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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL CARLA SIMONE BITELLO A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE: O PAPEL DOS EDUCADORES São Leopoldo 2010

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Este trabalho apresenta, de forma resumida, a história da infância e da educação infantil no Brasil. A seguir, aborda a temática qualidade de vida, considerando diferentes indicadores sociais. Na sequência, o texto traz uma breve reflexão sobre o estilo de vida das crianças na sociedade pós-moderna. Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto e, através de revisão bibliográfica, são identificadas algumas prioridades para uma educação humanizadora e que contribua na promoção da qualidade de vida e bem-estar social. As considerações finais referem-se às questões abordadas relativas à qualidade de vida no período da infância na atual conjuntura.

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Page 1: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

CARLA SIMONE BITELLO

A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:

O PAPEL DOS EDUCADORES

São Leopoldo

2010

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CARLA SIMONE BITELLO

A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:

O PAPEL DOS EDUCADORES

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Orientadora: Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli

São Leopoldo

2010

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A todas as crianças, dedico este trabalho. Por elas iniciei este curso de especialização, onde aprendi muitas coisas. Que esses novos aprendizados possam contribuir proporcionando mais qualidade às nossas vidas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo privilégio de realizar esse Curso de Especialização em Educação Infantil e por me capacitar a realizar um trabalho como este;

ao meu marido e incentivador, Luciano Bitello, pelo companheirismo e compreensão, convivendo nesses últimos meses com a minha presença/ausência;

a minha filha Nicole, meu presente divino e principal inspiração para estudar o desenvolvimento infantil;

aos meus irmãos em Cristo pelas orações;

a todos os meus professores e mestres, em especial, minha orientadora a Prof. Ms. Janaína Fontoura Caobelli, pela liberdade que me deu de expressar meus pensamentos, respeitando meu tempo no processo de aprendizagem;

a Unisinos que me proporcionou um aprendizado numa dimensão humanista-cristã, desde a graduação, no curso de Educação Física.

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RESUMO

Este trabalho apresenta, de forma resumida, a história da infância e da educação infantil no Brasil. A seguir, aborda a temática qualidade de vida, considerando diferentes indicadores sociais. Na sequência, o texto traz uma breve reflexão sobre o estilo de vida das crianças na sociedade pós-moderna. Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto e, através de revisão bibliográfica, são identificadas algumas prioridades para uma educação humanizadora e que contribua na promoção da qualidade de vida e bem-estar social. As considerações finais referem-se às questões abordadas relativas à qualidade de vida no período da infância na atual conjuntura.

Palavras – chave:

Infância – Sociedade Pós-Moderna – Qualidade de Vida – Educadores

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ABSTRACT

This paper presents, in a condensed format, the history of early childhood and early childhood education in Brazil. Next, it broaches the theme of quality of life, taking into consideration different social indicators. Following, the text brings a brief reflection on the post-modern society life-style of the children. In continuity, the role of the educators in this context is focused on and, by way of a biographical revision, some priorities are identified for a humanized education that will contribute towards the quality of life and well-being of society. The final considerations refer to the broached themes relative to the quality of life during the period of early childhood in current conjuncture.

Key – words:

Early childhood – Post-Modern Society – Quality of Life – Educators.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07

1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA ................................................................................. 09

1.1 Contextualização do Processo Histórico da Educação Infantil no Brasil ........ 10

2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA..... 16

2.1 Qualidade de Vida .......................................................................................... 16

2.1.1Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida .......................................... 17

2.1.2 Saúde e Estilo de Vida .......................................................................... 26

3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA............................................................................ 29

3.1 O Papel do Estado ......................................................................................... 30

3.2 O Papel da Família......................................................................................... 31

3.3 O Papel da Escola.......................................................................................... 36

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 48

OBRAS CONSULTADAS .................................................................................... 52

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INTRODUÇÃO

O entusiasmo naquilo que se faz é ponto de partida para a concretização de

projetos em todos os segmentos da sociedade. A partir deste pressuposto iniciei

esta monografia para o Curso de Especialização em Educação Infantil.

A participação nas aulas, seminários, encontros, debates e, através da leitura de

livros, ao longo deste curso de pós-graduação, levaram-me a refletir e questionar a

qualidade de vida na infância atualmente. Da mesma forma, quando compartilhava

com as pessoas que estava realizando tal curso, geralmente ouvia nostálgicas

respostas em relação à infância, recordações quanto aos tipos de brincadeiras e

espaços onde as praticavam, a questão da segurança, o relacionamento e a postura

das crianças diante de pais e professores, sempre afirmando que, há anos atrás, as

crianças viviam melhor. A partir dessas conversas, constatei a necessidade de

buscar na história da infância algumas respostas: o período da infância era, de fato,

melhor antigamente? Como era a qualidade de vida das crianças? É pior nos dias

atuais?

Dessa forma, inicio com uma breve revisão bibliográfica da história da infância,

utilizando, principalmente, as informações trazidas por Ariès, autor diversas vezes

mencionado durante este curso de especialização. Seguindo com uma explanação

do processo histórico da educação infantil no Brasil, através dos estudos de Del

Priori, Rosemberg, entre outros. A partir da análise conjuntural abordo a temática

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Qualidade de Vida, considerando diferentes indicadores sociais, sugeridos por

Tubino, autor de grande contribuição na área da Educação Física, onde tenho

minha formação inicial, refletindo sobre o estilo de vida e sua influência na saúde e

bem-estar das crianças atualmente.

Em continuidade é enfocado o papel dos educadores neste contexto,

considerando educadores todos aqueles que além da família contribuem no

complexo e dialético processo de desenvolvimento humano, sabendo da

importância da infância, período este, crucial na formação de indivíduos

afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e socialmente

integrados para uma sociedade saudável.

A metodologia utilizada é na perspectiva sociocrítica, nesse paradigma segundo

Bravo & Eisman (1998) a finalidade da ciência é contribuir para a transformação da

realidade enquanto que a investigação é o meio que possibilita aos indivíduos

analisar essa mesma realidade através da reflexão (teórico-prática), elemento

fundamental para a produção da cultura científica. Essa investigação constrói-se a

partir das necessidades naturais da espécie humana e depende das condições

históricas e sociais. Analisando todos os fenômenos do ponto de vista teórico e

prático, forma a teoria e prática um todo inseparável.

A união da análise da realidade, juntamente, com a revisão bibliográfica,

baseada nos autores estudados durante o curso, como a educadora Reichert, o

psiquiatra Cury, o filósofo Santin, o pedagogo Redin foram decisivos na elucidação

do tema.

Sem a pretensão de esgotar o estudo sobre este assunto, este trabalho constitui

um esforço inicial de reflexão sobre as questões apresentadas que estão

diretamente relacionadas à qualidade de vida e bem-estar social nos primeiros anos

de vida do ser humano na atual conjuntura. A execução do mesmo se constitui em

desafio que não se encerra na conclusão deste.

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1 HISTÓRIA DA INFÂNCIA

Marconi e Presotto afirmam que “para compreender a cultura humana deve-se

conhecer as fazes pelas quais a humanidade se transformou” (1985, p.87). A partir

desta premissa, das informações fornecidas pela sociologia e história da infância,

entende-se que as nossas ações não dependem apenas de um esforço pessoal,

mas estão fortemente relacionadas à sociedade como um todo, ou seja, as nossas

ações são condicionadas por aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais de

nosso tempo.

Conforme Ariès (1978), somente entre os séculos XIII e XVII que a criança

aparece como categoria social. De acordo com este autor, não por falta de afeição,

mas provavelmente, não houvesse lugar para a infância. Ou seja, não existia um

sentimento de infância, que corresponde à consciência da particularidade infantil e

distingue a criança do adulto. Por isso, criança ingressava na sociedade dos adultos

e não se distinguia mais destes, assim que conseguia viver sem a constante

dependência da mãe ou de sua ama.

Na Idade Média, a terra era a principal riqueza e a sociedade estava dividida

entre os donos da terra (senhores feudais) e os que viviam e trabalhavam na terra

(os servos). Nesse período, como o lugar de trabalho era o mesmo de moradia, não

havia uma preocupação com a guarda das crianças. Todos, os mais velhos, adultos

e crianças maiores, participavam dessa tarefa.

Quando a sociedade deixa de ser feudalista e passa a ser capitalista, o que se

torna valorizado é o capital, que compra tudo, inclusive a terra, as ferramentas e a

força de trabalho. A sociedade então fica dividida entre os donos do capital e dos

instrumentos de trabalho (os burgueses) e os donos da força de trabalho (os

assalariados). Nessa organização social, o lugar de trabalho é separado do lugar de

moradia e o lugar da criança modificado nas relações com os adultos.

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Com a Revolução Industrial e o aumento da demanda de trabalhadores, o setor

feminino foi absorvido de forma mais significativa, somadas às questões levantadas

pelo movimento feminista, como a conquista de uma nova identidade e de igualdade

de direitos perante os homens, ampliando para além da maternidade e das tarefas

domésticas as funções da mulher na sociedade.

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e conseqüente afastamento

de casa, o cuidado das crianças passa a ser feito por terceiros, uma vez que a

possibilidade de auxílio dos familiares e vizinhos se reduz nos centros urbanos,

embora isso ainda seja visto nas periferias.

Desta forma, percebemos através dos estudos sobre o modo como as

sociedades se organizavam e produziam que o cuidado e a educação da criança

pequena era uma responsabilidade de toda a comunidade (e em alguns grupos

ainda é, como no caso dos indígenas, ciganos, MST- Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra), que atuavam complementando a ação dos pais. Contudo, diante

de todas essas modificações socioeconômicas, tornou-se comum pelo menos no

mundo Ocidental essa prática chamada por Reichert (2008) de educação

terceirizada. Na sequência, será feito uma breve revisão da história da educação

infantil no Brasil.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO

INFANTIL NO BRASIL

As primeiras instituições de atendimento à infância, no Brasil, se concentraram

no amparo aos órfãos e abandonados. Foram as chamadas “Casa dos Expostos”,

ou, como era popularmente conhecida, “Rodas dos Expostos”. Administradas pelas

Santas Casas, para receber crianças abandonadas, procurando diminuir a

mortalidade infantil por abandono. A primeira Roda, criada no Brasil, foi em

Salvador, na Bahia, no ano de 1726. A segunda foi em 1738, no Rio de Janeiro, que

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funcionou até 1935; a terceira, em Recife no ano de 1789. Em São Paulo, a Roda

existiu de 1835 a 1948. (DEL PRIORI, 1996)

O sistema a Roda dos Expostos foi inventado na Europa medieval e servia para

garantir o anonimato do expositor e estimulá-lo a levar o bebê que não desejava

para a roda ao invés de abandoná-lo nos bosques, lixos, portas de casas de famílias

ou igrejas. No Brasil, esse tipo de instituição existiu até 1950, quando foi fechada a

última Roda dos Expostos.

