cardiopatias sociedade amigos coração rj
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Apresentação
O BNDES vem apoiando, no âmbito do Programa de Apoio a Crianças e Jovens em Situação de
Risco Social, com recursos não-reembolsáveis advindos do Fundo Social, instituições que, em
articulação com hospitais públicos, promovem o atendimento extra-hospitalar voltado a crianças e
jovens provenientes de famílias pobres.
Essas instituições têm surgido a partir da percepção de profissionais da área de saúde de que um
dos grandes problemas para as famílias de baixa renda com crianças portadoras de doenças graves
é vencer o círculo vicioso “miséria – doença – internação – alta – reinternação – morte”. Muitas
dessas doenças exigem acompanhamento e controle constantes da evolução das condições de saúde
dessas crianças, inclusive com o fornecimento de medicamentos e a orientação para tratamentos
adicionais, o que representa um tipo de assistência da maior relevância para a sua recuperação.
Assim, diversas entidades vêm atuando em parceria com hospitais públicos, provendo
atendimento a essas crianças e suas famílias e realizando atividades complementares aos serviços
hospitalares públicos, com metodologias inovadoras e exemplares, passíveis de reprodução.
Uma das instituições financiadas foi a Sociedade Amigos de Coração (SAC), que atua em
parceria com o Hospital Getulio Vargas Filho, hospital público municipal de Niterói (RJ). Os
recursos foram aplicados na construção e equipagem do Centro de Cardiologia Pediátrica.
Ao conhecer a qualidade da metodologia da SAC para crianças e jovens cardiopatas, o BNDES
decidiu promover a realização de estudo de avaliação que identificasse a sistemática desse
procedimento, conduzido pelo Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente da
Universidade Federal Fluminense (Latec/UFF).
Os resultados desse estudo foram objeto do seminário A criança cardiopata: avaliação e
sistematização de uma proposta de atendimento integral e integrado – o caso da Sociedade Amigos
de Coração, realizado em dezembro de 2001, na sede do BNDES. O objetivo foi reunir
profissionais de saúde da rede pública e privada, secretários de saúde municipais e estaduais,
representantes de ONGs que prestam serviços de atendimento extra-hospitalar e titulares das
cadeiras de pediatria e cardiologia das universidades para discutir os resultados clínicos alcançados,
os problemas detectados e as recomendações apresentadas pelos pesquisadores.
Nesta publicação apresentamos os resultados finais do trabalho realizado, no intuito de
contribuir para a disseminação de experiências inovadoras e a multiplicação de novas e melhores
práticas de atendimento extra-hospitalar.
Sumário
PA RT E 1 : A SOCIEDADE AMIGOS DE CORAÇÃO .......... 7Antecedentes ............................................................................................ 9A nova sede............................................................................................... 12
PA RT E 2 : CARDIOPATIAS INFANTIS .................................... 13Conceitos básicos ..................................................................................... 15Cardiopatias congênitas............................................................................. 15Cardiopatias adquiridas ............................................................................. 16Importância econômica da febre reumática............................................... 17Cardiopatias infantis no Hospital Getulio Vargas Filho ............................ 18
PA RT E 3 : AVALIAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DECORAÇÃO ..................................................................... 21
Introdução ................................................................................................ 23Aspectos conceituais da avaliação .......................................................... 24Como avaliar a SAC? ................................................................................ 24A validade da proposta da SAC................................................................. 24
A prática inovadora da SAC ................................................................ 25A prática dos atendimentos na SAC (caso de febre reumática)........... 26
O ciclo de vida das organizações............................................................... 28Os desafios gerenciais já enfrentados pela SAC ....................................... 30
Missão e flexibilidade estratégica........................................................ 30Atração e motivação de pessoas .......................................................... 32Obtenção de fundos e recursos ............................................................ 34Controle e autonomia gerencial e administrativa ................................ 34Definição e medida do sucesso ............................................................ 35
Indicadores e avaliação de resultados da SAC...................................... 38A transparência necessária......................................................................... 38A relação da SAC com o HGVF ............................................................... 39As experiências de outras ONGs............................................................... 40A questão da liderança............................................................................... 42O trabalho em rede para resgate da cidadania ........................................... 44Sugestões para os programas da SAC ....................................................... 44As possibilidades de reprodução do empreendimento SAC...................... 48
PA RT E 4 : CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............... 51Conclusões ................................................................................................ 53Próximas etapas no desenvolvimento da SAC ...................................... 55
A N E X O 1 : CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ............................ 59Introdução ................................................................................................ 61Principais cardiopatias congênitas acianóticas ..................................... 61Principais cardiopatias congênitas cianóticas ....................................... 64
A N E X O 2 : CARDIOPATIAS ADQUIRIDAS ............................ 67
A N E X O 3 : ASPECTOS ECONÔMICOS ASSOCIADOSÀ FEBRE REUMÁTICA ............................................ 73
A N E X O 4 : ESTUDO DESENVOLVIDO NO HOSPITALGETULIO VARGAS FILHO ..................................... 79
Metodologia de avaliação das crianças com cardiopatia congênita.... 81Metodologia de avaliação das crianças com febre reumática.............. 81Resultados obtidos ................................................................................... 83
Resultados da avaliação clínica ........................................................... 83Resultados da avaliação das crianças com cardiopatias congênitas .... 83Resultados da avaliação das crianças com FR..................................... 86
Discussão dos resultados da avaliação clínica ....................................... 90Cardiopatias congênitas ....................................................................... 90Cardiopatias adquiridas........................................................................ 91
A N E X O 5 : RELATÓRIO DA VISITA AO PROJETORENASCER.................................................................... 95
A N E X O 6 : RELATÓRIO DA VISITA À CASA RONALDMCDONALD E À ASSOCIAÇÃO DE APOIOÀ CRIANÇA COM NEOPLASIA ........................... 99
A N E X O 7 : EMPREENDEDORISMO ........................................... 107
A N E X O 8 : PROJETO PARA ANÁLISE, SUPERVISÃO EQUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL EMINSTITUIÇÃO: MODELO SISTÊMICOVIVENCIAL .................................................................. 111
Introdução ................................................................................................ 113Considerações teóricas ............................................................................ 114Aspectos práticos ..................................................................................... 114Etapas do trabalho .................................................................................. 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 117
PA RT E 1 A S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
ANTECEDENTES
Na área de saúde pública, um dos
problemas que o Brasil enfrenta é a grande
incidência, ainda pouco conhecida, da febre
reumática, doença cardíaca adquirida que
atinge crianças e adolescentes e se manifesta
após amigdalites causadas por estreptococos.
Já em 1988, o Ministério da Saúde estimou
uma incidência entre 15 mil e 18 mil novos
casos de febre reumática por ano.
Nas populações carentes de países em
desenvolvimento, especialmente as que
residem em áreas superpovoadas,
verifica-se uma freqüência maior de casos
de cardiopatias adquiridas, situação
agravada pela falta de recursos das famílias
e, inúmeras vezes, por deficiências nos
serviços públicos de saúde. Os prognósticos
para muitas das crianças cardiopatas em
famílias carentes são bastante
desfavoráveis.
Para intervir nesse problema, é vital que
se faça o diagnóstico o mais breve possível,
para que se possa iniciar um tratamento ou
realizar uma intervenção cirúrgica, sob pena
de se prejudicar irreversivelmente a
qualidade de vida do paciente e mesmo de se
ampliar as estatísticas de mortalidade
infantil, com casos que poderiam ser
evitados. Uma vez feito o diagnóstico, a
criança deve tomar antibiótico específico a
cada 21 dias, até completar 21 anos de idade.
Por outro lado, as doenças do coração
encontradas na infância resultam, na sua
maioria, de anormalidades congênitas que
acometem um número ainda mais
importante: das crianças nascidas vivas em
todo o mundo, cerca de 1% é portadora de
uma cardiopatia congênita, que pode variar
de lesões com pouca repercussão clínica e
desaparecimento espontâneo até situações
de extrema gravidade, em que a cirurgia
paliativa ou corretiva de emergência é
imprescindível. Em ambos os casos, as
cardiopatias infantis, quer sejam congênitas
ou adquiridas, têm relevância em nosso
país, o que pode ser avaliado pela alta
incidência entre escolares e pelos altos
custos econômicos e sociais dessas
doenças.
O convívio diário com esse quadro
dramático para a criança cardiopata e a
indignação causada pela virtual impotência
para solucionar esse problema dentro do
paradigma de atendimento público existente
levaram à criação e à concretização da
9
experiência da organização
não-governamental Sociedade Amigos de
Coração (SAC).
Em 1996, foram iniciados os primeiros
atendimentos em cardiologia pediátrica no
Hospital Getulio Vargas Filho (HGVF) –
hospital público municipal de Niterói (RJ)
que presta assistência pediátrica –, com a
participação das médicas Juliana B. Ceddia
e Anna Esther A. Silva, especializadas
nessa área. No começo, como acontece em
muitas outras instituições, as médicas
realizavam os necessários ecocardiogramas
em outros hospitais, pois o HGVF não
possuía esse tipo de equipamento. Em
1997, com a evolução dos atendimentos
realizados e com o significativo empenho
das cardiopediatras, o hospital se mobilizou
e conseguiu alugar um aparelho,
possibilitando os exames no próprio local e
aumentando muito a produtividade da
equipe no atendimento. Em 1999, com
recursos obtidos junto à Fundação
Municipal de Saúde, foi comprado um
moderno aparelho de ecocardiograma, que
até hoje se encontra em atividade,
prestando serviços no setor de cardiologia
pediátrica do hospital.
A história do atendimento a crianças
cardiopatas no HGVF corre paralelamente à
implantação do Programa Amigos de
Coração (PAC), em julho de 1997, e ao
surgimento SAC, em 1998. O PAC foi
criado pelas médicas Juliana e Anna Esther e
por duas voluntárias – a professora Ana
Lúcia T. Schilke e a aluna de terapia
ocupacional Maria Alcina M. Souza –, com
o objetivo de proporcionar um atendimento
diferenciado às crianças portadoras de febre
reumática acompanhadas no ambulatório ou
internadas na enfermaria do hospital.
Inspirado no trabalho do Dr. Franco Sbaffi,
um dos idealizadores do Grupo de Trabalho
para a Febre Reumática, no Rio de Janeiro, o
PAC permite uma abordagem integral e
integrada de todos os aspectos relacionados
direta ou indiretamente à doença,
envolvendo não só os pacientes como
também seus familiares.
No ano decorrido após a sua criação, as
atividades e o comprometimento da equipe
existente propiciaram o amadurecimento
necessário e o melhor entendimento do papel
que caberia a profissionais de saúde na
sociedade brasileira. Ficou claro para todos
na equipe que o fato de viver uma realidade
e senti-la remetia fatalmente à ação e que
isso podia representar uma força de
transformação social. Assim, com o sucesso
adquirido no tratamento dos pacientes
portadores de febre reumática, e como
resultado da percepção de que o atendimento
hospitalar, embora realizado da forma mais
eficaz e eficiente possível, estava limitado
em seu escopo, a equipe decidiu criar a
SAC, visando a um atendimento de
qualidade, universal, gratuito, eficaz e
viável, que contemplasse todas as
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necessidades das crianças cardiopatas,
garantindo-lhes qualidade de vida e
cidadania. Em junho de 1998, a ONG foi
regulamentada. A diretoria e o conselho
consultivo eram compostos por apenas seis
integrantes.
Conforme apontado pela Drª Juliana
Ceddia, atual presidente da SAC, foi o
sentimento de indignação diante do
sofrimento das famílias dos pacientes e do
imobilismo dos que põem a culpa no
governo ou apenas criticam que uniu aquele
grupo de pessoas em torno de um ideal
comum. A idéia da SAC não era substituir
as ações do Estado e sim formalizar uma
parceria entre o poder público e a sociedade
civil, em um movimento de solidariedade e
de entendimento no qual todos são
responsáveis.
A ação idealizada pela equipe
inicialmente formada estava baseada em
uma abordagem, identificada como
transdisciplinar, que abrangia consulta
médica, realização de exames, atendimentos
psicológico, odontológico, fonoaudiológico
e terapêutico-ocupacional e que possibilitava
um atendimento integral e integrado às
crianças e adolescentes cardiopatas. Eram
realizadas reuniões semanais com grupos
separados de familiares e de crianças e
adolescentes, coordenados inicialmente
pelas voluntárias. Nessa fase, participavam
de três a seis pacientes e seus respectivos
acompanhantes. Uma cardiopediatra também
atuava nesses atendimentos, que sempre
antecediam as consultas.
Com a existência da SAC e a sua maior
liberdade de ação, a equipe começou a
receber as primeiras doações, e as atividades
começaram a se diversificar, abrangendo
encaminhamentos para outras instituições e
distribuição de lanches, vales-transporte e
medicamentos. Outras atividades de apoio
também eram realizadas: bazar de roupas e
de utensílios com baixo custo; passeios com
grupos de jovens; capacitação de voluntários
(com leituras e discussões de textos e
artigos); e divulgação das atividades da SAC
por meio de palestras em eventos científicos,
reportagens em jornais, revistas e Internet.
No início de 1998, a equipe de voluntários
organizou, junto com as crianças, a
Revistinha da Turma dos Amigos de
Coração, impressa pela Prefeitura de Niterói
e que tinha o objetivo de divulgar os
atendimentos entre os pacientes e “criar o
hábito” da participação nas reuniões em
grupo.
Em meados de 2000, com o sucesso do
PAC, o atendimento transdisciplinar foi
estendido ao grupo de crianças com
cardiopatia congênita, iniciando-se o
Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata (PACc).
A SAC tem merecido a atenção de
diversas entidades que apóiam iniciativas
do Terceiro Setor, tendo sua dirigente,
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Drª Juliana Ceddia, sido escolhida em 2000
como fellow da Ashoka.*
A NOVA SEDE
No início de 1999, com a multiplicação
das ações, o entusiasmo e a chegada de
novos voluntários, surgiu a necessidade de
instalações físicas mais adequadas, para
oferecer um atendimento de excelência aos
pacientes e onde pudessem ser
proporcionadas melhores condições de
trabalho aos profissionais e voluntários que
ocupam temporariamente instalações no
hospital. Nessa época, uma das voluntárias
soube que o BNDES disponibilizava
recursos não-reembolsáveis para entidades
com o perfil da SAC, por meio do Programa
de Apoio a Crianças e Jovens em Situação
de Risco Social.
Em abril de 1999, a SAC encaminhou ao
BNDES o projeto de construção e
equipagem de um Centro de Diagnóstico e
Tratamento para Crianças Cardiopatas, a ser
instalado em área anexa às das instalações
do HGVF. Após a visita à SAC de
profissionais do BNDES, em outubro de
1999, o projeto foi enquadrado no Programa
de Apoio a Crianças e Jovens em Situação
de Risco Social.
O contrato com o BNDES levou mais de
um ano para ser assinado, em virtude de
dificuldades na obtenção da documentação
do HGVF. O projeto da SAC requereu um
grande esforço de todos os envolvidos, tendo
sido realizados diversos acordos que
envolveram a prefeitura, o estado e vários
órgãos públicos, entre eles as Procuradorias
Gerais do Estado e do Município. Também
foi firmado um convênio de cooperação
técnica com a prefeitura para a cessão do
terreno onde o imóvel seria construído,
sendo necessário promover uma ação de
usucapião em favor do estado para que este
pudesse, com a intermediação do município,
ceder o espaço à SAC.
O Centro de Diagnóstico e Tratamento
para Crianças Cardiopatas foi finalizado no
início de 2002, possibilitando à SAC ampliar
o atendimento, além de ofertar novas
atividades às crianças cardiopatas assistidas.
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* Organização internacional, presente em 42 países, que promove a profissionalização do empreendedor social, buscando o
aperfeiçoamento e fortalecimento do Terceiro Setor.
PA RT E 2 C A R D I O PAT I A S I N FA N T I S
CONCEITOS BÁSICOS
Diferentemente da população adulta com
doença cardíaca, na qual predomina a
coronariopatia, o grupo de crianças com
cardiopatia é bastante heterogêneo. Uma
diversidade de condições médicas, que
variam com a faixa etária, do recém-nascido
até o adolescente, pode ser observada. Isso
aumenta as dificuldades em se estabelecer
uma padronização do cuidado e do manejo
clínico desses pacientes.
A identificação das crianças com doença
cardíaca é de suma importância não só por
questões terapêuticas, mas também pra que
medidas profiláticas sejam iniciadas, dentre
as quais estão aquelas relacionadas à
prevenção da endocardite bacteriana,
complicação infecciosa não rara e
geralmente severa, que pode ocorrer entre
os pacientes com doença cardíaca. Nesse
sentido, são importantes os cuidados com a
higiene oral, orientando-se quanto à
necessidade de escovação diária dos dentes,
consultas odontológicas periódicas e uso de
antibiótico profilático para algumas
intervenções odontológicas e médicas,
como em situações de manipulação
cirúrgica e não-cirúrgica, com instrumental,
do sistema geniturinário e do trato
gastrointestinal.
A doença cardíaca na infância pode ser
dividida em dois grandes grupos, de acordo
com a época de ocorrência: cardiopatias
congênitas e cardiopatias adquiridas.
Cardiopatias congênitas
A doença cardiovascular congênita é
definida como uma anormalidade na
estrutura cardiovascular ou na sua função,
que está presente intra-útero e pode ser
descoberta durante o período gestacional, ao
nascimento ou, em alguns casos, somente
muito mais tarde.
As doenças cardiovasculares encontradas
na infância resultam, na sua maioria, de
anormalidades congênitas [Lauer e Sanders
(2001)]. As cardiopatias congênitas ocorrem
em quase 1% das crianças nascidas vivas em
todo o mundo e provavelmente são causadas
pela interação entre predisposição genética e
fatores ambientais [Harris (2000)].
Em 1998, aproximadamente 29 mil
crianças nos Estados Unidos nasceram com
um defeito cardíaco congênito e, dependendo
da pesquisa considerada, entre 25% e 50%
dessas crianças apresentaram sintomas e
1 5
foram encaminhados para cateterismo
cardíaco e/ou cirurgia, ou morreram durante a
infância. Atualmente, a correção cirúrgica
paliativa ou curativa é possível para 90% dos
casos [Moss e Adam (1995)].
Para a determinação exata das
incidências de cardiopatias congênitas, é
indispensável que sejam estabelecidos
diagnósticos precisos de todas as crianças
portadoras da doença. Vários fatores são
importantes para que isso ocorra.
Primeiramente, é necessário um sistema
médico eficiente que permita que os
diagnósticos dessas lesões sejam feitos por
cardiologistas pediátricos habilitados e que o
acesso a esses profissionais seja possível
para toda a população. Além disso, os
pediatras devem estar sempre alertas para a
suspeita clínica de doença cardíaca,
especialmente em crianças sem sintomas
específicos de doença cardiovascular ou com
sintomas mínimos, a fim de encaminhá-las
em tempo hábil para uma avaliação
especializada. No entanto, se o acesso ao
cardiologista infantil for limitado, as chances
para um diagnóstico efetivo de doença
cardíaca ainda na infância diminuem muito
mais, levando ao risco de complicações,
muitas vezes irremediáveis, na idade adulta.
No manuseio das crianças portadoras de
cardiopatias congênitas no primeiro ano de
vida, o diagnóstico clínico constitui o
elemento de maior dificuldade. A
classificação das cardiopatias nesse grupo,
em formas clínicas de exteriorização, visa a
uma orientação mais racional no
reconhecimento e diagnóstico de
malformações cardíacas. Insuficiência
cardíaca, cianose, sopro e arritmias cardíacas
são as formas mais importantes de
manifestação clínica de cardiopatia
congênita nessa fase da vida.
As cardiopatias congênitas podem ser
divididas em dois grandes grupos:
cianóticas, quando há deficiência na
oxigenação do sangue e conseqüente
coloração azulada da pele; e acianóticas,
quando não se apresenta tal fato. Em alguns
casos de cardiopatias acianóticas, a
perpetuação e o agravamento do quadro
podem levar ao aparecimento de cianose,
que está relacionada a um pior prognóstico
para o paciente.
Para melhor entendimento dessa
diversidade de malformações cardíacas
congênitas, serão descritas, no Anexo 1,
algumas características das cardiopatias
congênitas mais comuns, separando-as pela
presença ou não de cianose. Em alguns
casos, estão presentes duas ou mais dessas
características simultaneamente.
Cardiopatias adquiridas
As cardiopatias adquiridas são aquelas
que ocorrem após o nascimento e incluem
um número de patologias de origens diversas
que podem resultar em morbidade e
mortalidade significativas. Especificamente,
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essas doenças cardiovasculares incluem
febre reumática, cardiomiopatias,
endocardite infecciosa, miocardite,
pericardite e doença de Kawasaki, que estão
descritas no Anexo 2.
A febre reumática (FR), causa mais
comum de doença cardíaca infantil e juvenil
adquirida nos países em desenvolvimento,
tem sido associada historicamente à pobreza
e, em especial, às condições precárias de
habitação e aos agrupamentos e cuidados
médicos inadequados. A doença desapareceu
quase por completo nos países
desenvolvidos, tendência que reflete
principalmente a melhora no nível de vida.
Entretanto, o ressurgimento recente em
famílias de classe média nos Estados Unidos
voltou a destacar a importância que ela
também apresenta nos países desenvolvidos,
o que reforçou a crença de que a doença não
vai desaparecer até que seja entendida
completamente [Silva e Pereira (1997)].
Em países em desenvolvimento como o
Brasil, a FR constitui-se num importante
problema de saúde pública, que é ainda
maior devido à dificuldade que esses países
têm em obter dados confiáveis sobre a
incidência dessa enfermidade e à prevalência
de sua seqüela, a cardiopatia reumática.
Importância econômica da febre
reumática
Dados de 1993 do Ministério da Saúde/
Sistema Único de Saúde mostram que os
custos hospitalares com a FR
corresponderam a cerca de 25% dos gastos
com todas as doenças cardiovasculares,
tendo consumido em 1992 o equivalente a
US$ 46 milhões [Alves, Castilho e Barros
(1995)].
O custo da FR é muito alto devido às
consultas ambulatoriais repetidas, às
hospitalizações em decorrência de seqüelas e
nas fases agudas da doença, aos gastos com
o tratamento clínico e cirúrgico e ao impacto
físico e psicológico causado aos pacientes e
seus familiares. Ainda soma-se a esses
custos, a perda considerável de
produtividade para a sociedade, além do
sofrimento individual [Terreri (1998)].
Os aspectos econômicos da FR no Brasil
– detalhados no Anexo 3 – indicam gastos
expressivos. O número de cirurgias
valvulares decorrentes da FR financiadas
pelo serviço público é de aproximadamente
10 mil por ano, o que corresponde a cerca de
30% do total das cirurgias cardíacas
realizadas no país. Como as estatísticas
internacionais estimam o custo unitário
dessas cirurgias para os governos em
aproximadamente US$ 9 mil [Snitcowsky,
apud Terreri (1998)], uma outra estimativa,
utilizando-se esse dado, seria um custo anual
de cirurgias decorrentes da FR de cerca de
US$ 90 milhões.
