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http://members.tripod.com/medlife_ua CARDIOPATIAS VALVULARES por Luis Martínez Elbal 1 e Pedro Zarco 2 ESTENOSE AÓRTICA 1. História Natural A estenose aórtica valvular, quer seja congênita, quer seja adquirida, é uma enfermidade de caráter progressivo. O aumento da obstrução se deve, principalmente, ao depósito de cálcio sobre as valvas, que deste modo vão convertendo-se em estruturas rígidas e imóveis. A calcificação começa na terceira década da vida e se estabelece, praticamente em todos os casos, entre os 45 e 55 anos. Quando a estenose aórtica é de origem reumática é certo acompanhar-se sempre de lesão mitral; se estiver isolada pode afirmar-se que é congênita ou que se tenha produzido por fibrose e calcificação de uma válvula, que na maioria dos casos é bicúspide, durante a vida adulta. A válvula bicúspide é a anomalia cardíaca mais freqüente que existe ao aparecer em 4% de todos os nascimentos e tende a passar inadvertida se não ocorrem suas complicações mais freqüentes: endocardite bacteriana, que produz insuficiência aórtica, ou calcificação, que dá lugar à estenose. Deve suspeitar-se de sua existência e recomendar-se profilaxia da endocardite bacteriana em crianças assintomáticas que apresentam estalido de ejeção seguido de sopro sistólico curto e segunda bulha aórtica hiperfonética. Se a estenose é congênita, com válvula unicomissural ou sem comissuras, a 1 Departamento Cardiopulmonar. Hospital Clínico. Madri. 2 Professor Adjunto. Chefe do Departamento Central de Exploração Cardiopulmonar. Hospital Clínico. Madri. Cardiopatias valvulares 1

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CARDIOPATIAS VALVULARESpor

Luis Martínez Elbal1 e Pedro Zarco2

ESTENOSE AÓRTICA

1. História Natural

A estenose aórtica valvular, quer seja congênita, quer seja adquirida, é uma enfermidade de caráter progressivo. O aumento da obstrução se deve, principalmente, ao depósito de cálcio sobre as valvas, que deste modo vão convertendo-se em estruturas rígidas e imóveis. A calcificação começa na terceira década da vida e se estabelece, praticamente em todos os casos, entre os 45 e 55 anos.Quando a estenose aórtica é de origem reumática é certo acompanhar-se sempre de lesão mitral; se estiver isolada pode afirmar-se que é congênita ou que se tenha produzido por fibrose e calcificação de uma válvula, que na maioria dos casos é bicúspide, durante a vida adulta. A válvula bicúspide é a anomalia cardíaca mais freqüente que existe ao aparecer em 4% de todos os nascimentos e tende a passar inadvertida se não ocorrem suas complicações mais freqüentes: endocardite bacteriana, que produz insuficiência aórtica, ou calcificação, que dá lugar à estenose. Deve suspeitar-se de sua existência e recomendar-se profilaxia da endocardite bacteriana

em crianças assintomáticas que apresentam estalido de ejeção seguido de sopro sistólico curto e segunda bulha aórtica hiperfonética.

Se a estenose é congênita, com válvula unicomissural ou sem comissuras, a progressão pode começar logo desde a infância, pelo fato de que a área valvular não irá aumentar de acordo com o crescimento corporal, e também porque ela estará anatomicamente diminuída. Desta forma pode chegar-se a uma estenose crítica em etapas muito iniciais da vida, naturalmente em ausência de calcificação.No adulto, o período de latência é longo e os sintomas se apresentam, em média, a partir dos 48 anos. A partir deste momento o quadro se acelera dramaticamente, ficando limitada a sobrevida a 5 anos em presença de angina, a 3 com síncope e a 2 quando o paciente cai em insuficiência cardíaca, tendendo a ser pior o prognóstico quando aparecem sintomas combinados.A morte súbita é característica da estenose severa e pode aparecer em qualquer idade, ocorrendo em 15 a 24% dos adultos e em 7% das crianças. Enquanto que no adulto é

1 Departamento Cardiopulmonar. Hospital Clínico. Madri.2 Professor Adjunto. Chefe do Departamento Central de Exploração Cardiopulmonar. Hospital Clínico. Madri.

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rara em ausência de sintomas, não ocorre dessa maneira abaixo dos 10 anos, em que se instala com certa freqüência em pacientes assintomáticos. Este fato nos faz considerar como um fator de primeira grandeza na hora de selecionar os casos para a cirurgia.

