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1 O Carisma Canossiano Uma abordagem formativa

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O CarismaCanossiano

Uma abordagem formativa

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Dou graças a Deus de todo o coração, pelo precioso domqueDeus concede a toda a nossa Família Canossiana, neste iníciodo terceiro milênio da era cristã: o de ter em mãosum textoque encerra, em forma descritiva, o grande tesouro do carismaque o Espírito concedeu à Igreja.

Agradeço de coração a todos – Sacerdotes e Irmãs – quecolocaram à disposição mente, coração, tempo, paixão para ofe-recer a todos nós este instrumento altamente formativo. O Se-nhor Jesus recompense a cada um como só ele sabe fazer.

Este texto nasceu como instrumento a serviço do diálogoentre Irmãs, Irmãos, Leigos e Organismos do Instituto, paraauxiliar no aprofundamento do carisma recebido de Deus em S.Madalena de Canossa, justamente no momento em que a suafecundidade vai exigindo de nós uma encarnação mais profun-da deste carisma nos ambientes e nas culturas onde somos cha-mados a estar presentes e a servir.

Segundo a indicação das Deliberações Capitulares, esteinstrumento deve fornecer uma “descrição sintética e baseadateologicamente no carisma em seus elementos fundamentais,em relação à fé e à ministerialidade”, como ajuda para a vida doInstituto, chamado a viver “a unidade do carisma na variedadedas suas encarnações”1.

Não é um documento que pretende ser um tratado completo.O Instituto já dispõe, além da Regra de Vida, de um conjunto dedocumentos que tratam de diversos aspectos do carisma e algu-

1 Cf. XIV CAPITULO GERAL, Deliberações capitulares, p. 4.

Apresentação

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mas de suas implicações fundamentais. Entre os mais recentes,recordamos ao menos oPlano de Formação das Filhas daCaridade Canossianas (1996), as Linhas Mestras da Caridadeministerial das Filhas da Caridade Canossianas (1996), oVoluntariado Internacional Canossiano (1996), Linhas Mestrasda Pastoral Juvenil Canossiana (2000),a Interministerialidadena Comunidade Canossiana, sinal legível da Caridade (2002),Linhas Mestras de Pastoral e Animação Vocacional Canossia-na (2002). A estes documentos, juntam-se diversos estudos,editados e não editados, elaborados por irmãs, irmãos e leigosCanossianos, dedicados à figura de S. Madalena, à sua intuiçãocarismática e às suas realizações.

A especificidade do instrumento aqui proposto está na pers-pectiva sintético-genética,segundo a qual o carisma é lido.Trata-se de uma apresentação do carisma numa seqüência orde-nada, que mantém em evidência o núcleo central, ao redor doqual tudo converge e dele recebe luz. Enquanto instrumento,não é auto-suficiente: pressupõe não somente o retorno às fon-tes, mas também os outros aprofundamentos com que o Institu-to se dotou e que apenas foram mencionados. Enquanto expo-sição sintética do carisma segundo a sua gênese, pode ser deproveito a sua fisionomia de conjunto, para não perder de vistacada elemento, de modo a poder colocá-los no quadro geraldentro de suas diversas atuações.

Com esta finalidade, o texto se apresenta dividido em trêspartes:

� a primeira parte, introdutória, situa o carisma na fé e na vida daIgreja. Todo carisma, como dom do Espírito, é sempre desen-volvimento e atuação da fé e encontra, nas fontes da fé, nutri-mento fundamental;

� a segunda parte, a mais ampla, expõe, em dez pontos, a fisiono-mia do carisma, mostrando como a sua fonte, que é também oseu centro, delineia uma modalidade específica de vida cristãreligiosa apostólica;

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�a terceira parte procura sugerir de que forma o carisma se nutreda vida da Igreja e oferece a sua original contribuição para quea Igreja esteja junto aos homens, principalmente os mais pobres,sinal e instrumento do amor de Deus, e para que todos, em par-ticular os mais necessitados, tenham lugar e voz na Igreja.

Devido ao caráter sintético do texto, as notas ocupam umlugar de destaque. Elas contêm esclarecimentos e reenvios àsfontes que pedem particular e atenta consideração para a corre-ta compreensão do próprio texto e da sua fundamentação.

A finalidade deste instrumento torna-o, por natureza, umtexto aberto, em caminho. A sua utilidade e aproveitamentoestão ligados, em grande parte, ao caminho que poderá realizarentre nós em nossas comunidades. Trata-se, portanto de um“texto formativo”, que pode ser utilizado de diversas maneiras,deixando a cada Província ou Organismo do Instituto, aquelaliberdade criativa e construtiva que leva a delinear, dentro decada contexto cultural, caminhos de aprofundamento, de estudo,de pesquisa e d e inculturação do próprio carisma.

A título de simples exemplificação é possível sugerir aqui umesquema básico. Para cada aspecto (ou um conjunto deles),pode-se evidenciar uma série de cinco momentos:

� um intercâmbio de experiências vividas ou de pergun-tas que temos ou ouvimos a propósito do carisma,

� o estudo de um ou mais passos das fontes que o pro-põem (pode-se utilizar as anotações),

� o aprofundamento da fundamentação bíblica (e even-tualmente da sua compreensão teológico-magisterial),

� a sua atualização na Regra de Vida ou em documentosrecentes do Instituto,

� o confronto com os modos pelos quais é, atualmente,vivido em nossas comunidades e a individualização deulteriores passos de maturação e inculturação.

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Enquanto instrumento de diálogo, este texto espera tambémum retorno que lhe permita uma ulterior avaliação e ofereçasugestões mais fecundas e praticáveis para as suas modalidadesde emprego. Está nas mãos de todas, a serviço do diálogo e docaminho fraterno.

Estou certa de que o estudo pessoal e de grupo deste precio-so instrumento suscitará ulteriores reflexões, válidos aprofunda-mentos, novas descobertas que, por sua vez, se tornarão riquezapara todos e fecundidade para o Reino.

A unidade carismática, penetrada na diversidade das cultu-ras e no decorrer do tempo, permanece sempre patrimôniocomum, riqueza de família, garantia de comunhão. Por tudoisso agradecemos ao Espírito, que continua a abençoar o nosso“mínimo Instituto.”

M. Marie RemediosSuperiora Geral

Roma, 8 de dezembro de 2002Festa da Imaculada Conceição

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Índice

Apresentação

0 Introdução

1 O lugar do carisma na fé cristã

2 O Carisma de Madalena de Canossa

• O amor de Jesus Crucificado, fonte do carisma de Madalena

• O amor do Senhor Crucificado ponto de chegada da busca de Madalena

• A riqueza do amor do Senhor Crucificado

• O dúplice mandamento do amor

• A Eucaristia como lugar eclesial do senhor Crucificado

• Maria, a Dolorosa Mãe da caridade, “Fundadora” da obra de Madalena

• A caridade segundo a lógica do Crucificado plasma a fraternidade da comunidade

• A ministerialidade da caridade universal e integral

• O carisma de Madalena: prática da contemplação da caridade do Crucificado

• Filhas da Caridade – Servas dos pobres

3 Carisma e Espírito do Instituto

• O carisma na vida da Igreja

• O carisma na vida do Instituto

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Abreviaturas

Sl Livros dos Salmos

Mt Evangelho segundo Mateus

Mc Evangelho segundo Marcos

Jo Evangelho segundo João

1 Cor Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios

Hb Carta aos Hebreus

Ap Livro do Apocalipse de S. João

RD Regola Diffusa, M. de Canossa, manoscrittomilanese, Milano 1978

RdV Regra de Vida das Filhas da Caridade, Canos-sianas, Roma 1991

M Memórias, M. de Canossa, comentário de E.Pollonara, Milão, 1988

Ep Epistolário, M. de Canossa, a cura di E. Dossi,Roma 1967- 1983

R.s.s. M. di Canossa, regole e scritti spirituali, a curadi E. Dossi, Roma 1984-85

