 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 49. 34 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 4.

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João Theodoro Tenor I 500$000 Joaquim d'Araujo Cintra * Tenor I 500$000 Seelinger Tenor I 500$000 J. Rosas Tenor II solista 600$000 Joaquim José Maciel * Tenor II 500$000 Carlos Gonçalves de Mattos * Tenor II 500$000 João Cerrone Basso I solista 600$000 Antonio Bruno de Oliveira Basso I 500$000 Heliodoro Maria da Trindade * Basso II solista 600$000 Erique da Silva Oliveira * Basso II 500$000 Manoel da Silva Santos Basso II 500$000 João Caneppa * Violino 200$000 Francisco Gomes de Carvalho * Violino 200$000 Antonio de Assis Ostronold Violino 200$000 Victor Guzman Violino 200$000 Guilherme [Lopes de Oliveira] * Violino 200$000 João Baptista Martini Violino 200$000 Miguel Pereira Normandia * Violino 200$000 Luiz Julio Paulo de Souza* Violino 200$000 Joaquim Maria da Costa Ferreira * Viola 200$000 André [Ventura Pereira] * Viola 200$000 [não especificado] Violoncello 200$000 [José] Martini * Contrabaixo solista 500$000 [Domingos] Alves [da Silva] Contrabaixo 200$000 Ignacio [Fernandes Machado] * Flauta 200$000 [Romualdo] Pagane P. * (?) Oboé 200$000 Pagane F. Oboé 200$000 Domingos Miguel [Rodrigues] * Clarinetta 200$000 Boaventura [Fernandes Couto] Clarinetta 200$000 [João Rodrigues] Cortis * Piston 200$000 Bazilio * Piston 200$000 Delfino [Antonio Silva Sanches] * Corni 200$000 [José Joaquim d'Aveiro] Braga * Corni 200$000 [José Pereira] Moreira Trombone 200$000 [Luiz ] Gomes [dos Santos] * Trombone 200$000 [Antonio Alves de] Mesquita * Tuba 200$000 Amaro [Ferreira de Mello] * Timpani 200$000

Total de Cantores (12) = 6:500$000 Total de Instrumentistas (26) = 5:500$000 TOTAL GERAL (38) = 12:000$00035

* 23 Músicos (5 cantores e 18 instrumentistas) que antes da reforma já atuavam na Capela Imperial.

35 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 59.

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Pelo menos por algum tempo, a reforma implementada por Bussmeyer trouxe, com

certeza, uma melhora na qualidade da música nas celebrações da Capela Imperial; mas não

foi, de forma alguma, pacífica. Músicos cujos interesses haviam sido contrariados

protestaram, solicitando sua reintegração aos quadros da instituição. É o caso, por exemplo,

do cantor soprano Francisco João Costa Lima, que, em 26 de outubro de 1875, pediu para ser

recontratado, alegando que as inúmeras faltas que tinham motivado sua dispensa decorriam de

doenças e da morte de sua sogra, ao que acrescentava que, para ocupar sua vaga, havia sido

contratado um músico estrangeiro.36 Em resposta ao inspetor da Capela Imperial, em 12 de

novembro de 1875, Bussmeyer observou:

É incerto o supplicante allegando que foi demittido ‘sem motivo plausível’ e ‘sem ser ao menos ouvido’ como diz o requerimento; o motivo é que o supplicante não só não assistiu com regularidade às funcções da Capella mas sim muitas vezes exerceo sua professão fora della nas horas de serviço da mesma, procedimento que por Ordem do Governo e como diz o contracto, deve ser punido com demissão. Falsa é que não foi ouvido o supplicante. Já em Maio próximo passado quando me pedio licença para este mesmo mez eu preveni o supplicante de não persistir a apparecer com tanta irregularidade na Capella, para não perder o seu lugar. O supplicante respondeo que o dinheiro que ganhava na Capella era pouco, que precisava ganhar fóra preferindo pagar as multas correspondentes e que não acreditava em reforma, menos em augmento de vencimentos. O supplicante com licença para o mez de Maio só, não appareceo mais na Capella senão na metade do mez de Julho, e mesmo neste mez só assistio a quatro funcções de onze que marca a pauta. [...] Não me consta que exista aviso do Ministerio do Imperio prohibindo de contractar estrangeiros para o serviço da Muzica da I. Capella, como diz o supplicante no seo requerimento; em todo caso é falso que foi contractado um estrangeiro no lugar delle, mas sim o Snr. João C. Rosas de Pernambuco, cidadão brasileiro e, sem negar as boas qualidades musicaes do supplicante como mesmo attestei por escripto, é este novo contractado mais qualificado para o lugar que agora ocupa do que o supplicante. O musico estrangeiro que contractei é o Snr. Manoel da Silva Santos, portuguez, que [...]é contractado para voz de baixo segundo, quando o supplicante cantava ‘soprano’. Finalmente tenho de accrescenar que, tendo sido o supplicante o que mais irregularmente exerceo seu emprego, é elle o mais culpável, ao menos um dos mais culpaveis do relaxamento que encontrei quando tomei posse da regencia e que me obrigou à reforma ultimamente executada por mim com a approvação de V. E. Rev. Snr. Inspector e sancionada pelo Imperial Governo por aviso Ministerial.37

Embora voltasse Francisco Costa Lima a requerer reintegração em 15 de maio de 1878, novo

parecer contrário do mestre-de-capela acabou definitivamente com suas pretensões, em 30 de

maio de 1878.38

36 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 47 doc. 91. 37 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 47 doc. 91. 38 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 923 pac. 47 doc. 91 (11 e 13).

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Essas atitudes colocaram Hugo Bussmeyer em posição de grande prestígio junto aos

integrantes do coro e da orquestra. Mas, na esteira da chamada Questão Religiosa (1872-

1875), que abalou o relacionamento da hierarquia católica com o Império,39 não evitaram

problemas com a burocracia imperial, instigada talvez pelo incansável Bento Fernandes das

Mercês. Logo após a implementação da reforma, o inspetor da Capela Joaquim Mancio

Maciel encaminhou ao ministro José Bento da Cunha Figueiredo, em 7 de janeiro de 1876,

um documento com graves acusações contra o novo mestre.

O Illmo e Revmo Cabido da Santa Igreja Cathedral e Capella Imperial, tomando em consideração o dever que lhe cabe de velar pela decencia, boa ordem e perfeição no desempenho das sagradas ceremonias e cantos da Santa Igreja, nesta Cathedral, onde com summo pezar tem notado que de dia para dia os actos do Culto Publico, outr'ora tam pomposos nesta Cathedral, teem progressivamente decahido do antigo esplendor dos tempos idos, acontecendo frequentemente que sejam rezados muitos que deveram ser cantados, e deixando não raro de haver côro, mesmo rezado, em domingos e dias festivos. A causa principal desta deplorável decadência é incontestavelmente a exiguidade das congruas, tanto dos Capitulares, como dos Capellães Cantores, que os obriga a accumularem differentes empregos como sejão capellanias militares e outras; comissariados de confrarias, o magistério, cujas funcções implicam muitas vezes com as de seos officios na Cathedral, nos dias em que mais preciso se faz o seo comparecimento. Pela mesma causa, não podendo empregar nos concursos para preenchimento das vagas dos referidos Capellães o indispensável rigor, poucos são os que desempenhão bem os seos deveres; os clerigos mais habilitados são aproveitados nos coros de S. Pedro e da Candelaria, onde teem quasi dobrado honorarios e menos trabalho; e apezar desta facilidade, achão-se vagos seis dos respectivos lugares, e os Capellães que existem, inclusive os próprios regentes do coro, faltão quasi sempre nos dias de 1ª ordem, para irem cantar n'outras Igrejas onde ganhão de sobejo para satisfazerem as pequenas multas a que estão sugeitos. A mesma cousa se dá, proporções guardadas, quanto aos Sacristas, cujo pessoal é deplorável! Indivíduos quasi analphabetos, sem nenhuma educação religiosa, inteiramente improprios para o ministério do Culto, taes são os que se sujeitão ao diminutíssimo salario de 200$ rs annuaes. Obrigados pela necessidade, deixão de cumprir os seos deveres na Capella e vão acolytar n'outras solemnidades, attrahidos pelo interesse. A miseria desses infelizes sobe de ponto! Chegão a roubar a cera, aparando as velas ou subtrahindo-as inteiras, para as irem vender! Quanto aos empregados mais baixos, não se acha gente capaz que as queira, devendo haver 4 sineiros e varredores; só existem 2, um para cada mister [...]. [...] O restabelecimento dos dous lugares de Mestre de Capella e Compositores me parece de toda a conveniência, e findo prazo do contracto feito com Bussmeyer, entendo que não deve ser mais renovado, ainda que elle se sujeite a ficar com um dos ditos lugares; já por não ter nada de compositor, tam pouco em sentido e estylo religiosos; já por me parecer exagerado nas despezas extraordinárias (nesse ponto consta-me que há no Senado quem esteja munido de documentos para interpellar o

39 Para o assunto, ver Guilherme Pereira das Neves. Questão Religiosa. In: R. Vainfas (dir.). Dicionário do

Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro, Objetiva, 2002. p. 608-11.

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Governo) e já por ser protestante, não sendo lícito que communique in divinis com os catholicos. Acha-se vago um dos lugares de organistas, que convem ser logo preenchido. Reconhecida a causa primordial da decadencia e irregularidades que ficão denunciadas, o augmento dos honorários, na forma da tabella que tenho a honra de juntar, estabelecendo-se incompatibilidade para empregos da ordem dos acima mencionados será o remédio único e efficaz [...].40

Em 16 de fevereiro de 1876, o inspetor voltou à carga.

Julgando que, como fiscal e, até certo ponto, chefe desta repartição, não me é lícito deixar sem reparo que, com escandalo dos fiéis, e contra os dictames da minha consciência, continua a exercer o emprego de Mestre de Capella desta Cathedral e Capela Imperial o protestante Hugo Bussmeyer, tenho a honra de propor a V. Exª a demissão do referido mestre, e, para o substituir, a nomeação effectiva do Mestre de Capella honorário Bento Fernandes das Mercês. Não me parece que se possa reputar essa demissão como uma irrazoável intolerância religiosa; por que não se trata de um mero espectador curioso que entra no Templo Catholico, ou estaciona na rua para observar as nossas praticas religiosas; mas de um individuo que por seu emprego tem de forçosamente communicar comnosco in divinis, cantar em commum o nosso symbolo de fé, em que elle não crê; e sobre tudo tomar parte na adoração que rendemos ao Filho de Deos na Sagrada Eucharistia, cuja presença real é, para elle, um absurdo, uma irrisão. A estas considerações essenciais accrescem outras accessorias, mas de grande interesse para o bom serviço da Capella Imperial e economia dos dinheiros publicos; a saber: Hugo Bussmeyer não é compositor, segundo me consta, compra musicas, que impinge como de sua composição, e por bom dinheiro, exigindo frequentemente outras quantias a titulo de copias, quando há no archivo do coro todas as musicas necessarias. Com a nomeação effectiva do Mestre de Capella honorário há tudo a ganhar e um professor assaz habilitado, tendo uma prática de perto de trinta e seis anos (tanto tempo faz que foi nomeado cantor desta Capella Imperial) e dispõe de um riquissimo repertorio de musicas sacras, que herdou dos grandes compositores que aqui houve, e promete doar à mesma Capella Imperial. Quanto à exacção no cumprimento dos seos deveres, e à sua conducta civil e moral, apresentou-me attestados muito honrosos dos meos predecessores.41

O parecer de Campos de Medeiros, funcionário do Ministério, em 19 de maio de 1876,

tampouco foi favorável a Bussmeyer.

O digno Inspector da Capella Imperial propõe ademissão do actual Mestre de Capella Hugo Bussmeyer Si é verdade que o actual Mestre de Capella Hugo Bussmeyer é protestante, entendo, como o Inspector da Capella Imperial, que elle não pode e não deve ser conservado n'aquelle emprego pelas judiciosas e procedentes razões allegadas pelo Inspector. Não me parece que a nossa tolerância religiosa nos deva levar até o poncto de introduzir entre os ministros de nossa Sancta Religião e dar a direcção de nossas musicas sacras a um indivíduo que não é de nossa fé, que não tem as nossas

40 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 3. 41 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 16.

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crenças, que não pode portanto ter o recolhimento do verdadeiro crente, que se não pode inspirar nos Mysterios de uma Religião em que elle não crê. Si S. Exc. resolver a demissão, parece que pode ser nomeado o Mestre de Capella honorário Bento Fernandes das Mercez, proposto pelo Inspector.42

Não foi, entretanto, o que aconteceu. Embora não tenham sido encontrados documentos que

informem quais foram as atitudes de Bussmeyer para rebater as acusações e reverter a

situação, o certo é que se manteve no cargo, dando mostras do prestígio que gozava junto às

autoridades do alto escalão.

Já o inspetor Joaquim Mancio Maciel acabou por tomar atitudes que o colocaram em

confronto com o cabido. Primeiro, em documento encaminhado ao Ministério em 11 de março

de 1876, denunciou o comportamento dos capelães-cantores que abandonavam seus postos

para cantarem em outras igrejas da cidade, onde eram melhor remunerados, sugerindo,

inclusive, o aumento da multa a que estavam sujeitos.

Approximando-se a Semana Santa e cumprindo-me providencias que os respectivos actos se fação com a devida decência e regularidade, nesta Cathedral e Capella Imperial, mas resentindo-se esta da falta de sete Capellães Cantores, de um Mestre de Cerimonias e dous Sacristas, cujos lugares não é fácil prover de prompto, e além disso podendo reproduzir-se o escandalo, que já se tem dado, de abandonarem seos postos alguns dos mais habilitados dentre os que restão, para irem funcionar em outras Igrejas, levados por espirito de ganancia; tenho a honra de propor a V. Ex.ª o seguinte expediente: 1º - Multar o Capellão, que assim praticar, em tanto quanto é costume pagar-se a um cantor por taes actos, pois a tanto não me autorisa o nosso Estatuto; 2º - Despender, autorizando-me V. Exª, pela verba - Culto Publico -, com mais tres cantores, pelo menos, que de algum modo suprão as faltas, a quantia necessaria, não só para a Semana Santa, como também para os dias de 1ª e 2ª ordem, até que se preenchão as ditas vagas, e proceder do mesmo modo quanto aos Sacristas.43

O Ministério autorizou a multa, mas não a despesa extra com a contratação de cantores. Em

seguida, em 16 de março de 1876, o inspetor indispôs-se com o regente do coro gregoriano da

Capela Imperial, o padre João Nunes Fernandes Correca, e solicitou ao ministro José Bento da

Cunha Figueiredo um corretivo enérgico para o capelão-regente.

Em data de 11 do corrente mez tive a honra de propor a V. Exª os meios que me parecem convenientes para prevenir o escandaloso abuso, que receio se reproduza na proxima Semana Santa, de abandonarem seos postos os Capellães Cantores, particularmente os Regentes, para irem funccionar n'outras Igrejas, levados por espirito de ganancia; e já agora me vejo obrigado a representar a V. Exª a urgência desse correctivo energico; à vista do acto de indisciplina praticado pelo Regente Pe. João Nunes Fernandes Correca, hontem domingo 26, como passo a expor a V. Exª:

42 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 16. 43 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 23.

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Achava-se no coro este Capellão com mais tres, dous dos quaes tinhão de acolytar ao Capitular que ia cantar a Missa Solemne; ficaram pois elle e outro à estante, para aprontarem os hymnos e antiphonas de Prima e Tercia; e tendo ordenado o Presidente do coro que se cantassem as ditas horas, conforme o Estatuto, o referido Regente não só recusou-se a cantal-as, como até sahio do coro com maos modos e sem pedir o devido benedicite; tornando assim mui saliente a sua falta, e difficultando a continuação do acto, que começando cantado, não podia sem escandalo passar a ser rezado. Felizmente compareceo a tempo outro Capellão, e tudo correo regularmente. Este e outros abusos, Exmo Sñr, bem como o de esconderem-se esses Sacerdotes, esquecidos da dignidade de seo caracter, até que o acto, que tem de ser cantado, comece rezado por falta de número, apresentando-se então elles de repente, para não perderem os respectivos pontos, abusos que desgraçadamente são de longa data, já forão denunciados ao Governo em 1850 por um dos meos predecessores; e por Aviso de 13 de fevereiro do mesmo anno foi-lhe concedido o poder de despedir os Capellães que praticassem faltas similhantes, na certeza de que a sua despedida seria sustentada por demissão immediata. Eu não ouso pedir tanto, mas deixo ao elevado e esclarecido criterio de V. Exª o munir-me de força moral, dando-me meios energicos para cortar os mencionados abusos; visto como elles não fazem caso das pequenas multas marcadas pelo Estatuto desta Cathedral e Capella Imperial.44

Como resultado, em 29 de novembro de 1876, Maciel, alegando ter sido ferido em sua honra e

dignidade, pediu demissão de seu cargo.

Não me sendo possível continuar a exercer os cargos de Inspector e Fabriqueiro da Capella Imperial, sem quebra de minha honra e dignidade, depois de ter recebido duas desfeitas (e se me prepara terceira) da maioria do Cabido, que frequenta as sessões capitulares, salvo outorgando-me V. Exª certos poderes, e restabelecendo outras cousas ao primitivo estado, o que me collocaria em aberta hostilidade com o mesmo Cabido, expondo-me a injurias e se não também a vias de facto (não seria caso virgem) nas referidas sessões, as quaes de mais a mais não posso evitar, por que ainda sou o Secretário; vejo-me forçado, para manter a tranquilidade de meo espirito e a paz de minha consciência, a pedir encarecidamente a V. Exª a minha demissão dos referidos cargos, que com a maior dedicação tenho procurado desempenhar, durante o espaço de um anno, que amanhã se completa, tanto no zelo da Casa de Deos, como em bem do mesmo ingrato Cabido.45

Superadas essas turbulências, em 1878, Hugo Bussmeyer tomou a decisão de pedir sua

naturalização, à qual, sendo concedida, seguiu-se uma nova nomeação para mestre da Capela

Imperial, por decreto de 18 de outubro de 1878,46 e seu pedido para continuar recebendo a

gratificação correspondente ao outro posto de mestre-de-capela.

Hugo Bussmeyer, mestre e compositor da Capella Imperial, continuando a servir este e outro logar identico que a lei creou para a mesma Capella, pelo que sempre percebeu, assim como o seu antecessor, os ordenados respectivos, conforme se poderá verificar pelo contracto celebrado positivamente com o supplicante e pelos

44 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 23. 45 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 53. 46 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110.

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avisos relativos ao assumpto, vem perante V. M. Imperial solicitar a graça de ordenar que, ainda com a mesma nomeação que acaba de obter o supplicante por Decreto de 18 de Outubro de 1878 se continue a abonar os seus vencimentos na forma das precedentes.47

O parecer de 11 de novembro de 1878 coube a Balduino Coelho.

À semelhança do que se fez com o seu antecessor Arcanjo Fiorito, e consta do aviso de 3 de fevereiro de 1866, – em virtude do de 6 de fevereiro de 1875 foi o supplicante contractado para servir de Mestre de Capella com uma gratificação equivalente ao ordenado marcado para os dois logares na tabela annexa ao Decreto nº 697 de 10 de setembro de 1850. Nomeado ultimamente para um deles, não lhe assiste agora direito si não à percepção do ordenado correspondente, na importância de 655$. Si porem o Governo não pretende provêr desde já o outro emprego, pode-se ou designar o supplicante a fim de servil-o interinamente, ou autorizar o inspetor da Capella a reformar o contracto existente para que, enquanto estiver vago o dito emprego, Bussmeyer se incumba do respectivo serviço, percebendo como gratificação o ordenado marcado na lei do orçamento.48

Nos anos seguintes, Bussmeyer ainda apresentou mais algumas propostas para

reformular o serviço da música na Capela Imperial. Primeiramente, propôs a criação de uma

cadeira de canto religioso no Conservatório de Música para suprir os inúmeros coros das

igrejas do Rio de Janeiro com pessoal qualificado, sugerindo também que fossem “admitidos

para este fim os menores do Arsenal de Marinha, como os do da Guerra, que tiverem aptidão

para este ramo das Bellas Artes”.49 Apesar de o inspetor achar conveniente a adoção da

medida e recomendar sua implementação, tal cadeira no entanto jamais foi criada.50 Outra

proposta de Bussmeyer foi a de transferir para a folha de funcionários da Capela Imperial os

músicos contratados mais antigos, com o objetivo, mais uma vez, de aumentar o valor

disponível da verba consignada no orçamento para pagamento dos músicos e outras despesas

extraordinárias. O informe do inspetor Pereira da Silva, em 10 de janeiro de 1879, lembrou ao

ministro Carlos Leoncio de Carvalho que o artigo 9º do Decreto nº 697, de 10 de setembro de

1850, impedia tal atitude, já que previa a gradativa extinção das vagas. Por último, Bussmeyer

quis elaborar e implementar um regulamento do qual constassem as obrigações do pessoal da

Capela, assim como as multas decorrentes das faltas no exercício de suas funções, passando

os músicos a serem pagos mensalmente, diretamente no tesouro nacional, ao invés de

receberem trimestralmente na inspetoria da Capela Imperial. Para esse fim, seria “obrigado o

47 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc. 68a. 7 out 1878. 48 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc. 68b. 49 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 1 doc. 42. 50 Baptista Siqueira. Do Conservatório a Escola de Música. Rio de Janeiro, UFRJ, 1970.

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respectivo Inspetor a organizar a folha mensal d’esses musicos com todas as notas e

esclarecimentos precisos para esse pagamento”.51 Tal proposta, contudo, só entraria em vigor

anos depois.

As desventuras de Bento Fernandes das Mercês

Como mencionado acima, com a morte de Francisco Manoel da Silva, Bento

Fernandes das Mercês apresentou-se para ocupar a vaga. Em 26 de dezembro de 1865, este foi

o primeiro de vários pedidos de Bento das Mercês, indeferidos pelo Ministério, solicitando

sua nomeação como mestre-de-capela.

O cidadão Brasileiro Bento Fernandes das Mercês achando-se habilitado, como prova com os documentos de nº 1 a nº 5, para exercer o lugar de Mestre de Capella Imperial, presentemente vago pelo fallecimento de Francisco Manoel da Silva, vem supplicar a V.M.I. a Graça de o nomear para o referido lugar de Mestre. O documento nº 1 prova que desde 4 de abril de 1840 é o supplicante musico da Capella Imperial, lugar que tem servido com todo o zêlo, dedicação e pontualidade, não tendo até hoje dado falta alguma. Os documentos nos 2 e 4 provão que o supplicante cumprio sempre seos deveres pelo que é elogiado. O documento nº 3 prova que em 7 de novembro de 1846 foi o supplicante nomeado copista de música. O documento nº 5 prova que por decreto de 9 de julho de 1861 foi nomeado Mestre Honorário. O supplicante como V. M. I. poderá ser informado pelo actual Inspector da Capella, o Exmº Monsenhor Felix Maria de Freitas Albuquerque, é que tem servido sempre nos impedimentos de todos os Mestres, Simão Portugal, Fortunato Maciote, Geanini, Francisco da Silva e Fiorito, julgando-se por isso habilitado a bem exercer as funcções de Mestre.52

Novos pedidos se sucederam, sempre com requerimentos de conteúdo bastante

parecidos, como ocorreu em 10 de março de 186653 e em 9 de janeiro de 1867.54 Em 1873, as

dificuldades enfrentadas por Fioritto incentivaram, mais uma vez, Bento das Mercês a

solicitar o cargo de mestre-de-capela, em 13 de setembro.55 Em carta ao ministro João Alfredo

de 10 de janeiro de 1874, o inspetor interino da Capela Imperial informava sobre o pedido do

mestre honorário.

Ordena-me V. Exª que informe o requerimento de Bento Fernandes das Mercês, musico cantor desta Imperial Capella que pede um dos lugares de Mestre de Capella que se acha vago na mesma. Tenho a honra de informar a V. Exª que este lugar acha-se vago desde 19 de dezembro de 1865, e que durante este tempo tem sido preenchido pelo actual Mestre de Capella Archangelo Fiorito, o qual alem de

51 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 1 doc. 42. 52 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34(8). 53 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (9). 54 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (11). 55 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (14).

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seo ordenado, recebe também pela folha de musicos contractados o ordenado do lugar vago, como gratificação. Assim julgo o supplicante no caso de ser attendido, por ter as habilitações para o referido lugar, por quanto tem elle sempre regido de longa dacta as festividades da Capella Imperial na falta dos Mestres de Capella e o tem feito com conhecimento e intelligencia, tendo sido o seo comportamento sempre exemplar desde o anno de 1840 que exerce o cargo de musico cantor da mesma Capella. V. Exª porem ordenará o que for de seo agrado.56

Contudo, ele deixou de ser nomeado, talvez porque não fosse compositor.

Em 1879, porém, após quatorze anos com um só mestre, a Capela Imperial passou a

ter um segundo músico nomeado para exercer as funções de compositor e regente da música.

Este músico, porém, não foi Bento Fernandes das Mercês, mas Manoel Joaquim de Macedo,

que solicitou sua nomeação através de documento não datado encaminhado ao imperador:

Manoel Joaquim de Macedo, sabendo que, conforme o Regimento de Estatutos da Capella Imperial devem haver nesta dois Mestres de Capela, e que actualmente dá-se o facto de achar-se não provido um dos respectivos lugares, e suppondo-se habilitado para exercel-o, deseja merecer a graça dessa nomeiação [...].57

Pouco conhecido na história da música brasileira, Manoel Joaquim de Macedo era

sobrinho do escritor Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), autor de A Moreninha, e

nasceu na cidade fluminense de Cantagalo, em data incerta. Vincenzo Cernichiaro,58 a

Enciclopédia da Música Brasileira,59 a pesquisadora Sandra Loureiro de Freitas Reis 60 e o

jornalista Hélio Abranches,61 citam o ano de 1847. Já Maria Luiza Queiroz dos Santos62

informa ter sido em 1842, e Américo Pereira,63 em 1850. Desconhecem-se seus estudos

iniciais de música no Brasil. Com algo em torno de 15 anos de idade, viajou para a Europa,

dirigindo-se primeiro a Portugal,64 e, posteriormente, para a Bélgica, onde estudou no Real

Conservatório de Bruxelas. Foi aluno de composição de François-Joseph Fétis (1747-1871) e

de violino de Henri Vieuxtemps (1820-1880), um dos grandes representantes da escola

franco-belga, embora anteriormente, segundo Américo Pereira, tivesse estudado o

56 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 - doc. 1. 57 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 936 pac. 110 doc. 82. 58 Cernicchiaro. Storia della Musica..., p. 313. 59 Marcos Antônio Marcondes.(ed.) Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. São

Paulo, Art Editor, 1998. - EMB, p. 463. 60 Sandra Loureiro de Freitas Reis. A ópera Tiradentes, de Manoel Joaquim de Macedo e Augusto Lima. In

Latin American Music Review, volume 14, nº 1, University of Texas Press, 1993, p. 132. 61 Hélio Abranches. Maestro Macedo: “O sol dos sons”. In Cataguases , de 02 de janeiro de 1994. 62 Maria Luiza Queiroz Amancio dos Santos (Isa Queiros). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua

Influencia no Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, p. 239. 63 Américo Pereira. O Maestro Francisco Valle. Rio de Janeiro, Ed. Laemmert, 1962, p. 77. 64 Abranches, Maestr Macedo...

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instrumento com Hubert Léonard (1818-1890).65 Iza Queiroz ainda informa ter sido Macedo

aluno de Jules Massenet.66 Após concluir o curso com medalha de ouro, tornou-se spalla da

Orquestra do Convent Garden, de Londres.

Como compositor, Manoel Joaquim de Macedo deixou algo em torno de duzentas

obras, destacando-se a ópera Tiradentes, sobre libreto de Augusto de Lima (1858-1943), cujo

manuscrito autógrafo encontra-se na biblioteca da Escola de Música da UFMG. 67 Existem

ainda uma sonata para piano, op. 158, um álbum editado pela Casa Bevilacqua contendo oito

peças para piano e duas para violino e piano, e um poema sinfônico, na forma reduzida para

dois pianos, intitulado À Floriano Peixoto a Pátria, op. 160.68 Uma outra obra da qual só se

tem referência, sendo desconhecido o paradeiro da partitura, é a opereta em quatro atos

Antonica da Silva, sobre libreto de Joaquim Manoel de Macedo, que foi apresentada no

Theatro Fênix Dramática pela Empresa do Artista Heller, em temporada iniciada em 29 de

janeiro de 1880. De acordo com o Jornal do Commercio, “a ação passa-se no Rio de Janeiro –

Época do Vice-Reinado do Conde da Cunha – Fins de 1763 a 1767”, tendo o espetáculo como

ensaiadores os maestros Henrique Alves de Mesquita e F. Carvalho. Até o dia 19 de fevereiro

de 1880, a peça alcançou um total de 19 apresentações.69

Essa é a parte conhecida da obra de Manoel Joaquim de Macedo. Todo o resto

desapareceu ou está depositada em algum lugar ainda ignorado. Dos oito concertos para

violino escritos pelo compositor, dos quais sete ainda são desconhecidos, um é dedicado a

Joseph Joachim (1831-1907), que lhe teria enviado uma carta dizendo ser a obra “uma

composição de quem conhece profundamente a tecnica do violino e escreve brilhantemente

para esse instrumento”.70 Em 28 de novembro de 1922, Cecilia de Macedo, mulher do

compositor, escreveu para Luciano Gallet, professor do Instituto Nacional de Música que

estava organizando um centro de pesquisa sobre a música brasileira, explicando o motivo.

65 Américo Pereira. O Maestro Francisco Valle, p. 77. 66 Maria Luiza Queiroz Amancio dos Santos, Origem e Evolução da Música em Portugal, p. 239. 67 A primeira audição da ópera, reduzida pelo maestro Sérgio Magnani de quatro para duas horas de duração, se

deu no Palácio das Artes de Belo Horizonte em 01 de abril de 1992 pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais sob regência do Maestro Roberto Duarte, com o barítono Inácio de Nonno no papel título. Tal apresentação fez parte das solenidades em torno do Bicentenário da Inconfidência Mineira. A abertura da ópera, entretanto, já havia sido várias vezes executada nas mais diversas ocasiões em Minas Gerais, Rio de Janeiro e na Bélgica.

68 Podem-se encontrar exemplares dessas obras impressas de Manoel Joaquim de Macedo na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

69 Jornal do Commercio, 28 de Janeiro de 1880, p. 6 e 29 de Janeiro de 1889, p. 6. 70 Américo Pereira, O Maestro Francisco Valle, p. 79.

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Achando-se meu marido gravemente doente e impossibilitado de responder a estimada carta que V.Sa. lhe dirigio, tomo a liberdade de o fazer, informando a V. Sa. que meu marido deixou ficar na Europa, com sua filha, todas as suas composições a fim de fazel-as ali conhecidas; e bem assim alguns artigos biographicos, criticas e noticiosos concernentes aos seus trabalhos. Nessas condições é lhe pois impossivel fornecer os dados que V. Sa. lhe pede, actualmente.71

Macedo retornou ao Brasil em 1871, e, apesar de ter sido nomeado mestre da Capela

Imperial por decreto em 20 de setembro de 1879,72 nunca atuou efetivamente, nem chegou a

tomar posse do cargo, talvez porque tenha ficado aguardando um momento mais favorável, às

voltas que estava com a produção de sua opereta. Entrementes, no entanto, a situação mudou.

O ministério passou a exigir do mestre-de-capela Hugo Bussmeyer a devolução do salário

acumulado a partir da nomeação de Macedo. Em função disso, em documento encaminhado

ao ministro dos negócios do império com data de 11 de setembro de 1879, Bussmeyer

solicitou continuar acumulando as funções e salários dos dois postos de mestre-de-capela até a

efetiva posse do novo rival.

Não tendo o Sñr Manoel Joaquim de Macedo, nomeado para um dos lugares de Mestre de Capella Imp. tomado posse de tal lugar até hoje, e constando que elle declarára ao Revmo Monsenhor Inspector da mesma Capella que não entrará em exercício senão no dia 15 do corrente mez em diante, e havendo o supplicante continuado no exercício de ambos os lugares até hoje, e como o Thesouro nacional intenda que o supplicante deva restituir o que recebeu pela dita accumulação, pede a V. Exª se sirva mandar expedir aviso destruindo a exigencia feita pelo mesmo Thesouro.73

Um parecer do funcionário Borges Carneiro, em 2 de janeiro de 1880, decidiu a questão

favoravelmente ao mestre-de-capela, que continuou acumulando as funções e salários. Se

Hugo Bussmeyer tinha porque ficar insatisfeito com a nomeação de outro mestre-de-capela,

pode-se especular, por outro lado, sobre as possíveis atitudes de Bento das Mercês em relação

a um colega muito mais novo, que era nomeado para o cargo que há muitos anos desejava e

do qual sentia-se possuidor de fato, pois era mestre honorário e substituía os titulares em suas

ausências, mas para o qual via-se constantemente preterido. O fato é que Manoel Joaquim de

Macedo foi exonerado do posto de mestre-de-capela em 7 de janeiro de 1881, retirando-se,

71 Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ - Setor de Documentos Históricos e Obras

Raras - Pasta nº 5 - Manoel Joaquim de Macedo. 72 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110. 73 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc. 68c.

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segundo Américo Pereira, para Minas Gerais, onde viria a falecer, em Sereno, distrito de

Cataguases, em 1º de dezembro de 1925.74

Sua exoneração foi precedida pela informação do funcionário do ministério Neto

Machado, o qual julgava que

para que se possa prover o logar de que se trata, será necessário declarar-se, por Decreto, sem effeito o de 20 de setembro de 1879, que nomeou Manoel Joaquim de Macedo, visto não ter tomado posse do logar.75

Dessa forma, mais uma oportunidade surgiu para Bento das Mercês, a essa altura o mais

antigo músico em atividade na Capela Imperial, que já tinha apresentado um novo

requerimento em 9 de janeiro de 1880.76 Se, segundo Cleofe Person de Mattos, Bento das

Mercês nascera no ano de 1805, em Minas Gerais, sem indicar a cidade e a fonte,77 Ayres de

Andrade o supõe chegado de Lisboa em 1840,78 o que não é verdadeiro, pois, em vários

documentos do Arquivo Nacional, o próprio Bento das Mercês declara ser cidadão brasileiro e

ter iniciado sua carreira como músico na Capela Imperial em 1835, como se verifica em

requerimento, sem data, mas escrito em 1840, no qual solicita sua contratação.

Diz Bento Fernandes das Mercês Professor de Muzica vocal, e instrumental, que, tendo por espaço de tres annos, que decorrerão de 1835 a 1838 cantado com voz de contralto e tenor gratuitamente na Capella Imperial, como pode informar o Exmo Inspector da mesma Capella, e estando-se actualmente tratando de preencher o numero de muzicos, que nella devem ser empregados, o Suppe por isso achando-se nas circunstancias de ser tão bem ali empregado, Pede a V. M. I. Se digne nomea-lo muzico da mesma Capella Imperial na qualidade de tenôr, ou contralto, como for do agrado de V. M. I.79

O documento citado contraria igualmente outra informação dada por Ayres de Andrade, a de

que Bento das Mercês teria sido um cantor sopranista castrato.80 Se assim fosse, não poderia

cantar no registro de tenor. Na verdade, ele era, assim como muitos outros na Capela Imperial,

um cantor falsetista. As informações divulgadas por Ayres de Andrade foram provavelmente

extraídas da obra do Visconde de Taunay, na qual pode-se ler ter sido Bento das Mercês “um

74 Americo Pereira, O Maestro Francisco Valle, p. 77; Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto

Público IJJ1110; e Abranches, Maestro Macedo... 75 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (15). 76 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (17). 77 Cleofe Person de Mattos. José Maurício Nunes Garcia: uma biografia . Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca

Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996, p. 225. 78 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, p. 197. 79 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (8) e 34(1). 80 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, p. 197.

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dos castrados [...] trazidos em 1807 de Lisboa pelo Rei D. João VI, em sua comitiva”.81 Na

realidade, o relacionamento profissional de Bento das Mercês com a Capela Imperial data do

ano de 1830, quando, em 12 de fevereiro, passou para monsenhor Fidalgo um recibo no valor

de oito mil réis pelo importe da cópia de uma Missa.82 Em 1872, segundo descrição do

Visconde de Taunay, Bento das Mercês era

um homem já velho, com a cara de vermelho descorado e muito raspada, grandes óculos de aros de prata, cabelo à escovinha, pesadão no todo, de casaca, calças brancas e sapatos de entrada baixa ornados de fivelas à antiga, uma figura de aquarela velha do século XVIII.83

Após sua contratação pela Capela Imperial como cantor em 31 de março de 1840, seis

anos mais tarde, Bento das Mercês apresentou um requerimento ao imperador, dizendo-se

“pobre e onerado de família” e solicitando o cargo de copista de música, já que os dois, que

anteriormente havia, tinham sido dispensados na ocasião em que se desfizera a orquestra.84

Nomeado através de portaria em 7 de novembro de 1846,85 em 1855, passou a ocupar também

o cargo de arquivista.86 Nessa condição, organizou a coleção mauriciana (das obras do padre

José Maurício), hoje na Escola de Música da UFRJ, o que propiciou a retomada de parte do

antigo repertório da Capela que ocorreu nos anos finais do império.87 Em 1861, por decreto de

9 de julho, adquiriu o título de mestre-de-capela honorário, recebendo, a título de gratificação,

uma remuneração de 25$000 réis mensais.88 No total, acumulando todas essas funções,

recebia 620$000 réis anuais, ou seja, quase tanto quanto o mestre-de-capela titular.

O título requerido por Bento das Mercês não era previsto em estatuto como uma das

hierarquias da Capela Imperial, tendo função meramente honorífica, embora, em seu caso,

fosse remunerado. De fato, durante todo o século XIX, foi solicitado por mais de um músico

de procedências diversas, entre eles o pai de Carlos Gomes, Manoel José Gomes.

Manoel José Gomes, natural da província de S. Paulo, e mestre da Capella da antiga Villa de S. Carlos, (como prova pelos documentos juntos), hoje cidade de Campinas, da mesma provincia, onde tem se empregado há mais de trinta annos

81 Visconde de Taunay. Uma grande glória brasileira: José Mauricio Nunes Garcia (1767-1830). São Paulo,

Melhoramentos, 1930, p. 70. 82 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 13 pac. 1 doc. 43. 83 Visconde de Taunay, Memórias. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Edit, 1960, p. 406. 84 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (3). 85 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (4). 86 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 104 doc. 07 (30) 87 Deve-se ao Visconde de Taunay, como deputado, a campanha iniciada por volta de 1875 em defesa da obras

do compositor, que culminou com a aquisição pelo governo da coleção mauriciana de Bento das Mercês. 88 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (6 e 7) e cx. 934 pac. 104 doc. 07 (30).

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como professor e compositor de musicas sagradas, desejando ter as honras de Mestre da Imperial Capella, vem submissamente Pede e Requer a V. M. I. o benigno deferimento, mais como um acto da Imperial Benevolencia de V. M., do que como compensação de seus longos serviços.89

Em seu parecer, Francisco Manoel da Silva, em 17 de maio de 1862, considerou:

Em cumprimento do Officio de V.ª Ex.ª em o qual mo determina que de ordem do Exmo Snr Ministro e Secretário d'Estado dos Negocios do Imperio, informasse acerca das habilitações de Manoel Jose Gomes que pede as honras de Mestre da Capella Imperial, levo ao conhecimento de Sua Ex.ª o que posso informar a tal respeito. O Supplicante é filho de S. Paulo e rezide em Campinas desde 1830 onde goza geral estima e reputação, não só pela sua conducta e moralidade, como pelos seos conhecimentos artísticos, tem ali composto muitas obras sacras, havendo estabelecido uma aula de musica na qual lecciona gratis, tendo creado um grande numero de artistas, o que reputo um serviço feito ao Paiz, por isso me parece digno do logar que pede de Mestre honorario da Capella Imperial.90

Outro que detinha o título de mestre-de-capela honorário, nomeado por portaria de 27

de setembro de 1859,91 era Dionísio Vega, músico que teve atuação destacada no Rio de

Janeiro da primeira metade do século XIX. Foi cantor da Capela Imperial, nomeado por Aviso

de 15 de setembro de 1842 e professor do Conservatório de Música, onde também exerceu as

funções de secretário, e tinha uma grande atividade como regente dos coros do Theatro São

Pedro de Alcântara e da orquestra do Theatro São Januário.92

Em 1881, entretanto, Bento das Mercês não disputou o lugar sozinho. Seu concorrente

era filho de um antigo músico da Capela Imperial, o trompetista Carlos Augusto Cavalier, e

chamava-se Carlos Severiano Cavalier-Darbilly.93 Este já havia solicitado nomeação para o

posto de organista, embora viesse a desistir do lugar em fevereiro de 1876,94 como se pode

ver através da informação do funcionário do ministério, Campos Porto, em 14 de setembro de

1874, segundo a qual

Carlos Severiano Cavalier Darbilly, cidadão brazileiro, ex-alumno laureado e professor adjunto do Conservatório de Paris e actualmente professor de piano do Imperial Conservatório desta cidade, pode ser nomeado organista da Imperial Capella. Ouvido o Revdo Inspector sobre a pretenção informa que o supplicante está habilitado para exercer o lugar que pede. Anteriormente Frederico Guigon requereu remuneração por estar exerendo, além do seu logar de organista, o do fallecido Julio José Nunes [em 14 de abril de 187495],

89 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 936 pac. 110 doc. 69 (1). 90 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 936 pac. 110 doc. 69 (3). 91 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 921 pac. 39 doc. 69 e cx. 923 pac. 48 doc. 108. 92 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, p. 244 e 245. 93 Vicenzo Cernichiaro. Stória della música…, p. 138. 94 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 7 doc. 18. 95 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 15.