2. Classificação do grau de severidade

A estenose se considera crítica quando a área valvular é inferior a 0,7 cm2/m2 S.C. e o gradiente ventrículo aórtico máximo de 50 mm Hg ou mais. Na valorização deve sempre ter-se em conta que o gradiente guarda uma relação exponencial com o fluxo, pelo que pode ser muito menor em presença de insuficiência cardíaca ou qualquer outra causa de volume de ejeção diminuído.Apesar de o cateterismo ser o método que melhor determine o grau de obstrução, existem critérios que poderão precisar clinicamente, em muitos casos, se a estenose é ou não severa:Ainda que existam pacientes assintomáticos com estenose severa, particularmente na infância, a angina e a síncope indicam que a estenose é crítica. Não obstante, quando o resto dos dados apontam para a estenose moderada, deve considerar-se a possibilidade de que estes sintomas se devam a outra patologia associada, em geral por uma arteriosclerose coronariana e, mais raramente, bloqueio cardíaco por extensão da calcificação valvular ao sistema de condução.

Os sinais mais úteis à cabeceira do paciente são:

a. O pulso anacrótico3, que é próprio da estenose moderada ou severa, exceto na criança e no velho, nos quais as características especiais da parede arterial podem alterar

muito pouco a morfologia da onda, ainda que em presença de estenose crítica.b. A cúspide do sopro aparece no último terço da sístole - telessistólico - quando a estenose é severa e mais precocemente quando é leve ou moderada.c. O frêmito indica que a estenose é mais que leve, o mesmo se dá para o ictus cordis palpável.d. O desdobramento paradoxal da segunda bulha expressa severidade em ausência de bloqueio de ramo esquerdo.e. A onda “a” grande no cardiograma de ponta (superior a 15% da altura total do registro ou distância E-O) é provavelmente, o melhor sinal de severidade que se pode recolher na exploração. A quarta bulha tem o mesmo significado em ausência de PR alargado e em pacientes acima de 10 anos de idade.f. No eletrocardiograma, a inversão da onda “T” nas derivações que exploram o ventrículo esquerdo é um critério de severidade, tanto na criança, como no adulto isento de

3 Pulso arterial de duplo batimento palpável, ocorrendo ambas as pulsações durante a sístole, antes da segunda bulha cardíaca; a primeira é devida à acentuação do pico anacrótico normal.

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arteriosclerose coronária. Um eletrocardiograma normal elimina, geralmente, a estenose severa acima dos 12 anos, porém em pacientes menores que essa idade pode haver estenose severa com eletrocardiograma normal ou minimamente alterado.g. A radiografia não indica o grau de estenose, porém informa da presença de calcificação valvular, que já pode suspeitar-se na ausculta pela ausência de estalido e pela diminuição do componente aórtico da segunda bulha. Mediante técnicas radiológicas especiais se pode estudar com detalhe a válvula calcificada, chegando-se inclusive a poder apreciar sua área efetiva. O coração é de tamanho normal e, em casos severos, pode haver sinais de hipertrofia auricular esquerda. Se o coração é grande, deve suspeitar-se da existência de insuficiência cardíaca ou de uma sobrecarga de volume associada.A validade dos critérios de severidade é elevada no adulto, porém muito pobre na criança. Por esta razão, o controle sucessivo do menino com estenose aórtica deve ser muito estrito, tendo em vista a possibilidade de progressão precoce.

3. Estenose aórtica subvalvar

Há dois tipos:Tipo I: Possui um anel de tecido fibroso, elástico e fino, imediatamente por debaixo da válvula.Tipo II: O anel é rígido, mais amplo e de implantação mais baixa, associado sempre a hipertrofia

muscular difusa, em forma de tubo, na câmara de saída. Este tipo se denomina de cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva.