P Piani, M. di Canossa, in Ep. II/2

LG Lumen Gentium, Concílio Vaticano II, 1967

PC Perfectae Caritatis, Decreto sobre a renovaçãoda Vida Religiosa, Vaticano II, 1965

ET Evangelica Testificatio, Exortação Apostólica,Paulo VI, Roma, 1971

VC Vita Consecrata, Exortação Apostólica de JoãoPaulo II, Roma 1996

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Introdução

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Adescrição de um carisma1 pode ser feitasegundo vários pontos de vista.

a) genético-biográfico. Através da vida do/afundador/a, seguem-se e se iluminam asetapas, as experiências, mediante as quaisa intuição carismática progressivamenteexposta, esclarecida e estabilizada, é par-tilhada e se torna operativa e “obra”/insti-tuto.

b) analítico-sintético (ou documentário).Analisam-se separadamente as diversasexpressões e exposições do carisma nosdiferentes momentos e documentos emque ele recebeu formulação (no caso deMadalena: as Cartas do Pe. Libera, os Pla-nos, as Memórias, a Regra Difusa, o Epis-tolário, as Catequeses; e ainda eventuaisdestaques diversos na fundação de cadacasa...). Num segundo tempo, relevandoas constantes, chega-se a uma síntese,distinguindo os elementos básicos, consti-tutivos e permanentes, e as variáveis, liga-das a cada circunstância.

1. Carisma é um termo que nãotem significado único. Já no NT(aparece 17 vezes, sendo 16 sóem Paulo), é usado com umsignificado geral: dom gratuito,graça concedida a todos, e comum significado específico: domparticular, manifestação damultiforme graça de Deus quese diversifica em cada crente,diversos membros do únicoCorpo de Cristo, que é a Igreja(1Cor 12; Rm 12; Ef 4). Assimé raiz de um serviço, de umatarefa, de um modo de ser eagir e que concorrem para asantificação da vida cristã e davida da Igreja. O Concílio Vat.IInão descreve diretamente aV.R. como “carisma”, masaponta para esta direção quan-do a descreve como dom doEspírito Santo, como diversida-de de dons que dão lugar a for-mas estáveis de vida, que aIgreja reconhece e que contri-buem para a sua edificação emissão. (LG 43-44; PC1).Paulo VI na Evangelica Testifi-catio (1971) fala de “carismado fundador” no sentido de queele é suscitado por Deus. Refe-rido à vida religiosa, carismaindica o dom constituído pelaprópria vida religiosa, aplicadoa um Instituto, indica a suaidentidade e a missão (ET 11).João Paulo II, na exortaçãoapostólica pós-sinodal Vita

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c) sintético, de modo genético e formativo.É uma análise que pressupõe, num certomodo, os dois primeiros e se propõe aindividualizar o núcleo central, gerador,onde o/a fundador/a chegou e ao redor doqual tudo é reexaminado. À luz de tal cen-tro fundante e perspectivo, verifica-se acoerência das suas expressões de atuação,como estilo de vida e especificidade deserviço, e emergem as implicações forma-tivas. A escolha deste terceiro caminho,que não torna supérfluos os outros dois,(aliás, precisa deles), é devido aqui às exi-gências de dispor de uma apresentaçãobreve e aberta do carisma, de modo apoder servir de ponto de convergência e dediálogo para o seu aprofundamento-atuali-zação e para o cuidado das instâncias for-mativas, na variedade das culturas em queo Instituto se radicou e vive2.

Consecrata (1996), refere-se àVR como um dom específicodo Espírito Santo que aprofun-da e desenvolve a consagraçãobatismal e que contribui pararealizar a santidade e a missãoda Igreja (31-32). Em resumo,pode-se entender por carisma,segundo o uso que hoje se tor-nou comum, uma modalidadeparticular de atuar o seguimen-to de Cristo, suscitada peloEspírito Santo e reconhecidapela Igreja que ajuda a realizara figura e a missão da Igreja.

2. A brevidade do texto é devi-do ao seu caráter sintético,uma vez que o Instituto já dis-põe, além de suas Constitui-ções-Regra de Vida, de umconjunto de documentos ela-borados em resposta a solicita-ções de aprofundamentos eatualização, de formação e deexplanação de sua ministeriali-dade, na mutação das condi-ções sócio-culturais. O caráteraberto responde à finalidade deservir, num contexto de plura-lismo cultural e operacional vivi-do pelo Instituto no mundo, aodiálogo e ao intercâmbio parareconhecer e manter nas diver-sidades a identidade carismáti-ca e, reciprocamente, parafavorecer a compreensão decomo a mesma riqueza caris-mática possa ser expressaatravés de modalidades dife-rentes de atuação.Este objetivo pede acolher aexigência de interpretar o caris-ma como condição para atuá-lo fielmente na mutação dascondições históricas. Interpre-tar significa reconhecer a nãocoincidência entre o carisma eas suas formas expressivas nahistória. Para compreendê-lo énecessário, portanto, retornar

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ao processo que o levou a seformular, de acordo com asdiferentes maneiras na diversi-dade de condições que encon-tra. O Concílio Vaticano II, lem-brou que uma correta renova-ção da Vida Religiosa “com-porta o contínuo retorno àsfontes de cada forma de vidacristã e ao espírito original dosInstitutos e, ao mesmo tempo,a inserção dos próprios Institu-tos nas condições mutáveis dotempo” (PC 2). Depois do apeloao fundamental seguimento deCristo, dois, entre os critériosusados pelo texto conciliar,parecem muito significativos:1) a compreensão do espírito eda finalidade dos fundadores e2) a consciência das condiçõesdos tempos e dos homens edas necessidades da Igreja. Étambém relevante o apelo parao empenho da renovação e do“ajornamento”, que compete atodos os membros dos Institu-tos, (PC 4), o que exige umgrande cuidado na formação(PC 18). Trata-se de favorecero encontro entre a compreen-são do passado, onde o caris-ma tomou forma e se tornou“tradição”, e a compreensão dopresente, onde o carisma échamado a servir o Reino deDeus na Igreja e como Igreja,segundo a sua especificidade.Sujeito de tal compreensão é,antes de tudo, o sujeito do caris-ma, ou seja, as comunidadesconcretas nas quais o Institutose articula e vive.

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O lugar do carisma na fé cristã

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Acompreensão de um carisma tem o seulugar na compreensão da fé e da sua

estruturação, ou seja, da fé como ato, comoconteúdo e como atitude.A fé cristã é adesão pessoal ao Evangelho,ato da liberdade que acolhe a boa notícia deJesus. Esta boa notícia tem como conteúdo ariqueza da paternidade de Deus, nos traçoshumanos de Jesus que se tornou um de nós,nosso irmão, e operante em nós e entre nósno dom do seu Espírito, concedido a todos.Esta fé tem, simultaneamente, caráter pes-soal, comunitário (eclesial) e operativo. Parareconhecer o lugar do carisma em relação aofundamento e no interior da fé, deve-se levarem consideração alguns pontos essenciais.

A fé como encontroA figura fundamental da fé cristã é a doencontro1 provocado por um acontecimen-to e anunciado pelas testemunhas suscita-das por tal evento. Trata-se do encontrocom Jesus de Nazaré, profeta do Reino deDeus, morto e ressuscitado, Filho de Deuse Senhor de todos, acreditado, celebrado,testemunhado e anunciado pela Igreja.

1. Deve-se notar, em primeirolugar, que também do ponto devista antropológico, o encontro(não como puro fato físico,mas intencional) é o espaço davida. De fato, ele permite acada um a experiência de ver opróprio valor reconhecido(além de satisfazer as própriasnecessidades), e a possibilida-de de descobrir na forma dotestemunho, valores promocio-nais e dignos de ser persegui-dos e, portanto, a perspectivade dar direcionar a própriavida, estruturando-a de modoadequado às próprias capaci-dades, acolhendo com reconhe-cimento a partilha que de talmodo também se encontram eainda levando em conta os ine-vitáveis momentos de solidãoe dificuldades, uma vez que seempenha por aquilo que édigno, mas que ainda não setornou inteiramente identidadena nossa história.

