caravelas abre as portas para a cultura · lourenço, danielle marinho, arquivo ibj, arqui- ......

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Caravelas - Novembro/Dezembro de 2009 - Edição nº 06 Caravelas abre as portas para a cultura 4 | A Gravidez na adolescência 15 | Caravelas a espera do saneamento básico 14 |Extrativistas no Segundo Encontro de Resex da Bahia 12| A festa dos pequenos orixás Foto: Acervo ECOMAR 7| O quadro negro da Educação Foto: Jacó Galdino

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Page 1: Caravelas abre as portas para a cultura · Lourenço, Danielle Marinho, Arquivo IBJ, Arqui- ... Figueredo Conselho Editorial Edição 6: ... Elias Siquara PERFIL

1NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

Caravelas - Novembro/Dezembro de 2009 - Edição nº 06

Caravelas abre as portas para a cultura

4 | A Gravidez na adolescência

15 | Caravelas a espera do saneamento básico

14 |Extrativistas no Segundo Encontro de Resex da Bahia

12| A festa dos pequenos orixás

Foto: Acervo ECOMAR

7| O quadro negro da Educação

Foto

: Jac

ó G

aldi

no

Page 2: Caravelas abre as portas para a cultura · Lourenço, Danielle Marinho, Arquivo IBJ, Arqui- ... Figueredo Conselho Editorial Edição 6: ... Elias Siquara PERFIL

NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 20092

de camarão fresco de Caravelas para Miami, nos Estados Unidos.

Na visita dos conselheiros do CEPRAM (Conselho Estadual de Meio Ambiente) ao local do em-preendimento percebi que nossos argumentos em defesa daqueles manguezais e mostrando a impor-tância deles como berçários da vida marinha não eram compreendidos. Ficou clara ali a correlação de for-ças que havia e que os conselheiros votariam a favor do licenciamento.

Nesse momento ou a ZA era publicada ou o maior projeto de carcinicultura do Brasil se insta-laria ali. Junto com outros am-bientalistas da região, fomos a Brasília cobrar agilidade na pu-blicação da medida. E fomos vi-toriosos. A reunião do CEPRAM

CARTA DO LEITORDA COOPEX A RESEX...

Derrubada a zona de

amortecimento, o próximo passo era

impedir a criação da Reserva do

Cassurubá

COM A MÃO NO TIMÃOA melhor notícia

O jornal comunitário de Caravelas

Eles também lêem o Timoneiro

Endereço: Rua Dr. José André Cruz, 487 Bairro Nova Coréia - Telefone: (73) 3297-2177

E-mail [email protected]

Em dezembro de 2005, quando fui nomeado chefe do Parque Nacional Ma-

rinho dos Abrolhos, recebi vários processos, entre eles o que defi nia a zona de amortecimento do Parque (ZA). A proposta da ZA surgiu a partir de estudos de simulação da dispersão de óleo em função de uma possível exploração de petró-leo na região, mostrando os impac-tos sobre os corais e manguezais.

Nessa época o Parque estava também ameaçado pela implan-tação do maior empreendimento de carcinicultura do país. A Co-operativa dos Criadores de Ca-marão do Extremo Sul da Bahia (COOPEX) planejava implantar um mega-empreendimento de 1.500 hectares nos manguezais e restingas da região, compro-metendo o mais importante es-tuário do banco dos Abrolhos.

Apesar de não ter sido proposta por causa do empreendimento de carcinicultura, a ZA de Abrolhos o atingiu em cheio, pois com a medi-da passou a ser necessária também a anuência do IBAMA. Em janei-ro de 2006 reuni o Conselho Con-sultivo do Parque, apresentei um parecer técnico e uma minuta de Portaria, que aprovados, seguiram para Brasília. Enquanto isso o licen-ciamento da COOPEX avançava no Centro de Recursos Ambien-tais – CRA, do governo estadual.

A matéria de Leandro Fortes na revista Carta Capital de julho de 2006 citou o empenho do então governador da Bahia, Paulo Souto, junto aos órgãos ambientais do es-tado para acelerar o licenciamento do empreendimento. Informou ainda que o projeto da COO-PEX previa um investimento de 60 milhões de reais. A idéia era transportar, em aviões cargueiros, duas vezes por semana, toneladas

versos veículos de comunicação e geraram grande constrangimento. O senador Motta declarou que só entrou na cooperativa porque que-ria “uma aposentadoriazinha” para depois do mandato de senador.

Os aliados da COOPEX con-tinuaram tentando derrubar a ZA do Parque, primeiro entrando com mandatos de segurança na Justiça Federal, impetrados pelas prefei-turas de Caravelas e Nova Viçosa, e pelo então governador da Bahia, Paulo Souto, como uma última tentativa de derrubar a necessidade da anuência do IBAMA e conce-der ainda em seu governo a licença ambiental ao empreendimento.

Mas foi somente em 14 de ju-nho de 2007, mais de um ano após a criação da ZA, que as prefeituras conseguiram derrubá-la na Justiça Federal, que não avaliou o mérito técnico da ZA, mas anulou-a por entender que deveria ser instituí-da por um Decreto Presidencial. Derrubada a ZA o próximo passo era impedir a criação da Reserva Extrativista do Cassurubá, que englobava a área de manguezais e restingas pretendidas pelo empre-endimento. Uma nova ação judi-cial foi impetrada pela Câmara de Vereadores de Caravelas e outros com objetivo de anular as primei-ras Consultas Públicas para cria-ção da Reserva. Logo a Câmara de Vereadores, que deveria defender os interesses da comunidade, en-trou na Justiça contra o debate, a divulgação das informações e o esclarecimento sobre a Reserva!

Em 2007 a ação judicial anu-lou as Consultas Públicas realiza-das em 2006, com base em de-talhes técnicos. Embora tenham

Do projeto de carcinicultura da COOPEX à criação da Reserva Extrativista do Cassurubá, um ciclo se fechou em favor da conservação e da sustentabilidade no entorno de Abrolhos.

Por Marcello Lourenço

Da esquerda para a direita: o secretário de Cultura de Caravelas, Dó Galdino, o Secretário de Cultura do Estado da Bahia Márcio Meirelles e o vereador de Caravelas, Juninho do PT.

onde se daria o licenciamento para a COOPEX ocorreria no dia 19 de maio de 2006 e a portaria da ZA de Abrolhos foi publica-da no Diário Ofi cial no dia 18.

Entretanto o projeto da CO-OPEX era bem amparado po-liticamente. Entre os sócios da cooperativa estava o ex-senador do PSDB João Batista Motta e 5 familiares seus. Poucas semanas após a criação da ZA de Abrolhos, Motta e os demais senadores do Espírito Santo e da Bahia pro-puseram um Decreto Legislativo para anular a medida. O assunto ganhou ampla repercussão em di- (CONTINUA PÁGINA 05)

É do admirável mundo novo da comunicação que nasce nossa capaci-dade de ver e traduzir o mundo. Em interação com os meios – a televisão, a internet, os jornais, e as interfaces multimídia - adquirimos valores, for-mas de comportamento, visões, fl a-shes instantâneos do que somos e do que queremos ser. Hoje, mais do que nunca, é imprescindível estimular a apropriação social das novas tecnolo-gias, compartilhar os benefícios da re-volução científi co-técnica para garantir a liberdade de ver, imaginar e atuar.

Pois da liberdade de imprensa ca-minhamos à liberdade de empresa, do serviço público à livre competência. Paulatinamente a educação se privati-za e a cultura vira objeto de trocas do mercado. E ainda que o discurso sobre a internet insista na democratização do conhecimento, o fato concreto é que a rede não proporcionou ainda o acesso a uma ampla gama de serviços e benefícios econômicos, principalmente educativos.

No fundo, enquanto se proclama a grande e total mudança, a novíssima re-volução encabeçada pela ciência eletrô-nica e o átomo, a informatização da vida social e a teledifusão do saber e da cultura planetárias, se esconde o único que não está incluído nesta grande mudança: a propriedade sobre os meios de produção.

Hoje, emitir ondas sonoras através de uma rádio no Brasil pode ser facil-mente um crime. E isto signifi ca que ainda não somos livres. Por outro lado, quando nos sentamos em frente à televi-são e assistimos passivamente um progra-ma durante horas, estamos consumindo sonhos que outros inventaram para nós, formando nosso imaginário sobre narra-tivas muitas vezes fáceis de um mundo simples e digerível. Mas a realidade, ah, a realidade é sempre mais complexa e surpreendente... e basta que queiramos correr o risco para começar a descobrir...

Caravelas recebeu nos meses de no-vembro e dezembro a visita de investi-gadores e professores do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro para participar do I Ci-clo de Comunicação Comunitária de Caravelas. Em uma aposta pela mul-

tiplicação dos meios de comunicação locais e comunitários, promovida pelo Parque Nacional Marinho dos Abro-lhos e apoiada por diversos parceiros locais, foram ministradas ofi cinas de rádio, jornal, publicidade comunitá-ria, leitura crítica da mídia, vídeo e cinema. Idéias para criar rádios, blogs, pequenos jornais e produções audio-visuais diversas se multiplicaram entre os 120 participantes do curso que se formam como comunicadores popu-lares no mês de abril. Propostas mo-destas que não devem ser depreciadas, pois quando uma comunidade assume a função de comunicar para si mesma sua realidade, coloca nas próprias mãos a responsabilidade sobre o seu destino.

Sim, para produzir o próprio olhar sobre a realidade é necessário criar o próprio meio de comunicação. Mas valer-se de um projeto coletivo e comu-nitário para pensar o mundo é a forma mais radical e democrática de intera-gir com a realidade. É neste contexto que O Timoneiro gostaria de convidar todos aqueles que desejam apoiar as mudanças positivas para Caravelas que participem da realização do jornal. As reuniões de pauta para a defi nição do quê será publicado são coletivas, e você pode contribuir buscando informações, escrevendo reportagens, fotografando ou desenhando. Empresários também podem apoiar a publicação através da veiculação de anúncios, benefi ciando-se da publicidade. O jornal é um espaço construído coletivamente ao longo de suas seis edições. Diferencia-se das já banais propostas de meios utilizados para fi ns políticos, econômicos e de di-vulgação institucional, que mobilizam os interesses da maioria das publicações, divorciadas do mundo, dos verdadei-ros problemas sociais, do ser humano e da preocupação pela realidade que afeta a maioria. Contrariando a corren-te do conformismo, da bajulação e da falta de ética, O Timoneiro mantém a sua proposta comunitária. E a melhor notícia que pode oferecer a você é a se-guinte: este jornal é seu. E só depende de que você participe, apóie, envolva-se, conte histórias, faça parte, ou mais simplesmente: que você resolva sonhar.

Reportagem: Lourival Matos, Emília Magalhães Matos, Suzana Athaide, Ingrid Luana, Kaylaine dos Anjos, Irlandês Santos Lopes, Juliana de Souza Jacob, Ana Raquel Bonin, Leidiane Cos-ta, Vanessa Norberto da Silva, Professor Benito, Myrbana Tavares, Maria Milze Batista, Thais dos Santos Maciel, Carlos Henrique Santos, Marving Salamin dos Anjos, Edvaldo Souza, Lygia Penal-va, Jéssica Cordeiro dos Passos, Josane Rocha Conceição, Anerivan Reinalda da Silva, Bárbaro dos Santos Figueiredo, Ramon Pimenta

Apoio Reportagem: Danilo Ferreira

Fotos: Mônica Linhares, Jacó Galdino, Marcello Lourenço, Danielle Marinho, Arquivo IBJ, Arqui-vo Arte Manha

Secretaria de Redação: Anerivan Reinalda

Ilustrações: Almay Souza

Colunas: Marcello Lourenço, Marco Tadeu (Macro)

Motorista Redação: Alesson Sagaz

O jornal comunitário de CaravelasDepartamento Comercial: Marilene Figueredo

Conselho Editorial Edição 6: Dó Galdino, Jaco Galdino, Anerivan Reinalda da Silva, Almay de Souza, Kleber Passos Saúde, Marilene Figueredo, Paulo Roberto Júnior, Joaquim Rocha dos Santos Neto, Marcello Lourenço

Diagramação: Mônica Linhares Samuel Miranda - 9964-9950 Impressão: Gráfica Original 73 3291-8832 [email protected]

Coordenação Geral: (Direção de Reportagens, Reportagem, Redação, Edição e Projeto Gráfico): Mônica Linhares

Page 3: Caravelas abre as portas para a cultura · Lourenço, Danielle Marinho, Arquivo IBJ, Arqui- ... Figueredo Conselho Editorial Edição 6: ... Elias Siquara PERFIL

3NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

não existiam rodovias e também da época que a Rua do Porto era o cen-tro comercial de Caravelas.

“Naquela época recebia-se dia-riamente quatro navios de passa-geiros, Aníbal Benévolo, Alcides e Capela três deles, todos da Lloyd Brasileiro. Saíam da cidade todos os dias 33 mil sacas de café que vinham pela ‘Baiminas’ do norte de Minas e também do sul baia-no. Havia companhias aéreas - a Air France, Cruzeiro do Sul, Le Tequera, Japan Air - alguns aviões amerissavam (pousavam) no rio”, recorda Elias.

O tráfego de pessoas e merca-dorias era intenso. Havia um posto da Alfândega e o Sindicato dos Es-tivadores. “Os estivadores cobra-vam taxa vexame para desembar-car a carga quando eram privadas, pois era motivo de vergonha... E ainda exigiam água gelada numa época em que pouco se via gela-deira”, lembra Elias rindo. E como se esquecer do refrão da Casa 27?

PERFILElias Siquara

“O melhor lugar do mundo. Quando ouço Caravelas... é como conversar com Deus”

Por Lourival Matos

A grande família de Elias Siquara reunida

Elias Siquara, junto à sua esposa

Emília Magalhães Matos

Quando era São João a gente

dizia, papai nós vamos cortar aquela árvore,

e ele respondia: vocês já

plantaram uma?

““Eu sou Elias de Jesus Siquara,

nasci em Caravelas no dia 5 de setembro de 1922, quando o

Brasil nessa semana comemorava o centenário da Independência”, assim se apresenta o nosso homenageado na Coluna Perfi l do Timoneiro. Pes-soa muito estimada e respeitada pela comunidade caravelense e por toda região, portador de grande humor e carisma, membro da tradicional fa-mília Siquara, Elias Siquara se con-sidera nascido dentro de uma família voltada para o trabalho. “Nós não éramos ricos, nascemos do trabalho. Meu pai sempre dizia: meu fi lho ora-ção, religião tudo é bom, mas a me-lhor oração é o trabalho”.

Com disciplina e compromisso, foram criados 11 fi lhos. No turno da manhã iam para a “escola” à tar-de para a “tenda” aprender um ofí-cio de ferreiro, funileiro ou sapateiro. Caravelas ainda não tinha uma escola formal, e os pequenos Siquara foram se instruindo em açougues, garagens, casas velhas, tendo como carteiras latas de querosene da marca Jacaré e escrevendo em pedra-lousa. Rece-beram uma educação rígida, familiar e espiritualizada e porque não dizer, ecológica (a família tem uma pequena reserva). “Quando eu era pequeno a gente não podia cortar uma forqui-lha pra fazer badogue”, lembra Elias. O irmão, Antônio Siquara, comple-menta: “Quando era São João a gen-

te dizia: papai nós vamos cortar aquela árvore, e ele respondia: vocês já plantaram uma árvore?” Elias fi cou feliz com a presença do presidente Lula em Caravelas. “Ele foi o segundo Presidente a passar aqui. O primeiro foi Ge-túlio Vargas em 1944 no período da Segunda Guerra quando Ca-ravelas havia sido dispensada da guerra por ser considerada pon-to estratégico pelos americanos”, lembra. Todo o maquinário e ma-terial para construção da pista do aeroporto passava então pela pe-quena cidade, havia um trem que levava os trabalhadores até lá, os “arigós”, conhecidos despectiva-mente como macacos. “Quando se olhava na direção do aeroporto via-se um clarão, lá havia shows, grandes artistas internacionais passaram pelo aeroporto, tinha cassino, cinema, tinha dois dirigí-veis tipo Zeppelin”, conta.