A Casa dos Expostos introduziu, ainda no Brasil Colônia, uma concepção de atendimento que procurava conciliar a educação com o trabalho. [...] desde cedo, essas crianças eram treinadas para diferentes ofícios, através do trabalho em oficinas cujas produções eram destinadas a subsidiar o atendimento prestado pela Santa Casa da Misericórdia, além de ajudar a manter as necessidades da própria Casa. (VASCONCELLOS, 2005, p. 80)

Nesse tipo de atendimento a criança perdia seu vínculo com a família de origem,

passando a morar na instituição até a maioridade, ou então, quando outra família a

escolhia para adoção. Muitas vezes, essa adoção não tinha um caráter afetivo, isto

é, a criança não se tornava filha da nova família, mas sim, uma criada para servir.

A Educação Infantil no Brasil, baseada no estilo europeu, tem origem em dois

modelos institucionais, com funções diferentes. Distinguindo-se dois tipos: a creche,

inicialmente ligada à preocupação de guarda de crianças pobres, filhas de mulheres

que trabalhavam fora e o jardim de infância ou pré-escola, vinculado ao sistema de

ensino, marcado por preocupações com aspectos educacionais, atendendo crianças

de classe média e alta. (SUSIN, 2009)

Araújo (2004) esclarece que a creche no Brasil surge, entre o final do século XIX

e os primeiros anos do século XX, a partir da iniciativa de empresas, com o intuito

de atender aos filhos de seus funcionários. Nesse período, quando surgem as

primeiras fábricas é também o início da atividade de trabalhadoras domésticas em

substituição aos trabalhadores escravos, com o término da escravatura. Desta

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maneira, são criadas creches empresariais (ligadas a fábricas) e filantrópicas, para

atender as crianças filhas de operários e trabalhadoras domésticas. Esse

atendimento não era visto como um direito da população, mas uma boa ação da

elite (grupos religiosos, médicos-higienistas e jurídico-policiais) preocupada em

controlar os trabalhadores e evitar a “desordem social”. A pré-escola data do final do

século XIX. A primeira a ser criada é iniciativa de uma escola particular paulista, em

1875. Em 1896, é fundado o primeiro Jardim de Infância da rede pública, também

em São Paulo. Nos anos 20 e 30, com o Movimento Escolanovista e as Reformas

Educacionais, temos a disseminação de Jardins de Infância por vários estados

brasileiros.

No campo de política nacional para a infância, somente em 1930 será criado o

Departamento Nacional da Criança – DNCr responsável por centralizar o

atendimento à infância no país e subordinado ao Ministério da Educação e Saúde

Pública. A primeira lei nacional a prever a necessidade de atendimento a crianças

pequenas é a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-lei n. 5.452 de 1º

de maio de 1943, que determinava para os estabelecimentos onde trabalhassem

pelo menos 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, ter local apropriado onde

fosse permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os filhos no

período de amamentação (artigo 389, parágrafo primeiro). Entretanto não havia

mecanismos de controle e fiscalização para garantir esse direito. Outro fator

agravante era de que o direito era das mulheres trabalhadoras e não das crianças,

provocando flutuação na oferta do serviço por este estar vinculado à inserção da

mão-de-obra feminina na atividade econômica. Apenas garantia o direito ao

aleitamento materno para o bebê, filho de mãe trabalhadora, empregada em

empresa dentro dessas condições, não havendo menção ao atendimento às

crianças na faixa etária após o período de amamentação e anterior à idade escolar.

Somente nos anos 70 é que vão ocorrer maiores transformações nos grandes

centros urbanos, a luta por creche vai ganhar força, sendo também, a fase de

respostas mais efetivas por parte do Estado. Contudo, as ações governamentais

eram feitas com mínimos investimentos, utilizando espaços precários e pessoal

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desqualificado, atendendo inadequadamente a um número de crianças bem inferior

a totalidade existente. De acordo com Kramer (1987), no ano de 1974, é criado o

Projeto Casulo pela extinta Legião Brasileira de Assistência – LBA, sendo o primeiro

programa brasileiro de Educação Infantil de massa. O Projeto Casulo se fez

utilizando a mão-de-obra, muitas vezes voluntária, e espaços da comunidade. A

escolha do pessoal não foi feita segundo critérios de qualificação profissional, mas

aproveitando a população local, oferecendo baixa ou nenhuma remuneração.

Rosemberg (1985) informa que, através da iniciativa da ONU (Organização da

Nações Unidas), o ano de 1975 foi decretado o Ano Internacional da Mulher, onde

foi criado, em São Paulo, o “Movimento de Luta por Creches”, em 1979, numa

resolução tomada no Primeiro Congresso da Mulher Paulista. Já no Rio de Janeiro,

é criado, pelo Centro da Mulher Brasileira, o “Grupo Creche”, e se realizou o

“Primeiro Encontro de Creches”. O movimento por creche, na década de 70, se

consolida nas grandes cidades do país, tendo expressão no Rio de Janeiro, São

Paulo, Belo Horizonte e Recife. A creche torna-se uma necessidade, principalmente,

para segmentos da população de baixa renda e aparece como ponto comum de

reivindicação de várias associações junto às autoridades públicas. Há assim, um

esforço de mobilização e organização da população em algumas entidades e

associações de bairro para pressionar o Estado a criar alternativas para prestar tal

serviço.

O movimento por creche deixa de ser somente vinculado ao trabalho feminino e

torna uma reivindicação de Educação Infantil, isto é, passa a fazer parte das

reivindicações de sindicatos de trabalhadores e associações de moradores por

atendimento a crianças na faixa etária de 0 à 6 anos em equipamentos

educacionais. A exigência por definição de políticas públicas, que considere essas

crianças como sujeitos que se educam desde a mais tenra idade, vai constar nos

discursos de mobilização especialmente das entidades de bairro. A proposta de

uma política educacional para crianças pequenas se estrutura, somando a este

movimento alguns segmentos que trabalham em creches e pesquisadores voltados

para questões sobre a criança nesta faixa etária, trazendo a discussão sobre a

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importância de um trabalho educativo também para as crianças em idade anterior a

obrigatoriedade escolar.

Os anos 80 são, marcadamente, os anos de construção de uma política nacional

de Educação Infantil, culminando na conquista do direito à educação em creches e

pré-escolas para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, a partir da Constituição

Federal promulgada em 1988, onde os termos do artigo constitucional n. 208, que

diz que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...) IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de

idade” (BRASIL,1988), caracteriza a creche como um equipamento,

primordialmente, educacional. Na década de 80, há criação e expansão de algumas

redes de educação infantil – públicas, privadas e comunitárias. Nessa expansão

permanece a divisão entre pré-escola e creche, a primeira ligada a Educação, a

segunda, ao Bem-estar e a Saúde.

Na década de 90, observou-se um aumento das conquistas no plano das

políticas educacionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n. 8069 de 1990,

vem reafirmar o direito das crianças à creche e a pré-escola. Além de tratar de

questões que dizem respeito aos direitos das crianças relacionados à ação das

instituições educacionais e de atendimento à infância. Nesta década ainda, tivemos

a Conferência Mundial de Educação para Todos, na qual se reafirmou a

contribuição da Educação Infantil no processo educacional dos povos, destacando

em particular, como esse segmento educacional participa como fator que contribui

para o fim do analfabetismo.

Em 1996, é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional –

LDB (lei n. 9394/96), quando então se define que a creche e a pré-escola fazem

parte do segmento da Educação Infantil. Define a Educação Infantil como a primeira

etapa da Educação Básica, portanto, estando vinculada ao sistema de ensino,

deixando de ser considerada assistência social. Passa também a exigir a formação

docente, em nível médio ou superior. Ao incluir a Educação Infantil na Educação

Básica a LDB estabelece duas modalidades, segundo a faixa etária – creches (para

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crianças entre zero e três anos) e pré-escola (para crianças entre 4 e 6 anos) - , e

determina que ambas estejam sob responsabilidade dos municípios.

No ano de 1998, o Conselho Nacional de Educação formula as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabelecendo os princípios

norteadores para os currículos a serem criados pelos sistemas de ensino e seus

estabelecimentos. Em 2001, foi realizado o primeiro Censo Escolar de Educação

Infantil.

Para melhorar a qualidade da Educação Infantil, a Câmara de Educação Básica

do Conselho Nacional de Educação passa a exigir fiscalização periódica desses

estabelecimentos, por parte dos municípios. Entre as exigências, além da

obrigatoriedade de diploma de nível médio para os professores, para outros

profissionais como cozinheiro, porteiro e faxineiro, pelo menos o ensino fundamental

completo.

Realizado em 2001, o primeiro Censo Escolar de Educação Infantil, que incluiu

também as escolas clandestinas (que funcionam sem autorização oficial e como não

há fiscalização nesses locais, na maioria deles, as crianças são atendidas por

leigos), apontou que grande parte dos municípios brasileiros mantém escolas de

Educação Infantil. De acordo com o Censo Escolar, realizado pelo Inep (Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do total de escolas,

apenas 14% ofereciam oficinas de arte e 17% possuíam sala de música. Quanto às

creches, 9% tinham enfermaria à disposição dos alunos, 24% possuíam fraldário e

15% lactário. Com uma média de 19 alunos por turma para creches e 21,3 para pré-

escola. Sendo mais de dez mil escolas infantis filantrópicas ou comunitárias.

Para o próximo capítulo, serão analisados diversos indicadores coletivos que

têm relevante influência no estilo e na qualidade de vida da infância, no atual

contexto.

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2 ANÁLISE CONJUNTURAL E INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA

No amanhecer do terceiro milênio, a realidade social demonstra que os seres

humanos ainda vivem sob o signo da mais profunda desigualdade, que não só

separa países em desenvolvidos e subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas

que divide e segrega os habitantes de um mesmo país ou de determinada

comunidade.