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ofertaEste encontro se apresenta como oferta dadisponibilidade do amor do Pai, expressoem termos humanos no Filho Jesus ecapaz de se tornar em nós, graças ao seuEspírito, fonte de vida, filial e fraterna.

decisãoEsta oferta, que da nossa parte é desco-berta inexaurível, coloca-nos em condi-ção de uma decisão, de uma escolha, queé percebida como algo que valoriza anossa vida, as riquezas pessoais e cultu-rais de cada um, em termos de realização.

aprofundamentoA decisão de fé continua a se nutrir dariqueza do encontro que a gerou, segundoas modalidades com as quais o SenhorJesus se expressou e que a Igreja acolheu:a Palavra, os sacramentos, o ministério, naincessante criatividade do Espírito. A deci-são de fé é modelada pelo seu fundamen-to, o Senhor Jesus, e pela relação comEle, através da qual nós chegamos a umagradual compreensão de seus conteúdos.

atitudesDecisão e conteúdos pedem e alimentamatitudes adequadas, como a escuta, a inte-riorização da Palavra, a compreensão dossinais, a cordial e humilde aceitação doserviço fraterno, que permitem à decisãode fé se tornar fidelidade e perseverança,abandono confiante no Senhor. Sem estasatitudes, falta à decisão e ao conteúdo dafé o terreno adequado à sua vitalidade.Os conteúdos sem a decisão, por sua vez,

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correm o risco de se tornar simplesmenteconceitos intelectuais, como também aperseverança sem o cuidado dos conteú-dos, pode reduzir-se a mera devoção.

pluralidade dos carismasEm razão da riqueza superabundante que oencontro com o Senhor oferece, nenhumcristão pode considerar-se completo.Cada uma faz parte do coro das testemu-nhas beneficiadas pelo encontro na frater-nidade que vive pela graça, segundo umavariedade de modalidades e de ações que,provam exatamente a sua não exaustão.É esta riqueza do Espírito que sustenta aIgreja, que contribui, segundo o dom con-cedido a cada um, para torná-la vitalmen-te o que ela foi chamada a ser.É o conjunto dos dons do Espírito que per-mite à Igreja retomar continuamente naHistória o seu “bom funcionamento”,segundo a caridade de Deus e de permane-cer aberta a todos, principalmente aospobres, aos marginalizados da História,com os quais o Senhor se solidariza aponto de se identificar com eles.

vida consagrada religiosaNo coro dos carismas da Igreja, a variadatradição da vida consagrada/religiosa,encontra sua origem e razão de ser. Ela dáênfase à transcendência do Reino de Deus,ao seu valor que ultrapassa todas realida-des históricas, e se traduz na acentuaçãoda gratuidade do amor de Deus para comtodos. A vida religiosa está intimamenteligada ao evento da encarnação, do qualenfatiza o valor transfigurador. A Vida reli-

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giosa na Igreja não comporta fuga dahistória, enquanto lugar do provisório,mas se torna profecia que invoca e seempenha para a antecipação do definiti-vo - a vida eterna. É peculiar instância pro-fética, que toma forma segundo os diver-sos impulsos do Espírito e daquilo que ascondições históricas têm necessidade, paraque seja visível a salvação do mundo. Estasalvação se realização além do limite dahistória, mas é salvação da história e nãoevasão dela2.Destinatários da salvação são o nossomundo e a nossa história, chamados àpurificação e maturidade na plena estaturados filhos de Deus. Chamado à ressurrei-ção é todo homem na sua “carne”, ou seja,na trama das relações que lhe são própriase no caminho através do qual é chamado adesenvolvê-las e amadurecê-las. A escato-logia não leva o mundo ao ponto zero, doqual deveria começar tudo de novo,segundo modalidades, sem ligação comtudo aquilo que precedentemente eleexperienciou e viveu; ela se configuramais como juízo que discerne e leva à rea-lização do que viveu segundo a bondadede Deus, reconhecida nas palavras e gestosde Jesus e acolhida nas inspirações do seuEspírito. O definitivo não desvaloriza oprovisório, mas revela o seu valor de ser-vir profeticamente.

2. Podemos notar como aExortação Apostólica pós-sino-dal, Vita Consecrata, indique noícone da transfiguração umarepresentação da vida religiosa.

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O carisma de Madalenade Canossa

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Ocarisma de Madalena pode ser colhido,sinteticamente, quer no perfil que, “por

obediência”, ela traça do caminho espiritualque a leva a dar vida à obra das Filhas e dosFilhos da Caridade1, quer através dos escri-tos com que ela o exprime para as suas fi-lhas2, quer nos eventos nos quais ela reco-nhece a progressiva realização dele3, querainda nos diálogos, principalmente epistola-res, onde ela é solicitada a clarificá-lo comprecisão, para evidenciar sua peculiaridade4.Tentamos aqui uma descrição sintética docarisma, segundo a sua gênese, e procurandodeixar transparecer as instâncias formativas

1. O amor do Senhor Crucificado fonte do carisma de Madalena

Madalena reconhece que a sua vida e a suaobra são inteiramente movidas e orientadaspelo contraste paradoxal que ela contemplano Senhor Crucificado que, devido às cir-cunstâncias da história, é reduzido exterior-mente à impotência da cruz, marcado pelarejeição, do não-amor, revelando assim aface escura da história humana e fonte da suapobreza. Ele, interiormente, torna-se sobre-maneira ativo, exercendo as virtudes em

1. Madalena inicia suas Memó-rias dizendo: “Tendo sido obri-gada, por obediência, a revelarcom quais meios e por quaiscaminhos Deus se dignou darinício à Instituição das Filhas daCaridade, escreverei o que re-cordo, como melhor a memóriame sugerir”.

2. Refere-se de modo particularà Regra Difusa, escrita (prova-velmente entre 1814 e 1815),conforme a própria Madalenaafirma no prefácio, para indicaros “meios” necessários para arealização do carisma. Nos Pla-nos, Madalena apresenta às au-toridades eclesiásticas e civis,as intenções que a movem e osobjetivos que entende perse-guir com a sua Instituição.

3. A fundação da Casa de Vene-za (1812), é particularmente si-gnificativa, por ter sido abertaem condições de enormes difi-culdades, “sem nenhum apoio”(M. III, 14). Madalena escreve apropósito: “Deus começoutambém esta casa, que por sera primeira onde se exercem ostrês ramos de Caridade, é con-siderada como a primeira doInstituto”. (Carta a Carolina Duri-ni, 30.01.1816; cf. a mesma emdata de 09.08.1812).

4. Ë particularmente iluminadoro intercâmbio epistolar com

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grau supremo e, de maneira inefável, a cari-dade para com Deus e os homens5. O SenhorJesus não se deixa condicionar por forçasexternas, mas continua a viver impulsionadointeriormente pelo seu Espírito amabilíssi-mo, generosíssimo, pacientíssimo(RD,Pref.). Esta liberdade de amar, que liberta ohomem das suas escravidões, vértice da reve-lação de Deus, se torna a grande atração, agraça, que inspira Madalena: “não podendopor mim mesma, senti-me transportada aamar Jesus com o coração de Jesus”(M.XIII,10)

2. O amor do Senhor Crucificado ponto de chegadada busca de Madalena

No Senhor Crucificado, no amor que a suacruz revela e realiza, Madalena encontra acomposição dos motivos, impulsos e tensões,por cuja realização buscou e se esforçou emsua juventude. As “Memórias” registramprincipalmente cinco:

◆ A busca de agradar a Deus, o desejo deancorar a própria vida no único Deus, no“Deus só”. É o percurso que, no início deseu caminho espiritual, a leva para a clau-sura6.

◆ A exigência de socorrer os pobres, aquelesque são empurrados para a margem dasociedade e das possibilidades que ela ofe-rece. Trata-se dos “irmãos necessitados”,cujo abandono esconde a paternidade deDeus por todos7.