A luz elétrica chegou a Carave-las a partir de 1932 pela empresa SKF - em postes de cimento e fi os de cobre – e seu Elias ainda tem um rolo de fi o guardado em seu acervo pessoal, constituído por inúmeros objetos que passaram por sua vida. Ele, que diz ter ma-nia por museu, é responsável pela vinda a Caravelas de 30 palmeiras reais trazidas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. “Era estranho uma rua chamada Rua das Pal-meiras sem palmeiras”, pondera. Ainda se lembra da E.F.B.M, que transportava café e cacau quando

“Casa 27 na Rua 7 que pinta o 7 no telefone 127”, recorda. A casa 27 era uma grande casa comercial onde de tudo se vendia: secos, mo-lhados, tecidos, ferragens, materiais de construção - uma referência na época auge dos armazéns de Cara-velas, entre as décadas de 40 a 70.

A partir de Uma família políticaO início da vida política da famí-

lia Siquara deu-se quando um dos fi lhos de Amélio e Amélia Siquara, Moacyr de Jesus Siquara, fundou o PSD (que mudou para MDB e que hoje é PMDB) foi candidato a prefeito e venceu a eleição. Moacyr exerceu o cargo de prefeito de Cara-velas de 1955 a 1958. Ficou conhe-cido pela abertura de rodovias e pela construção de escolas em todos os distritos do município, Barra, Juera-na, Lajedão, Ponta de Areia, junta-mente com o educador caravelense Benedito Pereira Ralile.

“Só tivemos um irmão formado que foi Achiles de Jesus Siquara, o melhor advogado que já teve Cara-velas e o Extremo Sul da Bahia, ho-mem honesto, que morreu pobre, mas teve uma nobre história de vida e grande importância na política de nossa cidade. Foi Ofi cial de Gabi-nete do Dr. Antônio Balbino - ex-governador do Estado - e hoje tem um fi lho que é Procurador Geral do Brasil, Achiles de Jesus Siquara Fi-lho”, orgulha-se Elias. Achiles de Je-sus Siquara também foi prefeito de Caravelas de 1963 a 1966 - época da

Ditadura, e quase chegou a ser preso por divergências políticas. “Quando o presidente ainda era João Goulart ele se reuniu com todos os prefeitos do Extremo Sul para ir pedir para fazer uma iluminação, limpeza de rios, entre outras coisas”.

Elias Siquara foi Vereador na ci-dade de Caravelas por um período de 20 anos: teve dois mandatos de seis anos e dois de quatro anos. “O que tinha de fazer eu fi z, fui pre-sidente da Câmara, este projeto de criar Abrolhos fui eu que dei a indi-cação, lutei pela desapropriação do cinema. Nossa família sempre fez um bom governo, tiveram alguns que perderam tempo, desviaram di-nheiro, mas nossa cartilha foi a de respeitar o honorário público, nun-ca dei um tostão de alimentação a ninguém e nem um litro de gasoli-na, já que não tinha nenhum carro na Câmara”, diz. Politicamente, faz questão de frisar: o que interessa é se o político é honesto e se ele quer fazer um bom trabalho, prin-cipalmente na cultura e educação. “Meu voto vale, meu voto não tem dinheiro que compre”.

Elias considera que sua família teve a felicidade de ter a melhor educação: a doméstica “Também naquele tempo não existia droga, o álcool existia, o cigarro da Souza Cruz também... Mas se eu tivesse força e fosse o presidente da repú-blica eu acabava com a fábrica de cigarro e dizia: vocês agora vão fa-bricar chocolate”.

“Caravelas é comoum grande milagre”

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 20094

SAÚDE PÚBLICA

Nas ruas de Cara-velas, meninas de 15, 16 ou 17 anos com bebês no colo são uma

imagem cotidiana, que revela ape-nas uma das facetas de um grave problema de saúde pública. Fora da vista de todos, os casos de aborto se multiplicam e as doenças sexual-mente transmissíveis se espalham. A Secretaria Municipal de Saúde, informa que de janeiro a outubro de 2009 a zona geral de Caravelas-registrou 120 novas gestantes. Des-tas, 30% eram menores de 20 anos.

Desde o seu posto de clínico geral e médico obstetra no hospi-tal de Caravelas, o Dr. Eliseu Lira Salles assiste diariamente a cenas do que ele considera uma pequena tragédia familiar. “A situação típica é a da mãe que entra no consultório com o bebê da fi lha no colo, e com a adolescente emburrada, porque toda sua vida foi desnorteada. Você difi cilmente vai ver uma menina destas amamentando na praça. Al-gumas sentem nojo de amamentar, e não entendem o que aquele ser-zinho está fazendo na vida delas”, explica o médico. Ele acrescenta que é muito comum que as adoles-centes entreguem a criança à mãe, ou que a própria mãe se aposse do neto, em um processo que incidirá na vida da menina e do seu fi lho por muitos anos. “O pecado come-

ça com isto de tirar da adolescen-te a responsabilidade por aquele bebê. Eu fi co muito preocupado porque o caráter da criança se for-ma até os cinco anos de idade. Para a adolescente a conseqüência ime-diata da gravidez é a de sofrimento. Ela sofre as conseqüências, e tenta se vingar dela mesma, mostrar que ela se sente culpada, que tem uma gravidez de risco. Ela sofre o má-ximo possível. Com o passar dos anos ela deixa a parte de rebeldia e quer reconquistar a criança. Procu-ra a atenção do fi lho e já não con-segue mais, é aquele relacionamen-to frio, de desobediência, e daí vem toda uma desestruturação fami-liar, que repercute na sociedade.”

Corpo e psicologiaÉ verdade que aos oito anos

de idade muitas meninas já podem engravidar. A primeira menstru-ação marca o início do processo da adolescência, que seguirá até os 18, 19 ou 20 anos. Mas o cor-po cresce e amadurece devagar, e ainda que biologicamente uma adolescente possa gerar fi lhos, nem seu físico nem sua psicolo-gia estão preparados para isto. O médico obstetra Eliseu Lira ex-plica: “Um útero juvenil, não está preparado para a implantação do feto, pois a adolescente não tem carga sufi ciente de hormônios.

A adequação hormonal não vai existir até os 16 anos”. Além dis-so, ele afi rma que o corpo todo da adolescente é pequeno para dar espaço ao crescimento do útero. Existe uma desproporção entre a cabeça da criança, que necessita passar pela vagina, e área pélvica da adolescente, o que obriga frequen-temente que o parto seja realizado

por cesariana. “As garotas tem que entender que podem achar que já são mulheres, mas tem o apare-lho reprodutivo de uma criança”.

Em um contexto em que a me-nina – ou a mãe dela – assumem quase todas as responsabilidades pela criança, se deverá perguntar onde anda o pai do bebê. Dr. Eli-seu não hesita em esclarecer qual é o caso mais típico. “O cara tem o objetivo de conquistar, quer tran-sar, faz o possível para transar. Quando transa e fi ca sabendo que ela está grávida, opina por tirar, su-gere que ela aborte. Ela busca al-ternativas, conselhos, e tem medo. Se ela se nega a abortar, ele foge, abandona ela. E ela leva aquela gestação triste, cheia de ansiedade. A mãe também abandona a me-nina no começo da gestação, mas no fi nal volta, deixa de ser car-rasco. A menina se sente perdida e quando o bebê nasce a mãe da adolescente muitas vezes se apos-sa da criança. A menina diz que não quer saber nada do parceiro, daquele miserável. E ele está livre porque a sociedade é machista. Ele não é cobrado”, resume Dr. Eliseu.

Presença Paterna O médico considera que deve-

ria haver uma obrigatoriedade de presença paterna junto à criança. “Acho que só a pensão fi nancei-ra é algo muito mercantilista, eu

A gravidez na adolescência normalmente semeia famílias desestruturadas. Significa para a menina a interrupção dos estudos e a paralisação de seus sonhos por vários anos. Elas têm que arcar ainda com o freqüente abandono do parceiro, pai do bebê, e com o impacto biológico e psicológico do nascimento da criança.

Qual é a realidade que se esconde por detrás destas gestações?

As repórteres Suzana Athayde, Ingrid Luana, Kaylaine dos Anjos e o repórter Marving Salamin foram conversar com várias adolescentes para saber o quê a gravidez significou para a sua vida.

A gravidez na adolescênciaAs repórteres Ingrid Luana, Kaylaine dos Anjos e Suzana Atahayde em foto de campanha para diminuir os casos de gravidez na adolescência em Caravelas. Um grande problema, apontam os médicos e técnicos de saúde, é a vergonha das meninas em andar com o preservativo.

Um útero juvenil, não está preparado para a implantação do feto, pois a adolescente

não tem carga suficiente de hormônios

““

sou muito a favor da família, eu acho que a presença do pai pode-ria fazer pensar, resgatar o elo e a possibilidade de estruturar uma família. A gente tem que admitir que o garoto é mais ativo do que passivo na relação, existe esta idéia imposta para o homem de quanto mais ele transar melhor, é aquela coisa de pegador, e ele vai transar sem camisinha mesmo sabendo dos riscos. A maioria dos homens são sexo maníacos e as meninas tem que ser mais ególatras, mais elas mesmas, não se entregar para qualquer um. Porque uma meni-na que engravida aos 13, 15, 16 anos terá muito mais difi culdade”.

AbortosNo hospital de Caravelas, o

Dr. Eliseu atende em média oito casos de abortos ao mês entre adolescentes, entre espontâneos e provocados. A maior parte são ge-rados pela toma de chás receitados pelas mães, tias ou avós. Ele afi rma ainda que em uma cidade pequena a notícia se espalha logo e sob a

menina que realiza o aborto cai a marca de um tabu, a discriminação das próprias amigas e da socieda-de, que enxerga o ato como um crime.

Para o médico é uma situação preocupante. “Existe o lado trau-mático de todo aborto, psicologi-camente a adolescente pode conti-nuar gerando aquela criança em seu interior. E existe a pressão social. Em uma cidade pequena como Caravelas, essa menina já não vai arrumar um bom casamento. Se coloca uma cruz muito grande so-bre a garota, há uma discriminação muito grande” avalia o médico.

Mas por quê as meninas não fazem o uso da camisinha, se são elas as que sofrem as maio-res conseqüências? A técnica de enfermagem Meire Ignácio, que trabalha há muitos anos no pos-to de saúde da Barra de Caravelas, diz que a maioria das adolescen-tes tem vergonha de andar com o preservativo na bolsa. “Muitas vem ao posto de saúde e não pe-dem a camisinha, mas sim o anti-

Dr. Eliseu Lira Salles: “Os adolescentes não são vitimas, nem culpados, nem fatores de risco, precisam somente de orientação”.

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5NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

sido escolhidos locais abertos, na margem dos rios, para garantir o máximo de presença das comu-nidades ribeirinhas envolvidas, a ação alegou que as reuniões não foram realizadas em locais com nome de logradouro! Uma terceira Consulta Pública foi marcada no Centro de Visitantes do Parque, mas foi também suspensa, com alegações de que não haviam sido disponibilizadas informações pela internet, mesmo tratando-se de populações sem energia elétrica! Enquanto as ações focavam deta-lhes sem importância, os aspectos importantes, como a ampla divul-gação das informações básicas, dos estudos técnicos e da área da Re-sex, foram objeto de um esforço de educomunicação sem precedentes.

Foi preciso realizar outra Con-sulta, também no Centro de Visi-tantes. Fui encarregado pelo recém criado na época ICMBio – Institu-

to Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, de conduzir esta Consulta Pública, que teve público de aproximadamente 450 pessoas. Finalmente em dezem-bro de 2007, a Reserva Extrati-vista do Cassurubá foi anunciada pelo Governo Federal em uma cerimônia de criação de unida-des de conservação no Palácio do Planalto. Porém, ao contrário das demais unidades criadas naquele dia, o decreto de Cassurubá não foi publicado no Diário Ofi cial, o que na prática não a criou de fato.

A Reserva parecia uma causa impossível, mas fi nalmente o mi-nistro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o presidente Luis Inácio Lula da Silva, no dia internacional do Meio Ambiente, em 05 de ju-nho de 2009, estiveram em Abro-lhos e Caravelas, onde assinaram o decreto de criação da Reserva do Cassurubá. Esse acontecimen-to histórico na cidade consagrou

uma luta de anos da comunidade extrativista local pela preserva-ção dos recursos naturais e de seu modo de vida e mostrou que a or-ganização e a articulação dos dife-rentes setores da sociedade podem vencer mesmo os interesses econô-micos e políticos mais poderosos.

Estava afastado o fantasma do maior projeto de carcinicultura do país, que ameaçava o mais importan-te estuário do banco dos Abrolhos, região que compreende um mosai-co de ambientes marinhos e costei-ros como recifes de coral e mangue-zais, margeados por importantes remanescentes de mata atlântica e restingas. O banco dos Abrolhos é o maior banco de corais do Atlânti-co Sul e é a região que tem a maior biodiversidade da costa brasileira.

O Parque assegura a sustentabi-lidade da atividade pesqueira, meio de subsistência para cerca de 20 mil pessoas na região e que movimenta mais de R$ 100 milhões por ano.

O turismo é a outra expressão da importância econômica do Parque, que recebe milhares de visitantes todos os anos no arquipélago e no Centro de Visitantes em Caravelas. O fl uxo turístico gerado pelo Par-que garante centenas de empregos em hotéis, pousadas, restaurantes e demais atividades ligadas ao setor.

Assim, da ameaça do projeto de carcinicultura da COOPEX

DA COOPEX A RESEX...à criação da Reserva Extrativis-ta do Cassurubá, um ciclo se fechou, garantindo a sustenta-bilidade das principais ativida-des econômicas locais, a pesca e o turismo. E embora ainda falte encontrar o caminho jurídico para reinstituir a zona de amor-tecimento do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, fi ca a sensação de dever cumprido.

Quais as mudanças que a gravidez ocasionou na sua vida?

Bom, mudou muita coisa, os estudos, eu trabalhava também e eu tive que parar para fi car mais tem-po com a minha fi lha, então no ano que vem eu vou trabalhar e voltar a estudar, mas mudou muita coisa na minha vida assim também.

Quais os projetos para a sua profi ssão? Por enquanto não te-nho projeto ainda não. O meu so-nho era ir para São Paulo morar com o meu tio que eu ia fazer uma faculdade lá. Só que hoje o meu sonho foi mudado, hoje eu tenho que fazer uma faculdade na Bahia

Por que você decidiu come-çar a atividade sexual? Não que eu decidi, eu tinha 15 anos, então acabei não me prevenindo e acabou acontecendo.

Houve algum tipo de pressão do seu parceiro? Geralmente sem-pre tem. A menina ser mais nova e o menino ser mais velho, ele sempre antecipa. A gente não sabia que ia acontecer naquele dia, naquela hora, e ele não se preveniu. Ele era mais velho e por ser homem, não se pre-veniu, para mim fi cou difícil.

O pai da criança da algum tipo de assistência?