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que era o outro organista. [....] Observo que não houve nomeação do Ministerio do Imperio; mas havendo um organista só em lugar de dois, maior trabalho provavelmente devia caber àquelle. O que agora pede o logar consta ser habilitado, e o Inspector da Capella informa bem quanto às habilitações do pretendente.96

No caso da solicitação para o cargo de mestre-de-capela, o Conselheiro Barão Homem

de Mello, Ministro dos Negócios do Império, solicitou um parecer ao diretor da Imperial

Academia de Belas Artes, Antônio Nicolao Tolentino, o qual respondeu que, em

cumprimento da respeitavel ordem de V. Ex.ª para que eu informe sobre as habilitações de Bento Fernandes das Merces e Carlos Severiano Cavalier Darbilly, que pedem para ser providos no lugar de Mestre da Capella Imperial, tenho a honra de informar que Cavalier Darbilly tem as habilitações precisas; pois tendo seguido todo o curso do Conservatório de Paris, onde alcançou diversos premios, e as melhores approvações até a aula superior de contraponto e fuga, é compositor e habil regente; quanto ao outro sei que é Director de Musica pela Sociedade Musical de Beneficencia desta Corte, e não tenho nenhum conhecimento de suas habilitações.97

Não obstante, apesar dessa recomendação a favor de Darbilly, foi Bento das Mercês quem

finalmente saiu nomeado, na mesma data de exoneração de Manoel Joaquim de Macedo, ou

seja, 7 de janeiro de 1881, dezesseis anos depois de seu primeiro pedido e quando contava

algo em torno de setenta e seis anos de idade.98 Exerceu-o por pouco mais de seis anos, até

falecer em 12 de julho de 1887.99

A fase final

Se a reforma implementada por Hugo Bussmeyer em 1875 emprestou, por algum

tempo, um fôlego novo aos conjuntos da Capela Imperial, não tardou que a acomodação com

o trabalho rotineiro, a falta de perspectiva profissional, as precárias condições materiais e os

baixos salários, tradução no campo da música da crise em que o império ingressara após o

término da guerra do Paraguai, acabassem por arrefecer o entusiasmo. De fato, a

documentação conservada no Arquivo Nacional indica que os procedimentos inadequados,

que tinham motivado a reforma, se tinham restabelecido, levando a uma situação semelhante

àquela enfrentada por Arcangelo Fioritto. Voltaram a ser constantes as faltas e atrasos dos

músicos, assim como os mestres-de-capela deixaram de ter controle sobre a disciplina e a

qualidade artística das execuções. No final de 1880, a Gazeta de Notícias estampava uma

96 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 15 pac. 6 doc. 26. 97 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34 (16). 98 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ 1110. 99 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119.

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pequena nota anônima dirigida ao Ministro do Império, indicando a repercussão que a

situação alcançava.

Corre por ahi que a classe dos cantores da Capella Imperial está transformada em uma classe de pensionistas. Há entre elles quem esteja recebendo os vencimentos sem jamais cantar. Pede-se a isto a atenção do Exm. Sr. Ministro do Império. Os prejudicados.100

Interpelados pelo ministro Barão Homem de Mello, tanto Bussmeyer quanto o inspetor

José Joaquim Pereira responderam procurando tirar partido da divisão entre músicos

religiosos e leigos. O primeiro, em resposta ao inspetor datada de 31 de dezembro de 1880,

afirmou que a nota da Gazeta não podia referir-se aos “cantores musicos em exercício na

mesma Capella, pontuaes na execução dos seus deveres”.101 O inspetor, na mesma data,

informa ao ministro ter ordenado ao mestre-de-capela que informasse a respeito, mas alega

que o artigo do jornal não podia compreender “os Capellaens Cantores da Capella Imperial,

por isso que estes pertencem à turma separada, e estão adscriptos exclusivamente ao serviço

do coro da mesma Capella.”102 Na realidade, o ‘coro de baixo’, apesar de formado por

sacerdotes, também enfrentava o mesmo tipo de problemas do ‘coro de cima’. A indisciplina

era comum, e as faltas, motivadas pelos baixos salários, freqüentes. Em um documento datado

de 18 de abril de 1884, enviado ao ministro Francisco Antunes Maciel, relacionavam-se as

necessidades mais urgentes da Capela Imperial, sugerindo o inspetor “que se arrasasse a

Capella Imperial, attentas as pessimas condições em que se acha [...] e que erigisse um novo

templo na altura da Capital do Império”, e indicando como uma das prioridades que se

aumentassem

os ordenados de todos os capitulares, mais empregados da Capella Imperial, pois que tão esquecidos teem sido dos altos Poderes do Estado. A mesquinhera dos ordenados, que há mais de 30 annos, elles percebem, em vista das necessidades da época, muito concorre para o detrimento do culto divino na Capella Imperial, distrahindo-os do cumprimento de seos deveres, alem de sobrecarregar os outros com trabalho alheio.103

Nessa situação, eram freqüentes os atritos, como aquele que o inspetor relatou em 30

de junho de 1884 ao ministro Felippe Franco Sá.

Tenho o maior desgosto em levar ao conhecimento de V. Ex.ª que hontem, 29 do corrente, fora injuriado em pleno côro, e quando começava a Missa Solemne na

100 Gazeta de Notícias, 23/12/1880, p. 4. 101 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 1 doc. 157. 102 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 1 doc. 157. 103 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 3 doc. 79.

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Capella Imperial, o regente do côro da mesma Capella Imperial, Revdo Padre João Nunes Fernandes Correa, pelo respectivo coreiro da dita Capella, padre Francisco Batalha Ribeiro. E como não seja este o primeiro facto de identica naturesa, practicado por este sacerdote contra alguns de seos collegas na Capella Imperial, para evitar pois que no futuro elles se reproduzão, sou forçado, contra a minha vontade, mas no cumprimento do meo dever, a propor como proponho à V. Ex.ª a exoneração d’esse Revdo Capellão Cantor Padre Batalha do respectivo emprego. 104

Em 1885, começaram as demissões em função do baixo orçamento. Quando da

implementação da reforma da Capela Imperial em 1875, a consignação no orçamento do

Governo Imperial era de 12 mil contos de réis anuais. Por julgá- la insuficiente ao pagamento

adequado dos músicos, Bussmeyer excluíra os alunos do Conservatório de Música das

atividades na Capela e conseguira transferir sua própria remuneração para a folha de

funcionários da instituição. Dez anos mais tarde, o valor atribuído para o pagamento dos

músicos da Capela foi estabelecido em 953$333 réis mensais, ou seja, ao orçamento anual de

11:439$996 réis, o que representava uma redução de quase 5%. Como resultado, tornaram-se

inevitáveis os cortes de pessoal, como determinava uma comunicação do ministério de 21 de

setembro de 1885.

À vista da folha relativa ao mez de julho, dos musicos contratados para a Capella Imperial, cuja importância excedia a que está consignada no orçamento, recomendou-se ao Inspector da mesma Capella, em Aviso de 9 do corrente mez, que providenciasse sobre a reducção do número dos musicos de modo que a despeza se fizesse na razão de 953$333 rs. mensaes. Remettendo a folha de agosto, cuja importância também excede à indicada quantia, pondera aquele Inspetor que não pode reduzir a despeza, porque, alem de estarem contratados os musicos mencionados na folha, seria elle obrigado, si alguns fossem despedidos, a chamal-os para as festividades solemnes, o que traria maior despeza, alem do risco de os não encontrar quando fossem precisos. Parece conveniente que diga a 3ª Diretoria [do Ministério] quanto aos meios que poderão ser aplicados para cobrir o excesso, e que em todo caso se insista com o Inspetor da Capella para que dispense, logo que se offereça ensejo, os musicos cuja falta seja menos sensivel. 105

Em anexo o documento trazia uma relação dos pagamentos, cujo total excedia o valor

estipulado em 113$309 réis.

Folha das gratificações vencidas pelos musicos contratados da Capella Imperial relativas ao me[s] de agosto de 1885

Antonio Dias Lopes solista 50$000 Fortunato Gomes de Andrade solista 50$000 João Cerrone solista 50$000

104 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 3 doc. 89. 105 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ 119.

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Antonio Bruno de Oliveira cantor 41$666 Carlos Gonçalves de Mattos cantor 41$666 Gaetano Pozzi cantor 41$666 João Rodrigues Cortes cantor 41$666 Joaquim José Maciel cantor 41$666 José Julio Lopes Gonçalves cantor 41$666 José Martini cantor 41$666 Luiz Cremona cantor 41$666 Manoel da Silva Santos cantor 41$666 Miguel Pereira Normandia cantor 41$666 Virgilio Pinto da Silveira cantor 41$666 Amaro Ferreira de Mello instrumentista 16$666 Antonio Alves de Mesquita instrumentista 16$666 André Labeé instrumentista 16$666 Antonio Lopes de Oliveira instrumentista 16$666 Boaventura Fernandes Couto instrumentista 16$666 Domingos Miguel Rodrigues instrumentista 16$666 Francisco Gomes de Carvalho instrumentista 16$666 Gustavo Faler instrumentista 16$666 Guilherme Lopes de Oliveira instrumentista 16$666 Ignácio Fernandes Machado instrumentista 16$666 João Carlos Pereira instrumentista 16$666 João Baptista Martini instrumentista 16$666 Jose Pereira Moreira instrumentista 16$666 José Soares Barbosa instrumentista 16$666 Jose Levrero instrumentista 16$666 Jose Martins Vianna instrumentista 16$666 Luis Gravestein instrumentista 16$666 Luiz Julio Paulo de Souza instrumentista 16$666 Martiniano Pereira da Costa instrumentista 16$666 Miguel Pedro Vasco instrumentista 16$666 Norberto Amancio Carvalho instrumentista 16$666 Rafanelli Carlo instrumentista 16$666 Romualdo Pagani instrumentista 8$333 Torquato Justiniano da Silveira foleiro 33$333 TOTAL 1:066$642

Coube a Bento Fernandes das Mercês a desagradável tarefa de fazer a indicação de

quem devia ser dispensado do conjunto de 38 profissionais, dos quais 14 eram cantores, três

dos quais solistas, e 23 instrumentistas, além de um foleiro. O mestre-de-capela limitou-se a

informar que o músico “menos prestavel ao respectivo serviço da Capella Imperial é o Sr.

Antonio Lopes de Oliveira por isso que o lugar é occupado por dois, podendo só ficar um”.106

Contudo a demissão desse violinista não foi suficiente. Em 19 de outubro de 1885, o inspetor

Pereira da Silva enviava para o ministro Barão de Mamoré o nome de outros dois músicos

106 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ 119.

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indicados por Bento das Mercês para serem dispensados: os cantores Luis Cremona e Gaetano

Pozzi,107 o que representaria uma economia mensal de mais 83$332 réis.

Em 27 de fevereiro de 1886, um relatório de Jacy Monteiro, funcionário da 2ª

Diretoria do Ministério, informava que o inspetor José Joaquim Pereira da Silva, nomeado por

portaria de 26 de fevereiro de 1877, já não preenchia, “como é mister, os deveres do cargo,

em conseqüência de suas enfermidades e idade”, acrescentando que poderia ser exonerado ou

aconselhado a pedir exoneração.108 Em relação à música, indicando o quanto estavam

despretigiados Bussmeyer e Bento das Mercês, fazia também algumas sugestões.

Si parecer conveniente, podem ser demittidos os actuaes Mestres de Capella. Para substituil-os, talvez estejam nas condições precisas os professores do Conservatório de Musica Cavalier e Côrtes. É muito habilitado Henrique de Mesquita, mas consta que não pode ser nomeado. O Diretor do Conservatório provavelmente terá conhecimento de outros professores de musica aptos para o cargo de Mestre de Capella. Substituidos os Mestres actuaes, aos novos caberá apresentar ao Inspector da Capella os seus planos para o melhoramento do serviço da musica.109

No entanto, a iniciativa do governo, através do Ministério dos Negócios do Império, foi

solicitar ao diretor da Academia de Belas Artes, instituição à qual estava subordinado o

Conservatório, uma análise da situação em que se encontrava a música na Capela Imperial e

uma proposta de reforma, inclusive com a indicação de nomes para ocupar o posto de mestre-

de-capela. Assim, em 25 de maio de 1886, respondia Antônio Nicolao Tolentino ao ministro

Barão de Mamoré com um parecer bastante cicunstanciado.

Tenho para mim que a desordem em que se acha o serviço da música da Imperial Capella provém de diversas causas, tendo como principais as duas seguintes: - a inconveniente direcção desse serviço e a deficiência de meios pecuniários para realizal-o. Dos dous actaes Mestres de Capella, um está talvez com 80 annos de idade, ou perto delles; é um homem digno de louvor pela diligencia que faz por bem servir na repartição onde trabalha há mais de 50 annos, mas infelizmente já lhe faltam as precisas forças para este encargo. Quanto ao outro, que é moço, não sei porque não tem conseguido melhorar aquelle serviço, pelo menos nas pequenas festas que não exigem maiores despezas. Dentre outras causas é uma dellas esse mesmo antigo e precioso archivo de musica da Capella. Aquellas Missas, aquelles Te-Deums, aquellas Vesperas e Matinas, os canticos sagrados da Semana Santa; em fim, todas essas composições tão repassadas do mais religioso sentimento, haviam sido geralmente escriptas para quatro naipes e vozes, pois que Marcos Portugal e o Padre-Mestre José Maurício tinham nos castrados italianos o naipe dos triples ou sopranos que actualmente

107 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ 119. 108 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110. 109 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110.

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falta; e desde que não são admittidas na Capella Imperial vozes femininas, é aquelle naipe cantado por vozes masculinas em falsete, o que produz um deplorável effeito musical. Seria necessario, ou substituir aquellas musicas por outras que melhor pudessem ser desempenhadas pelo pessoal que há no paiz, ou adaptal-as à capacidade desse existente pessoal. Quer um, quer outro meio, porém, só pode dar o desejável resultado sendo empregado por um habil Mestre de Capella; sem que, ainda assim, nenhum desses meios consiga escapar às censuras dos críticos de má vontade. No primeiro caso, clamarão contra a exclusão daquelas composições cuja belleza conhecem talvez por ouvir dizer; no segundo, chamarão de selvagem barbaria o insano e inglorio trabalho de arranjar composições musicaes escriptas em certas e determinadas circunstancias para outras muito diversas. Ainda é uma das causas da má execução que há muito se nota na música da Capella Imperial o enfraquecimento do talento de alguns dos artistas ali de longa data empregados, em consequencia dos annos e das enfermidades, ou por outros motivos qeu não cumpre averiguar. Ora, incumbir um habil Mestre de Capella da direcção da reforma da musica e sua execução, ficando elle obrigado a servir-se de todos os artistas actualmente empregados, é exigir talvez um impossível; despedir os artistas inutilizados pela moléstia ou pela idade, deixando-os entregues à caridade publica, depois de haverem gasto o seu melhor talento no serviço da Capella, que é também um serviço do Estado, fôra uma crueldade incompatível com as vistas do illustrado Governo Imperial, que certamente procura animar a arte nacional e proteger os seus cultores. Em conclusão, pois, parece-me que o mais conveniente nas actuaes circunstancias é nomear um bom Mestre de Capella; aposentar os artistas que se acharem inutilizados; dispensar, dentre os restantes, aquelles que não tiverem sufficientes habilitações e finalmente, organizar um novo quadro completo do pessoal necessario ao serviço musical da Capella, com os diversos vencimentos referentes à sua categoria. O quadro que tenho a honra de sujeitar à illustrada apreciação de V.Ex. poderia, me parece, satisfazer a necessidade de que ora se resente esse serviço. A elevação da co-relativa despesa é porém medida indispensável, desde que se queira retocar uma organização vetusta de tempos em que as idéias geralmente recebidas sobre o valor destes serviços sobremodo influiam para amesquinhar-lhes a remuneração e pol-a abaixo de todo o criterio. 110

Em anexo, o diretor da Academia de Belas Artes apresentava a tabela seguinte:

QUADRO DO PESSOAL PARA A MÚSICA DA CAPELLA IMPERIAL 1 Mestre de Capella 1:800$000 1:800$000 1 Primeiro Organista 600$000 600$000 1 Segundo Organista 500$000 500$000 2 Cantores solistas 750$000 1:500$000 5 Primeiros Tenores 500$000 2:500$000 3 Segundos Tenores 500$000 1:500$000 4 Baixos 500$000 2:000$000 2 Primeiros Violinos de ataque 320$000 640$000 1 Segundo Violino de ataque 270$000 270$000

110 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ1110.

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11 MÚSICOS DE 1ª CATHEGORIA A 270$000 2:970$000 6 Primeiros Violinos 270$000 1 Primeiro Violoncelo 270$000 1 Primeiro Contrabaixo 270$000 1 Primeira Flauta 270$000 1 Primeiro Oboé 270$000 1 Primeira Clarineta 270$000

17 MÚSICOS DE 2ª CATHEGORIA A 230$000 3:910$000 5 Segundos Violinos 230$000 1 Segundo Violoncelo 230$000 2 Violas 230$000 2 Segundo e Terceiro Contrabaixos 230$000 1 Segunda Flauta 230$000 1 Segundo Oboé 230$000 1 Segundo Clarineta 230$000 1 Primeiro Fagote 230$000 1 Primeira Trompa 230$000 1 Primeiro Piston 230$000 1 Primeiro Trombone 230$000

6 MÚSICOS DE 3ª CATHEGORIA A 200$000 1:200$000 1 Segundo Fagote 200$000 1 Segunda Trompa 200$000 1 Segundo Piston 200$000 1 Segundo Trombone 200$000 1 Ophicleide 200$000 1 Timbaleiro 200$000

1 Archivista 360$000 360$000 1 Avisador 120$000 120$000 Para despesas de expediente 130$000 130$000

TOTAL 20:000$000

Em um aditamento ao parecer, o funcionário Jacy Monteiro chamava a atenção para o

fato de que esse quadro pressupunha gastos bem superiores aos 11:439$996 réis anuais

estabelecidos pelo orçamento de 1885. Além disso, deixava claro que o plano de reforma da

Capela Imperial proposto por Antônio Nicolao Tolentino foi, na verdade, obra de Carlos

Cavalier Darbilly, o músico e professor do Conservatório que havia concorrido com Bento

das Mercês à vagas de mestre-de-capela vaga após a exoneração de Manoel Joaquim de

Macedo. Em conseqüência, foi solicitado ao diretor da Academia de Belas Artes que refizesse

o plano proposto, de modo que se enquadrasse na quantia consignada em orçamento para a

Capela Imperial, que se tinha elevado para 15:000$000 réis. No entanto, com a reformulação,

o total geral ainda permaneceu equivalente a 17:250$000 réis, embora a morte de Bento

Fernandes das Mercês, em 12 de julho de 1887, tornasse possível reduzi- lo mais.

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Para substituir o falecido, o inspetor da Capela Imperial indicou o músico João

Rodrigues Cortes, mas que não chegou a ser nomeado.111 Na realidade, para levar a reforma

pretendida pelo Ministério a cabo, era indispensável decidir quem seria o responsável pela sua

implementação. No entender de Jacy Monteiro, tal músico não seria Hugo Bussmeyer.

Entendo, de acordo com o que aviltrou o Diretor da Academia, que a direcção do serviço de que se trata deve ser confiada somente a um Mestre, e que, portanto, não convém preencher o logar que vagou, de sorte que o Mestre actual ou quem tenha de ser nomeado para o substituir, si se entender que convem dispensal-o, apresente ao Inspector da Capella o plano de reorganização do serviço. A respeito do Mestre que continua em exercicio, Hugo Bussmeyer, devo informar que, além de ser geralmente reconhecido, como diz do Director Academia, que elle nada tem conseguido, a sua qualidade de protestante há de sempre impedir que seja bem aceito na Capela Imperial. E si, desde 1875, em que começou a servir, até o presente, não logrou melhorar de algum modo o serviço, é de prever que menos o consiga d'ora em deante, pois fez-se negociante, e, segundo consta, foram os interesses da sua nova industria que o levaram a emprehender viagem aos Estados Unidos ou à Europa, conservando-se ausente do Império, desde janeiro do anno passado até fins de agosto último, sem sair do governo. 112

Ainda que os documentos do Arquivo Nacional não informem quais eram esses

negócios particulares, Bussmeyer, ao que tudo indica, havia deixado de ter nos salários da

Capela Imperial e do Conservatório de Música sua principal fonte de renda, como comprovam

as suas freqüentes ausências às cerimônias da Capela Imperial, quando era substituído por

Bento das Mercês ou, após a morte deste, pelo contratado Joaquim José Maciel, e as seguidas

licenças médicas que solicitou, sob a alegação, no atestado médico apresentado, de sofrer de

uma “intoxicação palustre”.113 Em 5 de agosto de 1887, durante uma longa ausência de

Bussmeyer, em viagem pela Europa, um funcionário do Ministério, Balduino Coelho, ao

receber a folha de pagamentos, levantou o problema de maneira muito clara.

Com o officio junto o Inspector diz que remette, em duplicata a relação dos vencimentos dos musicos contratados que servirãm nos mezes de Junho e Julho ultimo. É certo porem que acompanha o officio uma folha de cada um desses mezes, e não a folha em duplicata, comprehendendo os dois. As folhas para pagamentos analogos são remettidas à Secretaria de Estado no fim de cada mez para se expedir aviso ao Ministério da Fazenda; mas as que são agora enviadas se referem aquelles dois mezes, porque - diz o Inspector - falleceu o Mestre da Capella Bento Fernandes das Mercês, tendo de assignar as ditas folhas o seu "respectivo interino", e quem as assigna é o musico contratado Joaquim José Maciel, sem que, o Inspector ao menos as rubrique.

111 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119. 112 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc. 68d. 113 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx. 925 pac. 58 doc. 68d.

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Entretanto as folhas anteriores tem sido sempre assignadas pelo proprio Inspector, e não há razão para que se altere semelhante prática, seguida em todas as Repartições em que não há empregados a quem, por suas funcções, pertença tal encargo, sendo que, neste caso, os respectivos chefes authenticam sempre, com a sua rubrica, as folhas que aquelles empregados assignam. Devem-se portanto devolver ao Inspector as folhas anexas afim de que se continue a observar a pratica adoptada até mesmo na Capella; e caso não me parecesse resultar a necessidade de mais alguma providencia. Verifica-se que está servindo de substituto dos Mestres de Capella o musico contratado Joaquim Jose Maciel e não posso atinar com a razão desta substituição, quando, pelo §12 do tit. IV dos Estatutos da Capella, aquelles Mestres devem ser substituidos pelo musico mais antigo, que não é o referido Maciel, ou pelo organista. Parece-me portanto que, devolvendo as folhas, convem requisitar informações a este respeito, assim como sobre a necessidade da substituição, desde que não consta officialmente o impedimento do outro Mestre de Capella Hugo Bussmeyer, o qual figura nas folhas respectivas com os vencimentos que se ligam ao effectivo exercicio, conforme tive ocasião de levar ao conhecimento de V. Exª em informação que pende de despacho.114

Haveria a intenção por parte do inspetor de criar dificuldades para Bussmeyer, ao

alterar a prática vigente e deixar a assinatura das folhas de pagamento para Joaquim José

Maciel? Novo ofício de Balduino Coelho, de 12 de agosto, parece confirmar essa hipótese.

Em officio de hoje diz o Inspector que envia as folhas nas condições exigidas, e que o musico Joaquim Jose Maciel está dirigindo a orchestra da Capella Imperia l em virtude do que dispõem os Estatutos no tit. 4º §12, por haver fallecido um dos Mestres de Capella e ainda não se ter apresentado o outro Mestre, Hugo Bussmeyer, depois que foi licenciado pelo Governo Imperial. Em primeiro logar devo notar que não cumpriu as ordens que se lhe deram. Em vez de substituir as folhas por outras com a sua assignatura, remetteu-as com a assignatura do referido musico, e por elle Inspector authenticadas, não continuando portanto a observar a prática segundo a qual taes folhas não eram assignadas pelos Mestres de Capella ou por quem fazia as suas vezes, mas somente pelo Inspector. Nenhum esclarecimento ministra o Inspector a respeito do exercício interino do musico contratado Joaquim Jose Maciel; e é de notar que no seu officio reproduza a referencia feita no aviso supra ao disposto no titulo 4º §12 dos Estatutos, que se determinou que elle tivesse em vista para informar em que se funda aquelle exercicio, cuja irregularidade resulta dessa mesma disposição. Finalmente é de todo o ponto inexacto o que diz o Inspector para justificar a ausencia de Hugo Bussmeyer, pois o Ministerio do Imperio não lhe concedeu licença. O que consta a tal respeito, como já tive ocasião de informar, é que o dito Bussmeyer pediu licença por 5 meses em requerimento de 15 de Janeiro do corrente anno; que este requerimento foi transmitido ao Inspector da Capella, para prestar a sua informação, com despacho do mesmo dia, e que o Inspector nem ao menos devolveo informado o requerimento. Esta parte do officio do Inspector serve apenas para confirmar officialmente o que já era sabido sobre a ausencia irregular de Hugo Bussmeyer, o qual tem sido incluido em folha com vencimento integral, que nem no caso de licença poderia ser-lhe abonado.

114 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119.

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À vista do exposto penso que, salvo qualquer outro procedimento em relação à grave anomalia apontada, deve-se reiterar a ordem para que o Inspector cumpra o que lhe foi determinado não só quanto às folhas, como quanto ao exercício do músico Maciel; e exigir que informe desde quando Hugo Bussmeyer deixou de comparecer ao serviço, afim de que possa providenciar acerca da restituição do que tiver recebido irregularmente.115

A essa altura, três músicos já se haviam candidatado para o lugar de mestre-de-capela

que vagara com a morte de Bento das Mercês: Carlos Severiano Cavalier Darbilly, autor do

plano de reformulação apresentado pelo diretor da Escola de Belas Artes e, por conseguinte, o

nome mais cotado, Miguel Cardozo e João Pereira da Silva. No entanto, mesmo o segundo,

em seu requerimento de 14 de julho de 1887 à princesa Isabel, que naquele momento estava à

frente do governo, por motivo de viagem do imperador, evidenciava o conhecimento,

provavelmente geral, da situação caótica em que se encontrava o serviço musical da Capela.

Miguel Cardoso vem respeitosamente pedir a V. A. I. a graça de nomeal-o maestro da Capella Imperial, logar este vago por fallecimento do professor Bento das Merces. Os titulos que o supplicante toma a liberdade de apresentar como prova de suas habilitações para exercer esse logar são: 1º. ter sido discípulo de um dos mais distinctos professores do conservatório de Milão onde concluiu todo o curso musical; 2º. ser professor da Escola Normal da Corte; 3º. autor da Grammatica Musical que, elogiada pelos mais distinctos professores, teve a honra de, sendo dedicada a V. A. I., receber o mais franco acolhimento, 4º. ter longa pratica de musica sacra e conhecer o latim, língua necessária para bem desempenhar aquelle logar; O supplicante, nomeado para tal logar, Senhora, empregará todos os esforços para fazer da orchestra da Capella hoje tanto desmantelada uma orchestra digna de apreço, pela execução que procurará tornar a melhor possível.116

Surpreendentemente, no entanto, nenhum dos três postulantes foi escolhido, cabendo

ao ministro a mais improvável das escolhas, ainda que, possivelmente, a mais barata para

fazer a nova reforma. Malquisto desde o início porque protestante, desprestigiado em função

das deficiências reiteradamente apontadas nas funções da Capela e, ainda por cima, nos

últimos anos, ausente e dedicado a outras atividades, não obstante, foi Hugo Bussmeyer o

indicado. Como resultado, em 9 de novembro, apresentou o seu plano de reforma, muito

semelhante àquele sugerido por Antônio Nicolao Tolentino, a partir das idéias de Darbilly,

mas reduzindo os valores dos salários, ficando o total das despesas em 14:320$000 réis

anuais. Com o saldo de 680$000 mil réis em relação ao orçamento de 15:000$000 réis,

Bussmeyer sugeriu a aplicação “em musicas novas, copias e para abrilhantar as festas

115 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119. 116 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx 935 pac. 106 doc. 50.

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nacionaes de 1ra ordem augmentando o corpo de cantores”. Em anexo, apresentava ainda um

Regulamento para o corpo musical da Capella Imperial:

1º - Aos cantores e membros da orchestra é absolutamente vedado cantar ou tocar em outras funcções em ocasião de festas na Capella Imperial, as quaes elles são obrigados a assistir sob pena de suspenção de hum mez e de serem despedidos em cazo de reincidência. 2º - É-lhes prohibido mandar substitutos para ensaios ou funcções sem licença do Mestre de Capella. 3º - Serão multados em 2$ os cantores ou musicos instrumentistas que repetidamente chegarem depois de começada a funcção; igual multa pagarão os que se apresentarem sem licença antes do fim do serviço. 4º - O ajudante regerá as funcções de 3ra ordem e na ausencia do Mestre de Capella as de 1ra e 2a ordem e em cazo de seu impedimento será confiada a direcção ao cantor ou instrumentista designado pelo Mestre para este fim.

Tabela de multas Missa com orchestra 5$000 Missa sem orchestra 4$000 Matina 6$000 Te Deum 6$000 Vespera 3$000 Ensaio 3$000

A folha de pagamento será assignada pelo Mestre da Capella Imperial em tres exemplares iguaes, hum para ficar na mesma Capella, hum para o Ministério do Imperio e hum para ir para o Thesouro.117

Assim, em 23 de dezembro de 1887, o Decreto nº 9824 reduziu de dois para um os

mestres da Capela Imperial, passando este a receber a soma dos dois salários anteriores.118

Dessa forma, Bussmeyer, além dos 1:250$000 réis de ordenado, pagos pela folha de

funcionários da Capela Imperial, ainda tinha direito a 600$000 mil réis de gratificação, pagos

pela verba de quinze contos do orçamento, perfazendo um total de 1:850$000 réis. No dia

seguinte, a Portaria nº 125 − Sobre a reorganização do serviço da Musica da Capella

Imperial – colocava em vigor o plano do mestre protestante.119 Diante dessa habilidade de

Bussmeyer em administrar os conflitos de acordo com seus interesses em situação adversa,

não é de admirar que também conseguisse a substituição do inspetor da Capela, que, em 3 de

dezembro de 1887, passou a ser o cônego Mariano Antônio de Velasco Molina, o qual, em 20

de fevereiro de 1888, encaminhou ao ministro Barão de Cotegipe um ofício sobre a formação

do coro e da orquestra da Capela Imperial.

117 Arquivo Nacional - Coleção Eclesiástica - cx 935 pac. 106 doc. 50. 118 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1887 - Parte I. v. XXXIV - Parte II, v. L. Rio de Janeiro,

Imprensa Nacional, 1887, p. 504. 119 Collecção das decisões do Governo do Império do Brazil de 1887. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1888,

p. 99 e 100.

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Dando cumprimento ao que V. Exª me ordenou, por officio de 24 de dezembro último, sobre a reorganização do serviço da musica da Capella Imperial, por ocasião de [rasgo no documento] o Decreto nº 9824 de 23 de Dezembro do mesmo anno, venho communicar a V. Exª que no dia 31 de dezembro do anno próximo findo dispensei todos os musicos contractados e de acordo com o Mestre de Capella contractei outros que pelo mesmo forão julgados aptos, estando actualmente preenchidos todos os lugars. Em tudo observei as disposições do citado officio. Incluso envio a V. Exª um quadro demonstrativo do modo porque ficou distribuido o serviço de musica e bem assim das gratificações ajustadas.

Folhas das gratificações vencidas pelos musicos contractados da Capella Imperial relativas ao mez de Janeiro de 1888

Nome Classes Gratificação Desconto por faltas

Liquido

Hugo Bussmeyer Me de Capella 50$000 50$000 João Cerrone ajudante 16$666 16$666 Miguel Vasco avisador 16$666 16$666 Torquato Justiniano da Silva foleiro 16$666 16$666 Fortunato Gomes de Andrade solista 50$000 50$000 João Cerrone solista 50$000 50$000 Antônio Dias Lopes solista 50$000 50$000 Rufino José da Cunha tenor 41$666 41$666 João Rodrigues Cortes tenor 41$666 41$666 Miguel Pereira Normandia tenor 41$666 41$666 João Astolpho de Silva Tavares tenor 41$666 41$666 Antonio Bruno de Oliveira tenor 41$666 41$666 Manoel da Silva Santos baixo 41$666 41$666 Gaetano Pozzi baixo 41$666 41$666 Alexandre Augusto Stinger baixo 41$666 41$666 Joaquim de Araujo Cintra tenor pela folha Andre Gravenstein 1º violino 21$666 21$666 Luis Gravestein 1º violino 20$000 20$000 Francisco Gomes Carvalho 1º violino 20$000 20$000 Guilherme Lopes de Oliveira 1º violino 20$000 20$000 Gustavo Faller 2º violino 20$000 20$000 Antonio Alivert 2º violino 20$000 20$000 Augusto Lopes de Oliveira 2º violino 20$000 20$000 Jacinto de Oliveira Simões 2º violino 20$000 20$000 José Levrero 1º violoncelo 20$000 20$000 José Martins Vianna 2º violoncelo 18$333 18$333 João Baptista Martini 1ª viola 20$000 20$000 José Martini 1º contrab. 41$666 41$666 Manoel Esteves Garcia 2º contrab. 18$333 18$333 Ignacio Fernandes Machado 1ª flauta 20$000 20$000 João Pereira da Silva 2ª flauta pela folha Alexandre Alfuldisch 1º oboé 20$000 20$000 Marcellino Lucio de Azevedo 2º oboé 16$666 16$666 Cesario Villela 1º clarinete 20$000 20$000 Domingos Miguel Rodrigues 1º fagote 20$833 20$833 Norberto Amancio Carvalho 1º piston 20$000 20$000

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Francisco Antonio Borges Faria 2º piston 16$666 6$000* 10$666 José Soares Barboza 1ª trompa 20$000 20$000 Candido José Monteiro 2ª trompa 16$666 16$666 José Pereira Moreira 1º trombone 20$000 20$000 Alberto Barra 2º trombone 16$666 16$666 Antonio Alves de Mesquita ophiclide 20$000 20$000 Amaro Ferreira de Mello timpani 18$333 18$333

*Matinas de Reis120

Em 15 de dezembro de 1888, o inspetor Molina propôs ao Barão de Cotegipe um

aumento para os demais empregados da Capela Imperial e, aproveitando o regulamento

elaborado por Bussmeyer, estabeleceu para os capelães cantores um outro, que também previa

a aplicação de multas.

Sendo de inteira conveniencia que os lugares de Regentes do Coro sejão providos o melhor possível, porquanto d'elles depende o bom desempenho dos actos coraes, julgo necessario augmentar-se-lhes a gratificação, vencendo mais sobre a dos capellães simples, a de 200$ o 1º Regente e a de 120$ o 2º Regente. Prevalecendo-me da opportunidade faço sciente a V. Exª , ser de grande proveito para o bom desempenho da Orchestra nas funcções de primeira ordem em que se fazem Vesperas, Matinas e Laudes e Tercia cantadas, fazer competir ao organista mais antigo da Capella, além do mais serviço distribuído como até aqui tocar n'estas funcções, abonando-se-lhe por este accrescimo de serviço a gratificação de 200$000. Esta medida me foi lembrada tanto como justa recompensa pelos seos longos serviços e incontestável merito, como ainda e principalmente para evitar desconcertos que por vezes se dão na orchestra motivados pela falta de pratica do outro organista para taes funcções, segundo me tem feito ver o Mestre de Capella e contra o que V. Exª Revma tem chamado a minha attenção. Não devo occultar a V. Exª que a reducção do numero de Capellães a dez com o augmento dos vencimentos, ainda quando dê em resultado o supprimento de todos esses lugares, ainda assim não dispensará o reforço de alguns Sacerdotes extraordinários que auxiliem nas Solemnidades pelo menos as maiores, os Capellães ordinarios, será porém então bastante dous até quatro (...) 4º Os Capellães e Mestres de Cerimonias perderão mais nas solemnidades:

Por Matinas cantadas 8$000 Por Vesperas cantadas 4$000 Por Ponatifical cantada 6$000 Por Tercia cantada 1$000 Por Te Deum cantado 3$000

5º Todas as perdas e multas serão repartidas pelos presentes e só no caso em que faltem todos serão applicadas à Fábrica.

Empregos Nº Ordenado Gratificação Nº Ordenado Gratificação

Capellães 16 600$000 10 600$000 200$000 Mestre de Cerimônia 3 600$000 2 600$000 200$000 Sacristas 10 200$000 10 300$000 Masseiro 1 200$000 1 300$000

120 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119.

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Sineiros e Varredores 4 200$000 2 500$000 Mestre de Cer. do Solio 1 400$000 1 400$000 100$000

1º 500$000 200$000 Organistas 2 500$000 2 2º 500$000 1º 200$000 Regentes 2 60$000 2 2º 120$000

OBS: Não se comprehendem nesta tabella os logares de Monsenhores e Conegos que não soffrem modificção nem os de Mestres de Capella sobre os quaes providenciou o Dr. 9824 de 24 de dezembro de 1887.121

A partir dessa segunda reforma de Bussmeyer, nota-se nos documentos

administrativos da Capela Imperial um aumento significativo na quantidade de músicos extras

contratados para as solenidades. Ao mesmo tempo, identifica-se também um número

expressivo de substituições dos músicos originalmente escolhidos para a nova formação dos

conjuntos da Capela Imperial, motivadas, principalmente, pela desistência de seus ocupantes.

A razão estaria, possivelmente, na remuneração que, com certeza, não era suficiente para

atrair os músicos de melhor categoria, como permite entrever um documento encaminhado

pelo mestre-de-capela ao inspetor da instuição em 1 de agosto de 1888.

Tenho a honra de comunicar a V. Revma que entrou desde o 1o do mês de julho p.p. o Sr. Domingos Machado da Silva como cantor no coro da Capella em lugar do Sr. Gustavo Possi que se retirou para Europa. Também communico a V. Rvma que passei o Sr. José Levrero de violoncelo para cantor no lugar do Sr. João Rodrigues Cortes que se retirou no fim do mês passado, entrando no lugar do Sr. Levrero o Sr. Benno Neiderberger solo violoncelo do Clube Beethoven. Peço pois dar as suas ordens para substituição destes nomes na folha de pagamento.122

No entanto, o violoncelista Neiderberger, se aparece na folha de agosto descontado em 5$000

por faltar à missa do dia 15, já na folha do mês seguinte, ao lado de sua posição, está escrito

vago.123

Em 31 de maio de 1888, foi mandado celebrar um Te Deum “em acção de graças pela

extincção da escravidão no Brasil”, cerimônia que ficou conhecida como Missa da

Abolição.124 O total das despesas chegou a 1:226$000 réis, recebendo os músicos da Capela

Imperial e aqueles chamados para reforçar o conjunto constituído de 43 executantes 5$000

réis cada um. Para a missa de entrega da rosa de ouro “offertada por S. Santidade à S. Alteza

121 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119 - 1888 - Officio nº 7/88. 122 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119. 123 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119 - outubro de 1888 - folhas de pgtos. 124 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119 - Offício nº 29/99

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Imperial”,125 realizada às 11h da manhã do dia 28 de setembro de 1888, foram chamados onze

músicos extras, que receberam 15$000 réis cada um. Nessa celebração, a novidade consistiu

na iluminação da igreja com luz elétrica, fornecida pela empresa do fotógrafo Marc Ferrez, ao

custo de 200$000 réis.126 Finalmente, em 3 de maio de 1889, celebrou-se na Capela Imperial a

Missa do Espírito Santo, que abria os trabalhos legislativos do Império, de acordo com um

ritual definido no artigo 17 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados:

Antes das sessão imperial da abertura concorrerão os deputados no dia e hora que o Imperador designar, à Capella Imperial para assistirem à Missa do Espírito Santo, e depois deste acto, sendo no primeiro anno da legislatura prestarão nas mãos da maior autoridade presente o juramento seguinte: ‘Juro aos Santos Evangelhos manter a religião catholica apostolica romana, observar e fazer observar a Constituição, sustentar a individualidade do Imperio, a actual Dynastia Imperante, ser leal ao Imperador, zelar os direitos dos povos e promover, quanto em mim couber, a prosperidade geral da nação’. Os deputados que não prestarem juramento na Capella Imperial o farão na camara perante o seo presidente.127

Cerca de seis meses depois, porém, a lealdade a Pedro II e a sustentação do regime

imperial ruíram com a Proclamação da República, no dia 15 de Novembro de 1889. Dessa

forma, Hugo Bussmeyer, embora tivesse conseguido contornar os problemas que quase

levaram à sua demissão e implementar uma reforma favorável a seus interesses, saindo

aparentemente fortalecido da crise de 1887, pouco pôde desfrutar das benesses de sua

reforma.

Na edição daquele dia, o jornal O Paiz ainda noticiava que “Suas Magestades e

Altezas Imperiaes assistem hoje na Capela Imperial à missa que ali se celebrará por alma de

Sua Magestade Fidelíssima D. Maria II, augusta irmã de Sua Magestade o Imperador”.128

Contudo, poucos dias depois de instalado o Governo Provisório, o artigo 2º do Decreto nº 9 de

21 de Novembro de 1889 determinava que ficava “supprimida a denominação de [...] Capella

Imperial dada à Cathedral do Bispado do Rio de Janeiro”.129 Segundo o mesmo decreto,

outras instituições características do Império mudavam igualmente de nome: o Colégio de

Pedro II passou a denominar-se Instituto Nacional de Instrução Secundária e o Conservatório

de Música deu lugar ao Instituto Nacional de Música, comandado por Leopoldo Miguez. Em

125 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119. O presente do Papa Leão XIII para a

Princesa Isabel pode ser visto, atualmente, no Museu de Arte Sacra da Catedral do Rio de Janeiro, na Av. Chile.

126 Arquivo Nacional - Coleção Série Interior - Culto Público IJJ119 - dezembro de 1888 - recibos. 127 Arquivo Nacional - Casa Real e Imperial - Capela Imperial - cx. 16 pac. 2 doc. 31 - Regimento da Câmara. 128 O Paiz - 15 de Novembro de 1889. 129 Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil - Primeiro Fascículo - 15 de

novembro a 31 de dezembro de 1889. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1890, p. 8.

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7 de janeiro de 1890, o Decreto nº 119A instituiu a plena liberdade religiosa e extinguiu o

padroado, cessando de caber ao Estado o encargo de prover as despesas do culto.

Paralelamente, saíam de cena os representantes das correntes estéticas musicais ligadas à

opera italiana de Carlos Gomes, substituídos pela chamada República Musica, reunida no

recém-criado Instituto Nacional de Música, defensora dos princípios estéticos da escola alemã

de Liszt e Wagner, que tinha Leopoldo Miguez, Alberto Nepomuceno e o crítico Rodrigues

Barboza como líderes.130

Na extinta Capela Imperial, o mestre-de-capela Hugo Bussmeyer foi exonerado do

serviço público e o contrato dos músicos rescindido.131 Todas as despesas com a manutenção

do serviço musical na Catedral do Rio de Janeiro passaram a ser da Cúria Metropolitana que,

por outro lado, tornou-se a recolhedora e administradora do dízimo. Bussmeyer e seus

músicos, contudo, voltaram a reunirem-se para as exéquias da imperatriz Tereza Cristina, que

faleceu em 28 de dezembro de 1889, pouco mais de um mês após o banimento da família real.

O Jornal do Commercio noticiou a cerimônia transcorrida no dia 31 de janeiro de 1890.