Antonio Rosmini, entre 1821e1835. Em particular na longacarta a ele endereçada no dia 08de janeiro de 1826, Madalenaespecifica seu modo de enten-der a atuação da Caridade emseu Instituto, modo que é dife-rente daquele do estimadíssi-mo amigo de Rovereto, o qualretém que a Caridade mais am-pla e universal, seja aquela liga-da aos ofícios próprios do minis-tério eclesiástico. Para Madale-na, porém, o critério principalda Caridade é a necessidadedos pobres e a possibilidade damaior proximidade com eles.(Cf. A . CATTARI, E. DOSSI, M.NICOLAI, Maddalena di Canos-sa in dialogo, III, 197-340).

5. Cf. RD, Carità verso Dio, Po-vertà 1; Carità verso il prossi-mo 1.É importante observar que nes-ta intuição Madalena recupera osignificado profundo da devo-ção a Jesus Crucificado, resga-tando-a do risco de se deter nosofrimento como se ele fosse oúnico significado da cruz. Aperspectiva de Madalena apare-ce próxima da de João, que vêna Paixão de Jesus a hora daglória e como o esplendor doamor, que permanece fiel exata-mente quando a sua eficácia écontestada, quando se encon-tra exposto à incompreensãoaté à rejeição (Cf. Jo 12,23-28:13,1: 31-35: 19, 28-30).

6. Cf. Cartas do Padre Libera;M. I, 3-15. As cartas do PadreLibera constituem uma precio-sa fonte indireta da busca da jo-vem Madalena.

7. Cf. I Piani, a partir do primei-ro, B6 (1799), M. I, 25 (inspira-do no livro de Tobias): RD,Pref.:“como serva dos pobres

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◆ O empenho em combater o mal, em seopor àquilo que compromete a vida,fazendo brilhar as energias de salvação doEvangelho8.

◆ O apelo missionário, a compreensão dauniversalidade do Evangelho como gratui-dade do amor de Deus por todos oshomens9.

◆ A busca da glória de Deus, da divina gló-ria (M. I,29), o desejo de “não ter outrapreocupação a não ser pela glória deDeus e a salvação das almas, entregandoa Ele o pensamento de qualquer outracoisa” (M. II,50)

Estas cinco solicitações, que tinham impul-sionado Madalena para tentativas de soluçãoque sempre ofuscavam uma ou outra, encon-tram uma original síntese no dúplice manda-mento do amor, levado a efeito pelo SenhorJesus na sua cruz, onde o amor para comDeus é vivido ao dar expressão acabada nahistória do seu amor pelo homem, dando gló-ria a Deus e santificando os homens. Na cruzdo Senhor, Madalena vê encontrar-se, demaneira inseparável, a instância religiosa e amissionária que urge dentro de si. Nesta ori-ginal composição, Madalena reconhece aconfiguração do seu carisma. Esta se torna,finalmente, a sua estrada, a intencionalidadeque a impulsiona a projetos e realizações.

devemos a eles os nossos cui-dados, fadigas, atenções e osnossos pensamentos”. Refe-rente a Mt. 18,5 e 25, 31-46,Madalena lembra que se sepa-rar dos pobres significa disso-ciar-se do Amor de Deus (RD,Regole delle Scuole, Intr.). Osdois tratados da identidade “Fi-lhas da Caridade-Servas dosPobres”, são indissociáveis.

8. Cf. RD, Discipline per l’ese-cuzione, Regole delle scuole,Introduzione (pp. 95-96), M. I,27-30 (inspirado no Salmo50,15). Ainda no fim das Me-mórias, Madalena reconhece asua vocação de “procurar im-pedir os pecados movida pelosentimento do amor [alimenta-do pela Eucaristia],” (M.XV.74).

9. Cf. Memórias, I, 28 (inspira-do em MC 16,15), 31 (preocu-pação pela união da Igreja gre-ga com a Igreja romana).

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3. A riqueza do amor do Senhor Crucificado

A contemplação do amor do Senhor Crucifi-cado leva Madalena a compreender trêsaspectos indivisíveis:

◆ A revelação plena e definitiva do amormisericordioso do Pai por todos, do“curso das Divinas Misericórdias”, da“Caridade Divina”, “Bondade Divi-na”10. Numa história organizada segundomecanismos que produzem discrimina-ções e distâncias, que empobrecem eempurram para a marginalização, Deusintervém fazendo-se nosso próximo, exer-cendo um ato de recuperação e de recon-ciliação. Mediante a sua misericórdia,Deus reconduz cada um à sua dignidade,através de relações fraternas. Assim, afidelidade a “Deus só” e a busca de suaglória, levam Madalena, simultaneamente,à contemplação e aos três ramos de Cari-dade: estar “a sós com Deus só” e ani-madíssima a trabalhar pelo Senhor”(M.XIII, 13)11.

◆ A revelação do modo pelo qual Deus vemao nosso encontro, movido pelo seu amor.Em Jesus, Deus se faz nosso próximo,expondo-se à humilhação, à pobreza, àmais baixa condição, a ponto de ficar“despojado de tudo, exceto que de seuamor”, “não respira senão caridade”12.É a trajetória que Madalena encontra pro-clamada no hino cristológico da carta dePaulo aos Filipenses: “o Divino Senhor sefez por nós obediente até a morte e mortede cruz”13, e na apresentação que Jesusfaz do seu ministério e de si mesmo aos

10. Cf. RD, Virtù della mortifi-cazione, p. 222; Piano B.8-8;B.5-5. Expressões como o“Amor Divino”, a “Divina Cari-dade” (RD, Carità verso Dio,Virtù dell’umiltà, Reg.1; dellapovertà, Reg.1) são indicativasdo amor do Pai ao qual temosacesso contemplativo atravésdo Senhor Jesus na cruz (cf.RD, Carità verso Dio, Reg. 1).

11. No contexto de M. XIII, 13 o“a sós com Deus só”, marcoucaráter soteriológico: a relaçãocom Deus é a única em que en-contramos plena libertação denossas fraquezas. Compreen-de-se, portanto, que esta rela-ção nos anima a trabalhar paraque também outros possam teracesso a Deus.

12. Cf. RD, Carità verso Dio,Povertà, Reg.I; RD, Virtù dellaCarità fraterna, p. 204.

13. Cf. RD, Voto di obbedienza;Regole dell’ospitale, XV.

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discípulos (cf. Mc 10,45 par.): “o nossoDivino Salvador, embora sendo o Onipo-tente e o Altíssimo, que apareceu visivel-mente na terra para a nossa salvação,atestou que veio não para ser servido,mas para servir”14. É o caminho que aprópria Madalena percorre não se limi-tando a dispensar a caridade aos pobres nasua condição de senhora rica, mas fazen-do-se serva dos pobres, expondo-se a setornar pobre para servir os pobres. Mada-lena entendeu que não podia amar ospobres como senhora rica, mas que oamor de Jesus Crucificado lhe dava ahonra de servi-los15.

◆ A revelação do objetivo que Deus perse-gue vindo ao nosso encontro pela via doamor: acender em nós o amor porque nelese encontra a vida, a salvação da vida e asua riqueza segundo Deus. Fazendo con-hecer Jesus Cristo “primeiramente seexcita a santa caridade em afeto, e entãose ensina a praticá-la de fato”(RD. Regrapara a Doutrina, Introdução).