Ele ajuda no que ele puder.O que mais afetou na sua

vida, apos a gravidez? Primeiro os estudos, eu tive que parar, fi cou difícil para mim. Fiquei dois anos sem estudar.

Você se arrepende de não ter usado preservativo? Sim, com certeza, eu me arrependo porque o meu hoje seria totalmente diferen-te. Eu tinha vários objetivos para a minha vida. Geralmente toda a mãe fala, que quando a gente tem um fi lho é um presente que Deus nos

Por que você decidiu come-çar a atividade sexual? Porque o meu namorado me disse que queria transar e ameaçou terminar o namoro se eu não fi zesse sexo com ele. Eu acabei cedendo.

Porque você não fez o uso do preservativo? O meu namo-rado tinha alergia.

Para você, quais as conseqü-ências dessa gravidez inesperada? Quase nada, pois a minha fi lha é cria-da pela minha mãe. Eu faço tudo o que eu fazia antes.

O pai da criança dá algum tipo de assistência? Não dá muito, a úni-ca coisa que ele faz é dar a pensão.

Alguma vez você pensou em abortar? Não, eu tinha medo de acontecer alguma coisa e eu viesse a morrer.

(COMEÇA NA PÁGINA 02)

Primeira entrevistada, fi cou grávida os 15 anos, hoje tem 23

deu. Mas poderia ser diferente, po-dia ter esperado mais.

Alguma vez você tentou ou pelo menos pensou em abortar? Sim, eu me encontrava desesperada, porque foi um susto para mim, pas-sou pela minha cabeça sim tomar chá... mas depois de várias conver-sas com o meu parceiro, chegamos a conclusão de que como eu já estava com três meses, a barriga já estava grande, então que seria melhor que deixasse a criança vir ao mundo. Eu já vi vários casos em que fi cou entre a vida e a morte o bebe e a mãe.

O que você pretende daqui para frente em termos de sua vida profi ssional? O meu desejo é acabar os meus estudos para que eu possa ter uma vida estável.

O que você aconselharia para as garotas sobre a gravi-dez na adolescência? O meu alerta para elas é que tenha mais atenção e cuidado, e eu acho que se o parceiro não carregue o pre-servativo, não tem preconceito em a mulher carregar também.

Quais as mudanças que a gravidez ocasionou na sua vida?

Nos meus planos mudaram muitas coisas. A relação entre os meus pais fi cou mais difícil também, porque você acaba afetando a família toda, mas para mim os meus sonhos continuam, apesar de tudo conti-nuam os mesmos, porque já estou terminando os estudos, então...

Quais os projetos para a sua profi ssão? No momento eu não sei o que eu quero seguir ainda, mas o que eu desejo para mim é que eu possa ter uma vida estável, bem estruturada, para que eu pos-sa viver bem, junto com a minha família e minha fi lha. Quero en-contrar um emprego. Eu sei que acaba sendo difícil, porque depois que você tem um fi lho, as portas

Terceira entrevistada, fi cou grávida aos 14 anos, hoje tem 15

Segunda entrevistada, fi cou grávida aos 17 anos, hoje tem 18

mesmo, fi car por aqui, perto da minha fi lha.

Qual o futuro você pensa para a sua fi lha? Ah eu penso assim.... em trabalhar, o que eu puder fazer pela minha fi lha fazer, sempre estar do lado dela, colocar ela em escolinha quando ela co-meçar a andar, falar, dar o melhor para minha fi lha.

O que sua família achou da gravidez? Me apoiaram sim, no inicio minha mãe fi cou chateada

Você se arrepende de ter que-rido um fi lho cedo? Me arrepen-do, me arrependo e muito. Se eu pudesse voltar atrás acho que hoje eu nem teria fi lha.

O que você aconselharia para as outras garotas sobre a gravidez na adolescência? Que não cometam o mesmo erro que eu, não engravidem e usem pre-servativo.

Quais os sonhos que você ti-nha e quais você tem hoje? Ah, eu sonhava em ser modelo antes de engravidar, mas agora acabou. Eu quero ser enfermeira-chefe.

Você convive com o pai de sua fi lha hoje? Eu não, aquele miserável. Ele só se envolve com quem não presta.

O que a sua família achou dessa gravidez? No começo não aceitou, mas agora é quem cria a minha fi lha é a minha mãe, tanto que ela não aceita que eu pegue a minha fi lha.

concepcional por vergonha. Não é um problema de informação, o assunto está nas escolas, na televi-são, e mesmo assim as adolescen-tes aparecem grávidas. A gravidez só acontece em minha opinião porque as jovens têm falta de cui-dado, falta de comunicação, con-versas entre a família”, ressalta. Segundo ela, é muito importante que as adolescentes andem com o preservativo, não só para se prote-ger de uma gravidez, mas também das doenças sexualmente trans-missíveis e do contágio pelo vírus HIV. Em 2009 o posto de saúde da Barra registrou 15 casos de adolescentes que engravidaram.

O Dr. Eliseu ressalta a neces-sidade de gerar uma verdadeira cultura de saúde pública. “Seria uma revolução se o tema da saúde pública fosse introduzido como matéria curricular a partir da ter-ceira série. Poderíamos explicar o que é uma bactéria, o que é um vírus... Quando as mães vêm com as fi lhas com ameaça de gravidez e se descobre que a menina não está grávida, ambas comemoram e já vão indo embora, mas nunca se perguntam se a menina pode ter desenvolvido alguma doença por estar fazendo sexo sem pre-servativo. Então tenho que as chamar para explicar que se ne-cessitam fazer mais alguns testes”.

Para ele o problema não é a falta de informação, mas o que ele considera um proble-ma estrutural que está direta-mente relacionado à família.

“O problema hoje não é a in-formação, é como você aplica a informação em uma sociedade marginalizada e corrompida. Nós estamos em um momento critico. O problema é que a família não tem um valor importante. Há um vazio necessário, que é o lugar de Deus, do amor, do carinho, e todos vão querer preencher este vazio. É importante que o adolescente quei-ra ser grande queira ter uma meta, essa luz. Mas boa parte dos adoles-centes não sabe o que é ter um alvo a encontrar”, refl exiona Dr. Eliseu.

ao mesmo tempo que estão aber-tas estão fechadas, mas eu sonho em encontrar um caminho em que eu possa crescer fi nanceiramente e viver uma vida estável. Não pensei tão cedo que eu ia me encontrar nesta situação. Então eu pensava em acabar os estudos bem mais cedo e me dedicar ao trabalho, po-deria ir até para outra cidade.

Você convive hoje com seu parceiro? Não.

Qual o futuro você pensa para a sua fi lha? Para minha fi lha o que eu não sonhei para mim eu sonho para ela. Aquilo que eu não alcancei e que eu me precipitei, eu não quero que seja o mesmo des-tino para ela.

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A Reserva de Extrativista do Cassurubá: fi m das ameaças ao mais importante estuário do Banco dos Abrolhos

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 20096

A cultura como desenvolvimentoÉ um fato: o Brasil está finalmente olhando para a Cultura. A nova lei de financiamento (PEC 150) obrigará a União a destinar 2% da arrecadação à cultura, os Estados 1,5% e os municípios 1%. Junto dela vem a criação do sistema de cultura, em nível nacional, estadual e municipal, nos mesmos moldes do sistema de saúde e de educação.Conferências municipais e territoriais para a proposição de políticas estão acontecendo em todo o país. O processo participativo culminará com a realização, em maio de 2010, da Conferência Nacional de Cultura, que juntará as propostas feitas nas instâncias municipais e governamentais de todo o Brasil. Através de uma mobilização ímpar, Caravelas liderou o processo de construção de políticas culturais no extremo sul da Bahia e elegeu a Jaco Galdino como representante na Conferência Nacional.

CULTURA

Caravelas está lide-rando o proces-so de criação de políticas públicas para a área de

cultura no extremo sul. No úl-timo dia 12 de setembro, sob a coordenação do Secretário Mu-nicipal de Cultura, Dó Galdino, o município realizou a sua Con-ferência Municipal de Cultura. Foi um encontro histórico que reuniu representantes dos distri-tos, vereadores, prefeito, várias organizações não governamen-tais, a Fundação Benedito Ralile, Instituto Baleia Jubarte, Patrulha Ecológica, Filarmônicas, Movi-mento Cultural Arte Manha e grupos informais de manifesta-ção popular, como as nagôs, as marujadas, tanto da Barra quan-to de Caravelas, a irmandade São Benedito de Juerana, totalizando 257 pessoas.

“Caravelas foi a primeira ci-dade a realizar a sua conferência municipal e a que teve maior re-presentatividade das conferên-cias no extremo sul da Bahia”, enfatizou o Secretário de Cultura Dó Galdino. Graças ao número expressivo de participantes, o município conseguiu enviar 13 delegados a Conferência Terri-torial. Teve a oportunidade de votar conjuntamente as propos-tas da Conferência estadual e de eleger ao coordenador do Mo-vimento Cultural Arte Manha, Jaco Galdino, como delegado

que irá representar o extremo sul na Conferência Nacional. “A gente está vivendo um momento histórico de construção política para a cultura, a Bahia está na frente deste processo no Brasil, e Caravelas a frente do processo no extremo sul”, assinalou Jaco ao Timoneiro.

O Secretário de Cultura en-fatiza que a mobilização em Caravelas foi construída a par-tir de uma proposta de mudan-ça. “Foram feitos 11 encontros preliminares que chamamos de encontros pré-conferencia nos distritos, com todas as comuni-dades. E Caravelas surpreendeu pela forma de querer mudar a gestão no seu município. As pes-soas se sentiram muito a vonta-de, até porque quem faz de fato a cultura são as bases comunitá-rias, então se eles vieram é por-que eles se sentem donos disto, se apropriam disto, e isto para mim foi um valor tremendo para o município saber que a comuni-dade quer de fato contribuir”.

Dó Galdino oferece uma en-trevista ao Jornal O Timoneiro em que fala da importância das po-líticas discutidas na Conferência Municipal e aprofunda o debate que está sendo feito sob o tema “Cultura, diversidade, cidadania e desenvolvimento”, dividido em cinco eixos principais. O objetivo estratégico: fomentar o desenvolvimento nos territórios a partir das produções culturais.

Quais serão as formas de trans-formar este grande debate em ações práticas e viáveis?Nós temos agora dois passos emer-gentes, aproveitar o momento e a motivação da comunidade e esta-belecer um diálogo por meio de um fórum permanente de cultura e a partir deste fórum encaminhar pela Câmara de Vereadores a ins-tituição do Conselho Municipal de Cultura. E junto a esse encami-nhamento do Conselho a gente já quer deixar na câmara uma minuta da criação do Fundo.

Quer dizer, deve haver um pro-cesso de estruturação da máqui-na do município para poder dar encaminhamento a estas pro-postas?É preciso criar instrumentos legais de busca de direitos. Estas propos-tas que foram elencadas a gente vai transformar num plano municipal de cultura. São várias instâncias que vão estar reunidas para discutir, a sociedade, empresariado, legislativo e gestores municipais para criar um plano muito bem elaborado. A gen-te quer que até meados de 2010, que no segundo semestre a gente tenha um plano instituído.

Vamos repassar alguns pontos do debate. O quê foi sonhado para produção simbólica e diver-sidade cultural? A produção simbólica e diversidade cultural é justamente a gente pensar com um olhar bem amplo, respei-tando a diversidade que existe no distrito e na sede e construir uma política para todos. Você ter todas as produções que agreguem renda e

O bloco das Nagôs anima a Conferência de Cultura de Caravelas

Acima, os treze delegados que Caravelas enviou à Conferência Territorial realizada em Porto Seguro

Fotos: Jaco Galdino

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7NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

fazer isto gerar o desenvolvimento local. A gente entender a cultura como um todo.

Por exemplo, se propõe aqui a criação da capela da Irmandade de São Benedito...Você ter os cultos e as formas de respeitar a religião, compreender todas as expressões que aconte-cem nas comunidades tradicionais como elementosque são parte do desenvolvimento local. Porque aquilo tem um valor surpreenden-te para a agregação social, para a agregação das famílias e que deixa que a comunidade se perpetue no campo, que a comunidade obede-ça algumas regras naturais do ciclo natural do ambiente em que vive. E quando se perde todo este respeito a sua religião, e aos valores tradicio-nais da cultura, aí desagrega...

A cultura tem tantos elementos, e é muito compreendida só como arte, só como produção elitizada, mas hoje a cultura está sendo discutida de uma maneira muito mais ampla e muito mais profunda do que me-ramente uma produção artística.

Se fala também de resgatar os marcos históricos e culturais, cacimbas, estação ferroviária...São coisas que são pouco compre-endidas. Para quê serve uma ca-cimba? Para quê a gente mantém a cacimba? Vamos entulhar esta ca-cimba. Mas quando você começa a buscar diálogo junto às pessoas que viveram que têm aquilo como um símbolo para as suas vidas, que tem aquilo como um marco na história do povo, percebe que tem outros elementos que estão incutidos, não é só tirar água, ali tem a forma de vida, ali tem a economia local, ali tem mil coisas que a gente desco-nhece e quando não procura com-preender isto simplesmente passa batido.

É quase como uma questão de busca do próprio ser, da própria identidade. De quem somos e através de que símbolos mostra-mos o que somos....A cultura sem essa busca, sem esse trabalho identitário é quase impos-sível, porque você fi ca reinventan-do o tempo inteiro formas, e elas terminam sendo estereotipadas, são reinventadas e vem com elementos muito interessantes como também com elementos muito devastadores, que desagregam, que desmante-lam...O que a gente precisa na cidade pequena é compreender os elemen-tos de interferência que surgem... Como as ferramentas que hoje sur-gem para o jovem... A comunicação audiovisual, a internet, mil formas de comunicar, porque a comuni-cação é o elemento primordial da manutenção dos costumes de uma comunidade... E esses elementos têm que ser muito bem aproveita-dos, têm que ser muito bem analisa-dos e aproveitados da melhor forma possível... Eles vão dar na verdade um passo no sentido de passar mais informações do que nós temos de valores para aqueles que acessam pouco o dia a dia, os festejos, os ritos... É importante que estas fer-ramentas subsidiem o que a gente tanto sonha que é registrar, comu-nicar, mostrar para os demais que estão longe do nosso território, do nosso estado, do nosso país... Aí as pessoas começam a vislumbrar um desenvolvimento não econômico só, mas um desenvolvimento humano, um desenvolvimento comunitário, eu acho que a comunicação é a alma mesmo do fazer, do expressar.

Sobre cultura, cidade e cidada-nia, o que foi discutido de im-portante?A cultura, cidade e cidadania têm como eixo os espaços de produ-ções, a memória. Mas um dos pon-tos que mais incomoda dentro da produção é exatamente os espaços e a acessibilidade a estes direitos. A Política pública vem pouco respei-tando isto. As manifestações popu-lares se expressam o tempo todo na rua não é porque gostam, é porque se adaptaram. Não há arenas... há milênios de anos já havia arenas, já havia estrutura para as comunidades se expressarem, e isto se perdeu. Eu venho discutindo há muito tempo, que principalmente a Bahia deveria

construir arenas para as manifesta-ções populares, deveriam se cons-truir espaços físicos adequados às diversas expressões que existem nos nossos municípios, principalmente na região costeira, que são várias expressões, assim como nas regiões interioranas há expressões popula-res que são grandiosas, religiosas... E às vezes tem que se adaptar à rua, e nem sempre a rua é tão interes-sante, porque você fi ca o tempo inteiro folclorizado no que tange a você não ser valorizado ou reconhe-cido como um produto merecedor de ser vendido, ou de ser trabalhado através da economia solidária.