A proposta de conquista do bem-estar para todos – com as pessoas tendo

direito a uma existência longa e saudável e a uma qualidade de vida compatível

com as aquisições científicas e tecnológicas da humanidade – continua sendo uma

utopia. Haja vista que, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (Pnud), dos 4,6 bilhões de indivíduos dos países em

desenvolvimento: 2,4 bilhões vivem sem saneamento básico; 1,5 bilhão vivem sem

eletricidade; 968 milhões não têm acesso a fontes de água tratada; 796 milhões são

analfabetos; 60 milhões são crianças que não frequentam escola primária. Mesmo

nos países desenvolvidos existem oito milhões de subnutridos. Inconformada, com

essa realidade social, concordo com Minà quando diz “concentrar riqueza nas mãos

de poucos ou permitir que não mais de 350 pessoas possuam 48% dos recursos do

planeta [...] e defender estes privilégios [...] é simplesmente imoral.” (MINÀ, 2003,

p.21)

2.1 QUALIDADE DE VIDA

O termo Qualidade de Vida tem sido amplamente discutido entre diversos grupos

interdisciplinares, entre eles sociólogos, antropólogos, educadores, profissionais da

área da saúde, entretanto não se tem um entendimento claro, nem uma definição

precisa do termo.

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Tubino (2002) lembra-nos da frase do pensador espanhol que disse: “Eu sou eu

e as minhas circunstâncias” (GASSET apud Tubino, 2002, p.263), constatando que

a premissa fundamental da interpretação de qualidade de vida é “a harmonia do eu

com as suas circunstâncias” (TUBINO, 2002, p.263), deixando implícito que as

circunstâncias individuais estarão sempre inter-relacionadas com as circunstâncias

coletivas que as envolvem. Assim, este autor faz uma relação de fatores coletivos e

individuais interligados da qualidade de vida.

Seguindo os passos de Tubino (2002) que, para melhor explanação do tema,

operacionalizou o termo qualidade de vida, faço uma breve contextualização dos

fatores interligados da qualidade de vida individual que, segundo o autor, são: os

indicadores coletivos da qualidade de vida, a saúde e o estilo de vida. Conforme

Tubino, esses fatores interagem entre si e, de forma alguma, devem ser

consideradas de maneira isolada.

2.1.1 Indicadores Coletivos de Qualidade de Vida

De acordo com Tubino (2002), para tratarmos dos indicadores coletivos de

qualidade de vida, devemos consultar índices consensualmente aceitos, como: os

indicadores mundiais de qualidade de vida, o índice de desenvolvimento humano

(IDH), o índice de pobreza humana, o índice de qualidade de vida, os vários índices

socioeconômicos, o acesso a serviços e bens, os indicadores coletivos de

educação, os indicadores de violência. Dedicarei maior atenção aos indicadores

que, a meu ver, são de maior relevância no que diz respeito à infância, que é o

objetivo deste trabalho.

2.1.1.1 Os Indicadores Mundiais de Qualidade de Vida

Conforme Tubino (2002) os indicadores mundiais de qualidade de vida são,

essencialmente, coletivos e estabelecidos pelos grandes organismos internacionais

ligados à ONU (Organização das Nações Unidas), sendo os mais conhecidos: o de

desnutrição em crianças, mortalidade infantil, expectativa de vida e alfabetização de

adultos. A seguir, serão analisados alguns destes indicadores:

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a)Desnutrição em crianças

A falta de acesso a uma alimentação equilibrada torna a criança suscetível a

doenças e aumenta, em duas vezes, o risco de mortalidade na infância. Em geral, a

desnutrição infantil é conseqüência da desnutrição da mãe, da amamentação

deficiente e da pobreza.

Segundo os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas para a

Agricultura e Alimentação (FAO), atualmente, cerca de 200 milhões de crianças

sofrem de deficiência alimentar e este número pode afetar 1 bilhão de crianças em

todo o mundo, dentro de 20 anos, caso nenhuma séria campanha para melhoria da

alimentação seja iniciada brevemente. Também informa que a Comissão sobre os

Desafios da Nutrição para o século XXI afirma sobre a importância de diversificação

de culturas e a divulgação do consumo de cereais, frutas e verduras. Outro dado

relevante é que, a cada ano, 500 mil crianças tornam-se parcial ou totalmente cegas

por causa de deficiência de vitamina A, causada pela fome. Esta aumenta ainda a

incidência de doenças na infância (sarampo, diarréia, transtornos respiratórios), a

taxa de mortalidade em decorrência dessas doenças e o retardo no crescimento e

no desenvolvimento.

Quanto à desnutrição materna, o Fundo das Nações Unidas (UNICEF) afirma

que um quarto das crianças, nos países em desenvolvimento, tem o crescimento

retardado ainda durante a gestação, por causa da subnutrição das mães. Em países

desenvolvidos, a má nutrição precoce, seguida de ganho de peso, pode levar à

obesidade, causa de doenças como a diabete.

As profundas desigualdades do nosso país carregam problemas do Primeiro

Mundo, como o crescimento do número de obesos, sem ter resolvido os causados

pelo subdesenvolvimento. No Brasil, os dados do Ministério da Saúde mostram que

a desnutrição infantil reduziu de 13,5% (1996) para 6,8% (2006). Mesmo assim, o

índice está longe do ideal, sendo as principais carências alimentares a falta de ferro

(50% das crianças) e vitamina A (30%).

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Para combater o problema, o Governo Federal lançou, em 2001, o Programa

Bolsa Alimentação. A meta era diminuir, até 2003, as carências nutricionais de 800

mil gestantes e mães que estejam amamentando, além das carências de 2,7

milhões de crianças até seis anos que pertencessem a famílias com renda mensal

inferior a meio salário mínimo per capita. O valor da bolsa era entre 15 e 45 reais

por família. Cerca de 50% das crianças e 43,6% das mulheres, atendidas pelo

Bolsa-Alimentação, residem na região nordeste do Brasil. Em 2003, o Governo

Federal lançou o Programa Fome Zero que é composto por um conjunto de ações

que estão sendo implementados gradativamente. O objetivo é promover medidas

para garantir segurança alimentar e nutricional a todos os brasileiros.

Vamos criar as condições para que todas as pessoas no nosso país possam comer decentemente três vezes ao dia, todos os dias, sem precisar de doações de ninguém. O Brasil não pode mais continuar convivendo com tanta desigualdade. Precisamos vencer a fome, a miséria e a exclusão social. Nossa guerra não é para matar ninguém, é para salvar vidas. Luiz Inácio Lula da Silva

Acredito que estas são medidas muito importantes, juntamente com tantas

outras iniciativas, governamentais ou não, de acabar com a fome e a miséria,

entretanto, é importante ressaltar o que canta a banda nacional Titãs “... a gente não

quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

b)Mortalidade Infantil:

Essa taxa indica o número de crianças que morrem antes de completar um ano a

cada mil nascidas vivas. Elevadas taxas, nesse segmento, refletem não só as

condições socioeconômicas e de saúde da mãe, bem como a inadequada

assistência pré-natal, ao parto e ao recém nascido. A taxa de mortalidade infantil é

um dos mais significativos indicadores para atestar a qualidade de vida de um povo,

pois os principais fatores para a sua redução são a expansão do saneamento

básico, o acompanhamento médico da mulher desde o início da gestação, o

atendimento hospitalar ao recém-nascido, uma boa alimentação para o bebê e a

melhoria da educação materna, cujo resultado é uma melhor qualidade nos

cuidados dispensados à criança.

Page 21: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

20

No Brasil, os dados divulgados em 2008 pelo IBGE, indicam declínio da taxa de

mortalidade infantil. Passou de 33,5 crianças mortas por mil nascidas vivas para

23,3 entre 1998 e 2008. O estado que revelou menor índice (13,5) foi o Rio Grande

do Sul e o índice mais elevado (50) foi no estado de Alagoas.

A mortalidade infantil vem reduzindo no mundo, mas ainda é um problema

humanitário grave nas regiões mais pobres. Atualmente, de acordo com o Fundo

das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a taxa de mortalidade infantil no

mundo é de 46 crianças até um ano para cada mil nascidas vivas. De 1990 a 2009,

registra-se uma queda da mortalidade infantil no planeta de 65 crianças até um ano

para cada mil nascidas para 46 por mil. Houve melhora, mas apesar disso,

continuam a ocorrer enormes disparidades regionais. Enquanto nos países

desenvolvidos, a taxa é de seis óbitos para mil nascimentos, no Afeganistão ela

alcança 154. Infecções respiratórias, diarréia, sarampo e malária são algumas das

principais causas da mortalidade infantil. Também são responsáveis por grande

número de mortes os problemas relacionados com a gestação ou o parto, como

tétano neonatal, septicemia e AIDS. A maioria desses óbitos poderia ser evitada

com medidas públicas simples, como o planejamento familiar, acompanhamento de

pré-natal, melhoria da nutrição e vacinação.

c)Expectativa de Vida:

Este indicador representa o número médio de anos de vida que se espera que

uma pessoa viva, desde o momento do nascimento, se as condições de mortalidade

do ano de referência continuarem constantes.

O progresso da medicina e o crescente acesso a recursos básicos como água

tratada e redes de esgoto, aumentaram a expectativa de vida no planeta. Em média,

uma criança que vem ao mundo hoje tem a expectativa de viver 20 anos mais que

as nascidas na década de cinquenta. A utilização de novas tecnologias (informática,

biotecnologia) e o investimento em pesquisa científica também são considerados

fatores essenciais para a promoção do desenvolvimento humano.

Page 22: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

21

No Brasil, conforme dados do IBGE, pode-se dizer que os maiores avanços,

ocorreram nos períodos 1950/1960 e 1970/1980, em decorrência da redução

significativa das doenças infecciosas. No primeiro período, a introdução dos

antibióticos e de medidas preventivas de saúde pública teve um impacto positivo

sobre a mortalidade infantil e feminina em idade fértil. No segundo, a expansão do

saneamento básico, principalmente da rede de água nos grandes centros urbanos,

foi decisiva na diminuição das mortes de crianças por doenças diarréicas. Sabe-se

que a falta de rede de esgoto e de água tratada facilita o surgimento de doenças

infecciosas e parasitárias, como cólera, malária, hanseníase e diarréia. Na década

1990, no Brasil, esses importantes avanços nas condições de saneamento básico,

são os principais responsáveis pela queda de 35% da mortalidade infantil e queda

de 50% nas mortes provocadas por diarréia.