INSUFICIÊNCIA AÓRTICA

1. História natural

Quando a insuficiência aórtica é leve, não se altera a função do ventrículo esquerdo e, em ausência de outra valvulopatia ou doença miocárdica, não há sintomas, sendo a porcentagem de mortalidade aos 10 anos de formulado o diagnóstico, de 5 a 16 %. Este ligeiro aumento da mortalidade em relação à população geral talvez se deva, exclusivamente, por complicação da lesão pela endocardite bacteriana.Na insuficiência aórtica severa o curso é diferente e, ainda que a lesão seja bem tolerada durante muito tempo, o aparecimento de sintomas de insuficiência cardíaca supõe o início de um curso catastrófico com morte a curto prazo. A dispnéia aparece e progride rapidamente a partir, como um termo médio, dos 40 anos e desde esse momento a esperança de vida é de um a seis anos e meio, reduzindo-se a três em presença de insuficiência ventricular direita. A angina, menos freqüente que na estenose aórtica, supõe o mesmo prognóstico que a insuficiência ventricular esquerda; quando acompanha a insuficiência cardíaca é funesta, particularmente em sua forma noturna, associada à descarga vasomotora simpática

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(crise de Lewis). A morte súbita, provavelmente devida à taquicardia e fibrilação ventricular, é mais rara que na estenose aórtica e sempre sobrevem em pacientes com sintomas severos. O curso de uma lesão de qualquer grau pode ver-se agravado abruptamente pelo desenvolvimento de endocardite bacteriana.A evolução da insuficiência aórtica aguda, por rotura ou perfuração valvular ou enfermidade da parede da aorta, é muito rápida. A insuficiência esquerda se apresenta em dias ou semanas e é refratária ao tratamento médico, sendo a média de sobrevivência, se a lesão não for corrigida cirurgicamente, de somente sete meses.Não conhecemos com exatidão a história natural da insuficiência aórtica moderada. Ainda que a opinião geral a considera semelhante à de grau leve, provavelmente alguns casos seguem um curso mais grave, semelhante ao da lesão severa.

2. Valorização do grau de severidade.

Se baseia na quantificação do volume de regurgitação, que é diretamente proporcional à área do defeito valvular e se governa por duas variáveis: a resistência periférica e a complacência ventricular esquerda. A regurgitação severa, que é cerca de duas a quatro vezes o volume anterógrado, se dá através de aberturas valvulares de 0,3 a 0,7 cm2.

Na insuficiência aórtica crônica severa, o ventrículo foi se adaptando à sobrecarga por meio da dilatação, acomodando um volume diastólico muito grande sem elevação da pressão (complacência aumentada). Se a contratilidade se mantém, o ventrículo, operando no sistema Frank-Starling, lança um volume elevado e a fração de ejeção é normal. A velocidade de contração aumenta ao contrair-se o ventrículo contra uma resistência periférica baixa (diminuição da pós-carga).Todos estes feitos hemodinâmicos têm sua tradução clínica: o aumento de volume determina o deslocamento do ápice na palpação e o aumento da imagem do ventrículo na radiografia e no eletrocardiograma, podendo-se deduzir que a complacência está aumentada a partir de dois dados: a ausência de hipertensão pulmonar venosa no raio-X e da onda “a” gigante com a quarta bulha audível. Que a contratilidade é adequada se expressa pelo aumento do volume de ejeção, com pulso arterial amplo e sopro sistólico forte e pela rápida velocidade de contração, com subida rápida da onda de pulso e da fase sistólica do cardiograma de ponta (pulso célere e batimento ventricular hipercinético respectivamente). Como a pressão diastólica ventricular é normal, o gradiente em relação à aórtica se mantém ao longo de toda a diástole e o sopro de regurgitação é amplo e forte. Freqüentemente, uma terceira bulha esquerda nos fala de um enchimento diastólico

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rápido com alto volume entrando em um ventrículo fácil de distender.Além destes dados, estritamente cardíacos, o diagnóstico de gravidade da insuficiência aórtica se tem apoiado tradicionalmente sobre fatores nos quais influi de modo considerável a queda das resistências periféricas: aumento da pressão diferencial com descida da diastólica, pulso capilar, pulso digital, sinal de Duroziez, sinal de Hill, sinal de Corrigan, etc. Ainda que, em geral, a diminuição das resistências seja proporcional ao volume de regurgitação, as exceções são tantas, que não devemos tomar como regra fixa e sempre há que fazer uma valorização tendo em conta as circunstâncias de cada caso.Quando a insuficiência se instala de maneira aguda, o ventrículo não está anatomicamente preparado para acomodar o sangue extra, pelo que o aumento de volume se acompanha de grande elevação da pressão diastólica (complacência diminuída) e aparecem sinais e sintomas de hipertensão venosa pulmonar severa. Se o aumento da pressão diastólica é muito grande, pode chegar a superar a pressão auricular esquerda, invertendo o gradiente aurículoventricular e originando o fechamento prematuro da mitral e, às vezes, insuficiência mitral diastólica.Na insuficiência aórtica crônica, quando falha a contratilidade, como costuma acontecer nos últimos estágios da doença, a situação é semelhante. O ventrículo é incapaz de esvaziar todo seu conteúdo e o volume diastólico aumenta