Em um estudo sobre pacientes com FR
realizado em ambulatório na cidade de São
Paulo [Terreri (1998)], verificou-se que os
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S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
principais gastos do paciente público estão
relacionados à compra de medicamentos
(54%) e ao transporte (38%). Para a
sociedade, os principais custos do paciente
público com FR são os gastos hospitalares
(72%) e os custos indiretos decorrentes das
faltas ao trabalho do responsável pelo
paciente (21%). O custo total para o paciente
e para a sociedade foi estimado, em 1998,
em cerca de R$ 370 anuais por paciente.
Diante desse quadro, qualquer iniciativa
que leve a um diagnóstico precoce da FR, à
aderência ao tratamento e à adoção de
medidas preventivas é economicamente
justificada, não só do ponto de vista dos
benefícios para os pacientes, mas também da
redução de custos para a sociedade. Um
programa de informações dirigidas a
profissionais de saúde e à população para a
profilaxia da FR, por exemplo, foi realizado
com êxito, durante 10 anos, em algumas
ilhas do Caribe [Bach, apud Terreri (1998)].
Nos quatro primeiros anos de maior ação, o
custo do programa foi de US$ 89 mil e fez
com que o custo com a FR, excluindo as
seqüelas tardias, caísse de US$ 1.426 mil
para US$ 100 mil.
Na próxima seção, é apresentado o
estudo sobre a FR nos casos de cardiopatia
identificados no HGVF, onde pôde ser
observada a diminuição dos gastos dos
pacientes e da sociedade com essa doença a
partir da implementação dos programas da
SAC em parceria com o hospital.
CARDIOPATIAS INFANTIS NO HOSPITAL
GETULIO VARGAS FILHO
Com o objetivo de proceder a uma
avaliação clínica das crianças com doenças
cardíacas acompanhadas pelo Serviço de
Cardiologia Infantil do HGVF, no período
compreendido entre janeiro de 1996 e junho
de 2001, foram analisados dados de
prontuários, fichas ambulatoriais e laudos de
ecocardiograma de 426 pacientes com
cardiopatias congênitas (265) e adquiridas
(161), sendo 137 com FR. O
acompanhamento dessas crianças foi
realizado, desde o começo, pelas Dras Anna
Esther Silva e Juliana Ceddia, cardiologistas
pediátricas responsáveis pelos dados
médicos analisados neste estudo.
Pela grande diferença nas características
gerais das crianças com cardiopatias
adquiridas e congênitas, a análise dos dados
foi realizada de forma separada. Pelo maior
número de casos de FR encontrados entre as
cardiopatias adquiridas, tanto em termos
absolutos como relativos, e ainda pelo maior
enfoque dado a esse grupo em virtude do
atendimento transdisciplinar adotado pela
SAC, o estudo concentrou-se na análise dos
dados das crianças com doença cardíaca
adquirida por FR. No Anexo 4 é apresentado
o estudo desenvolvido pela Drª Ivany
Yparraguirre, no HGVF, sobre crianças com
doenças cardíacas, compreendendo a
metodologia, a avaliação clínica e a
1 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
discussão dos resultados. Uma importante
conclusão do trabalho foi a de que a
população de crianças acompanhadas pela
SAC não difere, quanto aos dados
demográficos e clínicos, de uma forma geral,
daquela encontrada em outros trabalhos da
literatura.
A evolução clínica das crianças com FR
foi melhor do que a observada em estudos
semelhantes de outros autores brasileiros,
com menor número de recidivas,
provavelmente pelo menor número de
abandonos da profilaxia antibiótica e de
indicação cirúrgica. A característica de
transdisciplinaridade do grupo de trabalho
da SAC muito deve ter contribuído para esse
resultado, levando a uma diminuição dos
casos de abandono com conseqüente maior
número de crianças com menos recidiva e
melhor evolução clínica.
Também foi observado que, após a
introdução do PAC, um maior número de
crianças com FR e características clínicas de
gravidade foi encaminhado para
acompanhamento no HGVF. Da mesma
forma, antes do PAC, um maior número de
crianças com uma leve FR era internado, o
que pode refletir uma melhora da
capacitação dos profissionais engajados no
programa para acompanhar esses pacientes
em nível ambulatorial.
Outro fato observado que merece ser
enfatizado é o número de crianças
diagnosticadas com FR sem alterações
clínicas sugestivas de acometimento
cardíaco, porém com alterações
ecocardiográficas características de lesão
valvular leve. Provavelmente, contribuíram
de forma relevante para esse resultado a
facilitação promovida pelo PAC para
avaliação precoce especializada, a realização
de exame complementar efetivo para
diagnóstico de lesão valvular, o
ecocardiograma bidimensional com doppler,
realizados em todos os pacientes com FR.
Esses dados podem sugerir que a doença
valvular silenciosa pode estar presente em
muitas crianças com FR sem sintomas ou
sinais de doença cardíaca e que a sua
identificação pode prover um melhor
prognóstico para essas crianças, uma vez
que a profilaxia antibiótica deve ser
diferenciada para os casos de FR com
cardite e a sua não-realização pode levar a
riscos de piora da lesão cardíaca.
Quanto à população de crianças com
cardiopatia congênita com indicação
cirúrgica aqui analisada, chamou a atenção o
baixo percentual de realização de cirurgia
cardíaca até o início deste estudo. Esse é um
fato real, observado no dia-a-dia das
crianças cardiopatas do Brasil, dependentes
do serviço de saúde pública. O
aprimoramento no acompanhamento
ambulatorial desenvolvido pela equipe
transdisciplinar do PACc pode melhorar a
qualidade de vida de algumas dessas
crianças até à realização da cirurgia. Além
1 9
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
disso, no programa existe um intercâmbio
com hospitais de referência de cirurgia
cardíaca infantil, o que acelera todo o
processo. Atualmente, a perspectiva de
melhorias no atendimento oferecido pelo
Hospital de Cardiologia de Laranjeiras,
facilitando a realização de cirurgias das
crianças cardiopatas do Rio de Janeiro, deve
resultar em números melhores e,
conseqüentemente, em menor morbidade e
mortalidade desses pacientes.
Diferentemente do Programa de
Acompanhamento de Crianças com FR, que
existe aproximadamente há quatro anos, o
PACc, que atende às cardiopatias congênitas,
é um programa que ainda se encontra em
fase inicial, funcionando aproximadamente
há um ano.
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S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PA RT E 3 AVA L I A Ç Ã O D A S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
INTRODUÇÃO
A avaliação da experiência vivida pela
SAC até o segundo semestre de 2001
representou um desafio para a equipe do
Latec/UFF responsável pelo estudo. Com
relação ao BNDES, esse foi o primeiro
estudo realizado dessa forma, e sua
elaboração exigiu a participação ativa dos
profissionais e executivos da Área de
Desenvolvimento Social nas reuniões
mensais de avaliação do trabalho conduzido
pela equipe do Latec/UFF, cujas
preocupações para a sua realização podem
ser assim sintetizadas:
• necessidade de utilizar critérios de
avaliação que fizessem “sentido”, ou
seja, que permitissem examinar um
empreendimento social em sua fase
inicial de vida – uma efetiva “fotografia”
do estágio atual da SAC – e que levassem
a uma percepção dos desafios a serem
enfrentados pela ONG no futuro próximo
– uma visão “dinâmica”;
• importância do estudo em
desenvolvimento para o possível – e
provável – surgimento de iniciativas
semelhantes às da SAC em outros locais; e
• impacto da “interferência” da equipe
nas atividades da SAC durante a
realização do trabalho de avaliação, já
que as responsáveis pela ONG
participaram ativamente das reuniões e
discussões e também contribuíram com
sugestões e documentos para o relatório
final.
Dessa forma, esta parte do relatório
procurará destacar os principais tópicos
abordados, utilizando a seguinte estrutura:
• como avaliar a SAC?;
• a validade da proposta da SAC;
• o ciclo de vida das organizações;
• os desafios gerenciais enfrentados pela
SAC;
• a transparência necessária;
• a relação da SAC com o HGVF;
• as experiências de outras ONGs;
• a questão da liderança;
• o trabalho em rede para resgate da
cidadania;
• sugestões para os programas da SAC; e
• as possibilidades de reprodução do
empreendimento SAC.
2 3
ASPECTOS CONCEITUAIS DA AVALIAÇÃO
Como avaliar a SAC?
Uma forma de realizar um trabalho de
avaliação de uma organização como a SAC
é examinar a existência ou a implantação
efetiva de planos de ação e orçamentos, uma
estrutura organizacional apropriada, manuais
de processos (administrativos) internos em
funcionamento, definição clara e apuração
efetiva de medidas de desempenho,
existência de instrumentos de obtenção de
recursos para investimentos ou custeio,
procedimentos para atração e manutenção de
voluntários e outros. No entanto, não se
pode esquecer que a SAC é uma organização
em formação, uma start-up, com múltiplas
necessidades e problemas típicos dessa
condição, e que devem ser resolvidos por
uma equipe pequena, cujas habilidades e
competências lhes têm possibilitado, até o
momento, algumas significativas
realizações.
A validade da proposta da SAC
Na parte conceitual deste relatório
procurou-se identificar, na reduzida
bibliografia disponível, a importância
econômica da FR, uma cardiopatia adquirida.
Conforme citado anteriormente, segundo
dados do Ministério da Saúde e de estudo
considerado neste trabalho, os custos
hospitalares no Brasil com a FR
corresponderam, em 1993, a cerca de 25% dos
gastos com todas as doenças cardiovasculares
e, em 1992, consumiram o equivalente a
US$ 46 milhões. Outras estimativas
forneceram valores ainda maiores. Isso sem
contar o impacto físico e psicológico causado
aos pacientes e seus familiares.
A adoção de medidas preventivas e de
procedimentos que conduzam a um
diagnóstico precoce da FR e,
principalmente, à aderência ao longo
tratamento é economicamente justificável,
não só pelos benefícios auferidos pelos
pacientes, mas também pela redução de
custos para a sociedade. No entanto,
limitações ainda existentes na área da saúde,
entre outros aspectos, têm restringido a
aderência ao tratamento, que é condição
essencial para o sucesso no combate aos
efeitos da FR.
No Brasil, isso ocorre também no
combate à tuberculose, que requer
tratamento contínuo por seis meses. Segundo
matéria recentemente publicada no jornal O
Globo [“Erros afetam o combate à
tuberculose no Brasil” (16.11.01, p. 8)], as
principais dificuldades no tratamento da
tuberculose são o abandono do tratamento
pelos pacientes (por vários motivos, entre
eles a falta de dinheiro até para a condução),
a qualidade do serviço prestado, o
relacionamento dos pacientes com os
médicos e a distribuição dos medicamentos.
De acordo com a professora Maria Lúcia F.
Penna, da Universidade do Estado do Rio de
2 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Janeiro (Uerj), citada na referida
reportagem, o doente precisa saber que “está
fazendo um bem a si mesmo ao seguir o
tratamento”.
A SAC desenvolve um trabalho de forma
a complementar a atuação do poder público,
por meio de uma abordagem integral e
integrada que considera todos os aspectos
relacionados direta ou indiretamente à
doença, envolvendo não só os pacientes
como também seus familiares. Desde a sua
constituição, a SAC vem diversificando suas
atividades, visando garantir a aderência ao
tratamento. São elas:
• facilitação do acesso aos atendimentos
em cardiologia no HGVF;
• envolvimento dos familiares das crianças
e adolescentes doentes;
• atendimentos individuais e em grupo nas
especialidades de psicologia,
fonoaudiologia, terapia ocupacional,
nutrição, assistência social, odontologia
(em número limitado, até o momento);
• encaminhamento para outras instituições
de atendimento à saúde; e
• distribuição de medicamentos,
vales-transporte e lanches, com recursos
obtidos em bazar de roupas e utensílios
com baixo custo.
A prática inovadora da SAC
O conceito de atendimento integral e
integrado que norteia os trabalhos da SAC
foi aprimorado a partir da monografia sobre
o programa de FR, de autoria de Maria
Alcina M. Souza, atual diretora da entidade,
apresentada para conclusão de disciplina no
curso de graduação em Terapia Ocupacional.
Dessa monografia, foram identificadas as
considerações a seguir relatadas.
Para as crianças cardiopatas e suas
famílias, uma simples prescrição médica, um
olhar de compaixão, uma palavra de consolo
ou a explicação clínica da doença não são
atitudes suficientes. “Há de se levar em
conta o que esses indivíduos têm a nos dizer
ou nos fazer entender, suas ansiedades, suas
fantasias e suas necessidades. Daí a
importância de uma equipe com atenção
integral ao paciente.”
O conceito de atendimento integral deve
ser entendido a partir das seguintes
definições de Piaget, conforme ensaio feito
por Chaves (1998):
• disciplina – constitui um corpo específico
de conhecimento ensinável, com seus
próprios antecedentes de educação,
treinamento, procedimentos, métodos e
áreas de conteúdo;
• multidisciplinaridade – ocorre quando “a
solução de um problema torna necessário
obter informação de duas ou mais
ciências ou setores do conhecimento sem
que as disciplinas envolvidas no processo
sejam elas mesmas modificadas ou
enriquecidas”;
2 5
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• interdisciplinaridade – é utilizado para
designar “o nível em que a interação
entre várias disciplinas ou setores
heterogêneos de uma mesma ciência
conduz a interações reais, a uma certa
reciprocidade no intercâmbio, levando a
um enriquecimento mútuo”; e
• transdisciplinaridade – o conceito
envolve “não só as interações ou
reciprocidade entre projetos
especializados de pesquisa, mas a
colocação dessas relações dentro de um
sistema total, sem quaisquer limites
rígidos entre as disciplinas”.
A transdisciplinaridade é muitas vezes
confundida com a multidisciplinaridade e a
interdisciplinaridade, porque as três vão
além da disciplina. Mas, como o prefixo
trans indica, a transdisciplinaridade lida com
o que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das disciplinas e além de
todas as disciplinas [Chaves (1998)]. Ainda
segundo Chaves, não se pode negar a
necessidade das disciplinas para o avanço da
ciência, mas ao mesmo tempo é imperativa a
transdisciplinaridade para a compreensão do
mundo.
A SAC entende que a
transdisciplinaridade se enquadra na sua
maneira de atuar, em que os conhecimentos
dos profissionais se permeiam e se
perpassam e as competências individuais
passam a ser articuladas com a finalidade da
compreensão do mundo atual, onde a busca
é do conhecimento relevante, que possa
gerar ações que redundem em benefício do
ser humano.
O trabalho em equipe propõe uma
abordagem que pode ser um processo
transformador das situações e das pessoas
envolvidas. Considera-se que, sem esse viés,
pode ocorrer uma duplicidade de esforços e
serviços, impedindo a expansão e
comprometendo a qualidade do trabalho.
Esse novo caminho partiu do interesse
em construir, no hospital, um trabalho em
saúde que pudesse repercutir na qualidade de
vida dos pacientes e seus familiares. A
descoberta de novas possibilidades de pensar
e agir em saúde favorece a intensidade das
trocas, a integração e a interação
propriamente ditas, contribuindo, também,
para a formação e o crescimento
profissional.
Na SAC, o enfoque transdisciplinar levou
à constituição de uma equipe com
profissionais diversos – cardiopediatra,
psicóloga, fonoaudióloga, pedagoga e
terapeuta ocupacional – que está sempre
aberta a novas contribuições.
A prática dos atendimentos na SAC (caso
de febre reumática)
O texto a seguir é baseado na monografia
de autoria de Maria Alcina M. Souza,
anteriormente citada, e foi editado para
efeito de concisão e inclusão neste
documento.
2 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Assim que é feito o diagnóstico da
doença, a criança é cadastrada no PAC,
iniciando-se o atendimento imediatamente.
Se houver necessidade de internação
hospitalar, o atendimento é individualizado,
feito no próprio leito do paciente, com
informações sobre a doença, sua evolução e
tratamento, e sobre o Programa em que ela
está sendo engajada.
Após a alta hospitalar, ou se o paciente
não precisou de internação, durante o
primeiro mês após o diagnóstico, ele deve
comparecer semanalmente à consulta
médica, previamente marcada, no
ambulatório do HGVF.
Antes da consulta médica são
constituídos dois grupos: o de sala de espera
com as mães e um outro com as crianças e
adolescentes. São, então, desenvolvidas
atividades lúdicas, expressivas e
pedagógicas, direcionadas aos problemas
que eles enfrentam, tais como ansiedades e
fantasias em relação à doença, medo da
morte e da medicação dolorosa, entre outros.
Nesses encontros, são debatidos assuntos
como informações sobre a doença, sua
evolução e conscientização sobre o
tratamento. Nos atendimentos em grupos,
procura-se integrar as crianças com consulta
marcada com aquelas que estão internadas
com FR.
É importante salientar que todos os
membros da equipe participam de todas as
atividades propostas, com as crianças ou
com os familiares, possibilitando a criação
de um canal de compreensão mais eficaz do
mecanismo da doença.
Após essas atividades, é realizada a
consulta médica e, em seguida, a equipe se
reúne para discussão dos casos em
acompanhamento. Informações obtidas
durante os trabalhos em grupo podem ser
elementos importantes para a tomada de
decisão sobre a conduta do tratamento. A
reunião de equipe e de estudos é a ocasião
em que todos os aspectos são discutidos e
reavaliados.
Com relação à medicação, são realizados
o controle e a distribuição da penicilina
benzatina. Algumas crianças tomam a
injeção no próprio hospital e outras em
postos de saúde ou farmácias perto de suas
residências.
Toda criança inscrita no programa é
encaminhada para atendimento
odontológico, com ênfase na prevenção
bucal, pois a boca, por ser a principal porta
de entrada de bactérias, torna-se uma
facilitadora de infecções cardíacas
(endocardite). Freqüentemente, os
odontólogos têm certo receio em atender
crianças cardiopatas, tornando, assim,
imprescindível que esse tratamento seja
executado por profissionais cientes da
filosofia de atendimento e que prestem
assistência odontológica diferenciada.
Depois do primeiro mês de adesão ao
programa, as consultas vão sendo marcadas
2 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
com um intervalo maior, desde que os
terapeutas tenham alguma evidência que os
levem a pensar que a criança está engajada
no programa e não irá abandonar o
tratamento.
O ciclo de vida das organizações
Diferentes modelos sobre o ciclo de vida
das organizações, apresentados por
importantes autores, têm contribuído para
um melhor entendimento do comportamento
das organizações ao longo do tempo.
Algumas pesquisas [citadas em Jawahar e
McLaughlin (2001)] identificaram quatro
estágios do ciclo de vida (parcialmente
superpostos): inicial (start-up), crescimento
emergente, maturidade e renascimento (ou
revival). Em cada um deles, as
características da organização são distintas, e
variam não só as pressões, ameaças e
oportunidades nos ambientes externos e
internos, como também a importância
relativa dos stakeholders da organização,
que podem ser definidos como “todo e
qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar
ou ser afetado pelo atingimento dos
objetivos da organização” [Freeman (1984),
apud Jawahar e McLaughlin (2001)].
Nadler e Tushman (1997) apresentaram
um modelo de congruência, resultado de
trabalhos por eles desenvolvidos a partir dos
anos 70, o qual estabelece que “os
componentes de qualquer organização
co-existem em vários estados de equilíbrio
(balance) e consistência, denominado de
‘adequação’ (fit). Quanto maior o grau de
adequação – ‘ou congruência’ – entre os
diversos componentes, mais eficaz a
organização” (p. 28). Os componentes da
organização, criticamente interdependentes,
são: os processos e fluxos de
trabalho/tarefas, as pessoas e suas
capacidades e competências, os arranjos
organizacionais formais e a organização
informal (também referenciada como cultura
e ambiente operacional da organização).
Entretanto, para cada um desses
componentes, uma organização em sua fase
inicial se caracterizaria por:
• processos administrativos internos menos
rígidos (ou pouco definidos);
• estrutura organizacional mais informal,
menos hierárquica; e
• cultura menos rígida.
Segundo Schein (1988), a cultura pode
ser definida como “um padrão de
pressupostos básicos – inventados,
descobertos ou desenvolvidos por um
determinado grupo à medida que aprende a
enfrentar problemas de adaptação externa e
de integração interna – que tem funcionado
de maneira satisfatória e que pode ser
considerado válido e, dessa forma, é
ensinado aos novos membros [da
organização] como a maneira correta de
perceber, pensar e sentir em relação àqueles
problemas”. Christensen (2001) argumenta
2 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
que a ênfase inicial da organização repousa
sobre os recursos (pessoas, equipamentos,
tecnologia, dinheiro, informação,
relacionamentos e outros). A importância
dos processos (padrões de interação,
coordenação, comunicação e tomada de
decisão através dos quais os recursos são
transformados em produtos e serviços de
maior valor) e dos valores (critérios pelos
quais se tomam as decisões sobre as
prioridades da organização) aumenta nas
fases seguintes da vida da organização. O
amadurecimento permite a emergência da
cultura organizacional, com ênfase nas
competências e capacidades
“empreendedoras”, que levam à busca de
oportunidades e a assumir riscos
calculados. Essa característica permite a
comparação com as capacidades e
competências de natureza gerencial
(vendas, produção, administração, serviços
e outras) necessárias em outra fase da vida
da organização.
A SAC se enquadra nas descrições
acima de uma organização no estágio
inicial do seu ciclo de vida. Dessa forma,
era de se esperar que seu desenvolvimento
até agora repousasse nos recursos
principais representados pelos seus
dirigentes e alguns voluntários, e que a
principal busca de outros recursos e de
apoio estivesse concentrada naquilo que
pudesse viabilizar a ONG: disponibilidade
de equipamentos; doações de
medicamentos; dinheiro necessário para
atender às demandas ainda pequenas de
medicamentos, lanches e vales-transporte
para os doentes e seus familiares; maior
disponibilidade de espaço (se possível uma
sede); obtenção do apoio da prefeitura e do
HGVF para a construção da sede da SAC,
com financiamento do BNDES; e criação
de uma rede de relacionamentos que
pudesse “confirmar” e divulgar a atuação
da SAC.
Alguns processos administrativos
internos foram sendo definidos e
implementados à medida que se revelavam
essenciais para a coordenação de pessoas, o
uso adequado dos recursos financeiros e a
formalização de elementos importantes
para a SAC. Dentre eles estão disponíveis:
Estatuto, Regimento Interno, Programa
Ação Voluntária para Capacitação de
Voluntários e Estagiários, minuta de
proposta de plano de ação para os cinco
próximos anos, orçamento abrangendo
também o primeiro semestre de 2002,
compilação de medidas de desempenho
financeiras e não-financeiras (em
implantação) e proposta de novo
organograma (junho de 2001). Outras
normas, relacionadas ao tratamento
contábil, estão em fase de definição e
implementação, após o início dos trabalhos
da empresa de auditoria independente BKR
Lopes, Machado Ltda., na SAC, em julho
de 2001.
2 9
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Os desafios gerenciais já enfrentados pela
SAC
Em Oberfield e Dees (1992), autores de
vários textos na área de empreendedorismo
social, ambos da Harvard Business School
na época, são listados os desafios gerenciais
enfrentados por novos empreendimentos
sociais, considerando os seguintes aspectos:
• missão e flexibilidade estratégica;
• atração e motivação de pessoas;
• obtenção de fundos/recursos;
• controle e autonomia gerencial e
administrativa; e
• definição e medida do sucesso.
Esse trabalho é aqui utilizado como uma
referência para as considerações sobre a
atuação da SAC.