Izquierdo (2002) informa que, no início do século XX, a expectativa de vida, na

Europa ou nos Estados Unidos, era menos de cinquenta anos, no Brasil menos de

quarenta. No início dos anos 70, a expectativa de vida no Brasil mal alcançava os

53 anos. Atualmente, segundo pesquisa realizada pelo IBGE, a média brasileira

passou de 70 anos (1999) para 73,2 anos (2009), sendo a expectativa de vida dos

homens 69, 4 anos, enquanto das mulheres é de 77 anos. Os países que tem maior

expectativa de vida são Japão, França, Suíça e Itália, já os com menor expectativa

são Zimbábue e Afeganistão com uma média de 44 anos.

d)Alfabetização de adultos:

Em nenhuma época da história um percentual tão grande de habitantes do

planeta teve, como agora, acesso à educação. No entanto, os países

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento ainda se debatem com o desafio de

erradicar o analfabetismo e aumentar a escolaridade média de seus habitantes.

Sabe-se que o aumento do nível educacional, especialmente em mulheres, tem

efeito positivo e importante, como proteção ambiental e saúde, inclusive reduzindo a

taxa de mortalidade infantil. Entre os países da África Subsaariana, Botsuana,

Quênia e Namíbia que possuem bom nível de escolaridade feminina, apresentam as

menores taxas de mortalidade infantil.

Page 23: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

22

No Brasil, a taxa de analfabetismo caiu 1,8 ponto percentual nos últimos cinco

anos e registrou 9,7% em 2009. Na região Nordeste, reconhecida historicamente

por ter o maior número de iletrados do país, a taxa caiu de 22,4% (2004) para

18,7% (2009). De acordo com as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), foram contabilizadas 14,1 milhões de pessoas que

não sabiam ler ou escrever em 2009.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura

(UNESCO), o número de adultos analfabetos do planeta caiu de 876 milhões, em

2000, para 796 milhões, em 2010. As mulheres continuam sendo a maioria, cerca

de 530 milhões, representando dois terços do total de analfabetos. A UNESCO tem

o objetivo de melhorar em 50% a taxa de alfabetização dos adultos, principalmente

mulheres, entre 2002 e 2015.

2.1.1.2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

Para medir o grau de desenvolvimento social e comparar a qualidade de vida de

diferentes populações, o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento

(Pnud), a partir do ano de 1990, criou um indicador chamado Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de uma média que leva em conta três

fatores (um econômico e dois sociais): o Produto Interno Bruto (PIB) per capita

(calculado com base na paridade de poder de compra, PPC); o grau de

escolaridade das pessoas (indicador educacional); e a expectativa de vida

(indicador de saúde).

O IDH é um número sempre entre 0 e 1. Quanto mais se aproxima de 1,

supostamente maior é o bem-estar. Países ricos têm IDH próximos de 1; nações

subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, mais perto de 0. Os países com IDH

mais elevado são Noruega, Austrália, Islândia, Canadá e Suécia. E os de menor

IDH, Serra Leoa, Níger e Afeganistão.

O Brasil entrou em 2007 no patamar de alto desenvolvimento humano, no

entanto, ainda fica atrás dos vizinhos Chile, Argentina e Uruguai. No relatório da

ONU, divulgado em 2009, com dados de 2007, o Brasil, com índice de 0,813, está

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23

em 75º lugar em um ranking de 182 nações. Apesar de ainda se encontrar distante

do IDH de países desenvolvidos, adicionou 0,90 ponto em seu IDH desde 1990 que

era de 0,723. Isso se deve principalmente à melhora na educação e ao aumento da

longevidade da população do país.

Apresentando grande potencial econômico, tornando-se, recentemente, a oitava

maior economia do mundo, o Brasil, com certeza, tem condições de melhorar esses

indicadores, se houver uma melhor distribuição da renda, com maior participação

dos mais pobres no total da renda e da riqueza gerada. Entretanto, a erradicação da

pobreza de um país, não se dá apenas a partir da transferência de renda para os

mais pobres, seja por meios de programas de renda mínima, da expansão do

crédito para os pequenos empreendedores ou, ainda, por meio da reforma agrária.

Faz-se necessária a expansão das políticas sociais de educação, saúde, habitação

e saneamento básico.

2.1.1.3 Outros indicadores

Destaco, ainda, alguns aspectos coletivos mencionados por Tubino (2002), que

também, considero importantes para análise de qualidade de vida, como a

qualidade da água, do ar, condições de habitação/moradia e os indicadores de

violência.

a)Qualidade da água

A poluição das águas – causada pelo lançamento de efluentes industriais e

agrícolas e esgotos domésticos, além de resíduos sólidos diversos – compromete a

qualidade das águas superficiais e subterrâneas em vários pontos do planeta.

A falta de água para o consumo humano anuncia-se como o principal problema

ambiental do século. Do total dos recursos hídricos do planeta 97,5% é constituído

por água salgada, apenas 2,5% corresponde à água doce e, deste volume, só uma

pequena parte se encontra acessível. A luta pela água já provoca conflitos internos

em alguns países e deverá acirrar disputas entre as nações. O Brasil possui a maior

reserva de água doce do planeta, embora grande parte esteja na Amazônia, longe

Page 25: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

24

das principais regiões consumidoras. A preservação da água, com políticas de

economia de consumo, é considerada uma das principais formas de evitar a

escassez.

b)Qualidade do ar:

De acordo com as informações fornecidas pelo site do Instituto do Ambiente, a

qualidade do ar é o termo que se usa, normalmente, para traduzir o grau de

poluição no ar que respiramos. Sendo a poluição do ar provocada por uma mistura

de substâncias químicas, lançadas no ar ou resultantes de reações químicas que

alteram o que seria a constituição natural da atmosfera.

O Instituto do Ambiente alerta que a poluição do ar tem vindo a ser a causa de

um conjunto de problemas como a degradação da qualidade do ar, exposição

humana e dos ecossistemas a substâncias tóxicas, danos na saúde humana, danos

nos ecossistemas e patrimônio construído, acidificação deterioração da camada de

ozônio estratosférico e as alterações climáticas que se traduzem, entre muitos

outros efeitos, no aquecimento global do planeta com todas as repercussões daí

resultantes. Entre os efeitos na saúde humana, referem-se os problemas em nível

dos sistemas respiratório e, cardiovascular.

A quantidade de resíduos tóxicos lançados pelo tráfego excessivo de veículos e

pela atividade industrial afeta a qualidade do ar, prejudicando as condições de

saúde da população, especialmente a dos centros urbanos. Um investimento maior

no transporte coletivo e na conscientização em massa, provavelmente traria

resultados positivos imediatos no que se refere à qualidade do ar.

c)Habitação e moradia:

O planeta passa por acelerado processo de urbanização. Abandonando o campo

e suas carências, as pessoas procuram as áreas urbanas em busca de trabalho,

educação e melhores condições de vida. A consequência disso é o inchaço das

Page 26: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

25

cidades, com suas graves decorrências econômicas e sociais – problema

particularmente sensível nas nações em desenvolvimento, em função da rapidez do

processo de urbanização.

Nesses centros urbanos hipertrofiados, há cada vez mais gente e menos

emprego, o acesso aos serviços públicos torna-se progressivamente difícil e

aumenta a pobreza, enquanto diminui a qualidade de vida. Às famílias restam-lhes

viver em situação informal, morando em favelas, cortiços ou loteamentos

clandestinos, desprovidos de benfeitorias básicas ou em situação de risco. Já no

mundo desenvolvido, além do baixíssimo crescimento populacional, as cidades já

atingiram um patamar básico de urbanização, portanto, não se constata o mesmo

inchaço.

No Brasil, uma parcela expressiva da população brasileira vive em domicílios

precários, reflexo de um problema nacional conhecido como déficit habitacional.

Entretanto, programas de financiamento habitacional do governo federal, têm

propiciado um aumento significativo (37% em relação a dez anos atrás) do número

de domicílios próprios, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios) de 2001, divulgada pelo IBGE. Com relação aos serviços essenciais,

verificou-se uma expansão em todos eles, quando comparados com os índices de

1991 e 2000, correspondentes aos dois últimos censos:

- Água potável (de 70,7% a 77,8%);

- Esgoto/ fossa séptica (de 52,4% a 62,2%);

- Coleta de lixo (de 63,8% a 79%);

- Iluminação elétrica (de 86,9 a 93%).

d)Violência

Indispensáveis em qualquer análise de qualidade de vida, os indicadores de

violência têm piorado no mundo inteiro. No Brasil, a violência é mais intensa nas

grandes cidades e nas áreas metropolitanas.

Page 27: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

26

As causas da violência urbana são muitas, mas é possível destacar fatores que

incentivam seu crescimento. Entre eles estão a desigualdade social, o desemprego,

a exclusão ou marginalização, o uso de drogas e álcool, o mercado de armas, as

organizações criminosas e a cultura da violência. Por outro lado, a ausência ou

debilidade da polícia, do Judiciário, do sistema penitenciário, de infra-estrutura

urbana e de serviços públicos essenciais contra a violência também contribui para

que a sociedade se torne violenta.

A violência estende-se também no universo infantil. Podemos identificá-la nos

desenhos infantis, na maioria dos jogos de vídeo game, até a antiga e inocente pipa

têm se transformado em um brinquedo assassino e fazendo vítimas diversos

motoboys, ciclistas e pessoas distraídas, quando passado o chamado “cerol”

(mistura de cola e pó de vidro) na linha. É a disseminação da cultura da violência

que banaliza a vida e o bom senso, fazendo suas vítimas e influenciando

comportamentos desde a mais tenra infância.

2.1.2 Saúde e Estilo de Vida

Na concepção da Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é “um

estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou

enfermidade.” (MOREIRA; SIMÕES 2002, p.266)

Analisando os principais indicadores nacionais de saúde, observam-se, nos

últimos anos, significativos avanços nesta área, em especial, a redução na

mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida ao nascer, como citado

anteriormente. Entretanto, a crescente urbanização tem mudado o estilo de vida das

crianças brasileiras, facilitando o aparecimento de fatores de risco para as doenças

cardiovasculares, conseqüentes da alimentação rica em gordura, estresse,

sedentarismo, entre outros. Já males comuns dos países pobres ainda fazem

vítimas nas regiões mais carentes.

Através da história da humanidade, verificamos que a vida humana foi

tornando-se progressivamente sedentária, principalmente, a partir da Revolução

Industrial, com a tecnologia avançando de forma impressionante até os dias atuais.