rapidamente dando lugar a sinais de congestão pulmonar grave. Da mesma maneira que na insuficiência aguda, a elevação da pressão diastólica final é tanta que se aproxima e inclusive iguala à pressão aórtica, quando o gradiente de pressão, o volume de regurgitação e o sopro diminuem. Por outro lado, a queda do volume de ejeção e a elevação compensatória da resistência periférica que tratam de manter uma perfusão tissular adequada, determinam a diminuição da pressão do pulso e do sopro de ejeção com o desaparecimento ou amortização dos sinais periféricos. O batimento ventricular, ao diminuir a velocidade de contração, passa de hipercinético a hipocinético e, na ausculta, os dados mais chamativos podem ser o galope ventricular, um sopro de Austin Flint e talvez um sopro holossistólico por insuficiência mitral funcional. O quadro clínico é bem diferente do da insuficiência aórtica pura com boa função ventricular e o diagnóstico pode ser muito difícil. O ecodoppler e a cineangiocardiografia nos dão a chave mostrando a regurgitação de sangue e contraste para um ventrículo grande e de escassa mobilidade.

ESTENOSE MITRAL

1. História natural

A estenose mitral é uma enfermidade progressiva. Desde a agressão reumática, com valvulite e insuficiência mitral transitória, até

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que a válvula esteja ligeiramente estenosada, com área de 2 a 3 cm2, há um período latente de mais de 10 anos. Esta estenose trivial se expressa unicamente na ausculta, com arraste pré-sistólico, primeira bulha hiperfonética e, às vezes, estalido de abertura. Durante os anos seguintes, a estenose continua progredindo, porque o padrão anormal de fluxo através da válvula condiciona o contínuo aumento da fusão das comissuras e o engrossamento, fibrose e mais tarde calcificação das valvas. Quando a área valvular é de 1,4 a 2 cm2 a estenose é leve, o paciente continua assintomático, a pressão auricular esquerda é normal, não se registra gradiente através da válvula em repouso e os campos pulmonares são normais na radiografia. Com áreas valvulares entre 1 e 1,4 cm2 (estenose moderada) e abaixo de 1 cm2

(estenose severa) começam a aparecer os sintomas. Até esse momento tem transcorrido, desde que a lesão era trivial, uns 8 anos, que somados aos do período latente ou de formação da estenose mitral, supõe-se umas duas décadas de intervalo assintomático a contar desde o episódio de febre reumática. Como isto ocorre, em média, aos doze anos de idade, pode considerar-se que os pacientes com estenose mitral desenvolvida começarão a ter problemas, geralmente, depois dos 30 anos. A velocidade de progressão não é a mesma em todos os casos e uma porcentagem considerável, ao redor de 13%,

continuarão assintomáticos indefinidamente, talvez porque a estenose nunca passa do grau leve, seguindo uma curva vital semelhante à da população normal. Por outro lado, há um grupo de pacientes, nos quais o ataque reumático se apresenta em idade muito jovem e de forma virulenta, experimentando um curso muito acelerado com sintomas precoces e hipertensão pulmonar antes dos vinte anos. Esta forma fulminante da enfermidade se dá principalmente em áreas geográficas subdesenvolvidas, nas quais as deficientes condições de vida têm produzido uma alteração no padrão epidemiológico da cardiopatia reumática.Os pacientes com estenose moderada ou severa desenvolvem os sintomas gradual ou abruptamente, sendo neste último caso precipitados, a maioria das vezes, pelo surgimento de fibrilação atrial. Uma vez iniciados os sintomas, costumam ser progressivos, ainda que quase sempre controlados com tratamento médico.Das complicações que incidem na história natural, a mais freqüente é a fibrilação atrial, que aparece em 40% dos casos, primeiro em forma paroxística e logo persistente, sendo ela a causa que mais freqüentemente induz ao surgimento ou agravamento dos sintomas, independentemente da severidade da estenose. O embolismo sistêmico ocorre de 9 a 14%, sendo mais da metade das vezes cerebral, ligado a qualquer

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grau de estenose e quase sempre em presença de fibrilação auricular, seja permanente ou paroxística. A hipertensão pulmonar severa, com resistências pulmonares altas (hipertensão pulmonar reativa de Wood), que às vezes alcança nível sistêmico, se encontra em alguns casos de estenose severa, acelerando o curso da enfermidade com o desenvolvimento de insuficiência ventricular direita e insuficiência tricúspide funcional. Outras causas de piora do quadro podem ser extracardíacas e corrigíveis, por exemplo, a gravidez, anemia e infeccões intercorrentes.