Existe um rito em uma arena. Quando você entra, este espaço cênico é também mágico...Tem todo um rito, você entra pratica-mente em transe, você fi ca no seu lo-cal, no seu espaço mesmo de apresen-tação. E esses espaços de produções, não só arenas, mas como teatros, as pessoas não valorizam mais estas coisas não é? E você ter uma cidade aonde não tem um espaço aconche-gante, que você pode, tanto a criança como o senhor de 60 anos, 80 anos, o teatro, o cinema, o museu, os centros culturais, onde você pode fazer uma exposição fotográfi ca trabalhando o memorial do município ou do terri-tório, enfi m, essas acessibilidades, es-ses direitos que a gente não tem. O que a gente sonha na cidade peque-na são espaços que o poder público possa manter. Da mesma forma que o sistema de educação cria escolas, só que a gente quer o nosso teatro, um teatrozinho adequado, a gente quer o nosso cinema, a política do sistema de cultura tem que trabalhar isto. E isso é

trabalhar formação. O quê dizer da Cultura como forma de desenvolvimento sus-tentável?Até então a cultura era entendida só como produção artística. A produ-ção gastronômica neste país é tão grande e pouco é aproveitada. A produção do patrimônio imaterial é tão grande e pouco aproveitada. Como potencializar para que se transforme em um elemento impor-tante para a economia local? Você trabalhar o turismo junto ao patri-mônio imaterial é muito fácil, agora tem que solidarizar isto e às vezes as grandes empresas as grandes agen-cias não procuram isto, querem tra-zer o turista e que ele encontre no nordeste as manifestações voluntá-rias de graça, mas e daí, você está pagando por isso?

Será que não é o caso de pensar junto, agendar, formatar, trabalhar e potencializar para que isto exista para o resto da vida? Para você manter o acarajé, a comi-da típica, aí tem lei de isenção. Para você não deixar de ter o acarajé isenta e reconhece a baiana do aca-rajé como um patrimônio. Aí todo mundo quer ser baiana. Isenta o ar-tesanato local de impostos e tribu-

tos locais. Porque os que conhecem este tema sabem que quem vem de um local distante quer chegar e en-contrar as suas peculiaridades, mas os leigos e as agências de forma equivocada acham que não, e termi-na fi cando tudo igual e esse igual, essa falta de diversidade, dá como resultado uma coisa estagnada, e fi ca aquela pergunta, por quê parou, por quê se acabou?

Todo este imaginário, construí-do com idéias e propostas, têm o objetivo de gerar uma realidade. Como você vê Caravelas no fi nal da sua gestão? O que eu vislumbro é que há mui-to tempo a gente vem sonhando e que não foram possíveis em outras gestões. Tipo a desapropriação do espaço e a gente restituir aquele cine teatro, a gente tentar criar um centro cultural no município, ten-tar criar alguns espaços de salas de museu, a gente tentar criar convê-nios com as instituições de cunho cultural que tenham um trabalho expressivo na comunidade, tipo Fi-larmônica, movimento cultural Arte manha e outras fundações, para que a gente faça um diferencial na forma de gerir a cultura em nosso municí-pio. A gente tentar provocar alguns momentos onde se agregue a cul-tura popular, seja na gastronomia, seja nas expressões que tem cunho religioso, ou popular. Para mim a gente pode fazer coisas que sejam simples para algumas pessoas, mas que na minha opinião vão fortalecer e deixar a comunidade mais confor-tável. Não é fazer cultura para a elite e sim para quem de fato está todo o dia vivendo. Caravelas teve os seus momentos de glória, mas era muito elitizada. Hoje se restituir o teatro é para todos, se restituir o cinema é para todos. Então o negócio é esse. Não é resgatar o que tinha, mas res-tabelecer, de uma forma diferente. A gestão é de todos, é essa é para mim a grande mudança.

É um sonho?É mais do que um sonho, se a gen-te conseguir fazer pelo menos um pouco disto está bom demais. Por-que ninguém nunca fez. Já é um passo para que outros entrem e exe-cutem e realizem novos sonhos.

“O que acontece ainda no nosso país é que a gente não valoriza a formação do cidadão, a gente não trabalha a cidadania. No sistema de cultura a gente tem que fazer diferente.”

“Caravelas teve os seus momentos de glória, mas era muito elitizada. Hoje se restituírem o teatro é para todos, se restituírem o cinema é para todos.”

O Secretário de Cultura, Dó Galdino, durante a Conferência Municipal de Cultura de Caravelas

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 20098

O quadro negrCaravelas tem 5.945 estudantes matriculados na rede municipal, a maioria sem perspectivas de entrar em uma universidade por conta do baixo nível de ensino que vem recebendo. Os graves problemas de estrutura - instalações precárias, falta de materiais e de capacitação para os professores, influem diretamente na qualidade do ensino. Somente no ano de 2008, 891 alunos deixaram de freqüentar a escola, informa a Secretaria de Educação. O quadro é conseqüência do abandono da educação formal nas últimas cinco décadas. Sob o influxo dos novos programas federais, Caravelas tem a chance de dar uma guinada na sua história e voltar a ter um ensino de excelência.

Irlandês Santos LopesJuliana de Souza Jacob

Ana Raquel BoninLeidiane Costa

Vanessa Norberto da SilvaProfessor Benito

A estudante Ana Raquel Bo-nin, 17 anos, moradora de Caravelas há cinco anos,

está prestes a realizar o ENEN (que foi cancelado). Os olhos estão afl i-tos de preocupação:

“- Você acha que só com o estu-do que eu tenho aqui no Polivalente eu vou conseguir? Eu me sinto em desvantagem em relação as pessoas que tiveram um ensino mais forte. Uma coisa triste é você chegar em um cursinho e ver que está todo mundo revisando uma matéria e que você está aprendendo, está ven-do pela primeira vez. Podem tirar a tua oportunidade”.

Ela reclama do descomprometi-mento geral no colégio onde estu-da. “São poucos os alunos que tem comprometimento com alguma coi-sa. Mas o problema é que ninguém acredita no ensino daqui. Também não existe o comprometimento dos professores. Eu amo história. Mas aqui eu nunca gostei. A gente desa-nima”, desabafa.

O Colégio Polivalente, com sede em Caravelas, é a instituição que possui o melhor nível de ensino da região segundo o Indice de De-senvolvimento da Educação Básica (IDEB), medido através da Prova Brasil e do censo escolar pelo Mi-nistério da Educação. O Polivalente alcançou o IDEB de 3,7 no ano de 2007, contra a média de 2,3 da rede municipal. Mesmo assim, o diretor Leonardo Ferreira Soares luta com um quadro de falta de perspecti-

vas. Ele conhece e admite as limi-tações do ensino na instituição que comanda. Seus fi lhos estudam no colégio Visão, instituição privada que custa em média R$ 140,00 por mês. “O grande problema nosso é que o histórico não ajudou, a gente fi cou muito tempo prejudicado com políticas erradas. A política atual de educação é muito boa, acho que é um pontapé inicial, só que as pes-soas esperam um resultado para amanhã e em educação não dá para fazer isto, educação é uma questão de geração. A gente tem problemas de professores que sequer seguem o conteúdo previsto para aquele ano naquela disciplina. A defasagem é tão grande que não dá para corrigir de hoje para amanhã”

Os habitantes da Caravelas dos anos 60 difi cilmente acreditariam no desmantelamento que alcançou o Polivalente nas últimas cinco déca-das. “Era um colégio extremamen-te arrojado, com salas equipadas e tinha os melhores professores”, lembra Marcos Tadeu, o Macro, que

viveu o auge da instituição. Na época Caravelas tinha repúblicas repletas de estudantes que vinham de cida-des vizinhas para se formar na escola que era considerada um exemplo em todo o extremo sul da Bahia.

A decadência do colégio foi uma realidade que se estendeu ao ensino em todo o Brasil, com diferentes graus nas diversas regiões. Gradati-vamente as escolas privadas foram tomando a arena: começaram a fazer da educação um negócio que só se tornou possível com a crescente de-cadência do ensino público. Passaram a oferecer uma educação aceitável, enquanto nas públicas instituía-se a premissa muitas vezes politiqueira, de “deixar passar de ano”.

É verdade que o analfabetismo diminui de 20% na década de 90 para 11,8% em 2008. Mas o país ainda possui 14,6 milhões de pessoas anal-fabetas, segundo o IBGE. O anal-fabetismo funcional –pessoas que tem menos de quatro anos de estu-dos completos – é de 26% no país e na região Nordeste atinge 40,8%. A defasagem escolar também é outro problema sério no Brasil. As pessoas de 14 anos deveriam ter em media 08 anos de estudo, ou seja, terem terminado o ensino fundamental, completando a oitava série. Porém, é somente na faixa dos 19 e 24 anos que a média da população alcança 8 anos de estudo.

Para modifi car a situação, o go-verno do atual presidente Lula lan-çou um plano de ação que vem se estendendo por todos os municípios, com impactos importantes também em Caravelas. As ações passam pela valorização dos professores. A lei 11.378 estabeleceu o salário base em todo território nacional para R$ 1.123,00 para professor com 40 horas semanais (resolução 02 de 28 de maio de 2009, conselho nacional de educação CNE) que será válido em todo o país a partir de janeiro de 2010.

“Foram 13 anos de espera, desde 1996, quando se começou a exigir um primeiro plano de carreira para que o FUNDEF da época direcio-nasse o recurso da verba. Foi ha-vendo uma evolução, primeiro com a lei da constituição federal, artigo 202, em que o município tem que aplicar 25% do fundo de participa-ção do município para a educação, depois foram havendo atualizações perante o Fundeb”, destaca o coor-denador da APLB Sindical, o pro-fessor José Mirovel do Nascimento Junior.

O governo federal criou ain-da inúmeros projetos para apoiar a melhoria do ensino, todos vincu-lados ao PAR, também conhecido como: “Todos pela Educação”. O programa tem o fi nanciamento do FNDE – Fundo Nacional do de-senvolvimento Escola. Compreende 53 ações em âmbitos diversos, mas o município deve se cadastrar ao programa para ter direito aos seus benefícios, como a implantação de laboratórios de ciências nas escolas;

a implantação de recursos multifun-cionais, o fornecimento de energia elétrica, entre outras vantagens.

A degradação do ensino Caravelas possui 25 escolas de

ensino fundamental e médio e sete creches, distribuídas nos distritos e povoados de Ponta de Areia, Bar-ra de Caravelas, Juerana, Taquari, Zona Ribeirinha, Rancho Alegre, Barcelona, Nova Tribuna, Ferra-znópolis, Piqui e Sede. As escolas abrigam 5945 alunos e 596 funcio-nários ao todo. Há 303 professores e 19 coordenadores pedagógicos, além dos funcionários que atuam diretamente na área administrativa das escolas e Secretaria municipal. Os problemas que afetam a educa-ção no município são múltiplos e vem se agravando ano a ano. Em 2008, 891 alunos abandonaram a escola, de acordo aos dados reco-lhidos pela Secretaria da Educação.

A reportagem do Timoneiro percorreu os distritos, conversou com professores, alunos e coorde-nadores que contaram as difi cul-dades do dia-a-dia escolar. O pro-blema de instalações já decadentes é premente em praticamente todas as escolas. Às paredes sujas, portas e janelas quebradas, aos espaços fí-sicos pouco ventilados ou ilumina-dos se acrescenta o peso de tudo o que não existe: falta de banheiro para professor, falta de biblioteca - A única que tem biblioteca equi-pada é Rancho Alegre, ainda que não disponha de um bom acervo bibliográfi co - falta de uniformes, falta de pratos e copos para a me-renda, falta de água, inexistência de laboratórios, falta de refeitórios – os alunos merendam no pátio e em pé - falta de água são algumas das reclamações que aparecem em todos os distritos. A merenda ge-ralmente é considerada boa, com a introdução de frutas no cardápio, mas o transporte escolar ainda é in-

Por

O analfabetismo funcional, pessoas

que têm menos e quatro anos de

estudos completos, atinge 40,8% na região Nordeste.

O ranking das escolas de Caravelas

Anos Iniciais Anos Finais Colégio Polivalente 3,7Afrísio Vieira Lima 3,5 2,8Alda Nunes Santos 3,2Castro Alves 3,1Rui Barbosa 2,7Omar Cajá 2,6Agripiniano de Barros 3,1 2,5Professor Júlio Jerônimo 2,9 1,6Princesa Isabel 2,3Francisco H. dos Santos 2,2 2,0Domingos Carlos da Rocha 1,8Claudionora Nobre de Melo 1,7

Ensino Fundamental (Primeiro Grau)

Primeiros anos do Ensino Fundamental Anos Finais Ensino Médio

Pública 4,0 3,5 3,2Privada 6,0 5,8 5,6

IDEB Brasil ano 2007

Pelo Indice de Desenvolvimento da Educação básica – IDEB (Fonte: MEC prova Brasil e censo escolar 2007)

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Á direita, Ana Raquel Bonin estuda para o ENEN: “Me sinto em desvantagem em relação a quem teve um ensino mais forte”.

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9NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

ro da educaçãosufi ciente para a quantidade de alu-nos. (Apesar disto, já foram gastos só transporte escolar até agosto de 2009 cerca de um milhão de reais com uma única empresa de trans-porte, a 3 J Transporte e Colheitas, informa a promotoria pública).

Na zona ribeirinha são três as escolas em funcionamento (uma está desativada) que abrigam ao todo 144 alunos . Todas estão pre-cisando com urgência de reparos. Os banheiros e telhados estão da-nifi cados, precisa-se de uma pintura também. Algumas pontes de acesso às escolas também necessitam de reformas. “Tem escola que o telha-do está quase saindo sobre o aluno. Quando chove não há condições de dar aula na escola.” , diz Benedito Cardoso de Medeiros, conhecido como Cura, coordenador dos distri-tos e da zona ribeirinha.

Outros problemas apontados foram as visitas pouco freqüentes do pessoal da secretaria às escolas, principalmente as mais longínquas; a indicação de gestores escolares sem formação e a ausência freqüente de professores. Em junho de 2009, informa a promotoria pública, dos 22 diretores e vices, somente seis ti-nham nível superior, confi gurando uma situação de ilegalidade, já que a

Arrecadação é sufi ciente para custear a educação

Até o fi nal de outubro de 2009 o Fundeb havia arrecadado para a educação de Caravelas o valor de 6 milhões e 564 mil reais. So-mado aos 244.444 do fundo de participação do Município (FPM) Caravelas alcança a cifra de seis milhões 808 mil reais para o cus-teio da educação, uma média de 680 mil reais mensais. A este valor se devem somar os 25% de arre-cadação municipal que devem por lei ser destinados à educação.

Os Coordenadores do Sindica-to informam que o plano de car-reira para todos os servidores de Caravelas sairia por 580 mil reais mensais e que o Fundeb somado aos 25% da arrecadação tributa-ria do município são mais do que sufi cientes para pagar o quadro de funcionários e os demais custos da educação, como merendas, trans-portes, materiais, etc.

ENQUETE

Marco Antonio, leciona as disci-plinas de matemática e história.

Quais as difi culdades que os professores encontram na educação?

A primeira difi culdade é o alu-no que tem uma estrutura fami-liar decadente, falta de auxílio da família escola e isso agrava muito a formação do nosso alunado, eu acho que a família infl uencia muito negativamente no comportamento dos alunos em sala de aula.

Você acha que atualmente existe uma difi culdade maior em se lecionar do que antigamente?

Muito maior, por que os profes-sores se pegam sozinhos em sala de aula, não tem o apoio da família, fal-ta de estrutura escolar, falta de mais materiais, material humano, material didático e toda aquela politicagem, acho que infelizmente infl uencia negativamente na educação.