Page 28: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

27

Observou-se significativa transformação de uma sociedade acostumada aos

trabalhos pesados, com uma estrutura basicamente rural e fisicamente ativa, numa

população de cidadãos urbanos e suburbanos com pouca ou nenhuma

oportunidade para o envolvimento em atividades físicas.

Os elevadores e as escadas rolantes substituíram as distâncias e as

escadas. A caminhada até o mercado da esquina foi substituída pela curta jornada

motorizada até o hipermercado localizado no shopping center da vizinhança. Os

carros abrem seus vidros elétricos através de um botão, dispensando a manivela

que os abria de forma manual. Também não precisamos nos deslocar para abrir um

portão de garagem, ligar o aparelho de rádio, televisão ou ar condicionado, basta

apertarmos o botão do controle remoto.

A gurizada trocou a pelada no campinho de terra improvisado do bairro, pelo

jogo de futebol no vídeo game, o jogo de tacos, o carrinho de lomba perderam

espaço para o Nintendo e o PlayStation III, as brincadeiras de rua e os encontros

com a turma estão reduzindo-se aos sites de relacionamento e muitas horas

sentados em frente ao computador.

Vamos, assim, estabelecendo um conjunto de elementos que caracterizam

renomados modos de pensar e viver que distinguem um novo grupo social, um novo

tipo coletivo que De Masi (2000) chama de “tipo digital”, formado por pessoas que

pensam mais ou menos do mesmo modo. Essa identificação, como que um

distintivo, ocorre via computador, correio eletrônico e Internet. Tais pessoas estão

substituindo a geração “massa mídia”, que por sua vez, substituiu a geração das

“linhas de montagem”.

Se olharmos ao nosso redor, não é difícil concluir que, sob o ponto de vista

da conservação dos esforços e energias humanas, a vida está se tornando cada vez

mais fácil. Mas será que essa “facilidade” pode ser considerada como uma vida

melhor? Em que pode resultar este sedentarismo de crianças e adultos da vida

moderna? Este estilo de vida sedentário não contribui para o surgimento de um

outro conjunto de problemas? É isso evidência de qualidade de vida?

Page 29: CARLA SIMONE BITELLO   -   A QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA PÓS-MODERNIDADE:  O PAPEL DOS EDUCADOR

28

A ciência evolui tanto que fez com que o homem contemporâneo fosse vítima de muitas de suas descobertas. Se por um lado o desenvolvimento informacional criou referências, facilitou e trouxe mais conforto às pessoas, [...] por outro lado, trouxeram à tona mais e mais doenças de âmbito psicossomático e biológico. (SABA, 1998, p.80)

Cury (2007) prevê que a indústria farmacêutica mais poderosa, deste século,

será a dos psicotrópicos. Afinal, em um mundo em que reina o consumo, a

competição predatória, o individualismo e paranóias como o de ser, à todo custo, o

“número um” em tudo, gerando estresse e ansiedade até nos mais saudáveis. Este

psiquiatra afirma, ainda, que no caos em que se encontra a qualidade de vida, os

medicamentos psicotrópicos surgem como grande aliviador das misérias psíquicas,

embora não atuem nas causas nem conduzam o ser humano a administrar seus

pensamentos e a gerenciar suas emoções.

Faz-se necessário lembrar que as funções corporais e os sistemas orgânicos

se harmonizam e, a quebra dessa harmonia, mesmo que de maneira simples,

provocará alterações e até sofrimentos ao nosso organismo. Torna-se evidente que

esse estilo de vida pós-moderno representa uma ameaça à qualidade de vida.

A preocupação com a prevenção e os cuidados com a saúde deveriam iniciar

na família, seguida pela escola que também deve abraçar esta causa, incluindo no

currículo conteúdos pertinentes a uma educação global, do corpo humano e dos

seres vivos como um todo. Hábitos saudáveis de vida devem ser iniciados na

infância, sabendo que inúmeras doenças poderiam facilmente ser evitadas ou ter

seus sintomas protelados, se fossem adotadas medidas simples de prevenção,

além disso, atuar na prevenção é muito mais inteligente e barato. Desta forma, o

assunto abordado a seguir, será justamente, a contribuição dos educadores na

promoção da qualidade de vida da infância.

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3 O PAPEL DOS EDUCADORES NA QUALIDADE DE VIDA DA INFÂNCIA NA

SOCIEDADE PÓS-MODERNA

“Nós somos o que fazemos, sobretudo, o que fazemos para mudarmos o que somos.”

Eduardo Galleano

Inicio este capítulo, esclarecendo o que entendo por sociedade pós-moderna,

citando Santos:

Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando por convenção, se encerra o modernismo (1900 – 1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar na filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência+tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural. (2004, p.08)

Esse autor acrescenta que, inserindo-se no cotidiano das pessoas com a tecnologia

eletrônica de massa e individual, saturando com informações, diversões e serviços,

a pós-modernidade caracteriza-se também pelo consumismo exagerado,

individualismo, vazio existencial, ausência de valores e de sentido para a vida.

Neste contexto, lidar com educação, em especial a educação infantil, trata-se de um

grande desafio, neste início de século, para os educadores.

Lembrando que, educação é um direito de todos, garantido pela Constituição de

1988 (cap. III, seção I) e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade. Já que, é dever do Estado e da

família, com a colaboração da sociedade garantir este direito fundamental, é

principalmente a contribuição destes, na educação infantil, que intenciono abordar

neste capítulo.

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30

3.1 O PAPEL DO ESTADO

Quanto ao papel do Estado, no que se refere à Legislação, pode-se dizer que

estamos muito bem amparados, temos a Constituição Federal, a LDB - Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, temos o ECA – Estatuto da Criança e do

Adolescente, entre outras. Recordo aqui, as aulas nesta pós-graduação com o Prof.

Dr. Euclides Redin, quando afirmava que, política pública “é a arte de estabelecer

prioridades”, enfatizando que a Constituição Federal determina que os direitos da

criança sejam atendidos com “absoluta prioridade”, ou seja, nada deve ser mais

urgente, nem outro interesse da administração pública pode estar à frente.

Entretanto, sabemos que na prática a realidade é muito diferente, percebe-se isso,

diante de alguns indicadores coletivos, analisados no capítulo anterior, e de

determinados exemplos que serão mencionados no decorrer deste texto.

Mas de que educação, afinal, está se falando? Daquela das três palavrinhas

mágicas: “Por favor, com licença e muito obrigado”? Lembrando que não são três

palavras, enfim, citei este exemplo que é bastante utilizado no dia-a-dia das

instituições de ensino. No entanto, é evidente que educação é bem mais do que

isso.

Concordando com Vygotski ao afirmar que “o desenvolvimento humano é um

processo dialético complexo” (NEGRINI, 2002) considero educadores todos aqueles

que contribuem na formação do indivíduo, ou seja, os pais, a família e familiares, os

vizinhos, a escola com seus professores e colaboradores, os políticos através das

decisões nas políticas públicas, os meios de comunicação (televisão, rádio,

internet...), os pastores, padres, o motorista do ônibus, o atendente do mercado,

enfim, a sociedade como um todo, como esclarece Redin

...a educação não é função exclusiva da creche, da pré-escola e da escola. Aprende-se em casa, na rua, no mercado, no centro de saúde, na igreja, na praça, na feira, nas lojas de comércio, nas reuniões, nos lugares de trabalho. (REDIN, 2007, p.31)

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31

Diante da complexidade do tema e da importância desta etapa tão especial

da existência humana que é a infância, período este, crucial na formação de

indivíduos afetivamente equilibrados, bem desenvolvidos intelectualmente e

socialmente integrados para uma sociedade saudável, destacarei algumas

alternativas trazidas por diferentes estudiosos do comportamento humano e da

educação infantil. Para Negrine,

... uma provisão ambiental positiva na infância constitui-se em fator determinante no comportamento futuro do indivíduo, uma vez que as mazelas que carregamos da educação primária que recebemos determinam, de certa forma, nossa maneira de ser e estar no mundo quando atingimos a idade adulta. (NEGRINE, 1998, p.136)

Baseada nesta afirmação e nos estudos fornecidos pela Neurociência,

divulgados pela OMS (Organização Mundial de Saúde), sobre a importância do

contato afetivo, nos primeiros meses de vida, de um recém-nascido, na formação

inicial do cérebro, no número de sinapses, que são especialmente estimuladas

pelos afetos, é que elogio, os admiráveis exemplos de países como a Noruega e a

Suécia, onde além da licença maternidade de um ano e dois anos, respectivamente,

ainda há um período considerável de licença paternidade, como é o caso da

Noruega (de pelo menos dez semanas), para que o pai possa dar um suporte neste

delicado período. Acredito que muitas atitudes desesperadas e casos de abandono

de recém-nascidos seriam amenizados se todas as mães tivessem um apoio

adequado, tanto financeiro quanto psicológico.

Sabemos que, aqui no Brasil estamos bem distantes disso, culturalmente, em

especial, entretanto já é uma grande conquista a ampliação facultativa da licença

maternidade de quatro para seis meses. A seguir, será abordado sobre a influência

da família no complexo processo de desenvolvimento humano e a importância da

afetividade dos pais e da maternagem “suficientemente boa”, termo utilizado por

Winnicott (1988), na formação emocional da criança.

3.2 O PAPEL DA FAMÍLIA

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32

Como visto no primeiro capítulo, com a inserção da mulher, no mercado de

trabalho, tornou-se comum pelo menos no mundo Ocidental o cuidado das crianças

ser feito por terceiros, prática chamada por Reichert (2008) de educação

terceirizada.

Assim, diariamente, bebês e crianças, deixam suas camas quentinhas, bem

cedo da manhã, entram no transporte escolar rumo às instituições de educação

infantil, onde chegam aproximadamente às 6h e permanecem por lá em torno de 8-

12h. Acredito que para qualquer indíviduo, ficar doze horas no mesmo ambiente,

seja trabalho ou escola, é muito desgastante. Saindo, por volta das 18h e após

enfrentar entediante trânsito congestionado, muitas vezes, ao chegar em seus

“lares”, precisam lidar com pais estressados que não sabem lidar com as suas

frustações, descarregando-as nos filhos. Parece exagerado este exemplo, mas

infelizmente essa é a realidade diária de milhares de crianças.

O livro Infância A Idade Sagrada, escrito pela terapeuta e educadora Evânia

Reichert (2008), traz um alerta sobre a importância da afetividade durante a infância

inicial, e esta nem sempre está presente nas instituições, seja pela grande

rotatividade ou pela ausência de afeto dos cuidadores. E reforça sobre a

indispensável presença da mãe para o bom desenvolvimento emocional do recém-

nascido.