2. Valorização do grau de severidade.

Os pacientes com estenose mitral severa têm uma longa história de dispnéia progressiva, que pode chegar à invalidez apesar do tratamento médico. Se a estenose já for severa em estágios iniciais, o primeiro sintoma pode ser o edema agudo de pulmão após um esforço discreto, crises repetidas de dispnéia paroxística noturna ou crises de tosse como na coqueluche, com intervalos relativamente assintomáticos. Quando aparece a hipertensão pulmonar severa, surgem a hepatomegalia e o edema. Ocasionalmente surgem sintomas graves na presença de estenose moderada, coincidindo com o desenvolvimento de fibrilação auricular que regridem facilmente com o controle adequado da freqüência ventricular.

Na exploração clínica os dados mais úteis são a ausculta, os sinais de hipertensão pulmonar, o ecocardiograma e a radiologia.Talvez o melhor sinal na ausculta seja o comprimento do sopro diastólico. Se a estenose é moderada, o gradiente pode manifestar-se só durante a primeira parte do enchimento e a pré-sístole, momentos em que aparece o sopro. Se o gradiente é maior, mantendo-se ao longo de toda a pausa, o sopro será pansistólico (holossistólico), respeitando apenas o intervalo entre a segunda bulha e o estalido.Os sinais de hipertensão pulmonar têm grande importância, pois indicam que há estenose crítica com indicação cirúrgica absoluta. Sugerem hipertensão pulmonar o batimento paraesternal importante ocasionado pela hipertrofia ventricular direita, a onda “a” dominante no pulso venoso, os sinais eletrocardiográficos de hipertrofia auricular e ventricular direitos, os clássicos sinais de ausculta: quarta bulha que aumenta na inspiração, sopro de ejeção, estalido de abertura, P2>A2, sopro de Graham Still4 e sopro pansistólico tricúspide. Em ocasiões, o ventrículo direito é tão grande que desloca o esquerdo para trás, ocultando a ausculta da estenose mitral, que tem sua audibilidade deslocada para a linha axilar posterior ou para a espádua. É o que chamamos de estenose mitral silenciosa e o quadro, à 4 É um sopro diastólico de Insuficiência Pulmonar causada pela dilatação do anel valvular como conseqüência de uma hipertensão arterial pulmonar.

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cabeceira do leito, é semelhante ao da hipertensão pulmonar primária.Para quem não dispõe de ecocardiograma, o melhor critério de severidade da estenose mitral é o radiológico, já que o aumento da pressão auricular esquerda se reflete fielmente no padrão vascular pulmonar. O primeiro dado é a distensão dos vasos superiores (padrão de redistribuição vascular pulmonar), com pressão auricular de 12 a 15 mm Hg. À medida que a pressão vai se elevando, aparecem modificações mais crônicas: linhas B de Kerley aos 20 mm Hg, aspecto nebuloso dos hilos e edema intersticial aos 18-22 mm Hg. Na estenose severa precoce pode aparecer apenas uma redistribuição vascular e, ocasionalmente, imagem de edema agudo de pulmão, com as elevações paroxísticas da pressão a 30-35 mm Hg. A hipertensão pulmonar faz crescer a artéria pulmonar principal e seus ramos, separando seu contorno médio da borda da silhueta cardíaca. Entre 60 e 90 mm Hg de pressão na artéria pulmonar, tanto as artérias periféricas como as primeiras e segundas divisões dos ramos direito e esquerdo estão diminuídas de tamanho por vasoconstrição, dando campos pulmonares muito claros.