Solemnes exéquias – Estiverão imponentes as exéquias mandadas celebrar pelo Cabido da Igreja Fluminense e realizadas hontem na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, que está servindo provisoriamente de Cathedral, em sufrágio da alma de D. Thereza Christina Maria, ex-imperatriz do Brasil [...]. Às 10 horas principiou a cerimonia religiosa executando os cantores e músicos da Cathedral sob a regência do mestre Hugo Bussmeyer a marcha em grande missa do Padre José Maurício [...] A orchestra executou a música das quatro Absolvições e o Libera-me, composição do Padre José Maurício. A cerimônia terminou à 1 hora da tarde, estando a Igreja e corredores repletos de povo.132

Menos de um ano depois, em 5 de dezembro de 1891, seria a vez de o imperador falecer,

poucos dias depois de completar 66 anos.

Na Catedral Metropolitana, o coro e a orquestra da antiga Capela ainda sobreviveram

por alguns anos, apesar de serem cada vez mais raras as cerimônias de que participavam,

como se pode ver através dos recibos de pagamento aos músicos. Aos poucos, os seus

conjuntos estáveis transformaram-se em grupos formados esporadicamente para uma ou outra

celebração durante o ano, perdendo, portanto, sua característica principal de instituição

especializada no repertório sacro mantida pelo Estado. Era o fim de uma tradição.

130 Avelino Romero Simões Pereira em Música, sociedade e política: Alberto Nepomuceno e a República

Musical do Rio de Janeiro (1864-1920). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ/IFCS, 1995. 131 Jornal do Commercio - 13 de abril de 1890. 132 Jornal do Commercio - 31 de janeiro de 1890.

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CAPÍTULO 9:

O REPERTÓRIO DA MÚSICA COMO NEGÓCIO

Estudos recentes vêm demonstrando que o comércio livreiro do Rio de Janeiro no

século XIX, a partir do estabelecimento da corte portuguesa, foi muito mais significativo do

que se costumava imaginar.1 A música não ficou de fora desse movimento.

A Literatura Musical e de Instrução

Em 1882, quando o Club Beethoven introduziu os programas impressos com notas

sobre compositores e composições, a literatura musical não era propriamente uma novidade

no Brasil, embora se encontre, infelizmente, quase toda perdida, salvo algumas poucas

exceções. Exemplos são uns poucos artigos que apareceram anonimamente no Jornal do

Commercio, outros no Ramalhete das Damas (1842-1850) e na Gazeta Musical do Brasil:

Jornal scientifico e litterario, publicado por Soland de Chirol, de 1860 a 1862. Já em 1840, o

primeiro trazia uma matéria com o título “Do estudo da musica e dos concertos de amadores

em Londres”,2 e a última, além de incluir uma biografia de José Mauricio Nunes Garcia e

informações sobre Carlos Gomes, propunha-se a divulgar

todas as noticias musicaes de algum vulto, quer do Brasil, quer da Europa; biographias dos artistas celebres, compositores, actores ou instrumentistas, analyse das operas que vão à scena, quer nacionais, quer estrangeiras; enfim, tratar de tudo quanto diz respeito à música. Os Srs. Assignantes receberão conjunctamente com a Gazeta Musical uma colleção de trechos musicaes modernos e escolhidos.3

Assim como o repertório musical, essa literatura circulante no século XIX carioca era

reflexo da francesa. A Paris, que ditava as modas intelectuais aos poetas e escritores do Brasil,

fornecia também aos musicologos brasileiros as idéias mais usuais. Se a Revista Musical e de

Bellas Artes (1879-1880) incluía um catálogo de obras, disponíveis para venda no

estabelecimento de Arthur Napoleão, quase todas eram publicações francesas ou traduções

francesas de edições alemães ou italianas. Aléxis Jacob Azevedo (1813-1875), um dos

1 Ver Lúcia Maria Bastos P. das Neves. Comércio de livros e censura de idéias: a atividade dos livreiros

franceses no Brasil e a vigilância da Mesa do Desembargo do Paço (1795-1822). Ler História . Lisboa, 23:61-78, 1993, e Leitura e leitores no Brasil, 1820-1822: o esboço frustrado de uma esfera pública de poder. Acervo. Rio de Janeiro, 8(1-2):123-138, jan-dez 1995. Ver ainda Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. Palácio de destinos cruzados: bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro (1870-1920). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999.

2 Ver Jornal do Commercio , 31 de janeiro de 1840.

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incentivadores do periódico francês Le Ménestrel (1833/4-1914), abria a lista com Rossini et

ses oeuvres. De Stendhal (1783-1842), encontrava-se não só a Vie de Rossini (1824), como as

Vies de Haydn, Mozart et Metástase (1817), obras que permaneceram em voga no Rio de

Janeiro da segunda metade do século XIX, assim como, de Henri Blaze, Barn de Bury (1813-

1888), um colaborador do influente periódico francês Revue des Deux Mondes, um Meyerbeer

et son temps (1865) e uma biogafia de Rossini (1854).4 Do alemão Ferdinand Hiller (1811-

1885), aluno de Hummel em Weimar, amigo de Chopin, Liszt e Berlioz em Paris, onde viveu

entre 1828 e 1835, mas fixado em Colônia a partir de 1850, estava à venda no Brasil umas

Lettres et souvenirs de Mendelssohn, tradução de seu Felix Mendelssohn-Bartholdy: Briefe

und Erinnerungen (1874), editadas apenas seis anos antes. Nos anos 1880, foi a vez das

traduções francesas do também alemão Carl Friedrich Ludwig Nohl, que publicou uma longa

lista de biografias e edições de cartas de compositores germânicos, como Gluck, Mozart,

Beethoven, Liszt, Weber e Wagner.5 Em 1880, a firma de Napoleão vendia as Lettres de

Gluck et de Weber de Nohl, com tradução de Guy de Charnacé. Outras biografias disponíveis

em tradução incluíam: Schubert, sa vie et ses ouvres e Weber, sa vie et ses oeuvres, ambas

traduzidas por Barbedette; Boieldieu, sa vie et ses ouvres, de Hécquet; Beethoven et ses trois

styles, de Lenz; e a biografia de Richard Wagner feita pelo italiano Gasperini, assim como

alguns escritos de Wagner, como os Quatre poèmes d’opéras précedés d’une lettre sur la

musique.

À parte as biografias, outras obras circularam no Brasil do século XIX,

predominantemente de proveniência francesa. Jacques Félix Alfred Clément (1822-1885),

organista e regente de coro na Catedral da Sorbone e diretor musical da Sainte-Chapelle du

Palais, além de vários escritos sobre história da música, publicou uma coletânea de

compositores franceses do século XIII, Chants de la Sainte-Chapelle (1849; 3ª ed. 1855).6

3 Mercedes Reis Pequeno (ed.) Música no Rio de Janeiro Imperial, 1822-1870. Rio de Janeiro, MEC, 1962,

p. 79. 4 Henri Blaze era filho do influente critico francês François -Henri-Joseph Blaze (conhecido como Castil-

Blaze) que escreveu para o Journal des Débats em 1822, e deixou um importante acervo sobre óperas do inicio do século XIX francês, De l’opéra en France. Paris, 1820; 1826.

5 Entre suas publicações estão, Musikalisches Skizzenbuch (1866), Musiker-Briefe (1867), Beethoven’s Leben (3 v., 1867-77), Neues Skizzenbuch (1869), Gluck and Wagner (1870), Die Beethoven-Feier und sie Kunst der Gegenwart (1871), Beethoven, Liszt, Wagner (1874), Beethoven nach dem Schilderungen seiner Zeitgenossen (1877), Mozart nach den Schilderungen seiner Zeitgenossen (1880), Richard Wagner Bedeutung für die nationale Kunst (1883), Das moderne Musikdrama (1884), Die geschichtlliche Entwickelung der Kammermusick (1885).

6 Seus trabalhos incluem, Méthode complète du plain-chant (1854-1872), Histoire génerale de la musique religieuse (1860), Méthode d’orgue, d’harmonie et dáccompagnement (1874-1894), Histoire de la musique depuis lês temps anciens jusqu’a nos jours (1885). Seguindo os trabalhos estavam também a venda no Rio

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Seu Dictionnaire lyrique ou histoire des opéras (1869, com um suplemento em 1881 e uma

nova e ampliada edição de A. Pougin, Dictionnaire des opéras, em 1897 e 1904) e seu Les

musiciens célèbres depuis le XVIe siècle (1868; 4ª ed., 1887) encabeçam a lista dos trabalhos

de sua autoria vendidos por Napoleão no Rio de Janeiro. Leon Escudier (1816-1881), dono de

uma loja de música em Paris e editor de periódicos musicais como La France Musicale

(1837-1860) e L’Art Musical (1860-1881), foi co-autor com seu irmão, Marie-Pierre-Yves

Escudier (1809-1880), de um grande número de publicações relacionadas à história da

música, três delas certamente disponíveis no mercado brasileiro: Mes Souvenirs (Les

Virtuoses), Vie et aventures des cantatrices célèbres, précédées des musiciens de l’Empire, et

suivies de la vie anecdotique de Paganini (1856) e Dictionnaire de musique, théorique et

historique (1854; 5ª ed., 1872).7 O francês Adolphe-Gustave Chouquet (1819-1886) viveu

parte de sua vida nos Estados Unidos (1840-1856), mas retornou a seu país de origem para

trabalhar na custódia da coleção de instrumentos no Conservatório e obteve, com seus escritos

sobre história da música, o Prêmio Brodin. Dele, a Histoire de la musique dramatique en

France depuis ses origines jusqu’à nos jours, publicado em 1873, chegou ao Brasil em

poucos anos. De Edouard Deldevez (1817-1897), que lecionou no Conservatório de Paris, foi

regente da Ópera de Paris e da Société des Concerts du Conservatoire e publicou trabalhos de

notação, orquestração, performance, história da música, além de uma Histoire de la Société,8

estava à venda no Rio de Janeiro em 1880 umas Curiosités musicales (1873). De Théodore

Lajarte (1826-1890), compositor, escritor e arquivista da Ópera de Paris (1873-1890), que

deixou uma série de escritos, estava disponível no Brasil a Bibliothèque musicale du théatre

de l’opéra: catalogue historique, chronologique, anecdotique (1876-78).

Entretanto, foi François-Joseph Fétis (1784-1871) o autor que dominou o mercado

brasileiro. Disponíveis no Rio de Janeiro desde 1859, os trabalhos de Fétis foram

suficientemente populares para receberem traduções em Portugal. José Ernesto de Almeida

(1807-1869), já em 1845, publicava uma edição de La musique mise à la portée de tout le

monde (1830; 3ª ed., 1847) com o título de A Música ao alcance de todos (Porto, Typographia

de Janeiro, Poésie chétienne, Carmina e poetis christianis, Le Paroissien romain, e Manuel des tableaux du plein-chant.

7 Edição revisada do Dictionaire de musique d’après les théoriciens, historiciens et critiques les plus célèbres, primeiramente publicado em 2 v. em 1844.

8 Seus escritos incluem, Curiosités musicales (1873), La notation de la musique classique comparée à la notation de la musique moderne, et de l’éxecution des petites notes en general; L’Art du chef d’orchestre (1878), La Société des Concerts de 1860 à 1885 (1887), De l’exécution d’ensemble (1888), Le Passé à propôs du présent (1892), Mes mémoires (1890).

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Commercial), à qual adicionou-se o Diccionario de Termos de Musica,9 de que uma segunda

edição surgiu em 1859, editada por Cruz Coutinho (Porto, Typographia de Sebastião José

Pereira). Vendida no Rio de Janeiro na década de 1880, a tradução de Almeida podia ser

encontrada ao lado dos seguintes outros trabalhos de Fétis, em francês: Biographie universelle

des musiciens (“nova edição”, 9 v.), Histoire générale de la musique (5 v., 1869-1876),

Grand traité d’harmonie, Traité du chant en choeur (1837), Traité de l’accompagnement de

la partition sur le piano ou orgue (1829) e o Manuel des principes de musique (1837; 2ª ed.,

1864).10

Por outro lado, o catálogo de Napoleão trazia ainda na seção de literatura musical a

obra de von Helmholtz (1820-1894) Théorie physiologique de la musique, tradução francesa

de sua aclamada obra Lehre von dem Tonempfindungen als physiologische Grundlage für die

Theorie der Musik (1863), um trabalho que estabelecia os fundamentos das tonalidades

musicais. A venda desse tipo de trabalho demonstra que as audiências brasileiras tinham mais

acesso a uma literatura especializada do que se podia esperar. Finalmente, a loja de Napoleão

oferecia um item peculiar o qual indubitavelmente foi de grande uso para os músicos em

atividade no Rio de Janeiro até o final do século, o Traité théorique et pratique de

l’organization des societés musicales de Pierre François Clodomir.

Ao lado dessas obras francesas, poucos eram os trabalhos sobre a música espanhola ou

portuguesa disponíveis. No entanto, podiam ser encontrados Mariano Soriano Fuertes –

Historia de la musica española desde la venida de los Fenícios hasta el año de 1850 (Madrid,

4 v., 1855-59) e Sociedades corales en España, que estavam à venda ao lado dos de Joaquim

de Vasconcellos, Os músicos portuguezes (Porto, Imprensa Portugueza, 2 v., 1870),

importante fonte para artigos publicados na Revista Musical e de Bellas Artes, bem como para

as posteriores histórias da música no Brasil.

Tendo obtido sucesso no negócio das publicações, Narciso & Napoleão começaram a

publicar, em 1879, um periódico contendo música, pintura e artigos literários. Essa Revista

Musical e de Bellas Artes teve, no primeiro ano, uma periodicidade semanal ininterrupta e

quinzenal nos primeiros cinco meses do seguinte, quando estavam suspensas as atividades

líricas, retomando a periodicidade semanal novamente de maio a dezembro de 1880. Nela

9 O Diccionario poderia ser comprado separadamente; ver Ernesto Vieira, Diccionario Biographico de

Músicos Portuguezes, v. I, 22. 10 “Relação mensal dos livros adquiridos pela Livraria Garnier”, Revista Popular, Novembro e Dezembro de

1859.

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estavam presentes as controvérsias que ocupavam a maioria das revistas da França – disputas

entre os clássicos germânicos e a música moderna francesa; música de teatro versus música

instrumental; a melodia como epicentro na ópera italiana versus a harmonia germânica;

wagnerianos e contra wagnerianos – mas que, na maior parte, eram alheias à realidade

brasileira, em que nomes como os de Schumann, Mendelssohn e Wagner estavam somente

começando a surgir nos programas de concertos.

O próprio Arthur Napoleão deu sua contribuição à Revista com uma biografia de

Henri Herz, no qual descrevia sua relação com o compositor francês de origem alemã e

proclamava-o “o criador do gênero fantasia [...].” Escritos de Berlioz e Liszt,11 traduzidos de

períodicos franceses, assim como umas “Recordações de Verdi” de Arthur Pougin apareceram

igualmente. Vez por outra, constava algum estudo que hoje seria classificado como de

etnomusicologia, entre eles, o artigo “A musica na América antes da descoberta de

Colombo”,12 um longo ensaio traduzido do trabalho apresentado por Oscar Commettant na

Reunião Internacional de Americanistas em Nice, França, e o de F. Chaulnes, “A musica na

China”.13 Revelando as influências intelectuais da época, a “Esthetica Positiva” de Fromentin,

discutindo as descobertas acústicas de von Helmholtz, argumentava que a arte estética tinha

necessidade de qualidades cientificas.

A Revista Musical e de Bellas Artes também incluía noticias de teatros e salas de

concerto da Europa, artigos explorando avanços técnicos como o metrônomo, diapasão, e

sistemas de afinação, bem como trazia biografias de Bach, Rameau, Mozart, Schubert,

Schumann e Mendelssohn, na maioria da autoria de Antoine-François Marmontel (1816-

1898), professor do Conservatório de Paris, e traduzidas do francês.14 Seu artigo sobre “J.

Sebastião Bach”, por exemplo, caracterizava o compositor como um “Músico Filósofo”, que

preparou uma “gloriosa era” vivida por Mozart, Haydn, Gluck, Beethoven e Cherubini, e

concentrava sua atenção nas obras para teclado, nas quais “o compositor fez sua reputação”,

mas que exigiam uma grande habilidade.

Para bem interpretar as obras de Bach são precisas múltiplas qualidades. É preciso ser harmonista para traduzir, fielmente, essa musica tão perfeitamente equilibrada,

11 Liszt, “Uma noite na casa de Chopin”, Revista Musical e de Bellas Artes, 47, 22 de novembro de 1879, p.

4; Berlioz, “Os maos e os bons cantores, o publico e a claque”, e “Da imitação musical”, Revista Musical e de Bellas Artes 48, 29 de novembro de 1879, p. 6-7.

12 Revista Musical e de Bellas Artes 1-9 (4, 11, 18, 25 de janeiro; 1, 8, 15, 22 de fevereiro de 1879). 13 Revista Musical e de Bellas Artes 47, 22 de novembro de 1879, p. 5-6. 14 Eram na maioria reimpressões de ensaios de Marmontel publicados no livro intitulado Symphonistes et

virtuoses. Paris, Imprimerie Centrale des Chemins de Fer, 1878.

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em que o discurso musical apresenta muitas idéas engenhosas e o dialogo entre as partes é vivo, animado [...] Os processos de execução exigem igual independência dos dedos, sonoridade penetrante e variada, maneira de tocar ligado e sostenuto , compasso, fiel observância na duração das notas, graduação dos crescendo e dos diminuendo, distinção delicada das phrases principaes e das incidentes, dos themas propostos e das partes que formam o acompanhamento.15

Da mesma forma, quando em 30 de dezembro de 1879, o violinista cubano José White

tocou a Chaconne de Bach para violino solo no Rio de Janeiro, Napoleão publicou em seu

periódico um curto ensaio introduzindo a peça ao público carioca.

Esta peça pertence a uma suíte de pièces que Bach não achou provavelmente violinista capaz de a executar na epocha em que foi excrita. É uma opinião geralmente aceita. Escriptas em fins do XVII século pouco mais ou menos, têm todo o caracter severo e clássico da época, junto com uma frescura e variedade admiráveis [...] Schuman e Mendelssohn escreveram acompanhamento para a chaconne.16

E, em sua crítica ao concerto, publicada na Revista Musical e de Bellas Artes uma semana

depois, Napoleão enfatizou a complexidade da peça, não explicada nas suas notas

introdutórias. Não obstante, a despeito da lacuna de conhecimento dos trabalhos dos clássicos,

a performance de White cativou os expectadores.

Nem que tivéssemos escripto cem volumes, teríamos a pretensão de fazer comprehender de chofre, a quem quer que fosse, uma peça d’este gênero. Bach representa uma tradicção na arte. Fundador da grande escola, innovador, creador, a elle devemos a aparição de Haendel, Haydn, Mozart, e Beethoven e toda a plêiade de grande mestres seus sucessores. Mas é preciso um cultivo especial para lhe apreciar o valor [...] White colheu na Chaconne applausos que lhe devem ser duplamente lisongeiros, pois que partiram de um publico que possue, é certo, um gosto innato pela musica, mas que não está ainda como os públicos de Londres, Pariz e Allemanha, habituados a ouvir diariamente, de dia e de noite, e por artistas de primeira ordem, executar obras de autores clássicos.17

Igualmente pouco conhecido do público brasileiro, Rameau foi retratado por

Marmontel como “o maior músico francês do século XVIII”, um compositor progressivo,

cujas

harmonias [...], tão audazes para a época, a instrumentação trabalhada, o stylo muito distincto do de Lulli que era o ideal, o preferido, suprehenderam o publico rotineiro cuja educação estava ainda muito atrazada.18

Quanto aos românticos, sem demonstrar uma simpatia especial por Schumann,

Marmontel o qualificava como “um dos apóstolos da música germânica reformada e

15 Marmontel, “J. Sebastião Bach”, Revista Musical e de Bellas Artes 7, 15 de fevereiro de 1879, p. 5. 16 Revista Musical e de Bellas Artes 52, 27 de dezembro de 1879, p. 6. 17 Revista Musical e de Bellas Artes 1, 03 de janeiro de 1880, p. 6.

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aperfeiçoada pela nova escola de Wagner”, mas que defendia a honra da música germânica

sem diminuir a da francesa.19 Já os Lieder de Schubert receberam dele um parecer de

‘inqualificados’,20 ao mesmo tempo que considerava as Canções sem palavras de

Mendelsshon o mais alto ponto de sua “muito original” música para piano.21

De fato, o crescente interesse dos parisienses pela música germânica foi gradualmente

transplantado para o Rio de Janeiro dos anos 1880, como evidencia o artigo “A Musica na

Allemanha” de Émile Michel, traduzido da Revue des Deux Mondes22 e publicado durante

treze sucessivas edições da Revista Musical e de Bellas Artes. No rescaldo da guerra franco-

prussiana de 1870, o autor comparava a vida musical francesa com a alemã, ressaltando os

elementos que tornavam a germânica a mais “elevada cultura”. O autor observava, por

exemplo, que na Alemanha os aplausos entre cenas e atos de peças e óperas tinham deixado

de ser usuais, enquanto em Paris cantoras usualmente interrompiam suas performances para

receber os “bravas” da audiência. O cantor alemão, ele dizia, “aspira á satisfação mais

honrosa e elevada, de exprimir em toda a sua plenitude a creação do compositor,

conservando-se por assim dizer na penumbra e fazendo esta [a composição] toda a luz.”23

Enfatizava também que a alta condição social dos músicos na Alemanha contrastava com a

dos franceses e que as sociedades francesas, que promoviam a música sinfônica, “deveriam

ser o espelho da Alemanha”. Émile Michel só titubeava a respeito da nova ópera alemã.

Depois de Weber, “nenhum compositor alemão teve sucesso em escrever óperas”, sendo a

música de Wagner baseada em “abstratas e incompreensíveis formulas” e “completamente

minguada de melodias”, não obtendo sucesso em teatros fora da Alemanha. A isso, o tradutor

brasileiro adicionou uma nota, observando que “na Inglaterra se tem executado com grande

êxito as operas: Lohengrin, Tannháuser e o Vascello Fantasma”.24

A necessidade de encorajar a música instrumental de tradição alemã ao invés do

repertório operistico foi discutida no artigo “Música Instrumental”, publicado na Revista

Musical e de Bellas Artes em 22 de março de 1879. Depois de elogiar o Conservatório de

Paris e seus virtuosos educadores, o autor refere-se ao cultivo da música germânica na França

18 Marmontel, “Rameau”, Revista Musical e de Bellas Artes 10, 08 de março de 1879, p. 7. 19 Revista Musical e de Bellas Artes 10, 10 de maio de 1880, p. 78. 20 Revista Musical e de Bellas Artes 13, 19 de junho de 1880, p. 102. 21 Revista Musical e de Bellas Artes 14, 06 de agosto de 1880, p. 53. 22 Embora o artigo não esteja datado, é provável que tenha sido escrito no final da década de 1870. Revista

Musical e de Bellas Artes 17-30, abril-julho de 1879. 23 Revista Musical e de Bellas Artes 19, 10 de maio de 1879, p. 5. 24 Nota do tradutor, Revista Musical e de Bellas Artes 24, 14 de junho de 1879, p. 2.

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na forma de sociedades de quartettos como “uma importação allemã [...], que se apossou tão

depressa, tão energicamente, dos francezes e dos italianos”. Em defesa da tradição italiana.

porém, considerava que

se os Italianos são superiores na melodia, é preciso não concluir d’ahi que sejam fracos na harmonia; por certo que a ser assim, não teriam alcançado o lugar que ocupam; para destruir essa asserção inexacta bastava citar as operas - - Moysés, Semiramis e Guilherme Tell ou mencionar muitas obras de Mercadante, Verdi, etc.25

Visão oposta veio a luz em “A Symphonia” – novamente, a tradução de um artigo francês. O

autor, preocupado com a subserviência da sinfonia à ópera, clamava por um suporte

governamental para os compositores sinfônicos franceses. Comparando a sinfonia com a

poesia, ele notava que em Paris a sinfonia tinha um audiência selecionada, sendo por isso

negligenciada pelos editores.

Dirão, talvez, que o romance e a canção, até mesmo uma pagina de uma opera, um trecho melodioso, ou uma transcripção para piano fallam á generalidade, em quanto que a symphonia só é apreciada por um diminuto numero de altas intelligencias musicaes.26

E para concluir, lamentando que, na França, a maioria dos compositores começava

escrevendo sinfonias, mas cedo eram atiçados pelo “demônio do palco”, em prol de seu

argumento, de que as óperas eram composições puramente sazonais, esquecidas com o tempo,

lembrava Haydn, famoso por suas sinfonias, mas cujos romances e óperas tinham sido

esquecidos.

Por outro lado, continuando a vida musical brasileira na década de 1870 concentrada

em torno da ópera, a Revista Musical e de Bellas Artes usualmente abria seus números com o

comentário da ultima performance operística nos teatros locais. Apesar disso, seguiam-se com

freqüência discussões de escritores franceses, que apelavam para a importância da música

instrumental. Em “Uma verdade”, um autor local observava que, embora os brasileiros fossem

famosos pelo seu “amor pela música”, isso somente era verdade em relação às modinhas, que

iam até tarde da noite, às polcas publicadas diariamente na cidade e às bandas germânicas que

tocavam nos parques. Ainda que o número de atividades musicais no Rio de Janeiro pudesse

ser comparado com os de muitas capitais européias, as realizações de compositores locais não

era equivalente às dos compositores estrangeiros, nem era usual assegurar um concerto para a

Sociedade Philarmonica Fluminense com orquestra completa. Escrever valsas e lundus, o

25 Revista Musical e de Bellas Artes 12, 22 de março de 1879, p.2-3.

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autor reclamava, “demanda talento mas muito pouco estudo”. Por isso, sugeria a criação de

uma sociedade de quartettos.27

Em 28 de fevereiro de 1879, surgiu um dos poucos artigos diretamente voltado para a

realidade brasileira, “O Zé Pereira”, publicado anonimamente, que analisava a popularidade

no Rio de Janeiro desse instrumento de percussão zabumba, usado na maioria das vezes por

pessoas de descendência africana. Embora enfatizasse a importância do ritmo na música, sem

o qual “melodia e harmonia não podem produzir nenhum efeito musical”, nem por isso,

deixava de afirmar que “tanto menos civilizado é um povo; tanto mais pronunciada é a forma

rhythmica de seus cantos”.

A musica pela ordem de sua importância dividi-se em três partes: rythmo, melodia e harmonia. O rythmo tanto pertence ao selvagem como ao homem civilizado; a melodia é o effeito musical mais accessível e mais fácil ao ouvido humano, e é por isso que ella impressiona com preferência os povos meridionais, tão propensos a tudo que lhes dê pouco trabalho; a harmonia é a última perfeição da arte, a sua parte mais bella e mais scientifica e a que indica mais o estado de adiantamento da arte entre qualquer povo. O rythmo é de todos; a melodia, de muitos; a harmonia, de alguns.28

Outros casos foram uma biografia de Carlos Gomes,29 a reimpressão da biografia de José

Mauricio Nunes Garcia por Araújo Porto Alegre,30 e um tributo a Henrique Alves de

Mesquita.31

Mais interessante foi um artigo, “O professor de piano (ou a arte de educar um pianista

desde os rudimentos até ensino transcendental)”, de Oscar Guanabarino (1851-1937),

publicado serialmente de 27 de março a 25 de dezembro de 1880, um dos poucos estudos da

Revista Musical e de Bellas Artes escrito por um brasileiro.32 Nele, Guanabarino, que se

tornaria um dos mais influentes críticos na virada do século XIX para o XX, forneceu

informações significativas não somente sobre seu método de ensinar o instrumento, mas

também sobre o estado da música no Rio de Janeiro e as controvérsias sobre as performances

26 Revista Musical e de Bellas Artes 12, 22 de março de 1879, p.6-7. 27 Revista Musical e de Bellas Artes 25, agosto de 1880, p. 37. 28 Revista Musical e de Bellas Artes 8, 28 de fevereiro de 1879, p. 1. 29 André Rebouças, “Notas biográficas, Carlos Gomes”, Revista Musical e de Bellas Artes, 1879. 30 Primeiramente publicado como “Apontamentos sobre a vida e a obra do Padre José Maurício Nunes

Garcia”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 19, 1856, p. 354-369, ver Revista Musical e de Bellas Artes.

31 Revista Musical e de Bellas Artes. 32 Guanabarino compilou esse artigo em um livro de 108 páginas, publicado em 1881 por Narciso, Arthur

Napoleão & Miguez; ver Luiz Heitor Correa de Azevedo, Cleofe Person de Mattos, e Mercedes Reis Pequeno, Bibliografia musical brasileira 1820-1950, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1952, p. 186.

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de musica clássica. Aparentemente muito bem informado sobre as atividades musicais do

Conservatório de Paris, ele seguia as sugestões de Marmontel, propondo coleções de

exercícios progressivos, dos quais Clementi, Cramer, Moscheles, Czerny, Herz, Thalberg e

Berton eram os mais recomendados, ainda que mencionasse também Gottschalk, Kalkbrenner,

Hummel, Heller, Prudent, Jaëll e Goria. Revelando um grande conhecimento sobre o

desenvolvimento da técnica pianística, Guanabarino dissertava sobre vários virtuoses e suas

especialidades, começando com Clementi e passando pelo legato de Thalberg, as notas

repetidas de Gottschalk e o vibrato de Napoleão.

Não tendo estudado no exterior, o acesso de Guanabarino ao repertório que advogava

era restrito, sendo adquirido através de coleções publicadas na França, editadas por

professores de piano do Conservatório. Entre elas, ele prescreveu particularmente a de Weiss,

Le Jeune Pianiste Classique, uma coleção de sinfonias de Haydn, Mozart e Beethoven

arranjadas para piano; de Le Couppey, Les classiques du piano, organizados em ordem de

dificuldade; de Amodée Méreaux, a coleção de teclado clássico, contendo 200 peças de

clavicenistas, de 1637 a 1790, organizadas cronologicamente e incluindo informações

bibliográficas e históricas; e de Marmontel, a École classique du piano e Chefs-d’oeuvre

classique pour le piano, graduado por dificuldade, contendo um guia de técnica e informações

biográficas.33 Foi também através dessas coleções, em voga na França, que as obras dos

clássicos circularam no século XIX brasileiro.34

Quanto ao sistema brasileiro de educação musical, considerava a performance de

música clássica como a ferramenta para atingir um alto gosto musical e sugeria que o público

do Rio de Janeiro deveria aprender a respeito da música das “mais educadas culturas”,

trocando “futilidades” por “idéias nobres”.

O gosto pela musica [no Rio de Janeiro] – não significa – admiração pelas grandezas da arte. As polkas-lundus, as quadrilhas, os tangos e outras composições chorosas, fazem parte das predilecções da generalidade do publico – isto na capital – calcule-se agora o que vai pelas províncias onde a modinha tem um throno que desafia a todos os republicanos do mundo [...].35

33 Guanabarino também se referia a “coleção de clássicos” de Moscheles; de George Bizet Le Pianiste

Chanteur; e a edição de Czerny, Clavecin bien tempere, sobre os prelúdios e fugas de Bach. 34 Le Couppey – Les classiques du piano estava a venda no Rio de Janeiro desde 1865 pelos sucessores de P.

Laforge; Jornal do Commercio 15 de outubro de 1865. Sinfonias de Haydn e Mozart arranjadas por Hummel para piano, flauta e cello, foram anunciadas nos anos seguintes; Jornal do Commercio 06 de agosto de 1866.

35 Revista Musical e de Bellas Artes 22, 21 de agosto de 1880, p. 176.

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Guanabarino deplorava igualmente a falta de familiaridade do público brasileiro com qualquer

repertório que não fosse a ópera, as operettas e as danças, mostrando-se incapaz de

estabelecer as diferenças entre a música clássica e a música moderna.

Não são poucos aquelles que julgam que a escola clássica quer dizer musica antiga – como se as antigas banalidades das operas de Gnecco ou de Federici fossem musica clássica. É verdade que essa escola determina uma época não muito precisamente, que talvez se eleve ao décimo quinto século em que encontram-se Orlando Lasso, Claude Goudimel, Nicoláo Gombert, Bassiron, Phinot, Cornélio, Arcadelt e outros cujos nomes escaparam á memória. Foram elles os primeiros que, de accordo com o espírito de seu tempo, coordenaram as leis da musica e da composição segundo o princípio da fé religiosa que então dominava e assentaram as pedras que deviam construir o monumento altivo edificado por Palestrina; mas sucessivamente encontram-se, no século dezesseis – Merulo, Frescobaldi, e Allegri; Rameau, Scarlatti, Haendel e Bach no século immediato; Haydn, Clementi, Mozart, Dussek, Beethoven, Hummel, Schubert, Cramer, e tantos outros no século desoito; Mendelssohn, Chopin e Schumann no principio do atual – e portanto a denominação de musica antiga tem tanta razão de ser como – musica moderna em relação ao titulo de clássica. [...] em musica, enfim, chama-se classicos aos mestres que como Beethoven e Mozart, collocam a expressão dos sentimentos e dos pensamentos acima do cuidado de agradar aos ouvidos [...] a musica classica, portanto, como vimos, determina uma época – a do renascimento em que os autores antigos eram estudados como typos de perfeição – nas classes, e considerados como modelos ás novas tentativas. Na composição moderna dá-se a mesma qualificação aos mestres que procuram modelar suas obras pelo cunho dos autores que viveram n’aquelle tempo. Em opposição ao clássico temos o gênero romântico que liberta-se das regras estabelecidas pelos antigos e evitam mesmo o seu caracter.36

De fato, antes do estabelecimento do Imperial Conservatório em 1847, a instrução de

música, fora das instituições religiosas, era informal. Lecionar era a uma forma de os músicos

viverem e quase todos os músicos/compositores ensinavam canto e/ou instrumentos. Lições

de música eram anunciadas quase todos os dias nos jornais do Rio de Janeiro.

Lino José Nunes propõe-se a ensinar a todas as pessoas de ambos os sexos, que quiserem aprender a cantar toda a qualidade de música, e demais cançonetas italianas e modinhas portuguêsas, tudo com acompanhamento de viola.37

Bartholomeu Bartolazzi, morador na Rua dos Inválidos nº 80, faz ciente ao respeitável público que quem quiser aprender música, cantar, tocar viola, viola francesa ou mandolina, que ele o ensina; para o que terão a bondade de o mandar procurar na sua moradia para com ele tratar.38

36 Revista Musical e de Bellas Artes, 36, 27 de novembro de 1880, p. 228 e 237, 11 de dezembro de 1880, p.

296. 37 Esse anúncio, publicado em 1821, foi colhido em Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu

tempo, v. 2, 209. Lino José Nunes deixou várias modinhas... 38 Spectador Brasileir a , 10 de fevereiro de 1826. Apud Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva..., v. 2,

p. 149.

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Na década de 1840, esses anúncios já se referem ao acompanhameto no violão.39 Na

realidade, o primeiro método de instrução musical publicado no Brasil, Arte de muzica, para

uso da mocidade brazileira por hum seu patrício,40 surgido em 1823, foi dedicado a jovens

violonistas e, como exemplos, recorria a trechos de música para violão colhidos na obra de

Francisco Ignácio Solano, um de seus predecessores.41 A ultima seção, “Do

Accompanhamento” – um guia para o acompanhamento com violão – mostra formas

especificas de acompanhamento para modinhas e minuetos, através de tablatura.

Como julguei ser também necessário, ao que toca, e estuda Guitarra, o saber accompanhar algumas Modinhas, Minuetes, e outras Peças deste gênero, só pelo Basso Continuo; he por esta razão, que escrevi mais os seguintes Parágrafos, para lhes servirem de huma breve instrução.42

O aparecimento dessa obra, editada por Silva Porto, provavelmente pretendia atender às

necessidades dos músicos locais nas primeiras décadas do século, mas, curiosamente, ela não

é mencionada em nenhum catálogo de música ou jornal depois de 1837.

Assim, o primeiro método teórico a circular extensivamente no Brasil foi o de

Bonifácio Asioli (1769-1832), Principi Elementari di Musica (Milão, 1809), que fazia parte

de uma série pioneira de trabalhos didáticos publicados pelo Conservatório de Milão, do qual

Asioli, um prolífico compositor e responsável pela estréia italiana de A Criação e As

Estações,43 foi o primeiro diretor, em 1808. A tradução portuguesa coube a Antonio Luiz

Fagundes e saiu em 1824, com o título Elementos de Musica, adoptados do Régio

Conservatório de Milão.44 Em 1879, saiu uma nova edição, intitulada Rudimentos de Musica,

adoptados no Real Conservatório de Milão coordenados por Bonifácio Asioli, traduzidos da

ultima edição original e augmentados com a intercalação dos exemplos no texto para maior

commodidade dos mestres e descipulos, por T. P. dos Santos.45 E, atualmente, permanece em

circulação, em uma publicação de 1957, embora com uma nova seção de exercícios com

respostas em anexo, como Princípios Elementares da Música, traduzido, ampliado e revisado

39 Como é o caso de Marziano Bruni que oferecia aulas de canto e violão (também harpa e piano). Ayres de

Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, p.151. 40 Rio de Janeiro, Typographia de Silva e Porto, & Cia., 1823. 41 Francisco Ignácio Solano é autor de Nova Instrução Musical, ou theoria pratica da música rythmica.

Lisboa, Officina de Miguel Manescas da Costa, 1764. 42 Arte de muzica, 25. Ludovico Viadana é citado como o primeiro a usar o baixo cifrado. O autor coloca que

o tratado de Viadana data do ‘derradeiro seculo’, o qual sujere que esse tratado anônimo foi escrito no final do século XVIII.

43 Ver o verbete Asioli no Baker’s Biographical Dictionary (1992). 44 Traduzido para português ‘vulgar’ por Antonio Luiz Fagundes. Com 3 Estampas. Rio de Janeiro,

Typographia de P. Plancher, 1824; 2ª ed. rev., Rio de Janeiro, Typographia Austral, 1839.

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por Vicente Aricó Junior.46 No prefácio à edição de 1839, o tradutor observava que lecionar

música no Rio de Janeiro era uma tarefa difícil, uma vez que apenas “poucos bons trabalhos

existem em português”. Manuais de música havia, mas circulavam em manuscrito e eram

confusos, desprovidos de explicações para os instrutores. Ao contrário, o livro de Asioli, à

parte ter sido adotado pelo “mais renomado conservatório do mundo”, tinha o mérito de ser

organizado de uma forma didática, em formato claro e simples, o que facilitava “o ensino para

você”.

Compêndio geral para iniciantes, os Principi Elementari de Musica de Asioli mostrava

a nomenclatura de claves, notas e acidentes, as divisões de ritmos básicos, de compasso, de

marcação de tempo e, por fim, uma classificação dos instrumentos. Na edição de 1839, os

instrumentos eram divididos em quatro grupos. Primeiro, os de “teclado”, incluindo o órgão;

em segundo, os de “arco”, como a rebeca, a viola, o rebecão pequeno e baixo; em terceiro, os

“instrumentos de sopro”, que incluíam o oitavino [flautim], flauta, oboé, clarinete, corn

inglês, corno basseto, basson [fagote], corn francês [trompa], clarin e trombão [trombone]; e,

finalmente, a “pancada” [percussão]: tambor, triângulo e tímpano. Outros, como a harpa, a

“guitarra” e o bandolim eram igualmente mencionados. Na edição de 1879, revisada por T. P.

dos Santos, percebe-se uma mudança na nomenclatura, tornando-se o “rebecão pequeno”,

violoncello; a “rebeca”, rabeca ou violino; a “viola”, violeta; flautim era incluído como nome

opcional para “oitavino”; e o termo “pancada” virava percussão, mas ainda sem referir-se ao

bombo.

A partir da década de 1830, também passaram a ser numerosos os métodos para piano.

Em 1858, a Casa Filippone & Tornaghi oferecia, além dos métodos de Hünten e Herz, sete

métodos de H. Berton, prelúdios de Pinzarrone e um Étude em lá menor de Thalberg. 47

Para a voz, saiu em 1855 a tradução de um outro método de Asioli, Primi elementi di

canto (Milão 1809), também vendido por Filippone & Tornaghi, ao lado daquele dos italianos

Crivelli e Crescentini (1762-1846). Como opção, havia o chamado Meloplaste, um método

para canto criado pelo francês Pierre Galin (1786-1821) a partir da experiência de ensinar

crianças, publicado originalmente em Paris (1818) com o título de Exposition d’une nouvelle

45 Rio de Janeiro, Buschmann, Guimarães & Irmão, 1879. 46 Bonifácio Asioli, Princípios Elementares de Música, tradução, adaptação e ampliação de Vicente Aricó

Junior. São Paulo, Irmãos Vitale, 1957. 47 Ana Cristina Fonseca. História Social do Piano – Nacionalismo/Modernismo – RJ 1808-1922 . Dissertação

de Mestrado, Rio de Janeiro, Escola de Música da UFRJ, 1996.

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méthode pour l’enseignement de la musique48 e baseado em uma forma de notação

primeiramente proposta por Jean-Jacques Rousseau. Posteriormente, desenvolvido por sua

aluna Aimé, pela irmã Nanine e a mulher, Emile Chevé, o método de Galin foi transformado

em um curso completo de treinamento musical, incluindo a proposição de textos e exercícios,

tornando-se o Méthode élementaire de musique vocale, publicado em Paris em 1844.

Conhecido como método Galin-Paris-Chevé, desfrutou de popularidade não só na França,

como em outros países europeus. No Brasil, pelo fato do canto envolver sílabas, o método se

tornou conhecido como sistema BACADAFA.49

Já em 1827, o Meloplaste era anunciado, no Rio de Janeiro, pelo imigrante francês A.

Bousogne.