Missão e flexibilidade estratégica
Segundo Oberfield e Dees (1992), “o que
traz os principais stakeholders (doadores,
membros do conselho, voluntários e a
equipe profissional) para uma organização
sem fins lucrativos é a singularidade da sua
missão (distinctive mission). O compromisso
dessas pessoas com a missão pode ser um
enorme ativo da organização, e isso pode
motivá-los de uma forma que as
recompensas financeiras não conseguiriam”.
A SAC estabeleceu como sua missão
restabelecer a saúde e a cidadania da
criança cardiopata por meio de atendimento
integral e integrado. No documento
“Sociedade Amigos de Coração: Missão”,
apresentado em maio de 2000, a presidente
da SAC, Drª Juliana Ceddia, já demonstrava
perceber claramente a importância da
credibilidade da missão: “Escrever a missão
é fácil, difícil é fazer com que todos
acreditem nela... A chave para uma
organização voltada para a sua missão não é
a declaração em si, mas como ela é aplicada
no dia-a-dia das pessoas”. E, em seguida,
definia os valores que deveriam guiar as
ações diárias dos membros da organização:
• atendimento universal: acesso de
quaisquer pacientes, pela rede pública ou
particular, de forma gratuita;
• tecnologia com qualidade: excelência
no atendimento em todos os níveis;
• atendimento integral: não há tratamento
da patologia separada do indivíduo;
• atendimento transdisciplinar: os
conhecimentos e as competências
individuais dos profissionais envolvidos
no tratamento se permeiam e se
perpassam e são articulados para gerar
ações que redundem em benefício do ser
humano;
• empatia: em relação aos pacientes e
também em relação aos membros da
equipe;
• credibilidade: atuação da equipe com
compromisso, preocupação, consistência,
ética, bom senso e clareza;
3 0
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• crescimento pessoal dos profissionais
envolvidos: desafios, satisfação pessoal,
autonomia de iniciativa e
responsabilidade;
• envolvimento de todos os setores da
sociedade: incentivo à colaboração
(inclusive das famílias das crianças
atendidas) para as ações que
potencializem a atuação hospitalar;
• resgate da cidadania: colocar os
pacientes e suas famílias em condições
de assumir o controle de suas vidas
(“saúde compreende o bem-estar físico,
mental e social”);
• custos viáveis: assistência de alta
qualidade e de eficácia em termos de
custo-benefício, tendo em vista a
escassez de recursos; e
• ambição apropriada: ser uma
organização de referência, gratuita, com
atendimento de ponta, integral,
transdisciplinar, eficiente, eficaz e com
baixos custos; queremos difundir o
conceito de saúde como o estado capaz
de potencializar a capacidade humana
(orgânica, intelectiva, afetiva) de
estabelecer uma vida social, de acordo
com a necessidade de uma existência
geradora de transformações individuais e
coletivas e em que os profissionais de
saúde se tornam parceiros de seus
pacientes, enfrentando adoecimentos e
condições especiais de saúde nas lutas da
vida e não pela vida.
Uma análise da missão e dos valores que
deverão guiar a atuação da SAC nos
próximos anos indica:
• a missão, fácil de memorizar e clara,
introduz a idéia de “restabelecimento da
cidadania”, que, embora possa ser
explicada, se torna mais difícil de medir
(esse aspecto será discutido mais adiante,
no item “Definição e medida do
sucesso”);
• o “atendimento universal”, significando
tratar pacientes de qualquer origem e não
apenas aqueles recebidos do HGVF, pode
representar um encargo superior aos
recursos humanos e materiais
eventualmente disponíveis na SAC; que
recentemente tem indicado que deverá
rever essa postura;
• a “ambição apropriada”, como indicado
acima, pode ser considerada (ou ajustada)
de forma a refletir a visão da
organização, que, de acordo com o
material de referência para “Treinamento
do Prêmio Empreendedor Social”,
preparado pela Ashoka Empreendimentos
Sociais em 2000, define “o entendimento
comum do que se deseja ser”, enquanto a
missão é a “expressão da razão da
existência de uma organização”; e
• no que se refere a valores, a mesma
Ashoka os define como o “principal
3 1
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
sistema de valores comportamentais” da
organização. Da forma como estão
definidos, os valores da SAC têm
efetivamente essa característica, restando
apenas atender à recomendação, fruto da
experiência da Ashoka, de que
“organizações de sucesso não possuem
mais de 3-6 valores”. O menor número
de valores deve facilitar a sua
“internalização” pelos membros da
organização. Essa consolidação dos
valores da SAC não apresenta qualquer
dificuldade.
Os autores acima citados [Oberfield e
Dees (1992)] chamam a atenção para a
necessidade de que a missão seja
“suficientemente específica para inspirar o
compromisso, ao mesmo tempo em que deve
ser suficientemente aberta para permitir o
redirecionamento estratégico quando
necessário”. A partir da análise realizada
neste estudo, a percepção da equipe é de que
a SAC tem aprimorado periodicamente a sua
missão e seus valores.
Atração e motivação de pessoas
A SAC foi fundada e se mantém até hoje
com trabalho voluntário. No seu Programa
de Ação Voluntária, ela procura capacitar
profissionais e voluntários para operar nas
diversas áreas de sua atuação. Até
recentemente, os voluntários que a
integravam eram da área de saúde ou ligados
à educação artística e se integravam à equipe
transdisciplinar. Com a inauguração do
Centro de Cardiologia Pediátrica (Cecape),
verifica-se a necessidade de formação de um
quadro de apoio, composto de voluntários
que não possuam necessariamente uma
formação específica. Essa idéia foi
formalizada, em setembro de 2001, com a
consolidação e aprimoramento de normas já
existentes para a capacitação de voluntários
e estagiários na SAC. Em novembro de
2001, seu quadro de voluntários era
composto de 18 pessoas:
• 2 diretoras;
• 1 dentista;
• 3 psicólogas (2 com atuação na equipe e
1 com os pacientes);
• 1 nutricionista;
• 2 arte-educadoras;
• 2 fonoaudiólogas;
• 1 terapeuta ocupacional;
• 1 assistente social;
• 1 jornalista;
• 3 auxiliares administrativos; e
• 1 colaboradora na elaboração de projetos.
Outro aspecto que tem merecido a
atenção da direção da SAC é o turnover
elevado, característico de muitas das
organizações que trabalham com
voluntários, causado, entre outros motivos,
pela incompatibilidade de horários ou pelo
aparecimento de oportunidades de trabalho
3 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
remunerado. No caso de voluntários sem
formação específica, a experiência da Casa
Ronald McDonald (ver comentários mais
adiante) pode ser útil para a SAC.
A saída de uma das diretoras da SAC, no
início de 2001, causou uma crise que levou a
direção a buscar supervisão terapêutica para
todos os voluntários da organização, com
3 3
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PLANO DE AÇÃO DA SACObjetivos Ações Estratégicas Indicadores de Sucesso
1. Obter espaço físico – Conclusão da construção do Cecape – Conclusão da obra (previsão:dezembro 2001)
2. Obter recursos parapagamento de pessoal
3. Auto-sustentabilidade
– Convênio de subvenção com asprefeituras da região metropolitana II
– Sensibilização do Segundo Setor parafinanciamento de pessoal
– Identificar entidades com o mesmopúblico-alvo que possam ser parceiras
– Número de funcionários remunerados
– % de recursos próprios/recursos totais
4. Ampliar o atendimentomédico
5. Ampliar o atendimentoodontológico
6. Distribuirmedicamentos
7. Fortalecer o trabalhoem equipe
– Programas específicos
– Agregar novos membros à equipe
– Supervisão institucional
– Número de pacientes atendidos
– Número de pacientes operados
– Número de pacientes atendidos naodontologia
– Número de crianças beneficiadas commedicamentos
– Número de atendimentos em grupo
Atenção à Cidadania:
8. Fortalecer ovoluntariado
– Programas específicos
– Parcerias estratégicas
– Pesquisa: grau de satisfação dosvoluntários
– Número de voluntários > funcionários
9. Promover pesquisa – Apresentar projetos aos institutos depesquisa, Capes, CNPq etc.
– Número de trabalhos científicospublicados
10. Treinar os gerentes – Treinamento na Ashoka
– Curso MBA executivo na UFF
– Número de membros da OSC comtreinamento gerencial (Ashoka, MBAetc.)
11. Divulgar a organização – Criação da Assessoria deComunicação
– Número de boletins, adesivos, materialde divulgação e campanhaspublicitárias implementadas
12. Divulgar e multiplicar ainiciativa
– Co-participação na cartilha do BNDESque objetiva multiplicar a idéia
– Número de unidades replicadas
13. Ampliar o número desócios-doadores
– Campanhas para atrair novos doadores – Aumento de sócios-doadores
14. Dar transparência aosresultados
– Buscar auditoria externa – Auditoria externa
bons resultados. As características dessa
supervisão estão descritas no Anexo 8.
A SAC está procurando firmar um
convênio com a Prefeitura de Niterói com o
objetivo de prover remuneração para as
principais funções de coordenação que hoje
são exercidas por voluntários A efetivação
desse convênio irá criar uma situação nova
na organização, pois parte da equipe passará
a ser remunerada. Nas palavras da Drª
Juliana, esse será mais um desafio para a
SAC: “Os funcionários remunerados são
uma exigência para se ter pesquisas sendo
desenvolvidas pelos profissionais”. Para ela,
é fundamental ter “médicos, psicólogos,
assistentes sociais e outros profissionais
trabalhando em tempo integral porque a
transdisciplinaridade assim o exige. A SAC
não vai se enfraquecer se tiver funcionários
remunerados. Pelo contrário, há que se
ressaltar que a organização se enfraquecerá
nos seus objetivos se depender apenas de
voluntários. Receber pelo trabalho realizado
não é ruim para uma ONG; apenas os
valores devem ser mantidos, bem como a
convivência com voluntários”.
Obtenção de fundos e recursos
Segundo Oberfield e Dees (1992),
“encontrar doadores cujos interesses estejam
afinados com os objetivos do novo
empreendimento não é tarefa fácil... e os
‘mercados’ para doações importantes são
complexos e muito competitivos”.
No caso específico da SAC, os recursos a
serem obtidos tomam várias formas: recursos
para programas de maior duração, capital para
eventuais investimentos em infra-estrutura,
dinheiro para despesas operacionais
continuadas etc. Com a inauguração do Cecape
e a ampliação das atividades, será necessária a
formulação e implementação de uma estratégia
de captação de recursos que vá além das ações
já realizadas pela organização e que possa estar
sintonizada com os diversos tipos de doadores
e seus interesses, ao mesmo tempo em que
mantenha a organização dentro da sua missão.
Segundo os autores acima mencionados, “a
obtenção de fundos (fund raising)
provavelmente será uma parte importante do
trabalho do empreendedor social, mesmo após
o empreendimento ter ‘deslanchado’.”
Em novembro de 2001, a SAC possuía
16 doadores com uma média mensal de
contribuição da ordem de R$ 10. De acordo
com uma proposta de orçamento da SAC
para o primeiro semestre de 2002, os gastos
mensais, após a conclusão do Cecape,
ficarão em torno de R$ 3.720.
Controle e autonomia gerencial e
administrativa
Oberfield e Dees (1992) alertam para a
necessidade de a organização avaliar a sua
“capacidade de motivar e liderar voluntários,
a sua credibilidade para obter o respeito dos
profissionais e as suas habilidades para
desenvolver e manter um consenso entre os
3 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
diferentes stakeholders, os quais são
essenciais para o sucesso da organização”.
Ao longo dos últimos anos, desde a criação
do PAC, as fundadoras e suas mais próximas
colaboradoras têm demonstrado possuir as
qualidades e habilidades para liderar e motivar
outros profissionais e voluntários, além de
gerenciar seus projetos voltados para o
atingimento da missão da SAC.
Adicionalmente, a SAC não tem medido
esforços no sentido de obter recursos e apoio
para seus projetos e atividades e de divulgar
sua causa em prol da criança cardiopata.
A administração da SAC tem procurado
pautar suas ações por programas, atividades e
projetos claramente identificados e
compreendidos, o que facilita o gerenciamento
e deverá permitir uma melhor adequação das
medidas de desempenho necessárias à
organização. A seguir, são apresentados os
programas, atividades e projetos da SAC:
• Programa Amigos de Coração
Atendimento às crianças e aos familiares
(grupo de mães e crianças). O PAC foi a
ação que deu origem à SAC. Iniciado em
1997, objetiva a adesão ao tratamento dos
portadores de FR, através de parceria
entre paciente, família e equipe,
garantindo a manutenção do plano
terapêutico do paciente.
• Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata
Atendimento psicossocial em fase de
implantação. Estende para os portadores
de cardiopatias congênitas a mesma
abordagem conferida às crianças
portadoras de FR, respeitando suas
particularidades.
• Programa Odontológico
Serviço ainda em implantação, oferece
atendimento específico às necessidades
da criança cardiopata.
• Programa de Medicamentos
Tem como objetivo o acesso aos
medicamentos necessários ao tratamento
adequado. Embora não se descartem
doações de medicamentos, a base do
programa será a doação de recursos para a
compra a ser feita na farmácia universitária
da UFF, onde o preço é muito mais barato e
ainda se oferece um desconto.
• Programa de Ação Voluntária
Capacitação de voluntários e planos para
grupo de estudo.
• Atendimentos Médicos Assistidos
Ambulatório/consultas e exames ECG e
EcoCG.
• Coordenação Administrativa
Cuida da administração dos diversos
projetos e dos processos burocráticos e
contábeis inerentes à organização.
Definição e medida do sucesso
A avaliação de resultados de uma
organização sem fins lucrativos deve
permitir que possa ser feita a medição do
sucesso no atingimento de sua missão.
3 5
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Embora fácil de definir, essa tarefa se revela
bastante difícil na prática. Na maioria das
vezes, a possível solução para isso surge
com a adoção de um conjunto de
indicadores, que poderiam ser classificados
em quatro tipos:
• tipicamente financeiros;
• relacionados ao sucesso na mobilização/
obtenção de recursos para a organização;
• relativos à competência/eficácia e à
eficiência do pessoal da organização na
realização de suas atividades específicas; e
• relacionados ao progresso no atingimento
da missão da organização.
A figura a seguir ilustra o relacionamento
entre os diferentes indicadores. Um maior
detalhamento desses indicadores é
apresentado a seguir:
a) Indicadores financeiros
Construídos a partir de informações
contábeis complementadas por outros dados,
esses indicadores permitiriam acompanhar,
por exemplo, a evolução da participação de
determinados tipos de despesas em relação
ao total de recursos obtidos.
b) Mobilização de recursos
A obtenção de recursos pode ser
subdividida em dois tipos principais:
• Recursos para a ONG
Nesse item deve ser avaliado o sucesso
da ONG na captação de recursos para os
3 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
INDICADORES DE DESEMPENHO DA ORGANIZAÇÃO
mais diversos fins, como investimentos
em instalações e equipamentos, despesas
operacionais, projetos e programas
específicos, desenvolvimento de
competências e outros.
• Recursos para a “causa”
Um indicador de sucesso da atuação da
ONG é, por exemplo, o volume de
recursos alocados pelo governo ou por
outras instituições para atividades,
programas, projetos, instituições e outros
que estivessem relacionados à atuação da
ONG.
c) Competência e eficácia/eficiência das
equipes transdisciplinar e
administrativa da ONG
Nesse grupo, vários indicadores podem
ser considerados úteis, tais como:
• Indicadores de desempenho das
equipes
Nesses indicadores estão aqueles que, por
exemplo, permitem avaliar o desempenho
da equipe transdisciplinar no diagnóstico
de doenças específicas ou na sua
prevenção. Poderiam incluir também as
avaliações de processos administrativos
internos relevantes para o sucesso da
ONG. Nesse grupo também podem ser
considerados os resultados dos esforços
da equipe da ONG visando à alocação de
recursos para a “causa” (conforme
mencionado acima).
• Indicadores relacionados ao sucesso na
criação de parcerias e no surgimento
de “complementadores”
A realização de parcerias constitui um
fator crítico para a atuação da ONG, e o
sucesso obtido em sua formação e
evolução pode atestar a qualidade e o
resultado da atuação das equipes. Muito
embora a ONG tenha todo o empenho no
sentido de resolver ou prevenir
determinados tipos de problemas
médicos, sua atuação pode não ser
suficiente, como nos casos em que a
miséria é um fator relevante. Nessas
situações, torna-se importante estimular o
surgimento de organizações
“complementadoras” que se disponham a
cuidar desses outros tipos de problemas,
sem que sejam necessariamente parceiras
da SAC. Os resultados do trabalho da
equipe da SAC no sentido de viabilizar
ou estimular o surgimento de
complementadores devem ser
considerados em sua avaliação.
d) Missão da organização
Nesse grupo estão incluídos aqueles
indicadores relacionados mais
especificamente à medida do:
• progresso no atingimento da missão da
organização, o que poderá ser facilitado
ou dificultado pela forma como a missão
estiver formulada;
3 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• progresso no atingimento de metas
específicas e na implementação de
estratégias consubstanciadas em
programas e projetos; e
• sucesso da organização em comparação
com benchmarks externos disponíveis ou
resultantes de estudos específicos
realizados (como exemplo, uma tentativa
de avaliação do “valor agregado” pela
aderência por maior tempo ao tratamento
médico essencial).
É importante observar que a necessária
“transparência” no uso dos recursos pela
organização está intimamente ligada à
existência e periódica apuração de
indicadores como os dos tipos descritos
acima.
Conforme demonstrado na tabela
anterior, a SAC apresentou no seu Plano de
Ação os indicadores de desempenho que
adota para medir o seu sucesso na realização
das ações estratégicas lá definidas. Esses
indicadores atendem ao especificado acima,
neste tópico. Adicionalmente, após a
discussão dos seus diferentes tipos de
indicadores de desempenho e da sua
relevância para a avaliação da organização
com a equipe do Latec/UFF, a administração
da SAC iniciou a montagem de uma relação
ampliada de realizações e atividades no
período julho de 1998/julho de 2001. Nesse
documento, serão incluídas muitas
atividades relevantes da SAC (como, por
exemplo, todo o trabalho em prol da
“causa”) que, até então, não estavam sendo
compiladas ou devidamente classificadas.
No período considerado, dentre os
importantes resultados da atuação da SAC e
suas parcerias podem ser citados: o
investimento do BNDES na implantação do
Cecape; a escolha da Drª Juliana Ceddia
como fellow da Ashoka, uma ONG
internacional dedicada ao desenvolvimento
de empreendedores sociais; a crescente
importância do HGVF em cardiopediatria; o
constante aprimoramento de sua prática, o
atendimento transdisciplinar; a ampliação
dos programas e projetos; e as muitas
apresentações e palestras visando à
divulgação das atividades da SAC e à
promoção da causa defendida.
INDICADORES E AVALIAÇÃO DE
RESULTADOS DA SAC
A transparência necessária
Um aspecto essencial para o sucesso de
uma ONG é a necessária transparência no
uso dos recursos captados. Para isso, muitas
organizações têm procurado conseguir, de
forma prioritária, a colaboração de empresas
de auditoria independente que se disponham
a verificar e certificar o uso adequado dos
recursos captados.
Recentemente, a SAC conseguiu o
compromisso da BKR Lopes, Machado
Ltda., participante de uma rede internacional
de empresas de auditoria independente, que
3 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
se prontificou a rever a sua documentação
até o final de 2001 e já é responsável
também por sua contabilidade e auditoria,
em 2002. Esses serviços não representarão
qualquer ônus para a SAC.
A relação da SAC com o HGVF
Uma característica especial da SAC é
possuir a sede dentro de um hospital
público. Essa proximidade com o HGVF,
referência em pediatria, é positiva, uma vez
que as pessoas procuram hospitais e postos
de saúde e não ONGs, em primeira
instância.
Por outro lado, é vital estabelecer uma
boa relação com os funcionários e a direção
do hospital, sob pena de gerar conflitos de
difícil solução. Hoje, essa relação é
informal. Em entrevista com a atual direção,
verificou-se que ainda estão sendo estudadas
normas que regulem a convivência entre a
SAC e o HGVF, cuja diretora entende que
cabe à Fundação Municipal de Saúde de
Niterói a iniciativa para definição dessas
normas.
Os funcionários não têm muitas
informações sobre a atuação dos voluntários
da SAC, mas a consideram positiva para o
hospital, embora haja muito receio de uma
participação mais ativa, provavelmente por
implicações administrativas. São necessárias
definições dos papéis de cada uma das
entidades e formalização escrita dessa
parceria.
Um trabalho de grupo interprofissional,
que incluísse tanto funcionários do HGVF
como participantes da SAC, com reuniões
orientadas por psicólogo mediador, talvez
fosse um caminho para uma integração
positiva dos dois ambientes.
A atual direção do HGVF entende que as
médicas devem dar 20 horas semanais de
trabalho ao hospital, estando então liberadas
para atuação na SAC. Em relação às
atividades da entidade no HGVF, ela
considera que a definição dos papéis de
ambos é prioritária. Até então, só houve
“conversas”. A direção vê a SAC como uma
instituição privada, enquanto o hospital é
público. Apesar de considerar que ela
contribui muito para complementar a
atuação do hospital, vê a localização de sua
sede dentro do hospital com reservas, pois
acredita na possibilidade do surgimento de
dificuldades se ela, eventualmente,
estabelecer convênios particulares com
outras entidades. No entanto, a SAC tem
repetidamente enfatizado que não buscará a
remuneração de seus serviços.
A atual direção do HGVF espera que a
SAC tenha uma estrutura própria autônoma
e separada e não vê possibilidade de dar
ajuda financeira nem ceder funcionários. É
também favorável à celebração de um
convênio com a Fundação Municipal de
Saúde, em que o hospital ofereça um número
determinado de atendimentos de
ecocardiograma ou eletrocardiograma, por
exemplo.
3 9
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Com a inauguração da nova sede, estão
sendo disponibilizados novos consultórios,
adequados para os programas médico e
odontológico, bem como salas que atenderão
a todos os outros programas da SAC. As
novas instalações se destacarão e destoarão
em relação aos ambientes do HGVF, que
carecem de atualização e têm manutenção
precária, o que também pode gerar áreas de
atrito.
Na situação atual, com a sede localizada
em terreno cujo acesso se dá pelo ambiente
do hospital, o HGVF se constitui no mais
importante stakeholder da SAC. A adequada
condução desse relacionamento no futuro
será essencial para o sucesso da SAC. Além
disso, é necessária uma contínua atualização
das relações da SAC com os funcionários do
HGVF, que devem ser convencidos dos
aspectos positivos do trabalho ali realizado,
informados das atividades e dos benefícios
trazidos aos pacientes e convidados a
participar das atividades, a fim de tê-los
como colaboradores ativos, se não dentro, ao
menos fora da SAC, como força de apoio.
Nas entrevistas realizadas, a equipe do
Latec/UFF percebeu que essas questões
estão sendo tratadas pela SAC com a devida
importância. A opção da entidade foi a de
desenvolver suas ações dentro de um
hospital público e em parceria com os seus
profissionais de saúde e administrativos. É
um desafio gerencial.