INSUFICIÊNCIA MITRAL

1. Classificação e história natural

Podemos estabelecer uma classificação clínica hemodinâmica da insuficiência mitral severa

baseada na complacência auricular. No centro se situam os casos mais freqüentes, com átrio moderadamente aumentado de tamanho e pressão moderadamente alta, com onda “v” proeminente e, dos lados, duas situações opostas: por uma parte, o átrio aneurismático e com baixa pressão, e por outra parte, um átrio pequeno e com pressão muito alta. O dado anatômico que faz diferir é o estado da parede atrial; a aurícula pode distender-se progressivamente, para aceitar maior quantidade de sangue, quando a regurgitação é crônica e a distensibilidade aumenta com a instalação da fibrilação atrial, o que não acontece quando se instala uma sobrecarga súbita.Quando a insuficiência mitral é aguda, a ausência da dilatação atrial determina um extraordinário aumento da pressão, que se transmite em sentido retrógrado ao leito capilar e à artéria pulmonar. Pertencem a este grupo, os pacientes com rotura do aparelho subvalvular, dominando a congestão pulmonar severa com edema agudo de pulmão. No exame do paciente, encontramos ritmo sinusal, um ventrículo esquerdo hipercinético porém não muito aumentado de tamanho, sopro holossistólico que pode ser romboidal, sinais de hipertensão pulmonar e uma aurícula esquerda que se contrai fortemente, originando uma quarta bulha e onda “a” gigante no cardiograma de ponta. Se a insuficiência é maciça, por rotura do tronco de um músculo papilar, geralmente por

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infarto, o paciente entra em edema agudo de pulmão irreversível e falece em questão de horas ou dias. Se, pelo contrário, a rotura afeta unicamente uma cordoalha tendinosa ou a cabeça de um músculo papilar, os sinais de congestão pulmonar são menos severos e o paciente pode sobreviver em situação precária durante alguns meses. Os pacientes que sobrevivem desenvolvem modificações proliferativas das artérias pulmonares com hipertensão pulmonar reativa e insuficiência ventricular direita.Em ausência de rotura subvalvular, a insuficiência mitral aguda que acompanha o infarto do miocárdio se deve à disfunção do músculo papilar. Neste caso, a insuficiência aparece como conseqüência da isquemia do músculo papilar combinada com a acinesia da parede ventricular que lhe serve de base e não, como se acreditava antes, pelo comprometimento isolado do músculo papilar. A insuficiência mitral neste caso pode ser severa porém, geralmente, não é mais que leve ou moderada e transitória, determinando a severidade do quadro clínico o fracasso cardíaco pela falência da contratilidade, que pode acompanhar-se inclusive, de diminuição da complacência. No outro lado do espectro situam-se os pacientes com insuficiência mitral crônica severa, em sua imensa maioria de etiologia reumática, com aurícula muito dilatada ou aneurismática, que pode acomodar vários litros de

sangue com nulo ou escasso aumento de sua pressão. O efeito de amortização deste grande reservatório evita a congestão pulmonar e, por tanto, a dispnéia e a hipertensão pulmonar, permitindo uma vida surpreendentemente normal por muitos anos. Na exploração clínica se objetiva a presença de fibrilação auricular, ictus cordis hipercinético, sopro holossistólico, terceira bulha, sopro diastólico de enchimento curto e desdobramento amplo da segunda bulha. O mais chamativo é a enorme aurícula esquerda, escassamente pulsátil, que na radiografia aparece rebaixando o bordo direito da silhueta cardíaca. A aurícula pode chegar a entrar em contato com a parede torácica e palpar-se sua expansão sistólica na região paraesternal direita.Nos casos intermediários, que são os mais freqüentes, tanto o volume como a pressão estão altos, podendo haver um certo grau de estenose mitral associada e se comprova a existência de hipertensão pulmonar de severidade variável. Os sinais clínicos são semelhantes aos descritos para o grupo anterior e também pode detectar-se externamente a pulsação atrial.Há uma grande diferença entre os casos de insuficiência mitral aguda e a crônica. Nesta última, a lesão é bem tolerada pelo paciente que pode estar assintomático por muitos anos até que o ventrículo esquerdo fracassa e surge a dispnéia progressiva aos esforços, sinais de hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita.

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Ainda assim, é possível manter-se o sujeito com uma atividade aceitável durante vários anos sob tratamento médico.A explicação desta boa tolerância da lesão durante tanto tempo é dada demonstrando-se que o escape de sangue para a aurícula, ao longo da sístole, leva a uma diminuição de pressão para o ventrículo esquerdo. Como a atividade contrátil só pode ser feita através de elevação de pressão ou de encurtamento, a queda da tensão permite que o grau de encurtamento aumente e, portanto, se mantenha um volume minuto adequado. Além disso, a queda da pressão ventricular leva a uma redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio, que trabalha, desta forma, com menores necessidades energéticas.