Noticias particulares: Curso Analytico de Muzica do Meloplaste. Mr. A. Bousogne, Professor de Musica, segundo este methodo tem a honra de annunciar ao Publico dous Cursos de Musico; a saber: Hum para os homens e meninos [...] Outro para Senhoras. A duração destes dous Cursos será de sete mezes; elles serão susceptíveis de serem reunidos de vez em quando com o consentimento das famílias, e isto para exercer os discípulos as execuções de harmonias que necessitão o emprego de varias vozes humanas. A primiera Lição he gratuita; e nella se fará huma exposição comparativa da Theoria, e das vantagens do Meloplaste sobre o antigo methodo de ensino, bem como huma explicação sobre um novo meio de simplificação que acaba de ser remetido á M. Bousogne, por hum de seus Collegas de Paris, Professor deste Methodo, e Membro da Academia Real das Sciencias.50

Mais tarde, em 1840, o francês Milliet, que fora pianista acompanhador no Conservatório de

Paris, aluno de “guitarra” de Sor e de Aguado e tornara-se diretor musical de várias

sociedades de dança locais, continuava anunciando lições usando o mesmo método.51

Freqüentemente mencionado nos livros de história da música como autor do primeiro

dicionário de música publicado no Brasil (1842), o português Raphael Coelho Machado

chegou ao Rio de Janeiro em 1838, estabelecendo-se como professor. Para preencher a lacuna

dos livros teóricos sobre o assunto e adicionar literatura específica para os músicos locais,

Machado escreveu obras didáticas e traduziu do francês alguns métodos para instrumentos,

como a flauta (os de François Devienne, 1760-1803, e o de Benoit-Tranquille Berbiguier,

48 Reimpresso com introdução e tradução de Bernard Rainbow como Rationale for new way of Teaching

Music, Classic Texts in Music Education nº 8. Kilkenny, Ireland, Boethius Press, 1983. 49 Mercedes Reis Pequeno (ed.) Música no Rio de Janeiro Imperial, 1822-1870. Rio de Janeiro, MEC, 1962,

p. 63. 50 Jornal do Commercio, 05 de março de 1827. 51 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, 199.

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1782-1838), o violino, a guitarra e o piano. Alguns de seus escritos, como o ABC musical,

ainda foi recentemente reimpresso.52

Tabela nº 1: Raphael Coelho Machado – Publicações Teóricas

Título Local Data Diccionario Musical RJ, Typ. Francesa 1842, 1855, 1888, 1902, 1909 Princípios de musica prática53 RJ, Typ. Francesa 1842 Método de afinar piano RJ, Typ. Francesa 1843, 1845, 1849 Método de pianoforte54 RJ 1843 Escola de Violino55 RJ 1844 Método Completo de Violão56 RJ 1845 Chirogymnasto57 RJ ca. 1845 Princípios da Arte Poética58 RJ ca. 1845 Breve tratado de harmonia Paris/RJ 1851, 1853, 1859, 1863, 1865 ABC musical RJ 1852, 1864 Elementos de escrituração musical59 Lisboa 1852 Método de órgão expressivo X 1854 Método de ofclide X 1856

Fonte: Ana Cristina Fonseca. História Social do Piano – Nacionalismo/Modernismo – RJ 1808-1922. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, Escola de Música da UFRJ, 1996.

O Dicionário Musical permaneceu como a única publicação do gênero no Brasil até

1904, quando Isaac Newton lançou o seu. 60 A obra foi duramente criticada por Ernesto Vieira,

em seu Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses,61 e por Mario de Andrade, no prefácio

às Modinhas Imperiais,62 em função das impropriedades e das referências antiquadas de

Machado, muito dependente de escritores dos séculos XVIII e XIX, como Solano, Reicha

52 São Paulo, Irmãos Vitale, 1984. 53 Era para uso dos principiantes. 54 Tradução do método Hünten. 55 Tradução do método de Jean-Delphin Alard (1815-1888). 56 Tradução do método de Matteo Carcassi (1792-1853). 57 Tradução do método de Casimir Martin. 58 Ou Medição dos versos uzados em língua portugueza. Embora não mencionado em Reis Pequeno nem em

Enciclopédia da Música Brasileira, esse trabalho é listado no catálogo de Machado, e em sua capa vem o título Methodo de Afinar o Piano (3ª ed., rev., Rio de Janeiro, 1849).

59 Ou arte de música 60 Maceió, Typogaphya Commercial, 1904. No prefácio, Newton faz referencia ao dicionário de Machado e o

elogia, mas enfatiza que, enquanto o anterior tem 1600 verbetes, o dele inclui 4000. Ver Ênio de Freitas e Castro, “Dicionários de música brasileiros”, Revista Brasileira de Cultura 2/5, 1970, p. 12. Castro inclui em seu artigo um facsimile da capa do dicionário de Machado editado em 1842.

61 Lisboa, Typ. M. Moreira & Pinheiro, 1900. 62 São Paulo, Casa Chiarato, 1930.

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(1770-1836), Rousseau (1717-1778), Baillot (1771-1842), Herz, Berton (1767-1844),63

Chlandi (1756-1827) e Fétis (1784-1871), que cita em seu prefácio. No corpo do trabalho, as

remissões a compositores vão de Palestrina, Pergolesi, Haydn e Mozart a Cherubini,

Beethoven e especialmente Rossini, cujo Saba Mater (1842) indica como “modelo de

moderna música sacra”.64 Termos como sonata e sinfonia, pouco usuais no século XIX

brasileiro, receberam definições impróprias, presa a modelos antigos.

Sonata, peça composta de dous ou mais movimentos. Os italianos dividem a sonata em duas espécies: sonata de câmara e sonata de igreja; a primeira é composta de muitas Arias familiares, melodias alegres, etc., a segunda é composta com mais gravidade, trabalhada mais na harmonia e o canto é sempre conveniente á dignidade do lugar; qualquer das duas começão sempre por um adágio, e passando por dous ou três movimentos diversos acaba por um alegro ou presto. A sonata é ordinariamente compostas para um instrumento que recita acompanhamento de um Baixo continuado; para o piano é que se tem destinado um maior numero de sonatas.

Symphonia, reunião de sons, concerto musical. Entre os Gregos consonância da musica, reunião de instrumentos e vozes. Damos particularmente o nome de symphonia a uma composição que encerra um discurso comple to destinado á orchestra.

No entanto, provavelmente, foi o próprio Machado que criou definições para alguns

termos brasileiros em voga na época. “Modinhas (dim. de moda)”, por exemplo, ele define

como “poesias lúdicas postas em musica; pequenas composições que andam em voga, e que o

curioso póde compor – ver Romance.”65 A palavra Choro, porém, é incluída não como um

tipo de música, mas no sentido de coro. Fantasias e caprichos são definidas como resultado de

improvisações, nas quais o compositor pode “entregar-se aos impulsos da sua imaginação”,

mas, no lugar de Cramer, Herz, Hünten e Thalberg, que usualmente apareciam nas

publicações brasileiras e em programas de concerto, foi o nome de Liszt que Machado

colocou como “grande improvisador de seu tempo.”66 Igualmente na definição da palavra

“thema”, Machado mencionava a prática contemporânea de tomar emprestados trechos

populares para construir estruturas musicais: “Thema, s.m. assumpto; é o fundo melódico que

serve de esboço para tecer variações; ordinariamente toma-se uma ária popular; syn.,

motivo.”67 Em termos mais gerais, dividia a música por categorias: musica figurada e plana,

63 Provavelmente Henri François Berton, Traitè d’harmonie, suivie d’un dictionnaire des accords, Paris,

1815. Machado constantemente cita Berton em outras publicações. 64 Diccionario Musical, (1855), p. 128. 65 Diccionario Musical, (1855), p. 117. 66 Diccionario Musical, (1855), p. 68. Ver também o verbete “Improvisar”. 67 Diccionario Musical, (1855), p. 245-246.

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musica dramatica, musica militar, musica religiosa, musica de capella e musica de salão.

Esta última, reconhecia, tinha uma grande variedade de definições, incluindo a “escolha de

peças agradáveis, como cantatas, Arias destacadas, duettos, romances, barcarolas, nocturnos,

concertos, fantazias, caprichos, variações, solos, etc.”68 Já a música de dança aparecia no

verbete “Stylo” como stylo dansante, limitada à música de corte, que circulava em

publicações, como valsas, quadrilhas, galopes e a polca, de introdução recente, mais as danças

espanholas tocadas em Paris, como o bolero e o fandango, excluindo as danças regularmente

apresentadas nos intermezzi das comédias teatrais, como a popular cachucha, o sorongo e o

miudinho.

O Methodo de Afinar Piano foi inicialmente publicado como um suplemento do

periódico Ramalhete das Damas (nº 4 e 5) e estava endereçado aos diletantes, a fim de aliviar

o problema causado pela lacuna de profissionais na cidade e minimizar o alto custo da

conservação de pianos. Em um país com constantes mudanças climáticas, Raphael Coelho

Machado explicava que os instrumentos precisavam ser afinados regularmente e não julgava

que afinar seus pianos fosse uma tarefa difícil para os amadores. De acordo com ele, algumas

mulheres no Rio de Janeiro já sabiam como afinar seus instrumentos corretamente e

considerariam “um vexame” chamar um profissional várias vezes ao ano “simplesmente para

pequenos ajustes”. Em seus três capítulos, o autor discutia os diferentes sistemas de afinação,

incluindo o de Rameau, fazia um pequeno histórico do piano e dava conselhos para o

acondicionamento e conservação do instrumento. Preferia os pianos ingleses e franceses aos

alemães porque não confiava nas firmas que representavam esses últimos no Brasil, indicando

os franceses Érard, Pleyel, Pape, Roller, Schmidt, Boisselot, Soufflé, Cluesman e Herz e os

ingleses Collard & Collard, Broadwood & Sons, Stoddart, Robert Wornum e Allison &

Allison como os melhores. Pianos portugueses e americanos não tinham reputação satisfatória

e os brasilieros mostravam-se frágeis por causa da madeira inferior usada em sua fabricação.69

Presente em larga escala na cidade e destinado a realçar a posição social da família,

podendo ser adquirido de forma facilitada e dos mais variados fabricantes, o piano constituía

um instrumento popular no Rio de Janeiro oitocentista e Machado realçava suas vantagens

sobre os demais, no capítulo “O piano, sua escolha e conservação” de seu Methodo.

A orchestra com sua massa enorme de sons limitou seos effeitos gigantescos aos theatros e lugares públicos, o quartetto he hoje reramente usado; a harpa e guitarra

68 Diccionario Musical, (1855), p. 128. 69 Methodo de Afinar Piano, p. 11.

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franceza ou violão estão quase abandonados; o que resta pois para fazer gozar no centro das famílias as delicias que a musica proporciona? O piano. Este instrumento não poderia figurar com vantagem n’um concerto d’aparato; elle experimenta um maior ou menor desaire quando apparece ao lado da grande orchestra, mas toma muito bem o seu lugar nas salas magníficas que para elle só se destinam. He alli que o piano impera [...] reduzindo a ruía violinos, clarinetes, harpas, violões, etc [...] eis o piano, que a Arte soube dotar de uma harmonia completa, cheia e sonora, offerecendo o seu teclado ao virtuozo, prompto a reduzir os recursos da orchestra ás proporções do instrumento de teclas. Quando se quer ouvir fantasias brilhantes de Thalberg, de Prudent, de Herz, o piano torna-se instrumento principal [...] Dois pianos reunidos, três ou mais offerecem uma torrente de harmonia, uma variedade de desenhos, cujos resultados não são sem interesse sob mãos hábeis. O violino, a flauta, a trompa, a clarineta, o fagote, o violoncello, desejam tomar parte com elle? O piano lhes dará licença [...] faz exaltar o jovenil auditório por suas vivas e brilhantes phrases dansantes [...] accompanha exercícios de voz, árias, duettos, coros, etc., d’uma opera são repetidos no piano, variados e transformados de mil modos [...].70

Já o ABC Musical e os Princípios de Música Pratica (ou Elementos da Excripturação

Musical, 1842) foram revisadas em 1864 e publicados numa única obra como ABC Musical

contendo os princípios de música pratica.71 Tratava-se de um livro texto para iniciantes, com

explicações de notação musical básica e teoria elementar. No “Prefácio”, porém, Machado

observa o lugar da música na educação geral em outros países e o seu papel na sociedade.72

Em todos os tempos, em todos os actos da nossa vida apparece a influencia da musica; o marinheiro, o lavrador, o operário, o jornaleiro, todos enfim, no exercício de suas occupações, d’ella se servem para desterrar os tédios e suavisar as fadigas, consolar o prisioneiro e encarcerado, animar o soldado em suas longas marchas [...] ella constitui uma necessidade na educação popular das nações, que caminham no progresso; polindo os costumes, nos torna sociáveis, meigos, humanos [...].73

Por isso, advogava a inclusão do ensino musical nas escolas publicas primárias e secundárias,

como complemento da educação regular, em sintonia com os modelos europeus,

especialmente o francês, referindo-se a Paris como uma “Nova Atenas” para a educação

musical das massas.

Em nossos dias é conhecida a incontestável influencia da musica sobre a moral e a educação da mocidade, em conseqüência, tem sido decretado o seu ensino nos collegios e escolas publicas pelos governos illustrados da Europa [...]. [A música]

70 Methodo de Afinar Piano, p. 15. 71 Cópia exis tente na Biblioteca Nacional. 72 O prefacio foi primeiramente incluído em Princípios de Musica pratica contendo os elementos de musica, e

precedido de um discurso em que se demonstra a influencia d’esta arte sobre a educação. Esse título completo foi dado na contra capa do catálogo Methodo de Afinar Paino. De acordo com a edição de 1864 do ABC Musical contendo os princípios de musica pratica, o prefácio também foi incluído da 3ª edição do ABC Muscial de Machado.

73 ABC Musical (1864), p. 6.

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deve ser estudada por todas as pessoas polidas e que aspiram a uma educação completa.74

Dessa maneira, ele critica os métodos musicais disponíveis no mercado que são indicados

para especialistas e não para o público em geral. Publicações instrutivas, ele enfatiza,

deveriam ser dedicadas ao diletante e não ao profissional:

uma arte, elevada á cathegoria das sciencias physico-mathematicas, exigindo genio, talento, gosto, e muito estudo theorico e pratico, certamente carece de homens, que se dediquem a ella exclusivamente; mas seria para desejar que o resto não estivesse inteiramente alheio a este bello idioma, mesmo para melhor aprecia -lo [...]. Adoptando um methodo simples e fundamental, o ensino musical tomará sem duvida um lugar a par do ensino primário, como conhecimento indispensável a todo o homem polido e religioso. 75

Antes de publicar seu Breve Tratado D’harmonia contendo o contraponto ou regras

da composição musical e o baixo cifrado ou acompanhamento d’orgão, endereçado à

mocidade brasileira e portuguesa, em 1852, Raphael Coelho Machado retornou a Portugal e o

submeteu à avaliação dos diretores do Conservatório de Lisboa, cuja diretoria o aprovou por

unanimidade, apesar das ressalvas de Ernesto Vieira, que claramente discordava da decisão.76

Suas quatro edições saíram no Brasil, a última por Narciso & Arthur Napoleão, constituindo o

item mais caro do catálogo da firma, vendido por 14$000 réis, na qual destacava-se o titulo de

Cavalleiro da Ordem da Rosa, recebido pelo autor do imperador. Nele, Machado enfatiza

constantemente a necessidade de prover uma sólida instrução aos músicos que não podiam

estudar no exterior. No capítulo “Da poesia em musica”, ele defendia o canto em português e

procurava prover os compositores locais com as instruções necessárias da prosódia do idioma

para adaptar-se a música.77 Segundo ele, em 1880 era o mais caro item do catálogo de

Napoleão

muito maior [absurdo] o será compôr em idioma estranho [...] quanto a musica profana, he notável que cantando todas as nações em seus proprios idiomas, só a nossa se conservasse ate certo ponto na trivialidade das modinhas e lundus, como se ella não fora muito e muito adequada ao canto [...] Depois da língua italiana, a que mais se presta ao canto he incontestavelmente a portugueza [...] Mas para compor em portuguez he preciso não cahir nos barbarismos de toda a espécie, semeados em uma grande parte das composições que por ahi correm [...].78

74 ABC Musical (1864), p. 7. 75 ABC Musical (1864), p. 8. 76 Vieira, Dicionário biográfico de músicos portuguezes, v. 2, p. 47. 77 Esse capítulo é provavelmente uma versão revisada de seu Princípios da Arte Poética (ou medição dos

versos uzados na língua portugueza), anunciado na contra capa de seu Methodo de Afinar Piano (3ª ed. rev., 1849).

78 Breve Tratado de Harmonia (4ª ed.) 115.

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Antecipava-se, assim, em mais de setenta anos às preocupações de Mario de Andrade e

outros, que foram largamente discutidas no 1º Congresso de Língua Nacional Cantada em

1937.79

Como mencionado em capítulo anterior, Francisco Manoel da Silva também deixou

um série de obras didáticas amplamente difundidas na época.

Tabela nº 2: Francisco Manoel da Silva – Publicações Teóricas

Título Edição Compêndio de Música Prática dedicado aos amadores e

artistas brasileiros Rio de Janeiro, 1832

Compêndio de Música, para uso dos alunos do Imperial Colégio Pedro II

Rio de Janeiro, 1838, 1853, 1857, 1864

Compêndio de Princípios Elementares de Música para uso do Conservatório do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 1848, 1871 (4ª ed.)

Método de Solfejo – 1ª parte Rio de Janeiro, 1848

Fonte: Ayres de Andrade Francisco Manuel da Silva e seu tempo..., v. 2, cap. XXII.

O Compêndio de Música para uso dos alunos do Imperial Colégio D. Pedro II, cuja

popularidade foi atestada pelo grande número de edições através dos séculos XIX e XX,

continha um sumário de símbolos musicais e ritmos básicos de divisão e destinava-se aos

professores de música em geral, sendo considerado, em meados do século XIX, uma artinha,

isto é, um método institucional publicado localmente. No Rio de Janeiro, podia ser encontrado

Na imprensa de musica de P. Laforge [...]. O Sr. Francisco Manoel da Silva tendo concedido licença para a dita obra ser também vendida ao publico, negou-se a aceitar interesse algum na sua publicação [...].80

Além desses, vários outros professores de música publicaram livros didáticos para

iniciantes. Nenhum, entretanto, com a longevidade das obras de Raphael Coelho Machado ou

de Francisco Manoel da Silva. Dentre aqueles anunciados em jornais, podem ser mencionados

os de João Cirillo Muniz, Breve Compendio de Musica, Rio de Janeiro, 1856, dedicado às

princesas Isabel e Leopoldina; o de Januário da Silva Arvelos, Novo methodo dos primeiros

elementos musicais, Rio de Janeiro, 1859; e o de Hugo Bussmeyer, Breve Tratado de

Harmonia, Rio de Janeiro, E. & H. Laemmert, 1875. Entretanto, os métodos de harmonia e

79 Ver Mario de Andrade, “Os compositores e a língua nacional”, Aspectos da música brasileira, São Paulo,

Livraria Martins, 1965, 1ª edição, p. 43-120. Ver também Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, “A Imperial Academia de Musica e Ópera Nacional e o canto em vernáculo”, Anais do 1º Congresso de Língua Nacional Cantada , São Paulo, Departamente de Cultura, 1938, p. 489-636.

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contraponto preferidos depois de 1850 foram escritos por eminentes professores do

Conservatório de Paris. Incluíam o Traité d’harmonie (1802) de Charles Simon Catel (1773-

1830), que foi considerado um trabalho padrão no Conservatório por mais de vinte anos; o

Cours de contrepoint et fugue (1835) de Luigi Cherubini (1760-1842), diretor da instituição

de 1822 até sua morte; o Traité complet et raisonné d’harmonie (1817) de Anton Reicha

(1770-1836), o compositor tcheco, que depois de se mudar para Paris em 1808 e se tornar

professor do Conservatório em 1818, foi professor de Baillot, Rode, Berlioz, Liszt, e Franck;

e finalmente, o Cours d’harmonie, théorique et pratique de François-Emmanuel Bazin (1816-

1878), igualmente professor do Conservatório.

Ao lado desses, considerando o ainda incipiente interesse local em música sinfônica, o

número de métodos de instrumentação à venda no Rio de Janeiro na segunda metade do

século era surpreendentemente grande. Napoleão anunciava os de Czerny, Traité de

l’instrumentation; de Giraud, o Traidé élementaire d’instrumentation; de Jean-Georges

Kastner (1810-1867),81 o Cours d’instrumentation consideré sous les rapports poétiques et

philosophiques de l’art (1839-1844); de Sândi, o Tratado d’istrumentazione; e de Tosoroni, o

Trattado pratico d’istrumentazione. Em especial, pareciam valorizados os escritos de Hector

Berlioz. Não menos que seis de seus trabalhos vendiam-se no Rio de Janeiro em 1880: as

Mémoires (1870, 1878), Les grotesques de la musique (1859), Les soirées de l’orchestre

(1852), À travers chants (1862), Grand traité d’instrumentation et d’orchestration modernes

suivi de l’art du chef d’orchestre (1855), e a Correspondance, publicada postumamente.

Coleções de Músicas (1837-1870)

Periódicos musicais começaram a circular no Rio de Janeiro na década de 1830. Como

os similares europeus desde do século XVIII, incluíam de início apenas música. Anúncios em

jornais documentam a circulação da Lyra de Appolo Brazileiro, em 1834, e da Terpsichore

Brazileira, em 1837, embora nenhum de seus exemplares exista mais. Assim, no Jornal do

Commercio de 25 de outubro de 1837, anunciava-se:

Sahio á luz, e acha-se a vender na loja de musica e instrumentos de J. B. Klier, Rua do Hospício nº 85, o 1º numero de Terpsichore brazileira; huma collecção de valsas, cantradanças, galopadas, e composições de vários professores e amantes da musica nesta corte. Adverte -se que de três mezes apparecerá hum caderno contendo

80 Jornal do Comercio, 28 de agosto de 1838. Sua edição mais recente data de 1975 e saiu por Irmãos Vitale

(São Paulo e Rio de Janeiro). 81 Nascido em Strassbourg, Kastner estudou música em Paris com Reicha e Berton. Ele deixou uma variada

lista de obras incluindo um estudo sobre acústica.

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seis differentes danças escolhidas; desta maneira ficará preenchida a falta de musica de baile (principalmente de valsas), pois que bem poucas valsas compostas para os bailes em Europa servem aqui, em razão de terem os movimentos muito differentes.82

Em 1842, publicado por J. J. de Rego e editado por João José Ferreira de Freitas83 e

Francisco Manoel da Silva, apareceu o Philo-Harmonico, que também incluía “composições

modernas e brilhantes”84 de compositores brasileiros. São três os exemplares ainda

disponíveis na Biblioteca Nacional, como registra a Tabela a seguir.

Tabela nº 3: O Philo-Harmonico (1842)

Compositor Gênero Título Mês J. J. F. Freitas Valsa Grande Valsa A Lembrança Janeiro J. J. F. Freitas Modinha A Noite do Ciúme Janeiro Anônimo Valsa Valsa para seis mãos A Romântica Janeiro Anônimo Valsa A Teima Amorosa Março Candido José de Araujo Viana Valsa A Amizade Março A. J. T. de Bandeira Modinha A Despedida Março Fco M da Silva85 Romance 12 Romances (um em italiano) Março Fco M da Silva Quadrilha A Imperialista Abril Anônimo Modinha A Esperança Perdida Abril Anônimo Moda Inda existe a terna filha Abril

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Diferentemente, o Ramalhete das Damas, publicado por George Mathias Heaton e

Eduard Rensburg e, a partir de 1844, pela Sociedade Phil’Orphenica, trazia tanto obras de

compositores europeus quanto brasileiros e apareceu quinzenalmente, de forma quase

ininterrupta, entre 1842 e 1850, aceitando subscrições semestrais e anuais. De acordo com

Mercedes Reis Pequeno, o editor foi o português Raphael Coelho Machado. O Ramalhete das

Damas se tornou em 1843 o primeiro no gênero a incluir um suplemento de leitura intitulado

folhas de leitura, uma seção que continha ensaios musicais, poesia, anúncios, noticias

musicais de outras cidades do Brasil e da Europa, retratos do compositores e traduções para

português de enredos operisticos, mas, em 1847, voltou a ser somente de partituras.86

82 Jornal do Commercio, 25 de outubro de 1837. 83 Freitas foi professor de voz e composição. Em 1836 ‘Mestre’ Freitas deu lições de voz à Rua da Cadeia nº

19. Mercedes Reis Pequeno, Música no Rio de Janeiro Imperial, p. 67. 84 De acordo com o frontispício. 85 Francisco Manoel da Silva compôs 12 romances seguindo sua recente nomeação de “Mestre Compositor da

Câmara de S. M. I. o Snr. D. Pedro 2º.” 86 Mercedes Reis Pequeno, “Brazilian Music Publishers”, Inter-American Music Review 9/2, 1988, p.93.

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Poucos dias depois de sua estréia brasileira, em 16 de junho de 1846, o periódico

estampava uma ária do Ernani de Verdi, assim como anunciava o Jornal do Commercio de 10

de abril de 1845 a publicação de uma ária de Il Puritani de Bellini, cuja primeira apresentação

no Rio de Janeiro tinha ocorrido apenas duas semanas antes, em 26 de março.

RAMALHETE DAS DAMAS: Sahio á luz, contendo em 12 paginas. Musica: a bella e muito applaudida ária dos Puritanos, cantada pela Sra. Candiani – Qui la voce – arranjada para piano. Leitura: Noticias de Lisboa, da Bahia, de Pernambuco, da corte, o enredo da ultima opera, critica, poesia, etc. Estampa: A orchestra de 6 mezes no fogo da sua execução. Continua se a subscrever na rua do Ouvidor nº 116; por ano, 10$rs, por 6 mezes 6$rs; numero avulso 1$500rs.87

As Tabelas abaixo, construídas a partir da coleção incompleta do Ramalhete das

Damas que se encontra na Biblioteca Nacional, incluindo a contra-capa de um número com a

relação das obras publicadas antes de 1845, mostra, em primeiro lugar, a mudança no

repertório que tomou lugar durante os anos 1840. Rossini e Auber, embora ainda admirados

pelas audiências brasileiras, cediam agora lugar a Bellini e Donizetti, cujas óperas, estreadas

na Europa nos anos 1830, dominavam nesse momento o repertório do Rio de Jane iro. Em

segundo, evidencia que uma das maneiras de os músicos brasileiros entrarem no mercado das

publicações era provendo arranjos para trechos de óperas. Nomes como os de José Maria

Navarro88 e de Luigi Maria Vaccani89 apareceram várias vezes, assim como, principalmente, o

de Raphael Coelho Machado, o editor de o Ramalhete das Damas.

Tabela nº 4: O Ramalhete das Damas (1842-1844) – partituras para voz e piano

Compositor Obra Bellini Norma, “Vê oh bella” (modinha) Bellini “Dolente imagine” Bellini Norma, “Suplica” Cabusi Preghiera (trad. Machado) Coelho A Despedida (modinha) Coelho Buona noite (canzoneta) Donizetti Alcampo (arieta) Machado Tristes amargosos dias (cantata) Machado Numa tarde de sol (romance) Machado Hymno ao Consorcio Imperial Machado Eu existo tristemente (romance) Machado Romance do drama Amor Filial

87 Jornal do Commercio, 10 de abril de 1845. 88 José Maria Navarro, professor de piano e canto e compositor, publicou um método de piano e outro de

canto, e várias composições para piano no Rio de Janeiro. 89 Luigi Maria Vaccani, aluno de Mercadante em Nápoles, chegou ao Rio de Janeiro em 05 de abril de 1831;

ele foi ativo como regente, professor de canto e piano e compositor.

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Navarro “Tic tic e toc” (canzonetta italiana) Navarro “Dormi o cara” (arieta) Navarro “Non giova il suspirar” (arieta veneziana) Persiani Ignez de Castro (romance) M. Portugal “Per costume” (romance) Rossini Otello, “Nessum mag.dolore” (canzonetta) Rossini Otello (romance) Fco M. Silva Hymno ao Príncipe Imperial Fco M. Silva Norma, “Introdução” (romance)

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Tabela nº 5: O Ramalhete das Damas (1842-1844) – partituras para piano

Compositor Obra Bellini Norma, “Marcha” Bellini Norma, “1º coro” Bellini Norma, “Suplica” Bellini Norma, “Qual cor tradistti” Bellini Norma, “Casta Diva” Bellini I puritani, “Aria” Corticelli Bagatella Cramer As perolas (3 valsas) Cuppey Une fleur (valsa francesa) Cussen As flores de cupido (valsa) D. Pedro I Sette de setembro (valsado) 90 Döhler Nova polka Donizetti Belisario, “Introdução” Donizetti L’elisir d’amore, “Exulti” Donizetti A veneziana (valsa) Donizetti Anna Bolena (cavatina) Donizetti Torquato Tasso, cavatina de Eleonor Donizetti Torquato Tasso, “Colei sofronia” Donizetti Gemma di Vergy (dueto) Fachinetti Polacca Herz Rondino Kalkbrenner Mazurka S. Levy 2 Valsas Machado Os amores (variações) Machado Saudades do Duque de Bragança Machado Aniversario, Infância, Boa União Machado Concórdia (valsa) Machado A belle poule (valsa) Machado Naufrágio da Medusa (peça descritiva) Machado 2º de dezembro91 Machado 11 de março92

90 É caracterizada como “hymno da Independencia”. 91 Era a data do aniversário de Pedro II. 92 Era a data do aniversário da princesa Januária.

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Machado Grande valsa sentimental Machado As Festas (quadrilha)93 Machado A Napolitana (quadrilha)94 Machado Uma quadrilha do naufrago Navarro Valsa e Rondó Ricci Rondó Tolbecque Os Prazeres da corte (valsa) Tolbecque La brise du matin Tolbecque Jota (sapateado e seguidilha espanhola) Tolbecque Victoria (passo doble) Fco M. Silva Hymno ao Príncipe Imperial Vaccai Grande Marcha Triumphal

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Tabela nº 6: O Ramalhete das Damas – partituras (1845-1849)

Compositor Gênero Titulo Data Donizetti Romance e dueto (piano) Lucrezia Borgia 184595 Fco M da Silva Hino Hymno a S. A. I. o Príncipe D. Affonso 1845 Verdi Cavatina (piano) Come rugiada al cespite (Ernani) 1846 Donizetti Romance Favorita 1846 Donizetti Romance Uma favorita lagrima (L’Elisire d’amore) 1846 Fachinetti Romance Se pieta in voi no trova (Ignez de Castro)96 1846 Bellini Romance Dolente Immagine 1846 Augusti Panseron Modinhas Brasil, ó minha Patria 1846 Beethoven/Herz Valsas e Variações97 O Desejo 1847 Joze Antongini98 Cançoneta Gratidão á Bahia 184799 Bellini Preghiera Ciel Pietoso (La Straniera) 1847 Masini Arietta La Speranza 1847 Bellini Cavatina Cavatina di Romeo (I Capuleti) 1847 Paer Variações La Biondina in Gondiletta (barcarola) 1847 Bellini Romance A palpitar d’affano (I Capuleti) 1847 M. J. Coelho100 Lundu Você Viu 1849 J. M. N. Garcia101 Canções e Valsas Mauricianas 1849

93 Era a data do aniversário de casamento do imperador. 94 Era a data do aniversário do príncipe Luiz. 95 Do Jornal do Commercio provém essa data. 96 Essa peça não é mencionada em Jaime Diniz Fachinetti, um músico italiano no Brasil. Rio de Janeiro,

Tempo Brasileiro, 1986. 97 Essas valsas são na realidade de Franz Schubert, erroneamente publicadas em 1826 por Schott como

Beethoven; ver Mercedes Reis Pequeno, (ed.) “1770-1970: Exposição Beethoven no Rio de Janeiro” Rio de Janeiro, Divisão de Publicação Biblioteca Nacional, Seção de Música, 1970.

98 Mestre da Companhia Melodramática da Bahia. 99 Essa peça foi anunciada no Jornal do Commercio em 05 de janeiro de 1847. 100 J. M. Coelho, “Mestre-Sala” de bailes de corte, compôs o hino tocado no baile em homenagem à coroação

de D. Pedro II. A letra era de J. D’Aboim. 101 Filho do padre José Mauricio Nunes Garcia.

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Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Embora não tenham subsistido as seções literárias do Ramalhete das Damas, é

possível encontrar listas com retratos e ilustrações incluídos em alguns artigos. É o caso de

gravuras com os compositores Auber, Bellini, João Domingos Bontempo, Donizetti, Joseph

Haydn, Herz, Labarre, Meyerbeer, Mozart, Marcos Portugal, Émile Prudent e Rossini; e de

desenhos, como “A caricatura do pedagogo”, “Organologia da amargura”, “Órgão

Harmônico”, “Afinação de Piano”;102 “Demonstração de vibração (acústica)”, “Cenas da

valsa Prazeres da Corte”, “Cena da modinha, Vê ó bella”, “Cena da dança Polka”, o

“Chirogymnaste”, e a caricatura “A orquestra de seis meses”. Chirogymnaste foi um método

para piano desenvolvido pelo francês Casimir Martin em 1830. Segundo um anúncio na

Gazette Musicale, se

alguém tiver paciencia de estudar o Chirogymnaste por três ou quatro anos, pode se tornar um grande pianista sem ter encostado um único dedo no instrumento. O Chirogymnaste tem uma outra imensa vantagem, tudo pode ser feito em silêncio. O Chirogymnaste [...] poderia somente ser rejeitado por aque les que acharem que já existem muitos pianistas e que conseqüentemente condenam os aparatos que poderiam multiplicar esse número rapidamente, pois esse método corta pela metade, pelo menos, o tempo que outros métodos gastam hoje em dia.103

A partir de 1845, o extraordinário crescimento do número de editoras voltadas para a

música refletia o desenvolvimento comercial do país. No Rio de Janeiro, a publicação de

coleções musicais em periódicos se multiplicou para suprir a demanda de amadores de classe

média.

Tabela nº 7: Coleções Musicais, 1845-1869

Título Editor Ano O Livro dos Pianistas Suc. de Pierre Laforge 1856-1857104 Eco dos Bailes Suc. de Pierre Laforge 1854 Recreio dos Flautistas Suc. de Pierre Laforge 1856-1857 Progresso Musical Suc. de Pierre Laforge 1853-1857 Álbum dos Salões Suc. de Pierre Laforge Canto Italiano Suc. de Pierre Laforge Melodias Celestes Filippone & Cia 1847 As Delícias da Ópera Filippone & Cia 1848

102 Essas ilustrações eram parte de uma artigo de Raphael Coelho Machado em “Afinação de Piano”, primeira -

mente publicado em separado em 1843. 103 Ver Arthur Leosser, Men, Women, and Pianos. New York, Simon and Schuster, 1954, p. 384. 104 A primeira publicação desse periódico foi anunciada no Jornal do Commercio em 01 de janeiro de 1854.

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O Brasil Musical Filippone & Cia 1848-1873 Saudades de Bellini Filippone & Cia Novo Álbum de Modinhas Brasileiras Filippone & Cia Saudades de Botafogo Filippone & Cia 1852 Illustração Musical Filippone & Cia 1854 Bouquet das Pianistas Raphael C. Machado 1854 Álbum de Canto Italiano I. Bevilacqua Álbum de Piano Bevilacqua & Narciso ca 1860 Lira dos Compositores Bevilacqua & Narciso ca 1862 Álbum de Modinhas Bevilacqua & Narciso ca 1862 Éden Musical Thiago Henrique Canogia Conselheiro das Damas Januário da Silva Arvellos Flores da Pátria Januário da Silva Arvellos Conselheiro das Damas Arvellos & Cia. 1862-1869 Estátua Eqüestre Filippone & Tornaghi 1862 Família Imperial Filippone & Tornaghi 1862 A Lyra Brasileira Rocha & Correa 1863-1864 Noites do Alcazar Narciso 1867

Fonte: Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras

Deles, o mais importante e longevo foi O Brasil Musical, publicado entre 1848 e 1870,

pela casa de Filippone & Cia., o primeiro a utilizar números de prata (impressão mecânica de

metal).105 Dedicado à imperatriz, tinha circulação quinzenal, com obras para voz e piano em

todos os números e para piano solo nos números ímpares (ainda que acompanhadas estas com

um suplemento para voz), e vendia-se também, através de distribuidores, na Bahia,

Pernambuco e Porto Alegre, além de ser exportado para Buenos Aires. Concentrava-se, como

seria de esperar na música executada nos teatros, consistindo o repertório de trechos de

óperas, fantasias e variações sobre temas operisticos, reimpressões de publicações francesas e

inglesas e alguns trabalhos de compositores brasileiros. As reduções e adaptações de peças

extraídas das óperas em voga eram elaboradas usualmente pelo cantor milanês Antonio

Tornaghi, cujo nome aparecia na frontispício como arranjador. Tendo chegado ao Rio de

Janeiro em 1841, Tornaghi só se juntou à firma de Domenico Filippone em 1855, a qual se

tornou então Filippone & Tornaghi.106 As Tabelas abaixo sumarizam os primeiros números de

105 Mercedes Reis Pequeno, “Brazilian Music Publishers.” Inter-American Music Review 9, 1988, p. 353. Ver

também “Filippone”, in D. W. Krummel and Stanley Sadie, Music Printing and Publishing, p. 238. 106 Em maio de 1845 Tornaghi anunciou no Jornal do Commercio um curso de música incluindo lições de

“canto italiano”, na Rua do Ouvidor nº 137, a 8$rs, “pagos em adiantado”. Tornaghi deixou a firma em 1873.

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O Brasil Musical, de acordo com o catálogo da empresa de 1851, ressaltando-se a quase

ausência de Rossini, representado apenas por uma fantasia sobre o seu Sabat Mater, que

estreou no Rio de Janeiro em 1845.107

Tabela nº 8: O Brasil Musical, arranjos para voz e piano, 1848-1851

Compositor Ária / Ópera Gênero Nº Bellini “Tu sciagurato, ah!” / Il Pirata Dueto 14 Bellini “Ah, se un’urna” / Beatrice di tenda Ária 18 Bellini “Ah! Tal onta” / Beatrice di tenda Dueto 22 Bellini “Sola, furtiva al Tempio” / Norma Dueto 26 Bellini “Sorgi, o Padre” / Bianca e Fernando Romance 40 Bellini “Ciel pietoso” / La Straniera Ária final 44 Donizetti “Io sperai che a me la vita” / Lucia de Lammermoor Melodia 06 Donizetti “All’afflitto è dolce il piano” / Roberto Devereux Romance 16 Donizetti “Ciel sei tu che in tal momento” / Parisina Ária final 24 Donizetti “A consolarmi affrettati” / A Graça de Deos108 “Delírio” 34 Donizetti “Cupa fatal mestizia” / Maria de Rohan Cavatina 38 J. Fachinetti O Sonho ou Á Fresca sombra Modinha 12 Frondoni “Quero cantar a saloia” / O beijo do mestre Canção 12 Meyerbeer “Roberto, o tu che adoro” / Robert le Diable Cavatina 08 F. da Luz Pinto109 Emilia fructo d’amor Modinha 20 Vaccani110 Se d’Analia Modinha 20 Verdi “Nom fu sogno” / I Lombardi Ária 04 Verdi “Piú non vie!” / I due Foscari Ária 10 Verdi “Tu al cui sguardo” / I due Foscari Cavatina 32 Verdi “Lo sguardo avea degli angeli” / I Masnadieri Cavatina 28 Verdi “Tu Del mio Carlo al seno” / I Masnadieri Ária 30 Outros “Ah! Quel guardo non celar” / Il Templario Cavatina 36 Outros “Stolto è bem quel che non sà” / Columella Rondó 42

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Tabela nº 9: O Brasil Musical, peças para piano solo, 1848-1851

Compositor Titulo / Ópera Gênero Nº Bellini “Qui la voce sua suave” / I puritane “Delírio” 17 Beyer Lucia de Lammermoor Fantasia 55

107 Ver Jornal do Commercio , 20 de novembro de 1845. 108 Esse é o titulo em português de Linda de Chamounix 109 Texto de B. B. (“um curioso”). Francisco da Luz Pinto foi aluno de José Mauricio Nunes Garcia. Seu nome

aparece no Almanak Laemmert de 1848 como professor de teoria e sofejo no recém criado Conservatório de Música.

110 Texto também de B. B.

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Burgmüller A caprichosa Valsa 73 Donizetti “Ardon gl’incendi” / Lucia de Lammermoor Ária 03 Donizetti “Prendi por me sei libero” / L’Elisir d’Amore Ária 13 Donizetti “A consolarmi affrettati” / Graça de Deos “Delírio” 01 Herz La Lutine Valsa 09 Hünten A Romanesca Valsa 47 Musard Marino Falinero Quadrilha 19 Verdi “Se vano, se vano” / I Lombardi “Delírio” 05 Verdi I Lombardi Quadrilha 07 Verdi “Anchi’io disciuso um giorno” / Nabucodonosor Ária 11 Outros “A! vane pompe” / Maresciala d’Ancie Cavatina 15

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Dos primeiros quatro anos de O Brasil Musical, constam apenas quatro peças com

texto em português: a canção do português Ângelo Frondoni (1808-1891), trecho de sua farsa

O Beijo do Mestre (1844);111 duas modinhas dos imigrantes italianos Fachinetti e Vaccani; e a

modinha de Francisco da Luz Pinto (falecido em 1865), o único brasileiro. De fato, foram os

compositores estrangeiros estabelecidos no Brasil os primeiros a prover o mercado com

fantasias e variações. Entretanto, reduções de temas operísticos passaram a dar lugar a uma

demanda de peças com um nível virtuosístico maior, compostas por uma nova geração de

pianistas, como Alexandre Edouard Goria (1823-1860), Ferdinand Beyer (1803-1863) e Henri

Rosellen (1811-1874), além de peças características, como noturnos, caprichos e barcarolas.

As Tabelas a seguir sumarizam o catálogo de Filippone em relação às peças para piano

inclusas em O Brasil Musical de 1851 a 1855 e de 1860 a 1864.

Tabela nº 10: O Brasil Musical, peças para piano, 1852-1855

Compositor Título Gênero Ano Nº Alary La Sontag Polca 1852 101 Bergmüller Bianca e Fernando Polacca 1852 87 Beyer I Due Foscari Fantasia 1852 107 Beyer La Straniera Fantasia 1852 111 Beyer Robert le Diable Fantasia 1854 159 Duvernoy La Fiorentina Variações 1852 113 Kruger Vêpres Sicilliennes Siciliana 1852 195 Lecarpentier I Lombardi Polacca 1852 123 Navarro O Miudinho Variações 1853 137 Pinzarrone Saturnino Variações 1853 135

111 Stanley Sadie (ed.). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London, Macmillan, 1980.

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Pinzarrone A Saloia Fantasia 1854 141 Pinzarrone Merope Capricho 1854 143 Pinzarrone Terna Paixão112 Variações 1854 149 Pinzarrone Il Trovatore Fantasia 1854 165 Pinzarrone La Traviata Capricho 1855 185 Ravina Nocturno Noturno 1854 163 Rosellen Il Furioso Fantasia 1852 175 Rosellen Trovatore Fantasia 1854 175 Schulhoff Carnaval de Veneza Variações 1855 193 Thalberg Les Huguenots Fantasia 1853 125

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Tabela nº 11: O Brasil Musical, peças para piano, 1860-1864

Compositor Título Gênero Ano Nº Ascher Marche Bohême Marcha x 311 Ascher La Cascade de Roses Noturno x 315 Ascher La Sevillana Capricho x 319 Ascher Filha do Regimento Capricho x 325 Ascher Une Nuit à Varsovie Mazurca 1862 333 Ascher Martha Fantasia x 343 Ascher La Favorita Fantasia 1863 363 Ascher Sans Souci Galope x 379 Ascher L’Orgie, Bachanal Fantasia 1864 385 Badarzewska La Prière d’une Vierge x x 301 Braga La Mendicante Fantasia x 305 Coop Ária Napolitana Fantasia x x Duvernoy Lucia di Lammermoor Fantasia 1863 365 Goria Ètude de Concert em Mi b Noturno 1861 307 Goria L’Addio Noturno x 317 Goria Melancolia Noturno 1862 323 Goria Barcarolla Barcarolle x 329 Goria L’Elisir d’Amore Fantasia x 337 Goria Belisario Fantasia x 351 Goria Souvenir du Théâtre Italien Fantasia 1863 353 Jungmann L’Attente Noturno 1864 385 Kontsky Simon Boccanegra Fantasia 1860 295 Lecarpentier Dom Sébastien Fantasia 1862 349 Lemoine Domino Noir Fantasia x 303 Perny Miserere do Trovador x x 309

112 O Brasil Musical, nº 149 anunciou no Jornal do Commercio de 14 de julho de 1854; o anuncio diz, “sahio

o Brazil Musical nº 149 e 150, contendo, nº 149 para piano só, variações sobre a conhecida valsa Terna Paixão por Pinzarrone [...]”