Um outro aspecto que chama a atenção
na relação entre a SAC e o HGVF é a
questão de como devem interagir as políticas
públicas e as iniciativas a ela
complementares. Muitas ONGs de atuação
recente devem passar a ser consideradas e
contempladas quando da formulação de
políticas públicas, pois são iniciativas que
ampliam e aprimoram o atendimento à
população em situação de risco social.
As experiências de outras ONGs
O objetivo dessa atividade do trabalho foi
conhecer as escolhas ou opções
“estratégicas” de outras ONGs
bem-sucedidas que pudessem servir de
marcos referenciais ou benchmarks e
também alguns dos processos/procedimentos
por elas implementados. Embora bem
diferentes da SAC na sua missão e forma de
atuação, as experiências vividas pelas
equipes da Casa Ronald McDonald – ligada
à Associação de Apoio à Criança com
Neoplasia (AACN-RJ) – e do Renascer
puderam efetivamente suscitar
considerações e avaliações por parte das
equipes do Latec/UFF e da SAC em relação
aos desafios enfrentados.
Renascer
No caso do Renascer, alguns fatores
críticos de sucesso podem ser ressaltados:
a) Busca permanente de credibilidade e de
transparência nas suas atividades. Isso é
estimulado por incentivo a visitas, acesso
4 0
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
às informações de todo tipo
(especialmente sobre origem e aplicação
de recursos), auditoria externa (quando
possível) e variado material de
divulgação (folhetos, book com fotos,
documentação de casos, cartas das mães
e vídeos).
b) Definição clara do foco do trabalho, já
que é inviável atender a todos os que têm
necessidade do apoio prestado pela ONG.
c) Busca ativa de doadores de fundos e de
alimentos e remédios. Há um grupo
especificamente dedicado a esse trabalho.
É enfatizada a busca de sócios
voluntários (doação em dinheiro) e de
padrinhos/madrinhas (doação de
alimentos e remédios). Para angariar
fundos, são realizadas palestras em
bancos, escolas, no Rotary e em outras
instituições. Cada família beneficiada
tem uma pasta exclusiva, com
documentos onde são discriminadas as
doações e também confirmados, por meio
de assinatura, os efetivos recebimentos,
pela família (Anexo 5).
Casa Ronald McDonald
Na Casa Ronald McDonald (CRM), os
aspectos relevantes dizem respeito à
organização (prepara-se para certificar-se pela
ISO 9000) e à forma como é administrada a
questão do voluntariado (Anexo 6):
a) Uma forma de se ter voluntários como
sócios contribuintes é usar a experiência
da CRM, onde existe um cadastro de
sócios contribuintes que recebem
periodicamente por mala direta um boleto
bancário sem valor. A média mensal das
contribuições está entre R$ 13 e R$ 14.
Há sete mil pessoas cadastradas e cerca
de quatro mil contribuições regulares.
A captação de sócios é feita em eventos
como bingos, serestas, bailes e festas de
“outros”. Também se dá através de
palestras sobre câncer infantil em escolas
particulares de ensino médio e empresas.
Em seguida, durante algum tempo,
monta-se na escola ou empresa um
estande de vendas de artigos com a
marca, distribuem-se folhetos
informativos e faz-se o cadastro de
pessoas interessadas em contribuir. O
boleto bancário só é enviado a quem
estiver previamente cadastrado.
b) Quanto ao voluntariado de serviços, não é
exigida nenhuma profissionalização, tendo
em vista o tipo de trabalho realizado. Os
voluntários trabalham em turnos semanais
de quatro horas de duração e com as
seguintes características:
• há um contrato de experiência em que a
entidade e o voluntário se avaliam após
um determinado período de trabalho;
• a vinculação com a reputação do
McDonald’s gera solidez e credibilidade
4 1
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
(há uma lista de espera de 200
candidatos, que chegam a aguardar um
ano para serem chamados); e
• os benefícios para o voluntário são:
– facilidade de comunicar seu trabalho, que
é imediatamente reconhecido e
legitimado; e
– condições favoráveis para desenvolver
seu trabalho (bom ambiente, treinamento,
organização), o que tem resultado em
uma baixa rotatividade (10%).
c) Outro aspecto interessante são as ações
em prol da causa do câncer infantil
realizadas pelas organizações
(AACN-RJ, CRM, Instituto Ronald
McDonald e Casa de Apoio):
• mobilização da comunidade;
• gestão das casas de apoio, programas
suplementares e relações intersetoriais;
• avaliação de resultados e das
necessidades comunitárias; e
• replicação das experiências
bem-sucedidas.
d) São também interessantes as questões
relativas à prevenção. Seguindo uma
tendência em muitos países onde atua,
em 1999 o McDonald’s criou o Instituto
Ronald McDonald, que tem como missão
atuar para a redução da taxa de
mortalidade do câncer infantil no Brasil,
por meio das seguintes ações:
• conscientização quanto ao diagnóstico
precoce;
• pesquisa e disponibilização de dados
sobre a doença;
• mobilização de novos voluntários; e
• criação sistemática de um esquema de
arrecadação que vá além das
contribuições obtidas pelas campanhas
com o McDonald’s.
A questão da liderança
Ao se avaliar a proposta da SAC, ficou
claro o perfil de empreendedora social de
sua presidente e o papel determinante desse
perfil para a replicação de experiências
semelhantes. Assim sendo, procedeu-se a
uma pesquisa bibliográfica para destacar as
características psicológicas e atitudinais
típicas de pessoas com o perfil de
empreendedor e de empreendedor social.
O empreendedor precisa ter, além das
características de um bom administrador,
que são planejar, organizar, dirigir e
controlar, outras características que tornem
possível que de uma simples idéia surja um
empreendimento inovador. Como o
empreendedor gerou o negócio/
empreendimento a partir de uma idéia sua,
ele conhece a fundo em que área atua,
considerando-se que para isso também teve
que empenhar algum tempo e experiência
pessoal. Como é visionário, planeja
comumente a partir de visões de futuro.
4 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
O empreendedor possui qualidades como
a de ser um excelente identificador de
oportunidades, podendo tornar-se
exageradamente oportunista. Além disso,
tem iniciativa para criar, sendo bastante
criativo ao trabalhar com os recursos
disponíveis, e é um apaixonado pela causa,
assumindo riscos, o que requer ousadia e
perseverança, mesmo diante de fracassos.
Embora possa parecer que só pessoas
com habilidades inatas se enquadrem nesse
perfil, é possível também aprender hábitos e
mudar atitudes, desde que se tome essa
decisão pessoalmente e se esteja motivado
para tal.
Do material pesquisado, as principais
características do empreendedor são: visão,
concretização de idéias, curiosidade,
perseverança, comprometimento, motivação,
autoconfiança, independência, liderança e
relacionamentos (Anexo 7).
Considera-se que a maioria das
características do empreendedor de negócios
é semelhante à do empreendedor social. Mas
há alguns aspectos, como o retorno
financeiro, que não podem jamais ser o foco
de um empreendedor social, que deve ser
mais flexível quanto às adaptações às
condições para a implantação de sua idéia,
devendo aceitar compor uma equipe à qual
possa delegar funções e na qual possa
confiar, fazendo-a também se apaixonar pela
causa. Essa equipe deve ser capaz de
prosseguir com o empreendimento,
independente de sua presença.
Porque lida com voluntários, o
empreendedor social não pode exigir a
mesma dedicação exclusiva de todos os
colaboradores, pois cada um tem seu grau de
motivação e disponibilidade. Ele deve saber
aproveitar ao máximo o que cada um pode
dar dentro dos limites que disponibiliza.
Uma citação de Gandhi que norteia a
direção da SAC é: “Liderança um dia teve a
ver com força. Hoje tem a ver com
relacionamento com as pessoas. Para se
relacionar bem com as pessoas, é preciso
entender as razões que as levam a ser do
jeito que são. Sem esse entendimento não há
liderança.”
Como referência, são apresentadas a
seguir as características dos líderes da CRM,
conforme relatadas na visita feita àquela
instituição pela equipe do Latec/UFF:
• ter visão e saber compartilhá-la;
• atendimento e captação de recursos;
• formação técnica para controle e
planejamento;
• liderança: harmonização de conflitos e
moderação;
• transparência;
• disciplina nas atribuições e na conduta; e
• não parar de sonhar.
É importante ressaltar, neste trabalho, que
todas as providências anteriormente
4 3
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
descritas, relativas ao terreno do hospital,
foram tomadas pelas dirigentes da SAC.
Para outros futuros empreendedores sociais,
fica aqui demonstrada a variedade das
atividades exigidas para a implantação de
uma ONG e a relevância do efetivo
compromisso e disposição do empreendedor
para também se ocupar com aspectos desse
tipo. E tudo isso sem contar com a
realização da “atividade-fim” imposta pela
missão da organização.
O trabalho em rede para resgate da
cidadania
Um dos componentes da missão da SAC
é o resgate da cidadania. Quando se verifica
a dimensão desse problema no Brasil,
percebe-se a necessidade de que a SAC
promova relações intersetoriais, de modo a
atuar em rede com outras organizações que
têm como foco o atendimento à criança e às
famílias carentes, como o Renascer. Nesse
sentido, de acordo com as palavras da
própria presidente da SAC, seria importante
que houvesse uma outra organização que
distribuísse cestas básicas e/ou
vales-transporte para os pacientes e seus
responsáveis.
A necessidade de se ter esse tipo de apoio
foi verificada pela equipe do Latec/UFF em
entrevistas com os responsáveis pelos
pacientes quando avaliou a participação
destes nas atividades oferecidas pela SAC.
Cerca de 88% dos entrevistados
participam apenas às vezes das atividades
oferecidas pela SAC nos dias das consultas.
Mesmo avaliando esses grupos como bons e
confirmando que trazem benefícios para
eles, as pessoas indicaram várias
dificuldades que impedem maior
participação, como a distância, o tempo
disponível e o custo elevado da condução.
Calcula-se que, se tivessem também
benefícios sociais, além dos psicológicos, e
não pagassem o transporte, os entrevistados
aumentariam substancialmente sua
participação.
Sugestões para os programas da SAC
Apresentam-se, a seguir, sugestões
específicas para os programas em
desenvolvimento na SAC.
a) Programa Amigos de Coração
• Espaço adequado – Durante o estudo, um
dos itens identificados; foi a falta de
espaço adequado para as diversas
atividades a que se propõe o programa.
Isso passará a ser sanado com a
inauguração da sede própria da SAC,
onde estão previstos os diversos
ambientes para atender a esse projeto.
• Material para os trabalhos de apoio
psicossocial – Mesmo que muitos
trabalhos tenham fins informativos, o
objetivo seria alcançado de forma mais
ampla se houvesse material didático/
4 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
informativo que pudesse inclusive ser
distribuído aos responsáveis. As
vivências de troca nos grupos de mães
precisam de um lugar acolhedor e
confortável, pois o atual é muito carente
(cadeiras de crianças e pouco espaço).
Isso também estará sendo resolvido com
a nova sede.
• Material para recreação e grupos de
terapia ocupacional – Embora muito se
possa realizar com material de sucata,
há necessidade de acondicionamento
dos mesmos e também de outros
materiais e instrumentos
complementares.
• Voluntários com treinamento – Com a
disponibilidade de um espaço de
trabalho adequado em todos os horários
e com o funcionamento da nova sede,
prevêem-se grupos e atendimentos que
não estejam reduzidos aos atuais
horários de 2ª, 4ª e 6ª feiras à tarde, para
não deixar a sede ociosa, atendendo-se a
um maior número possível de crianças
cardiopatas. Os voluntários não
precisam de formação específica, mas
sim de treinamento e informação para
atender às necessidades do público. Esse
treinamento deve estar baseado numa
sistematização dos grupos de mães,
como, por exemplo, temas e conteúdos a
serem abordados, como criar um clima
favorável à troca de vivências etc. Para
os grupos de recreação e terapia
ocupacional, as atividades a serem
sugeridas devem ser esquematizadas,
criando-se um programa variado e
estimulante para que se possa incentivar
o retorno e a freqüência mais assídua.
b) Programa de Atendimento à Criança
Cardiopata
• Criar uma rotina de entrevista
psicossocial para fichamento de cada
caso, devendo abranger, além de dados
pessoais e médicos, as necessidades
socioeconômicas de alimento, escola,
transporte e medicamentos. Deve haver
acompanhamento de freqüência às
consultas e aos grupos de mães/crianças,
de recebimento de auxílios e de
encaminhamentos necessários.
• Prover recursos, via doação e parcerias,
para atender às necessidades do programa
em conjunto com a coordenação
administrativa.
• Divulgar o programa para atrair
voluntários e doadores, via Programa de
Ação Voluntária da SAC.
c) Programa Odontológico
• Com a nova sede, a implementção do
consultório dentário permitirá um
atendimento adequado.
• Há necessidade de captação de recursos
para o efetivo tratamento dos pacientes.
4 5
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• Voluntários, nesse caso, só com formação
específica. Talvez seja possível algum
convênio com faculdades de odontologia
em que alunos já em períodos finais de
formação possam prestar atendimento sob a
supervisão de profissional da área.
d) Programa de Ação Voluntária
• Como este programa atende a todos os
outros mencionados, deve ser preparado
para as necessidades que se ampliarão
bastante com o funcionamento das
atividades na nova sede.
• Há necessidade de sistematização para
uma efetiva divulgação, visando à adesão
de voluntários e também de doadores. Tal
procedimento deve ser constante e
realizado por meio de impressos,
palestras e outros eventos em escolas,
clubes e outras associações. Manter uma
home page sempre atualizada e atraente
também é um bom veículo,
principalmente se possibilitar o
cadastramento de interessados no
voluntariado ou em doação.
• É interessante diversificar o tipo de
colaboração, que pode ser:
– voluntário especializado;
– voluntário sem especialização;
– sócio-contribuinte, que faria
contribuições periódicas e espontâneas; e
– sócio-padrinho, que se responsabilizaria
por um tempo preestabelecido para
doação de bolsas alimentares, auxílio
para transporte ou bolsa de
medicamentos.
• Sistematização da seleção e treinamento
dos voluntários:
– recrutamento – inscrição após alguma
divulgação, visita ou internet;
– seleção por meio de entrevista;
– informação do serviço prestado pela SAC;
– treinamento/estágio de observação nas
diversas áreas;
– indicação da área em que atuará o
voluntário; e
– período de experiência.
• Convênios com faculdades para recrutar
voluntários-estagiários com supervisão
(médicos, dentistas, psicólogos).
e) Programa de Atendimento Médico
Assistido
• A questão relativa aos ambulatórios/
consultórios mais adequados está sendo
resolvida com a nova sede da SAC.
• O aumento de horários disponíveis para
atendimento acarretará também maior
demanda de profissionais médicos
voluntários para não deixar as instalações
ociosas. Nesse caso, também é possível,
como no atendimento odontológico, fazer
convênios com faculdades para que
alunos/acadêmicos possam ser
voluntários sob supervisão.
4 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
• O acesso aos exames de ECG e EcoCG
parece ser essencial ao diagnóstico
precoce de problemas cardíacos e
também para a intervenção rápida e
adequada para que não haja maiores
danos físicos, prevenindo-se intervenções
e gastos hospitalares maiores no futuro.
Na situação atual, a SAC depende
unicamente da aparelhagem do HGVF, o
que representa um fator de risco, pois se
trata de um hospital público, que está
sujeito a mudanças de direção periódicas
que nem sempre estará de acordo com os
objetivos da SAC, podendo não
disponibilizar o uso dos aparelhos para
pacientes que não sejam exclusivamente
do hospital. Além disso, corre-se o risco
de esses aparelhos sofrerem avarias, que
não são corrigidas rapidamente no
serviço público devido à falta de verba,
entre outros aspectos.
f) Coordenação Administrativa
• Uma das principais tarefas ainda a
realizar é a captação de recursos
humanos e financeiros:
– voluntários para doação de serviço;
– voluntários contribuintes com
mensalidades;
– voluntários contribuintes com doações de
alimentos, medicamentos, auxílio de
transporte e outros materiais;
– parcerias para troca de
serviços/colaboração, como, por
exemplo, de custeio dos exames ECG e
EcoCG, de auxílio ou passe livre para
transporte, de encaminhamento para
emprego de pais/mães sem recursos e de
auxílio de cestas básicas para famílias de
baixíssima renda;
– convênios com postos de saúde/hospitais
do município e arredores para facilitação
dos encaminhamentos; e
– divulgação/marketing das atividades da
SAC, como informativos, palestras,
impressos, eventos, página na internet,
com a finalidade de captar recursos de
todos os tipos.
• Relação com o HGVF:
– estabelecimento de convênio formal, no
qual se definam bem os papéis de cada
um dos parceiros para que não haja
surpresas repentinas, como:
· a direção do HGVF, não concordando
com as atividades da SAC, proibir a
passagem tanto dos pacientes quanto dos
voluntários, devido ao fato de a sede
estar localizada em terreno com acesso
pelo hospital;
· a atuação das médicas que são funcionárias
públicas lotadas no HGVF, pois a direção
pode, se assim desejar, transferi-las para
outro hospital e impedir o acesso das
mesmas à sede (a atual direção já se referiu
ao problema da carga horária que elas
devem dar no HGVF, e que não poderá
coincidir com as atividades na SAC);
4 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
· impedimento no acesso aos exames
complementares de ECG e EcoCG por
danos na aparelhagem ou não
concordância com o projeto da SAC, o
que pode impedir ou provocar demora no
diagnóstico precoce; e
– realização de um programa de divulgação
e interação com todos os funcionários do
HGVF para torná-los o mais favorável
possível aos programas da SAC, o que é
importante principalmente quando das
mudanças de direção do hospital.
• Aprimorar os instrumentos contábeis da
SAC, que, como mencionado
anteriormente, está em processo de
mudança da firma que realiza toda a sua
contabilidade, o que permitirá o
desenvolvimento de indicadores
econômico-financeiros. Os três
instrumentos contábeis já apurados pela
SAC são o demonstrativo de resultados, o
balanço patrimonial e o balancete
analítico, que atendem aos requisitos para
que se tenha um planejamento financeiro,
conforme preconiza a Ashoka. A
avaliação desses demonstrativos pela
equipe do Latec/UFF levantou as
seguintes questões:
– a transparência nas atividades da SAC
deverá ser aumentada a curto prazo,
porque ela passará a ser auditada; e
– a inexistência de um orçamento na SAC
inviabilizava o levantamento dos
investimentos necessários à sua operação
e desenvolvimento. Para contornar esse
problema, a consultoria sugeriu que
fossem usados demonstrativos
financeiros passados e perspectivas
futuras de custos e receitas, para a
elaboração de um orçamento anual para
2001, em base mensal, a partir de junho
de 2001. A partir dessa constatação, a
SAC preparou também uma proposta
orçamentária para o primeiro semestre de
2002, que contempla o efetivo
funcionamento de seu Centro de
Cardiologia Pediátrica.
As possibilidades de reprodução do
empreendimento SAC
O fator primordial para a reprodução de
iniciativas como a da SAC é a ampla
divulgação dessa experiência em instituições
e organizações ligadas à saúde da criança. A
divulgação contribui também para
sensibilizar stakeholders doadores,
financiadores e voluntários no apoio direto
ou indireto à “causa” e, no caso da FR, para
ajudar ainda na conscientização sobre a
importância da prevenção da doença por
meio de campanhas de esclarecimento e
pela disponibilização do antibiótico
apropriado.
Outra questão diz respeito à possibilidade
de criar empreendedores sociais. Embora
muitas características sejam inatas, o grau de
motivação faz com que muitas pessoas
superem suas limitações, quer de forma
autodidata, quer por meio de treinamentos
4 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
específicos, e outras complementem as
habilidades necessárias ao desenvolvimento
do trabalho. O aperfeiçoamento tem sido
uma tônica dos responsáveis pela criação da
SAC.
Considerando-se a questão da aderência
ao tratamento da FR, podem surgir
iniciativas de caráter mais simples do que a
proposta da SAC, a exemplo do caso da
ONG Solidariedade, na Baixada Fluminense,
que busca a aderência ao tratamento da
tuberculose, ofertando cestas básicas aos
pacientes que comprovem estar em dia com
a medicação associada ao tratamento. Como
características fundamentais para as pessoas
que queiram desenvolver uma proposta
semelhante à da SAC podem ser
considerados três fatores principais:
• motivação: constatação de que alguma
coisa precisa ser feita para minorar o
sofrimento das crianças cardiopatas de
famílias de baixa renda;
• liderança: os líderes desse processo
precisam ter ou buscar a pessoa que tenha
o perfil de empreendedor social para que
possam ser superadas as barreiras que
surgem no decorrer da implantação da
iniciativa; e
• voluntariado: outro aspecto importante é
a capacidade de atrair e manter
voluntários que sejam seduzidos pelo
ideal e pelos valores da proposta, pois da
união e do crescimento desse grupo
depende o processo de expansão e
consolidação da iniciativa, que tende a se
estruturar como uma ONG.
Ao se avaliar a evolução da SAC,
torna-se nítida a importância desses três
fatores – motivação, empreendedorismo
social e voluntariado – como requisitos
mínimos para a replicação da experiência,
uma vez que os demais fatores
subordinam-se a eles.
4 9
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
PA RT E 4 C O N C L U S Õ E S E R E C O M E N D A Ç Õ E S
CONCLUSÕES
Acompanhar a trajetória da SAC,
buscando contribuir para aprimorar sua
gestão, foi uma experiência enriquecedora
para todos os parceiros envolvidos nesse
trabalho. A iniciativa que redundou na
criação da SAC mostra como a indignação
com determinada situação pode ser
canalizada para a construção, com muita
criatividade, de alternativas viáveis para
enfrentar o problema.
As principais conclusões deste trabalho
são de que, para a replicação de um projeto
semelhante ao da SAC, é fundamental que se
tenha no grupo inicial pelo menos uma
pessoa com as inúmeras características e
habilidades do empreendedor social e que se
consiga agregar e manter motivados
voluntários que incorporem os ideais do
grupo ou da pessoa responsável pela
iniciativa.
A avaliação dos aspectos médicos das
cardiopatias infantis mostra a importância de
iniciativas como a da SAC, não só do ponto de
vista humanitário, reduzindo o número de
óbitos e melhorando a qualidade de vida dos
pacientes, mas também o econômico, uma vez
que o custo da prevenção e do tratamento
continuado das crianças é significativamente
menor que o do número de cirurgias
decorrentes de falta de aderência ao
tratamento, como no caso da FR, ou de
complicações causadas pela falta de tratamento
odontológico especializado. No caso da FR, a
atuação da SAC aumentou a aderência ao
tratamento, reduziu as internações de casos
com forma leve de FR e possibilitou a
avaliação precoce de novos casos com o
ecocardiograma. A atuação da SAC contribui
para baixar o número de cirurgias e melhorar a
qualidade de vida das crianças.
O apoio e a disponibilização de recursos
financeiros de entidades de peso e estáveis,
como o BNDES, são de primordial
importância para que iniciativas como a da
SAC possam se estabelecer e tenham
garantidas as condições mínimas adequadas
para poderem atingir com sucesso as metas
às quais se propõem.