Professor Ubirajara Assis, lecio-na a disciplina de matemática.

Quais as difi culdades que os professores encontram na educação?

São várias, inúmeras que eu poderia citar, por exemplo, o re-conhecimento e investimento na capacitação dos professores, a valorização e o estimulo ao pro-fessor não está havendo.

Você acha que atualmente existe uma difi culdade maior em se lecionar do que antiga-mente?

Com certeza. O sistema edu-cacional teve uma mudança muito grande, na questão de valores, an-tigamente os alunos tinham o res-peito pelos professores, hoje isso já não existe mais, alguns profes-sores têm a educação como bico, então acaba não desempenhando seu papel, vai para a sala de aula

lei obriga todos os diretores a terem formação superior. O assistente téc-nico da promotoria, Zarley de Oli-veira afi rmou também que a maioria das escolas Caravelas não cumprira em 2009 os 200 dias letivos exigidos por lei, devendo chegar a uma me-dia de apenas 150 dias letivos

A Secretária de Educação, Lu-ciara Soares Carrilho considera que as faltas freqüentes de alguns professores formaram um círculo vicioso. “Nós estamos encontran-do pessoas dispostas a nos ajudar, a contribuir para o desenvolvimen-to da educação. E por outro lado, encontramos profi ssionais que não tem o compromisso com aquilo que lhe foi designado. O que eu vi nestas vistorias é que falta garra, compromisso, você pode investir o que for que nosso IDEB não vai au-mentar. Nosso grande problema é recorrer com demasiada freqüência a atestados médicos”. A secretária informa que foram gastos no mês de agosto cerca de 29 mil reais com atestados. Foram 510 faltas e 37 profi ssionais envolvidos. ”Sabemos que todo mundo pode fi car doente, mas como é que fi ca o desenvolvi-mento desta criança, será que eles estão tendo compromisso com es-tes alunos que estão sob a responsa-

bilidade deles? Esta criança ao fi nal do ano vai estar apta a passar para outra série? – questiona.

A Secretária de Educação esclarece também que já foi feito o levantamento de todas as unidades escolares que ne-cessitam de reformas. “Estas reformas vão começar em novembro, todo o le-vantamento está feito pela secretaria de obras, vamos fazer um mutirão com os trabalhadores nos fi nais de semana”. Em relação a falta de carteiras, ela re-clama do vandalismo dos alunos. “a cada dia a cada semana estamos indo nas escolas reformar cadeiras”.

A situação do ProfessorA APLB Sindical foi fundada em

09 de fevereiro de 2008 e é constituída atualmente de 369 profi ssionais asso-ciados. É a instituição que leva a frente o conjunto de reivindicações dos pro-fi ssionais da educação. Eles querem que o salário base do professor de Caravelas, de R$ 840,00 seja adequa-do seguindo a lei nacional que corrige o piso para R$1.123,00 em janeiro de 2010. Buscam também a aprovação do plano de carreira, que implicará na cria-ção de novos postos, como os de nutri-cionista, psicólogo escolar, técnico ad-ministrativo escolar, auxiliar de classe, condutor de veículo escolar, interprete de línguas, entre outras. O objetivo é melhorar o quadro dos profi ssionais de educação, que hoje se vê resumido somente em professor, coordenador e a parte administrativa, e em conseqü-ência, a qualidade da educação.

Para os efetivos se busca o qüin-qüênio, a promoção que o profi ssional tem a cada cinco anos, a promoção por titulação (quando o profi ssional entre-ga o seu diploma ele muda de nível, e até agora vinha sendo obrigado a re-alizar um novo concurso), o adicional por tempo de serviço, a gratifi cação por periculosidade e por condições es-peciais de trabalho, para profi ssionais que, por exemplo, fazem a limpeza da escola e lidam diariamente com pro-dutos químicos, insalubridade para a

merendeira, a gratifi cação para o professor da zona rural por desloca-mento, e que tem que sair de casa às 4h30 da manha para chegar na esco-la por volta das sete horas na zona ribeirinha, entre outros direitos.

“Os profi ssionais da educação em Caravelas são compromissados em sua grande maioria, só que ainda falta mais investimento do poder pú-blico. Não adianta aumentar o salário se não se dá condições adequadas de trabalho, com estrutura do ambien-te para facilite a aprendizagem. Até dezembro o município de Caravelas deve ter um plano de carreira atua-lizado, com novas concepções de educação, com novas visões de uma educação inovadora, e sem sombra de duvida de promover uma evolu-ção profi ssional para os seus profi s-sionais”, defende Mirovel.

A falta de acordo em relação ao cumprimento da nova legislação le-vou os professores a realizarem vá-rias manifestações e a paralisar suas atividades. No dia 05 de novembro cerca de 120 profi ssionais de edu-cação foram as ruas da cidade em-punhando faixas e cartazes, exigin-do a aprovação do novo plano de carreira, que é uma antiga aspiração da categoria. No dia 25 de novem-bro os professores chegaram a um

acordo com a Prefeitura Municipal, fi nalizando a paralisação, que durou ao todo 15 dias. Regressaram às aulas no dia 26 com a perspectiva de apro-vação do Plano de Carreira e do Es-tatuto do Magistério, que foram en-caminhados para votação na Câmara de Vereadores.

Agora será que com os seus direi-tos garantidos, os profi ssionais de edu-cação ajudarão a modifi car o quadro decadente do ensino em Caravelas? “A gente sabe que há profi ssionais que cumprem o seu dever – o Estado tem qüinqüênio, tem várias vantagens, tem formação continuada e a gente fi ca pensando, existem profi ssionais e pro-fi ssionais. Tem profi ssionais que tem um salário menor e fazem um trabalho digno de respeito e tem outros profi s-sionais que tem formação continuada, tem o seu qüinqüênio, tem as vanta-gens todas que estão elencadas no seu contracheque e na hora de ministrar aula, realizar um planejamento, de ter realmente um compromisso, as vezes deixa a desejar”, admite Mirovel.

Sem o apoio das famílias, a dedicação dos estudantes e a boa gestão dos recursos pouco será possível. Nesta encruzilhada se debate o destino de uma nova ge-ração inteira e do mundo que ela será capaz de construir.

só por mero salário no fi nal do mês e existe ainda aquela questão de professor brincar de ensinar e aluno brincar de aprender.

Qual a sua opinião sobre a remuneração oferecida aos professores?

Sem comentários. É uma ver-gonha, na verdade se a gente for comparar um médico, um advoga-do e um professor todos investem na sua capacitação e quando se vê a remuneração observa-se clara-mente a diferença, essa diferença

salarial não sabemos por que, se pra você ser um advogado você tem que passar pelos professores, se é médico tem que passar pelos professores, então o professor é a peça primordial para a sociedade.

Qual a maior reclamação dos professores com relação à educação?

Hoje a bola da vez é o plano de cargo de salário, mas como já é lei e que deve estar estipulado até 2010 acreditamos que venha a ser uma realidade que todos esperamos.

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 200910

Os alunos especiais: sem lugar

Foto: Daniele Marinho

Todos os dias Thiago de Souza Moura, de 21 anos, portador da sín-drome de down e mo-

rador da Barra de Caravelas, arru-mam sua mochila e fi ca esperando o ônibus que o levaria a instituição APAE (Associação de Pais e Ami-gos dos Excepcionais), destinada ao cuidado de pessoas defi cientes. Mas o ônibus, não vem desde que a organização fechou suas portas no mês de janeiro devido a ine-xistência de um convênio formal da Associação com a prefeitura de Caravelas. “A APAE não chegou a realizar a prestação de contas”, esclarece o técnico da promoto-ria pública, Zarley de Oliveira.

Thiago é um dos 53 alunos matriculados na APAE. A mãe dele, Amarina Antunes de Souza, que mora há 44 anos na Barra, esclarece que ele não pode ser in-cluído em uma instituição de ensi-no comum. “Ele começou o tra-tamento com 16 anos na APAE. Se tivesse começado pequeno, talvez pudesse acompanhar, mas agora não”, Thiago passou o ano de 2008 participando das ativi-dades e hoje não se acostuma

que a instituição esteja fechada.Outro casa é o de Gessiane

Gomes Falcão, que nasceu apa-rentemente sem problemas, mas não falou nem andou até os três anos de idade. Por esta razão, a mãe desconfi ou que ela pudesse ter alguma defi ciência e a levou ao médico. Com o tempo, a menina passou a ter ataques de epilepsia e hoje toma remédios diariamen-te para evitar as crises. É uma criança afável e brincalhona, que ainda vive no entorno da casa. “Ela ainda não ultrapassou minha autoridade, e anda por aqui, pode fi car o dia inteiro brincando aqui perto. Mas eu queria que houvesse um lugar em que ela pudesse brin-car e se relacionar com um gru-po de pessoas. Ela é uma criança que não fi ca sentada, não existem professores num colégio normal que possam cuidar dela”, expli-ca a mãe, Maria Braz Trindade.

Para a voluntária da APAE,

Marina Portela, o fechamento da instituição tem gerado um sério problema também para as crian-ças com defi ciências que estão freqüentando a escola pública junto às outras. “A vida destas crianças está péssima, porque elas estão enfrentando o pre-conceito.Se uma criança que se diz normal bate em outra crian-ça, é normal, mas se um especial bate ou molha outra criança é um Deus nos acuda, ela é per-cebida como diferente. As mães estão se sentindo com difi culda-des. Há crianças especiais como surdos-mudos que se tornaram rebeldes, estão mais agressivas.”

Consultado sobre o assun-to, o prefeito de Caravelas, Luis Antônio Alvin Delgado disse que se a APAE não puder tomar a frente do cuidado das crian-ças especiais, o município to-mará a frente da situação a par-tir de janeiro do próximo ano.

EDUCAÇÃO A arte de formar: lições de um professor de química

Por Suzana AthaydeIngrid LuanaMyrbana TavaresMaria Milze Batista

Thiago de Souza Moura, 21 anos, com a mãe Amarina Antunes de Souza: todos os dias a espera da APAE ser reaberta

Ele é por unanimidade um dos professores mais ad-mirados pelos alunos do

Colégio Polivalente. O professor Jorge Lima, conhecido pelos seus experimentos no laboratório e sua grande capacidade, deu aula em várias disciplinas antes de ingressar no mundo da química. “Desde pequeno eu tinha voca-ção para professor, eu comecei a dar aula aqui no colégio de Histó-ria, de Cultura, Educação Moral e Cívica, OSPB, Geografi a, depois eu peguei as matérias de Quími-ca, Física e Biologia”. Quando jovem, Jorge Lima pensou ser advogado e chegou até passar no vestibular para estudar direito, mas por questões econômicas na época não pode fazer a faculdade. “Depois cheguei à condição de professor e graças a Deus me dei bem e não tenho nada que dizer. Serei sempre um professor”.

O que mudou na sua vida quando começou a atuar como professor?

Mudou a minha vida em tudo quanto é sentido, melhorou o meu social, melhorou a minha parte de conhecimentos, quanto mais a gente estuda para ensinar, mais a gente aprende, e sendo professor, nós somos eternos aprendizes, isto que me incentiva e me dá or-gulho de ser professor.

Em algum momento da sua carreira você pensou em desistir?

Não, pelo contrário, eu procu-rei sempre me aperfeiçoar, fazen-do graduação, pós-graduação, para dar o melhor de mim, sempre pes-quisando o que estão utilizando no nosso dia a dia para dar um apren-dizado melhor para o aluno.

Você teve alguma difi culda-de para seguir a sua carreira?

Não me lembro de ter passa-

do nenhuma difi culdade, eu acho que eu sempre tive todo o material didático para trabalhar, mesmo sendo precário. E hoje, eu digo que a gente não tem difi culdade nenhuma para trabalhar com quí-mica porque temos um laborató-rio com mais de 40% do material necessário para o trabalho.

Como você se sente na sua profi ssão?

Eu tenho bastante orgulho quando vejo que um aluno apren-deu o que eu ensinei, e às vezes sinto tristeza quando eu vejo que existem ainda alunos que vem para o colégio e não querem aprender. Então a gente pode ter sentimen-to de alegria, e de tristeza, não por mim, mas pelos alunos, que às ve-zes por motivo de não ter uma base ou de não ter uma cobrança no seu lar não chegam a adquirir o conhe-cimento necessário para a série que estão cursando, mas fi co bastante feliz quando vejo que existem alu-nos que estão coerentes e bastante aptos para aprender o que eu estou ensinando e muito mais ainda.

O senhor tem alguma men-sagem para deixar para os seus alunos e para o Jornal Timo-neiro?

Para os meus alunos é que eles procurem cada vez mais aprender sobre todas as disciplinas, portu-guês, matemática, geografi a, quí-mica, física, biologia, que tudo é uma interação, faz um todo e dá um aprendizado que vai fazer dele um cidadão bastante conceituado em nossa sociedade e que vocês no jornal sempre dêem um incentivo para que os alunos tenham aquela motivação para estudar, para os pais cobrarem dos alunos aquele apren-dizado e um incentivo para que o governo olhe mais para o salário ir-risório que pagam aos professores, que mereciam muito mais.

Maria Braz Trindade Falcão Neto, mora-dora da Barra há 22 anos, com a fi lha Ges-siane Gomes Falcão, de 15 anos, que tem o comportamento de uma menina de seis.

Por Ramon Pimenta

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11NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

difi culdades que viveu, do exemplo que recebeu dos pais, da importân-cia da honestidade e da educação.

Por quê a escolha da ad-vocacia?

Porque sempre foi um sonho para mim, trabalhar em prol dos me-nos favorecidos e aumentar a renda familiar.

Foi difícil conciliar os seus empregos com a faculdade?

Bastante, eu tive que abdicar de ferias e folgas para conseguir continuar meus cursos. Eu já não estava tendo um relacionamento familiar por falta de tempo. Estu-dava dentro do transporte.

Qual é a área que o senhor pretende atuar?

R: Na área trabalhista, devido aos empregadores que na maioria das vezes sempre dão um jeito de lesar a quem ele emprega. Mas também pretendo atuar no direito penal.

O Brasil é um país justo?Muitas vezes a pessoa im-

petra uma demanda na justiça e muitas vezes o autor da ação chega a morrer sem que a de-manda tenha sido julgada. Hoje nos vemos muito a classe dos três ps, as pessoas mais dis-criminadas, o preto, o pobre e a prostituta, as três classes de pessoas que quase sempre es-tão nas prisões, isto é estatisti-camente comprovado, os que vão presos são só essa classe de pessoas. E as pessoas do cola-rinho branco, que cometem os maiores crimes, fi cam isentos, fi cam se escondendo atrás de imunidades, atrás dos favores e acabam fi cando impune de mui-tos de seus crimes.

Como advogado, como o senhor vê a comunidade de Caravelas?

Caravelas é carente nesta questão de justiça, precisa-mos de mais advogados para estar dando suporte e estar atendendo verdadeiramente as demandas. Muitas pessoas que não buscam o seu direito porque não conhecem, e estes profi ssionais são necessários para serem mediadores entre estas pessoas e a justiça. Os

CIDADÃO TIMONEIRO

Um diretor polivalentePor Juliana de Souza Jacob, Irlandes Santos Lopes, Carlos Henrique SantosThais dos Santos MacielKaylaine dos AnjosAna Raquel Bonin Souza

Leonardo Ferreira Soares, atual diretor do Colégio Polivalente, é uma da-quelas pessoas que estão

sempre inventando coisas novas. Com o seu modo efi caz de coor-denar, ele vem tentando romper o marasmo que tomou conta da educação em Caravelas. Baixo sua batuta, o Polivalente abriu as por-tas para a comunidade e começou a promover ações culturais e educati-vas diversas, como o Curso Técnico para Turismo, a Semana de Cultura, o Festival da Canção Estudantil, o convênio com o projeto Abra os Olhos para a Ciência, as ações de cinema e televisão do Cine Clube Caravelas e Projeto Pererê, com o objetivo de contribuir para o de-senvolvimento social e cultural da cidade.