1. Diagnóstico da estenose tricúspide

O diagnóstico é fundamentalmente clínico e, sobretudo nas formas mais leves se obtém simplesmente por meio da ausculta cuidadosa.O pulso venoso jugular apresenta uma onda “a” gigante que a diferencia do que se observa na hipertensão pulmonar, aumenta na inspiração e que se deve à vigorosa contração da aurícula direita contra o obstáculo ao seu esvaziamento. Por esta mesma razão, o enchimento ventricular passivo e a deflexão “y” se atrasam. A pressão venosa está sempre elevada, exceto os casos leves, e é ainda mais alta, inclusive ao extremo, em presença de

fibrilação auricular. Caracteristicamente, a pressão venosa não varia ou cai muito pouco, apesar do tratamento correto.Na ausculta aparece um sopro pré-sistólico diferente por sua morfologia, tempo de aparecimento e comportamento, do da estenose mitral. O sopro é romboidal, em crescendo/decrescendo, separado da primeira bulha por um intervalo livre, diferente do “arrasto” pré-sistólico mitral, que é em “crescendo” e se interrompe na primeira bulha. A diferença do momento de aparecimento de ambos se deve ao fato de que a contração auricular direita precede à da esquerda e a contração ventricular esquerda à direita. Ambos os sopros podem identificar-se facilmente pela ausculta, colocando o estetoscópio na distância entre o ictus cordis e o apêndice xifóide.De utilidade adicional é o comportamento com a respiração. Na inspiração, o retorno venoso aumenta , incrementando o gradiente e por sua vez a intensidade do sopro. Podemos empregar a manobra de Müller5. O sopro pré-sistólico que se ausculta apenas durante a inspiração é o primeiro sinal, e em geral o único, da estenose tricúspide leve.O estalido tricúspide, quando está presente, o qual ocorre em 15 a 25% dos casos, é posterior ao mitral, já que o relaxamento isovolumétrico do ventrículo esquerdo é mais rápido que o do

5 Inspirar profundamente com a glote fechada.

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direito e ocorre com a pressão auricular e, por tanto, a abertura da válvula mitral, que é mais precoce. Como ocorre com o sopro, o estalido aumenta com a inspiração.A fibrilação auricular, que só modifica a ausculta mitral suprimindo o arrasto pré-sistólico, modifica por completo o “tempo” e a forma do sopro de enchimento tricúspide, que surge então na continuação da segunda bulha, separado dela por um breve intervalo, e adotando uma crescente curta e uma decrescente longa. Tais características, junto com sua alta freqüência, pode confundir-se com o sopro da insuficiência aórtica. A diferença está no seu claro aumento com a inspiração, que adota, muitas vezes, caráter explosivo, assim como o comportamento oposto com o nitrito de amilo.

2. Diagnóstico da insuficiência tricúspide

A insuficiência tricúspide pode ser orgânica, em cujo caso se combina com estenose tricúspide, ou funcional, que é a mais freqüente.A insuficiência tricúspide funcional aparece como conseqüência de insuficiência ventricular direita, da qual é sinônima, já que traduz a elevação da pressão diastólica final do ventrículo direito, a maior parte das vezes por hipertensão pulmonar.Os sinais clínicos são um sopro holossistólico de alta freqüência, no foco tricúspide, que aumenta com a inspiração, elevação da pressão venosa com onda “v” gigante e

deflexão “y” rápida e um ventrículo direito palpável. Se a insuficiência é severa pode aparecer também pulsação hepática sistólica e batimento auricular palpável na região paraesternal direita. A morfologia do batimento auricular, pulso hepático e pulso venoso são similares.Os sinais de insuficiência tricúspide orgânica são os mesmos, acrescidos de estenose tricúspide.Devemos pensar que a insuficiência é funcional no lugar de orgânica quando:a) há evidência clara de

hipertensão pulmonar,b) o sopro holossistólico diminui ou

desaparece ao instituirmos tratamento com diuréticos e com a normalização da pressão venosa, e

c) os sintomas de falência direita aparecem tardiamente na história de um paciente com estenose mitral.

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