A missão da SAC é abrangente:
“restabelecer a saúde e a cidadania da
criança cardiopata por meio de um
atendimento integral e integrado”. Essa
abrangência é necessária face à problemática
da população de baixa renda com crianças
cardiopatas. O restabelecimento da saúde
5 3
dentro dessa visão abrangente da missão da
SAC requer, além do imprescindível
atendimento médico, a atuação de outras
áreas para poder atingir a criança em sua
totalidade biopsicossocial. Nesse aspecto a
metodologia transdisciplinar adotada pela
SAC, por meio de atendimentos
odontológico, psicológico, terapêutico
ocupacional e assistencial, proporciona o
alcance do seu objetivo primeiro, qual seja,
o de preservar vidas com qualidade. O
resgate da cidadania está ligado à
necessidade de suprir as enormes carências
sociais dessas crianças e de seus
responsáveis: alimentação, transporte e
medicamentos, principalmente.
Essa última tarefa envolve o futuro
estabelecimento de redes com outras
organizações que tenham como foco
precípuo o apoio à criança carente e à sua
família, como é o caso da rede “Re” que se
reproduziu a partir da ONG Renascer.
Nessa linha, o atendimento integral e
integrado remete ao conceito de
transdisciplinaridade, que envolve não só as
interações ou a reciprocidade entre projetos
especializados, como também a colocação
dessas relações dentro de um sistema total,
sem fronteiras rígidas. Os instrumentos para
prover esse atendimento são organizações
como a SAC e outras, interligadas em rede
para melhor servir a uma causa. O
importante é sempre a causa, que, neste
estudo, é a de melhorar a qualidade de vida
da criança cardiopata atendida pelo sistema
de saúde pública.
No estudo dos conceitos básicos de
cardiopatias infantis realizado, destacou-se a
importância da aderência ao tratamento,
tanto das cardiopatias congênitas quanto das
adquiridas, em especial a FR, devido à
possibilidade de grande redução de gastos
com tratamentos, cirurgias e internações que
se fazem necessários para a população
desassistida na infância, quando a mesma
atinge a adolescência e a idade adulta. Além
disso, são visíveis os benefícios para os
pacientes acompanhados em termos de
qualidade de vida e conseqüente
possibilidade de desenvolvimento de
potencialidades de cada uma das pessoas
favorecidas dessa maneira.
O presente trabalho de avaliação
representou um desafio para os profissionais
nele envolvidos, tanto pelo lado do
Latec/UFF quanto do BNDES, em vista de
ser um estudo até o presente momento sem
similar. Constatou-se a validade da proposta
da SAC, pois com sua metodologia atua
positivamente como complementação do
serviço público oferecido, abrangendo áreas
que este não atende e agilizando outras em
que se observa bastante carência, como é o
caso do acesso aos atendimentos e aos
encaminhamentos, além de tratamento com
qualidade e eficiência.
Em termos de ciclo de vida
organizacional, a SAC encontra-se no estágio
5 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
inicial. Alguns desafios gerenciais já foram
por ela enfrentados: estabeleceu sua missão e
os valores que devem guiar suas ações,
ampliou seu quadro de voluntários
especializados, mas ainda precisa incrementar
a obtenção de fundos e recursos, pois são
insuficientes para atender o orçamento
previsto para após a conclusão da nova sede.
Os indicadores de desempenho da SAC
são apresentados no plano de ação. Dentre
os importantes resultados de sua atuação
estão as parcerias com o BNDES e a
Ashoka, que têm contribuído para o seu
desenvolvimento.
A SAC está trabalhando atualmente a
transparência necessária no uso dos recursos
captados, bem como a sua relação com o
HGVF, devido à característica especial da
localização da sede dentro do hospital.
Alguns aspectos levantados de outras
ONGs bem-sucedidas contribuíram para
destacar pontos que precisam ser avaliados
na atuação da SAC, mesmo que ela tenha
missão e atuação diferenciadas.
Importante também é ressaltar os
aspectos da liderança necessários para a
execução de iniciativas com características
da SAC. O perfil de empreendedor social
visivelmente se faz necessário para
propostas semelhantes à da SAC, junto com
a motivação para o empreendimento e o
voluntariado.
Muitas foram as conquistas, muitos,
porém, ainda são os desafios futuros a serem
superados, principalmente na relação com o
HGVF, na ampliação e capacitação do
voluntariado, na divulgação das atividades e
na obtenção de recursos que tornem a SAC
auto-sustentável.
PRÓXIMAS ETAPAS NO DESENVOLVIMENTO
DA SAC
A SAC, como organização em
desenvolvimento rápido, embora ainda no
estágio inicial de sua vida, tem dependido
fundamentalmente dos recursos humanos e
materiais que conseguiu mobilizar de forma
muito bem-sucedida. Daqui para a frente, no
entanto, deve ser considerada a idéia de que,
ao longo do seu ciclo de vida, uma
organização deve migrar para o
estabelecimento e a implementação de
processos administrativos e gerenciais
efetivos e aceitos internamente e também
para a real disseminação dos valores da
organização. Assim, percebe-se que a SAC
tem à sua frente os desafios de desenvolver e
implementar esses processos essenciais em
prazos relativamente curtos para assegurar o
seu crescimento e de fazer com que sejam
sempre atendidos os seus valores
fundamentais por um quadro de pessoal
profissional e de voluntários em ampliação.
Considerando os pontos abordados no
item “O ciclo de vida das organizações” (p.
28), a SAC está na transição do estágio de
start-up para o de crescimento emergente
5 5
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
[Jawahar e McLaughlin (2001)] e deverá
enfrentar desafios – e também “colher
alguns frutos” – como indicado pelos fatores
a seguir:
• A importância crescente do
relacionamento com um dos seus
principais stakeholders, o HGVF –
Conforme abordado anteriormente, a SAC
tem envidado os esforços necessários para
identificar as suas atribuições e as do
HGVF no processo mais amplo do
atendimento integral e integrado aos
doentes e suas famílias. No entanto, com a
ampliação das atividades da SAC a partir
do funcionamento da nova sede, será
necessária uma coordenação ainda maior
entre as atividades de sua equipe e da
direção do hospital e de seus profissionais
de saúde, administrativos e auxiliares.
Será uma fase de aprendizado e de
aprimoramento do relacionamento
existente, cujo sucesso não dependerá
apenas dos aspectos técnicos.
• A atenção despertada pela atuação da
SAC, com o reconhecimento de sua
contribuição por organizações como o
BNDES e a Ashoka – Isso poderá levar
outros stakeholders, como a Prefeitura e a
Câmara Municipal de Niterói, e
equivalentes da região metropolitana de
Niterói, a reexaminar as suas posições em
relação a esse problema específico na área
da saúde. É possível que a “causa” da
criança cardiopata ganhe um apoio mais
efetivo por meio da melhor qualidade dos
medicamentos disponibilizados nos postos
de saúde e também da própria “logística”
de sua distribuição.
• A necessidade imperiosa da melhoria
do “fluxo de caixa” com o
funcionamento da nova sede – As
visitas à Casa Ronald McDonald e ao
Renascer, e também a literatura sobre
outras organizações, como em Oberfield
e Dees (1992), indicaram que a obtenção
de recursos para atividades de custeio é
mais difícil do que aquela voltada para
investimentos de capital e programas
com propósitos específicos. Dessa forma,
a ampliação do número de doadores e das
outras iniciativas que tragam o dinheiro
necessário para o dia-a-dia da SAC
deverá consumir uma parcela crescente
do tempo gasto por sua equipe, não só no
marketing, como também nas atividades
de administração de bancos de dados de
doadores efetivos e potenciais.
• O aprimoramento na atração,
treinamento e manutenção de maior
número de voluntários, com ou sem
formação na área de saúde, para as
atividades ampliadas da SAC – A
organização está implantando o seu
Programa de Ação Voluntária para
Capacitação de Voluntários e Estagiários
e deverá dedicar outra parte substancial
do tempo disponível da sua equipe à
administração desse importante recurso.
5 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
É uma atividade muito exigente, face à
necessidade de garantir um fluxo regular
de candidatos, ao mesmo tempo em que
assegura o gerenciamento desses
recursos humanos com seleção,
treinamento, motivação,
acompanhamento e avaliação de
desempenho. A experiência adquirida
pela Casa Ronald McDonald nesse
quesito poderá ser bastante útil para a
SAC, embora se reconheça a diferença
na qualificação dos voluntários
necessários.
• A definição e implementação de novos
processos internos – Conforme
Christensen (2001), a evolução da
organização colocará uma ênfase maior
na formalização de seus processos com
sua efetiva implementação.
• A formalização de uma estrutura
organizacional – Uma característica de
organizações no estágio inicial do seu
ciclo de vida, é a estrutura mais informal,
onde uma hierarquia definida tem menor
importância. Com o crescimento, a SAC
naturalmente deverá buscar uma melhor
divisão de atribuições, que se apoiará nos
novos processos em implantação e
também os influenciará.
• O desenvolvimento e a
“institucionalização” das medidas de
desempenho nas diversas atividades da
organização.
• A preocupação quanto à obediência/
atendimento aos valores da
organização – Christensen (2001), outra
vez nos indica que os valores da
organização – os critérios pelos quais se
tomam as decisões sobre as prioridades
da organização – aumentarão sua
importância com a evolução da
organização. A sua efetiva
“internalização” pelos membros da
equipe da SAC permitirá a implantação
do que a Ashoka definiu como o
“principal sistema de valores
comportamentais” da organização.
• A necessidade de ampliação dos
relacionamentos com outras
organizações – Essas organizações
deverão complementar a atuação da SAC
em outros aspectos para os quais ela não
desenvolverá competência específica:
apoio com cestas básicas; treinamento de
familiares dos doentes para aumento da
renda familiar; educação em aspectos
específicos; e outros.
• A ampliação da atuação em prol da
“causa” – A divulgação do problema de
saúde pública representado pela FR, a
luta pela melhoria da qualidade dos
medicamentos disponibilizados pelo SUS
e o possível aprimoramento da
“logística” de sua distribuição
provavelmente consumirão um tempo
precioso da diretoria da SAC nos
próximos meses e anos. Da mesma
5 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
forma, demandará atenção o problema de
se disponibilizar, no tempo devido, vagas
para cirurgias de pacientes com
cardiopatias congênitas ou adquiridas.
As ações da SAC, até o momento, indicam
que ela provavelmente não deverá ter muita
dificuldade para aprimorar ou adquirir
“competências” para cuidar de cada um dos
desafios citados. O que impressiona é a
necessidade de enfrentá-los simultaneamente.
O desenvolvimento de uma capacidade
“gerencial”, que complementará as
qualidades “empreendedoras” demonstradas
até agora, poderá se revelar como a
característica fundamental para o sucesso da
SAC daqui para a frente.
5 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 1 C A R D I O PAT I A S C O N G Ê N I TA S
INTRODUÇÃO
As cardiopatias congênitas podem ser
divididas em dois grandes grupos: cianóticas
e acianóticas. Por convenção, pacientes com
shunt direito-esquerdo ficam enquadrados na
categoria cianótica. Isso ocorre porque o
sangue vai direto do lado direito da circulação
sanguínea para o esquerdo, através de
comunicações anormais, sem passar pela
circulação pulmonar e, conseqüentemente,
sem ser oxigenado, levando ao aparecimento
da cianose. Na categoria acianótica entram as
patologias com shunts esquerdo-direito, que,
a princípio, têm o sangue da circulação
sistêmica bem oxigenado, sem evidências de
cianose. No entanto, com a perpetuação do
quadro e o agravamento de algumas dessas
cardiopatias, pode ocorrer cianose, a qual está
relacionada a um pior prognóstico para o
paciente.
PRINCIPAIS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
ACIANÓTICAS
• Comunicação interatrial (CIA)
Corresponde a 6%-10% dos defeitos
cardíacos congênitos e caracteriza-se por um
defeito no septo atrial, permitindo o
movimento do sangue do átrio esquerdo para
o direito, levando a um aumento do fluxo
sanguíneo que chega nos pulmões. Na
maioria das vezes, não apresenta sintomas
cardiovasculares específicos na infância,
sendo o crescimento deficiente da criança o
dado que pode chamar a atenção do pediatra
para investigação de uma doença de base,
como a cardiopatia congênita. A CIA não
costuma se fechar espontaneamente. A não
correção do defeito cardíaco durante a
infância leva, com o tempo, a um aumento
da resistência vascular pulmonar, e por volta
da terceira década um shunt direito-esquerdo
tende a se instalar, época em que o paciente
passa a apresentar sinais e sintomas
cardiovasculares mais proeminentes, entre
eles cianose. Quando isso acontece, a
correção cirúrgica não está mais indicada, e
o paciente evolui para óbito em alguns anos.
• Comunicação interventricular (CIV)
É a malformação cardíaca congênita mais
comum, contando com aproximadamente
25% de todos os casos de doença cardíaca
congênita. Ela é caracterizada por um
defeito no septo interventricular, permitindo
a passagem do sangue do ventrículo
6 1
esquerdo para o direito. Pacientes com CIV
pequena geralmente não têm sintomas
cardiovasculares, enquanto aqueles com
defeitos maiores tendem a ser mais doentes,
podendo ter história de maior freqüência de
infecções respiratórias nos primeiros anos de
vida.
De todos os casos de CIV, 35% fecham-se
espontaneamente, e maior é essa possibilidade
quanto menor a CIV e dependendo de sua
localização. O momento da cirurgia depende
do tipo e do tamanho do defeito, bem como
das condições gerais do paciente. Alguns
podem precisar de cirurgia mais precoce por
causa de insuficiência cardíaca de difícil
controle clínico, antes de dois anos de idade
pela progressão para hipertensão pulmonar
ou entre dois e cinco anos de idade como
procedimento eletivo. A decisão entre operar
e quando operar é individual.
• Persistência do canal arterial (PCA)
Caracteriza-se pela persistência, além do
normal, após o nascimento, do canal que une
a artéria pulmonar à aorta. Em crianças
nascidas de termo, esse canal costuma se
fechar por volta dos quatro dias de vida.
Conta com aproximadamente 12% de todas
as cardiopatias congênitas, sendo muito
comum em filhos de mãe que tiveram
rubéola no primeiro trimestre de gestação. A
freqüência da PCA aumenta para 20%-60%
entre os recém-nascidos com peso de
nascimento inferior a 1.500 g.
As manifestações clínicas variam de
acordo com o tamanho da comunicação e,
conseqüentemente, do grau de hiperfluxo
pulmonar e de evolução para hipertensão
pulmonar. Nas formas típicas, os pulsos
arteriais são amplos e o sopro cardíaco
característico costuma ser audível ao exame
físico.
É grande a incidência de fechamento
espontâneo, principalmente os menores e
geralmente até o primeiro ano de vida. Nas
situações em que coexiste outra
malformação cardíaca com obstrução
vascular pulmonar e a PCA é a única forma
de o sangue do ventrículo direito chegar aos
pulmões para ser oxigenado, o fechamento
do canal arterial relaciona-se com
agravamento clínico e até com óbito. A
cirurgia deve ser realizada mais
precocemente nos casos de canais maiores
para evitar a evolução para hipertensão
pulmonar.
• Defeitos dos coxins endocárdicos (DCE)
Correspondem a 4%-5% dos defeitos
cardíacos congênitos, e sua incidência
aumenta para 20% em pacientes com
Síndrome de Down. Podem ser divididos em
formas completas ou incompletas.
As manifestações clínicas variam com a
severidade do defeito. Nas formas
incompletas, os pacientes costumam ser
assintomáticos, enquanto os casos de formas
completas são mais afetados, evoluindo,
6 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
geralmente, com insuficiência cardíaca nos
primeiros meses de vida e com episódios
recorrentes de pneumonia.
O momento da realização da correção
cirúrgica varia de acordo com a forma do
defeito e com as suas manifestações clínicas.
Em geral, as formas completas necessitam
de tratamento cirúrgico mais precoce.
• Malformações associadas com obstrução
ao fluxo sanguíneo do lado direito do
coração: Estenose Pulmonar (EP)
A EP pode ser ao nível da valva, do
infundíbulo, supravalvular ou de ramos das
artérias pulmonares. A EP valvular é a mais
comum, cujos casos, sem defeito do septo
interventricular associado, contam com
aproximadamente 10% de todas as situações
de cardiopatia congênita. Os pacientes
costumam ser assintomáticos nos casos mais
leves, enquanto nas formas mais severas
podem ocorrer cianose e insuficiência
cardíaca direita. A cirurgia corretiva está
indicada precocemente nos casos mais
graves.
• Malformações associadas com
obstrução ao fluxo sanguíneo do lado
esquerdo do coração
– Coarctação da Aorta (CoA)
Conta com aproximadamente 6% de
todos os casos de cardiopatia congênita,
sendo mais comum em meninos. A maioria
das crianças sintomáticas tem outros defeitos
cardíacos associados.
As crianças com CoA podem ter ou não
sintomas cardiovasculares, podendo ocorrer
nos primeiros meses de vida insuficiência
cardíaca congestiva e mais tarde sintomas de
tolerância diminuída ao exercício e
fatigabilidade.
Ao exame físico, um achado importante,
embora nem sempre presente, para o
diagnóstico de CoA é a diminuição ou
ausência dos pulsos femorais. Após o
primeiro ano de vida, a pressão arterial mais
elevada em membros superiores é sugestiva
de CoA. O sopro cardíaco característico da
CoA é audível na região axilar esquerda.
Alguns casos de CoA leve sem outros
defeitos cardíacos associados respondem
bem e não requerem cirurgia na infância,
podendo ser operados de forma eletiva aos
três/cinco anos de idade. No entanto, aqueles
pacientes com coarctação severa e outras
malformações cardíacas associadas precisam
de cirurgia mais precoce. O
acompanhamento pós-cirúrgico é
permanente, com necessidade de revisão de
possível recorrência da CoA em qualquer
período da vida.
– Estenose aórtica
Conta com aproximadamente 5% das
cardiopatias congênitas, podendo ser dividida,
de acordo com a anatomia da lesão, em
estenose valvular (75%), subvalvular (20%),
6 3
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
supravalvular e subaórtica hipertrófica
idiopática. A maioria dos pacientes é
assintomática, com boa evolução clínica da
terceira à quinta década de vida, embora
alguns sofram de intolerância leve ao
exercício e fatigabilidade fácil. Uma pequena
percentagem de pacientes tem sintomas
significativos na primeira década, como
tonteira e síncope. Apesar de incomum, morte
súbita pode ocorrer nesses pacientes,
principalmente nas formas subaórticas
hipertróficas. Sintomas severos podem
ocorrer quando existe uma obstrução crítica.
Como os resultados da correção cirúrgica
geralmente não são muito satisfatórios, a
cirurgia deve ser considerada somente em
casos especiais, os pacientes devem ser
acompanhados e as crianças maiores de seis
anos de idade devem ser submetidas a testes
ergométricos anualmente.
• Prolapso de válvula mitral
Costuma ocorrer em crianças maiores de
seis anos de idade, do sexo feminino e com
anormalidades ósseas torácicas. É uma
doença evolutiva, e na infância a grande
maioria dos pacientes é assintomática. Há
relato de dor torácica, palpitações e tonteira,
mas não é claro se esses sintomas estão
realmente associados ao defeito cardíaco. O
tratamento é clínico a princípio, mas o
acompanhamento é por toda a vida, podendo
ser necessário tratamento cirúrgico na idade
adulta.
PRINCIPAIS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
CIANÓTICAS
• Tetralogia de Fallot
Tétrade clássica:
– aorta acavalgada;
– hipertrofia do ventrículo direito;
– estenose subpulmonar; e
– comunicação interventricular.
É a forma mais comum de cardiopatia
cianótica, depois da transposição dos
grandes vasos da base, contando com 10% a
15% de todas as cardiopatias congênitas.
Os achados clínicos variam de acordo
com o grau de obstrução ao fluxo sanguíneo
do ventrículo direito. Os pacientes com
pequenos graus de obstrução são pouco
cianóticos ou até mesmo acianóticos. Em
geral, essas crianças costumam apresentar,
entre outras alterações, um crescimento
bastante retardado e sopro cardíaco.
A cirurgia paliativa é recomendada para
os lactentes jovens que são muito
sintomáticos, nos quais a correção completa
é difícil ou impossível de ser realizada.
O momento para a cirurgia corretiva
varia do nascimento aos dois anos de idade,
dependendo da conduta e experiência de
cada centro.
• Síndrome do coração esquerdo
hipoplásico
Inclui um número de condições em que
há tanto lesões valvulares como vasculares
6 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
no lado esquerdo do coração, resultando em
um ventrículo esquerdo pouco desenvolvido.
É encontrada em 1% a 4% das crianças com
doença cardíaca congênita.
Após o nascimento, a sobrevida do
recém-nascido depende da potência do canal
arterial. Cianose geralmente está presente ao
nascimento e insuficiência cardíaca
congestiva desenvolve-se precocemente.
A manutenção do canal arterial é de suma
importância para essas crianças. É uma
malformação incompatível com a vida.
Novas técnicas cirúrgicas estão em estudo,
mas a sobrevida após vários procedimentos é
apenas de 20% nos melhores centros.
• Transposição total dos grandes vasos
É o tipo de cardiopatia congênita
cianótica mais comum, contando com
aproximadamente 16% de todos os casos.
Por ser extremamente grave, de difícil
diagnóstico, que deve ser feito nos primeiros
dias de vida, exige cirurgia imediata e a taxa
de mortalidade é muito alta. É mais comum
em meninos.
Muitos dos recém-nascidos são grandes ao
nascimento e cianóticos desde os primeiros
dias de vida, podendo desenvolver-se
insuficiência cardíaca precocemente.
A sobrevida dessas crianças depende de
um manejo precoce e agressivo.
• Retorno venoso pulmonar anômalo total
As veias pulmonares não drenam dentro
do átrio esquerdo, mas dentro do átrio
direito. Dessa forma, todo o retorno venoso
do corpo drena no átrio direito. Essa
malformação cardíaca conta com
aproximadamente 2% de todas as
cardiopatias congênitas.
Esses pacientes podem ter história de
cianose leve no período neonatal ou nos
primeiros meses de vida, evoluindo bem
posteriormente, apenas com mais episódios
de infecções respiratórias e com menor grau
de desenvolvimento físico. Outras vezes,
eles se apresentam muito doentes, com
evolução para o óbito no primeiro ano de
vida, a menos que sejam tratados
cirurgicamente. Sopro cardíaco pode ser
auscultado.
A partir do que foi descrito, pode-se
inferir que a presença de insuficiência
cardíaca e cianose sugere problemas mais
graves, geralmente necessitando de
intervenções médicas mais precoces. A
ocorrência de sopro cardíaco sem qualquer
outro sinal valoriza a existência de algum
defeito cardíaco, principalmente no período
neonatal. As arritmias cardíacas devem ser
consideradas como possíveis complicações
de anomalias cardiovasculares, embora
muitas vezes não haja evidência de
alterações anatômicas [Atik, Bustamante e
Marcial (1981)]. Pôde-se observar também
que certos defeitos cardíacos não são
aparentes à inspeção grosseira do coração ou
da circulação, sendo o recém-nascido, a
criança e, até mesmo, o adolescente
6 5
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
assintomáticos, aparecendo sintomas de
doença cardiovascular somente na vida
adulta. É importante também enfatizar, a
partir do que foi apresentado, que alguns
defeitos cardíacos congênitos necessitam de
tratamento cirúrgico imediato pela gravidade
das alterações morfofuncionais e pela
necessidade de o procedimento ser realizado
em tempo ideal. Outros podem ser operados
mais tardiamente, enquanto alguns podem
resolver espontaneamente, principalmente
alguns tipos de defeitos do septo
interventricular [Harris (2000)].