Às vezes, penso que, este recurso de deixar os pequenos, com poucos meses

ou dias de vida, com pessoas estranhas nas instituições de educação infantil,

poderia ser comparada, com aquelas mães francesas do período medieval, que não

podiam descuidar-se da vida social e para estarem, descansadas e

apresentavelmente bem diante do marido e da sociedade, deixavam seus filhos com

amas de leite. Heywood (2004) revela que havia uma indiferença em relação à

infância, devido às altas taxas de mortalidade infantil da época, resultando em uma

postura insensível com relação à criação de filhos. Em especial, os bebês abaixo de

dois anos, sofriam absurdo descaso, por exemplo, deixando-os durante horas em

suas próprias fezes e urina, além do abandono em grande escala. Uma vez que os

pais não costumavam investir muito tempo e energia em um ser com tanta

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33

probabilidade de morrer. Outro recurso eram as amas-de-leite, que eram

contratadas para “cuidar” dos bebês, porém isso nem sempre era bem feito.

Já na sociedade atual, a prioridade, é a vida profissional, a carreira, o

consumismo, o individualismo egoísta, e, evidentemente, a necessidade. Afinal,

para sobrevivermos na sociedade de consumo, precisamos de dinheiro, resultante

do trabalho. Em uma aula neste curso de especialização, falávamos sobre a

quantidade de tempo da licença maternidade na Suécia e surgiu o comentário no

grupo: “imagina, dois anos fora do mercado de trabalho, nem consegue retomar a

vida profissional, depois disso.” Logo pensei que este país é o que mais investe em

lazer e qualidade de vida da população e não é a toa que têm uns dos melhores IDH

do mundo, como foi analisado no segundo capítulo deste texto.

É comum ouvirmos pais afirmarem: “ele (bebê) já acostumou, aliás precisa

acostumar com a correria, esse é o nosso ritmo e a vida é assim mesmo”, mães

que dizem “ah, na escolinha é muito bom, tem nutricionista, eu não preciso perder

tempo me envolvendo com almoço” ou “eu que não vou deixar da minha academia

para ficar em casa cuidando de filho, ele já toma banho e janta na escolinha, eu só

busco e coloco na cama”. Há relatos que nem a fralda se dão o trabalho de trocar, a

criança chega, na escolinha, com a mesma na manhã seguinte. Outro dia, conheci

um menino, que sabia que os domingos, não era dia de tomar banho, pois era o

único dia que a empregada doméstica não frequentava a sua casa. Ainda temos

exemplos de pais que para ocupar o “tempo ocioso” dos filhos, colocam-os em

diversos cursos, enchendo-os de atividades, como no exemplo abaixo, publicado

num artigo do jornal do DCE/Unisinos:

Como ser velho aos 22 anos.

Pedrinho tinha cinco anos, fazia natação, inglês e aulas de computação tudo programado previamente por seus zelosos pais, que acreditavam assim, estarem preparando melhor seu filho para o mercado de trabalho. Brincar, quando desse. Pedro está com 22 anos, se sente velho, cansado e sem desejos na vida. Como? – perguntam os zelosos pais – pois sempre disseram o que seria melhor para ele.

Nossa sociedade nos diz que precisamos ter para ser. Quanto mais qualificações tivermos mesmo sem aprofundarmos nenhuma, melhor sucedidos e felizes seremos. Isso nos torna vazios, sem capacidade de desejarmos por nós mesmos e, quando nos damos conta, somos algo

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produzido por outras pessoas. Quem sabe estamos esquecendo do que gostamos [...]. Talvez, se resgatarmos isso, possamos nos sentir jovens aos 70,80,90... (KARAM, 2003)

Reichert entende que parece essencial repensarmos sobre o modo de vida da

atual sociedade, um verdadeiro simulacro (usando as palavras de Jean Baudrillard

em Simulacros e Simulação). “Este mundo simulado nos desconecta da

transformação pessoal que ocorre ao nos tornarmos mães, pais ou, então, apenas

cidadãos comprometidos com o aspecto psicoafetivo de seu grupo social e das

próximas gerações.” (2008, p.76)

Izquierdo (2003) ao afirmar que uma das principais características da sociedade

de hoje é a correria das pessoas, questiona a velocidade com que nos são

apresentadas as informações, como se tivéssemos que responder a tudo com a

mesma urgência, parecendo não haver prioridades, ou seja, tudo é “para ontem”. Já

na obra Tempo de Viver, este médico dedicado ao estudo das Neurociências,

chama a sociedade atual de “sociedade anestésica”, pois “nos fazem acreditar em

valores que, na realidade, não existem” (2002, p.19), onde ter é mais importante do

que ser e o “o objetivo dos que dominam essa sociedade é o domínio absoluto.

Querem que, correndo e obedecendo a normas inúteis ou impossíveis, não paremos

para pensar em como modificá-la.” (2002, p.28) Esclarece, ainda, que:

A palavra anestesia quer dizer, etimologicamente, falta de sentidos, falta de sensações, de percepções. Os donos dessa sociedade não nos deixam ver o mundo tal qual realmente é, nem nos dão tempo para pensar a respeito, para descobrir se é isso o que queremos [...]. Seu método de domínio consiste em nos fazer acreditar que devemos correr, correr e correr. Que não há tempo para nada. [...] Quanto menos pensarmos melhor. (IZQUIERDO, 2002, p.30)

De Masi descreve uma metáfora que considero muito apropriada, porque nos

permite refletir sobre esse ritmo frenético dessa sociedade, que é imposto nas

crianças desde cedo, um ritmo que não é delas, aliás, entendo que não é de

ninguém, nem crianças, nem adultos, não é humanamente saudável.

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Toda manhã, na África, uma gazela desperta. Sabe que deverá correr mais depressa do que o leão ou será morta. Toda manhã, na África, um leão desperta. Sabe que deverá correr mais do que a gazela ou morrerá de fome. Quando o sol surge, não importa se você é um leão ou uma gazela: é melhor que comece a correr. (2000, p. 31)

Conforme Reichert (2008), há pouco mais de um século, a subjetividade humana

ganhou o campo da psicologia e passou a revelar dados essenciais sobre a criança

e sua relação com pais e educadores. Entretanto, destaca a autora, a perda da

sabedoria materna e paterna – que sabe com suas entranhas como agir e reagir

com seus filhos – é a marca deste tempo em que a culpa e a insegurança

acompanham os pais em suas ações ou em suas omissões, em função dos

inúmeros afazeres, somados aos dias estressantes e de pouco convívio com os

filhos. Esse último, sendo muito utilizado como desculpa, para pais agirem de forma

permissiva e deixando a função de educar com a escola.

Um dos grandes impasses na vida de homens e mulheres, na atualidade, é o

fato de muitos deixarem de se apoderar da sua condição de pais e assim não

conseguem mais sentir e nem saber como conduzir a educação dos filhos. Augusto

Cury, psiquiatra, pesquisador do funcionamento da mente humana e construção da

inteligência, também demonstra sua preocupação, no que diz respeito ao

relacionamento entre pais e filhos, afirmando sobre a importância do diálogo na

família, dos pais separarem um tempo semanal para conversar sobre diferentes

assuntos, estimulando os filhos a desenvolverem o hábito de questionar, elaborar

perguntas, reforçando os laços familiares:

A qualidade das experiências que tivemos na infância determina as características que teremos quando adultos, tais como descontração, segurança, sensibilidade, ansiedade. Podemos não ter consciência de nossas misérias do passado, mas elas infectam o nosso presente. Também podemos não ter consciência dos prazeres que tivemos, mas eles irrigam nossa capacidade de pensar. Se tivemos uma infância regada com alegria, brincadeiras, criatividade e com alto grau de socialização, certamente temos grandes possibilidades de ter uma personalidade tranqüila, que contempla o belo e que aprecia o convívio social. Se, ao contrário, tivemos uma infância saturada com experiências punitivas, sem afetividade, desprovida de apoio, carente de elogios e restrita de amigos, então, temos grandes possibilidades de ter uma personalidade rígida, pouco sociável, insatisfeita, com baixa auto-estima e com humor basal triste. (CURY, 2007, p. 136)

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Sempre é válido salientar, a importância dos pais, no envolvimento em todos os

aspectos, em relação aos seus filhos, de estar e brincar juntos, de investir tempo no

lazer em família, da parceria de confeccionar brinquedos juntos, das refeições em

família, enfim, de se relacionar, hábitos que, infelizmente, estão tornando-se pouco

comuns na sociedade atual e como acrescenta Reichert “a criação de filhos

necessita passar por uma revisão profunda, em especial, no modo como se

estabelecem os vínculos psicoafetivos entre adultos e crianças durante a infância

inicial.” (2008, p.24)

Nunca tivemos tanto conteúdo sobre desenvolvimento infantil como agora,

entretanto, tais conhecimentos necessitam sair no universo acadêmico e fazer parte

da vida das pessoas nas mais diferentes classes sociais. Trata-se, portanto, de mais

um desafio para este início de século.

3.3 O PAPEL DA ESCOLA

No início deste ano de 2010 li uma charge do Calvin em que ele, na sala de aula,

questionado pela professora se havia alguma dúvida, respondeu, perguntando qual

é o sentido da vida. A professora (provavelmente surpresa e, não raro,

despreparada para o inusitado) de imediato responde: “- Eu me referia à alguma

dúvida em relação ao conteúdo visto na aula de hoje.” E Calvin, visivelmente

desapontado revela que achava que primeiramente aprenderiam sobre esta questão

e todo o restante ficaria para depois. Esta ilustração convida-nos a refletir sobre a

definição de prioridades na educação. Sobre o que realmente é importante e o que

desperta o interesse dos alunos.

Para De Masi (2000), o século XX, foi o século do trabalho e, desta forma, a

vida das pessoas foi construída em torno disso. O homem trabalhador representou

um ideal, fora disso era considerado preguiçoso e era mal visto na sociedade.

Assim, fomos desde a infância educados para o trabalho. A educação, impregnada

pela cultura do trabalho, dedica seu conteúdo na preparação para o mesmo.

Seguindo neste ritmo, instituições de educação infantil reduzem o tempo de pátio e

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de brincadeiras e acrescentam aulas de computação, idiomas estrangeiros, entre

outras atividades que preparam para o vestibular e conseqüentemente, para o

trabalho. Entretanto, sabe-se que a educação necessita ir além.