Preparado em uma das melhores escolas de Itabuna, Leonardo cole-cionou no início de sua carreira algu-

mas posições em concursos públicos importantes. Passou em décimo pri-meiro para o concurso da Infraero e em primeiro lugar para o concurso do Banco Econômico.

Já trabalhava na prefeitura quan-do foi ocupar o posto no Banco Econômico, em Teixeira de Freitas, que sofreria intervenção do gover-no federal por desvio de verbas da diretoria, poucos anos depois. Ante a possibilidade de fi car sem emprego, Leonardo resolveu voltar para os bancos da escola. Prestou vestibular para Educação Física, na cidade de Itabuna e passou em ter-ceiro lugar. “Eu sempre fui atleta. Mesmo trabalhando, chegando tar-de, sempre participei dumas equi-pes daqui, e em Itabuna participava de uma equipe também. Além dis-so, meu pai também é professor de educação física”, lembra.

Foi assim que já formado, Le-onardo retornou a Caravelas, desta vez para incentivar o esporte na ci-dade. Foi diretor da área de espor-tes da prefeitura, deu aula de educa-ção física no Colégio Agripiniano, foi professor de natação e treinou várias equipes de vôlei e de futsal, a última chegou até a participar do campeonato baiano. Mas todas estas atividades tiveram que ser in-terrompidas quando ele assumiu a direção do colégio Polivalente.

Com um dia-a-dia extremamen-te agitado, Leonardo lamenta ainda não ter conseguido dar o rumo que gostaria à educação do Colégio. Acredita que a escola deveria dar

um retorno a comunidade e formar os alunos para o mercado de tra-balho. Ele fala aos repórteres, que também são alunos do Polivalente:

- Quando vocês saíssem daqui tinham que poder ocupar um car-go na contabilidade, para isso vocês têm que adquirir competências que a gente não esta trabalhando, por exemplo, organizar um fi chário, di-gitar um ofício, digitar uma procu-ração, são coisas que um aluno de segundo grau deveria saber. Outro exemplo, nossos alunos saem de uma escola de segundo grau e não sabem identifi car os peixes, se sa-bem algo é porque aprendem na rua. Mas não sabem como o peixe come, porque cresce, porque não cresce, como tratar...

É outra competência que po-dia estar sendo ensinada na esco-la... Vamos mais adiante, há várias ONGs em Caravelas, veja a quanti-dade de gente de fora que trabalha nas ONGs e a quantidade de gente de Caravelas... E aquilo ali tem di-nheiro, rola dinheiro, é mercado de trabalho... Não é porque o pessoal não quer as pessoas daqui, é porque

as pessoas daqui não estão prepara-das para trabalhar...

- Nós abrimos um curso técnico na área de turismo porque é o que oferece maior campo de trabalho. A gente tem uma cidade com acervo histórico de prédios, com um man-gue deste que quase nenhuma cida-de tem, com Abrolhos, com praia, e a gente não tem o turista. Agora não tem um centro turístico nesta cida-de, para ver um folder, para o turista saber em que pousada ele pode fi car, as agências de viagem que ele pode procurar...Não tem... O turista chega e cai direto numa empresa que faz viagem para Abrolhos. Então veja a quantidade de gente que pode-mos formar: atendente para hotel, garçom e atendente para restauran-te, guia turístico, recepcionista para agencia de turismo, o campo de ação é maior. É do contexto da nossa ci-dade o turismo, mas infelizmente as pessoas aqui na nossa cidade não conseguem ver o turismo como um campo econômico ativo.

Para fi nalizar a entrevista, os repórteres perguntam: como você está se sentindo sendo escolhido Cidadão Timoneiro?

- Ah, eu fi co lisonjeado porque é uma das iniciativas melhores que eu já vi em Caravelas, não só pela questão de divulgação, de ser um importante órgão de multiplicação das informações e principalmente de resgate da cultura nossa, mas pela oportunidade que dá para vo-cês. Vocês de alguma forma, além de se estarem envolvendo com as questões socioeconômicas e políti-cas de nossa cidade, através do Ti-moneiro, estão também adquirindo competências que depois podem abrir mercado de trabalho para vo-cês. E quem sabe daqui a uns anos eu vou ouvir uma rádio ou um jor-nal elaborado por vocês mesmos, porque a idéia é sempre pensar na frente, sempre pensar em você ser dono do seu próprio negócio e pen-sar, nossa, deu certo, fui eu que fi z.

Esperança, perspectiva e per-severança. Com estas diretrizes básicas, José Cruz dos Anjos, cara-velense de nascença, venceu uma difi culdade atrás da outra e alcan-çou um posto difi cilmente alme-jado pelos seus contemporâneos: o de advogado da OAB. De sua turma de 35 pessoas da univer-sidade, apenas sete conseguiram passar nas três provas, realizadas em outubro de 2008, fevereiro e junho de 2009.

Quando era criança José aju-dou a família encerando casas, vendendo refrescos, indo pescar. “Não tive uma infância comum, minha família era humilde e passa-mos por muitas difi culdades. Mas tenho uma mãe que sempre lutou honestamente para ajudar a nossa família de 13 pessoas, juntamente com meu pai que me ensinou os princípios de caráter e de honesti-dade. Sempre digo que Deus aju-da a quem quer trabalhar hones-tamente. Mas hoje o mundo esta carente de boas pessoas, parece que estão se invertendo os valo-res”, refl ete o advogado.

Nesta entrevista, José fala das

profi ssionais que temos aqui são vinculados a prefeitura e já não podem pegar questões contra a prefeitura, e aqui há muitas de-mandas contra o município e aí as pessoas fi cam desassistidas, se querem a ajuda de advogados tem que recorrer a outras cida-des.

Sabemos que o senhor veio de uma família carente. Como os seus pais ajudaram o senhor a ser o que é hoje?

Meus pais me deram sustenta-ção no que tange a conduta, dos comportamentos, os princípios morais, para que a gente pudesse sempre estar guardando respeito

ao próximo, nunca tentar crescer na vida passando por cima de ou-tras pessoas, agindo de todos os meios para crescer. Me mostra-ram que deveríamos crescer com honestidade e integridade, sempre tendo o princípio de boas virtudes e de caráter, então essa foi a maior herança que eles me deixaram. E também o exemplo de luta, de trabalho, porque eles sempre tra-balharam, trabalho honesto, então isso para mim foi uma grande lição de vida. Eu sabia que eram pesso-as que na medida do possível fa-riam tudo que eles puderam fazer por mim, eles fi zeram para que eu pudesse ser alguém na vida.

A força da honestidadePor Thais dos Santos MacielKaylaine dos AnjosMarving Salamin dos Anjos

A escola deve dar retorno à comunidade e

formar os alunos para o mercado

de trabalho

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“As pessoas mais discriminadas são o preto, o pobre

e a prostituta,são as que

sempre estão nas prisões”

“ “

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 200912

São Cosme e Damião:

A festa dos pequenos Orixás

Há mais de 20 anos é realizado nos dias 26 e 27 de setembro no centro São Benedito na Barra de Caravelas a festa de São Cosme e São Damião, organizada por Valdecy Dantas, familiares e amigos. Na Tapera, Genilson da Conceição Batista segue os passos da mãe que começou a organizar a festa nos anos 70. São celebrações atualizam a força de esquecidos cultos ancestrais. Nas pinturas, danças e vestimentas se revela o orgulho da africanidade baiana. O requinte das composições e dos versos se mescla ao vigor dos atabaques, e o povo deixa brotar nos poros a essência de sua cultura, dando cara, corpo e cor à arte.

Na Bahia muitos são os terreiros de umbanda. Durante o mês de se-

tembro a maioria entra em festa, quando centenas de seguidores apresentam aos orixás suas oferen-das em forma de agradecimento. No dia 27 de setembro estas co-memorações ganham mais intensi-dade, uma vez que se festeja o dia de São Cosme e Damião. Esta é a data de comemoração dos cultos

“A importância de Cosme e Damião para mim é a minha fé. E a fé da gente não tem

limite. Eu fi co muito feliz quando chegam esses dois dias. O pessoal pergunta: é você que faz as musi-cas? É Deus que me dá, porque sozinha eu não posso fazer. Nin-guém consegue organizar uma

afro-brasileiros a falange de Ibejí, também chamados crianças, com-posto de meninos e meninas de todas as raças e idades.

São Cosme e Damião são os padroeiros das crianças, dos médi-cos e dos farmacêuticos. Segundo a lenda africana, os orixás-crianças são fi lhos de Iemanjá, a rainha das águas e de Oxalá, o pai de toda a criação. Outras tradições atribuem à paternidade dos gêmeos Xan-

O teatro mágico de Valdecy Dantas

Por Edvaldo Souza

gô, pelo fato da comida servida às crianças (Erês) ser a mesma oferecida a Xangô. Junto de São Cosme e São Damião aparece uma criancinha vestida igual a eles. Essa criança é chamada de Doum ou (Idowu), que personifi ca as crian-ças com idade de até sete anos, sendo delas seu protetor.

No terreiro de Valdecy Dantas se realiza um teatro que se poderia qualifi car de mágico. As pessoas se vestem de orixás, dançam e can-tam numa grande e maravilhosa coreografi a. O quadro cênico é composto por vários artistas que representam os marujos. Marujos de frente (ogum Marinho), Ma-rujo de Fila (Gajeiro, que leva a imagem) e os caboclos marujos que tocam os apitos mantendo a ordem e o sincronismo da dança, dando início aos cânticos, através dos ogans que batem os tambores,

festa deste tamanho sozinho. A festa de São Cosme e Da-

mião é realizada na minha família há mais de 70 anos. Já foi iniciada da minha tia Amélia Luzia, através de uma necessidade que ela teve, ela prometeu a Cosme e Damião que se ela recebesse uma casa, mesmo que fosse de palha, então ela daria o doce enquanto pra ele tivesse vida, ela faria a festa, e foi o que aconteceu. Depois que ela morreu fi cou um ano sem fes-ta porque ninguém quis tomar a responsabilidade. Foi quando comecei a ter sonhos estranhos. Eu comecei a ter um sofrimen-to muito grande, porque ela

não deu muito tempo para mim. Através de sonhos ela foi comuni-cando comigo até que eu percebi com a ajuda da preta velha Maria Joaquina que era dona desse san-tuário, do pai São Benedito onde a gente está agora, através desta es-crava, a dona da cabeça da minha mãe, consegui desvendar os meus sonhos. Ela disse para mim que minha tia queria que eu passasse a me responsabilizar por uma obri-gação que ela não terminou. “E mesmo sem saber, eu juntei com a minha família e começamos, a dar o doce e organizar a marujada.

Quando chega o mês de julho eu já estou procurando organizar

os enredos, cantos dos orixás e depois a gente faz a resposta para eles brincar, se apresentar como estão fazendo agora. Aí eu vou passando para cada criança que quer, peço pai, peço mãe para me dar as crianças, e vem também mãe de família, pai de família que gosta que quer participar, e eles cuidam das despesas. O pai e a mãe é que arrumam os fi lhos, eu não pos-so ajudar a vestir, é uma grande participação deste povo, porque eles trabalham e eles se arrumam, eles fazem despesa, eles compram roupa e fi cam um mês de treino pegadinho aí comigo até chegar o dia da apresentação. Aí tem costu-reira que faz a roupa de graça, tem Maria da Conceição que ela traba-lha para mim a custo de nada, ela costura, faz tudo o que ela pode, e esse ano eu ganhei mais uma amiga, a Maria Greti, que ela quis me ajudar ensinando os orixás que estão participando de candomblé. Ela ensinou os orixás a dançar, costurou a roupa deles, a gente se juntou e realizou isto aí.

invocando os orixás. Os enredos são entoados por todos os artistas e seus respectivos personagens.

“Não tem incorporação em ne-nhum deles, eles estão cada um em seu ser normal se apresentando, é como uma peça de teatro: A estre-la do oriente, uma moça vestida de índio, A estrela Dalva, Iansã e Xangô, Oxum e Ogum, Iemanjá, Oxumarê, o pai Oxalá, a sereia, Oxosse. Eles dizem para mim

que festa de São Cosme e Damião é macumba... não é. Eu digo pro povo gente, a festa de Cosme e Da-mião não é macumba, é uma festa de aniversario das crianças. Estes orixás que estão aí representando eles estão homenageando Cosme e Damião, esses orixás vem presti-giar, é essa é a coisa que faz a gente contente”, explica Valdecy Dan-tas. Ela conta ao Timoneiro como tudo começou.

Hoje em dia eu não vivo mais sem a festa de São Cosme e Da-mião, ela se transformou para mim numa parte de alegria, eu me acostumei e não posso mais dei-xar, agora eu tenho que continuar com fé em Deus, e cada ano fa-zer coisa nova, então a gente cria, todo ano a gente faz um quadro diferente”.

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13NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

Ferraznópolis: a história de um povoado dividido

Ferraznópolis começa em 1952 com a vinda de desbravadores liderados por Domingos Car-

los Rocha. Lugar rico em madeira e terreno propício à agricultura foi comprado por José Osório e Laude-lino Ferraz por um valor simbólico. Eles deram início a uma pequena vila, localizada na que é hoje a avenida principal e marco da divisão entre os municípios de Caravelas e Medeiros Neto. Uma grande extensão de fl o-resta foi desmatada para se preparar o solo para a agropecuária. Por volta de 1963 os caminhos recentemen-te abertos e a economia ascendente atraíram trabalhadores rurais vindos dos estados de Alagoas e de Minas Gerais em busca de trabalho e teto para suas famílias.

Temerosos com a invasão e pela subtração de suas terras, José Osó-rio e Laudelino Ferraz resolveram dividir e ceder parte de suas terras para evitar confl itos. A adminis-tração do município de Medeiros Neto intercedeu na negociação. O lado norte do povoado fi cou per-tencendo ao município de Carave-las, batizado de Ferraznópolis em

homenagem a Laudelino Ferraz, e as terras do lado leste fi caram pertencendo ao município de Medeiros Neto, compondo o po-voado de Juracitaba, nome que é também o de uma arvore muito comum na região.

Ainda hoje este pequeno luga-rejo sofre com estas demarcações. As comparações nos serviços mu-nicipais oferecidos são inevitáveis. Crianças nascidas em Medeiros Neto que moram em Caravelas não podem ser atendidas no Pos-to de Saúde de Medeiros Neto. As escolas disputam para atrair os alu-nos de um lado e outro da linha.

Os atuais moradores têm mui-tas queixas quanto à administração do distrito: a falta de médicos no

posto de saúde, a falta de um sis-tema de esgoto que faz a água de uso doméstico escorrer pelas ruas sem pavimento do lugar. “Quando chove, as ruas viram um lamaceiro só”, diz Winiton, um jovem de 13 anos, estudante da sétima série e morador de Ferraznópolis há seis anos. “Ferraznópolis é muito para-do, aqui não tem muito a se fazer, só o campo de futebol, é a única diversão daqui.”.