14. Cf. Regola per la Dottrina,Introdução.

15. Cf. João Paulo II, Homiliapor ocasião da Canonização deSanta Madalena de Canossa, 02de outubro de 1988. É a expe-riência que Madalena viveu demodo muito intenso na funda-ção da casa em Veneza: “Deusme conduziu, não só a dedicar-me a esta obra, mas a viver aí,efetivamente, sem nenhumapoio, como tantas vezes me fi-zera desejar” (M.III,14). Trata-se daquele estilo de servir, quePio XI resumiu no lema: “cari-dade na humildade, humildadena caridade”. (Pio XI, Alocuçãopor ocasião da leitura do decre-to sobre a heroicidade das vir-tudes de Madalena de Canossa,06 de janeiro de 1927). Madale-na, explicitamente, une as duasvirtudes em M. XIV, 52: “EmMilão, determinei-me a praticarprincipalmente a humildade e acaridade”. Pio XII, por sua vezcomentou: “o amor não sabe fi-car longe daqueles queama[...], Madalena se sentiaserva e irmã dos pobres”. (Dis-curso da beatificação, 09 de de-zembro de 1941).

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4. O dúplice mandamento do amor

O amor contemplado no Senhor Crucificadoleva Madalena a compreender de modo sin-gular o conteúdo do dúplice mandamento doamor, como síntese da vida segundo o Evan-gelho. A caridade para com Deus e para como próximo recebe toda a sua luz “dos exem-plos e do Espírito do Crucificado”16.

O imperativo “inspice et fac secundum exem-plar” (M. I,32; Êx. 25,40, interpretado cris-tologicamente em Hb 8,5), indica o caminhoque leva ao cumprimento do dúplice man-damento do amor. A contemplação das virtu-des do Crucificado nos impele a amar a Deuscomo resposta ao amor de Deus que nelas serevela e se exprime em forma humana emnossa história. O mesmo amor contempladoem Jesus Crucificado guia o nosso amor paracom o próximo, não como esforço nosso,mas como partilha do amor de Deus paracom todos, de modo particular para com ospobres. Trata-se do nosso amor como “imita-ção na atuação”17, como seguimento do Se-nhor na sua dedicação a cada irmã e irmão,particularmente aos mais pobres. No reco-nhecimento e na partilha do amor de Deusque se abriu a nós no amor do Senhor Cru-cificado, todo homem chega à plenitude eassim celebra a glória de Deus e a glória doseu amor.

16. Cf. RD, Pref.; Carità versoDio, Reg. 1; Carità verso il pros-simo, Reg.1.

17. Cf. RD, Carità verso il pros-simo, Reg.1.

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5. A Eucaristia como lugar eclesial do amor do Senhor Crucificado

A Eucaristia, na experiência de Madalena, élugar carismático particularmente em evi-dência, “ambiente” espiritual que envolvetodo o seu caminho. Da Eucaristia vem“suprema paz, alegria, desejo de paraíso;mas ao mesmo tempo, desejo de trabalharbastante”. A razão disso é “o amor do Se-nhor manifestado aos homens no ato de insti-tuir o divino Sacramento”(M.III,45-46)18.Na celebração da Eucaristia, Madalenareconhece a permanente disponibilidade doamor do Senhor crucificado e a graça devivê-lo, no serviço generoso a quem émenos envolvido pelo amor. De modo sin-gular, a Eucaristia lhe recorda o momento e omodo pelo qual o Senhor nos confiou o man-damento do amor. A íntima relação entre aÚltima Ceia de Jesus e a entrega do “seu”mandamento aos discípulos, indica que eledeve ser vivido como efetiva união dos cora-ções, como partilha. Por sua vez, a íntimaligação entre a ceia e a paixão de Jesus enfa-tiza sua total gratuidade e a medida semmedida (RD, Istruzioni alle figlie, virtù dellacarità fraterna)19.

18. São freqüentes as referên-cias eucarísticas nas “Memó-rias”, cf. M. I, 25; M. III,19; 33;IV, 11. 19.40; V,6. 14. 36;VII,7.16....

19. Cf. M. III, 46-49: “O ter lidoalguma coisa que tratava daÚltima Ceia de Jesus, e espe-cialmente do seu amor peloshomens no ato de instituir oDivino Sacramento[...], fez-meentrar em mim mesma, a pontode eu começar a me recolher...;este sentimento do amor deJesus pelos homens... dava-me tanto desejo de torná-loconhecido e amado”.

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6. Maria, ao pé da Cruz e Mãe da caridade, “Fundadora”da obra de Madalena

Madalena reconhece em Maria o lugar ondeo amor do Senhor Crucificado encontrouplena acolhida, e por isso as Filhas da Cari-dade são chamadas a aprender com ela comose tornar disponíveis à caridade do Senhor.Pelo dom do Espírito e na comunhão dossantos, a exemplaridade de Maria, se traduzna sua maternidade. Trata-se de uma mater-nidade que tem clara configuração apostóli-ca: Maria ao pé da cruz é partícipe da lutacontra o mal, da dedicação que pede acolhi-mento incondicional dos homens marcadospelas feridas do pecado. Maria é “constituí-da mãe da Caridade ao pé da cruz, naquelemomento em que pelas palavras do seu Divi-no Filho agonizante, nos acolheu a todos emseu coração” ainda que pecadores” (RD,Pref.).

Porque esta maternidade é participação napaixão do Senhor para o resgate de todos nóspecadores, Madalena reconhece nela umexercício peculiar na fundação das Filhas daCaridade: elas são o seu instituto, dedicadoaos pobres de educação, instrução e de assis-tência, por causa do pecado20. Na ótica deMadalena, o deixar-se educar por esta mater-nidade significa trabalhar esforçando-se epadecendo, para que todo homem venha àluz como filho de Deus21.

20. Cf. Ep. II/1, 505; II/2, 1135.1426; III/1, 178. 240; III/2, 936.1001. 1266; III/5, 4050.

21. Este caráter apostólico damaternidade de Maria sobres-sai numa anotação, tomada deuma companheira, duranteuma conferência feita por Ma-dalena, para animar as Filhas daCaridade: “mostrou que o amorde Maria foi constante nas do-res de seu Jesus, até ele agoni-zar na cruz, mas ela permane-ceu sempre intrépida e cons-tante no sofrimento. Assimtambém, uma Filha da Caridadedeve ser forte e perseveranteem imitá-la, ainda que lhe de-vesse custar a vida no exercíciodas obras do Instituto”. (RssII,222-223); cf. também o Pla-no da Instituição das Terciáriasdas Filhas da Caridade (Rss II,46)

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7. A Caridade segundo a lógica do Crucificado plasma afraternidade da comunidade

A fraternidade nasce do amor gratuito ecapaz de curar todas as feridas, que contem-plamos em Jesus Crucificado, que celebra-mos na Eucaristia e que vemos totalmenteacolhido por Maria, mãe da caridade. A fra-ternidade explica a sua vitalidade cotidiana esustenta nas provações do apostolado, se asirmãs estiverem bem fundamentadas inte-riormente, ou seja, se para elas o amor doSenhor é fonte e regra de vida(RD, Virtudeda Caridade fraterna). Somos gerados eregenerados para a fraternidade através doperdão e da reconciliação, como seu dinami-smo constante, cotidiano: “fica também pres-crito que, se por acaso uma Irmã faltar decaridade para com uma outra, deve pedirdesculpa e se reconciliar com ela antes dedormir” (RD, Caridade para com o próxi-mo, Reg. 5). A vida fraterna é basicamentecaracterizada pelo mútuo reconhecimento deque todos nós fomos tocados pela misericór-dia de Deus no amor de Jesus Crucificado.Assim, a fraternidade da comunidade22 apa-rece como primeira atuação do dúplice pre-ceito da caridade contemplado em Jesus Cru-cificado. Ela é condição indispensável paramanter efetivamente a caridade como inspi-ração de todo o operar: sem isso fica-seexposto ao risco de se tornar “fantasmas decaridade”23.