Anormalidades extracardíacas ocorrem
em aproximadamente 25% dos lactentes
com doença cardíaca significativa. Essas
anormalidades geralmente são múltiplas, em
parte envolvendo o sistema músculo-
esquelético. Um terço das crianças com
cardiopatia e anomalias extracardíacas tem
alguma síndrome genética estabelecida
[Braunwald (2001)].
Atualmente, 85% ou mais casos de
malformações cardíacas não apresentam
causa conhecida, o que impossibilita a
realização de programas de prevenção para a
maioria das doenças cardíacas congênitas.
Por ora, o que pode ser feito, no que diz
respeito à prevenção dessas cardiopatias, é
alertar os médicos que lidam no dia-a-dia
com gestantes quanto aos riscos de
teratógenos, assim como de drogas que
podem ter uma influência lesiva, até mais
funcional do que estrutural, no coração ou
circulação do feto ou do recém-nascido. Da
mesma forma, é importante que os
equipamentos e técnicas radiológicos para
reduzir a exposição à radiação das gônadas e
do feto sejam sempre usados para diminuir
os perigos potenciais dessa possível causa de
defeitos cardíacos. Além disso, a imunização
das crianças com a vacina contra rubéola
evitará a doença na gestante e suas
conseqüências sobre o coração do feto
[Braunwald (2001)].
A avaliação especializada precoce dos
recém-nascidos com suspeita de cardiopatia,
de forma que os casos mais graves sejam
reconhecios e que uma conduta específica
seja implementada, é fator determinante para
a sobrevida dessas crianças. Igualmente, o
acompanhamento clínico daquelas que
apresentam doença cardíaca sem indicação
cirúrgica imediata, assim como das que
foram submetidas a cirurgia cardíaca,
durante o pós-operatório, também interfere
com a sua qualidade de vida e sobrevida.
Nesse sentido, é importante enfatizar o papel
do médico na orientação desses pacientes
quanto às medidas profiláticas necessárias,
muitas vezes por toda a vida.
6 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 2 C A R D I O PAT I A S A D Q U I R I D A S
• Febre reumática
A FR geralmente ocorre no período de
duas a três semanas após o aparecimento de
uma infecção estreptocócica da orofaringe.
No entanto, em 40% dos casos não há
referência dessa infecção na anamnese. O
surto agudo tem duração média de seis a 14
semanas, com desaparecimento dos sintomas
mesmo sem tratamento específico.
Artrite, cardite, coréia, eritema
marginatum e nódulos subcutâneos são
típicos de FR aguda e constituem as
principais manifestações clínicas para seu
diagnóstico, de acordo com critérios clínicos
diagnósticos de Jones. Eles são assim
reconhecidos por causa de sua freqüência e
especificidade ou por sua relevância clínica.
Outras manifestações menos características
incluem febre, artralgias, epistaxe, serositie e
envolvimento dos pulmões, dos rins e do
sistema nervoso central.
Dentre as principais manifestações
clínicas da FR, a artrite é a mais freqüente,
enquanto a cardite é a mais grave.
A artrite está presente em
aproximadamente 80% dos casos, sendo
classicamente descrita como dolorosa,
migratória, de curta duração e com excelente
resposta aos salicilatos. Sua freqüência
aumenta com a idade [Silva e Pereira
(1997)], e geralmente mais de cinco
articulações são acometidas, sendo as dos
joelhos, tornozelos, cotovelos, pulsos e
ombros as mais afetadas.
A cardite pode levar à morte tanto na fase
aguda como nos estágios mais tardios,
podendo também comprometer a qualidade
de vida das crianças acometidas pela
limitação da sua capacidade física às custas
de lesões cardíacas mais graves. As lesões
valvulares são as formas clínicas mais
comuns de cardite. Insuficiência mitral e
aórtica são as complicações mais freqüentes
da doença valvular reumática, levando ao
aparecimento de sopros cardíacos. No
entanto, formas silenciosas de cardite também
podem ocorrer [Silva e Pereira (1997)].
Coréia de Sydenham é um distúrbio
extrapiramidal caracterizado por
movimentos rápidos, clônicos, involuntários,
especialmente da face e dos membros,
hipotonia muscular e labilidade emocional.
Geralmente, os primeiros sinais são
dificuldade de escrever, falar ou andar.
Ocorre alguns meses após a infecção das
vias aéreas superiores e costuma ser a única
6 9
manifestação da FR nesse período. Coréia
tem sido relatada em 30% dos pacientes com
FR, e cardite ou artrite podem estar
presentes em 50% desses casos [Silva e
Pereira (1997)].
Eritema marginatum é um exantema
caracterizado por máculas com centros sãos
e contorno serpiginoso, sendo encontrado no
tronco e nas extremidades. Tem a
característica de ser evanescente.
Nódulos subcutâneos são tumorações
indolores encontradas nas superfícies
extensoras dos cotovelos, joelhos e pulsos,
assim como na região occipital ou sobre os
processos espinhosos da espinha torácica ou
lombar.
O diagnóstico de FR é clínico. Não existe
qualquer exame laboratorial específico ou
sinais ou sintomas que isolados façam o
diagnóstico da afecção. Por ora, a melhor
forma de prevenir a doença ainda é o uso
correto de antibióticos, tanto na profilaxia
primária como na secundária.
A profilaxia primária, isto é, a
erradicação do foco de estreptococcia, antes
da ocorrência da FR, é feita, principalmente,
com penicilina benzatina intramuscular, em
dose única. Portanto, a identificação e o
tratamento corretos das faringoamigdalites
bacterianas é o principal fator na prevenção
da FR. Se houver alergia à penicilina,
utiliza-se a eritromicina por 10 dias.
Nos casos de FR estabelecida, a
profilaxia secundária deve ser instituída, a
qual também é realizada com penicilina
benzatina em doses repetidas a intervalos de
duas a três semanas. Se houver alergia à
penicilina, a droga de escolha é a
sulfadiazina. Esse procedimento tem por
objetivo evitar a recorrência de novos surtos
de infecção estreptocócica e, assim, de nova
acutização da FR. A profilaxia deve ser
realizada até os 18 anos de idade ou até
cinco anos após o último surto. Em casos de
cardite com seqüelas, a profilaxia deve ser
continuada por tempo indeterminado.
Os pacientes com doença valvular devem
receber antibióticos profiláticos adicionais
quando forem submetidos a tratamentos
dentário ou cirúrgico para prevenir
endocardite infecciosa.
É sabido que programas de controle da
FR também reduzem a necessidade de
cirurgias cardíacas, seus riscos e suas
complicações. Portanto, em nível financeiro,
a prevenção é menos dispendiosa que o
tratamento dessa afecção [Terreri (1998)].
Apesar de os benefícios indiretos
relacionados à melhoria da qualidade de vida
dos pacientes com FR serem de difícil
estimativa, é inquestionável que a correta
prevenção de novos surtos de FR levam à
possibilidade de vida normal. Nos casos dos
pacientes que não aderem ao esquema
profilático de antibiótico, novos episódios de
infecção estreptocócica aumentam os riscos
de novas lesões cardíacas e/ou de
agravamento das lesões preexistentes, o que
7 0
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
compromete a função cardíaca, limitando
progressivamente a capacidade física dos
pacientes acometidos. Isso para uma criança
significa, muitas vezes, não poder brincar,
dias escolares perdidos, assim como danos
psicológicos geralmente relacionados a
doenças crônicas.
• Doença de Kawasaki
Descrita pela primeira vez no Japão em
1967, a doença aguda é caracterizada por:
– febre alta prolongada (mais de cinco
dias) que não responde a antibióticos;
– conjuntivite;
– fissuras labiais, com inflamação da
mucosa da orofaringe;
– linfadenomegalia cervical;
– exantema que envolve o tronco e as
extremidades, com eritema de palmas e
solas seguido de descamação das pontas
dos dedos; e
– edema de mãos e pés.
A trombocitose pode ser encontrada em
nível laboratorial.
Deve-se suspeitar desse diagnóstico em
toda criança que apresenta febre por
tempo mais prolongado, devendo-se
encontrar cinco dos critérios clínicos
acima.
Complicações cardiovasculares durante a
fase aguda da doença incluem miocardite,
pericardite e artrite, que predispõem os
pacientes à formação de aneurismas nas
artérias coronarianas em aproximadamente
20% dos casos. Infarto agudo do miocárdio
pode ocorrer por trombose desses
aneurismas. O acompanhamento a longo
prazo tem demonstrado resolução dos
aneurismas em 50% das crianças afetadas.
O tratamento é clínico, devendo-se
iniciá-lo em tempo hábil para tentar evitar o
desenvolvimento dos aneurismas. O
acompanhamento das crianças com
aneurismas coronarianos deve ser a longo
prazo, em virtude dos riscos de morte por
infarto agudo do miocárdio.
• Endocardite bacteriana
Corresponde a uma infecção bacteriana
da superfície interna do coração ou de certos
vasos arteriais. É uma condição rara que
geralmente ocorre quando existe uma
anormalidade do coração ou dos grandes
vasos, podendo também se desenvolver em
um coração normal durante o curso de uma
sepse.
Os pacientes com maior risco para essa
doença incluem aqueles com shunts
aorticopulmonares, obstrução ao fluxo de
saída do coração esquerdo e defeitos do
septo interventricular. Fatores
predisponentes são encontrados em 30% dos
casos de endocardite infecciosa, dentre os
quais estão procedimentos dentários,
procedimentos cirúrgicos contaminados e
cirurgias cardiovasculares.
Em geral, os pacientes apresentam
sopros, febre e cultura de sangue positiva,
7 1
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
entre outros. Aqueles em que se observa
risco para o desenvolvimento de endocardite
bacteriana devem ser orientados quanto à
necessidade de antibióticos apropriados
antes de qualquer tipo de manipulação
odontológica ou de cirurgias dentro da
orofaringe, do trato gastrintestinal e
geniturinário.
O tratamento da endocardite infecciosa
deve ser feito em nível hospitalar com
antibióticos de largo espectro de ação por
via intravenosa.
• Pericardite
É o envolvimento do pericárdio, o que
raramente ocorre como um evento isolado.
Na maioria dos casos, a doença do
pericárdio se dá em associação a um
processo mais generalizado. Causas
importantes incluem FR, infecção viral,
infecção bacteriana, tuberculose, uremia e
artrite reumatóide. No Brasil, tuberculose é
uma etiologia comum.
Dor torácica, assim como dificuldade
respiratória, são sintomas comuns. Nos
casos mais severos, a morte pode ocorrer
rapidamente por tamponameto cardíaco.
O tratamento depende da causa da
pericardite. Tamponamento cardíaco, de
qualquer origem, deve ser tratado por
evacuação do líquido.
• Miocardite
Na maioria das vezes, a causa da
miocardite não é determinada. Vírus é o
agente infeccioso mais comum, com
predomínio do Coxsackie B.
O início dos sintomas relacionados a
essa doença pode ser abrupto, com sinais
de falência cardíaca, ou pode ser mais
gradual.
O tratamento é clínico, e o prognóstico
depende da idade de início da patologia, da
resposta ao tratamento e da presença ou
ausência de recorrências. Dessa forma, se o
paciente tiver menos de três anos, responder
mal à terapia e manifestar múltiplas
recorrências de falência cardíaca, o
prognóstico é reservado.
• Arritmias cardíacas
As arritmias cardíacas são anormalidades
da condução elétrica dentro do coração. Elas
podem ser de vários tipos, com tratamento
dirigido para cada caso e com prognóstico
também dependente de sua origem, existindo
situações transitórias e outras permanentes.
Algumas vezes, essas alterações elétricas do
coração estão relacionadas às doenças
estruturais cardíacas, ao uso de medicações e
às doenças sistêmicas como infecções,
doenças respiratórias ou até mesmo
disfunções hormonais.
7 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 3 A S P E C T O S E C O N Ô M I C O S A S S O C I A D O SÀ F E B R E R E U M Á T I C A
Os custos da FR foram recentemente
pesquisados por Terreri (1998). Sua
incidência é bem mais alta em países em
desenvolvimento: enquanto nos países
desenvolvidos ela é de 5/100 mil habitantes,
na população de baixa renda que vive em
condições de superpopulação, como na
Índia, por exemplo, varia entre 140 e
220/100 mil habitantes [Godis (1954) e
Sapru (1983), apud Terreri (1998)].
No Brasil, o número de cirurgias
valvulares (decorrente da FR) financiadas
pelo serviço público é de aproximadamente
10 mil por ano e abrange 30% do total das
cirurgias cardíacas [Terreri (1998)].
Considerando que Snitocowsky (1996),
também citado em Terreri, calculou o custo
para o governo de uma cirurgia cardíaca em
cerca de US$ 9 mil, o custo anual para o
governo brasileiro seria de US$ 90 milhões.
Terreri trabalhou com uma amostra de
100 pacientes com FR provenientes do
Ambulatório de Reumatologia Pediátrica da
Universidade Federal de São Paulo,
buscando quantificar, do ponto de vista das
despesas do paciente, o custo das consultas e
os gastos com medicamentos, exames,
transportes e outros serviços, os quais foram
calculados por três sistemas de custeio:
Sistema Único de Saúde (SUS), Associação
Médica Brasileira (AMB) e rede particular
(média de três hospitais).
O total de gastos, em reais, para o
paciente com FR desde o início da doença
foi de:
PacienteCustos
Diretosa
Custos
Indiretosb
(%)
Total
Rede Pública 111,10 0,9 112,10
AMB 546,40 0,2 547,50
Rede Particular 1.131,00 0,1 1.132,00
aOs principais custos para o paciente da rede públicaforam medicamentos (54%) e transporte (38%).bOs custos indiretos são decorrentes de dias detrabalho descontados dos responsáveis ou do própriopaciente.
Com a mesma sistemática, Terreri
utilizou a amostra anterior para quantificar
os custos hospitalares dos pacientes que
necessitam de internação. Esses custos
foram divididos em consultas, internação em
enfermaria, internação em UTI, cateterismo,
cirurgia cardíaca, medicamentos, exames
subsidiários (durante a internação e no
ambulatório) e outros.
7 5
O custo médio anual da internação, por
paciente, foi de:
• paciente da rede pública = R$ 183,40;
• paciente AMB = R$ 647,00; e
• paciente da rede particular = R$ 831,00.
Os medicamentos administrados aos
pacientes da rede pública internados não
foram computados, pois seus custos não são
repassados ao hospital, e sim absorvidos
pela sociedade. Esses gastos de saúde
pública com o paciente da rede pública
foram estimados por Terreri em R$ 17,60
anuais por paciente. Assim, os custos diretos
para o paciente da rede pública incluem
esses gastos de saúde pública e os gastos
hospitalares (R$ 183,40), perfazendo um
total de R$ 201,00 anuais por paciente.
Os custos indiretos são os decorrentes de
falta de produtividade dos responsáveis, em
virtude de faltas ao trabalho que não foram
descontadas pelo empregador mas
redundaram em uma perda estimada de
R$ 54,50 anuais por paciente.
O total de gastos para a sociedade, em
reais, dos pacientes com FR desde o início
da doença (média de seguimento de 3,9
anos) foi de:
SociedadeCustos
Diretos
Custos
IndiretosTotal
Média/Paciente/Ano 201,00 54,50 255,50
Somando-se o total de gastos anuais para
cada paciente com FR (R$ 112,10) com o
total de gastos anuais para a sociedade por
paciente com FR (R$ 255,50), obtém-se o
valor de R$ 367,60 anuais por paciente.
Terreri afirma que o retardo no
diagnóstico da FR, que leva a um maior
risco de aparição das complicações
cardíacas, se deve à falta de preparo da
maioria dos médicos no reconhecimento
precoce da doença. A autora observa
também que é alta a freqüência de falhas
quanto à aderência à profilaxia (36,4% dos
casos), o que aumenta o risco de novas
recorrências e seqüelas cardíacas. Entre as
causas apontadas para isso estão os gastos
relevantes para o paciente de baixa renda na
aquisição de medicamentos, o desconforto
causado pela injeção e o custo do transporte
nos deslocamentos até o centro médico.
Jayesimi (1982), apud Terreri (1998),
calculou o custo de seis anos de tratamento
de doença reumática com acometimento
cardíaco em US$ 14.286 por paciente.
Diana (1993), também citado em Terreri,
calculou o gasto médio anual por paciente na
cidade de Auckland, Nova Zelândia, em
US$ 1.491,3. Terreri estimou o custo da
profilaxia secundária (penicilina benzatina
1.200.000 V, a cada 21 dias) em R$ 26.
Segundo Kumar (1995), apud Terreri, a
prevenção primária recomendada é o
tratamento de casos suspeitos de faringite
estreptocócica com penicilina, mesmo sem
confirmação de cultura da orofaringe, e
também a orientação de familiares e
7 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
professores sobre a importância do
tratamento adequado da infecção
estreptocócica de crianças em idade
escolar.
Um programa de informações dirigidas a
profissionais de saúde e à população para a
profilaxia de FR foi realizado com êxito,
durante 10 anos, em algumas ilhas do Caribe
[Bach (1996), apud Terreri (1998)]. Nos
quatro primeiros anos de maior ação, o custo
do programa foi de US$ 89 mil e fez com
que o custo com a FR, excluindo as seqüelas
tardias, caísse de US$ 1.426 mil para cerca
de US$ 100 mil.
7 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 4 E S T U D O D E S E N V O LV I D O N O H O S P I TA LG E T U L I O VA R G A S F I L H O
METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DAS
CRIANÇAS COM CARDIOPATIA CONGÊNITA
Foram analisados sexo e idade ao início
do estudo. As duas cardiologistas
pediátricas, Juliana Ceddia e Anna Esther
Silva, realizaram ecocardiograma
bidimensional com doppler em todos os
pacientes, sendo estudadas as malformações
cardíacas encontradas ao início do seu
acompanhamento.
Também foram analisados ao início do
estudo o número de pacientes que
apresentavam indicação cirúrgica, aqueles
que foram operados durante o período
avaliado, os que receberam alta e os que
evoluíram para o óbito. Os critérios de alta
para esses pacientes foram:
• PCA – ausência de lesão residual após
cirurgia ou fechamento espontâneo;
• CIV – após fechamento espontâneo; e
• CIA – após fechamento espontâneo.
METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DAS
CRIANÇAS COM FEBRE REUMÁTICA
Foram avaliados ao início do estudo
dados como sexo e idade atual,
manifestações clínicas de acordo com
história de doença prévia, apresentação
clínica à primeira consulta no HGVF e
situação clínica atual. Nessa análise foram
incluídos os pacientes diagnosticados de
acordo com os critérios de Jones
modificados em 1992.
Foram consideradas as lesões
características de acometimento cardíaco
reumático ao ecocardiograma
bidimensional com doppler, aquelas com
comprometimento da válvula mitral e/ou
da válvula aórtica, onde existia
espessamento dos folhetos mitrais
associado à diminuição da mobilidade do
folheto posterior, com presença de
regurgitação mitral de grau leve,
moderado ou severo, e espessamento
valvular aórtico, com regurgitação
valvular de grau leve, moderado ou
severo. Nos casos de acometimento
aórtico, o grau de espessamento foi
considerado menos importante para o
diagnóstico, porém a regurgitação estava
sempre presente.
Foram analisadas características
evolutivas, a partir da primeira consulta no
serviço de cardiologia do HGVF até o
8 1
início do estudo, tais como número de
recidivas, de internação, de indicação
cirúrgica, de abandono da profilaxia
secundária com penicilina benzatina e de
óbitos.
Os critérios para internação de pacientes
com FR foram relacionados a situações
clínicas e sociais específicas. Dentre os
pacientes sem acometimento cardíaco ou
com lesão valvular leve, foram internados
aqueles com artrite ou coréia incapacitantes
de difícil controle clínico ambulatorial,
assim como aqueles cujos responsáveis
apresentavam dificuldade para seguir o
tratamento proposto em virtude de
analfabetismo ou falta de recursos
financeiros para arcar com o tratamento.
Essas condições socioeconômicas foram
menos comumente relacionadas a
internações após o início do Programa de
Acompanhamento de Crianças com FR.
Naqueles outros pacientes com
acometimento cardíaco, a indicação da
internação foi dependente da severidade das
manifestações cardiovasculares.
Foram avaliadas as internações por FR
que ocorreram no HGVF nos períodos
janeiro de 1996/julho de 1997 (pré-PAC) e
janeiro de 2000/julho de 2001 (pós-PAC),
sendo que as crianças internadas foram
separadas em grupos de acordo com a
severidade da doença. Os pacientes com
artrite ou coréia incapacitantes e com lesão
valvular leve aguda, assim como aqueles de
difícil tratamento ambulatorial por questões
familiares socioeconômicas, foram
enquadrados como quadros leves. No grupo
de pacientes com quadro moderado ficaram
as crianças com manifestações clínicas de
insuficiência cardíaca e lesão valvular
moderada e/ou outros acometimentos
cardíacos da FR. Por fim, no grupo de
pacientes com doença severa encontramos
aqueles com insuficiência cardíaca e lesão
valvular severa e/ou outros acometimentos
cardíacos da FR. Os grupos com mesmo
grau de severidade de doença foram
avaliados antes e após a introdução do
Programa de Atendimento de Crianças com
FR. No estudo de dados como número de
pacientes de cada grupo e tempo médio de
internação, os resultados obtidos foram
comparados entre si e analisados quanto ao
gau de diferença estatística observado,
levando-se em consideração os dois períodos
estudados.
A alta do acompanhamento ambulatorial
foi indicada para os pacientes com FR e
forma articular, com mais de 18 anos de
idade, ou aqueles com mais de cinco anos de
acompanhamento após o primeiro surto aos
13 anos de idade.
O não comparecimento do paciente à
consulta por mais de um ano foi considerado
abandono documentado. A aderência ao
programa foi definida pela assiduidade de
comparecimento à consulta e/ou manutenção
da profilaxia antibiótica.
8 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Para a metodologia estatística,
recorreu-se à análise descritiva dos dados.
RESULTADOS OBTIDOS
Resultados da avaliação clínica
Dos 426 pacientes acompanhados pelo
serviço de cardiologia do HGVF, 265
(62,2%) eram crianças com cardiopatias
congênitas e 161 (37,8%) com cardiopatias
adquiridas (Figura A.4.1). Destes, 137
(85,1%) apresentavam doença cardíaca
relacionada à FR. Os restantes 24 casos
(14,9%) incluíam seis pacientes com
miocardite, cinco com arritmia cardíaca,
quatro com derrame pericárdico (sendo três
de origem tuberculosa e um de origem
estafilocócica), três com endocardite
bacteriana, três com miocardiopatia
hipertrófica, dois com miocardiopatia
dilatada e um com doença de Kawasaki. A
Figura A.4.2 apresenta uma distribuição por
sexo dos casos de cardiopatias congênitas e
de FR estudados.
Resultados da avaliação das crianças com
cardiopatias congênitas
Entre as 265 crianças com cardiopatias
congênitas analisadas, 137 (51,7%) eram do
sexo feminino e 128 (48,3%) do sexo
masculino, não havendo diferença estatística
significativa entre os sexos. Em relação à
faixa etária, 140 (52,8%) tinham de 0 a 4
anos de idade, 92 (34,7%) de 5 a 9 anos, 22
(8,3%) de 10 a 14 anos e 11 (4,2%) de 15 a
20 anos (Figura A.4.3). A idade média foi de
cinco anos.