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Quidant Souvenir du Petit Enfant Fantasia 1861 327 Rosellen Un Ballo in Maschera Fantasia 1862 347 Talexy Étude Mazurka Mazurca 1861 321 Thalberg La Traviata Fantasia 1863 369 Thalberg Il Trovatore Fantasia x 371

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

De 1850 a 1855, o compositor mais representado em O Brasil Musical foi o imigrante

italiano Ercole Pinzarrone, que se estabeleceu no Brasil em 1853. Como os compositores

europeus em voga na Europa, ele recorria a temas de óperas, de preferência, as de Verdi, para

construir suas fantasias. No entanto, não deixou de ser um dos primeiros a utilizar temas

brasileiros, como é o caso de A Saloia (1854). Com a sua Fantasia para piano, publicada no

nº 247 de O Brasil Musical, por volta de novembro de 1858, Pinzarrone estabeleceu um novo

padrão, fazendo uso do termo lundu, antecipando-se em mais de uma década a A Sertaneja de

Brasílio Itiberê da Cunha.113 Adotando uma estrutura similar à das fantasias operisticas, ele

criou um contraste entre elaboradas introduções e os temas simples do lundu. De forma

semelhante, José Maria Navarro escreveu sete variações sobre a dança de corte miudinho,

publicadas no nº 137 de O Brasil Musical, em novembro de 1853, que contêm passagens

difíceis e um refinado tratamento musical do tema.

Já entre 1860 e 1864, são as peças para piano de Joseph Ascher, alemão residente em

Paris, que avultam em O Brasil Musical. A contra-capa do nº 264 de O Brasil Musical,

publicado por volta de junho de 1859, lista não menos do que 43 peças suas, publicadas

previamente por Filippone & Tornaghi. Embora continuasse, como seus contemporâneos

Goria e Thalberg, a depender dos temas operisticos mais populares, Ascher aventurava-se no

domínio das peças características, como noturnos e caprichos, que começavam a conquis tar

espaço no mercado brasileiro, e também em temas exóticos, seguindo uma tendência muito

presente nos teatros parisienses do período. O capricho La Sevillana é uma aquarela musical

elaborada sobre várias melodias espanholas e continuou sendo reimpressa por várias firmas

cariocas até a virada do século XX. 114 Semelhantemente ao que fez Gottschalk, sua Danse de

Nègres, caprice caracteristique, Op. 109, incorpora com engenhosidade elementos

percussivos da música africana em uma estrutura de capricho. Foi publicada no nº 553 de O

113 A Sertaneja, publicada em 1869, vem sendo considerada a primeira peça escrita no Brasil feita com tema

nativo (Balaio, meu bem balaio). 114 Essa peça está incluída no catálogo de Bevilacqua de 1900.

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Brasil Musical, em 1872, e reimpressa pela firma de Narciso & Arthur Napoleão nos anos

1870 e 1880.115

Paralelamente, Filippone & Tornaghi publicaram um grande número de coleções para

piano, algumas especificamente para iniciantes e outras contendo peças agrupadas por níveis

de dificuldade técnica. Entre elas estava a coleção Illusão e Realidade, com fantasias de

Coop; Mosaicos, com fantasias sobre temas operisticos de Rummel e Beyer; Correio Musical,

com doze fantasias de Rosellen (1869); As Gôndolas Fluminenses (1850), com seis variações

sobre árias operisticas de Hünten; e Saudades de Botafogo, que incluía variações e fantasias

de Beyer, Czerny, Cramer, Goria, Fumagalli, Sivori e Thalberg. Em outros casos, os álbuns

agrupavam trabalhos de um único compositor, como Thalberg, que, mais de duas décadas

depois de sua visita ao Rio de Janeiro em 1855, permanecia entre os mais procurados,116 ou

música de dança, em geral, omitindo o nome dos compositores, mas que podem ser

identificados pelo cruzamento com outras listagens, predominando Ascher, Herz, Hünten e

Musard.

No início dos anos 1860, surgiram a Família Imperial e a Estátua Eqüestre, também

coleções de peças para piano lançadas por Filippone & Tornaghi, sem a regularidade, no

entanto, de O Brasil Musical, sendo vendidas separadamente, bem como por subscrição. A

Estátua Eqüestre constituiu o paralelo musical ao monumento erigido em homenagem ao

imperador Pedro I em 1862. Dominadas por fantasias em estilo rapsódico, ao lado de polcas e

valsas, traziam morceaux de salon, que nada mais eram do que potpourris de temas

operisticos, como se pode ver nas Tabelas abaixo.

Tabela nº 12: A Família Imperial (1862), números 31-56

Compositor Título Gênero Nº Ascher Le Pré aux Clercs Fantasia 37 Ascher Toujours Gal Galope 46 Badarzewska Fé nº 1 Fantasia 43 Badarzewska Esperança nº 2 Fantasia 44 Badarzewska Caridade nº 3 Fantasia 45 Baur L’Aurore Noturno 38 Blumenthal Carnaval de Nápoles Canção 49 Burgmüller Le Juif Errant Valsa 51

115 Gerard Béhague, The Beginnings of Musical Nationalism in Brazil. 2nd ed. Detroit, Michigan, Detroit

Monographs in Musicology nº 1, 1977, p. 253. 116 Ver o nº 453, de 1867, de O Brasil Musical .

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Chopin Marcha Fúnebre Marcha 42 Coop Pensière Lugubre Noturno 48 Croisez Suplica e Tempestade Morceau 41 Dalbesio Rêve Noturno 52 Fumagalli Faust Redowa 39 Gollinelli Speranza Deluse Fantasia 40 Gottschalk La Savanne Balada 56 Herz La Tapada Polca 53 Hess Tige Brisée Rèverie 31 Lysberg La Napolitana Estudo 54 Lysberg La Baladine Capricho 55 Pinzarrone D. Isabel Valsa 32 Pinzarrone D. Leopoldina Valsa 33 Pinzarrone Tomada de Paysandú Marcha 50 Prudent Rigoletto Redowa 47 Strauss Sans Souci Polca 35 Thalberg O Adeus x 34 Wallace Grande Polka de Concert Polca 36

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Tabela 13: A Estátua Eqüestre (1862), números 1-30

Compositor Título Gênero Nº Ascher Pepita Polca 30 Badarzewska Magdalena Fantasia 20 Beyer Un ballo in maschera Fantasia 09 Billema Soirée sur L’Eau Morceau 18 Blumenthal Le Chemin du Paradis Fantasia 16 Burgmüller Le Papillon Rose Polca Mazurca 12 Creonti Rimembranza Spagnola Bolero 23 Creonti Un ballo in maschera Fantasia 07 Creonti Un ballo in maschera Fantasia 08 D. Pedro I Quadrilha 01 D. Pedro I Valsa 02 D. Pedro I Polca 03 D. Pedro I Schottisch 04 D. Pedro I Galope 05 Donizetti La Forza del Destino Dueto 13 Fumagalli La Forza del Destino Divertimento 10 Gambini Martha Romance 26 Gambini Le Precauzioi Cavatina 27 Gounod Faust Redowa? 24 Loffler Leuterbach ? 14

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Mayer Rio Amazonas Variações 06 Neutdet Prière de Moïse ‘Suplica’ 29 Ravina Simple Histoire Morceau 15 Ravina Douce Pensée Melodia 22 Anônimo Chant D’Exil Melodia 21 Anônimo Enfantillage Fantasia 28 Serrão Le Campane Scherzo 17 Strauss Maria Toglioni Polca 19 Talexy Nuit Étoilée Rêverie 11

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Publicada por Pierre Laforge aproximadamente entre 1858 e 1859, a Abelha Musical

era de freqüência quinzenal, alternando em seus números peças para voz e piano e piano solo.

As matérias e o formato seguiam os modelos das publicações parisienses e, no frontispício,

em um elaborado desenho floral, figuravam renomados compositores, em geral europeus e

brasileiros, como Rossini, Hünten, Herz, Thalberg, José Mauricio Nunes Garcia, Francisco

Manoel da Silva e alguns radicados no Brasil, como Maersch, Rivero, Arnaud, Amat,

Napoleão e Giannini, cujas peças constituíam o repertório. Na Abelha Musical nº 4, por

exemplo, podiam ser encontrados o romance Sou Eu! de Francisco Manoel da Silva (1858),

com texto de Antonio José de Araújo e dedicado à filha de José Joaquim de Lima e Silva, e

trechos de O Noivado em Paquetá de Henrique Alves de Mesquita.117

Pela mesma época, em 1857, Narciso José Pinto Braga entrou para o negócio de

publicações musicais como sócio do italiano Isidoro Bevilacqua. Em 1866, abriu sua própria

firma, com uma loja própria, na rua dos Ourives, 62, vendendo pianos e músicas. No ano

seguinte, começou a impressão, com chapas numeradas, de composições de seu amigo Arthur

Napoleão, recentemente estaebelecido no país, e, dois anos depois, adquiriu o acervo de cinco

empresas imprensoras de música da cidade, o dos sucessores de Pierre Laforge e os de

Raphael Coelho Machado, de J. C. Meireles, de Januário da Silva Arvelos e de Nicácio

Garcia, enriquecendo assim o seu patrimônio, que já atingia cerca de 1540 peças, e ampliando

a loja com a do nº 60 da mesma rua. No mesmo ano, isto é, em 1869, juntou-se a Napoleão,

criando a firma Narciso & Arthur Napoleão, que continuou a imprimir na década seguinte

vários periódicos e coleções publicadas nas décadas de 1850 e 1860, como a Abelha Musical.

117 Baptista Siqueira, Três vultos históricos da música brasileira, Mesquita, Callado, Anacleto. Rio de Janeiro,

D. Araújo, 1970, p. 244. Ver também Mercedes Reis Pequeno, Música no Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro, MEC, 1962.

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A essa altura, Narciso Braga já tinha publicado um Álbum de Dansa, que incluía

dezessete polcas, quadrilhas e schottisches, na maioria do jovem Strauss e de Alfredo

Napoleão, irmão de Arthur, mas também de outros compositores brasileiros, como J. A. A.

Albanez, 118 Arban, Miguel Angelo, A. J. S. Monteiro119 e J. G. Horta. Na maioria, eram

reduções para piano de danças de operetas. Em 1867, Narciso Braga deu início à coleção

intitulada Noites do Alcazar, que perduraria até 1869, documentando a rotina do Theatro

Alcazar Lyrique, onde uma das principais atrações era a atriz francesa Aimée, que animava a

audiência masculina com danças adaptadas das operetas de Offenbach, e contendo fantasias

não só de europeus mas também de imigrantes, entre eles o alemão Bernard Wagner120 e

Arthur Napoleão.

Tabela nº 14: Noites do Alcazar (1867)

Compositor Operetta Gênero Nº Preço Burgemüller La Chanson de Fortunio Valsa de Salão 10 1$600 Burgemüller Le Pont des soupirs Valsa de Salão 13 1$600 Croisez La Chanson de Fortunio Morceau de Salão 09 1$600 Favarger La Belle Helene Fantasia 05 2$000 Napoleão Barbe bleue Fantasia de Salão 01 2$500 Napoleão Les Bavards Fantasia Brilhante 07 3$000 Napoleão La Belle Helene Fantasia de Salão 04 3$000 Rummel Barbe bleue Petite Fantasie 03 1$600 Rummel La Belle Helene Petite Fantasie 06 1$600 Rummel La vie parisienne Fantasia Iª 11 1$600 Rummel La vie parisienne Fantasia IIª 12 1$600 B. Wagner Barbe bleue Fantasia 02 3$000 Wolfart Les Bavards Fantasia 08 1$600

Fonte: Biblioteca Nacional Periódicos e Jornais

Embora a grande maioria das editoras de música nas décadas entre 1840 e 1870

tivessem seus trabalhos voltados para o piano ou para a voz acompanhada de piano, algumas

coleções também estavam disponíveis para flauta e para violino, com um repertório similar.

Muitas vezes, igualmente, peças para piano eram transcritas para voz, flauta ou violino, como

indica o seguinte anúncio.

118 De acordo com Ayres de Andrade, Albanez compôs o hino Primeiro Voluntário da Pátria, dedicado a D.

Pedro II, e publicado em 1865. 119 Antonio José da Silva Monteiro, professor de piano e canto no Rio de Janeiro até 1874; ver Ayres de

Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 2, p. 200.

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Aos flautistas amadores: recentemente chegada a loja de E. H. Laemmert a interessante publicação intitulada: A Companhia Musical para o seu Passa Tempo. Contendo as melhores partes de famosas óperas, arranjadas para flauta. Óperas incluídas nessa coleção: Rossini – La Gazza Ladra, Semiramide, Donna Del Lago, Tancredi. Donizetti – Graça de Deos, Belisário. Melodias dos Alpes, árias de Schubert, danças favoritas de Viena. Cada ópera forma um livreto em separado com elegante encadernação. O preço de cada livreto é 2$000.121

Desde que Pierre Laforge e João Bartolomeu Klier previram o potencial de

comercialização das canções brasileiras com textos em português e começaram seus negócios

investindo nesse gênero, o mercado editorial para modinhas e lundus só aumentou. Todas as

editoras do Rio de Janeiro devotavam parte de seus negócios para publicá-las. As primeiras

iniciativas continham apenas modinhas e lundus, mas, com o crescimento do repertório

operístico, surgiram coleções que passaram a misturar composições italianas, francesas e

brasileiras. Sofrendo a influência, como mostraram vários estudiosos, das árias operísticas, as

modinhas eram, no entanto, mais simples do que suas reduções, tanto em termos do

acompanhamento ao piano quanto da linha melódica – sem mencionar a acessibilidade do

texto em português – e poderiam ser mais facilmente tocadas nas reuniões informais por

qualquer um com alguma instrução musical. 122 Alcançavam, assim, um mercado maior do que

a música européia. Na maioria dos casos, coleções de modinhas e lundus vinham a público

com as palavras “Brasileira” ou “Nacional” em seus títulos, enfatizando suas qualidades

nativas, mesmo quando eram baseadas em árias italianas.

Começando em 1851, Filippone & Cia. deu início a uma série de modinhas e lundus

intitulada Novo Álbum e Modinhas Brasileiras compostas por vários autores.123 A coleção,

contemporânea de O Brasil Musical, continha os mais populares compositores do gênero e

saiu em trinta fascículos, 23 dos quais ainda podem ser encontrados na Biblioteca Nacional. 124

Na contra-capa dos números dez e quatorze, há um catálogo listando as primeiras modinhas e

lundus da coleção. Reimpressa a coleção depois de 1855, as obras foram rearrajadas e novos

120 Bernard Wagner, pianista alemão, estreou no Rio de Janeiro em 1863. 121 Jornal do Commercio, 04 de abril de 1854. 122 Ver Mário de Andrade. Modinhas Imperiais. São Paulo, Martins Fontes, 1964. Ver também Mozart de

Araújo. A Modinha e o Lundu no Século XVIII, uma pesquisa histórica e bibliográfica. São Paulo, Ricordi Brasileira, 1963. Também Gerhard Doderer. Modinhas Luso-Brasileiras. Portugaliae Música, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984; Baptista Siqueira. Modinhas do Passado. Rio de Janeiro, Folha Carioca, 1979. Também José Ramos Tinhorão. Pequena História da Música Popular; da Modinha a Lambada. São Paulo, Art Editora, 1991; Mercedes Reis Pequeno, Música no Rio de Janeiro Imperial, p. 71.

123 Mercedes Reis Pequeno, Musica no Rio de Janeiro Imperial, p. 71. 124 Estão perdidos os números 7, 8, 11, 12, 16, 17 e 19.

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títulos acrescentados, mas infelizmente sem o nome dos compositores. Esses últimos estão

indicados por um asterisco na Tabela abaixo.

Tabela nº 15: Novo Álbum de Modinhas Brasileiras

Compositor Texto Título Gênero Nº Dorison125 B. B. (curioso) Gentis você já vio já? Lundu brasileiro 01

Francisco Antonio de Carvalho

Dr. J. M. de Macedo Eu quero me casar!... Lundu 02

J. D. Soares Só a idéia da partida Modinha bahiana 03 Francisco Antonio

de Carvalho Dr. J. M. de Macedo Quando a triste Arminia bella Modinha 04

Francisco Antonio de Carvalho

Dr. J. M. de Macedo Cada se fala seu modo Modinha 05

J. V. Ribas E. Mattos Estrella do Lavradio Modinha 06 D. R. Mussurunga Saudades fugi de mim (1853) 126 Modinha bahiana 09 D. R. Mussurunga O Retrato dos ingratos (1850) Modinha bahiana 10 D. R. Mussurunga Adeos qu’eu parto a sumir-me Modinha 13

Henrique Albertazzi

Da sorte procuro em vão Modinha bahiana 14

D. R. Mussurunga Quem não ama e não adora (1853) Modinha bahiana 15

J. Cirillo Moniz J. Norberto de Souza e Silva

A Saudade de Amor Modinha 18

Gabriel F. da Trindade

Foi bastante ver teus olhos Modinha brazileira 20

Gabriel F. da Trindade

Oealia dize porque quebraste Modinha brazileira 21

Gabriel F. da Trindade

Ondas bateis vagarosas Modinha brazileira 22

Gabriel F. da Trindade

Remorsos, penas, tormentos Modinha brazileira 23

Gabriel F. da Trindade

Batendo a linda plumagem Modinha brazileira 24

Gabriel F. da Trindade

Por mais que busco encobrir Modinha brazileira 25

Gabriel F. da Trindade

Vai terno suspiro meu Modinha brazileira 26

Gabriel F. da Trindade

No momento em que nasci Modinha brazileira 27

Cândido I. da Silva

D’huma pastora os olhos bellos Modinha brazileira 28

Cândido I. da Hum só tormento 29

125 O cellista Desidério Dorison foi contemporâneo de Francisco Manoel da Silva na orquestra da Capela Real.

Ele musicou o ultimo item do Álbum de Armia (1855). 126 Essa é data dada pela Enciclopédia da Música Brasileira, v. 1, p. 493.

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Silva Cândido I. da

Silva Impere dentro de mim 30

* * Eu adoro uma Beldade 08 * * Como a favonio que passa 04 * * Es mimosa simpathia 11 * * Eu sodoro a uma ingrata 12 * * Justos Ceos morro d’amores 16

Fonte: Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras - Filippone & Cia

O título de modinhas bahianas sugere possivelmente apenas a proveniência dos

compositores, o baiano Domingos da Rocha Mussurunga e Antonio Henrique Albertazzi

(Itália, 1830 – Salvador, 1888), estabelecido em Salvador desde 1845. Já Gabriel Fernandes

da Trindade e Cândido Ignácio da Silva, ativos músicos na Corte no período, foram os

primeiros a prover a indústria de impressão local com canções acompanhadas ao piano.

Várias coleções similares continuaram a refletir a vitalidade desse mercado nas

décadas de 1850 e 1860, com a participação de imigrantes, cujas músicas valiam-se em geral

da colaboração de escritores brasileiros bem conhecidos, como Antônio Gonçalves Dias

(1823-1865), Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) e Machado de Assis (1839-1908).

Elas surgiram em periódicos como a Marmota da Corte (1849-1852) e o Jornal das Senhoras.

Esse último incluía regularmente modinhas e lundus do português Francisco de Sá Noronha,

um violinista e compositor de comédias, que passou parte de sua vida no Brasil e que

aproveitou o fato de sua mulher ser uma das editoras do periódico, vendido nas livrarias e

atingindo um vasto público. Em sua última página, afirmava-se:

Jornal das Senhoras: Publica-se todos os Domingos; com lindos figurinos dos de melhor tom em Paris, e no ultimo Domingo de cada mez uma peça de musica. Subscreve-se este jornal nas casas das Srs. Wallaerstein e Comp. N. 70, A e Desmarais n. 86, Monem n. 87 rua do Ouvidor; a na Typographia de Santos e Silva Junior, rua da Carioca n. 32. Toda a correspondência é dirigida em carta fechada á Redatora em chefe a qualquer das casas mencionadas. Preço da Assignatura: Por seis meses 6$000 rs. na Corte, 7$500 para as Províncias. Os semestres cntrão-se em Janeiro, e Julho, e pagão-se adiantados.127

Paralelamente, eram os compositores de modinhas e lundus que também supriam com

freqüência os editores com transcrições e adaptações de árias italianas em português. A

Norma de Bellini, que estreou no Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1844, inspirou

numerosos arranjos, adaptações e paródias, que alcançavam sucesso, como, por exemplo, a

127 Rio de Janeiro, Typographia Parisiense, 1852-1855. – Biblioteca Nacional.

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Introdução de Norma arranjada em Romance de Francisco Manoel da Silva.128 Da mesma

forma, Raphael Machado foi mestre desse estilo híbrido. Sua coleção de oito modinhas,

Saudades da Norma, primeiramente publicada em julho de 1845, adaptava a poesia nativa à

música de Bellini e, em 1850, tinha alcançado sua quarta edição, conforme anúncio no Jornal

do Commercio.129

SAUDADES DA NORMA, Sahio á luz a 4ª edição. Magnífica colleção de modinhas brazileiras sobre a musica da Norma: preço 6$000; também [...] sobre a musica do pirata: preço 3$000; [..] sobre a música da Graça de Deos: 3$000. Rua dos Ourives nº 43.130

Ao que indica uma crítica, a recepção fo i das melhores e deu início à discussão sobre o uso do

português no canto, de que resultou o movimento de criação, mais de dez anos depois, da

Imperial Academia de Música e Ópera Nacional (1857). Dizia:

houve quem nos fizesse melhor apreciar esta musica sublime [Norma] [...] submetendo-lhe poesias portuguezas escolhidas e apropriadas ás diversas peças da Norma [...] a prosódia da nossa língua foi rigorosamente observada, as poesias de tal maneira escolhidas e de tal sorte ao sentimento da musica e tão bem accentuadas a syllabas nas notas que parece ter sido feita a musica para aquella letra [...] esta rica colleção de modinhas amorosas e apaixonadas [...] se provará facilmente que o nosso idioma não está abaixo do italiano, mas pelo contrário é tão melodioso e próprio para a musica como aquelle .131

Ao lado de modinhas e lundus, duas coleções, Canto Nacional (publicada por volta de

1863) e Álbum de Canto Nacional (surgida em torno de 1866), incluíam músicas com texto

em português intituladas romances, recitativos, balladas e melodias, mostrando a clara fusão

das músicas locais com o repertório operístico italiano. Segundo o catálogo de Narciso Braga,

o Álbum de Canto Nacional continha trinta e oito peças, entre cujos compositores contavam-

se Januário da Silva Arvelos [Filho] (1836-1895), o mais prolífico compositor de modinhas e

lundus, com alguns recitativos, e Arthur Napoleão, com seis peças, intituladas melodia,

balada e serenata, todas extraídas de seu drama O Remorso Vivo, Drama Phantastico-Lyrico,

com texto de Furtado Coelho e Joaquim Serra.132

128 O mesmo ocorreu com Il Trov atore de Verdi na década de 1860 e 1870, e com Il Guarani de Carlos Gomes

nos anos 1870 até o fim do século. 129 Saudades de Norma foi primeiro anunciada no Jornal do Commercio em 19 de julho de 1845; a quarta

edição foi anunciada no mesmo jornal em 09 de fevereiro de 1850; e o Jornal do Commercio de 07 de abril de 1856 continuava anunciando a mesma coleção.

130 Jornal do Commercio, 26 de abril de 1850. 131 Jornal do Commercio, 06 de agosto de 1845. 132 Esse Drama phantastico-Lyrico não foi catalogado na lista de seus trabalhos na Enciclopédia da Música

Brasileira. Embora conhecido entre os especialista desta área, esse drama de Napoleão foi encenado 2

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O alemão Adolph Maersch, ao chegar ao Rio de Janeiro, vindo de Berlin, em 1849,

logo se pôs a oferecer lições de música.

ADOLFO MAERSCH, professor de música, chegou recentemente da Allemanha a esta corte, onde se propõe leccionar. Ensina composição, canto e piano por methodo pratico novo, por meio do qual até meninos de pouca idade farão os mais rápidos progressos. Sua residência é no Castello em frente á igreja; para mais informações, queirão dirigir-se aos Srs. Laemmert, rua da Quitanda nº 77.133

Apenas cinco anos mais tarde, a editora Salmon & Cia. publicava uma redução da ópera

Marília de Itamaracá que ele havia composto.

MARILIA DE ITAMARACÁ. Grande opera em 4 actos de assumpto brazileiro, dedicada a S. M. I., poesia do Dr. L. V. De-Simoni, e musica do Dr. A. Maersch, a qual tem de ir brevemente a secena no theatro Provisório em festejo nacional. Sahirão á luz para piano só e piano e canto todas as partes mais importantes desta opera, formando um álbum de mais de 150 paginas. Subscreve-se na imprensa de musica de Salmon e C., que esperão do respeitável publico e particularmente das dilettanti toda a protecção que merece a primeira obra deste gênero no nosso paiz .134

Em 1857, Maersch fez imprimir, também por Salmon & Cia, uma coleção com seis variações

e fantasias para piano usando modinhas brasileiras como tema, na maioria da autoria de

Francisco de Sá Noronha. A contracapa trazia o seguinte texto:

Flores Guanabarenses. Variações e fantasias fáceis e brilhantes para piano sobre motivos de lindas modinhas brazileiras: [seguem os títulos] Compostas por Adolpho Maersch professor de piano e harmonia, dedicadas ás jovens pianistas brazileiras por Salmon e Ca. Editores de musica no Rio de Janeiro rua d’Assembléia nº 86. Propriedade dos Editores.135

Raro o patrocínio privado para publicações musicais, pode-se, contudo, encontrar um

exemplo no Álbum de Armia, uma coleção de músicas brasileiras publicada em 1855 por

Frion & Raphael, localizados à rua dos Ourives, 61, com uma luxuosa capa em vermelho e

letras douradas, encomendada por Albano Cordeiro como uma homenagem póstuma à sua

esposa e contendo poemas seus, mas igualmente algumas peças dos compositores do

momento. De acordo com o Jornal do Commercio:

Devo aqui mencionar um momento de dor erguido pela música e pela poesia, tributo de um esposo inconsolável à consorte que lhe foi pela morte prematuramente roubada: é o Álbum de Armia, primorosa coleção de elegias, que o

vezes no Rio de Janeiro e inspirou a fantasia para piano de Bernard Wagner, Op. 40, e a quadrilha do próprio Napoleão, ambos os trabalhos publicados por Narciso e Cia.

133 Jornal do Commercio, 08 de janeiro de 1850. 134 Jornal do Commercio, 16 de fevereiro de 1854. 135 Os exemplares encontram-se na Biblioteca Nacional. Essa citação foi reproduzida por Mercedes Reis

Pequeno, (ed.), Rio musical crônica de uma cidade. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1965, p. 20.

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Sr. Albano Cordeiro consagrou a sua esposa: lede-o, vós que sabeis apreciar as inspirações da melodia, e conhecereis que para o homem, tão limitado para o prazer, tem a dor insondáveis abismos sobre as suas mais primorosas flores. É coisa notável! 136

O álbum compunha-se das seguintes músicas:

Tabela nº 16: Álbum de Armia (1855)

Título Compositor O Sofrimento Francisco Manoel da Silva O Raio da Lua Giochino Giannini A Noite Silenciosa Eduardo Medina Ribas A Saudade Roxa Adolfo Maersch O Meu Amor E. Mége O Sono Henrique Alves de Mesquita A Visão Demétrio Rivero A Recordação Dr. José Mauricio Nunes Garcia A Morte Desidério Dorison

Fonte: Ayres de Andrade Francisco Manuel da Silva e seu tempo...

Uma última coleção de músicas com textos em português que merece menção são as

Mélodies Brésiliennes [sic!] do espanhol, já citado em capítulo anterior, José Amat (1810?-

1870?), que teve um papel importante na criação da Imperial Academia de Música e Ópera

Nacional em 1857. Era dedicado à imperatriz D. Thereza Christina, e suas 123 páginas foram

impressas em Paris, na Chabal, boulevard Montmatre nº 15, em 1852, sendo primeiramente

vendido no Rio de Janeiro na loja de Manuel José Cardozo, à rua do Ouvidor, 91. Sua luxuosa

encadernação em capa verde com letras douradas trazia na capa os símbolos do império,

enquanto uma elaborada litografia parisiense criava a ambientação para as peças. Um retrato

de Amat precedia a primeira música sobre o poema Canção de Exílio de Gonçalves Dias.137

Tabela nº 17: Álbum Melodie Brésiliennes (1852)

Compositor Texto Título Gênero José Amat Gonçalves Dias A Canção do Exílio Romance José Amat Gonçalves Dias O Pedido138 José Amat Gonçalves Dias Seos Olhos Melodia José Amat Gonçalves Dias A Leviana Melodia

136 Citação colhida em Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 1, p. 45. 137 Ayres de Andrade menciona uma outra música sobre o mesmo poema, de autoria de Adolpho Maersch, mas

não fornece a data; ver Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 1, p. 45. 138 Esta peça está perdida na coleção da Biblioteca Nacional.

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José Amat Diogo Vieira de Mattos Es um anjo José Amat Diogo Vieira de Mattos A Serenata José Amat Diogo Vieira de Mattos O Valle saudoso Romance José Amat J. d’Aboim A Campa José Amat A. C. d’Andrade Machado e Silva139 A Louca Scena dramática José Amat A. C. d’Andrade Machado e Silva Amour et regrets José Amat A. C. d’Andrade Machado e Silva Recuerdos de España José Amat A. C. d’Andrade Machado e Silva Sonhei

Fonte: Ayres de Andrade Francisco Manuel da Silva e seu tempo...

Dez anos depois, Amat voltava a publicar em Paris, por Leduc Fils & Cie., Les Nuits

Brésiliennes, recueil d’airs et de romances (30 morceaux de chant avec accompagnement de

piano), com 125 páginas e uma igualmente luxuosa capa marrom e letras douradas, desenhada

na frente e atrás, com a maioria dos poemas extraídos da obra de Gonçalves Dias.

J. C. Müller & H. E. Heinen

Embora os viajantes e os anúncios de jornais sejam fontes importantes para a vida

musical do século XIX brasileiro, suas limitações são bem conhecidas. Os primeiros sofrem a

limitação de estarem imbuídos de uma outra cultura e de, em geral, terem acesso a uma

parcela limitada do país, o que os torna observadores bastante questionáveis.140 Os segundos,

voltados para o dia-a-dia, com freqüência, restringem suas informações ao mínimo

indispensável para a época e deixam o historiador sem alguns dos elementos que busca. De

fato, os primeiros anúncios mencionavam os músicos executantes, mas calavam-se quanto às

peças e compositores envolvidos, como se pode ver a seguir.

1ª parte. Sinfonia; Introdução de Cândido e coro; Dueto de Piaccentini e Majoranini; dueto de Salvatori e Cândido; Cavatina de Fasciotti; Finale de Justina, Carlota Anselmi, Fasciotti, Cândido, Majoranini, Salvatori, Fabrício Piaccentini e coro.

139 Antonio Carlos Andrada Machado e Silva (1773-1845). 140 As fontes mais utilizadas são: Theodor von Leithold e Friedrich Ludwig von Rango, O Rio de Janeiro visto

por dois prussianos em 1819. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1966; Johann Baptiste von Spix e Carl Friedr. Phil. von Martius, Reise in Brasilien in den Jahren 1817-1820. Stuttgart, F. A. Brockhaus, rpr. 1966-67; Jean-Baptiste Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil ou Séjour d’un artiste français, depuis 1816 jusqu’em 1831 inclusivement. Paris, Firmin Didot Fréres, 1834-1839; Carl Schlichthorst, O Rio de Janeiro como é, trad. Emmy Dodt e Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, Editora Getúlio Costa, 1943; Maria Graham, Journal of a Voyage to Brazil and Residence There During the Years 1821, 1822, 1823. Londres, Longman, 1824; Johann Moritz Rugendas, Voyage pittoresque dans le Brésil. Paris, 1835.

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2ª parte. Dueto de Majoranini e Salvatori; dueto de Cândido e Majoranini; Dueto de Piaccentini e Salvatori; Finale de Fasciotti e coro. Regente, Pedro Teixeira de Seixas.141

Assim, adquire uma importância extraordinária o Catálogo de partituras da firma J. C.

Müller & H. E. Heinen, de 1837, a fonte mais antiga encontrada até o momento, trazendo

dados sobre o repertório em uso no Rio de Janeiro. Mencionado por Ayres de Andrade e por

Mercedes Reis Pequeno, o único exemplar conhecido, guardado pela Biblioteca Nacional e

pertencente à coleção particular da imperatriz Tereza Cristina, ainda não recebeu o estudo que

merece.142

Em 1827, um francês já anunciava que sua loja recebia “nova música” regularmente

de Paris.

J. Crémière, livreiro, rua dos Ourives nº 86, tem a honra de participar ao respeitável público que acaba de receber um grande e rico depósito de músicas para viola francesa, rebeca, flauta e piano, de todos os autores, principalmente de Rossini, Musard, Paer, Grétry, Latour, etc; segundo trato que tem feito com uma casa de Paris, receberá por todos os navios as músicas novas.143

No ano seguinte, estabeleceu-se no Rio de Janeiro o imigrante dinamarquês Johann Christian

Müller, abrindo sua própria loja de artigos musicais, localizada à rua da Lapa do Desterro nº

76. Em 1829, anunciava no Diário do Rio de Janeiro a venda de uma coleção para piano

contendo músicas de Auber, Beethoven, Boldoin, Gelinek, Haydn, Mozart, Oginsky, Rossini,

Tolbecque e Weber.144

Aparentemente, apesar da crise da Abdicação e das Regências, os negócios

prosperaram e, em 1837, havia pelo menos mais quatro lojas anunciando a venda de partituras

na cidade. A de João Bartolomeu Klier localizava-se na rua do Hospício nº 85 e oferecia

todas as composições de Herz de nº 1 até a obra 90, assim como as composições de Hünten, Czerny, Auber, Herold, Rossini, Bellini, Donizetti, A. Adam, Mercadante, Beethoven, Haydn, Mozart, Küfner, etc.; as ouverturas mais modernas para grande

141 Diário do Rio de Janeiro, 04 de abril de 1825, in Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva..., v. 2, p.

234. 142 Ayres de Andrade, Francisco Manuel e seu tempo..., v. 1, p. 244; Mercedes Reis Pequeno, “Impressão

musical no Brasil”, Enciclopédia da música brasileira, São Paulo, Art Editora, 1977, p. 352; ver também de Mercedees Pequeno, “Brazilian Music Publishers,” Inter-American Review 9, 1988, p. 91-104. O catálogo também é mencionado pela mesma autora em “1770-1970, exposição Beethoven no Rio de Janeiro”, Rio de Janeiro, Divisão de Publicações Biblioteca Nacional, Seção de Música e Arquivo Sonoro, 1970. A capa desse catálogo de 1837 foi reproduzida como a capa de Música do Rio de Janeiro Imperial, 1822-1870. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1962, (ed.) Mercedes Reis Pequeno, a publicação é comemorativa da primeira década da Divisão de Música da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.

143 Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, v. 1, p. 134. 144 Ayres de Andrade, Francisco Manuel e seu tempo, v. 1, p. 135.

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orchestra, assim como arranjadas em quartetto e dueto para quaesquer instrumentos; ditas arranjadas para piano a duas e quatro mãos, as árias avulsas de todas as óperas mais modernas, methodos para todos os instrumentos, entre estes hum para flauta em Portuguez, composto pelo annunciante; compendio de musica do Sr. Fr. M. da Silva, modinhas modernas com acompanhamento de piano ou violão; Soirées italiennes, Nouveaux écris de Herz, Hünten e Mercadante; Voyage musical, Souvenir, etc; todos ricamente encadernados. Além destes, tem o annunciante huma multidão de composições de musica de todos os autores clássicos, como o seu catalogo claramente demonstra.145

O Sr. Guigon, com loja na rua da Ajuda nº 6, também tinha “huma grande colleção de

partituras francezas e italianas.”146 Schmidt & Baguet,147 à rua do Ouvidor nº 132, além da

grande variedade de instrumentos musicais a venda, anunciava

methodos, e musica de phantasias para todos os instrumentos, e também as colleções completas dos melhores autores que escreveram para piano, como: H. Herz, Heuten [sic], Kalkbrener, Thalberg, Herold, etc., etc.148

Partituras eram igualmente vendidas nas livrarias, como a de Crémière, e o Sr. Laemmert,

“comerciante de livros”, à rua da Quitanda nº 139, dispunha de várias coleções de

contradanças francesas.149

Embora Schimidt & Baguet comunicassem que recebiam “musica para copiar ou

imprimir”,150 ainda eram raros os anúncios de editores, sendo mais comum a situação de

Copistarias de Musica. Nesse mesmo ano de 1837, porém, Pierre Laforge,151 localizado à rua

da Cadeia nº 39, avisava que o seu estabelecimento estava apto a “abrir e imprimir peça de

musica, com brevidade e correcção”,152 tornando-se o primeiro editor de música a alcançar

145 Jornal do Commercio, 23 de junho de 1837. 146 Jornal do Commercio, 28 de novembro de 1837. 147 Ayres de Andrade dá o ano de 1843 para a chegada do francês Auguste Baguet ao Rio de Janeiro. Desde

esta data seu nome consta na folha de pagamento da Capela Imperial; ver Francisco Manuel da Silva e seu Tempo..., v. 2. Aparentemente, Auguste Baguet se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1837 e em 1852 era regente de orquestras de baile, para as quais compôs um grande número de peças; ver Francisco Marques dos Santos, “A Sociedade Fluminense em 1852”, Estudos Brasileiros 18. Maio/Junho 1941, p. 230-231.

148 Jornal do Commercio, 22 de julho de 1837. 149 Jornal do Commercio, 22 de julho de 1837. 150 Jornal do Commercio, 22 de julho de 1837. 151 Pierre Laforge foi indicado flautista da Capela Real e Câmara em 1816; um ativo membro da sociedade

musical do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, ele tocou em vários concertos em beneficio no Theatro São Pedro de Alcântara, e em 1830 foi flautista da orquestra daquele teatro. Pierre Laforge foi pioneiro na impressão musical brasileira. De 1834 a 1851, sua ‘estamparia de música’ lançou trabalhos de brasileiros como José Mauricio Nunes Garcia, Cândido Ignácio da Silva, Gabriel Fernandes da Trindade, D. Pedro I, Francisco Manoel da Silva, Januário da Silva Arvelos, M. A. de Souza Queirós, Francisco da Luz Pinto, Joseph Fachinetti e Antonio Tornaghi. Sua gráfica foi vendida em 1851 a Salmon & Cia; ver Mercedes Reis Pequeno, “Impressão musical no Brasil”, Enciclopédia de música brasileira. São Paulo, Art Editora, 1977, v. 1, p. 353; ver também D. W. Krummel e Stanley Sadie, Music Printing and Publishing. New York, W. W. Norton, 1990, p. 311.

152 Jornal do Commercio, 01 de março de 1837.

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sucesso nesse ramo, com a publicação da tradução realizada por Francisco da Mota de um

Método de Flauta Francês153 e de várias modinhas e coleções de danças de compositores

brasileiros.

Foi a essa altura que o imigrante dinamarquês Müller juntou-se a H. E. Heinen para

fundar uma nova empresa, a Biblioteca Musical de Aluguel, situada na rua do Ouvidor nº 36,

imitando uma prática européia,154 e, no fim de 1837, publicaram o Catálogo, que listava 1584

peças à disposição em sua loja, tanto para venda quanto para aluguel bimestral, semestral ou

anual, mediante subscrições de 10$000, 16$000 e 24$000 réis respectivamente, “pagos

adiantado”.155 No prefácio, os editores apontavam seu objetivo principal como sendo o de

fornecer ao público brasileiro “não só as [músicas] antigas, como as mais modernas, tanto

instrumentais, como vocaes”, e enfatizavam a vantagem de alugar as partituras, uma vez que

era difícil para os chefes de família importar constantemente músicas para crianças, que

“memorizavam-nas rapidamente”. Reconhecendo o valor da iniciativa, três músicos

eminentes da época recomendavam o catálogo: Fortunato Mazziotti, Cavaleiro da Ordem de

Cristo, professor do imperador e de suas irmãs e mestre da Capela Imperial a partir de 1816;

Simão Portugal, Cavaleiro da Ordem de Cristo, músico e mestre, desde 1830, da Capela

Imperial e da Cathedral do Rio de Janeiro; e Francisco Xavier Muniz, professor de música e

diretor da Sociedade Philarmonica de 1851 a 1857.

As peças modernas, que predominavam no Catálogo, significavam principalmente

variações e fantasias sobre temas operísticos, na maioria, para piano solo ou dueto de pianos,

escritas pelos pianistas virtuoses, que atraíam as platéias européias nessa época, embora

algumas se destinassem a diferentes combinações instrumentais. Embora não se possa falar

com exatidão da proveniência das obras disponíveis na Biblioteca de Aluguel, os títulos

franceses, que eram a maioria, e a menção a compositores em atividade em Paris no período

sugerem que tinham editoras francesas por origem. Os 1584 itens eram divididos em doze

seções, organizados por gênero e performance.