Segundo Santin (1999), há três áreas fundamentais neste milênio. Aponta, a

informática, pois segundo ele, somente quem domina a tecnologia da informação

conseguirá manter-se à frente dos avanços científicos. A ecologia, afinal o homem

necessita compreender a natureza e respeitá-la, para o bem do planeta. E a

Educação Física, afirmando que quem não souber viver sua realidade corporal, que

é a natureza e a ecologia em cada ser humano, terá dificuldades de usufruir um alto

nível de qualidade de vida.

Para este autor, a educação, em sua essência, deve evidenciar a importância do

aperfeiçoamento da condição humana, assumida na totalidade de sua existência,

implicando na obtenção de conhecimentos e valores que orientem o viver individual

e coletivo, buscando convencer que o importante é saber viver e saber viver coloca

em primeiro lugar o respeito à vida.

O respeito à vida cabe não somente aos seres humanos, mas também a todo

ecossistema. Portanto, faz-se necessário provocar uma reflexão profunda sobre a

responsabilidade das mais diferentes áreas, de aperfeiçoar a condição humana,

especialmente, no momento em que se fala de multi-pluri-inter-

transdisciplinariedade, chamado pelo pensador francês Edgar Morin de Era da

Complexidade. (MOREIRA; SIMÕES, 2002).

A educação deve ter como referencial primeiro a vida e, desta forma, seu desafio

pedagógico é descobrir como a vida pode ser vivida com dignidade, equilíbrio e

prazer.

Trata-se da educação mais importante, prioritária e única indispensável à vida humana, é a sabedoria de viver ou a ciência da vida humana. Aprender a saber viver é o que se deveria fazer ao longo da vida. Posso não saber matemática, química ou física; história, economia ou psicologia e continuo vivendo, se não aprender a viver, não saberei viver a vida [...]. Poderei usá-la, explorá-la, mas jamais cultivá-la, isto é vivê-la. (SANTIN, 1999 p.20)

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Como canta a banda brasileira Titãs: “É preciso ter cuidado, para mais tarde

não sofrer. É preciso saber viver, é preciso saber viver... saber viver... saber viver...”

Para Cury (2007), educar não é apenas informar, e sim, formar pensadores.

Na opinião deste autor as crianças são bombardeadas de informações, no entanto,

perdem sua melhor oportunidade de desenvolver as funções mais profundas da

inteligência, como a capacidade de pensar e refletir sobre si mesmas; a capacidade

de analisar seus comportamentos, perceber suas conseqüências; a capacidade de

se colocar no lugar do outro; a capacidade de se autocriticar, reconhecer seus

limites e dar respostas maduras para as suas frustrações, em função da carência de

interiorização educacional.

O austríaco Wilhelm Reich desenvolveu projetos voltados a educar o

educador que tinha início com gestantes conscientizando pais e educadores sobre a

delicadeza do período inicial da existência humana. Reconhecido como o pai das

psicoterapias corporais, Reich entendia que o ser humano nasce emocionalmente

saudável, com suas potencialidades latentes para posterior desenvolvimento.

Contudo, com a convivência familiar e social sofre ação neurótica já na fase inicial

de sua existência, interferindo sobre a estrutura em formação, constituindo assim as

estruturas de caráter e os modos defensivos e programados de pensar, sentir e agir.

Na abordagem reichiana a neurose é uma doença de massa, produzida pelo

contexto social, que, além de tratada deve ser prevenida. (Reichert, 2008)

Claudio Naranjo, seguidor de Reich, coordena um projeto voltado ao

professorado, propondo uma conscientização do educador. Também Negrini (1998),

desenvolve uma proposta de terapias corporais, voltado aos profissionais que

trabalham com educação infantil. Este autor entende, que nossa maneira de ser e

estar no mundo está impregnada das experiências da nossa educação primária, e

que isso possivelmente refletirá na prática pedagógica. Por exemplo, aqueles

professores que tem chiliques ao ver um aluno derrubar no chão sobras do lápis

recém apontado, ou que não conseguem colocar as mãos em argila, pois sentem

nojo, ou não trabalham com tinta ou recortes porque “dá muita bagunça e sujeira”,

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possivelmente, vivenciaram no passado experiências negativas com um adulto com

alto nível de neurose por limpeza, por exemplo. Atitudes neuróticas como estas, e

tantos outros exemplos, são facilmente identificadas no cotidiano das instituições de

educação. Por isso a importância do trabalho de tratamento e prevenção da neurose

incluídos nos cursos de licenciatura, magistério e todos os que pretendem trabalhar

com educação, em especial, a educação infantil.

Ainda sobre formação de professores, acredito também, que os currículos

dos cursos de licenciatura, além da ciências com suas teorias, deveriam ser

enriquecidos com disciplinas relacionadas às artes, a música, dança, poesia,

literatura, enfim, quem escolher trabalhar com educação, principalmente educação

infantil, que é o que se está falando aqui, necessita dominar, ou ao menos ter algum

conhecimento nessas áreas. Afinal, como é possível ensinar algo que nunca foi

vivenciado ou se teve contato?

Enfatizo essas áreas de conhecimento, pois elas despertam a imaginação e a

criatividade da criança, indispensáveis nessa fase da vida. A carência de trabalhar a

imaginação é que tem levado muitos adultos vivenciarem isso tardiamente. Pode-se

citar o exemplo do sucesso entre muitos adultos da “second life” (segunda vida). Há

relatos de muitas pessoas, estudantes, universitários e profissionais de diferentes

áreas, que se sentem mais livres e felizes na sua vida inventada. Esses aficionados

por seus avatares passam horas, muitas vezes, mais tempo em sua vida virtual. Se

é virtual, não é real, entretanto, se esquecem disso. Recentemente, foi noticiado no

mundo inteiro, o caso de um casal que passava tantas horas conectados, em frente

ao computador, que esqueceram de cuidar do seu bebê e o mesmo veio a falecer,

em função da falta de cuidados e negligência dos pais.

Esse é o cúmulo da falta de compromisso, aliás, parece que nada mais tem

grande significado na vida das pessoas, os relacionamentos, os objetos, os

eletrônicos, tudo é temporário, é passageiro e descartável. Sobre relacionamentos,

cada vez mais superficiais, ouve-se com freqüência “se não der certo a gente vê

depois”, o “ficar” ao invés do namoro, perdeu espaço para o “peguete” entre os

jovens. “Peguete” é um relacionamento onde se fica com uma pessoa, mas está

livre para ficar com outra daqui um pouco, na tarde ou dia seguinte. Diferentemente

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do “ficar” que é quando se permanece com o mesmo parceiro por um tempo mais

prolongado: uma semana, um mês e não fica com mais ninguém. Essa banalização

de tudo, que dos objetos passou para os relacionamentos e para o cotidiano

necessita uma reflexão maior que não é objetivo deste estudo. Entretanto, identifico

essa superficialidade no cotidiano da educação infantil.

Nos desenhos animados que estão cada vez mais curtos; não há grandes

investimentos de conteúdo nas programações, também parece não se ter mais

paciência para algo mais consistente. Nas instituições de ensino infantil, as rotinas

são breves, os projetos são, geralmente, tão rápidos quanto o personagem “The

Flash” e se investe pouco tempo em cada atividade. Geralmente em torno de meia

hora ou até quinze minutos. Será que uma criança consegue experimentar,

vivenciar, brincar, imaginar ou criar alguma coisa em quinze minutos? Ninguém

consegue, e sinceramente não entendo porque pensam que com as crianças têm

que ser assim.

Quando elas estão no ápice da interação com a atividade, ouve-se três

palmas da professora dizendo: acabou o tempo, guardem o desenho que agora tem

aula de música (mas porque não dá para continuar desenhando enquanto ouve a

música, ou canta?), ou então, vamos guardar a tinta ou argila, lavar as mãos que

agora tem inglês. Por que não pode ser junto? Por que não aprender inglês

enquanto manuseia a argila? Por que fragmentam as coisas dessa forma como se o

processo de conhecimento fosse em gavetinhas? “Agora vamos fechar a gaveta da

capoeira para abrir a gavetinha da matemática.” Sem falar no tempo para brincar,

cada vez menor, quando há, para atividades lúdicas. A afirmação de Henry Ford

nunca foi tão levada à sério como agora: “Quando trabalhamos, devemos trabalhar.

Quando brincamos, devemos brincar. De nada adianta tentar misturar as duas

coisas. [...] Quando o trabalho acaba, então pode vir a diversão, mas não antes.”

(FORD apud DE MASI, 2000, p. 124).

Infelizmente, muitas instituições privadas, se deixam persuadir por muitos

pais que não querem que os filhos brinquem na escolinha, justificando que ali é

lugar para aprender, que brincar pode ser em casa. Entendo que este também é

papel da escola, de informar a família que, muitas vezes, desconhece as teorias dos

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estudiosos do desenvolvimento humano. Também não deve se constranger diante

de pais que, porque tem um bom poder aquisitivo, fazem cara feia ou falam

grosseiramente, acham que podem ditar o que deve ou não ser feito. A participação

da família e da comunidade é, certamente, importante na construção de um espaço

democrático com um projeto pedagógico construído coletivamente. Já quanto às

atividades lúdicas, a escola precisa saber e informar sobre a importância do brincar

como elemento pedagógico e o quanto é indispensável para o pleno

desenvolvimento da criança.

Gostaria de esclarecer que todas as observações e/ou críticas colocadas

neste trabalho, não são feitas às pessoas, mas sim ao sistema que tenta modelar

desde a mais tenra infância e quando nos damos conta somos algo totalmente

moldados. Toda nossa forma de ser, pensar e agir, vestir vai sendo, aos poucos,

manipulada por um sistema que pretende permanecer assim, pois desta forma

continua no domínio quem está.

O italiano Gianni Rodari (1982) afirma que os setores mais poderosos da

sociedade não têm nenhuma intenção de privilegiar a imaginação e a criatividade,

uma vez que as pessoas aprenderiam a pensar, tornando-se isso uma ameaça a

ordem social estabelecida e vantajosa para estes. Esse autor entende que o

pensamento criativo seria a arma mais eficaz de transformação do mundo: “Para

mudá-la [a sociedade] são necessários homens criativos que saibam usar a sua

imaginação. ...desenvolvamos... a criatividade de todos para mudar o mundo.”