SegurançaSeu Itamar considera que a fal-

ta de segurança tem sido um dos maiores problemas do povoado. Ele foi assaltado duas vezes. “Fer-raznópolis está um pouco violen-ta, tenho esse barzinho aqui que já está visado de roubo”. Seu Itamar

DISTRITO

nasceu em Teófi lo Otoni (Minas Gerais), mas é morador de Fer-raznópolis há 45 anos. Quando chegou ao povoado, para trabalhar na extração de madeira, ainda não havia água, energia elétrica nem te-lefone. “Vi Ferraznópolis crescer, construí família e eduquei meus cinco fi lhos aqui mesmo, e mesmo com as difi culdades de estudo e de recursos meus fi lhos saíram todos formados, graças a Deus.”

O morador José Miranda fala sobre a multiplicação de usuários de drogas e no aumento signifi ca-tivo dos roubos que acontecem no povoado. Falou também da difi cul-dade que traz a precária iluminação pública e os serviços defi cientes de esgoto, água, educação e saúde.

Outro morador, seu Nelsinho, con-fi rma este triste panorama. Pergun-tado por que não vende sua acon-chegante chácara e se muda de lá ele responde: “O que me faz fi car aqui? A maravilha onde eu moro, todo mundo de fora fi ca doido quando vê isso aqui. Todo mundo fala que é uma maravilha”. O orgulho pelo sítio, a amizade entre os moradores mais antigos, o respeito pelos mais velhos e o cuidado com as crianças faz com que se entenda os morado-res deste lugar.

Para a moradora Juracy, conhe-cida como mãe Jura, Ferraznópo-lis é o lugar onde pretende passar o resto dos seus dias. Benzedei-ra, curandeira e parteira ajudou a maioria da população do distrito a nascer. Conta que chegou a realizar quatro partos por dia. Só ela teve oito fi lhos, mas criou 21. “Tive que trabalhar muito”, diz. Juracy recebe o carinho e a admiração de todos que a chama de “mãe”, lidera um “centro espírita”, mas se diz “cató-lica espírita”, devido à grande de-voção a Jesus Cristo. Sofreu algum preconceito pelos evangélicos do lugar, mas teve o seu nome defendi-do pelo pastor da igreja. Herdou o centro, antes liderado por pai Raul e hoje prega o bem e a caridade entre os que o freqüentam em busca de um passe ou bom conselho.

A festa de São Cosme e Da-mião da Tapera nasceu dentro da grande família

de Alicia Aledina e Manoel do Adeus, que se instalaram na co-munidade da Miringaba e tiveram 21 fi lhos. Foi fruto de uma pro-messa feita em 1974, no desespero de dona Aledina pela saúde de um de seus fi lhos, que nasceu prema-turo de sete meses. Ela acendeu uma vela e prometeu: se o fi lhinho sobrevivesse, ela faria sete anos de festa em homenagem aos peque-nos orixás. Cosme e Damião inter-cederam, o menino ganhou saúde e foi assim que os tambozeiros co-meçaram a ecoar na Tapera:

Cosme e DamiãoCadê Doum?

Cosme e DamiãoCadê seus Orixás?Cosme e Damião

Tão na praia passeandoCosme e Damião

Vendo a sereia cantarFoi por força da promessa da

mãe que Genilson da Conceição

A tradição da TaperaBatista, hoje com 49 anos, mora-dor de Caravelas, começou a brin-car o São Cosme e Damião ainda adolescente e viu viver os sete anos das melhores festas que já aconteceram na região em home-nagem aos meninos orixás. Ge-nilson vivia numa região cheia de ostras, sururu e ameixas. Na fase de preparativos para a festança, a mãe fazia umas cestinhas de sam-burá e mandava os fi lhos ir catar caranguejo para vender no porto de Caravelas.

“Naquele tempo não tinha aju-da de ninguém, só de deus mesmo. Mas a gente vendia muito, porque o mangue era muito rico. Nós trazíamos os balaiozinhos e ven-díamos 100 dúzias neste porto. E aí dava para começar os ensaios, a gente decidia os caboclos que iam cantar no enredo, Janaína, Sereia, Mãe D’água, Martin, Santa Bár-bara, e cada um vinha pra cidade comprar um pano de cor diferen-te. Se Comprava seis sete metros

de pano e isso era sufi ciente. Eram três dias diretos de festa, Havia muita comida, muito caranguejo, muito sururu..”, lembra Genilson. Quando a mãe pagou a promessa Genilson já tinha tomado o gosto e passou a organizar a celebração. Vinha gente de barcos de Nova Vi-çosa, serviam sururu, galinha, car-ne de porco, mais de 15 arrobas de carne. Com a morte do pai, anos depois, ele deixou de fazer a festa por um tempo, foi para Teixeira de Freitas e a coisa fi cou esquecida.

MarujadaA festa de São Cosme e Damião

começa com o almoço às 10 horas, ao meio dia é hora de tomar o banho e botar a mesa com sete crianças pra comer o caruru. Depois se brinca toda a tarde e pela noite se serve o bolo, primeiro só para as crianças. A brincadeira segue a noite toda, fei-ta para os santos d’água. O terreiro recebe a visita de Iemanjá, Sereia, Cosminho, Janaína, Santa Bárbara,

velho Martin, Ogun, Xangô, Ian-sã... “Você conhece as pessoas em que pode descer um guia de ca-beça. Mas tem vezes que você vai num terreiro, vê uns 15 caboclos e é tudo cachaça”, brinca Genilson.

De onde vem a idéia da maru-jada? “Quando eu me entendia já era assim... Os antigos que inven-taram esta história”, diz Genil-son. As musicas que se cantam os pontos de são Cosme e Damião, têm uma larga tradição oral, vem e vão de pai e mãe para fi lho e fi lha através dos séculos. Há tan-tas musicas como para cantar sem parar por mais de uma semana.

Neste ano Genilson não agüentou fi car sem Cosme e Da-mião e voltou a organizar a fes-ta, junto com sua mulher Maria Jane Carneiro. Foi todo mundo de barco para a Tapera. “A festa aconteceu porque teve a ajuda do pessoal de Caravelas, de Dó, que ajudou com a roupa, mas eu tive

muito trabalho também”. Para ele, organizar a festa hoje é mais difícil que no passado. “O caranguejo aju-dava a gente, com o dinheiro desta venda que a gente fazia a festa. Mas hoje eu vou ao mangue e não tiro quatro dúzias, e antes era 20, 30 dú-zias. Assim, a gente não tem mais a mesma condição”.

Para ele a continuidade da cele-bração é algo preocupante. “Esta é uma tradição que não deveria aca-bar nunca, mas hoje essa meninada já não tem tanta animação”, diz. “A maioria dos jovens tem vergonha e não quer mais fazer a festa. E o pessoal da zona ribeirinha já é todo crente. Até o samba de são Benedi-to que tinha foi parar na igreja.” Para terminar a reportagem Genil-son deixa um ponto de Cosme e Damião para Xangô:

“Meu pai João Batista é XangôEle é do meu destino até o fi m

Mas quando me faltar a fé, oh meu senhor, Derrube esta pedreira sobre mim”

Lígia Penalva Jéssica Cardeiro dos PassosIrlandes Santos LopesJosiane Rocha Conceição

Por

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 200914

MEIO AMBIENTE Extrativistas do Cassurubá participam do 2º Encontro de Resex da Bahia

A conteceu nos dias 9,10 e 11 de outubro, na Bahia do Iguape, o segundo encontro das Reservas

Extrativistas da Bahia, que contou com a presença de aproximadamen-te 200 representantes provenientes das cinco Reservas extrativistas do estado: Resex do Cassurubá, Resex do Corumbau, Resex de Canaviei-ras, Resex do Iguape e a futura Re-serva Extrativista do Subaé, comu-nidade quilombola localizada nas proximidades de Salvador.

Pedro da Conceição Batista, mo-rador da Tapera, representou a Re-sex do Cassurubá na mesa redonda “Partilha das Riquezas das RESEX da Bahia”, enfatizando as riquezas da região de Caravelas, de seus rios e manguezais, da importância de mantê-los preservados.

Outra importante representa-ção no encontro foi a de Uilson Alexandre Jesus Farias, conhecido como Lixinha, que participou da mesa redonda com o tema “Ame-aça ao território das comunidades tradicionais”. Emocionado, falou das difi culdades que ele e os com-panheiros de Caravelas enfrentaram para garantir a mobilização para a criação da Resex de Cassurubá, que se tornou realidade com a assinatu-ra do decreto pelo presidente Lula, no dia 05 de junho, em Ponta de Areia.

O Projeto “Abra os Olhos para a Ciência” é uma iniciativa para

a prática, divulgação e populariza-ção da ciência junto às comunidades costeiras do Banco dos Abrolhos. Desde 2006, com apoio do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Conservação Interna-cional (CI) vêm agregando parcei-ros para divulgar e popularizar a ciência para jovens e professores do ensino médio. O objetivo maior é demonstrar, na prática, a impor-tância do conhecimento científi co para a compreensão e resolução de problemas sócio-ambientais. Fazem parte da iniciativa o Instituto Baleia Jubarte (IBJ), o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (PARNaM/ICMBio), o CEPENE/ICMBio,

“Eu fui pioneiro neste processo, junto com o oceanógrafo Silva, que alertou para a necessidade de criar a reserva, já há mais ou menos dez anos. Com a notícia de criação do projeto de carcinicultura a mobiliza-ção ganhou o apoio de várias orga-nizações ambientais locais. Comecei a viajar para conhecer os empreen-dimento de carcinicultura no litoral nordestino e também para conhe-cer outras RESEX, para poder es-tar passando estas informações à comunidade. Mas a contra informa-ção bateu pesado, eles aproveitaram pessoas da própria comunidade, o pessoal chegou a fi car mais contra que a favor, por causa da imagem negativa que tinha historicamente o IBAMA na região. As pessoas pen-saram que tudo ia ser proibido. A gente conseguiu reverter muito já, se você olhar hoje 70% é favorável a RESEX e outros 35% ainda são contra”, afi rma.

Lixinha se lembrou das amea-ças que sofreu dos políticos e dos empresários da região. “A prefeitu-ra queria que a RESEX não fosse criada para que o empreendimento pudesse se instalar em Caravelas. Eu fui ameaçado, recebi ameaça de morte por telefone, eu nem dormia em casa direito. Brigávamos com de-putado, governo do Estado, e eu era um dos mais articulados e que mais incomodava o grupo deles. Mas se eu desistisse ali não estávamos com este êxito. A briga agora é para a implementação da Resex. Estamos

fazendo uma moção para mandar para o Ministério do Meio Ambien-te, pedindo mais um servidor para a Reserva. Estamos sofrendo com isto porque até agora não consegui-mos avançar em nada. Queremos começar a preparar a comunidade, explicar sobre o Conselho Delibe-rativo, e preparar a comunidade para construir o Plano de Manejo, fazer o cadastramento das pessoas, quantos vivem na zona ribeirinha. O meu maior objetivo é fortalecer a comunidade ribeirinha lá dentro, que é carente de várias informações. Na plenária fi nal foi elaborado um manifesto dos extrativistas, para que as propostas aprovadas no encontro pudessem ser levadas ao encontro nacional realizado no Pará.

Abra os olhos para a ciênciao Patrulha Ecológica Escola da Vida, o Movimento Cultural Arte Manha e a Secretaria de Educa-ção de Caravelas, além de profes-sores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Paraíba (UFPB). A partir do início do ano (2009), com apoio continuado dos par-ceiros e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), o Colégio Polivalente de Caravelas assumiu a coorde-nação do projeto, que promove cursos, encontros, estágios, vi-sitas técnicas e o envolvimento direto em atividades de pesquisa, incentivando os jovens a partici-par da gestão ambiental da região. Espera-se que, em médio prazo, existam cada vez mais profi ssio-nais nativos engajados na área científi ca e ambiental.

Das Reservas Extrativistas da Bahia, uma das que conseguiu al-cançar mais benefícios foi a Reserva de Canavieiras, criada em 05 de ou-tubro de 2006. Para João Barbudo, um dos principais líderes do movi-mento, a criação da reserva foi uma espécie de grito de independência dos pescadores.

“Nós temos uma riqueza muito grande que se chama união. Há 09 associações em Canavieiras, com a colônia somam 10 e é por isto que temos este conteúdo. Hoje temos viaturas, ambulância e outros bene-

Áreas marinhas protegidas são pequenas áreas do mar e do

litoral protegidas por lei. Nelas podem ser encontrados diversos animais e plantas. No seu interior vivem peixes de vários tamanhos, sendo garantida a sobrevivência dessas espécies.

No Brasil existem áreas ma-rinhas de uso múltiplo, como as Reservas Extrativistas, e áreas de proteção integral, como os Par-ques Nacionais. Nas áreas de uso múltiplo as comunidades podem pescar, extrair e coletar produtos naturais, além de gerar recursos e conhecimento através do turismo e das pesquisas. Nas áreas de pro-teção integral não é permitido ex-trair produtos, mas são permitidas atividades de turismo e pesquisas.

A proteção da área permite

a recuperação dos estoques de peixes e facilita a sua sobrevi-vência. As populações de pei-xes pescados em excesso podem recuperar-se. Com o aumento da quantidade de peixes na área protegida, muitos deles saem e podem repovoar regiões do en-torno. Esse movimento de uma área para a outra, ajuda a manter o número de peixes de importân-cia comercial trazendo benefícios para os pescadores.

Os recifes de corais são com-parados às fl orestas por causa da grande quantidade e tipos de ani-mais e plantas que neles vivem. Por isso os recifes de corais são muito importantes para a vida no mar.

O Banco dos Abrolhos possui a maior quantidade de espécies de animais e plantas marinhas do

fícios que estão chegando através da reserva, contrariando os que sempre falaram que a reserva não ia trazer nada para o pescador.

Se não existisse a reserva em nossa comunidade não teríamos es-tes benefícios. Temos um barco de escola de nove metros que pega 31 crianças para conduzir de Campi-nhos a Canavieiras. Temos energia, que se não fosse a reserva não che-garia por lá. A reserva, com os pes-cadores e para os pescadores é nossa salvação. Todos aqui estamos numa luta só.”, destacou João Barbudo.

“Todos estamos em uma luta só”

O que são Áreas Marinhas Protegidas?Oceano Atlântico Sul. É unido às fl orestas em terra pelos muitos rios existentes na região. Dentro do Banco, quatro importantes áreas marinhas são protegidas por lei: A Reserva Extrativista Mari-nha do Corumbau, a Reserva Ex-trativista de Cassurubá, O Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e a Área de Proteção Ambiental Ponta da Baleia/Abrolhos.

Corais em Perigo Um grupo de pesquisadores se

uniu para estudar a saúde dos recifes de corais do Banco dos Abrolhos. Estudaram as doenças e os sinto-mas e analisaram o estado do mar nessa região. Perceberam que áreas com corais doentes aumentaram muito de 2005 até o fi m da pesquisa em 2007.

No Banco dos Abrolhos milha-res de famílias dependem do mar sadio para viver. A morte dos corais provocaria a morte e desapareci-mento de muitas espécies de peixes que dependem deles. Desta manei-ra, muitas famílias fi cariam sem alimento, sem emprego ou renda. Por isso, cuidar dos corais signifi ca também cuidar das pessoas.

Informe Conservação Internacional

Por Anerivam Reinalda da SilvaBárbara dos Santos Figueiredo

Foto: Marcelo Lourenço

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15NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009

Um dos mais graves problemas de Ca-ravelas é a falta de saneamento básico.