A) Méthodes, Études et Exercices; B) Grands Concertos;

153 O flautista Francisco da Motta, aluno de José Mauricio Nunes Garcia, foi indicado músico da Capela

Imperial em 03 de outubro de 1822. Motta foi um dos fundadores do Imperial Conservatório de Música. 154 William Napier começou uma negócio similar em Londres já em 1784; ver Laura Alyson McLamore

“Symphonic Conventions in London’s Concert Rooms, 1755-1790”. tese de Ph.D., University of Califórnia at Los Angeles, 1991, p. 258-259.

155 Catalogo da biblioteca musical de J. C. Müller e H. E. Heinen, fornecedores de musica de sua Magestade Imperial, Rio de Janeiro, Typografia Imp. e Const. de J. Villeneuve e Cia, 1837, p. 6.

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C) Quintuors, Quatuors, Trios et Duos; D) Musique pour deux Pianos et à quatre mains; E) Sonates, Fantasies, Concertos (arrangées pour le Piano), Rondeaux, Mosaïques,

Rondelettes, Pot-pourris, Polonaises, etc., etc.; F) Variations, etc., etc., etc.; G) Collection de soixante-dix Opéras en différentes Pièces choisies, sans paroles; H) Ouvertures; J) Opéras completes, sans paroles;156 K) Opéras completes, pour le chant; L) Opéras em partitions, ou pièces pour le chant; M) Marches et Dances.

A primeira seção, “Méthodes, Études et Exercices”, compreende métodos de piano de

pedagogos como Czerny, Cramer e Herz, bem como exercícios de Hummel, Ries, Moscheles,

Kalkbrenner, Field e Pixis, merecendo o primeiro uma lista à parte, uma vez que trinta dos 61

itens dessa seção são estudos seus. As cinco seções seguintes, de B a F, compreendem 721

obras. No entanto, ainda que distribuídas entre “concertos” e “conjuntos” (B e C), entre duo

de pianos e piano solo (D a F), quase todas são fantasias e variações sobre temas populares na

época, quase sempre extraídos de alguma ópera de sucesso. As 38 peças listadas na seção C,

“Quintuors, Quatuors, Trios et Duos”, por exemplo, são majoritariamente arranjos para

pequenos conjuntos de peças originalmente escritas para piano ou para orquestra, como as

Variations de bravoure sur la romance de l’opéra Joseph et ses frères, avec

accompagenement de deux violons, alto et violoucelle, Op. 20, de Herz, e as aberturas Don

Giovanni e As Bodas de Figaro, “com acompanhamento de violino”, de Mozart, constituindo

exceções as sonatas para violino Op. 12 de Beethoven. Na seção E, “Sonates, Fantasies,

Concertos (arrangées pour le Piano), Rondeaux, Mosaïques, Rondelettes, Pots-pourries,

Polonaise, etc.”, o titulo sonata raramente indica o clássico tipo vienense, como aquelas

listadas de Beethoven, correspondentes aos número de opus 14, 31, 49 e 101 – esta

surpreendentemente chamada de “Musée musical” [sic] – ou até mesmo um dos quartetos

Razoumovski, Op. 59, em redução para piano e identificado como a “54ª Sonata”. Em geral,

aproximam-se mais do modelo de Diabelli, como a Sonata de l’ópera: Il Barbiere di Seviglia

nº 1. A Tabela abaixo arrola os compositores representados com mais de cinco peças cada um

nessas cinco seções.

156 Não há letra I.

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Tabela nº 18: Distribuição por Compositor (Seções B a F)

Compositor Nº Compositor Nº Compositor Nº Czerny 226 Ries 14 Schmitt 7 Herz 158 Weber 13 Hummel 6 Hüten 75 Beethoven 13 Mozart 6 Diabelli 35 Kirmair 12 Farrenc 6 Adam 32 Cramer 12 Haydn 5 Wanhal 21 Kuhlau 11 Calkin 5 Marks 19 Kalkbrener 10 Duvernoy 5 Moscheles 18 Gelinek 7 Rawlings 5

Fonte: Catálogo, 1837 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Embora somente três dos compositores listados acima fossem franceses, a maioria

esteve em atividade em Paris em algum momento de suas carreiras. Afinal, esta foi a cidade

em que os virtuoses mais se destacaram nos anos entre as revoluções 1830 e 1848. Pianistas,

violinistas e flautistas de vários países da Europa buscavam-na para fazer seus nomes e

transformavam-na em um próspero mercado para peças de piano destinadas a amadores, não

só na Europa, mas até, como evidenciam os dados acima, na América.157 Diferentemente do

vienense Karl Czerny (1791-1857), hoje conhecido pela obra pedagógica, mas na época

também reconhecido como compositor, foi o caso dos alemães Henri Herz (1806-1888) e

Franz Hünten (1792-1878), assim como de Friedrich Wilhelm Kalkbrenner (1788-1849), que

estudou no Conservatório de Paris e retornou à França depois de construir uma carreira

internacional em Londres. Já Louise Farrenc (1804-1875) foi uma das poucas mulheres

compositoras na primeira metade do século XIX, tendo ganho uma indicação de Auber para

professora de piano no Conservatório de Paris – a única mulher em todo o século XIX a obter

uma posição permanente naquela instituição.158

As quatro seções seguintes (G a K) do Catálogo de Müller & Heinen contêm somente

reduções de trechos operisticos para piano, ainda que grande parte desses trabalhos estivessem

também disponíveis em reduções para piano e voz e indicados nas seções K e L, “Opéras

complets, pour le chant” e “Opéras en partitions, ou pièces séparées pour le chant”. A Tabela

157 Para um estudo mais detalhado da produção dos virtuoses no século XIX parisiense ver Jeffrey Kallberg,

Piano Music of the Parisian Virtuoso 1810-1860. New York, Garland, 1993. 158 Jaffrey Kallberg, Piano Music of the Parisian Virtuoso 1810-1860 , v. 10, ix. Uma pequena biografia de

Louise Farrenc foi publicada em Antoine-François Marmontel, Les pianistes célèbres . Paris, A. Chaix e Cie., 1878, p. 168-175.

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abaixo arrola os compositores representados com reduções para piano de cinco ou mais

óperas.

Tabela nº 19: Reduções de Óperas para Piano

Compositor Trecho Overtures Operas Completas Auber La Muette de Portici La muette de Portici La Muette de Portici Auber La Neige La Neige Auber Le Maçon Le Maçon Auber Actéon Le Concert à la Court Auber La Fiancée La Fiancée Auber Le Cheval de bronze Fiorella Auber Le Serment Auber Fiorella Auber Fra Diavolo Auber Le dieu et la Bayadère Auber Le Bal Masque Auber Le Philtre Beethoven Fidelio Egmont Beethoven Coriolan Beethoven Fidelio Beethoven Prometheus Beethoven Les Ruines d’Athènes Bellini Il Pirata Il Pirata Norma Bellini La Straniera La Straniera I Capuleti ed I Montecchi Bellini Norma Romeo e Giulietta Bellini Beatrice di Tenda Bellini Bianca e Fernando Bellini I puritani Bellini La Sonnambula Boieldieu La Dame Blanche La Dame Blanche Boieldieu Jean de Paris Jean de Paris Boieldieu Le Calife de Bagdad Boieldieu La Féte du Village* Boieldieu Le Deux Nuits Mozart Don Juan Don Juan Mozart L’Enlèvement du Sérail L’Enlèvement du Sérail Mozart Le Nozze di Figaro La Clemenza di Tito Mozart Titus La Nozze di Figaro Mozart A Flauta Mágica A Flauta Mágica Mozart Idomeneo Ré di Creta Mozart Cosí fan tutti Paër Achilles Achilles

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Paër Sargino Sargino Paër Camila Agnes Paër Griselda Paër Sofonista Paër I Fuorusciti Rossini Arminda Arminda Arminda Rossini Il Barbiere di Siviglia Il Barbiere di Siviglia Il Barbiere di Siviglia Rossini Otello Otello Otello Rossini Tancredi Tancredi Tancredi Rossini L’Italiana in Algeri L’Italiana in Algeri L’Italiana in Algeri Rossini William Tell William Tell William Tell Rossini L’Assedio di Corino L’Assedio di Corinto*159 Cenerentola Rossini Corradino Corradino La Gazza Ladra Rossini La Dona del Lago La Dona del Lago* Il Turco in Italia Rossini La Gazza Ladra Edouard et Christine Elisabetta Rossini L’inganno Felice Rossini Torvaldo e Dorlisca Rossini Bianca e Faliero Rossini Adelaide di Borgogna Rossini La Scala di Seta Rossini Il Bruchino Rossini Il Conte Ory* Rossini Cenerentola* Rossini Matilde di Shabran Rossini Mosè in Egito* Rossini Ricciardo e Zoraida* Rossini Il Turco in Italia*

Fonte: Catálogo, 1837 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Na realidade, na época, sem dispor de meios de gravação, essas reduções

desempenhavam um papel importante de apresentar ao público brasileiro pela primeira vez

algumas obras que somente mais tarde ele teria ocasião de conhecer. Embora certas óperas de

Rossini tivessem sido encenadas no Rio de Janeiro antes de 1837, várias óperas de Bellini e

Auber listadas pelo Catálogo de Müller & Heinen tiveram que esperar quinze anos antes de

serem estreadas nos teatros brasileiros. Exceto pelo Don Giovanni, as obras de Mozart

demoraram cerca de sessenta anos para serem apresentadas.160 Similarmente, o Fidelio de

159 Os itens com asterisco têm redução para piano com acompanhamento de violino. 160 Don Giovanni de Mozart foi tocada em 20 de setembro de 1821 no Theatro São João. As outras obras de

Mozart só foram encenadas na década de 1880, começando novamente por Don Giovanni no Theatro Lyrico Fluminense em julho de 1880.

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Beethoven não foi encenada no Brasil até a última década do século XIX, ainda que,

aparentemente, um quarteto da obra tenha sido tocado em um concerto no Congresso

Fluminense em 10 de dezembro de 1856.161 E nem as versões orquestrais de overtures do

compositor eram conhecidas do publico brasileiro até a fundação do Club Beethoven em

1882. Assim, quando elas finalmente surgiram nos palcos da cidade, suas aberturas e árias

principais há muito eram admiradas pela audiência.

Apesar de poucos, pois apenas iniciava-se a impressão musical no Brasil, não faltavam

compositores brasileiros, representados pelas modinhas de Gabriel Fernandes da Trindade,

Candido Ignácio da Silva e Francisco Manoel da Silva,162 ao Catálogo de Müller & Heinen,

como pode ver-se na Tabela a seguir.

Tabela nº 20: Peças de Compositores Brasileiros

Compositor Título Gênero Anônimo Danças Brasileiras Dança Anônimo Nº 1 Galopada Dança Anônimo Marcha fúnebre da morte de S. M. o Duque de Bragança Marcha Anônimo Nº 2 Valsa do baile dos Estrangeiros Valsa Anônimo Nº 3 Valsa da amizade e o sorvete Valsa Candido I. da Silva Batendo a linda plumagem Modinha Candido I. da Silva Quando as glorias que gozei163 Modinha Candido I. da Silva 12 valsas brasileiras164 Valsa Francisco M. da Silva Amanhecendo finalmente a liberdade do Brazil165 Hino Francisco M. da Silva Ao dia sete de abril de 1831 Hino Francisco M. da Silva Três Modinhas brazileiras Modinha

161 Esse concerto foi organizado pela Sociedade Saengerbund em beneficio da Sociedade Alemã de

Beneficência. Os cantores foram Dejean, Kastrup, Tamberlik e Susini – Jornal do Commercio, 10 de dezembro de 1856.

162 Essas primeiras publicações de J. B. Klier e Pierre Laforge foram mencionadas em estudo de Mercedes Reis Pequeno sobre música impressa no Brasil; duas modinhas de Cândido Ignácio da Silva foram republicadas por Mário de Andrade em Modinhas Imperiais, (São Paulo, Casa Chiarato, 1930); uma de Cândido Ignácio da Silva (Minha Marilia) e tres de Gabriel Fernandes da Trindade (Do Regaço da Amizade, Se o Pranto Apreciares e Erva Mimoza do Campo) foram republicadas por Gerhard Doderer Modinhas Luso-Brasileiras, Portugaliae Musica, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, v. 44. As modinhas de Doderer formam um volume que está guardado na Biblioteca do Palácio da Ajuda em Lisboa.

163 Reproduzida em Mário de Andrade, Modinhas Imperiais, São Paulo, Casa Chiarato, 1930, p. 24-25. 164 Essas são provavelmente as 12 valsas publicadas por Pierre Laforge em 1837 e primeiramente anunciada

no Jornal do Commercio em 14 de junho de 1837, com os seguinte títulos, Os Suspiros, O Ciúme, A Saudade, A Ingratidão, Bem te Quero, Mariquinhas, Josefina, Theresinha, Franceza, Gentil Bahiana, Noiva, e Viúva. De acordo com Laforge, as valsas eram “producção de hum jovem e estimável compositor fluminense, não são excedidas por nenhuma obra deste gênero vinda da Europa, principalmente pelo que diz respeito á graça e ao bom estilo” – Jornal do Commercio, 14 de junho de 1837.

165 Esse hino, erradamente listado por Müller na seção de danças e marchas, não é mencionado em nenhuma biografia de Francis co Manual da Silva.

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Nº 1 Confissão de huma Senhora Nº 2 Márcia gentil, hum teu sorriso Nº 3 Se o triste pastor no prado Gabriel F. da Trindade Coleção de modinhas brazileiras Modinha Nº 1 Espessas matas, que ao longe estaes Nº 2 Vai suspiro, chega aos lares Nº 3 Meu coração estava isento Nº 4 Não ha nada mais mimoso Nº 5 Foi bastante ver teus olhos Nº 6 Porque pretendes cruel saudade J. B. Klier Marcha Maçonica Marcha João Mazziotti A Sympathia Modinha João Mazziotti Como es bella o noite escura Modinha João Mazziotti Muito embora ausente Modinha João Mazziotti Pensamento improvisado Modinha M. P. Chaves No dia Dous de Agosto dedicado a S. A. Senhora D. Francisca Hino M. P. Chaves No dia Onze de Março, dedicado a S. A. I. Senhora D. Januaria Hino Pedro I Marcha Nacional do Brazil Marcha Pedro I Souvenir Filial Modinha Simão Portugal O dia Onze de Março, dedicado a S. A. I. Sra. D. Januaria Hino

Fonte: Catálogo, 1837 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Curiosamente, quase todos os compositores brasileiros acima indicados mantiveram

laços com a Capela Real/Imperial. Sem falar em Francisco Manoel, João Mazziotti166 nela

cantou; Simão Portugal foi mestre-de-capela; e Manuel Pimenta Chaves serviu de oboísta em

sua orquestra. Imigrantes, Müller & Heinen não deixaram tampouco de homenagear a

monarquia com a inclusão de duas peças do, nessa época sobretudo, controvertido Pedro I, a

Marcha Nacional do Brazil e o Souvenir Filial, um divertimento para piano.

Por fim, na última seção, predominavam as danças européias, demonstrando o grande

número de valsas que já em 1837 esse ritmo vinha sendo incorporado ao repertório local. 167

166 João Mazziotti recebeu sua educação musical no Seminário Patriarcal em Lisboa e foi cantor da Capela de

D. João VI. Ele veio para o Brasil em 1807 e foi indicado cantor na Capela Real; ver Mazziotti na Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira (1936-1960), v. 16, 655. A modinha de Mazziotti A separação saudoza foi incluída na obra de Doderer Modinhas Luso-Brasileiras .

167 Renato de Almeida acredita que as valsas entraram no Brasil por volta de 1837, História da Música Brasileira, Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1942, p. 184; Baptista Siqueira, Romance e Ficção, Rio de Janeiro, Folha Carioca, 1980, coloca que as primeiras publicações de valsas, foram as de Maurício Dooltinger “Valsa Brasileira”, (1833) – em arranjo para piano e flauta – e as valsas de Herz no Jornal de Comércio em 1833. Robert Stevenson chama a atenção para a primeira publicação disponível nos EUA, a valsa intitulada Favorita Waltz Brasilense Para Piano Forte com Accompanhamento de Flauta Clarinete ò Violin by Peter Weldon; ver o seu artigo “Visión musical norteamericana de las otras Américas hacia 1900”, Revista Musical Chilena, 30, nº 137, 1977, p. 5.

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Narciso & Arthur Napoleão

Como mencionado acima, Narciso José Pinto Braga iniciou seus negócios de

publicações musicais em 1857, tendo Isidoro Bevilacqua por sócio. Tornando-se

independente em 1866, logo absorveu outros editores e, em 1869, associou-se a Arthur

Napoleão, criando a firma Narciso & Arthur Napoleão. Este também já dispunha de

experiência em publicações musicais, o que permitiu que nos anos 1870 os negócios

prosperassem imensamente. Em 1877, Narciso deixou o parceiro, que se juntou ao compositor

Leopoldo Miguez, formando a firma Napoleão & Miguez, mas, já em março de 1880, ele

voltava a integrar-se, passando a empresa a chamar-se Narciso, A. Napoleão & Miguez,

situada à rua dos Ourives 56-58. Dois anos depois, era a vez de Miguez afastar-se para

dedicar-se a suas composições, e o negócio voltou ao nome anterior de Narciso & A.

Napoleão. Com a morte de Narciso em 1889, ocorreu uma interrupção por três anos, embora

as atividades prosseguissem posteriormente. Durante esse período, a casa foi uma das mais

ativas do Rio de Janeiro, responsável pela publicação de um grande número de peças de

compositores brasileiros e de inúmeras coleções de música para piano, danças e canções. Em

1871, impresso em Lisboa pela Imprensa Nacional, surgia o Catálogo das Musicas Impressas

no Imperial Estabelecimento de Pianos e Musicas de Narciso & Arthur Napoleão, que

mostrava o elenco das obras comercializadas pela empresa em seu período inicial, dividido

em diversas partes:

1) Artinhas, Methodos e Estudos; 2) Banda Militar; 3) Fantasias, Variações, etc; 4) Delicias das Operas, Colleções de Arias, romances, duetos, etc., extrahidas de operetas; 5) Musica de Quatro Mãos 6) Prazeres do Baile, Colleção de Quadrilhas, Valsas, Schottisch, Polkas, etc., para piano; 7) Hymnos; 8) Canto Portuguêz, modinhas e romances com acompanhamento de piano; 9) Lundus; 10) Colleções de Recitativos; 11) Arias e Romances em Francez; 12) Canto Italiano; 13) Noites Melancólicas, Coleções de romances, ballatas, cançonetas, etc., para voz e piano; 14) Recreio dos Flautistas.168

Em relação ao Catálogo de Müller e Heinen, de 1837, o de Narciso & Napoleão

apresenta muitas peças novas, mas também um número grande de reimpressões, como os

168 Uma cópia do Catálogo pode ser encontrada na Biblioteca Nacional.

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compêndios teóricos de Francisco Manoel da Silva e Raphael Coelho Machado. Métodos de

piano e estudos continuam a dominar, embora os exercícios de Czerny dele não façam parte,

talvez por razões de direitos autorais.169 Arthur Napoleão, ele mesmo, além de virtuose,

professor, estava representado por seus Douze études artistiques. Em tradução portuguesa,

apareciam alguns álbuns para iniciantes, como o Grande Methodo de Piano, de Henri

Lemoine (1786-1854), um dos mais bem sucedidos professores do instrumento em Paris e

dono de uma reputada editora musical, e sete estudos de Henri-Montan Berton (1767-

1844).170

Como mostrado na Tabela abaixo, a maioria dos compositores estrangeiros listados na

seção de fantasias e variações – como Herz, Hünten, Eugene Ketterer (1831-1870), Ignace

Leybach (1817-1891), Rosellen e Thalberg – já eram bem conhecidos do público brasileiro

nessa época. O primeiro mencionado e o mais representado, inclusive, introduzira o jovem

Arthur Napoleão à sociedade parisiense em sua sala de concerto, enquanto Ascher e Goria são

mencionados em suas Memórias.171 Também era o caso de Gottschalk, que dominava uma

seção de seu Catálogo.

Tabela 21: Fantasias e Variações172

Compositor Nº Compositor Nº Compositor Nº Compositor Nº Arditi 03 Furtado Coelho* 07 Maersch* 06 Rosellen 08 Achille Arnaud* 06 Giraudon* 03 Martins Pinheiro 05 Rummer 03 Ascher 19 Gidani 02 Menozzi 03 A. Santos 03 Auber 03 Goria 09 Mesquita 03 Schubert 04 Beyer**173 03 Gottschalk** 46 Messemaeckers 03 Schulhoff 06 169 A questão dos direitos autorais no período é bastante conflituosa. Para a situação na literatura, cf. Lúcia

Maria Bastos P. Neves e Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. As relações culturais ao longo do século XIX. In: Amado Luiz Cervo & José Calvet de Magalhães. Depois das caravelas: as relações entre Portugal e Brasil, 1808-2000 . Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 2000, p. 225-52, em especial, p. 239-42.

170 Henri-Montan Berton (Paris, 17 set 1767; idem, 22 abr 1844) – Compositor, escritor e professor francês, filho de Pierre -Montan Berton (1727-1780). Teve pouca instrução formal, mas foi ajudado por Sacchini. Escreveu cantatas e óperas de sucesso, entrte as quais, as mais originais, Montano et Stéphanie e Le délire (ambas 1799), mostram uma utilização expressiva dos motivos como inspiração musical, uma caracterização e uma escrita para conjunto muito competentes e um lirismo à italiana; nas obras cênicas posteriores, trabalhou em conjuinto com Boieldieu, Cherubini e Kreutzer. Foi professor do Conservatório de Paris durante 50 anos, tendo publicado um trtatado de harmonia (1815) e algumas críticas. Seu filho Henri (1784-1832) foi pianista e compositor de romances. Stanley Sadie (ed.). Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.

171 Arthur Napoelão, “Autobiografia”, Rev ista Brasileira de Música . 1963, p. 39-42. 172 Compositores representados com mais de três peças; compositores com nomes em itálico são brasileiros;

com marca de um e dois asteriscos são imigrantes e visitantes respectivamente. 173 O único indicio de que Beyer visitou o Brasil é a publicação de seu arranjo do Hino Nacional Brasileiro

para dueto de pianos e uma fantasia sobre temas de Il Guarani de Carlos Gomes.

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Burgmüller 05 Herz 09 Arthur Napoleão* 26 Strauss 04 Bussemeyer* 03 Hünten 08 Alfredo Napoleão* 03 Talexy 04 Celega 04 Brasílio Itiberê 03 Pfeiffer 03 Thalberg** 07 Cramer 06 Ketterer 07 Prudent 03 Ch. Voss 05 Croizes 03 Lucien Lambert* 04 Ricardo Ferreira 03 B. Wagner* 06 Duvernoy 03 Lecarpentier 06 B. Richards 04 Wely 04 Emilio do Lago 07 Leybach 07 Th. Rither** 03

Fonte: Catálogo, 1871 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Por outro lado, o Catálogo de Narciso & Napoleão incluía poucos trabalhos de

Beethoven ou Mozart. Somente o andante da Sonata Pathétique, Op. 13, e a marcha fúnebre

da Op. 26 representavam o primeiro, ao passo que, do segundo, constava apenas um

enigmático Romance sans paroles. Embora fossem constantemente mencionados nos escritos

do período como músicos superiores,174 Chopin e Liszt estavam ausentes, a não ser pela

Marcha Fúnebre do polonês e de uma La Charité de Rossini do húngaro, presumivelmente

um potpourri sobre temas de óperas do cisne de Pesaro. Contudo, um tema de Wagner

aparecia pela primeiras vez no Brasil com a marcha de Tannhäuser, o que podia estar fazendo

eco à fantasia sobre a mesma ópera de Gottschalk, apresentada em concerto no Theatro Lyrico

em 5 de outubro de 1869, com duas orquestras e trinta e um pianistas,175 ou ainda ao

conhecido interesse pelo compositor do imperador, que, em 1857, teria feito uma tentativa

frustrada de encomendar- lhe uma ópera, e que, em 1876, visitou Bayreuth em agosto para a

estréia do ciclo completo do Anel (Der Ring des Nibelungen), vinte-e-oito anos após sua

primeira concepção.176

As óperas de Bellini, Donizetti e Verdi continuavam a fornecer os temas para a

maioria dessas fantasias e variações, mas, em 1871, começavam a aparecer igualmente peças

instrumentais com temas extraídos de obras compostas por brasileiros. O imigrante afro-

174 Para algumas referencias de performances de músicas de Chopin e Liszt na América Latina antes dos anos

1880, ver Robert Stevenson, “Chopin in Mexico”, Inter -American Music Review IV/2. Spring-Summer 1992, p. 31-46; e “Liszt in México, 1840-1911”, Inter -American Music Review VII/2. Spring-Summer 1986, p. 23-32.

175 Francisco Curt Lange, “Vida y muerte de Louis Moreau Gottschalk en Rio de Janeiro (1869),” Revista de estúdios musicales 2/5 (1950), 120; ver também Robert Stevenson, “Gottschalk programs Wagner”, Inter -American Music Review V/2. Spring-Summer 1983, p. 84. Gottschalk também ofereceu ao publico latino e principalmente ao brasileiro a Marcha Fúnebre de Chopin

176 Ver Lilia Moritz Schwarcs. As barbas do imperador. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 152. Cf. ainda Robert Stevenson, “Wagner’s Latin American Outreach (to 1900)”, Inter-American Music Review V/2. Spring-Summer 1983, p. 63-83.

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americano Lucien Lambert,177 por exemplo, recorreu a um tema de O Vagabundo (1863) de

Mesquita; o alemão Hugo Bussemeyer (1842-1912)178 explorou melodias de A Noite do

Castelo (1861) de Carlos Gomes; o também alemão Bernard Wagner escolheu trechos de

Remorso Vivo (1867) de Napoleão. Excepcional, porém, foi o caso de Il Guarany de Carlos

Gomes. Um ano depois da estréia no Brasil, o Catálogo de Narciso & Napoleão registrava,

como mostra a Tabela a seguir, nada menos do que doze trabalhos para piano utilizando

algum de seus temas, o que fazia a obra situar-se logo depois de Il Trovatore e suas dezessete

reduções para piano, cuja estréia no Brasil tinha ocorrido dezessete anos anos.

Tabela 22: Origem dos Temas Operisticos Usados em Variações

Compositor Ópera Nº Estréia no Brasil

Verdi Il Trovatore 17 1854 Gomes Il Guarany 12 1870 Verdi La Traviata 09 1855 Bellini Norma 07 1844 Donizetti Lucia de Lammermoor 06 1846 Donizetti Lucrezia Borgia 06 1846 Verdi Ernani 06 1846 Verdi Rigoletto 06 1856 Bellini I Puritani 05 1845 Donizetti Belisario 05 1844 Donizetti La Favorita 05 1847 Verdi I Lombardi 05 1848 Verdi Un Ballo in Maschera 05 1862 Bellini Sonnambula 04 1848 Donizetti La Fille du Régiment 04 1847 Gounod Faust 04 Verdi Attila 04 Verdi Luisa Miller 04 1853 Donizetti Linda di Chamounix 03 1848 Meyerbeer Africaine 03 Offenbach Barbe Bleue 03 1865 Offenbach Grande Duchesse 03

177 A morte de Lambert foi anunciada no jornal brasileiro O Paiz em 05 de junho de 1896. Ele deve ter sido

contemporâneo de Gottschalk no Rio de Janeiro, “Black Professional Musicians in New Orleans c. 1880”, Inter-American Music Review XI/2. Spring-Summer 1991, p. 59.

178 O pianista e compositor Hugo Bussmeyer foi aluno de Charles Litolff (1818-1891) e de Hans von Bülow (1830-1894). Bussmeyer visitou o Rio de Janeiro em 1860 e 1867, quando tocou em várias cidades da América Latina. Em 1874, estabeleceu residência no Rio de Janeiro e foi indicado professor no Conservatório. Em 1875, foi indicado mestre-de-capela na Capela Imperial.

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Petrella Marco Visconti 03 1852 Rossini Guillaume Tell 03 1850 Bellini I Capuleti ed I Montecchi 02 Donizetti L’Elisire d’Amore 02 1844 Mesquita Noivado em Paquetá 02 Rossini Il Barbiere di Siviglia 02 1821 Rossini Cenerentola 02 1821 Rossini Moisé in Egito 02 1858 Verdi I Due Foscari 02 1849 Verdi Les Vêpres Siciliennes 02 Wagner Tannhäuser 02 Auber Domino Noir 01 1846 Auber La muette de Portici 01 1848 Auber Part du Diable 01 Bellini Beatrici di Tenda 01 1846 Boieldieu La Dame Blanche 01 1846 Boieldieu La Grande Duchesse 01 Donizetti Anna Bolena 01 Donizetti Don Pasquale 01 1853 Donizetti Torquato Tasso 01 1844 Flotow Martha 01 1862 Gomes A Noite do Castelo 01 1861 Halévy Mousquetaires de la Reine 01 1848 Herold Le Pré-aux-Clercs 01 Mesquita O Vagabundo 01 1863 Meyerbeer Huguenots 01 Meyerbeer Le Prophète 01 Meyerbeer Robert le Diable 01 1848 Mozart Don Juan 01 1821 Mozart Le Nozze di Figaro 01 Offenbach La Belle Hélène 01 1866 Offenbach La Périchole 01 Offenbach Orphée aux Enfers 01 1865 Offenbach Vie Parisienne 01 Rossini Dona del Lago 01 Rossini Edoardo e Cristina 01 Rossini Matilde di Shabran 01 1829 Verdi Macbeth 01 1852

Fonte: Catálogo, 1871 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Da mesma forma, embora a seção de danças contivesse majoritariamente reimpressões

e ainda que esse tipo de música continuasse comumente a ser indicado sem o nome do autor,

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o Catálogo de Narciso & Napoleão revelava uma certa predominância de compositores locais.

Apesar da permanência das quadrilhas e das valsas e do aparecimento dos tangos e habaneras,

a polca tornara-se o ritmo favorito dos brasileiros e abundavam danças baseadas em temas

operisticos, com títulos como Quadrilha Anna Bolena, Polka Barbe Bleu, Waltz Roberto o

Diabo, Mazurka Manon Lescaut ou Schottisch Marco Visconti, assim como outras cujos

títulos descreviam os últimos acontecimentos do Rio de Janeiro ou eventos históricos. Sendo

as danças regularmente tocadas durante os intermezzi das óperas, operetas e peças teatrais, era

natural que os dois compositores melhor representados nessa seção estivessem envolvidos

com a produção de operetas: Henrique Alves de Mesquita e Furtado Coelho. No entanto,

também Carlos Gomes, que então vivia na Itália, teve danças publicadas no Brasil, como os

dois schottisches, Angélica e Cândida.

Tabela 23: Danças de Compositores Locais

Compositor Quadrilha Valsa Polca Schottisch Mazurka Total H. A. Mesquita 8 7 15 F. Coelho 4 2 1 7 A. dos Santos 3 1 1 5 C. Gomes 1 2 3 G. Arnaud 2 1 3 L. Lambert 3 3 Giraudon 1 1 2 J. Callado 2 2 Martins Pinheiro 2 2 A. Napoleão 2 2 E. do Lago 1 1 Fabrega 1 1 B. Itiberê da Cunha 1 1 R. Machado 1 1 Tornaghi 1 1 Soma 11 12 21 3 2 49

Fonte: Catálogo, 1871 – Biblioteca Nacional Obras Raras

Compositores naturais do Brasil ainda se faziam representar na seção de músicas

francesas, com arranjos em geral de trechos de óperas de Offenbach. Além disso, como o

domínio do francês era condição necessária para aspirar à alta sociedade, um grande número

deles, com freqüência imigrantes, escolhiam os títulos de suas peças ou os textos que

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musicavam nesse idioma, como foi o caso de Arnaud, Mesquita, Ribas, Rivero e o flautista

belga Mathieu André Reichert (1830-1880).

Assim, se comparado ao de Müller & Heinen, anterior em trinta e quatro anos, o

Catálogo de Narciso & Napoleão sobressai-se em particular pela participação mais constante

e diversificada de compositores locais, o que não só refletia um maior dinamismo da vida

musical do Rio de Janeiro, como também o gosto predominante do público e um certo espírito

nacional. Não obstante, os lundus tendem a desaparecer, embora conservassem títulos

distintivos e continuassem a enfatizar aspectos do cotidiano da classe média carioca, como os

Conselhos aos Homens de Machado, que se contrapunham aos Conselhos às Moças

Lavadeiras de Arvellos. Além de sua A Sertaneja, Brasílio Itiberê da Cunha era representado

por duas outras peças: a Danse Americaine, Op. 14, em que é clara a influência de Gottschalk,

e Une larme, meditation, Op. 19, assim como continuavam disponíveis as Flores

Guanabarenses, variações e fantasias de Adolpho Maersch (1857). Com textos em português,

predominavam os romances e as modinhas, como indica a Tabela abaixo.

Tabela 24: Músicas em Português

Compositor Título Gênero A. F. Mello Amor perdido Modinha A. J. S. Monteiro Canto do cysne Modinha A. J. S. Monteiro Menina dos olhos negros Modinha A. J. S. Monteiro Rola Modinha A.C. Martins Minha mãe Modinha A.C. Martins Minhas dores Modinha Amaud Rosa Branca Romance Arthur Napoleão Ballada de Maria (Remorso vivo) Romance Arthur Napoleão Lua da estiva noite, serenata Romance Arthur Napoleão Scena do coro de Maria (Remorso vivo) Romance C. N. L. Fidelense Romance Cardoso De lá d’onde estás, Armia Modinha Demetrio Rivero Chama de amor, noturno Modinha Demetrio Rivero Parasyta, melodia Romance E. Álvares Lobo Nerina, maga estrella Modinha E. Álvares Lobo Amor de mãe Romance E. Álvares Lobo Bem te vi Romance E. Álvares Lobo Despedida de S. Paulo Romance E. Álvares Lobo Eu vi o anjo da morte Romance E. Álvares Lobo Já não vive Delia Romance E. Cunha Lembrança de morrer Modinha E. Cunha Luz e Mysterio Modinha E. Cunha Quando eu deixar de chorar Modinha E. Cunha Quanto pode um beijo teu Modinha

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E. Cunha Riso e morte Modinha F. Santini De ti bem longe Modinha Furtado Coelho Germânia, cançoneta Romance Furtado Coelho Marcha acadêmica Romance H. Alves de Mesquita Confissões e desenganos Modinha H. Alves de Mesquita Moreninha Romance H. Alves de Mesquita Quando sereno e vivido (Vagabundo) Romance J. C. Leite Alzira formosa Modinha J. Calado Vida e morte Modinha J. D. Z. Braga Sympathia Modinha J. S. Arvelos Aceita ó Lucinda Modinha J. S. Arvelos Ai mèu bem, se não te amo Modinha J. S. Arvelos Caso de amor tão fingido Modinha J. S. Arvelos Deixei cabanas Modinha J. S. Arvelos Donzella por piedade Modinha J. S. Arvelos Eu amo Elmia Modinha J. S. Arvelos Grato mysterio Modinha J. S. Arvelos Lagrima do voluntário Modinha J. S. Arvelos Se eu fora poeta Modinha J. S. Arvelos Se os sentimentos de outrora Modinha J. S. Arvelos Uma chaga me abriste no peito Modinha J. S. Arvelos Filho pródigo (música sacra) Romance José Amat Como o triste marinheiro Modinha José Amat Concha e a virgem Modinha José Amat Deus e ella Modinha José Amat Foge da minha cabana Modinha José Amat Foi assim o seu amor Modinha José Amat Meu anjo escuta Modinha José Amat Mirzalina Promessa de amor Modinha José Amat Por um ai! Modinha José Amat Que dizem minhas flores Modinha José Amat Rosa murcha Modinha José Amat Seus olhos Modinha José Amat Sobre a vaga Modinha José Amat Sonhei Modinha José Amat Sylpho ou anjo Modinha José Amat Uma visão Modinha L. A. Cunha Escuta Modinha Marcellino Escuta Modinha Moniz Barreto E foi-se Modinha Moniz Barreto Eu te adoro linda fada Modinha Moniz Barreto Hei de amar-te até morrer Modinha Proença Lamentos e lagrimas Modinha Raphael Machado Ao illustre auctor das physiologias das Paixões Modinha Raphael Machado Beijo, valsa Modinha Raphael Machado Não pensas em mim Modinha Raphael Machado Retém nos lábios ingratos Modinha Raphael Machado Teus cabellos Modinha Raphael Machado Arpejos de saudade Romance Raphael Machado Estas lágrimas de amor Romance

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Raphael Machado Fatalidade Romance Raphael Machado Mysterio Romance Raphael Machado Ultimo gemido Romance

Fonte: Catálogo, 1871 – Biblioteca Nacional Obras Raras

A última seção do catálogo de Narciso & Napoleão é a coleção Recreio dos Flautistas.

Depois do piano, a flauta era o instrumento mais popular entre os estudantes de música no

século XIX brasileiro. Arranjos operisticos para flauta, comum em publicações desde os anos

1850, permaneceram predominantes em 1871, assim como tornaram-se numerosas as

quadrilhas, polcas e valsas. Embora a maioria das peças não tenham sido listadas pelo

compositor, destacavam-se, ao que se pôde verificar, o flautista brasileiro Joaquim Antonio

Calado (1848-1880) – representado pelas polcas Querida por todos (1869) e Seductora – e o

belga Reichert.

Coleções de Músicas (1870-1900)

O repertório publicado no Rio de Janeiro a partir dos anos 1870 reflete uma série de

fatores atuantes no período, entre os quais avulta uma situação em que a música tornava-se

cada vez mais um negócio. De um lado, a constituição de um campo de músicos profissionais

e a consolidação de uma perspectiva nacionalista nas artes, conduzira ao estabelecimento da

Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, mais tarde Ópera Lírica Nacional (1857-

1863). Ao fomentar a tradução de óperas e dar suporte para compositores brasileiros, ela

possibilitou a produção de duas óperas compostas por imigrantes e de cinco outras por

naturais do país, quatro das quais fo ram imediatamente impressas: A Noite de São João de

Elias Álvares Lobo com libreto de José de Alencar (1860); A Noite do Castelo de Carlos

Gomes, com libreto de Antonio José Fernandes dos Reis (1861); Joana de Flandres

novamente de Gomes, com libreto de Salvador Mendonça (1863); e O Vagabundo de

Henrique Alves de Mesquita, com libreto italiano de Francisco Gumirato e tradução para o

português de Vicente De Simoni (1863). Somente a Côrte de Mônaco de Domingos José

Ferreira, com libreto de Francisco Gonçalves Braga (1862), não foi publicada. Além disso, a

Ópera Nacional produziu versões em português de conhecidas óperas de Bellini (Norma) e de

Verdi (La Traviata), que circulavam igualmente de maneira ampla.

De outro lado, num ambiente crescentemente urbano e dinamizado pelas exportações

de café, foram as visitas de celebridades – começando com Thalberg em 1855, continuando

com Tamberlik em 1856 e Napoleão em 1866, e culminando com Louis Moreau Gottschalk

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em 1869 – que estimularam diretamente o negócio local de publicações. Como o sucesso

operistico, a positiva recepção a esses músicos estimulava automaticamente a publicação,

embora, por tocarem somente os repertórios de sua própria autoria, as vendas de suas músicas

tendessem a cair após o término das visitas. Entretanto, suas publicações não deixavam de

inspirar peças similares compostas localmente, ampliando as atividades dos músicos da

cidade.

Aproveitando esses estímulos, Narciso & Arthur Napoleão, além do periódico Revista

Musical e de Bellas Artes e de músicas avulsas, também lançaram coleções, como as Flores

dos Pianistas, Collecção de Peças Brilhantes, que surgiu numa edição revisada entre 1875 e

1877, a partir daquela lançada por Narciso Braga, no fim da década de 1860. Listava 34

trabalhos de europeus, como Eugène Ketterer (1831-1870), Émile Prudent (1817-1863) e

Theodore Ritter (1841-1886), que se tornou conhecido após sua visita à cidade em 1870, e de

naturais do Brasil ou que para aqui tinham imigrado, exemplificando o repertório básico de

piano que circulava nesse período. Continuavam predominando fantasias e arranjos

operisticos, embora agora muitos fossem de autoria de compositores locais, com destaque

para obras baseada em Il Guarany e em O Vagabundo de Mesquita. A fantasia do imigrante

Bussmeyer sobre o Hino Nacional Brasileiro, por sua vez, não deixava de lembrar a Fantasia

Triunfal Sobre o Hino Nacional Brasileiro de Gottschalk. É o que se pode ver na Tabela a

seguir.

Tabela 25: Flores dos pianistas (1875-1877)

Compositor Titulo Gênero A. Arnaud Ernani Grande Fantasia B. Itiberê da Cunha A Sertaneja Fantasia característica B. Itiberê da Cunha Une Larme Celega Il Guarany Transcrição E. Ketterer Grande galope de concerto E. Pinzarrone Il Guarany Fantasia Brilhante E. Prudent Quartetto de Rigoletto E. Prudent Ronde de Nuit F. Liszt La Charité, Choeur de Rossini Fumagalli Il Guarany Reminiscências Fumagalli Il Guarany Prélude de l’Opéra Giraudon Maria de Rizzio Transcrição H. Bussmeyer Grande Fantasia sobre o Hymno Nacional Jaell L’Africaine Paraphrase

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L. Lambert O Vagabundo Fantasia de concerto Leybach Fantasie sur un thème Allemand Leybach Faust Fanatasia Elegante Leybach I Puritani Fantasia Leybach Il Barbiere di Siviglia Fantasia Leybach Impronptu-polka Leybach Mandolinata Fantasia Brilhante Leybach Norma Fantasia Menozzi Il Guarany Ballata R.F. de Carvalho A Borboleta Grande galope R.F. de Carvalho A Paulista Polca de salão S. Smith La Harpe Eolienne Morceau de Salon S. Smith Les Huguenots Grandes Fantasias S. Thalberg O Adeus (La cadence) Theodore Ritter Chant du Braconnier Theodore Ritter Les Courriers Theodore Ritter Marche-Nacturne

Fonte: Ana Cristina Fonseca. História Social do Piano – Nacionalismo/Modernismo RJ 1808-1922 . Dissertação de Mes trado, Rio de Janeiro, Escola de Música da UFRJ, 1996.

Diante da crescente importância da música para dança durante a década de 1870, a

empresa de Narciso & Napoleão publicou em torno de 1880 uma coleção de “Tangos e

Habaneras”, com oito peças. Algumas eram reimpressões de obras que já constavam do

Catálogo de 1871, mas a maior parte estava relacionada aos novos repertórios introduzidos

pelas operetas populares, que faziam furor. Traziam por título também expressões como

fadinho, polca-habanera, lundu, novo tango, tango brasileiro, dançado hespanhol e tango

chulo. Embora Henrique Alves de Mesquita seja creditado como sendo o primeiro a usar a

palavra tango brasileiro, em seu Olhos Matadores (1871),179 tangos e habaneras continuaram

a circular no Rio de Janeiro da década de 1870 com títulos aplicados indiscriminadamente.