(Rodari, 1982, p.10)

O filósofo pernambucano Leôncio Bausbaum (1977) afirma que o ser humano

nasce livre, entretanto pelo sistema se aliena, e esta “alienação do ponto de vista

econômico social, é a perda da consciência de si... sua vontade é esmagada pela

consciência de outro... perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão...”

(1977, p.18) Este autor conta-nos, ainda, a estória de um comercial de TV, referente

à propaganda dos produtos de um determinado frigorífico que consistia em um

desenho animado em que um porquinho, pulando corda, dizia a um boi: preciso ficar

forte e sadio; vou ser salsicha. E o boi respondia: Eu também, ora!

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Assim, se esse porco fosse um ser humano teríamos um exemplo típico de

alienação absoluta: prepara-se para ser comido e, pelo que se via no desenho, com

muita satisfação, pois havia sido criado, alimentado, engordado, para o fim

específico de ser abatido, frito, assado e comido como cachorro quente ou qualquer

outra forma de culinária.

Com esta metáfora do comercial, é possível comparar com muitas pessoas

que se deixam engordar para serem “devoradas”. Conforme Bausbaum pode-se

ousar dizer que, no mundo de hoje, podemos encontrar pessoas de dois tipos: as

que já são ou que serão salsichas e, as que comem as salsichas. Afirma, inclusive,

que existe uma categoria intermediária entre as duas citadas acima: “a dos pais,

professores, intelectuais, sacerdotes, políticos, que preparam as salsichas para

aqueles que as comem.” (1977, p.39) A estes cabe o papel de ensinar que assim é

o certo, honrado e muito justo.

O italiano Domenico De Masi (2000) elucida que, atualmente, a maioria das

pessoas investe todas as energias na carreira, passando grande parte do dia no

local de trabalho e, durante finais de semana e feriados, sentem-se culpados e têm

dor de cabeça se não levam para fazer em casa qualquer tarefa que preserve o

mesmo clima de tensão dos dias normais, inclusive perdem o prazer pelo

divertimento e pela vida em família.

A falsa afirmação de que o mundo é assim mesmo e que assim deve ser, faz

com que as pessoas se sintam obrigadas a reproduzi-lo, pois sua subsistência

depende disso. Somos, desde a infância, modelados para acreditar que as coisas

são assim, que esse é o sistema; que devemos aceitá-lo e reproduzi-lo sem

questionamento, precisamos nos acostumar e, para tanto, devemos entrar no ritmo

o mais cedo possível.

Faz-se necessário um profundo repensar sobre o processo educacional, em

crise, há algum tempo. Os alunos precisam ser preparados para a vida e não para o

mero acúmulo de informações. Como escreve Redin: “Talvez deva ser a escola o

espaço privilegiado para a elaboração de existência humana, hoje, mais do que

nunca dramática.” e, acrescenta:

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Não temos claro, mas o que sabemos é que onde ela [escola] está e para onde está indo não se sustenta mais. A existência humana e os processos que garantem sua sobrevivência estão radicalmente mudados: vivemos possivelmente uma nova era – em alguns aspectos melhor; em outros, pior que a anterior que vemos se esvair. Novos tempos exigem novos paradigmas que serão construídos na refrega do cotidiano no qual lutamos para sobreviver. (REDIN, 2003, p. 83)

Também é insustentável a carga horária que muitos professores precisam se

submeter, em função dos baixos salários, para sobreviverem com o mínimo de

dignidade. Mais uma vez Redin incentiva:

Junto com a nossa luta pela melhoria da qualidade de vida de todo o povo brasileiro, se insere a luta pela melhoria na qualidade de vida dos educadores e das suas condições de trabalho e a luta pela transformação do espaço e do tempo de escola em espaço e tempo de alegria, de prazer e de bem-querer. (REDIN, 2003, p.52)

Para tanto, teremos que seguir o já conhecido e libertador conselho, do

nosso saudoso educador Paulo Freire (1987), de remar contra a correnteza,

possibilitando, desta forma, as utopias possíveis.

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CONCLUSÃO

Vocês viram a minha infância por aí? Estou procurando pelo mundo de onde venho

Porque eu tenho procurado No "achados e perdidos" do meu coração

Ninguém me entende

Eles vêem isso como estranhas excentricidades Porque eu continuo brincando como uma criança

Mas me perdoem

As pessoas dizem que eu não estou passando bem Por eu amar coisas tão simples

Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci

Você tem visto minha infância?

Procuro pela beleza da fantasia em minha juventude Como histórias de piratas e sonhos de aventureiros

De conquistas e reis nos seus tronos

As pessoas dizem que eu sou estranho assim Por eu amar coisas tão simples

Tem sido o meu destino tentar compensar A infância que eu nunca conheci

Antes de me julgar

Tente me amar A juventude dolorosa que eu tive

Olhe dentro do seu coração, e então, responda: Você tem visto minha infância?

(MICHAEL JACKSON)

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Acredito que esta pergunta feita por este grande astro da música pop é a

pergunta que deveríamos fazer as nós mesmos: Estamos nós vendo e atentos à

infância? Ou ela tem passado despercebida? Estamos proporcionando qualidade de

vida e bem-estar às nossas crianças?

Refletir sobre a infância, as crianças no mundo inteiro, em todos os continentes:

nas grandes metrópoles, nas áreas rurais, as indígenas, as ciganas e de povos

nômades, as que possuem recursos materiais, mas precisam lidar com a ausência

dos pais, em função do excesso de trabalho para manter determinado padrão de

vida, as crianças de situação econômica desfavorável, que tem que cuidar dos

irmãos menores para os pais trabalhar, as pedintes no semáforo e vítimas do

trabalho infantil, de exploração sexual, as que sofrem todo tipo de abuso: violência

física, sexual ou psicológica; vítimas de maus-tratos ou abandono; as que vivem nas

ruas, as de orfanato e casas de passagem que sonham com uma família; filhos(as)

de usuários de drogas; as crianças viciadas em drogas e entorpecentes, as

inúmeras crianças dos morros ou de periferia iniciadas no crime, algumas já

manejando armas, utilizadas como “aviãozinho” pelos traficantes, as meninas

afegãs e dos países que praticam a circunscisão feminina, as órfãs vítimas de

guerras, de pais aidéticos, as vítimas da opressão do rendimento no esporte ou

outras competições por vaidade dos pais, àquelas que são diariamente arrancadas

da cama antes de clarear o dia e passam doze horas ou mais nas escolinhas ou

com alguma “cuidadora”, as crianças sobrecarregadas, estressadas ou até

deprimidas; e muitas outras que gostaria de mencionar... Essas e várias outras

situações foram determinantes na escolha do tema desta monografia.

Ao questionar a qualidade de vida e bem-estar social das crianças na atualidade,

nota-se, após algumas leituras e observações, que em alguns aspectos têm

melhorado como a expectativa de vida ao nascer; a taxas de mortalidade e

desnutrição infantil vêm reduzindo, aumento do nível de escolaridade , acesso à

saneamento básico, acesso à informação e as novas tecnologias, tudo isso têm

contribuído na melhoria da qualidade de vida das crianças. Por outro lado, com os

índices de violência, de divórcio, aumento do número de pessoas que vivem

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sozinhas, observa-se um aumento na dificuldade de convivência, dos

relacionamentos interpessoais e intrapessoal, lotando consultórios de psicólogos e

psiquiatras.

Percebe-se também que, infelizmente, a “absoluta prioridade” dos direitos da

criança, parece não fazer parte na vida de muitas, como em exemplos já citados,

com sofrimento iniciando-se cedo, alguns desde a fecundação, como é o caso de

fetos vítimas de mães viciadas em drogas, inclui-se aqui, as drogas lícitas como

álcool e cigarro. Ou vítimas de pais viciados em trabalho, cuja prioridade, é a vida

profissional, a carreira, o dinheiro e o consumo. As crianças, filhas de pais

ausentes, vítimas de uma rotina de correria e estresse típica do cotidiano pós-

moderno, onde tempo é dinheiro, e, curiosamente, apesar da expectativa de vida ter

aumentado e dos avanços tecnológicos facilitarem em muitos aspectos, a sensação

é de cada vez ter menos tempo. Entretanto sabemos da indispensável presença dos

pais e, principalmente da mãe nos primeiros anos de vida para o bom

desenvolvimento emocional do ser humano.

Encontrei trabalhos muito interessantes sobre a educação infantil na Suécia, da

pesquisadora Lenira Haddad e outro sobre creches e pré-escolas no Hemisfério

Norte de Fúlvia Rosemberg e Maria Malta Campos (orgs), cujas obras estão

referenciadas nas obras consultadas. Destaco também o exemplo de Reggio Emília,

e da Escola da Ponte em Portugal, entre outros. Acredito que podemos aprender

com modelos que têm dado certo, revelados em índices socioeconômicos que

demonstram qualidade de vida e bem-estar social da população.

Necessitamos um profundo repensar sobre que indivíduos e que sociedade

queremos. Compartilho meu desejo de viver em um mundo de igualdade de

condições, um lugar onde a pobreza e a miséria perderam o lugar para a

generosidade; onde o “ter” perdeu espaço para o “ser”; em uma sociedade

saudável, ecologicamente sustentável, com pessoas comprometidas e

participativas, agentes transformadores. Para tanto, acredito que precisamos

revolucionar nossas ações sociais rompendo com as barreiras do conformismo que

dita: isso é assim mesmo e assim tem que continuar.

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Como Cury (2007) também entendo que a educação necessita passar por

uma revolução. Não há mais como conviver com essa incapacidade de se

interiorizar, de refletir sobre si mesmo, sobre seus medos, de como lidar com as

frustrações e crescer com elas. Como que o crack virou uma epidemia? Porque

tantos jovens têm recorrido às drogas? Ao fanatismo pelo futebol, por algum ídolo

do cinema, da música ou dos esportes? As coleções doentias de todo tipo de

objetos e quinquilharias e outras fugas e esquisitices? O que podemos fazer para

melhorar, para acrescentar mais satisfação, alegria, bem-estar e qualidade de vida à

população?

Certamente inicia com um nascimento humanizado e de qualidade, seguido

de um ambiente adequado, com pais afetivos, com uma educação de qualidade

num espaço educativo e acolhedor, com profissionais qualificados e bem

remunerados, com uma participação mais ativa e uma cobrança maior de toda a

sociedade no estabelecimento de prioridades nas políticas públicas e no

investimento do dinheiro público, para um país e um mundo melhor, de paz e justiça

social, consequentemente, com mais crianças felizes.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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