22. O binômio comunidade-fraternidade pressupõe umanecessária correlação, emboranão apresente uma coincidên-cia. Fraternidade refere-se auma qualidade das relações,motivada por uma intencionali-dade que inspira o estar junto.Comunidade se refere à estru-tura ou organização na qual afraternidade toma forma e que aprópria fraternidade acontecepara garantir-se as condiçõesindispensáveis. Cristãmente, afraternidade é partilhar, tornarreciprocamente disponíveis osvalores do Evangelho, fazerjunto a vontade do Pai. Istoacontece através da estruturahumana de cada um que se dei-xa julgar e purificar pelo Evan-gelho. Fraternidade é tambémajudar-se nesta comum dispo-nibilidade ao Evangelho. Fazparte desta ajuda a comunida-de, como um conjunto de rit-mos e instrumentos assumidospara este fim. A comunidade éfeita para ser laboratório de fra-ternidade e assim também si-nal. (cf. CONGREGAÇÃO PARAOS INSTITUTOS DE VIDA CON-SAGRADA E AS SOCIEDADESDE VIDA APOSTÓLICA, A vidafraterna em comunidade, Roma1994).

23. Cf. RD. Carità verso il pros-simo, Reg. V; La virtù della ca-rità fraterna, pp. 205-207, re-mete a Jo 13, 34-35, em cone-xão com a Eucaristia e a Mt 18,19-20, no fim do tratado, p.217.

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8. A ministerialidade da Caridade: uma caridade universal e integral

A ministerialidade da caridade em relação àscondições de existência humana na História,aparece desde o início como elemento cons-titutivo do carisma de Madalena. O quedetermina a operatividade da caridade é acondição concreta dos pobres 24. Segundo ocarisma de Madalena, o amor do Senhorsuscita, sim, a contemplação estupefata mas,sempre de tal modo que indique o rumo daação inspirada pela caridade.Como a própria Madalena diz, trata-se de“ imitar o Divino Salvador na atuação dosegundo preceito da caridade”25 No operarexiste a aceitação de um padecer como sinalda luta contra o mal da qual a cruz do Senhorrevela todo o peso e a dedicação que elarequer. O “torcular calcavi solus”(M. V, 15)que se refere a Is 63,3, já interpretado cris-tologicamente em Ap 19,15), evoca bem adeterminação e a dedicação com que o Senhorconduz a luta contra o mal26. Intimamenteligado à luta contra o mal estão a atitude eo estilo da humildade do serviço, que seadapta à situação da pessoa e visa sua pro-moção, para fazer com que ela possa encon-trar o seu lugar na sociedade e na comunida-de eclesial, reflexo e experiência do lugarque lhe foi concedido pelo Senhor27.

Articulações permanentes e indissolúveis docarisma são os três ramos ou ministérios dacaridade: a educação (ou resgate e promoçãoda pobreza), a evangelização (revelação dafonte e meta da dignidade de toda pessoa), ea assistência (testemunho/ anúncio que a vul-

24. “Parece que as necessida-des do próximo, podem se re-duzir principalmente a três,sendo que delas derivam, de-pois, quase todos os males. Ne-cessidade de educação, neces-sidade de instrução, necessida-de de assistência e de ajuda nasdoenças e, na morte”. (Piano B.6-6)

25. Cf. RD, Carità verso il pros-simo, Reg. 1.

26. A releitura cristológica evi-dencia que a luta de Deus con-tra o mal encontrou a sua defi-nitiva atuação em Cristo e nasua páscoa, onde o mal é desti-tuído de qualquer pretensão dejustificação, é, definitivamente,pisado e expulso de sua preten-são de determinar o homem.

27. Cf. RD, Virtù dell’umiltà,Reg. 1-3; Carità verso il prossi-mo, Reg. 2; Regole delle Scuo-le, Intr.; Reg. XXXI.

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nerabilidade humana não é sinal do abando-no da parte de Deus e não é a última palavrada vida)28. Estas três direções da caridadeemergem como o concretizar-se do amor nashistóricas condições estruturais do homem,para o qual o Senhor se expôs à cruz.Nelas se reconhece facilmente uma implíci-ta antropologia do carisma, a antropologia dacaridade, que pede para cuidar das condiçõesda liberdade da pessoa, para que ela possareconhecer o amor de Deus e a Ele se entre-gar, na partilha operosa, na fidelidade e naconfiança.A prova de como a caridade, a caridade doSenhor, acolhida e partilhada, sabe fazeremergir e salvaguardar o valor de cadahomem, no modo próprio de sua dignidadesão os pobres, que são sempre os empobreci-dos, em condições de desvantagem. A ministerialidade da caridade, como Mada-lena a entende a partir do amor do SenhorCrucificado, contém a abertura missionáriaao mundo inteiro, a qualquer lugar onde oSenhor não é amado porque não é conhecidoe onde o homem não é objeto do amor:“desejaria poder me reduzir a pó, se dessemodo pudesse dividir-me por todo o mundopara que Deus fosse conhecido e amado”(M.III,50)29.

28. O Instituto das Filhas daCaridade dispõe de dois docu-mentos recentes, sobre a cari-dade como caminhos para aatuação integral da caridade:Linhas Mestras da Caridade Mi-nisterial das Filhas da CaridadeCanossiana (Roma,1996) e AMinisterialidade na Comunida-de Canossiana, sinal legível daCaridade (Roma, 2002).

29. Cf. M.I, 28; II, 45-46. Namesma linha se vê a aberturaecumênica de Madalena que,nas situações históricas daépoca, não teve ocasião deatuá-la (cf. M. I,31; XIII,77). Acaridade do Senhor é abertura atodos os que buscam reconci-liação.

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9. O carisma de Madalena:prática da contemplação da caridade do Crucificado

O carisma de Madalena pode ser entendidosinteticamente, segundo a sua gênese, comouma intuição peculiar da caridade do Senhorno mistério da sua paixão: ela é totalmentegratuita, imerecida(dirigida a nós incapazesde compreendê-la), fraterna (implica numaaceitação de mútua reconciliação) e apostóli-ca, habilita a servir no estilo do Senhor, sempretensão de reconhecimento, mas somentecom o intuito de fazer o bem.30 E justamen-te este rosto do amor do Senhor Jesus, quenarra a sua glória na paixão, a ressurreição namorte, é também a fonte da unidade de vidado carisma vivido, porque ele não faz senãosecundar a dinâmica da caridade contempla-da, partilhada e oferecida. A própria Mada-lena resume tudo isso na afirmação: “FazerJesus Cristo conhecido, pois Ele não éamado porque não é conhecido”31. O conhe-cimento do Senhor, porque é conhecimentodo seu amor por nós, leva-nos a partilhar oseu amor entre nós e com aqueles que carre-gam o peso do não amor.O carisma de Madalena foi vivido na Igreja,desde o início segundo o estatuto da vidareligiosa/consagrada, assumindo os traçospeculiares da profissão de castidade, pobrezae obediência, segundo o espírito próprio e aforma da comunidade fraterno-apostólica.32

O carisma, porém, reconhece também a par-ticipação de leigos, segundo modalidadesdiferentes que experiências e documentos doInstituto procuraram implementar e explici-tar.33 Na variedade das modalidades de parti-

30. Cf. RD, Regole delle Scuo-le, 35.

31. RD, Discipline per l’esecu-zione, Regole delle scuole, 1.

32. Cf. RD, Dei voti dell’Istituto,p. 47; Piano B. 10-9. Madalenapercebe que o seu Instituto nãoconstitui “uma religião monás-tica claustral, contudo [...] osindivíduos que o compõem de-vem observar uma vida religio-sa” (RD, Dei voti dell’Istituto),cujos meios principais são ostrês votos: de castidade, pobre-za e obediência, a vida fraternaem comunidade, segundo a re-gra (cf. B.7-7).

33. Cf. XI CAPÍTULO GERAL, Apromoção dos Leigos no hojeda Igreja e do Instituto, Roma1984; VO.I.CA, O voluntariadointernacional canossiano, Ro-ma 1996, part. pp.14-18.

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cipação no carisma se reconhece o seu cará-ter eclesial (não pertencente exclusivamentea ninguém) e a prioridade das suas intençõese finalidade em relação às formas de atuação.Devemos, porém dar uma atenção especialàs pessoas que se identificam com o carisma,porque elas assumem, segundo o seu estado,modalidades de vida cotidiana adequadas aalimentar e manter vivo o carisma. Assim,ele contribui para a vitalidade da Igreja, paramantê-la sensível a todas as nuanças doEvangelho.