Olhos Matadores, por exemplo, aparece em 1880 como habanera, enquanto somente Escuta

benzinho é listada como tango brasileiro. Chiquinha Gonzaga está representada por dois

tangos, Seductor e Sospiro, e uma habanera, Sonhando (1879). A famosa ária da Carmen de

Bizet (1875) é corretamente classificada como habanera, mas incluída ao lado de Zamacueca,

dansa chilena, do violinista cubano José White.

Na década de 1880, o Imperial Estabelecimento Viúva Filippone & Filha, localizado à

rua do Ouvidor 93, uma das editores menores, publicou também a coleção Flores do Baile.

179 Batista Siqueira, Três vuultos históricos da música brasileira. Rio de Janeiro, D. Araújo, 1970, p. 80-81.

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Constava de 143 quadrilhas, 180 polcas e 130 valsas. Nela, embora o jovem Strauss

continuasse a liderar a lista, seguido de Musard e Metra, eles já dividiam os salões com

compositores imigrantes. Quadrilhas antiquadas de Tornaghi derivavam do repertório

operistico, enquanto as valsas de Pinzarrone competiam em popularidade com as de Strauss.

Carlos Gomes estava presente com as quadrilhas Quilombo e Caxoeira, além de sua polca

Lalalayù!. Ao seu lado, apareciam as primeiras polcas de Ernesto Nazareth: Beija-flor, Cruz

Perigo, Não caio n’outra, e Não me fujas assim. A Tabela a seguir identifica os compositores

com o maior número de peças de cada gênero.

Tabela 26: Flores do Baile

Gênero Compositor Nº Arban 8 Musard 9 Schubert 5 Strauss 11

Quadrilhas

Tornaghi 10 Luis Pedrosa 4 Mattiozzi 3 Nazareth 4 Pagano 3 Souza 4

Polcas

Strauss 5 Arditi 4 Burgmüller 6 Metra 5 Pinzarrone 10

Valsas

Strauss 10

Fonte: Biblioteca Nacional Obras Raras e Periódicos

Entre 1869 e 1875, Narciso & Napoleão lançaram igualmente uma das maiores e mais

longevas coleções, a Alegria dos Salões, Colecção de Polkas, Galopes e Valsas brilhantes

para piano, que teve várias reimpressões, até depois de 1880. Trazendo a lista dos

compositores e os títulos das peças em sua contra-capa, a Alegria dos Salões permitiu a

montagem das Tabelas abaixo, a partir de dois de seus exemplares, um com vários tipos de

danças e o outro, surgido por volta de 1880, somente com valsas.

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Tabela 27: Alegria dos Salões

Compositor Título Gênero Gomes Fosca Polca Gomes Il Guarany Valsa Arditi Il Bacio Valsa Arditi Kellog Valsa Ascher Feuille d’Album Mazurca Ascher Sans Souci Galope Ascher Toujours Gal Galope Bériot Valsa Brilhante Valsa Bottesini La Gracieuse Galope Bottesini Vinciguerra Galope Brocca Les Uhlans Galope C. de Cardozo A Ella Galope C. de Cardozo Leonor Galope Faust Folhas dispersas Faust Lendas da Idade Aurea Galope Godfrey Hilda Galope Gung’l Sommernachtsträume Galope Guttmann Le Tourbillon Galope Herz La Californienne Polca Herz La Cristallique Polca/Mazurca Herz La Tapada Polca Hünten Les Bords du Rhin Valsa Ketterer Carlota Polca Kuhf Polka di Bravura Polca Mesquita Aurora Polca Metra Les Roses Polca Osborne 2ème Pluie de Perles Polca Osborne Pluie de Perles Polca Phillipe La Spirituelle Polca Rosellen La Rose Valsa Schulhoff 2 ème Valse brillante Schulhoff Impromptu-Polka Schulhoff Souvenir de Kieff Schulhoff Souvenirs de Varsovie Strakosch Le Bal Valsa Strauss Idyllen Valsa Strauss Le Rhin Valsa Strauss Les Phalenes Valsa Strauss Valse du Danube Valsa Talexy Etude-Mazurka Tonel Perles et diamants Valsa

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Fonte: Biblioteca Nacional Obras Raras – Catálogo de Narciso e Napoleão

Tabela 28: Alegria dos Salões (Valsas adicionadas à Coleção)

Compositor Título ? Bouquet de Fleurs ? Le Tourbillon B. Wagner L’Entrain B. Wagner Souvenir de la Forêt Noire Burgmüller Faust Burgmüller Le Juif Errant F. Gonzaga Desalento F. Gonzaga Plangente Furtado Coelho A provocadora Furtado Coelho O anjo da meia noite Godfrey Hilda Godfrey Les Gardes de la Reine Godfrey Mabel Labitzky Aurora Labitzky Les Fleurs du Printemps Leonardo Un Rêve du Bal Mesquita Coroa de Carlos Magno (bailado) Mesquita O vampiro Metra L’Espérance Metra La Fille du Tambour-Major Metra La Jolie Parfumeuse Metra La Nuit Metra La Vague Metra Le Petit Duc Metra Les Cloches de Corneville Metra Les Femmes de Feu Metra Maitre Péronilla Nuyens La Fille de Mme Angot Schulhoff Grande Valse Brillante Strauss La Grande Duchesse Strauss St. Petersburg Venzano Absence et Retour Wansink Valse des Fleurs

Fonte: Biblioteca Nacional Obras Raras – Catálogo de Narciso e Napoleão

Se algumas peças permaneceram, assim, por mais de vinte anos no repertório, como é

o caso das polcas de Herz e os galopes de Ascher, ao mesmo tempo, podem observar-se novas

peças, como as polcas de George Osborne (1806-1893) e as valsas dos italianos Arditi (1822-

1903) e Giovanni Bottesini (1821-1889), famoso contrabaixista, ou as do francês Olivier

Metra (1830-1889). Dos brasileiros ou estrangeiros fixados no país, as peças de C. de

Cardozo, Mesquita, A. dos Santos e B. Wagner circulavam desde o inicio da década de 1870 e

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já eram bem conhecidas, mas a elas adicionaram-se outras de Furtado Coelho, Luiza

Leonardo, Martins Pinheiro e, significantivamente, duas valsas de Francisca Gonzaga (1847-

1935). Esta, conhecida como Chiquinha, fora aluna de Arthur Napoleão e teve suas primeiras

composições publicadas por Narciso & Napoleão. Atuando no campo das operetas no final do

século, veio a ocupar uma posição especial no panorama da música brasileira e foi

considerada uma precursora da escola nacionalista do século XX por suas polcas e tangos.180

Contudo, a popularidade de um compositor media-se sobretudo pela impressão de uma

coleção individual de suas obras. Eram, na maioria, estrangeiros, previamente publicados em

Paris e vendidos no Brasil através de catálogos. Assim, uma coleção com trabalhos de

Leybach foi publicada no final dos anos 1870 pela Viúva Canongia; peças de E. Ketterer e

Gustavo Lange (1830-1889) foram destacadas por Narciso & Napoleão; mas poucos

imigrantes mereceram essa distinção, entre os quais incluíram-se Pinzarrone e Napoleão.

Coleções de compositores brasileiros, como as de Leopoldo Miguez e de Abdon Milanez

(1858-1927), aparecereram apenas na década de 1890.

Por essa época, os compositores alemães também começaram a surgir com maior

freqüência entre os mais publicados. Peças para piano de Schubert, Mendelssohn, Schumann e

Liszt passaram a dividir as vendas com Herz e Ascher, assim como apareciam pela primeira

vez obras de Cécile Chaminade (1857-1944), Edvard Grieg (1843-1907), Moritz Moszkowski

(1854-1925), Anton Rubinstein (1830-1894) e Peter I. Tchaikovsky (1840-1893), assim

como, naturalmente, as composições de Napoleão continuavam a ser publicadas.

Paralelamente, a coleção de Napoleão Canto Portuguez, colleção de romances, modinhas,

lundus, etc., com acompanhamento de piano, da década de 1890, listava pelo menos 200

músicas de compositores brasileiros. Entre elas, modinhas em voga nos anos 1850 e 1860 – de

Amat, Arvelos, Fachinetti, Machado, Mesquita e Rivero, entre outros – permaneciam

disponíveis, ao lado de novas peças de José Lino de Almeida Fleming (1849-1888),181

Chiquinha Gonzaga, Luiza Leonardo e Abdon Milanez. Uma obra como Conselhos de Carlos

Gomes foi classificada como canção popular brasileira; a Lavadeira e o Caçador de Vianna

da Mota, como canção popular; e a Carta à Zizinha de Chiquinha Gonzaga, como canção

180 Ver Gerard Béhague, “Popular Musical Currents in the Art Music of the Earl Nationalistic Period in Brazil,

circa 1870-1920” Ph.D. dissertation, Tulane University, 1966, p. 113-136. 181 Em 1881, José Lino de Almeida Fleming recebeu um bolsa de estudos do imperador para estudar

composição em Milão, onde foi aluno de Dominiceti (1821-1888). Em Milão, ele publicou em 1885 cinco álbuns de canções e os mandou para o Rio de Janeiro. Ele morreu em 1888, enquanto retornava ao Brasil a bordo do navio francês Bourgogne.

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brasileira. Não obstante, apesar de uma certa tendência à popularização, nota-se uma

crescente diferenciação entre peças populares e o repertório de música propriamente erudita.

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CONCLUSÃO

A Capela Real e, depois, Imperial do Rio de Janeiro foi a mais importante instituição

musical do século XIX brasileiro. Sua criação pelo príncipe regente D. João representou um

momento fundamental para a introdução e consolidação das práticas mus icais européias no

Brasil. Herdeira direta das práticas da Capela de Lisboa, a do Rio de Janeiro reuniu um grande

número de músicos estrangeiros, que trouxeram para o Brasil a tradição interpretativa daquilo

que era tocado e ensinado em seus paises de origem, fato pouco usual e repleto de

desdobramentos. O caso dos castrati é bem sintomático disso, uma vez que nenhuma outra

cidade do Brasil teve a possibilidade de assistir a esses profissionais, que estavam aptos para

cantar as mais recentes óperas de Marcos Portugal, Rossini e outros.

Ao mesmo tempo, os músicos portugueses e de outras nacionalidades que se

dedicaram ao ensino no Brasil transmitiram a seus alunos uma formação musical calcada nos

procedimentos adotados no Seminário Patriarcal de Lisboa e nos conservatórios italianos da

época, dando um novo rumo a esse tipo de atividade no Rio de Janeiro. Assim, quando

Francisco Manoel da Silva – ele próprio ex- integrante da orquestra e, na época, mestre da

Capela – criou o Conservatório Imperial de Música, nos moldes das instituições européias

semelhantes, os músicos que foram escolhidos para desempenhar funções pedagógicas

estavam majoritariamente ligados à Capela.

Paralelamente, porém, a chegada da corte em 1808 também estimulou uma nova

sociabilidade na cidade e incentivou o surgimento de atividades de entretenimento,

emprestando à música um grande impulso. Para os músicos, isso significou a existência de

novos locais de trabalho no teatro e em espaços privados, que se superpunham àqueles

tradicionais, representados pelas igrejas e irmandades. Sob esse aspecto, por força da época e

dos gostos da corte, foi a ópera sobretudo que assumiu um lugar de destaque.

No entanto, a Capela permaneceu até o final do primeiro reinado – e, depois da crise

das Regências, durante todo o segundo – o elemento estável, que servia de apoio para a

sobrevivência material dos músicos, graças ao papel da Coroa de principal empregador e

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patrocinador para as atividades musicais. Essa característica afetou a atuação profissional dos

músicos, porque os profissionais, tendo um estipêndio praticamente garantido, dedicavam-se a

trabalhos avulsos para complementá- lo, comprometendo a qualidade do trabalho, o que, por

sua vez, justificava os baixos salários que recebiam, num círculo vicioso que lembra em

muitos aspectos as mazelas que o serviço público acumulou nos anos posteriores.

Por conseguinte, a base sobre a qual se sustentava a atividade musical profissional no

Rio de Janeiro imperial era formada pela igreja, pelo ensino, pelos teatros e por atuações

avulsas. A primeira, em função do padroado, dependia de verbas do Estado, e a Capela não

era exceção. Se o ensino foi na maior parte assegurado de maneira informal ou por aulas

avulsas, com freqüência anunciadas nos jornais, a partir da criação do Conservatório, também

passou a fazer parte, ainda que marginalmente, da órbita do poder público. Nos teatros, a

produção das óperas estava a cargo de companhias nacionais ou estrangeiras, mas que

careciam igualmente de subvenções do Estado. Assim, era restrito o espaço para as atividades

plenamente privadas, limitadas a alguns concertos avulsos, em geral promovidos por

sociedades e clubes, com destaque para aqueles com virtuoses ou cantores célebres, aos saraus

dançantes ou musicais em casas de família da elite e aos negócios de instrumentos e partituras

realizado pelas casas de música. Estas, em particular, multiplicaram-se e, numa época sem

meios mecânicos de reprodução sonora, dispunham de um público suficientemente amplo

para garantir o sucesso de empresas como a de Narciso & Napoleão.

Por outro lado, embora note-se, do início ao final do século XIX, uma crescente

autonomização da música, cada vez mais liberta da função subserviente ao serviço religioso

do Antigo Regime, continuava a ser a presença da família imperial ou dos altos dignatários do

império que emprestava distinção aos espetáculos. Na realidade, de todas essas dimensões da

vida musical no Rio de Janeiro imperial, o que sobressai das fontes, embora de forma

fragmentada, tornando difícil qualquer sistematização, é o pequeno número de profissionais

atuando em todos os campos, mas tendo na Capela – e, em última análise, no Estado – o

esteio necessário para garantir a sobrevivência cotidiana. Irrigadas pelas receitas das

exportações de café, as primeiras décadas do segundo reinado assistiram, assim, a uma

atividade musical intensa, que inseriu o Rio de Janeiro nos nascentes circuitos comerciais e

internacionais da música, possibilitando a apresentação de virtuoses como Thalberg e

Gottschalk, de cantores como Rosine Stoltz e Enrico Tamberlik, de uma série de óperas sérias

e cômicas há pouco estreadas na Europa. Como resultado, no contexto romântico do período,

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em sintonia com o que se passava na literatura, surgiu um movimento de valorização da nação

e de uma música nacional, de que o principal rebento, mas de forma alguma o único, foi

Carlos Gomes.

Contudo, a crise do império, a partir da guerra do Paraguai, somada à precariedade das

iniciativas, de que é retrato a longa existência do Teatro Lírico, provisório durante mais de

vinte anos, abalaram esse movimento em direção à constituição de um campo profissional

para a música no Brasil. A Capela Imperial tornou-se o símbolo de um poder desacreditado.

Os teatros converteram-se em locais mundanos, preenchidos mais pelas operetas francesas do

que por música de caráter artístico mais refinado, em que a ampliada classe média da cidade

procurava emular os costumes europeus dos ideais civilizatórios em voga e, sobretudo, as

elites nobiliárquicas próximas do trono imperial. Nos lares, tanto quanto é possível julgar pelo

repertório que jorrava das casas de música, persistia o fascínio pelo brilho de um certo

virtuosismo antiquado e a preferência pela dança sem pretensão. Nesse ambiente, se as

atividades do Club Beethoven assumiam o papel da exceção que confirmava a regra, eram as

modinhas e lundus que indicavam, apesar de suas limitações, uma atividade musical autêntica,

feita por gosto e em sintonia com a sensibilidade dominante.

Esse hiato entre a música destinada à sala de concertos e aquela dedicada às audiências

em geral não impediu, em grande parte por ação de intermediários culturais como Ercole

Pinzarrone e Arthur Napoleão, o aparecimento de obras significativas e de acordo com os

parâmetros da época, desde as óperas de Carlos Gomes e Henrique Alves de Mesquita,

passando pelas peças características de Brasílio Itiberê, até as sinfonias de Leopoldo Miguez

(1882), de Alexandre Levy (1889) e de Alberto Nepomuceno (1893). Nem impediu que nas

margens desse circuito erudito atuassem figuras como Francisca Gonzaga e Ernesto Nazareth.

Não obstante, os trabalhos dessa nova geração de compositores nativos permaneceram

marginais em relação à atividade editorial e tampouco consolidaram-se no repertório das salas

de concerto. Ao contrário do que ocorrera em meados do século, quando a música à venda nas

lojas correspondia ao que se ouvia ao vivo, essas obras mais ambiciosas, no final do império,

faziam o papel de flores raras num jardim sem cultivo, repleto de uma produção ligeira e

acessível.

Em 1891, citando o grande número de jovens compositores que estavam produzindo

obras originais e de valor, Alfredo Fertin de Vasconcelos e Ignácio Porto Alegre, os editores

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do periódico Gazeta Musical, consideravam que “o nível intelectual de nossa classe musical

está aumentando”.1 No mesmo ano, o anônimo cronista B. R. atribuía ao sistema monárquico

a atrofia vivida pela música brasileira, profetizando um renascimento musical com o advento

da república.2 Mais uma vez, como no caso do próprio país, contava-se com o futuro para

resolver os problemas.

1 “A nossa folha”, Gazeta Musical, Anno I, nº 1 (agosto 1891), p. 2. 2 “A música no Brasil”, Gazeta Musical , Anno I, nº 7 (outubro de 1891), p. 8.

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FONTES

MANUSCRITAS

Arquivo Nacional

- Casa Real e Imperial - Capela Real e Imperial. Cx. 12, 13, 14, 15, 16; – cod. 500 – Capela Imperial – Registro de Cartas Imperiais de nomeações para a Capela Imperial ou de concessão de honras.

- Casa Real e Imperial (Mordomia) Cx. 1, 2, 3, 5, 17. S.H. - Cartas Régias. Cód. 207 (1818-1821), S.H. - Chancelaria da Corte e Império do Brasil. Cód. 134 (1822-1834). S.H. - Coleção Eclesiástica. Cx. 909, 913-948. S.H. - Coleção Graças Honoríficas ou “Ordens Militares” – Condecoração. Cx. 331 – Cópia da

Certidão de Batismo. (Cx. 331, doc, 1221). - Coleção Série Interior – Culto Público (Código A3 – Seção de Documentos Históricos)

- IJJ119 (1885-1888) – Capela Imperial – Ofícios da Inspetoria. - IJJ1110 (1884-1888) – Capela Imperial – Papéis diversos e ofícios do Bispado do Rio

de Janeiro. - IJJ1111 (1863-1865) – Capela Imperial – Ofícios dirigidos ao Ministério do Império.

Despesas e folhas de pagamento. - IJJ1129 (1870-1873) – Capela Imperial – Correspondência diversa - IJJ1159 (1866-1889) – Capela Imperial – Ministério do Império 6ª Seção – Ofícios.

- Decretos da Casa Real e Imperial – 1809-1889 s.d. - Decretos Gerais (Código 15). S.M. - Decretos Gerais - Arquivo Nacional, L.º 1 (Galeria 225) Cód. 763, SPE, IJJ 307/41 38 - Decretos gerais (1816 – 1817) - Decretos sobre Fazenda IJJ1307. (L.603) S.M. - Descripção do edifício construído para solemnidade de coroação e sagração de S.M. O

Imperador o senhor D. Pedro II. Rio de Janeiro. - Escritura de Dívida – Livro de Notas 203, fls. 71. S.J. - Família Real. Cód. 730 (1788-1798), (1801-1802) S.H. - Fazenda de Santa Cruz. Cx. 507 (1779-1839) Cx. 2, pac. 3. S.H. - Irmandades. Cx. 289, 290, 291. S.H. - Livro 1.º de Publicações do Arquivo Nacional - Livro de Avisos de D. João VI. Cx. 827 (Cartas e Minutas de d. João VI) S.M. - Livros de Avisos ao Real Erário. Cód. 34 (1808-1816) S.H. - Livros de funções da corte: 1, 2, 3, 5, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 23, 24, 25, 26, 27, 28 - Livro 1.º de Registros de leis e alvarás da Chancelaria -Mór. Cód. 48 (1808-1820) S.H. - Livros de Registros dos Decretos da Ordem de Cristo. Col. 525, L.º 2, fls. 47. S.H. - Livro de registro de decretos e avisos de despesa as Primeira Contadoria – Cód. 54 - Livro para secretaria do Conselho de Fazenda – Cód. 33, v. 1 - Livros de registros, avisos e ofícios – IJJ1154; IJJ1155; IJJ1160; IJJ1164; IJJ1165; IJJ1171 - Magistério do Reino. Cx. 639. S.H.

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350

- Mesa da Consciência e Ordens. Cx. 290, pac. 2, pacotilha 24 – Estatutos da Irmandade de Santa Cecília do Rio de Janeiro.

- Mestres da Casa Imperial. Cód. 570-573. S.H. - Ministério do Império e Capela Imperial. Cx. 12. S.H. - Ofícios ao Ministro do Reino (Cx. 1, pac. 1) S.M. - Ordens Régias. Cód. 64, v. 33-36. S.H. - Registro de escravos da Imperial Fazenda de Santa Cruz alugados a diversos e a si, que devem

seus alugueis – 1862-1868. Rio de Janeiro, cód. 1122, v. 9. - Registro de leis, alvarás e cartas (1813 – 1818) – Cód. 528, v. 2 Código 34 – (1810) - Registros de Ordenados de pessoas empregadas no Real Erário (1810) cod. 763. S.H. - Registro de escravos da Imperial Fazenda de Santa Cruz alugados e diversos a si, que devem

seus aluguéis – 1862-1868, cód. 1122, v. 9. - Requerimento de J. M. à Sta. Casa de Misericórdia. L.º 23, IJJ1, 193, p. 247 v. S.M.

Biblioteca Nacional – Divisão de Manuscritos

- Apontamentos para a notícia biográfica do membro correspondente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. Dr. José Maurício Nunes Garcia. Natural do Rio de Janeiro. (71 p.) Redigido em 1860 (22 de setembro).

- Documentos Biográficos - Documentos Históricos - Documentos referentes às terras em Ubatiba. - Escritura de renúncia ao Hábito de “Noviço” da Ordem de Cristo. - Estatutos da Academia Imperial de Bellas Artes e do Conservatório Imperial de

Música – 1-32,9,8 - Estatutos da Santa Igreja Catedral do Rio de Janeiro – 11-34,17,27 - Relatórios a D. Pedro II, datados junho 1841, do desembargador João Antônio de Miranda,

diretor de Teatro Provisório. - Requerimento a D. Pedro I e Informação de Monsenhor Fidalgo (1822) - Estatutos da Santa Igreja e Capela Real do Rio de Janeiro ref. 108619.

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

- Autógrafos das 2 últimas partituras do padre José Mauricio (1826) Arq. 2-2-10. - Carta do Dr. Nunes Garcia ao Secretário do Instituto remetendo ao autógrafo das

2 últimas partituras do seu pai. 1/12/1853. Doc. 39 – Lata 310. - Catálogo das músicas archivadas na Capella Imperial, de composição do Padre

Mestre José Maurício Nunes Garcia, organizado por ordem do Ill,mo e Rev.mo Monsenhor Inspector, pelo Archivista Joaquim José Maciel (1887) Lata 9, doc 7.

Cabido Metropolitano1

- Bulário do Bispado do RJ (Tomo I e II) - Livros 4.º (1791-1808) e 5.º (1808-1813) e 6.º de Batismos da Freguesia de S.

José

1 Na mesma rubrica incluem-se os documentos pertencentes ao Cabido Metropolitano, à Catedral Metropolitana, e à Cúria Metropolitana (C.M.), reunidos no mesmo edifício: o da Catedral Metropolitana.

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351

- Livro 2.º de Apontamentos de D. José Caetano. (Registro Geral de informações, propostas, ofícios relativos ao estado civil, e governo público do Bispado). 1812-1824.

- Livro 5.º de Matriculas de Ordinandos - Livro de Óbitos da Casa Imperial - Livro de Óbitos das Pessoas Ocupadas no Serviço do Paço (1808-1887) - Livro 2.º de Ordens Régias (1809-1862) (Abril de 1808 começa pg. 82) - Livro 3.º de Portarias e Ordens Episcopais 1779-1830 - Livro de Certidões (Batizados e Casamentos) e alguns assentamentos da Ilha do

Governador (1728-1743). - Orçamento elaborado pelo padre Eloy Vieira com vistas à criação de uma capela

real no Rio de Janeiro - Provisão de mestre-de-capela da Catedral do Rio de Janeiro ao padre João Lopes Ferreira –

22.XI.1770 - Protesto dos Ministros da Patriarcal. - O Seminário de Sopranos – Livro de Apontamentos do Bispo. - Testamento do padre José Lopes Ferreira. - Obras conservadas na Seção Musical do arquivo do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. - Catálogos das músicas archivadas na Capella Imperail (Cathedral Metropolitana da

Archidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro; em 13 de Janeiro de 1902 – Rio de Janeiro, 18 de Janeiro de 1902 – Miguel Pedro Vasco).

- Catálogo das músicas sacras pertencentes ao archivo da Capella Imperial – organisado por mandado do Exmo e Rvmo Secretário do Arcebispado: Rvmo. Sñr. Cônego Carlos Duarte Costa em janeiro de 1922.

- Recibos de pagamentos a músicos e cantores – 1853/1858, 1860 e 1861. - Folha dos músicos da Cathedral – 1894/1895.

Biblioteca Alberto Nepomuceno – Escola de Música da UFRJ

- Setor de Manuscritos - Arquivo histórico

Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio de Janeiro

- Família Real (1786-1830) - Festas do Senado da Câmara (1786-1830) - Festividades de São Sebastião (1786-1830) - Livros de Mandados de Pagamento do Senado da Câmara - Livro de “Mandados de pagamentos das obras e outras cousas” do Senado da

Câmara (1800) - Despesas do Senado da Câmara (1786, 1810, 1812, 1822) (1807-1811) (1813-

1816)

Museu Imperial de Petrópolis – Divisão de documentação histórica

- Coleção Carlos Gomes - Arquivo da Casa Imperial

PEDRO II, Dom. Diário do imperador nº 4. (s. d.), ms. _____. Diário do imperador. (1840-41), ms.

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352

_____. Diário do imperador D. Pedro II. (1860), ms. _____. Digressão a Santa Cruz – 1860. Diário nº 17, ms. _____. Diário de Viagem de 1861, ms. _____. Conselhos políticos de D. Pedro II a sua filha Isabel, 1871, ms. _____. Diários da década de 1880, ms.

Venerável Ordem Terceira de N. S.ª do Monte do Carmo

- Livro de Receita e Despesa (1756-1780) - Livro 1.º de Termos e Acórdãos (lata 84) - Livro 2.º de Termos e Acórdãos (1779-1813) Lata 85 - Livro 3.º de Termos e Acórdãos (1813-1827) Lata 86 - Livro 4.º de Termos e Acórdãos (1827... Visto até 1835) Lata 87 - Livro 3.º de Óbitos – Lata 54 - Livro de Receita e Despesas (1781-1821) Lata 63 - Livro de Receita e Despesa (1821-1839) Lata 64

Igreja da Irmandade do SS.mo Sacramento

- Livro 15 de Batizados - Livro de Casamentos (L. 5.º, p. 152; L. 6, fl. 23; e L. 1. fl. 368v)

Irmandade de São Pedro

- Livro 2.º de entrada de Irmãos (1755-1798) - Livro 3.º de Receita e Despesa (1793-1820)

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

- 16. I. 5 – Requerimento a que se referem os mandados de 16. 1. 44: festas do Senado da Câmara (1785, 90, 96, 808, 06, 09) (pose de Vice-Reis); festas do Senado (1806) (1786 – 1830)

- 16. I. 21 – Despesas e contas do Senado (1786, 1810) D. João VI (port. 1812 – 22)

- 16. I. 22 – Escritura de despesas e contas (1816) - 16. I. 23 – Despesas do Senado (1812 – 16) (Reino Unido) - 16. I. 24 – Despesas porteiro (1801 – 2) - 16. I. 25 – Despesas anuais do Senado (1807 – 1811) e 22. 1. 1812 - 16. I. 26 – Escrituras despesas – obra na nova Câmara - 16. I. 27 – Recibos e fornecimentos ao Senado (1818) - 16. I. 43 – Mandado de pagamento (1788 – 1893) - 16. I. 44 – Mandado de pagamento (1793 – 1800) Festividade de São Sebastião

(1791, 92, 93, 96, 98, 1803) - 16. I. 45 – Mandado de pagamento Senado (1802 – 04) 1800 – 01 Festividade de

São Sebastião - 16. I. 46 – Mandado de pagamento Senado (1805 – 1814) - 16. I. 36 – D. Leopoldina (enterro) (1827) - 16. I. 35 – Despesas do Senado (obras); obras em casa do Senado (1826 – 27)

Arrematações do Senado da Câmara

- 1795 – 1806 (1º volume) 39 – 3 – 51 - 1807 – 1817 (2º volume) 39 – 3 – 52

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353

- 1818 – 1820 (3º volume) 39 – 3 – 53 - Livros de mandados de pagamento do Senado da Câmara e outras cousas - Livro de receita e despesas (Venerável Ordem Terceira do Monte do Carmo) - Livro 3º de óbitos (lata 54) - Livro de receita e despesas (lata 63, 64) - Livros de termos e acórdãos (latas 84, 96, 97) o que se pôde ler.

IMPRESSAS

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ANEXOS

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Tabela 1: Mestres de Capela da Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro – 1808/1889

Nº Mestre de Capela Período Obs.: 01 José Maurício N. Garcia 1808-1830 02 Marcos Portugal 1811-1830 03 Fortunato Mazziotti 1816-1855 04 Simão Portugal 1830-1842 05 Francisco Manuel da Silva 1830-1831 / 1842-1865 06 Francisco da Luz Pinto 1855-1863 Substituto 07 Gioachino Giannini 1855-1860 Honorário até 1857 08 Dionísio Vega 1859-1860 Honorário 09 Arcangelo Fioritto 1860-1875 10 Hugo Bussmeyer 1875-1889 11 Bento F. das Mercês 1861-1887 Honorário até 1880

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Tabela 2: Organistas da Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro – 1808/1889

Nº Nome Período Obs.: 01 José Maurício N. Garcia 1808-1810 02 José do Rosário Nunes 1808-1823 03 Joaquim Felix Xavier Baxixa 1811-1812 04 Simão Portugal 1811-1830 05 Padre João Jacques 1811-1852 06 Carlos de Castro Lobo 1830-1848 07 José Benício de Castro Lobo 1848-1852 08 Thomas Remy 1853-1861 Substituto 09 Pedro Guigon Junior 1852-1857 Substituto até 1854 10 Frederico Guigon 1857-1889 Substituto até 1861 11 Miguel Ângelo Pereira 1863-1865 12 Annibal Elena 1867-1869 13 Henrique Gomes Braga 1870-1871 14 Julio José Nunes 1873-1874 15 Candido Maria Gamboa 1877-1889

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Tabela 3:

Capelães Cantores da Capela Real / Imperial

# NOME ANO DOCUMENTAÇÃO 1 Alexandre Maques 1856/1880 cx. 938 pac. 123 doc. 02 2 Antônio Crespo de Queiroz Peçanha 1863 cx. 914 pac. 03 doc. 75 e cx. 918 pac. 20 doc. 27 3 Antônio de Jesus Colares 1870/1878 cx. 915 pac. 07 doc. 32 4 Antônio de Pádua Silva 1855/1890 cx. 916 pac. doc. 12, cx. 918 pac. 21 doc. 59 e cx. XL pac. 07 doc. 29 5 Antônio de Proença Quintanilha 1842 cx. 916 pac. 11 doc.? 6 Antônio Domingos Valiengo 1856/1880 cx. 938 pac. 123 doc. 02 7 Antônio Esteves Coimbra 1844 cx. 914 pac. 04 doc. 98 8 Antônio Geronimo de Carvalho Rodrigues 1889 cx. 915 pac. 07 doc. 31 9 Antônio Gomes Xavier 1865/1868 cx. 915 pac. 06 doc. 14 e cx. 935 pac. 105 doc. 11

10 Antônio Joaquim da Conceição e Silva 1862/1872 cx. 915 pac. 07 doc. 34 e cx. XL pac. 07 doc. 25 11 Antonio Joaquim Soares 1849/1869 cx. 915 pac. 08 doc. 57 12 Antônio José da Silva Sarmento 1856/1882 cx. 915 pac. 08 doc. 63 e cx. 925 pac. 59 doc. 100 13 Antônio José de Souza 1888/1889 cx. 915 pac. 08 doc. 64 14 Antônio José Gonçalves Ferro de Castro 1848 cx. 915 pac. 07 doc. 51 15 Antônio José Muniz de Almeida 1849 cx. 933 pac. 99 doc. 134 16 Antônio Lopes de Araújo 1889 cx. 915 pac. 90 doc. 100 17 Antônio Luiz dos Santos 1865 cx. 915 pac. 88 doc. 09 18 Antonio Moraes da Fonseca 1871 col. 508 fl. 51 19 Antonio Romualdo d'Oliveira Jaques 1861/1868 cx. 916 pac. 12 doc. 44 20 Arthur Luiz Pedro de Alcantara 1875/1884 cx. 915 pac. 09 doc. 91 21 Aureliano Bernardino de Vasconcelos 1853 cx. 923 pac. 46 doc. 43 22 Bento Antônio de Almeida 1859/1877 cx. 917 pac. 15 doc. 09 23 Bento Pereiro do Rego 1858/1867 cx. 918 pac. 19 doc. 10

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24 Bernardino de Santa Eufrosina Rego Barros 1857/1862 cx. 918 pac. 20 doc. 25 25 Bernardo Lira da Silva 1845/1882 cx. 917 pac. 18 doc. 73 26 Caetano Araújo Pereira de Miranda 1858/1884 cx. 918 pac. 21 doc. 53 e 59 e cx. 919 pac. 29 doc. 110 27 Candido Miguel Pamplona de Carvalho 1861/1862 cx. 919 pac. 25 doc. 13 28 Carlos Augusto de Novais cx. 918 pac. 21 doc. 47 29 Carlos Augusto de Santa Eugênia e Silva 1876 cx. 918 pac. 21 doc. 59 e cx. XL pac. 07 doc. 28 30 Carlos Rodrigues Verissimo Cesar 1860 cx. 918 pc.21 doc. 50 e cx. 919 pac. 26 doc. 27 31 Cassiano Augusto de Oliveira Jaques 1849 cx. 918 pac. 21 doc. 45 e cx. 922 pac. 40 doc. 18 32 Cesário Fernandes da Torre 1841 cx. 918 pac. 22 doc. 65 33 Clarimundo Alves dos Santos Fortes 1856/1862 cx. 918 pac. 21 doc. 52 34 Cristiano Lomelino de Carvalho 1853/1879 cx. 919 pac. 24 doc. 05, 932 pac. 94 doc. 119, cx. 933 pac. 99 doc. 143 e cx. XL pac.

07 doc. 40 35 Damaso de Rego Barros 1862/1889 cx. 921 pac. 39 doc. 87 36 Demétrio João Vieira Falcão 1851/1860 cx. 921 pac. 37 doc. 42 e cx. 939 pac. 126 doc. 45 37 Diogo Eustáquio Cabral 1852 cx. 921 pac. 37 doc. 43 38 Domingos São Francisco de Paula 1865/1889 cx. 921 pac. 39 doc. 77 39 Eduardo Christão de Carvalho Rodrigues 1889 cx. 922 pac. 40 doc. 15 40 Eduardo Frutuoso Costa 1864/1881 cx. 922 pac. 41 doc. 03 41 Eleutério José Viegas Ferrão 1842/1844 cx. 922 pac. 41 doc. 13 e cx. 939 pac. 121 doc. 96 42 Emilio Galdi 1878/1889 cx. 922 pac. 41 doc. 6 e 7 43 Fernandes Pinheiro 1855/1858 cx. 937 pac. 115 doc. 102 44 Fernando Augusto de Melo 1858/1861 cx. 922 pac. 43 doc. 15 45 Firmino Rodrigues Silva 1851/1852 cx. 924 pac. 52 doc. 56 46 Fortunato Manoel de Matos 1852 cx. 923 pac. 49 doc. 131 47 Francisco Antônio Corsino 1859 cx. 922 pac. 43 doc. 08 48 Francisco Antonio Nunes 1854/1876 cx. 922 pac. 43 doc. 20 49 Francisco Antunes de Siqueira 1854/1867 cx. 933 pac. 99 doc. 142 50 Francisco do Coração de Jesus Quintanilha 1847/1865 cx. 923 pac. 43 doc. 05 51 Francisco Inácio de Cristo 1868/1870 cx. 923 pac. 46 doc. 55 e cx. XC pac. 07 doc. 21

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52 Francisco José de Andrade cx. 923 pac. 46 doc. 43 53 Francisco Maria Pereira da Cunha 1852/1861 cx. 923 pac. 49 doc. 132 54 Francisco Rodrigues Ramalho 1861 cx. 924 pac. 52 doc. 71 55 Guilherme Teixeira de Castro 1856/1882 cx. 925 pac. 59 doc. 100 56 Henrique de Souza Borges Accioli 1857/1858 cx. 925 pac. 58 doc. 45 e cx. 932 pac. 94 doc. 119 57 Henrique Maciel Ferreira Guimarães 1865 cx. 925 pac. 58 doc. 55 e cx. XL pac. 07 doc. 17 e 18 58 Inácio Ferreira Campelo 1856/1886 cx. 919 pac. 29 doc. 110 e cx. 925 pac. 59 doc. 100 59 Januário da Cunha Barbosa 1840/1842 cx. 929 pac. 76 doc. 03 60 Januário José d'Oliveira Rosa 1863/1889 cx. 918 pac. 20 doc. 27 e cx. 930 pac. 85 doc. 151 61 Jerônimo Maximo Rodrigues Cardim 1840/1876 cx. 931 pac. 89 doc. 24 62 João Alves Carneiro 1855/1864 cx. 928 pac. 71 doc. 18 63 João Antônio Campelo 1849 cx. 928 pac. 73 doc. 90 64 João Batista de Souza Lopes 1855/1856 cx. 928 pac. 75 doc. 160 65 João Camelo Pinto e Castro 1842/1843 cx. 929 pac. 77 doc. 26 66 João Capistrano Gomes de Araújo 1861 cx. 929 pac. 77 doc. 32 67 João da Mata Tarlé 1856/1889 cx. 925 pac. 59 doc. 100, cx. 931 pac. 88 doc. 30 e cx. 931 pac. 89 doc. 40 68 João Francisco da Silva 1847 cx. 930 pac. 81 doc. 19 69 João Joaquim Lopes de Figueiredo Brasil 1853 cx. 923 pac.46 doc. 43 70 João Joaquim Lopes de Figueiredo Santa

Rita 1853 cx. 930 pac. 85 doc. 137

71 João Jorge Bruzi 1852 cx. 923 pac. 49 doc. 131 e cx. 930 pac. 84 doc. 106 72 João Manoel Alves Ribas 1862 cx. 931 pac. 88 doc. 09 73 João Maria da Silva Ferraz 1849/1876 cx. 933 pac. 99 doc. 134 74 João Matos da Cunha 1861/1864 cx. 918 pac. 20 doc. 27 e cx. 931 pac. 88 doc. 27 75 João Máximo do Prado 1840 cx. 931 pac. 89 doc. 27 e cx. XL pac. 07 doc. 15 76 João Nunes Andrade 1856/1880 cx. 918 pac. 21 doc. 50, cx. 931 pac. 90 doc. 06, cx. 932 pac. 94 doc. 119 e cx. 938

pac. 123 doc. 02 77 João Nunes Fernandes Correca 1873/1889 cx. 919 pac. 29 doc. 110 e cx. 931 pac. 90 doc. 11 78 João Pires d'Amorim 1868/1885 cx. 932 pac. 91 doc. 07

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79 João Soares de Souza Coutinho 1846/1859 cx. 933 pac. 96 doc. 60 80 João Teixeira de Menezes 1868/1878 cx. 933 pac. 97 doc. 86 81 Joaquim Afonso Pedrozo 1840/1850 cx. 928 pac. 73 doc. 73 82 Joaquim Coutinho da Fonseca 1854/1885 cx. 929 pac. 77 doc. 46 e cx. 932 pac. 94 doc. 119 83 Joaquim da Costa Mayrink 1854 cx. XL pac. 07 doc. 14 84 Joaquim da Santíssima Trindade

Quintanilha 1848/1867 cx. 933 pac. 96 doc. 66, cx. 938 pac. 121 doc. ? e cx. 939 pac. 121 doc. 96

85 Joaquim de Jesus Lima 1869 cx. 930 pac. 85 doc. 139 86 Joaquim Gomes dede Abreu 1852 cx. 39 pac. 14 doc. 04 87 Joaquim Guedes Alcoforado cx. 930 pac. 82 doc. 41 88 Joaquim Manoel de Andrade 1860 cx. 931 pac. 38 doc. 55 89 Jorge Bernardino 1867 cx. 917 pac. 16 doc. 50 90 José Alvares Couto 1818/1844 cx. 928 pac. 71 doc. 11 91 José Bonifácio de Brito 1854/1880 cx. 928 pac. 74 doc. 116 e cx. 938 pac. 123 doc. 02 92 José Caetano de Souza França 1861/1877 cx. 929 pac. 77 doc. 59 93 José Caetano de Souza Franco 1864 cx. 918 pac. 20 doc. 27 94 José d'Almeida Lisboa 1853/1855 cx. 928 pac. 72 doc. 51 95 José de Araújo Saragoça 1851/1852 cx. 923 pac. 49 doc. 131, cx. 928 pac. 73 doc. 91 e cx. 939 pac. 125 doc. 60 96 José de Santa Teresa Brito 1857/1865 cx. 932 pac. 94 doc. 119 e cx. 933 pac. 96 doc. 68 97 José de São João Evangelista 1832/1847 falta registro 98 José Domingues Nogueira da Silva 1853/1882 cx. 928 pac. 78 doc. 80 99 José Eutychio de Freitas Gouvea 1851 cx. 929 pac. 79 doc. 99

100 José Evangelista Cezimbra 1842 cx. 929 pac. 78 doc. 95 101 José Evangelista Franco 1871/1873 cx. 929 pac. 79 doc. 101 102 José Fernandes Costa cx. 929 pac. 80 doc. 129 103 José Justiniano Silva 1858 cx. 931 pac. 86 doc. 41 104 José Luiz de Melo cx. 939 pac. 87 doc. 31 105 José Maria da Costa Rabello 1856/1877 cx. 931 pac. 88 doc. 29 106 José Maria da Costa Rebello 1856/1882 cx. 918 pac. 21 doc. 50 e cx. 925 pac. 59 doc. 100