Do total de malformações cardíacas
observadas nesse grupo de pacientes,
comunicação interventricular (CIV) foi a
mais encontrada, com 106 casos (40,0%),
seguida da comunicação interatrial (CIA),
8 3
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
6%
32%
62%
CardiopatiasCongênitas
FebreReumática
OutrasCardiopatiasAdquiridas
Total de Casos: 426
FIGURA A.4.1CARDIOPATIAS INFANTIS NO HGVF – JANEIRO 1996/JUNHO 2001
com 42 casos (15,8%), persistência do
canal arterial (PCA) e estenose de artéria
pulmonar (EP), ambas com 33 casos
(12,4%), Tetralogia de Fallot (TF), com 18
casos (6,8%), defeito de septo
atrioventricular (DSAV), com 12 casos
(4,5%), entre outras menos comuns. Mais
de uma anormalidade estrutural cardíaca
pôde ser observada em um mesmo
paciente.
8 4
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
250
200
150
100
50
0
Masculino
Feminino
CardiopatiaCongênita
FebreReumática
52%48%
53%47%
FIGURA A.4.2DISTRIBUIÇÃO POR SEXO DE CARDIOPATIAS INFANTIS NO HGVF
160
140
120
100
80
60
40
20
0Faixa Etária
Total de Casos: 265
0-4 Anos
5-9 Anos
10-14 Anos
15-20 Anos
53%
35%
8%4%
FIGURA A.4.3CASOS DE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS POR FAIXA ETÁRIA NO HGVF
Foram observados 11 casos de crianças
com síndrome genética (4,1%), sendo oito
deles de Síndrome de Down, um de
Síndrome Ellis van Creveld e dois de
rubéola congênita.
Quanto à evolução clínica dos
pacientes com cardiopatias congênitas,
houve indicação cirúrgica para 95
(35,8%), tendo sido realizada cirurgia em
19 (20%) deles até o final do estudo,
enquanto 164 pacientes se mantiveram
estáveis com o acompanhamento clínico
(Figura A.4.5).
Das 265 crianças com doença cardíaca
congênita, 16 evoluíram para o óbito
(6,0%). Desses óbitos, 12 ocorreram em
pacientes com indicação cirúrgica e quatro
em pacientes sem indicação cirúrgica. Dos
12 pacientes com indicação cirúrgica, cinco
foram operados: em três o óbito ocorreu no
período pós-operatório imediato, estando a
causa diretamente relacionada ao
procedimento cirúrgico, e em dois o óbito
foi tardio, em virtude de causa não
relacionada à doença cardíaca ou ao
procedimento cirúrgico. Dos sete pacientes
restantes com indicação cirúrgica, quatro
óbitos estavam relacionados a
complicações da doença cardíaca de base e
três a causas não cardíacas. Dos quatro
óbitos no grupo de pacientes não
cirúrgicos, três ocorreram em conseqüência
de complicações cardiológicas e um por
causa externa. Oito crianças (3%)
receberam alta do acompanhamento clínico,
sendo cinco casos de CIV pequeno, dois de
PCA pequeno e um de CIA do tipo osteum
secundum, com fechamento espontâneo.
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
8 5
Total de Casos: 265
CIV
CIA
PCA
EP
TF
DSAV
Malformações Cardíacas
40%
15,8%12,4%12,4%
6,8%4,5%
120
100
80
60
40
20
0
FIGURA A.4.4MALFORMAÇÕES CARDÍACAS EM CASOS DE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS NO HGVF
Resultados da avaliação das crianças
com FR
Dos 137 pacientes com FR estudados, 72
(52,5%) eram do sexo masculino e 65
(47,5%) do sexo feminino (ver Figura
A.4.2). Não houve diferença estatística entre
os sexos a um nível de significância de 5%.
Com relação à faixa etária, apenas uma
criança (0,8%) tinha três anos de idade, 15
(10,9%) tinham entre seis e nove anos, 65
(47,4%) entre 10 e 13 anos, 45 (32,9%)
entre 14 e 17 anos e 11 (8%) entre 18 e 21
anos. A idade média foi de 13 anos (Figura
A.4.6).
8 6
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
70
60
50
40
30
20
10
0
3-5 Anos
6-9 Anos
10-13 Anos
14-17 Anos
18-21 Anos
Total de Casos: 137
Faixa Etária
0,8%
10,9%8%
32,9%
47,4%
FIGURA A.4.6CASOS DE FEBRE REUMÁTICA POR FAIXA ETÁRIA NO HGVF
Sim
Não
Total de Casos: 265
35,8%
64,2%
Indicação Cirúrgica
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
FIGURA A.4.5INDICAÇÃO CIRÚRGICA EM CASOS DE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS NO HGVF
Em relação às manifestações clínicas, 85
(62,0%) apresentavam doença cardíaca
associada à articular, 29 (21,2%), doença
articular isolada, 15 (11%), doença cardíaca
associada à coréia, sete (5,1%), doença
cardíaca isolada, e um (0,7%), coréia
isolada. Foi observado um caso de eritema
marginatum associado à doença cardíaca na
fase aguda e nenhum caso de nódulos
subcutâneos. As manifestações clínicas mais
comuns, no total, foram doença articular
(114 = 83%) e cardíaca (107 = 78%). A
coréia correspondeu a 12% (16 ocorrências)
de todos os casos (Figura A.4.7).
Quanto às lesões valvulares (ver Figura
A.4.8), dos 107 pacientes com doença
cardíaca, insuficiência mitral (IM) isolada
foi encontrada em 60 casos (55,9%) e
associada com insuficiência aórtica (IAo)
em 38 pacientes (35,7%). Insuficiência
aórtica isolada foi observada em seis casos
(5,6%), enquanto IAo e IT ocorreram em
dois pacientes (1,8%) e estenose mitral (EM)
foi verificada em um paciente (1,0%).
Recidivas ocorreram em sete pacientes
(5,1%), todas por interrupção da profilaxia
com penicilina benzatina. Houve uma
recidiva em quatro pacientes (57,1%), duas
em dois (28,6%) e três em um (14,3%).
Dessas recidivas, cinco (71,4%) ocorreram
nos primeiros dois anos de acompanhamento
e as outras duas entre dois e cinco anos de
acompanhamento. As manifestações clínicas
às recidivas foram articular em um caso,
coréia em outro e cardite em cinco casos.
Nenhum paciente com forma articular, ao
início do acompanhamento no HGVF,
evoluiu com cardite até o início deste estudo.
8 7
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Doença Cardíacae Articular
Doença Articular
Coréia e DoençaCardíaca
Doença Cardíaca
Coréia de Sydenham
Total de Casos: 137
Manifestações Clínicas
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
62%
21,2%
11%
5,1%
0,7%
FIGURA A.4.7MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS NOS CASOS DE FEBRE REUMÁTICA NO HGVF
Precisaram ser internados 71 pacientes
(52%) desde o início de seu
acompanhamento no HGVF. Nem todas
essas internações ocorreram no HGVF. No
período janeiro de 1996/julho de 1997 (antes
do PAC), foram internados 16 pacientes,
sendo três (19%) com quadro clínico
considerado severo, dois (12%) com quadro
moderado e 11 (69%) com doença leve. O
período médio de internação de cada grupo
de pacientes, de acordo com a severidade da
doença, foi de 21, 22 e 11 dias,
respectivamente (ver tabela a seguir).
Entre janeiro de 2000 e julho de 2001,
período após o PAC, foram internados 20
pacientes, sendo oito (40%) com quadro
clínico severo, três (15%) com quadro
moderado e nove (45%) com doença leve. O
tempo médio de internação de cada um
desses grupos de pacientes foi de 19, 13 e
sete dias, respectivamente (ver tabela a
seguir). O tempo médio de internação foi de
14 dias antes do PAC e de 12 dias após o
PAC. Não houve diferença estatística
significativa entre os dois tempos médios
analisados. Em relação ao tempo médio de
internação de cada grupo, de acordo com a
gravidade da doença, foi observado que não
houve diferença estatística entre o grupo de
casos clínicos severos antes e após o PAC.
Quanto aos grupos de pacientes com doença
moderada e leve, houve uma diminuição do
tempo médio de internação a um nível de
significância de 10%. Também houve
diferença a um nível de significância de 10%
entre os números percentuais de casos dos
grupos de pacientes com doença leve e
severa antes e após o PAC, sendo que
8 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
IM
IM e IAo
IAo
IAo e IT
EM
60
50
40
30
20
10
0
55,9%
35,7%
5,6%
1,8% 1%
Lesões Valvulares
Total de Casos: 107
FIGURA A.4.8LESÕES VALVULARES EM CASOS DE FEBRE REUMÁTICA NO HGVF
aumentou o número de pacientes com
doença grave e diminuiu o número de
crianças internadas com doença leve.
Somente um caso (0,7%) teve indicação
cirúrgica.
Mantiveram-se aderidos ao tratamento
116 pacientes (84,6%) (desses, quatro
tiveram alta) e 21 (15,4%) o abandonaram
(Figura A.4.9).
Em média, os pacientes com formas
articulares e com coréia foram
acompanhados com uma consulta a cada
seis meses (duas consultas/ano) e com
doença cardíaca a cada três meses
(quatro consultas/ano). Nos casos de
recidiva, a necessidade de
acompanhamento variou de acordo com a
gravidade do caso.
8 9
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
TEMPO MÉDIO DE INTERNAÇÃO NO HGVF DE ACORDO COM A GRAVIDADE CLÍNICA DE
137 CRIANÇAS COM FEBRE REUMÁTICA – JANEIRO 1996/JUNHO 2001
GravidadeAntes do PAC Após o PAC
Freqüência (%) Tempo Médio Frequência (%) Tempo Médio
Severo 3 (19%) 21 8 (40%) 19
Moderado 2 (12%) 22 3 (15%) 13
Leve 11 (69%) 11 9 (45%) 7
Total 16 (100%) 14 20 (100%) 12
Sim
Não
Total de Casos: 137
Aderência ao Tratamento
120
100
80
60
40
20
0
84,6%
15,4%
FIGURA A.4.9ADERÊNCIA AO TRATAMENTO EM CASOS DE FEBRE REUMÁTICA NO HGVF
Nenhum paciente com FR evoluiu para o
óbito neste estudo.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA
AVALIAÇÃO CLÍNICA
O propósito deste estudo clínico foi
conhecer as características da população de
crianças acompanhadas por um serviço de
cardiologia de um hospital público de
referência para atendimento pediátrico,
porém com aspectos peculiares quanto à
forma de acompanhamento dos casos.
Inicialmente, pôde ser observado nessa
análise que, em concordância com a
literatura [Lauer e Sanders (2001)], as
cardiopatias congênitas corresponderam ao
maior número de crianças com doença
cardíaca, com 62,2% casos.
Como as cardiopatias são reunidas em
dois grandes grupos com características
distintas, optou-se, neste estudo, pela análise
em separado da população de crianças com
cardiopatias congênitas e adquiridas.
Cardiopatias congênitas
Da mesma forma que na literatura [Moss
e Adams (1995)] não houve diferença
estatística significativa entre os sexos e
quanto à faixa etária, predominaram os
grupos de crianças com idade entre zero a
quatro anos (52,8%) e entre cinco a nove
anos (35,6%), e a idade média foi de cinco
anos.
De acordo com referências da literatura
[Moss e Adams (1995)], porém com
freqüência maior do que a descrita por
outros autores, a malformação cardíaca mais
encontrada foi CIV, com 40,9%. Os outros
tipos de cardiopatia congênita apresentaram
freqüências compatíveis com os dados da
bibliografia.
A evolução clínica para óbito foi
analisada nesse grupo de crianças, sendo
observados 16 óbitos durante o período
estudado. É interessante frisar que crianças
com indicação cirúrgica muitas vezes não
retornavam após o encaminhamento para o
hospital onde a intervenção cirúrgica seria
realizada. Dessa forma, alguns casos foram
perdidos para avaliação da sua evolução,
interferindo nesses resultados.
Das 95 crianças (35,8%) com cardiopatia
congênita e indicação cirúrgica, apenas 19
(20%) foram operadas. Esse baixo
percentual de realização cirúrgica pode
refletir a deficiência do sistema em computar
todos os casos que foram encaminhados para
a cirurgia, o que tende a ocorrer pelo fato de
as crianças que necessitam de cirurgia terem
que ser encaminhadas a outros hospitais para
intervenção cirúrgica. Muitas vezes não há o
retorno dos mesmos a fim de que se possa
definir o real número de pacientes
submetidos definitivamente a cirurgia. Essa
deficiência pode ser melhorada, uma vez
que, com o início da SAC, existem maiores
necessidade e possibilidade de organização
9 0
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
dos dados relativos às crianças cardiopatas
acompanhadas pelo HGVF. Além disso,
deve ser lembrado que alguns casos de
cardiopatia congênita com indicação inicial
de cirurgia apresentam resolução
espontânea, deixando de ser candidatos ao
ato cirúrgico. É importante ressaltar que,
recentemente, após a reestruturação de um
dos hospitais públicos de referência para
cirurgia cardíaca na infância, o Hospital de
Cardiologia de Laranjeiras, tem havido um
número crescente de crianças operadas.
Esses dados só vão poder ser analisados
daqui a algum tempo quando essas crianças
retornarem ao HGVF para informar sua
situação clínica atual.
Cardiopatias adquiridas
A cardiopatia adquirida mais observada
neste estudo foi a FR, com 85,1% dos casos,
o que é confirmado pela literatura nacional
que se refere à FR como a principal doença
cardíaca em pessoas com menos de 40 anos
de idade [Silva (1999)].
Não houve diferença estatística
significativa entre os sexos das crianças com
FR. Quanto à faixa etária, houve maior
concentração de pacientes entre nove e 13
anos de idade, correspondendo a 47,4% dos
casos, com idade média de 13 anos e
variação entre três e 21 anos. Esses achados
são semelhantes aos encontrados na
literatura [Arguelles (1989)].
De acordo com a literatura, a
manifestação clínica mais freqüente da FR é
a poliartrite migratória, vindo em segundo
lugar a cardite, seguida pela coréia [Spelling,
Nikoski e Santos (2000), Silva (1999),
Terreri (1998) e Silva e Pereira (1997)].
Nessa análise, a artrite de ocorrência isolada
ou associada a outras manifestações clínicas
também foi a forma clínica mais comum,
correspondendo a 83,2% dos casos. A
manifestação cardiológica da FR, de forma
isolada ou associada ao acometimento de
outros órgãos, foi encontrada em 77,4% dos
casos. Em estudo realizado em Curitiba, em
que 81 crianças com FR foram analisadas
[Spelling, Nikosky e Santos (2000)], a
doença cardíaca também foi a manifestação
clínica comum, com 66,7% dos casos.
A facilidade de realização do
ecocardiograma nos pacientes deste estudo,
aumentando a possibilidade de diagnóstico
de cardite “silenciosa”, além do
direcionamento do estudo para os casos com
comprometimento cardíaco, visto que o
serviço é de cardiologia, pode ter favorecido
o achado de doença cardíaca em muitos
casos. Um outro fator que também deve ter
interferido nesses resultados foi a
consideração de manifestação cardíaca como
um todo, levando-se em consideração tanto
formas agudas como de reativação da FR.
Minichi, Tani e Pagotto (1997)
desenvolveram um trabalho para determinar
se a regurgitação mitral “silenciosa” poderia
9 1
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
ser diferenciada da regurgitação fisiológica e
se existiria uma associação entre
regurgitação mitral “silenciosa” e FR.
Regurgitação mitral patológica pôde ser
identificada a partir do preenchimento de
quatro critérios: a) comprimento do jato
colorido > 1 cm; b) jato colorido
identificado em pelo menos dois planos; c)
jato colorido em mosaico; e d) persistência
do jato colorido durante a sístole.
Utilizando-se esses critérios, regurgitação
patológica foi encontrada em 25 dos
pacientes (68%) com FR, mas em somente
dois dos pacientes (6,5%) sem FR
(p < 0,001). A especificidade do doppler
para detecção de regurgitação patológica foi
de 94%, com valor preditivo de 93%.
Concluiu-se, então, que regurgitação mitral
patológica “silenciosa” pode ser distinguida
da regurgitação mitral fisiológica usando-se
critérios específicos do doppler,
particularmente quando o jato é direcionado
posteriormente. Dessa forma, o
ecocardiograma poderia ser usado para
avaliar pacientes com suspeita de FR.
A partir dos critérios assinalados, não
houve dúvidas quanto ao diagnóstico de
doença valvular silenciosa nessa análise.
No trabalho multicêntrico realizado em
São Paulo por Silva (1999), em que 786
pacientes com FR foram estudados, a
ocorrência de alterações ecocardiográficas
sugestivas de doença valvular sem
manifestações clínicas foi de 18,3%.
A presença de lesão cardíaca silenciosa
pode sugerir que a não realização do
ecocardiograma em todos os casos suspeitos de
FR poderia levar à não identificação desses
casos, o que acarretaria um comprometimento
da profilaxia secundária e, conseqüentemente,
do prognóstico final da doença.
De acordo com os dados da literatura
neste trabalho, a lesão valvular mais comum
foi a insuficiência mitral, seguida pela
insuficiência aórtica, a qual esteve asociada
à mitral na maioria dos casos.
Neste estudo, 74 pacientes (54%)
necessitaram de internação hospitalar
durante o período do estudo. A partir da
análise dos casos de internação no HGVF
nos períodos anterior e posterior ao PAC,
pôde-se observar que houve uma redução do
tempo médio de internação antes e após o
PAC, além de um aumento do número de
casos de pacientes internados com quadros
severos e uma diminuição daqueles com
quadros leves. Esses resultados podem
sugerir que após o PAC o HGVF passou a
ser mais procurado pelos pacientes com FR,
chegando, conseqüentemente, mais casos de
doentes graves que necessitam de
internação, e que a estruturação do
atendimento ambulatorial tem permitido que
pacientes com quadros leves sejam
acompanhados, mesmo em suas acutizações,
em nível ambulatorial, sem necessidade de
internação. Além disso, um outro fator que
pode justificar a diminuição dos casos leves
9 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
internados foi a melhor adesão à profilaxia
antibiótica, levando a menos episódios de
recidivas que necessitam de internação.
Dentre os pacientes estudados neste
trabalho, apenas um (0,7%) teve indicação
cirúrgica. Esse achado difere do encontrado na
literatura, em que a incidência de intervenção
cirúrgica nos pacientes acompanhados com FR
foi de 7% [Carmo e Gouveia (1994)].
Nesta amostra, recidivas da FR foram
observadas em sete pacientes (5,1%), o que
corresponde a um valor menor do que o
encontrado na literatura, que está em torno de
18,8% [Silva (1999)], 16% [Terreri (1998)],
34% [Carmo e Gouveia (1994)]. É
interessante ressaltar que em São Paulo, onde
os dois primeiros trabalhos foram realizados,
existe um programa-piloto (Liga de Combate
à Febre Reumática), implantado há
aproximadamente 40 anos na Escola Médica
da Universidade de São Paulo, para avaliar
métodos efetivos para a profilaxia secundária,
havendo um maior controle dos pacientes por
conta disso [Snitcowsky (1996)].
A freqüência de adesão à profilaxia
antibiótica observada neste trabalho foi de
81,7%. Embora isso não tenha sido referido
em outros estudos para se poder comparar os
resultados, e sabendo-se que geralmente as
recidivas ocorrem por falta da profilaxia, o
menor número de recidivas observados nesta
análise sugere maior adesão ao programa.
Cabe ressaltar que todos os pacientes
com diagnóstico de forma articular ao início
do acompanhamento no HGVF
permaneceram nesta categoria até o começo
deste estudo, mostrando, de certa forma, um
padrão individual de evolução da doença.
Uma possível explicação para esse fato seria
a realização de ecocardiograma em todos os
pacientes, o que permitiria o diagnóstico de
doença valvular leve em criança sem sinais
ou sintomas cardiovasculares que seriam
classificadas como outra forma clínica de FR
e que, posteriormente, numa recidiva,
poderiam ter agravamento dessa lesão
cardíaca inicial, parecendo haver evolução
de uma situação sem acometimento cardíaco
para outra com doença cardíaca. No entanto,
a partir dos resultados desta análise, essa
evolução não foi observada e suscita maiores
avaliações que podem direcionar para a
identificação de uma população de crianças
com maiores ou menores riscos de
desenvolverem lesão cardíaca valvular.
Trabalhos semelhantes a este, em que foi
acompanhada uma população de crianças
com cardiopatia, tanto congênita quanto
adquirida, não foram encontrados em revisão
bibliográfica realizada em fontes como
Medline e Lilacs, o que torna este estudo
mais peculiar ainda.
Sabendo-se das dificuldades de atuação
do serviço de saúde pública brasileiro, foi
interessante poder mostrar os resultados
desse acompanhamento diferenciado e de
qualidade de crianças cardiopatas, sugerindo
uma melhor qualidade de vida e de
sobrevida para elas.
9 3
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 5 R E L AT Ó R I O D A V I S I TA A O P R O J E T O R E N A S C E R
Pontos básicos para o sucesso da ONG
Renascer:
• Existir um prazo-limite para o
atendimento – Atender à família por seis
meses, buscando reestruturá-la: “pôr a
família minimamente de pé”.
• Ter credibilidade e transparência – As
visitas devem ser incentivadas,
permitindo-se amplo acesso às
informações, especialmente sobre a
origem e a aplicação de recursos. A
ONG precisa ter auditoria externa e
possuir amplo e farto material de
divulgação com folhetos, fotos, cartas
das mães e vídeos.
• Funcionar fora do hospital – A sede da
ONG é no Parque Laje e só atende a
crianças que receberam alta do Hospital da
Lagoa.
• Buscar doadores de fundos ou de
alimentos/remédios – É enfatizada a
busca de sócios voluntários (doação em
dinheiro) e de padrinhos/madrinhas
(doação de alimentos e remédios).
Ambientes
• Espera: ao ar livre, onde há bancos.
• Recepção, que também organiza um
banco de dados.
• Sala dos voluntários, que fazem a
avaliação das necessidades das família
dos pacientes com alta do Hospital da
Lagoa que são encaminhados.
• Administração.
• Atendimentos: social, psicológico e
padrinhos.
• Departamento de alimentos, onde são
separadas as cestas de alimentos a serem
entregues às famílias.
• Departamento de roupas, onde são feitas
a seleção e a distribuição de roupas
doadas.
Projeto Profissão
Funciona na Rua Jardim Botânico 99,
numa casa cedida. Mantém cursos
profissionalizantes, como manicure,
cabeleireiro, costura, doceria e pintura em
tecidos. Faz doação de equipamentos para a
pessoa poder trabalhar como autônomo,
como, por exemplo, um lava-a-jato.
9 7
Recreação
Funciona no Hospital da Lagoa. São 40
voluntários.
Padrinhos
Cada voluntário padrinho/madrinha
compromete-se por seis meses (renováveis
ou não), período em que atende nas compras
necessárias a uma família (remédios,
alimentos etc.).