10. “Filhas da Caridade Servas dos Pobres”

O nome de Filhas da Caridade-Servas dosPobres (RD, Pref.),evidencia como o dúpli-ce preceito da Caridade identifica as pessoasque partilham o carisma de Madalena, reali-zando a própria santificação no seguimentode Jesus Crucificado, como dedicação à gló-ria de Deus e à salvação das almas34. É exa-tamente a dimensão pascal da caridade quesublinha a indivisibilidade dos dois aspectos,para que, na paixão do Senhor, se percebaclaramente como o seu amor se orienta àque-les que, de modo particular, carregam aspesadas conseqüências da ausência do amorou por ele ficar exposto à possibilidade darejeição na história O serviço aos pobres é onome específico do amor de Jesus, segundoos traços da paixão; é sinal atuante de suaglória, de sua soberania na nossa história. É ainédita nobreza do Evangelho que Madalenacompreendeu na contemplação de Jesus Cru-cificado.

34. Preceito aqui não se referea alguma coisa que seja impos-ta, mas biblicamente, indica oque é irrenunciável devido aoseu valor e da grandeza dodom do qual ele brota. ( cf. Iní-cio do prefácio da RD).

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Carisma e Espírito do Instituto

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Para se viver o carisma é necessário umconjunto de atitudes, de condições e ini-

ciativas, que o exprimam e realizem o seuindispensável cuidado. O carisma vive de seupróprio espírito, reflexo do Espírito do Se-nhor, que se concretiza num conjunto de atitu-des, de modos de viver e servir que colocampermanentemente instâncias formativas.Madalena fala muitas vezes do “espírito doInstituto que deve ser transmitido inteira-mente e perfeitamente àquelas que virãodepois de vós”(RD, Conclusão, p. 315), para“ se conservar puro e livre de todo obstácu-lo” (Ep. II/1, 149), como também do “espíri-to da Regra”1. Os lugares onde o carisma éconservado e cultivado são essencialmentedois: a comunidade cristã e a comunidadefraterna carismática, o Instituto2. Na Igreja, entrelaça-se uma recíproca efecunda relação entre comunidade cristã einstituto. O ritmo essencial da Igreja, o anolitúrgico, e o seu caminho concreto na histó-ria dos homens são alimento fundamentalque o Instituto partilha com todos os mem-bros da Igreja. Por sua vez, o Instituto, emvirtude do carisma do qual haure vida, con-tribui para a caminhada da Igreja, para a suavitalidade. Ele surgiu como dom do Espíritopara a santidade da Igreja, para que ela possaser presença entre os homens nos moldespróprios da sua missão. Cultivar o carisma

1. Cf. RD, Impieghi della supe-riora, p. 243. O “espírito do Ins-tituto” designa atitudes e condi-ções referentes não só ao cam-po moral ou da piedade, mas àintegridade da pessoa, portan-to, também à inteligência, aoequilíbrio, à liberdade e à re-sponsabilidade. Trata-se aomesmo tempo de “sensibilida-de” e de exercícios e estruturasque contribuem para ajudar aperceber o significado do caris-ma e o que ele exige para seencarnar em nós.

2. É óbvio que os dois sujeitos,comunidade cristã e especificacomunidade carismática, nãosão alheios um ao outro. A co-munidade fraterna canossianaestá na comunidade cristã, vivea idêntica fé, mas como sujeitooriginal, portador de um caris-ma para a Igreja.

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significa estar atentos às condições em que serealiza este intercâmbio vital.

1. O Carisma na vida da Igreja

O Carisma encontra o primeiro e fundamen-tal alimento na vida da Igreja, na comumescuta da Palavra, na celebração da graça nossinais que a tornam visível, na referência aosministérios que garantem à Igreja fidelidadee unidade. O carisma nos torna participantesda vida da igreja segundo a sua específicanatureza, segundo a história de santidade queele suscitou. Desse modo contribui também afazer ressaltar a multiforme ação da graça deDeus.A respeito do que propõe o ritmo fundamen-tal da vida da Igreja, a vida da comunidade eo próprio caminho pessoal não pedem pri-mordialmente acréscimos, mas sim que sepreste bastante atenção, para que se possareconhecer de onde o carisma extrai seiva nointerior do patrimônio da fé e como, poroutro lado, ele coloca em destaque seusaspectos. Neste prisma compreende-se e sevaloriza as orações e práticas que o Institutopropôs ao longo da história e que as renova eas adapta ao tempo.

◆ Centralidade da Páscoa e contemplaçãodas virtudes do Crucificado. A devoção aJesus Crucificado tem o seu fundamento eo seu lugar na centralidade cristológica epascal da fé cristã, ressaltando a sua gra-tuidade onerosa e, por isso mesmo, suaconcreta universalidade. Esta tônica se ali-menta na meditação da Palavra e podepermear toda a experiência sacramentalque tem o seu eixo na Eucaristia3. A medi-

3. Este aspecto sobressai prin-cipalmente nas Memórias, on-de freqüentemente a experiên-cia eucarística une a riqueza doAmor de Deus às dificuldadesapostólicas.

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tação e a imitação das virtudes do Crucifi-cado, intuição profunda da riqueza de suavida, na morte e além da morte, nos pedeelaborar a sua atuação nas condições con-cretas do nosso operar eclesial. Leva-nos asublinhar o seu caráter de serviço e assu-mir as suas atitudes. Deste modo a inspi-ração carismática canossiana se tornapeculiar proposta de leitura do mistériopascal e contribui para a compreensão desua graça pascal que faz a comunidadeeclesial viver.

◆ Eucaristia e fraternidade. A participaçãona Eucaristia, memória da Páscoa do Se-nhor, nos recorda continuamente que acomunhão da comunidade cristã nasce dodom da reconciliação e é aberta a todos. Aintuição carismática de Madalena nos levaa viver a Eucaristia acentuando a plenaconfiança no amor de Deus, como lugaronde nos é entregue o mandamento doamor, como graça que nos instrui noscaminhos da fraternidade e do serviço.

◆ Dedicação ao Reino de Deus segundo odúplice mandamento do amor. O dúplicemandamento do amor, formulado tambémcomo busca da glória de Deus e da salva-ção das almas que se fundem na própriasantificação (RD, Pref.), corresponde àprioridade absoluta dada ao Reino deDeus e à sua justiça e constitui a orienta-ção fundamental da vida cristã que a Igre-ja conserva e alimenta. A leitura dodúplice mandamento à luz do mistériopascal, própria do carisma, contribui a pôrem foco a sua fonte e o seu modelo.

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◆ Missão da Igreja e ramos de Caridade.As formas específicas da Caridade mini-sterial, os três ramos de Caridade, sãomeios de participação, segundo o nossocarisma, na missão da Igreja, chamada amanifestar a salvação (trazida por Cristo)e a mostrar os caminhos que a ela conduz..É especialmente através da atenção dadaaos mais pobres, que colaboramos paraque a Igreja seja no meio dos homens,sinal e instrumento do amor de Deus, epara que todos, particularmente quem nãotem voz e nem vez, os encontre na Igreja.

◆ Maria, a mãe do Senhor, mãe da Cari-dade.Também o lugar de Maria, a mãe deJesus, na vida cristã é iluminado pela suaespecial relação com o Jesus Crucificado epela sua perspectiva apostólica específicado carisma. Madalena reconhece na MãeDolorosa a “Mãe da Caridade ao pé dacruz”. No exemplo de Maria para a Igrejaque caminha na história, a Família Canos-siana descobre também o exemplo para opróprio carisma e o enfatiza qual aspectosignificativo para toda a comunidadecristã.