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107 José Martins de Araújo Lima Caldas 1857 cx. 931 pac. 88 doc. 13 108 José Paulo Bom Sucesso Galhardo 1861/1862 cx. 932 pac. 91 doc. 13 109 José Rodrigues d'Oliveira Vereza Jr. 1862/1872 cx. 932 pac. 93 doc. 76 110 José Rodrigues Leite Pereira 1841 cx. 932 pac. 93 doc. 70 111 José Sebastião Moreira Maia 1858/1865 cx. 932 pac. 94 doc. 119 112 José Venerando da Graça 1879 cx. XL pac. 07 doc. 42 113 José Vitorino de Souza Azevedo 1854/1871 cx. 933 pac. 98 doc. 122 114 Justino Albano de Sá 1865 cx. 928 pac. 73 doc. 101 115 Lucas Antônio Monteiro de Barros 1854/1867 cx. 933 pac. 99 doc. 142 116 Lucio Antônio Fluminense 1840/1882 cx. 933 pac. 99 doc. 137 e cx. 935 pac. 106 doc. 65 117 Luiz Antônio da Cunha Ferreira 1849/1879 cx. 933 pac. 99 doc. 134 118 Luiz Pinto Almeida cx. 932 pac. 94 doc. 119 e cx. 934 pac. 104 doc. 13 119 Macario Cesar d'Alexandria 1847/1870 cx. 935 pac. 106 doc. 52 120 Manoel Antônio da Câmara Barreto 1865/1868 cx. 935 pac. 105 doc. 11 121 Manoel Caetano dos Reis 1853/1854 cx. 923 pac. 46 doc. 43 e cx. 935 pac. 106 doc. 54 122 Manoel Caetano dos Reis Almeida 1853 cx. 935 pac. 107 doc. 75 123 Manoel das Dores 1849/1851 cx. 935 pac. 108 doc. 81 124 Manoel Francisco de Andrade 1843 cx. 935 pac. 108 doc. 94 125 Manoel Inácio da Silva 1856/1880 cx. 925 pac. 59 doc. 100, cx. 936 pac. 110 doc. 37 e cx. 938 pac. 123 doc. 02 126 Manoel João Taumaturgo 1852 cx. 936 pac. 111 doc. 112 127 Manoel Joaquim de Azevedo Feio 1853 cx. 936 pac. 110 doc. 42 128 Manoel Joaquim de Barbosa Coutinho 1865 cx. 936 pac. 110 doc. 51 129 Manoel José Fernandes de Azevedo 1841/1848 cx. 936 pac. 110 doc. 62 130 Manoel Leite Sampaio e Melo 1860 cx. 918 pac. 21 doc. 50 e cx. 936 pac. 112 doc. 132 131 Manoel Marques de Gouvêa 1865/1877 cx. 936 pac. 112 doc. 147 132 Manoel Martins Teixeira 1842/1853 cx. 936 pac. 112 doc. 159 133 Manoel Ramos Duarte 1841/1851 cx. 937 pac. 114 doc. 29 134 Manoel Vieira da Maia Prado 1854/1867 cx. 933 pac. 99 doc. 42 e cx. 937 pac. 115 doc. 102 135 Marcelino José da Ribeira Silva Bueno 1840 cx. 936 pac. 111 doc. 91

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136 Matias Lopes Alves da Silva 1859/1872 cx. 925 pac. 59 doc. 100 e cx. 936 pac. 112 doc. 119 137 Nizardo Gil Alvares Veludo 1858/1865 cx. 932 pac. 94 doc. 119 138 Paulo José Gomes Cunha 1848/1864 cx. 938 pac. 120 doc. 71 139 Pedro Jorge Lemos Vidal 1861/1863 cx. 938 pac. 120 doc. 73 140 Pedro José da Silva 1871 cx. 938 pac. 120 doc. 80 141 Pedro Nolasco de Amorim Valadares Jr. c. 939 pac. 121 doc. 96 142 Querino Gonçalves de Araújo Recife 1858/1880 cx. 938 pac. 123 doc. 02 143 Rufino Augusto Lomelino de Carvalho 1848/1876 cx. 933 pac. 99 doc. 134 e cx. 938 pac. 123 doc. 07 144 Saturnino Teixeira dos Santos 1865 cx. 939 pac. 126 doc. 42 145 Sebastião Bento d'Oliveira cx. 923 pac. 49 doc. 131 e cx. 939 pac. 125 doc. 07 146 Silvestre Caruço 1881 cx. 939 pac. 125 doc. 08 147 Telemaco de Souza Velho 1862/1886 cx. 918 pac. 20 doc. 27, cx. 919 pac. 29 doc. 110 e cx. 940 pac. 130 doc. 56 148 Tito Pereira de Carvalho 1855/1878 cx. 928 pac. 72 doc. 32 149 Veríssimo José de Bom Sucesso 1865 cx. 939 pac. 132 doc. 92 150 Vitorio João Pino Neves 1869/1886 cx. 939 pac. 132 doc. 94 151 Zacarias da Cunha Freitas 1855/1882 cx. 919 pac. 29 doc. 110 e cx. 939 pac. 132 doc. 118

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Tabela 4:

Músicos da Capela

# NOME INSTRUMENTO OU VOZ DATAS ÓBITO 1 Alexandre José Leite Cantor 1833/1845 12/11/1845 2 Antonio Ciconi Cantor 1823 3 Carlos Marioth Cantor 1875 4 Francisco Custódio dos Santos Cantor 1836 03/10/1836 5 Francisco Joaquim de Santa Ana Matos Cantor 1842/1843 6 Francisco José Lopes Cantor 1848/1850 7 Geraldo José Ignacio Pereira Cantor 1812/1859 8 Homero da Fonseca Lima Cantor 1833 9 Joaquim José Agostinho Cantor 1833/1837 10 José Carlos de Moura Teles Cantor 1860 11 José Ferreira Cantor 1833 12 Luis Gabriel Ferreira Cantor 1814/1833 13 Luis Ignacio Cantor 1814 14 Manoel Antonio da Cruz Cantor 1857 15 Manoel Rodrigues da Silva Cantor 1833/1836 01/08/1836 16 Marcello Tani Cantor 1828/1841 17 Nicolao Magioranini Cantor 1822 18 Paschoal Tani Cantor 1828/1841 19 Paulo José de Souza Cantor 1862 20 Pe João José Rodrigues de Carvalho Cantor 1820 21 Pe. João Mendes Sabino Cantor 1833

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22 Salvador Salvatori Cantor 1833 23 Vicente Ferreira de Melo Cantor 1861 24 Antônio Dias Lopes Soprano 1859 25 Augusto César de Assis Soprano 1811/1834 26 Domingos Lauretti Soprano 1820 27 Elias Antonio da Silva Soprano 1817/1838 28 Firmino Antonio de Gouvea Soprano 1853 29 Francisco Antonio de Gouvea Soprano 1853 30 Francisco Reali Soprano 1830 31 Joaquim José de Mendanha Soprano 1837/1842 32 Joaquim José de Miranda Soprano 1834 33 José Baptista Vieira Soprano 1859 34 José da Lapa Soprano 1811 35 Padre Francisco Pamplona d'Ave Maria Soprano 1840/1851) 14/08/1851 36 Angelo Tinelli Contralto 1829 37 João Rodrigues de Araújo Contralto 1833/1850 23/06/1850 38 Joaquim José Maciel Contralto 1852/1871 39 José Ignácio de Figueiredo Contralto 1847/1859 40 Luiz Gabriel Ferreira Lemos Contralto 1840/1847 05/07/1847 41 Nivardo Gil Alvares Velludo Contralto 1847 42 Teotonio Borges Diniz Contralto 1847/1854 43 Antonio Pedro Gonçalves Tenor 1812/1852 11/04/1852 44 Augusto Robillon Tenor 1851/1853 45 Carlos Gonçalves de Mattos Tenor 1866/1882 46 Carlos Mazziotti Tenor 1810/1874 14/12/1874 47 Carlos Noury de Lavessiere Tenor 1857 48 Domenico Labocceta Tenor 1852

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49 Edmond Alexandre Mullot Tenor 1849/1851 04/06/1851 50 Fortunato Gomes de Andrade Tenor 1873/1879 51 Francisco Raymundo Corrêa Tenor 1888 52 João Astolpho Tavars Tenor 53 João Paulo Mazziotti Tenor 1812/1850 19/03/1850 54 João Teodoro Aguiar Tenor 1865/1875 55 José Maria da Silva Rodrigues Tenor 1809/1852 56 José Maria Dias Tenor 1810/1852 57 José Tentori Tenor 1849 58 Miguel Pereira de Normandia Tenor 59 Paulo Sentati Tenor 1849 60 Pedro Luiz da Cunha Filho Tenor 1866 61 Rufino José da Cunha Tenor 1859/1888 62 Salvador Fabregas Tenor 1849 63 Vicente Ayala Tenor 1842/1852 64 João dos Reis Pereira Barítono 1815/1853 02/04/1853 65 Alexandre Stinger Baixo 1888 66 Alfred Claudel Baixo 1860 67 Antonio Bruno Oliveira Baixo 1888 68 Antonio José Valluci Baixo 1816 69 Apolinário José Dias de Carvalho Baixo 1840/1844 70 Bento d'Araujo Pereira Baixo 1855 71 Carlos Alexandre Guilmette Baixo 1851 72 Delfino Luiz Pereira Cordeiro Baixo 1857 73 Domingos Machado da Silva Baixo 1888 74 Feliciano Joaquim de Magalhães Baixo 1809/1839 18/01/1846 75 Francisco José Ribeiro Baixo 1853/1873

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76 Gaetano Pozzi Baixo 1888 77 Heleodoro Maria Trindade Baixo 1855/1879 78 Henrique da Silva Oliveira Baixo 1860/1882 79 Hygino José de Araújo Baixo 1853 80 Jose Candido Leal Baixo 1851/1853 81 Manoel da Silva Santos Baixo 1881/1888 82 Pe. Lucio Antonio Fluminense Baixo 1833/1852 31/12/1852 83 João Cerrone Solista 1881/1888 84 Eugenio José Farnese Instrumentista 1812 85 Francisco da Paixão Lima e Silva Instrumentista 1847 86 José Fernandes Instrumentista 1817 87 José Jacinto Fernandes da Trindade Instrumentista 1822/1865 20/06/1865 88 Liberati Preti Marchesini Instrumentista 1850 89 Thiago Henrique Canogia Instrumentista 1860 90 Adolfo Desjardini Órgão 1849/1852 91 Carlos de Castro Lobo Órgão 1830/1849 28/02/1849 92 Carlos José do Couto Órgão 1849/1852 93 Francisco Antônio Nolte Órgão 1856/1862 94 Henrique Gomes Braga Órgão 1871 95 João Maria da Silveira Órgão 1848/1852 96 Joaquim Felix Xavier Baxixa Órgão 1811 97 José Benício de Castro Lobo Órgão 1849/1852 98 José do Espírito Santo Órgão 1813 99 José do Rosario Nunes Órgão 1820 100 Julio José Nunes Órgão 1872/1874 14/04/1874 101 Miguel Angelo Pereira Órgão 1863 102 Pe. João Jacques (organista Órgão 1833/1852 02/08/1852

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103 Pedro Guigon Júnior Órgão 104 Thomas Remy Órgão 1853/1861 29/05/1861 105 Felipe Portel Organeiro 1866 106 Giovani Tronconi Harpa 1865 107 Clavel Rabeca 1851 108 José de Aragão Hespanha Rabeca 1828 109 Alexandre Francisco Elena Violino 1860 110 André Gravenstein Violino 1859/1888 111 Antonio Alivert Violino 1888 112 Antonio de Assis Osternold Violino 1860/1873 113 Antonio Felix Costa Violino 1861 114 Antonio Maugier Violino 1844/1847 115 Augusto Lopes Oliveira Violino 1888 116 Braz Ferreira Radicati Violino 1857 117 Carlos Jaume Violino 1854 118 Demetrio Rivero Violino 1844/1853 119 Ernesto Ronchini Violino 1888 120 Francisco Carlos Bosch Violino 1837/1853 25/04/1853 121 Francisco Gomes de Carvalho Violino 1873/1882 122 Francisco Inácio Ansaldi Violino 1810/1828 123 Guilherme Lopes de Oliveira Violino 1888 124 Gustavo Faller Violino 1888 125 Heliodoro Norberto Florival Violino 1840/1844 126 Jacintho de Oliveira Simões Violino 1888 127 João Antonio da Matta Violino 1815/1844 128 João Caneppa Violino 1875 129 João Victor Ribas Violino 1842

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130 José Francisco Martins Violino 1840/1844 131 José Honório da Costa Ramos Violino 1855 132 José Joaquim dos Reis Violino 1840/1878 25/03/1878 133 José Joaquim Goyano Violino 1844/1865 134 José Martins Ferreira Violino 1840/1844 135 José Muraglia Violino 1825 136 Joze Cioco Violino 1844 137 Luigi Elena Violino 1859 138 Luiz Gravenstein Violino 1888 139 Manoel Joaquim Correia dos Santos Violino 1810/1851 13/06/1851 140 Matias José Teixeira Violino 1859 141 Nuno Alvares Pereira Violino 1825 142 Salvador Violino 1844 143 Salvador Carlo Violino 1849 144 Victor Guzman Violino 1859/1883 02/07/1883 145 Francisco de Mello Rodrigues Viola 1840/1844 146 Francisco Joaquim dos Santos Viola 1825/1828 147 João Batista Martini Viola 148 João Paulo Carneiro Pinto Viola 1881 149 José Leandro Martins Felgueiras Viola 1881 150 Padre Manoel Alves Carneiro Viola 1840/1844 151 Benno Neiderberger Violoncelo 1888 152 Casemiro Lucio de Souza Pitanga Violoncelo 1854/1865 153 Desiderio Dorisson Violoncelo 1840/1844 154 Edoardo Ribas Violoncelo 1844 155 Ferdinando Pancani Violoncelo 1888 156 Francisco Duarte Bracarense Violoncelo 1840/1874 11/02/1874

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157 Herculano José de Carvalho Violoncelo 1826/1828 158 Paul Oelklaus Violoncelo 1888 159 Policarpo de Faria Beltrão Violoncelo 1816 160 Augusto Baguet Contrabaixo 1844/1847 161 Francisco José Martins Contrabaixo 1848/1865 162 Giuseppe Tronconi Contrabaixo 1852 163 José Nicolau Martini Contrabaixo 1859 164 Julio José Constancio Moreira Contrabaixo 1854 165 Manoel Esteves Garcia Contrabaixo 1888 166 Achile de Malavasi Flauta 1853 167 Delphino Antonio da Silva Gandres Flauta 1857/1873 168 Francisco Antônio Vieira Flauta 1844/1851 169 Giovani Battista Berva Flauta 1851 170 Ignacio Fernandes Machado Flauta 1888 171 João Pereira da Silva Flauta 1848/1888 172 João Scaramelli Flauta 1853 173 Timoteo Eleuterio da Fonseca Flauta 1840/1846 174 Alexandre Alfuldisch Oboé 1888 175 Bernardo Antonio da Silva Oboé 1840/1844 176 José Hypolito Cassiano de Lacé Oboé 1850/1857 177 Manoel Pimenta Chaves Oboé 1828 178 Marcelino Lucio Azevedo Oboé 1888 179 Romualdo Pagani Oboé 1860 180 Severiano Antonio da Silva Oboé 1842 181 Severiano Joaquim de Castro Oboé 1844/1860 27/05/1860 182 Antonio Luiz de Moura Clarineta 1848/1866 183 Antonio Sant'Anna Cardoso Clarineta 1888

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184 Boaventura Fernandes do Couto Clarineta 1855/1875 185 Cesario Villela Clarineta 1888 186 Francisco José da Cunha Clarineta 1859 187 Herman Ulman Clarineta 1853 188 João Bartolomeu Klier Clarineta 1842/1844 189 João de Carvalho Clarineta 1842/1844 190 João de Carvalho Cunha e Silva Clarineta 1848 16/02/1848 191 Ruffino José Ribeiro Clarineta 1848 192 Vicente Fernandes de Mello Clarineta 1860 193 Antônio Xavier da Cruz Lima Fagote 1840/1863 194 Domingos Miguel Rodrigues Fagote 1873/1888 195 Francisco da Motta Fagote 1833/1859 196 Candido José Monteiro Trompa 1888 197 Claudio Antunes Benedito Trompa 1840/1865 03/01/1865 198 Elias Pereira de Souza Meireles Trompa 1844 199 Joaquim Manoel Trompa 1851/1853 200 José Soares Barboza Trompa 1888 201 Luiz José da Cunha Trompa 1840/1851 202 Basilio Luiz dos Santos Trompete 1857/1873 203 Bras Fernandes da Silva Trompete 1847/1848 204 Carlos Augusto Cavalier Trompete 1842/1872 22/06/1872 205 Carlos Augusto de Carvalho Trompete 1843 206 Francisco Antonio Borges de Faria Trompete 1888 207 Guilherme José da Silva Trompete 1844 208 Mariano José Nunes Trompete 1840/1861 29/12/1861 209 Norberto Amancio de Carvalho Trompete 1888 210 Alberto Barra Trombone 1888

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211 Antonio Antunes Trombone 1840/1855 212 Antonio Diogo Gomes Trombone 1842/1861 19/06/1861 213 Francisco Augusto Frimel Trombone 1825 214 José Mosman Trombone 1816/1824 1824 215 José Pereira Moreira Trombone 1881/1888 216 Manoel Francisco Tavares Trombone 1840/1860 26/11/1860 217 Antônio Alves de Mesquita Oficleide 1857/1888 218 Domingos Antônio Fernandes Oficleide 1857 219 Joze Leopoldo Polaco Oficleide 1844 220 Pedro Nolasco Batista Oficleide 1846 221 Joaquim Thomaz Cantuária Tímbales 1825 222 Carlos Martins Chaves Tímpanos 1855 223 João Antunes de Macedo Bumbo 1844 224 Fortunato Mazziotti Mestre Capela 1816/1855 03/08/1855 225 Francisco Manoel da Silva Mestre Capela 1823/1865 226 Gioachino Gianinni Mestre Capela 1855/1860 15/08/1860 227 Hugo Bussmeyer Mestre Capela 1875/1890 228 Manoel Joaquim de Macedo Mestre Capela 1879/1881 229 Marco Antonio Portugal Mestre Capela 1816 230 Francisco Joaquim de Seixas Dourado Músico Honorário 1869 231 José Antônio Machado Músico Honorário 1869 232 Lino José Nunes Cantor e Rabecão 1824/1833 233 Tertuliano de Souza Rangel Cantor e Tímbales 1825/1837 234 Frederico Guigon Órgão e Organeiro 1856/1876 235 Carlos Severiano Cavalier Darbilly Órgão e Mestre Capela 1874/1887 236 Simão Portugal Órgão e Mestre Capela 1812/1840 237 Pedro Guigon Organeiro, Soprano e Contralto 1842/1853

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238 Gabriel Fernandes da Trindade Violino e Cantor 1825/1854 09/1854 239 José Levrero Violino e Violoncelo 1882 240 Antonio Ferreira de Moraes Violino e Pratos 1844/1853 241 José Martins Vianna Violoncelo e Viola 1888 242 João Guilhermino de Amorim Soprano e Contralto 1847/1858 06/1858 243 Giovanni Francesco Fasciotti Soprano Castrado 1829/1838 244 Norberto Manoel de Normandia Clarineta e Fagote 1844/1862 245 Amaro Ferreira de Melo Trombone e Tímpanos 1840/1888 246 Francisco Manoel Chaves Tímpanos e Copista 1840/1848 247 Miguel Angelo Araújo Contralto e Órgão 1856/1862 248 Francisco da Luz Pinto Contralto e Mestre Capela 1813/1865 05/07/1865 249 Joaquim d'Araújo Cintra Contralto e Tenor 1859/1888 250 Bento Fernandes das Mercês Contralto, Tenor, Mestre Capela e

Copista 1837/1887 12/07/1887

251 João Rodrigues Cortes Tenor e Flauta 1859/1822 252 Felicianno Joaquim Tenor e Baixo 1833 253 Arcangelo Fioritto Baixo e Mestre Capela 1850/1875 254 Abel ? 1847 255 Aleixo Bosch ? 1822/1842 256 Alexandre Baret ? 1816/1840 257 Alexandre Labbe ? 1852 258 Alexandre Lutti ? 1888 259 Amaro Ferreira de Matos ? 1881/1882 260 André Gravenstein Filho ? 1864 261 André Ventura Pereira ? 1873 262 Angelo Rossi ? 1888 263 Anibal Elena ? 1866/1869

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264 Antonio Bruno da Silveira ? 1881 265 Antonio Diogo Gomes da Silva ? 1840/1861 19/06/1861 266 Antonio Felizardo Porto ? 181(/) 267 Antonio Germano ? 1847 268 Antonio Joaquim Apolinario ? 1813 269 Antonio Monge ? 1840 270 Bazilio Camillo ? 1873 271 Cadeux Szule ? 1885 272 Camillo de Souza Caldas ? 1837/1840 273 Candido Gamboa ? 1865/1876 274 Carlo Loncello ? 1888 275 Carlo Socatelli ? 1888 276 Carlos Salvador Celestino ? 1887 277 Clemente Manoel Monteiro ? 1814/1815 278 Dionisio Burgio ? 1888 279 Dionísio Pereira Machado ? 1848 280 Dionisio Vega ? 1840/1860 16/11/1860 281 Domingos Alves da Silva ? 1873 282 Domingos d'Alexandre ? 1888 283 Domingos Machado ? 1888 284 Elias Duarte Rego ? 1872 285 Elias Pereira da Silva ? 1847 286 Elizario José da Encarnação ? 1840 287 Emilio Bernardino dos Santos ? 1862 288 Emilio Dupont ? 1873 289 Epifanio José dos Reis ? 1864 290 Eugenio Elena ? 1864

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291 Felicíssimo Martins ? 1840 292 Fernando Pagani ? 1873 293 Florentino da Silva Ramalho ? 1873 294 Francisco Adriano ? 1888 295 Francisco João Costa Lima ? 1873/1878 296 Gaetano Tabellini ? 1888 297 Guilherme Martins de Oliveira ? 1873 298 Jacopo Pietro ? 1888 299 Januário da Silva Arvellos ? 1840 300 João Antonio Dias Ferreira ? 1811 301 João Baptista Pereira Martins ? 1888 302 João Hygino de Araújo ? 1888 303 João José de Campos ? 1888 304 João José Tavares ? 1873 305 João Norberto Brasil ? 1856/1871 306 Joaquim José Agostinho de Almeida ? 1811/1840 307 Joaquim Luciano de Araújo ? 1837/1840 308 Joaquim Manoel da Silva ? 1847 309 Joaquim Maria Costa Ferreira ? 1873/1876 310 Joaquim Pereira Cardotti ? 1813 311 Job Muniz Barreto ? 1888 312 Jorge Mirandola ? 1876 313 José Batista Brasileiro ? 1840 314 José d"Alvarenga Barreto ? 1888 315 José de Arimathéa Goytacaz ? 1840 316 José de Giovani ? 1840 317 José Dias da Silva ? 1888

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318 José Gonçalves Lima ? 1840 319 José Gori ? 1811/1819 03/1819 320 José Joaquim da Silva ? 1822 321 José Joaquim de Araújo Braga ? 1873 322 Joseph Nerini ? 1888 323 Leonardo da Motta ? 1816 324 Liberato Francisco da Fonseca ? 1840 325 Luigi Vento ? 1853 326 Luiz Cremona ? 1880/1884 327 Luiz Evangelista ? 1885 328 Luiz Julio Paulo de Souza ? 1873 329 Manoel Feliciano da Assumpção ? 1840 330 Manoel Joaquim ? 1848 331 Manoel Teixeira da Costa ? 1842/1850 332 Martiniano Nunes Pereira ? 1873 333 Miguel Augusto Pinto ? 1843 334 Miguel Cardoso ? 1887 335 N. Verondini ? 1888 336 Nino Paganetto ? 1888 337 Paixão ? 1847 338 Pedro Teixeira de Seixas ? 1822 339 Rafael Lino da Silva ? s/d 340 Targino Jofé ? s/d 341 Virgilio Pinto da Silveira ? 1881/1882

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# DOCUMENTAÇÃO 1 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 2 doc. 181

2 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 (8)

3 AN – Coleção Eclesiástica cx. 919 pac. 24 doc. 09

4 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

5 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 95

6 AN – Coleção Eclesiástica cx. 933 pac. 47 doc. 73

7 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 � Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 (3 e 8)

8 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4

9 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 34

10 AN – Coleção Eclesiástica cx. 929 pac. 77 doc. 41

11 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4

12 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (79) e pac. 3 doc. 4

13 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (79)

14 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1

15 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 31

16 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (22) e cx. 13 pac. 2 doc. 17

17 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 75 – Coleção Eclesiástica cx. XL pac. 10 doc. 06

18 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (22) e cx. 13 pac. 2 doc. 17

19 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 120 doc. 79

20 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 1

21 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc.4

22 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac.1 doc. 75 – Coleção Eclesiástica cx. 929 pac. 10 doc. 24

23 AN – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 131 doc. 85

24 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 5 doc. 12 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

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25 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (34), pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 09

26 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 1

27 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 34 – BN C17,22

28 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 14 pac. 1 doc. 69)

29 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3

30 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (5) e 11

31 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 66 – Coleção Eclesiástica cx. 930 pac. 85 doc. 143

32 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 09

33 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 5 doc. 12

34 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (34)

35 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 4 doc. 83

36 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (5) e 11

37 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 51 e pac. 4 doc. 76 – Coleção Eclesiástica cx. 932 pac. 93 doc. 55.

38 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 1 doc. 40 – Coleção Eclesiástica cx. 930 pac. 85 doc. 147

39 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 222 e cx. 14 pac. 6 doc. 3

40 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 215/222 – Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 101 doc. 01

41 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 222

42 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 13 pac. 3 doc. 222 e pac. 4 doc. 76 – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 129 doc. 18

43 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 3 doc. 4, cx. 13 pac. 2 doc. 190 e cx. 14 pac. 1 doc. 15 – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 (3)

44 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3, cx. 13 pac. 4 doc. 76 e cx. 14 pac. 1 doc. 11

45 AN – Coleção Eclesiástica cx. 918 pac. 22 doc. 72, cx. 935 pac. 106 doc. 65 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

46 AN, CRI, CI, cx 12 pac 2 doc 1, pac 3 doc. 4; cx 13 pac 2 doc. 190, cx 15 pac 3 doc. 34 – CE cx 923 pac 49 doc 128, cx 935 doc 106 doc 65 – BN C872,12

47 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1

48 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 1 doc. 11

49 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 190 e pac. 4 doc. 02 � Coleção Eclesiástica cx. 922 pac. 40 doc. 07

50 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 57, cx. 925 pac. 58 doc. 63 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

51 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

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398

52 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

53 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 3 doc. 3 e 4, pac. 12 e cx. 13 pac.2 doc. 190 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 128 e cx. 932 pac. 92 doc. 29

54 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 8 doc. 34 e 46 e cx. 15 pac. 6 doc. 59 – Coleção Eclesiástica cx. 933 pac. 97 doc. 75

55 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 2 doc.3 (31), cx. 13 pac. 1 doc. 34 e cx. 13 pac. 2 doc. 53 – CE cx. 931 pac. 89 doc. 35 e cx. 935 pac. 106 doc. 65 (3)

56 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 3, 4 e 11 e cx. 13 pac. 2 doc. 190 – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 (3)

57 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 239

58 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

59 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 239

60 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 doc. 83 pac. 120

61 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 5 doc. 12 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

62 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc 239 – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 126 doc. 45

63 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 e cx 14 pac. 1 doc. 24 – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 131 doc. 68

64 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (80), pac. 3 doc. 4 e cx.14 pac. 1 doc. 49 � Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 49 doc. 106 doc. 65

65 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

66 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 6

67 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

68 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 9

69 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 95 – Coleção Eclesiástica cx. 914 pac. 04 doc. 90

70 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 03

71 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 4 doc. 23 e cx. 14 pac. 1 doc. 11 – Coleção Eclesiástica cx. 918 pac. 21 doc. 46

72 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1

73 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

74 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 7 e pac. 2 doc. 51 e doc. 150

75 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 14 pac. 1 doc. 69 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

76 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

77 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 13 – Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 58 doc. 63 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

78 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 24 � Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 58 doc. 47 e 57 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

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399

79 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 14 pac. 1 doc. 40

80 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 14 pac. 1 doc. 11

81 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (23) e cx. 13 pac.1 doc. 34 – CE cx. 935 pac. 106 doc. 65 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

82 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 3 doc. 4, cx. 13 pac. 1 doc. 80 e cx. 14 pac. 1 doc. 40– Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 (3)

83 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119 Fevereiro de 1888

84 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc 4 (61)

85 AN – Coleção Eclesiástic cx. 924 pac. 51 doc. 15

86 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc 3

87 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 5 doc. 12 e pac. 8 doc. 27 – Coleção Eclesiástica cx. 930 pac. 85 doc. 125 e cx. 935 pac. 106 doc 65 – BN II-30,28,38

88 AN – Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 104 doc. 08

89 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3

90 AN – Coleção Eclesiástica cx. 928 pac. 74 doc. 123

91 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 11 (34), pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 3 doc. 277

92 AN – Coleção Eclesiástica cx. 918 pac. 24 doc. 84 e cx. 928 pac. 74 doc. 123

93 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 120 doc. 66

94 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 pac. 4 doc. 45 – Coleção Eclesiástica cx. XL, pac. 07 doc. 26

95 AN – Coleção Eclesiástica cx. 928 pac. 74 doc. 123

96 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (33) e pac. 3 doc. 3

97 AN – Coleção Eclesiástica cx. 928 pac. 74 doc. 123

98 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3; BN C59,10

99 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 14, BN C59,10

100 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 pac. 3 doc. 15 � Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 53 e cx. 930 pac. 85 doc. 150

101 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 51 e cx. 935 pac. 105 doc. 27

102 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 14 pac. 1 doc. 28 – BN C59,10

103 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 45 e cx. 938 pac. 120 doc. 66

104 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 32 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 124 doc. 49

105 AN – Coleção Eclesiástica cx. 919 pac. 24 doc. 03

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400

106 AN – Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 57 doc. 26

107 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 4 doc. 76

108 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (23)

109 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 6

110 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

111 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

112 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 6 e cx. 15 pac. 3 doc. 59

113 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 24

114 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 e pac. 3 doc. 229

115 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

116 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1

117 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 30

118 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57 e cx. 14 pac. 1 doc. 54

119 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

120 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e 43, pac. 2 doc. 47 e cx. 14 pac. 1 doc. 58 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

121 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 59, cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

122 AN – Casa Real e Imperial – cx. 1 pac. 4 doc. 73

123 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

124 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

125 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – CE cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57, cx. 923 pac. 49 doc. 121

126 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

127 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e 43 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121; BN C427,33

128 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 pac. 3 doc. 59

129 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 55 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

130 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

131 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 3 – Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 58 doc. 57

132 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 16 pac. 01 doc. 35 e cx. 931 pac. 86 doc. 11

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401

133 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108.

134 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

135 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 (13)

136 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

137 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3

138 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

139 AN – CRI – CI – cx. 1 pac. 4 doc. 73 cx. 13 pac.2 doc. 57 e pac. 4 doc. 02 – Coleção Eclesiástica cx. 933 pac. 98 doc. 93 – BN II 30,28,38 –C98,16

140 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3 – Coleção Eclesiástica cx. 936 pac. 111 doc. 113

141 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 (13)

142 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc.57

143 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 4 doc. 11 – Coleção Eclesiástica cx. 921 pac. 37 doc. 40

144 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3, cx. 15 pac. 03 doc. 59 e cx. 16 pac. 03 doc. 42

145 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc.34 e pac. 2 doc. 95

146 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (23); BN C397,24

147 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

148 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 87 doc. 30

149 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 87 doc. 30

150 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

151 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

152 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 30 � Coleção Eclesiástica cx. 919 pac. 24 doc. 03

153 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

154 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

155 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

156 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 121 e cx 15 pac. 3 doc. 09

157 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (23) BN C111,20 e C793,74.

158 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

159 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 3

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402

160 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 – Coleção Eclesiástica cx. 914 pac. 02 doc. 33

161 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 8 doc. 22 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 47 doc. 74, cx. 935 pac. 106 doc. 65 e cx. XL pac. 07 doc. 16

162 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 1 doc. 11

163 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 6 doc. 3 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

164 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 30

165 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

166 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 – Coleção Eclesiástica cx. 915 pac. 135 doc. 10

167 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1 e cx. 15 doc. 23

168 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 e cx. 14 pac. 1 doc. 26 – Coleção Eclesiástica cx. 922 pac. 44 doc.15

169 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 4 doc. 76 e cx 14 pac. 1 doc. 11

170 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

171 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 6 doc. 3 – Coleção Eclesiástica cx. 932 pac. 32 doc. 45 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

172 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e cx. 14 pac.1 doc. 69

173 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121 e cx. 939 pac. 130 doc. 23

174 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

175 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

176 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 46 e pac. 4 doc. 1 – Coleção Eclesiástica cx. 930 pac. 83 doc. 70

177 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 8 (23)

178 AN –Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

179 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 6 doc. 3 � Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108, cx.938 pac. 122 doc. 126 e cx. 938 pac. 124 doc. 38

180 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57

181 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1 e pac. 6 doc. 13 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

182 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 30 e pac. 6 doc. 3 � Coleção Eclesiástica cx. 915 pac. 09 doc. 93

183 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

184 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 46 e cx 15 pac. 2 doc. 23 e pac. 3 doc. 59

185 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

186 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 3

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403

187 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 1 doc. 78

188 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

189 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

190 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 241 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 124 doc. 27

191 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 128 doc. 27

192 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 6

193 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34, pac. 2 doc. 57 e cx. 14 pac. 7 doc. 30 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121 e cx. 916 pac. 14 doc. 99

194 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

195 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4 e cx. 14 pac. 1 doc. 75 � Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65

196 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

197 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34, pac. 2 doc. 57, pac. 3 doc 245, cx. 14 pac. 2 doc. 22 e pac. 8 doc. 14 – CE cx. 923 pac. 49 doc. 121; BN C264,15

198 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

199 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e. pac. 4 doc. 76

200 AN –Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

201 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34, pac. 2 doc 57 e pac. 4 doc. 80 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

202 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

203 AN – Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 38

204 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57 e cx. 15 pac. 2 doc. 11 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

205 AN – Coleção Eclesiástica cx. 34 pac. 05 doc. 05

206 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

207 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

208 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34, pac. 2 doc. 57 e cx.14 pac. 6 doc. 38 � Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121 e cx.15 doc. 23

209 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

210 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

211 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e cx 14 pac. 2 doc. 3

212 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 57 e cx. 14 pac. 6 doc. 33 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

213 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 5

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404

214 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 5 (4) e pac. 3 doc 3

215 AN � Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

216 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34, pac. 2 doc. 57 e cx. 14 pac. 6 doc. 21 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121

217 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 4 doc. 2 – CE cx. 914 pac. 01 doc. 16, cx. 938 pac. 122 doc. 126, cx. 935 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

218 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc 2

219 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

220 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 121 doc. 07

221 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 (9)

222 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 2 doc. 9

223 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95

224 AN, CRI, CI, cx 12 pac 3 doc 3 e 4, cx 13 pac 2 doc 95, cx 14 pac 2 doc 47, CE cx 923 pac 49 doc 121, cx XLV pac 19 doc 47, BN C59,10; C763,50; C107,31; C1075,23; C774,55

225 AN, CRI, CI, cx 12 pac 3 doc 4, CE, cx 923 pac 49 doc 121, cx 934 pac 104 doc 07, BN C728,8; C953,41; C1003,92; C417,57; C735,43; C1009,15

226 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 6 doc. 15 e cx. 15 doc. 23 – Coleção Eclesiástica cx. 39 pac. 1 doc. 7/11 – BN C26,4

227 AN – Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 58 doc. 68

228 AN – Coleção Eclesiástica cx. 39 pac. 118 doc. 18 e cx. 936 pac. 110 doc. 82

229 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 docs. 3 e 14

230 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 123 doc. 111

231 AN – Coleção Eclesiástica cx. 928 pac. 72 doc. 64

232 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 (13) e cx. 13 pac. 2 doc. 51; BN C427,20

233 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 34

234 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 4 doc. 1 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 46 doc. 53 e cx. 938 pac. 120 doc. 66

235 AN – Coleção Eclesiástica cx. 916 pac. 26 doc. 38 e cx. 917 pac. 16 doc. 58

236 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 1 (62) e pac. 3 doc. 4 � Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65 (1) – BN C59,10

237 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 e pac. 4 doc. 76 – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 120 doc. 64

238 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e 87 e cx. 14 pac. 2 doc. 21 – Coleção Eclesiástica cx. 925 pac. 56 doc. 01 – BN - C566,22

239 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 87 doc. 01 – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

240 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 2 doc. 95 e cx. 14 pac. 1 doc. 54

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241 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

242 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 222 e cx 14 pac. 2 doc. 30 e pac. 5 doc. 22

243 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 1 doc 8 (9, 11 e 23), pac. 3 doc. 4 e cx. 13 pac. 1 doc. 66

244 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 2 doc. 95, cx 14 pac. 2 doc. 38 e pac. 5 doc. 26 � Coleção Eclesiástica cx. 937 pac. 117 doc. 131

245 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 4 doc. 1 e pac. 6 doc. 3 – CE cx. 935 pac. 106 doc. 65, cx. 938 pac. 122 doc. 126 – CSI – CP IJJ119

246 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e pac. 2 doc. 47 e 57 – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 49 doc. 121 – BN C24,13.

247 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 120 doc. 66

248 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 2 doc. 1 (65), pac. 3 doc. 4 e cx. 14 pac. 8 doc. 29, CE cx. 923 pac. 48 doc. 96 e 108, cx. 935 pac. 106 doc. 65 e Col. 507 fl. 21v

249 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 5 doc. 12 – CE cx. 928 pac. 71 doc. 28, cx. 938 pac. 122 doc. 126 – CSI – CP IJJ119

250 AN – CRI – CI – cx. 13 pac. 1 doc. 43 – CE cx. 917 pac. 16 doc. 34, cx. 934 pac. 104 doc. 07, cx. 935 pac. 106 doc. 65 – CSI – CP IJJ119

251 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 6 doc. 3 – CE cx. 932 pac. 93 doc. 65, cx. 938 pac. 122 doc. 126 – CSI – CP IJJ119

252 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 4

253 AN, CRI, CI, cx 13 pac 4 doc 22, CE, cx 39 pac 01 doc 14, cx 914 pac 05 doc 105, cx 923 pac 48 doc 108, cx 934 pac 104 doc 07 e Col. 507 fl. 22 e 94 – BN I-35,6,26 e C910,13

254 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 229

255 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 – Coleção Eclesiástica cx. ? pac. 2 doc. 31– BN II- 30, 28, 38

256 AN – CRI – CI – cx. 12 pac. 3 doc. 3 e 4 – CE cx. 915 pac. 07 doc. 27 e cx. 935 pac. 07 doc. 65 e pac. 106 doc. 65 (8)

257 AN – Coleção Eclesiástica cx. 915 pac. 09 doc. 102 e cx. 923 pac. 46 doc. 59

258 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

259 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65

260 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 8 doc. 16

261 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 doc. 23

262 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

263 AN – Coleção Eclesiástica cx. 915 pac. 04 doc. 94 e cx. XL pac. 07 doc. 20

264 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65

265 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e cx. 14 pac.6 doc. 33

266 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 3

267 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 229

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406

268 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 1 (65)

269 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

270 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 doc. 23

271 AN – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 130 doc. 48

272 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e 43

273 AN – Coleção Eclesiástica cx. 919 pac. 25 doc. 15

274 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

275 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

276 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

277 BN C452,19

278 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

279 AN – Coleção Eclesiástica cx. 921 pac. 38 doc. 58 e cx.. 939 pac. 125 doc. 02

280 AN – CRI – CI – cx. 14 pac. 6 doc. 19 – Coleção Eclesiástica cx. 921 pac. 39 doc. 69, cx. 923 pac. 48 doc. 108 e cx. 935 pac. 106 doc. 65(3)

281 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

282 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

283 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

284 AN – Coleção Eclesiástica cx. 922 pac. 41 doc. 01

285 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 229

286 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

287 AN – Coleção Eclesiástica cx. 922 pac. 40 doc. 13

288 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 doc. 23

289 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 8 doc. 16

290 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 14 pac. 8 doc. 16

291 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

292 AN – Coleção Eclesiástica cax. 938 pac. 122 doc. 126

293 AN – Coleção Eclesiástica cx. 924 pac. 52 doc. 83

294 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

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407

295 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 47 doc. 91 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

296 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

297 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 15 doc. 23

298 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

299 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

300 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc 3 (34)

301 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

302 AN –Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

303 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

304 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

305 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 90 doc. 07

306 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 3 (29) e pac. 3 doc. 4 – Coleção Eclesiástica cx. 930 pac. 84 doc. 94

307 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34 e 43

308 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 229

309 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 88 doc. 32 e cx. 938 pac. 122 doc. 126

310 BN C59, 10

311 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

312 AN � Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 88 doc. 04

313 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

314 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

315 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

316 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

317 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

318 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

319 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 2 doc. 1 e 3 (26) – BN C872,12

320 BN II-30,28,38

321 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

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322 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

323 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 12 pac. 3 doc. 3

324 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

325 AN – Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 104 doc.101 – BN - C566,22

326 AN – Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 100 doc. 17

327 AN – Coleção Eclesiástica cx. 934 pac. 100 doc. 19

328 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc.

329 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 1 doc. 34

330 AN – Coleção Eclesiástica cx. 931 pac. 88 doc. 02

331 AN – Coleção Eclesiástica cx. 937 pac. 115 doc. 88

332 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 122 doc. 126

333 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 105 doc. 25

334 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 50

335 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

336 AN – Coleção Série Interior – Culto Público IJJ119

337 AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial – cx. 13 pac. 3 doc. 229

338 BN II-30,28,38

339 AN – Coleção Eclesiástica cx. 938 pac. 124 doc. 29

340 AN – Coleção Eclesiástica cx. 939 pac. 130 doc. 31

341 AN – Coleção Eclesiástica cx. 935 pac. 106 doc. 65

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RÉCITAS POR ANO (1844-1865)

020406080

100120140

741844

751848

171852

1021856

311860

441864

ANO

Nº Seqüência1

Linear (Seqüência1)