Características do programa
• Limite: o encaminhamento vem de um só
lugar (Hospital da Lagoa).
• Credibilidade.
• Autodidata.
• Intervenção: no hospital, recreação;
esporadicamente, compra-se remédio,
mas não faz tratamento.
• Propõe um tratamento sistêmico da
família, tentando reestruturá-la.
• Atende atualmente 300 a 400 famílias
por mês (às 2as, 3as, 4as e 6as feiras), a
maioria da Baixada Fluminense.
• São realizadas palestras para angariar
fundos, em bancos, escolas, no Rotary
etc.
• Cada família tem uma pasta onde são
anotadas as doações e onde as pessoas
assinam o recebimento.
• Divulgação por vídeo, mostrando a
realidade, e também um book com fotos,
documentação de casos e cartas.
Captação de recursos
Há um grupo que faz esse trabalho
especificamente.
Voluntários
São atualmente cerca de 120 (há
facilidade de acesso ao local, o que
representa uma vantagem). Os
coordenadores dos voluntários, cerca de 30,
são remunerados, mas não podem ser muito
“chefes”. Os recursos para pessoal vêm de
instituições como BID, Sesi, Firjan, por
cessão de funcionários e parcerias.
Projeto Anzol
São 30 mães que trabalham numa oficina
de costura, recebendo um salário e também
ensinando costura.
Observação: Segundo os responsáveis,
foi imprescindível para o bom
funcionamento da ONG a localização da
sede fora do recinto do Hospital da Lagoa.
9 8
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 6 R E L AT Ó R I O D A V I S I TA À C A S A R O N A L D M C D O N A L D EÀ A S S O C I A Ç Ã O D E A P O I O À C R I A N Ç A C O MN E O P L A S I A
Impressões acerca do prédio onde fica
localizada a Casa Ronald McDonald
Embora fique situada em rua estreita, com
pouca circulação de veículos, há dificuldade
para o estacionamento de carros. O prédio é
vistoso e de bom acabamento, uma obra
resultante de reforma e adaptação de duas
casas já existentes e que foi financiada pela
verba oriunda da promoção McDia Feliz. Há
adaptações para pessoas deficientes, e os
acabamentos de piso são todos cerâmicos,
facilitando a limpeza e a manutenção. Todo o
visual é cuidado, com indicações claras e
identificação dos recintos. Logo no hall de
entrada há um painel mural com uma pintura
de uma grande árvore, a que chamam “árvore
da vida”, onde são afixados frutos de ouro,
prata e bronze homenageando os
colaboradores que sustentam o projeto. É uma
maneira simpática e acolhedora de chamar a
atenção para a necessidade de recursos, além
de criar um clima mais “infantil”,
sensibilizando o público-alvo do projeto.
Breve histórico
Francisco e Sonia Neves, fundadores da
Associação de Apoio à Criança com
Neoplasia, tiveram um filho – Marquinhos –
que sofreu com neoplasia. O menino era
jogador do dente-de-leite do Tijuca Tênis
Clube. Com sua doença, houve grande
mobilização dos amigos e conhecidos do
clube, que angariaram fundos para que ele
pudesse ir aos Estados Unidos se tratar.
Infelizmente, Marquinhos não sobreviveu.
Seus pais, quando lá estiveram, foram
acolhidos numa Casa Ronald McDonald, em
Nova York. Ao retornarem, ainda tinham
disponível uma boa quantia e decidiram,
com o apoio dos doadores, aplicá-la em
benefício das crianças portadoras de
neoplasia. Iniciaram, então, um projeto de
recreação infantil no Instituto Nacional do
Câncer (Inca).
Com a colaboração de acerca de 20 a 30
amigos, foi criada a Associação de Apoio à
Criança com Neoplasia (AACN), que
visava ter uma casa de apoio às famílias de
crianças carentes que moram longe do Rio
de Janeiro e que estão em tratamento no
Inca.
A primeira parceria do McDonald’s foi
com o Inca. Os recursos do McDia Feliz,
entretanto, só podem ser usados para
investimentos e não na operação. No início,
1 0 1
eram recebidas de 16 a 20 crianças do Inca.
Hoje são recebidas todas as crianças
encaminhadas não só pelo Inca, mas também
pelo Hemorio e pelo Hospital Pedro Ernesto,
graças à obra de ampliação das suítes, onde
são abrigadas sempre duas crianças com as
respectivas mães (ou outra acompanhante
mulher). Essas suítes têm aparelhos de
ar-condicionado e de TV, são amplas e de
fácil manutenção, pois os próprios ocupantes
devem cuidar delas.
Não há na casa qualquer serviço médico.
Todo o tratamento é feito no hospital, e há um
veículo da casa que faz o transporte. No
futuro, deve haver uma pequena enfermaria
para curativos, pois o espaço para tal já
existe.
Atividades
Juridicamente, a ONG é a AACN. Não
existe, como nos Estados Unidos, a entidade
jurídica Casa Ronald McDonald. O
McDonald’s cede a marca e é co-gestor,
junto com a AACN, desse projeto de
acolhida de famílias de crianças com
câncer. A casa de apoio, entretanto, é apenas
um dos projetos da Associação.
Uma das principais atividades
relacionadas com a casa de acolhida é o
McDia Feliz, um dia de agosto em que a
rede de lanchonetes McDonald’s reverte a
renda da venda de um tipo de sanduíche para
o benefício do projeto. Nessa atividade são
mobilizados 4.500 voluntários, que fazem
todo o trabalho de divulgação, animação,
venda de lembranças etc. O planejamento e a
organização do evento, que começam meses
antes, são feitos pela Associação.
Há outros projetos, como:
• Bolsa de alimentos: O serviço social do
hospital encaminha as famílias que
necessitam desse complemento. Não é
cesta básica, pois inclui alimentos
necessários para dar à criança doente o
sustento necessário ao seu bom
restabelecimento. No caso de a família
ter outros filhos, há bolsas extras para
eles, que são distribuídas de 15 em 15
dias ou de mês em mês. Essa atividade é
realizada em outra casa, na mesma rua,
que é sede da Associação.
• Bazar: É onde se separam e se vendem
peças de vestuário e outros produtos,
encaminhados à Associação como
doação. O preço varia de R$ 0,50 a R$ 4
e é destinado a pessoas carentes e às
famílias do projeto da casa de acolhida.
• Atendimento psicossocial: Serve à casa
de apoio e atende também aos irmãos da
criança. Uma das principais
conseqüências da doença é a
desestruturação familiar.
• Projeto escola: Para que as crianças que
se hospedam na casa de apoio não
percam o ano letivo, há um convênio
com uma escola municipal próxima que
1 0 2
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
cede professor para uma classe especial
de acompanhamento. A freqüência vale
como dia de aula.
O Instituto Ronald McDonald
É diretamente vinculado ao McDonald’s
e seu atual presidente é Francisco Neves. Ao
contrário do que aconteceu nos Estados
Unidos, aqui o Instituto foi criado depois da
Casa de Apoio. O Instituto destina verba a
qualquer projeto que trabalhe com câncer
infantil, seja no apoio ou na pesquisa.
Os recursos financeiros
Como a verba do McDonald’s destina-se
apenas a investimentos, a Associação
recorre a outros meios para angariar
fundos. Nesse caso, o nome McDonald’s
chega até a prejudicar um pouco, porque as
pessoas acham que o McDonald’s já
financia tudo.
Há um cadastro de sócios contribuintes
que recebem um boleto bancário sem valor
determinado, por mala direta. A média de
contribuição está entre R$ 13 e R$ 14. Há
sete mil cadastrados e quatro mil
contribuições regulares.
A captação de sócios é feita em eventos:
bingos, serestas, bailes e festas de “outros”.
Também se dá através de palestras em
escolas particulares de ensino médio e
empresas. A Associação oferece uma
palestra sobre câncer infantil, e durante
algum tempo monta-se na escola ou empresa
um estande de vendas de artigos com a
marca, distribuem-se folhetos informativos e
faz-se o cadastro de pessoas interessadas em
contribuir. O boleto bancário só é enviado a
quem estiver previamente cadastrado.
Existe um orçamento anual com revisões
semestrais, e a organização está se
preparando para certificar-se pela ISO 9001.
O custo mensal está em torno de R$ 45 mil e
deve aumentar com a ampliação dos
serviços.
Os serviços
Há pouquíssimos funcionários
contratados: dois administrativos, duas
cozinheiras, três motoristas, quatro para a
limpeza, tanto da casa de apoio quanto da
sede da Associação, e dois para a
manutenção, que fazem de tudo. Os
seguranças são de firma terceirizada para a
qual a Associação paga 50% do contrato,
pois a complementação é feita com
doações.
Todo o restante é voluntário, desde a
diretoria até o auxílio nos plantões. A
agência de criação também é voluntária,
assim como a assessoria de imprensa e a
diretoria de marketing. Mais 450 voluntários
dão plantões de três horas por semana (13 ou
15 voluntários por plantão), distribuídos das
9 às 21 horas, cuidam da recreação e da
cozinha, dão apoio à limpeza, material etc.
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S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
O voluntariado
Há todo um processo para que as pessoas
interessadas possam vir a contribuir:
• Recrutamento: feito por meio de
inscrições por visitas, telefone,
pessoalmente ou via internet.
• Infomação: realizada pela Associação e
pelos voluntários.
• Treinamento: são passadas as regras, os
conhecimentos sobre o câncer e os
problemas internos da Associação.
• Seleção: por entrevista.
• Indicação da área: em que área o
voluntário vai atuar (há negociação).
• Período de experiência: três meses.
Cada plantão tem um coordenador que
avalia o serviço. Há diplomas de
participação. Todos assinam um termo de
compromisso.
Outros serviços:
• Remédios: são todos fornecidos pelo
hospital, e a mãe da criança os
administra. Eventualmente, pode ser dada
uma orientação, mas sem assumir a
medicação.
• Projeto preventivo: esclarecimento sobre
o câncer em comunidades carentes, que
visa a um diagnóstico precoce.
• Disque Câncer Infantil (DCI): dá apoio
informativo e recursos para o transporte
até o local de tratamento.
• Terapia para as mães: massagem e
sensibilização do toque.
• Oficina de trabalhos manuais: a venda
reverte para as mães: costura, pintura,
artesanato, couro, e há lojas conveniadas
que vendem sem ônus.
Características de empreendedorismo dos
responsáveis pela ONG
Segundo Sérgio Carvalho, diretor da
Casa Ronald McDonald, as características
dos membros da equipe responsável pelo
empreendimento são:
• Ter visão e saber compartilhá-la.
• Atendimento e captação de recursos.
• Formação técnica para controle e
planejamento.
• Liderança: harmonização de conflitos e
moderação.
• Transparência.
• Disciplina nas atribuições e na conduta.
• Não parar de sonhar.
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Estrutura das casas
AACN: Casa Ronald McDonald:
• Bazar • Recepção
• Distribuição de Alimentos • Secretaria
• Sala para Festas Beneficentes • Administração
• Secretaria • Refeitório
• Classe Especial • Cozinha/Copa/Despensa
• Eventos • Lavanderia
• Contabilidade • Área Recreativa Social
• Estoque de Produtos • Triagem de Doação
• Marketing • Oficina
• Oficina de Costura • Recreação/Brinquedoteca
• Diretoria • Treinamento
• Sala de Reuniões
• Recursos Humanos
• Suítes
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A N E X O 7 E M P R E E N D E D O R I S M O
Do material pesquisado, pode-se tecer os
seguintes comentários acerca das principais
características do empreendedor:
Visão – Estabelecer visões de futuro é
importante para qualquer pessoa,
especialmente para alguém que está
liderando um empreendimento. O
estabelecimento de metas é essencial para o
planejamento de estratégias e a tomada de
decisões.
Concretização de idéias – Característica
que requer pessoas com alguma inteligência,
capazes de utilizar seu potencial criativo,
que sejam concentradas e atentas a
informações, explorando as oportunidades
que a maioria não enxergaria e inovando
também com alternativas. É necessário para
isso ser dinâmico e estar sintonizado com as
mudanças ambientais e ser associativo.
Curiosidade – É comum o empreendedor
ter sede de saber para ter mais domínio e
conhecimento.
Perseverança – Característica de pessoas
determinadas, com vontade de “fazer
acontecer”, que não desanimam diante de
adversidades.
Comprometimento – O compromisso do
empreendedor é total, chegando sua
dedicação a ser exagerada, o que por vezes
compromete outros relacionamentos. São
pessoas apaixonadas pelo que fazem, num
sentido bem amplo da concepção dessa
palavra – inclusive sofrendo pela causa.
Motivação – Sempre muito grande, não
só pelo inconformismo do empreendedor
diante da rotina e de outras falhas e
injustiças que percebe, mas também pela
busca para preencher uma necessidade de
realização. Entretanto, se não houver um
sentido de vida claro nessa motivação, só a
satisfação pessoal por um trabalho realizado
ou o saneamento de uma injustiça não são
suficientes para a pessoa se sentir doando de
si para o outro e preencher a necessidade de
transcender.
Autoconfiança – Essa característica é
muitas vezes excessiva nos empreendedores,
porque são otimistas e enxergam apenas o
sucesso. Eles têm dificuldade de ver as
falhas.
Independência – É comum os
empreendedores não gostarem de ser
empregados, pois querem construir o próprio
1 0 9
destino, estar à frente das mudanças,
mostrando necessidade de controle e, às
vezes, ressentimento em relação à
autoridade. Querem ser os “donos do
negócio”.
Liderança – O senso de liderança é
acentuado nos empreendedores, que
costumam ter facilidade para formar equipes
e são respeitados e adorados, persuasivos,
mas também centralizadores.
Relacionamentos – Habitualmente, o
empreendedor tem uma rede de contatos e
facilidade de obter recursos materiais,
humanos, técnicos e financeiros.
Considera-se que a maioria das
características do empreendedor de negócios
é semelhante à do empreendedor social. Mas
há alguns aspectos, como o retorno
financeiro (ficar rico), que, mesmo não
sendo o principal objetivo do empreendedor
de negócios, não pode jamais ser o foco de
um empreendedor social.
O empreendedor social deve ser mais
flexível quanto às adaptações às condições
para a implantação de sua idéia. Deve aceitar
compor uma equipe à qual possa delegar
funções e na qual possa confiar, fazendo-a
também se apaixonar pela causa. Essa
equipe deve ser capaz de prosseguir com o
empreendimento independente de sua
presença.
Quando lida com voluntários, o
empreendedor social não pode exigir a
mesma dedicação exclusiva de todos os
colaboradores, pois cada um tem seu grau
de motivação e disponibilidade. Ele deve
saber aproveitar ao máximo o que cada um
pode dar dentro dos limites que
disponibiliza.
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S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
A N E X O 8 P R O J E T O PA R A A N Á L I S E , S U P E RV I S Ã O EQ U A L I F I C A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L E M I N S T I T U I Ç Ã O :M O D E L O S I S T Ê M I C O V I V E N C I A L *
* Trabalho desenvolvido pelas psicólogas Ana Zagne e Noemia Kraichete para a SAC.
INTRODUÇÃO
Este projeto, em andamento junto ao
grupo “Amigos de Coração”, começou em
abril de 2001 devido à demanda dos
voluntários que dele participam, pois havia
uma necessidade de organização e
estruturação em um outro nível – ONG.
A proposta de trabalho foi levar a
experiência do trabalho terapêutico com
sistemas familiares (microssistema) para o
sistema institucional (macrossistema).
Inspirados no pensamento sistêmico,
percebemos que a família funciona como
um sistema, onde cada indivíduo que a
compõe está em constante
retroalimentação. Essa organização circular
faz as partes do sistema mudarem
constantemente, calibrando-o. Desse modo,
podemos inicialmente compreender – em
termos sistêmicos – a instituição como uma
unidade familiar de interação social – uma
família substituta.
Ao contrário do paradigma linear – em
que o foco está no indivíduo e em seu
psicodinamismo –, o paradigma circular
retira o foco de atenção sobre um indivíduo
em particular, colocando-o no processo
inter-relacional, no qual o todo é maior que
as partes. É importante frisar que o foco
sistêmico foi deslocado do indivíduo na
instituição para a própria instituição e seus
integrantes.
A escolha do modelo sistêmico vivencial
deveu-se ao fato de que sua flexibilidade
permite uma adequação às características
particulares de cada sistema local, sem
alterar e/ou violentar as estruturas já
existentes.
Tal modelo pretende ser um organizador
da hierarquia institucional, provocador da
nova relação entre os profissionais
envolvidos e o sistema funcional. A
diferenciação do papel dentro da família e o
conhecimento do processo de inserção,
funcionamento e missão dentro de um
microssistema familiar ampliarão, com
certeza, esse conhecimento para o
macrossistema funcional.
Nesse processo bidirecional
família/trabalho vamos buscar o pleno
desenvolvimento do potencial individual,
qualificando seu relacionamento,
participação e produtividade em geral, que
reverterá – num feedback constante e
contínuo – para o macrossistema social.
11 3
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
A sociedade funciona como um
macrossistema em que a família está
inserida, sendo a família – entendida como
um microssistema – o alicerce da sociedade,
sua base de sustentação. Nesse
microssistema, todos os seus membros se
correlacionam um com os outros, em
contínua e constante retroalimentação.
Assim, qualquer problema, seja de ordem
física, financeira ou emocional, em um dos
seus integrantes vai influenciar diretamente
os outros membros da família. Na família
nascemos, crescemos e morremos e
adquirimos a nossa matriz de identidade
familiar. É nesse contexto que buscamos os
recursos para nos desenvolver. Na verdade, é
no caldo familiar que se originam os gênios,
loucos, empresários, religiosos, cientistas,
trabalhadores, delinqüentes e criminosos...
A ativação dos recursos de cada
indivíduo proporciona a harmonia, a
flexibilidade e a criatividade necessárias
para resolver problemas considerados
insolúveis. Esse movimento se propaga em
ondas, contaminando outros sistemas, e pode
atingir grandes dimensões.
Por trás de cada indivíduo, onde quer que
se situe – escola, fábrica, sindicato, empresa,
favela, igreja, hospital –, ele vai encontrar
uma família chamada substituta, que
representa ou está no lugar da original.
Dessa maneira, percebemos que um
trabalho de análise, organização e
estruturação no sistema institucional – nesse
contexto percebida como uma família
substituta – pode ser não só curativo como
preventivo de desorganização,
desestruturação e paralisação futura.
ASPECTOS PRÁTICOS
O método utilizado é o sistêmico
vivencial – paradigma circular:
• o modelo formal de atuação está
organizado em nove encontros mensais e
focaliza a análise da instituição, a
qualificação dos seus membros e a
supervisão em geral;
• o grupo ideal deve ser de 10 integrantes,
podendo atingir no máximo 15, e cada
encontro dura em média três horas; e
• pode, também, funcionar na modalidade
workshop – com diminuição dos
intervalos entre os encontros e aumento
de hora/dia.
ETAPAS DO TRABALHO
Na primeira etapa define-se o
funcionamento da instituição, bem como as
suas metas e lemas, através de seus estatutos
e organograma. Isso feito, definem-se o foco
a ser trabalhado e a meta a ser atingida com
aquele grupo específico.
A meta determinada é trabalhada em dois
níveis a cada encontro: no primeiro, teórico, os
conceitos primordiais da teoria sistêmica são
abordados de forma simples, através de
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S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
recursos audiovisuais – transparências,
cartazes, histórias do cotidiano, filmes; no
segundo são introduzidos os recursos
vivenciais.
Durante esses encontros, procuramos
abordar:
• a teoria de funcionamento do sistema, o
conceito de sistema e o paradigma
circular;
• a estrutura dinâmica dos sistemas – suas
formas de organização (ativo/rígido,
estático/relacional fechado/relacional
aberto);
• o conceito de retroalimentação;
• o foco sistêmico, os eventos nodais
(detonadores dos conflitos), a função e
redefinição do sintoma (para que serve o
sintoma?);
• o indivíduo que se oferece como bode
expiatório para, através do sintoma, viver
e denunciar as mazelas do sistema;
• o relacionamento triangular e a
possibilidade de diferenciação entre o eu
e o self familiar/institucional;
• os ciclos vitais da família, a disfunção
familiar, a organização hierárquica e a
estrutura trigeracional;
• a missão familiar, a força da família e o
conceito de lealdade;
• a matriz familiar x matriz institucional –
seus lemas, mitos, histórias, segredos e
mentiras, as histórias, mitos, fantasmas e
a força da instituição; e
• todos os temas abordados são
acompanhados de vivências, tais como:
genograma, vivência de impasse, escultura
viva, vozes do passado, vivência do bode
expiatório, imaginação ativa...
As últimas sessões funcionam para a
avaliação dos ganhos, tanto pessoal quanto
profissional, e a possibilidade de utilização
do paradigma sistêmico vivencial na
instituição e na abordagem terapêutica com
os clientes atendidos por essa instituição.
Após a conclusão do primeiro módulo de
nove encontros, o grupo deve participar das
reuniões de acompanhamento dos resultados
e supervisão específica para qualificação do
profissional em relação ao cliente. Nessa
etapa o foco sistêmico está mais centrado no
sistema profissional/cliente.
Apesar de haver um modelo a se seguir,
este pode ser ampliado ou modificado de
acordo com a demanda do grupo, desde que
não se perca o foco a ser atingido nas nove
sessões programadas, pois, como previmos a
priori, o modelo, com sua capacidade de ser
flexível, pode realmente se adequar às
características do sistema já existente e
funcionar em condições ambientais pouco
favoráveis, com recursos mínimos, não
importando o nível do grupo nem suas
habilitações.
Na verdade, a bagagem do terapeuta é o
requisito mais relevante para a
implementação do projeto e a possibilidade
de transformação do sistema.
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1 2 0
S O C I E D A D E A M I G O S D E C O R A Ç Ã O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Presidente
Eleazar de Carvalho Filho
Vice-Presidente
José Mauro Mettrau Carneiro da Cunha
Diretora
Beatriz Azeredo
Superintendente da Área de Desenvolvimento Social
Pedro Gomes Duncan
Superintendente da Área de Infra-Estrutura Urbana
Terezinha Moreira
Gerência Executiva de Saúde
Responsável pela coordenação dos programa de saúde
Chefia
Nelson Duplat Pinheiro da Silva
Equipe Técnica
Ana Christina Moreno Maia BarbosaWalsey de Assis MagalhãesAna Cristina Rodrigues da CostaCatarina Setúbal de Rezende BustillosEclésia Regina Moreira de Assis NogueiraElizabete Tojal LeitePaulo Roberto Macedo CostaRoberto Máximo CastroValéria Ferreira Lotfi
Colaboração
Maria Angela Alves NogueiraHeloísa Rossi
Apoio
Equipe ACO/GEMARÁrea de Comunicação e Cultura
PROJETO GRÁFICO
DPZ Propaganda
DESIGNER
Nena Braga
FOTOS
Acervo BNDES
COPIDESQUE E REVISÃO
Imprimátur – Prosa & Verso
Atendimento à criança cardiopata: o caso da Sociedade Amigos
de Coração./ Artur André do Valle Freitas... [et al.]. – Rio de
Janeiro: BNDES, 2002.
124 p. (BNDES Social, n. 3)
1. Cardiopatia infantil. 2. Assistência social. 3. Saúde. I. Freitas,
Artur André do Valle. II. Série.
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