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2. O carisma na vida do Instituto

O carisma sempre existe se vivido, segundotrês modalidades distintas e correlacionadasinternamente: ele existe no estado original navida da fundadora, conhece uma forma insti-tuída enquanto partilhado e aprovado pelaIgreja, é pessoalmente assumido por cadaIrmã e Irmão que se reconhece chamado aparticipar dele. Ele é, sem solução de conti-nuidade, carisma da fundadora, carisma defundação e carisma de um Instituto4. Mantê-lo nesta fecunda conexão, aceitando a tensãoque isto implica, é tarefa formativa que nãopode ser esquecida.

◆ Carisma e processos de formação

Compreendido e vivido na fé, o carismaestá em nossas mãos como permanenteinstância de formação, sem a qual ele correo risco ou de se fechar numa forma (de ummomento histórico e contexto cultural), oude se expor a improvisações que ofuscam asua fecunda conexão com a experiência e otestemunho original, ou seja com o carismacomo dom.Podemos recordar, sinteticamente, comotambém para o diálogo e o caminhocomum, algumas operações de fundo daformação permanente5.

• A descoberta. Nós vivemos o carismasempre dentro de formulações (verbais,de maneiras de vida, de serviço...), nasquais o recebemos e segundo as nossassucessivas experiências. É importante

4. É necessário reconhecer queesta terminologia é definível sópor aproximação. Foi introduzi-da e é útil para compreender al-gumas instâncias da renovaçãoque a formação deve saber as-sumir. Por carisma do fundadorpodemos entender um conjun-to de três elementos: uma ins-piração evangélica, um projetoque dele brota e o papel própriodo iniciador, também através dedons e atitudes estritamentepessoais. O carisma de funda-ção indica um valor evangélicoem evidência com os objetivosque dele brotam, a respeito deuma determinada situação e aoredor da qual se realiza umaconvergência e uma partilha.Carisma de Instituto é o caris-ma de fundação, como ele foirecebido, compreendido e con-firmado pelas experiências quequalificam sua realização na his-tória da família religiosa que oassume. O espírito do institutoenvolve todos os momentos docarisma e se renova exatamen-te através do processo de fide-lidade ao carisma e às suas for-mas expressivas e atuantes.Para se entender a apresenta-ção paulina de carisma ligado àvida consagrada e por esta ma-téria, aqui simplificada em ter-mos elementares e essen-ciais, pode-se consultar G.Rocca, Il carisma del fondatore,Milano 1998, que oferece tam-bém a seleção da bibliografiasobre o tema.

5. Pode-se reconhecer facil-mente este processo de modoespecial no Prefácio à Regra Di-fusa e encontrá-lo resumido naurgência de “estar bem funda-mentadas interiormente” (RD,Virtù della carità fraterna, p.204).

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que umas e outras se reaproximem,segundo etapas úteis e significativas, darealidade original na qual elas haurem,através de leitura correta das fontes docarisma6 e da fé dentro da qual o carismavive. A descoberta se torna, em nós, novacompreensão e possibilidade de atualizaros nossos modos de viver e agir.

• A interiorização.A redescoberta não setorna produtiva em nós se não encontra ocaminho para descer ao nível das motiva-ções, se não nutre a nossa memória fun-damental, a nossa reserva de razões devida, além do jogo dos resultados cotidia-nos (gratificações e dificuldades). Sim,trata-se da ação do espírito, mas existem,segundo a experiência humana e da Igre-ja, instrumentos e atitudes que acompanhamo processo, como por exemplo, a reflexãopartilhada que visa favorecer o diálogoentre as situações da vida e a riqueza docarisma na fé7.

• A renovação.O carisma se torna fecundosempre através das nossas capacidades eatitudes que cultivamos tornando-as com-petências. Toda vez que a mudança sócio-cultural nos leva a variações de compe-tências e de instrumentos dos quais nosvaler, coloca-se também a tarefa de re-atualizar sua ligação com a inspiraçãocarismática. De fato, nenhum instrumen-to é neutro; a inspiração carismática trazconsigo atitudes e atenções que permi-tem um uso coerente (e eventualmenteuma crítica purificadora)8.

6. Para uma indicação simplese de máxima pode-se consultaro documento: Per una letturadegli scritti di Maddalena.

7. Na linguagem de Madalenaisso corresponde à exigênciade traduzir a inspiração em vir-tude carismática (cf. Istruzionialle figlie, RD, mas não é só is-so)

8. A urgência de renovação pa-rece emergir sobretudo dosPlanos onde Madalena ressaltaa importância de um agir perti-nente às situações e na RD, on-de também para a vida das ir-mãs, pede que respeitem os lu-gares e costumes (cf. RD, Virtùdella Carità fraterna; Impieghidella superiora).

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• A decisão. Todo processo formativo,como re-assunção do carisma na própriavida, termina em decisão, que se colocaem níveis diversos, pessoal, comunitário,de província, de instituto. É importanteporém não esquecer que toda decisão é oresultado de um processo (que torna asrazões compreensíveis, e, portanto, fontede motivação interior), e pede outro pro-cesso (com atenção às condições para aimplementação da decisão). Neste quadro,por exemplo, são colocados os projetosde vida da comunidade, projetos da Pro-víncia 9.

Trata-se de quatro processos em contínuainter-relação, condicionados pelo anda-mento da vida, onde novas situações exi-gem orientações e decisões e estas com-portam exigências de redescoberta e inte-riorização, em vista de renovação.

◆ Vida do Instituto e formação

A vida do Instituto tem ritmos próprios declara implicação formativa destacando, vezpor vez, um ou outro processo (ou um con-junto deles). Os Capítulos Gerais e Provin-ciais são estruturas de renovação, e os semi-nários de estudo são espaços de redescobertae interiorização. As comissões de cada minis-tério podem ser de fato processos que noshabilitam a decisões. Estes são importantesmomentos de exercício do espírito do Institu-to, no empenho da responsabilidade em rein-terpretar e assumir o carisma10.

9. As cartas de Madalena con-têm muitos elementos interes-santes para elaborar processosde discernimento e de decisõescoerentes com o carisma.

10. Segundo as deliberaçõesdo XIV Capítulo Geral (2002)pode-se adotar como instru-mentos e categorias sintéticasdos processos próprios do ca-minho formativo como o do“narrar” e do “estilo de vida”.Em tempo de grandes e rápidasmutações e de urgência de in-culturação do carisma em con-textos diversos, elas parecemparticularmente úteis para cul-tivar a fidelidade (a narraçãopede e ajuda a não proceder porinterrupções), elaborando a efi-cácia do carisma “em situa-ção”.

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◆ Fraternidade em comunidade e formação

Os ritmos cotidianos da vida fraterna, comopartilha das alegrias e das dificuldades dodia-a-dia, como exercício das atenções que oserviço nos pede, como ajuda recíproca nacaminhada de cada irmã, segundo os apelosda graça de Deus e do carisma, fazem dacomunidade lugar especial de formação con-tínua. O projeto comunitário, com o discerni-mento e as revisões que ele comporta, é uminstrumento que nos ajuda a manter o fio danarração da graça de Deus entre nós e, compaciente perseverança, evidenciar um estilode vida fraterna e pessoal, capaz de propor aoambiente no qual vivemos, o valor do Evan-gelho e do dom-carisma que nos é confiado. Compreender o carisma no hoje da Igrejapara o mundo, assumir as suas instâncias for-mativas no sulco do Espírito do Instituto éespaço de encontro e de diálogo, que nospermite reconhecer entre nós a riqueza dodom que nos identifica e, por isso, dar graçasa Deus enquanto a experienciamos comovitalidade da Igreja, como glória da caridadedo Senhor que brilha ao dizer aos pobres quea Sua paixão é por eles e que eles têm moti-vo para contar com o amor de Deus e para seabrirem ao amor11.

11. Cf. RD, Regola per la Dottri-na, Introduzione.

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FILHAS DA CARIDADE - CANOSSIANASCÚRIA GERAL

Via della Stazione di Ottavia, 70 - 00135 - ROMA - ITÁLIA

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IMPRESSO NA TIPOGRAFIA L. BASCHERAVERONA - ITÁLIA

MAIO/2003