De acordo com o secretário de obras, Jaul Antônio Guida Car-rilla, o esgotamento sanitário é precário e foi construído há cerca de 40 anos com manilhas. Apresenta infi ltração e vazamen-tos, e já não tem capacidade de dar conta do volume de esgoto da cidade. Com a umidifi caçao do solo causada pelos vazamen-tos, ocorrem afundamentos nas calçadas e se contamina o lençol freático. Para agravar o proble-ma, a população passou a apro-veitar o esgoto feito para a fos-sa pluvial (que deveria ser só de água da chuva) e juntar a ele o da fossa negra. Tudo se mistura, esgoto e água da chuva, e desem-boca no Rio Caravelas, causando danos ambientais e problemas de saúde para a população.

Somente no centro da cidade há cerca de dez desembocadu-ras de esgoto para o Rio Cara-velas. Estão localizadas na praça

Saneamento básico é urgente em Caravelas

da Olaria, no beco da creche, na rua Adorno, rua Tarifa e na rua comendador Melgaço. Nes-ta última há uma vala onde os dejetos são jogados a céu aber-to. Mais delicada é a situação da região localizada na antiga Co-operativa de Pescadores, atual Apesca, que recebe os dejetos biológicos e químicos do hospi-tal de Caravelas, além dos detri-tos dos frigorífi cos locais.

O pescador Benedito Jorge do Espírito Santo, 53 anos traba-lha no local há décadas e diz que muita gente toma banho no rio ali em frente. “A gente mesmo quando está mexendo no bar-co toma banho neste rio”. Ele veio do Cassurubá para Carave-las com 14 anos e vem acompa-nhando o agravamento do pro-blema do saneamento na cidade. “Hoje o pessoal já não preserva o meio ambiente como preserva-va antigamente. Olha aqui como é isso, é cheio de lixo. Eu vim de uma cultura de valores arcaicos de minha família, e antes a situa-ção não era assim”.

O caravelense Jurandir da Ro-cha Neves, 46 anos, funcionário da Secretaria de Saúde, também

morador da região, acrescenta o problema do mau-cheiro e da falta de conhecimento das pessoas so-bre os perigos de contaminação. “Eu espero que haja uma melhora, que as pessoas procurem se aper-feiçoar com a saúde do povo, que olhem para as crianças que vivem aí descalças, tentando pegar caran-guejo, pegar siri nestas bocas de es-goto, que isso melhore, não é?”

O secretário de obras, Jaul Antônio Guida Carrilla admite que a falta de saneamento é um grave problema de saúde pública. “Essa área toda tem todos os seus dejetos jogados no rio. Se desde antes isto já era questionável e agora com a criação da Resex?”, pergunta.

Em 2004 a Embasa realizou um estudo da situação de Cara-velas para criar uma estação de tratamento na sede, com siste-ma de bombeamento de Ponta de Areia e Barra de Caravelas. O prodjeto fui entregue ao pre-sidente da república em sua vi-sita a Caravelas. “Isto está bem encaminhado. O presidente da república quando veio aqui mandou resolver, e isto vai ser resolvido”, adianta Jaul.

O secretario de obras con-ta que o prefeito de Caravelas, Luiz Antônio Alvim, se reuniu em Brasília no dia 23 de setem-bro com o assessor da presidên-cia José Mauro Casimiro e o de-putado Mário Negroponte para tratar do assunto. Segundo o se-cretario de Planejamento, João Paulo, as obras estão previstas para entrar no PAC de 2011.

“Esta obra para Caravelas é uma obra principal, porque concomitantemente você re-para o calçamento, reestrutura a cidade”, reitera o secretário. Ainda não há previsão para a resolução do saneamento nos distritos, situação que vem ge-rando a poluição dos córregos e cursos d’água de toda a região.

“Tudo começou em uma chuva, eu saí, peguei a bicicleta, acabei molhando a perna. No outro dia começaram a apare-cer umas bolhas, depois veio a vontade de coçar e aí vieram os ferimentos na perna. Os ferimentos foram se alastrando pela perna toda e também no braço. Eu até comecei a usar calça. A minha mãe me le-vou no posto para ver o que podia ser fei-to. Quando eu fui fazer a consulta para

como o Meio Ambiente não se colocou para evitar, que os governantes não se colocaram para impedir... Realmente existem algumas casas que os detritos acabam sendo jogados no Ribeiro. Os que são da minha idade e até para antes, utilizávamos muito do Ribeiro para tomar banho, nossos pais la-vavam roupas e pratos ali... O ribeiro era utilizado porque a água era limpa era pura. Hoje eu como pai evito que meu fi lho vá para ali para não estar se contaminando.

Edison Silva administrador da Barra

“A principal necessidade da Barra é o saneamento básico. Nós temos as ruas que enchem muito quando vêm as chuvas, as casas também alagam muito. Na parte bai-xa, na chamada rua do Ribeirinho que era o Ribeiro antes, qualquer pouca chuva que vem alaga, aqui no alto é a mesma coisa. Como o lençol freático é bem raso, as fos-sas rapidamente transbordam e daí vem o perigo de doenças que nos preocupam, mui-tos dejetos que estão nas fossas acabam se misturando com a água e vão para as ruas.

Também há o problema que casas que estão perto do Ribeiro acabam aproveitando a caída da água para jogar estes detritos ali. É uma coisa que a comunidade não concorda isso foi feito há anos atrás, não sabemos com que permissão, não sabemos

André teve uma doençade pele por causa da falta de saneamento.

Patrulha ecológica promove Limpeza de Praias

André, morador de Ponta de Areia

No dia 19 de dezembro 320 jovens de Caravelas se reu-

niram para a tradicional ação de limpeza de praias, protagonizada há 13 anos pelo Patrulha Ecoló-gica – Escola da Vida e o Institu-to Baleia Jubarte, em parceria do a Organização Sócio- Ambien-talista Joguelimpo e apoio dos comerciantes e parceiros locais.

Foram coletados das praias Aracaré, Grauçá e Iemanjá, 810,6 quilos de lixo, em uma extensão de 7,3Km.

Kid Aguiar, do Instituto Baleia Jubarte, ressalta que cada vez cha-ma mais atenção a quantidade de resíduo plástico coletado, totali-zando neste ano 447,5 quilos. Dos 810,6 quilos de lixo, mais da metade era plástico, principalmente garrafas

pet. “O Patrulha Ecológica – Escola da Vida e o Instituto Baleia Jubarte aproveitam a oportunidade e mais uma vez agradecem a oportunidade de trabalhar em parceria com a Jogue-limpo, a comunidade local, a todos os parceiros, as unidades de ensino, aos pais, crianças que participaram e a to-dos que contribuíram para a realiza-ção de mais esta atividade.

Neste ano um fator merece ser ressaltado, o envolvimento direto de outros atores sociais, como pes-cadores e marisqueiras, que em res-peito às ações contribuem mais uma vez liberando animais presos às re-des de pesca, questão essencial para motivação a mobilização de pessoas nestes ambientes”, destaca Kid.

tomar este remédio, muita gente estava lá com este problema. Todo mundo com este problema e outros até com problemas mais graves. E o pior é que muita gen-te ali teria que comprar o remédio e não tinha condições. A gente aqui da Barra está sofrendo com a falta de saneamento, é rato, é sujeira, é enchente, isto quando a água não entra dentro da casa. Jurandir da Rocha Neves: Eu espero que haja uma melhora, que as pessoas

procurem se aperfeiçoar com a saúde do povo

Por Carlos Henrique Santos Ana Raquel Bonin de Souza

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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 200916

MEMÓRIA

Os jogadores e torcida eram parte do destacamento que reunia lá pelos anos 50 cerca de 100 mi-litares e 80 civis. Em terra, já havia sido construída uma verdadeira ci-dade, a vila do sargentos, e a vila dos civis contava com cerca de 400 almas, entre militares, civis e fami-liares. O aeroporto chegou a ter igreja, escola, rancho e até cinema. Também se transformou em uma importante rota de tráfego, ligando Recife, Salvador, Caravelas, Vitória e Rio de Janeiro através dos ares. Companhias como cruzeiro do Sul, Transbrasil, Panai do Brasil deco-lavam e aterrissavam diariamente, além das dezenas de aviões da FAB que utilizavam a pista como base de treinamento militar e civil.

Anos antes, outro destacamento havia sido incumbido de um jogo mais perigoso: o da segunda guerra mundial. Naquela época, entre 1944 e 1945, brasileiros conviviam com norte-americanos e se entendiam com poucas palavras e muitos ges-tos. Os norte-americanos eram os responsáveis por atirar as bombas e a maioria dos brasileiros trabalhava para que isto fosse possível. Diaria-mente os balões dirigíveis dos esta-dunidenses e também seus aviões T6 decolavam do aeroporto para torpe-dear os submarinos alemães ou ita-lianos que se aproximavam da costa.

Antes que os norte-americanos começassem a construção do ae-roporto de Caravelas, por volta de 1942, este não passava de um cam-po de pouso no capim para aviões de três motores. Foi a visibilidade proporcionada pelo terreno plano típico da região de Caravelas que levou a companhia norte-americana ADP a construir os primeiros 1.500

metros de pista. Dois anos depois apos a guerra, a Companhia Metro-politana, esta sim brasileira, terminou os outros 1.200 metros, confi guran-do o aeroporto tal como é hoje, com duas pistas em cruz que permitem a decolagem e aterrissagem para qua-tro posições de vento.

O caravelense Antônio Marce-lino dos Santos começou a traba-lhar no aeroporto em 1944, justo no momento em que se construía a primeira pista e se executavam as ações de guerra. O Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial em 22 de agosto de 1942, em resposta ao tor-pedeamento de 19 de seus navios pelos italianos e alemães, que junto a Japão se haviam reunido no bloco do Eixo. Marcelino lembra que havia somente um brasileiro que sabia falar inglês no aeroporto e fazia às vezes de tradutor. Recorda também que os norte-americanos brancos eram separados dos americanos negros – e cada raça tinha um alojamento próprio, num verdadeiro sistema de apartheid yankee.

Seu Marcelino fazia de tudo: capi-

Até 1960 Caravelas se loca-lizava no entorno da Mata Atlântica oferecendo atra-

vés do seu braço de mar um privi-legiado sistema de transporte. Foi o seu porto seguro que levou o gover-no de Minas a pensar na construção de uma ferrovia que permitisse o escoamento de suas riquezas através do mar. O transporte aéreo chegou também com a ajuda da santa geo-grafi a caravelense, feita de terrenos planos que permitiam ampla visi-bilidade aos aviões e cerca de 80 quilômetros de bancos de corais avançando mar que nos deram um forte natural, protegendo a cidade contra ataques inimigos. Graças a

estas condições favoráveis, os norte-americanos decidem construir em Caravelas um aeroporto destinado a base dos paises aliados na Segunda Guerra Mundial.

Juntamente com a chegada destes meios de transporte – muito raros na época em outras cidades – começa a se desenvolver um sólido comercio local. Caravelas prospera. Do exte-rior chegam imigrantes norte-ame-ricanos, turcos, libaneses, e gente de várias partes do Brasil, principalmen-te dos estados mineiros. São juízes, promotores, advogados, médicos, e com eles, as instituições bancárias, o hospital, a igreja - a igreja católica funda um bispado, e também vem o bispo - e as escolas.

As expressões culturais se expan-dem para alem do carnaval, se criam

Santa geografi a

nava, pintava, construía. Ele também costumava ir buscar o petróleo para abastecer os aviões e a casa de força vinha de latão, trazido pelos navios do porto de Caravelas. Recorda que che-gou a ser convocado para participar da II Guerra, e teve que ir se alistar em Belo Horizonte. “Passei três me-ses lá, foram umas 12 mil pessoas. Naquele tempo muita gente foi con-vocada, me dispensaram dizendo que iam chamar de novo. Só não precisou porque a guerra tinha acabado”.

Fim da GuerraQuando os norte-americanos

regressaram aos Estados Unidos, ao fi nal da guerra, o aeroporto passou a ser administrado pela Força Aérea Brasileira (FAB). Naquele tempo, conta seu Marcelino, das cidades mais próximas, só Recife, Salvador, Caravelas, Vitória e o Rio tinham aeroporto. “Aquilo ali era um mo-vimento estúpido. Você queria uma carona para o Rio ou para Salvador, você podia ir para lá. A gente conse-guia passagem, quase ninguém paga-va. Avião da FAB era de montão. Mi-

nha mulher mesmo foi para o Rio, de lá mesmo ela cansou de pegar para saltar em Caravelas”.

Para Marcelino é um verdadeiro crime o destacamento ter acabado. “Eram mais de 200 pessoas, solda-dos, cabos, sargentos. A semana da Asa era uma beleza, no dia 23 de ou-tubro. Se matava um boi, se fazia um grande churrasco. Quando chega-vam as quadrilhas eram 30, 40 aviões que aterrissavam ao mesmo tempo. Mas a maior parte dos sargentos foi transferida. Não tinha um aeroporto melhor do que este, depois de Sal-vador e Vitória. Aqui tudo é plano, é um aeroporto para quatro ventos”, diz exaltado. “Hoje quando eu passo por ali chega a me doer o coração, aquele paradeiro todo”.

Antônio Marcelino dos Santos trabalhou durante 38 anos no aero-porto de Caravelas. Começou aos 18, quando o aeroporto foi construído, em 1944, e só deixou o mundo dos aviões em 1981. “Daquele tempo só tem eu mesmo, de civil que trabalhou na FAB só tem Antônio Marcelino”, diz, com um orgulho de dar gosto.

grupos de teatro e dança, o folclore vive o apogeu em suas manifestações, chega o cinema, a maravilha das artes. O povo se alimenta de cultura.

Quando o ciclo de desenvolvi-mento econômico se termina - se vão os profi ssionais, o trem, o aeropor-to, os navios, os produtos, a cultura - a geografi a continua a zelar pelos caravelenses. Outra possibilidade de sobrevivência acenou no horizonte do antigo município. Em 1985 é as-sinado um decreto federal, declaran-do o nascimento do primeiro Parque Nacional Marinho do Brasil, regis-trado com nome de Parque Nacional Marinho de Abrolhos, situado nas águas do Atlântico Sul pertencentes a Caravelas. Começa aí a grande arran-cada de Caravelas para o mundo da ecologia, num período onde os movi-

mentos em defesa da natureza apenas começam a mostrar sua força.

O Parque começa a ser im-plantado em Caravelas quando aqui chegaram três biólogos, de nomes Júlio, Gilberto e Mário. Foram eles que iniciaram a montagem da estru-tura para administrar o parque. Com a preservação de Abrolhos, nova-mente Caravelas começa a receber infl uências positivas para o avanço da educação de sua população. Além do órgão federal responsável pela admi-nistração do Parque, chegam à cidade várias ONGs, trazendo a cidade pro-fi ssionais graduados e especializados, vinculados à área de preservação da natureza. Eles chegam distribuindo informações, reciclando, incentivan-do e dando oportunidades de traba-lho. Neste período Caravelas acorda

para o mundo cultural com o mar-co do Movimento Arte Manha, que tem em Dó, Jaco e Itamar alguns dos seus principais expoentes.

Hoje Caravelas vive um recome-ço: o Movimento Cultural Arte Ma-nha, a primeira Secretaria de Cultura, o Cine Clube Caravelas, a Fundação Cultural Benedito Ralile, o apoio dos governos federal, estadual e munici-pal, as organizações ligadas à preser-vação do meio ambiente.

O tempo dos aviõesNo campo de futebol improvisado do aeroporto de Caravelas, havia uma forma de dar começo a partida muito mais criativa que apito de juiz. O jogo só começava mesmo quando um avião decolava e deixava cair a bola no meio do campo.

Por Macrô

À direita, a casa onde eram guardadas as bombas utilizadas pelos norte-america-nos durante a Segunda Guerra Mundial

Foto: Danielle Marinho

Por Irlandes Santos Lopes