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CARACTERIZAÇÃO FÍSICA, QUÍMICA E MECÂNICA DE MISTURAS SOLO/CINZA DE CALDEIRA A COQUE PARA EMPREGO EM CAMADAS DE BASE E SUB- BASE Virlene Leite Silveira Bárbara Elis Pereira Silva Antonio Carlos Rodrigues Guimarães

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CARACTERIZAÇÃO FÍSICA, QUÍMICA E MECÂNICADE MISTURAS SOLO/CINZA DE CALDEIRA A COQUE

PARA EMPREGO EM CAMADAS DE BASE E SUB-BASE

Virlene Leite Silveira

Bárbara Elis Pereira Silva

Antonio Carlos Rodrigues Guimarães

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CARACTERIZAÇÃO FÍSICA, QUÍMICA E MECÂNICA DE MISTURAS SOLO/CINZA DE CALDEIRA A COQUE PARA EMPREGO EM CAMADAS DE

BASE E SUB-BASE

Virlene Leite Silveira Bárbara Elis Pereira Silva

Antonio Carlos Rodrigues Guimarães Instituto Militar de Engenharia

Engenharia de Transportes RESUMO No presente trabalho foi avaliada a existência de impactos da cinza de caldeira a coque para o meio ambiente, bem como se as características físicas, químicas e mecânicas deste resíduo sólido permitem sua utilização em pavimentação. Para tal, foram realizados ensaios de caracterização dos materiais (cinza, solo e da mistura solo/cinza), destacando os ensaios de caracterização física (granulometria, limites de Atterberg, análise da estrutura superficial pelo Microscópio Eletrônico de Varredura), química (Espectroscopia de Energia Dispersiva), mecânica (Modulo de resiliência). Os ensaios de MR possibilitaram averiguar a reação pozolânica da cinza, uma vez que foram realizados ensaios com 13% de cinza em corpos de prova de dimensões 10x20, ensaiados aos pares e em tempos de cura de 0, 7 e 28 dias. Os resultados encontrados no ensaio de MR apontam um acréscimo na resistência dos corpos de prova, indicando a ocorrência de reações pozolânicas, justificadas pelo fato da composição da cinza estarem presentes os principais elementos que influenciam neste tipo de reação. Palavras-chave: cinza de caldeira a coque, resíduo, pavimentação. ABSTRACT The present study evaluated the existence of environmental impacts of boiler ash coke, as well as the physical, chemical and mechanical characteristics of the solid waste that permits its use in paving. For such assays, characterization of materials, ash, soil and mixing were performed, highlighting the trials of physical characterization (particle size, Atterberg limits and analysis of the surface structure by scanning electron microscopy), chemical (Energy Dispersive Spectroscopy) and mechanical (Modulus of resilience). MR tests allowed assessment of the pozzolanic reaction of the ash, since trials with 13% ash, sample dimensions of 10x20, tested in pairs and with curing times of 0, 7 and 28 days were performed. The results of testing indicate an increase in MR resistance of the specimens, the occurrence of pozzolanic reactions, justified by the fact that the composition of the ash presents the main elements that influence this type of reaction. Keywords: boiler ash, waste, pavement 1. INTRODUÇÃO Com o forte crescimento industrial das últimas décadas e consequentemente uma maior preocupação com a preservação ambiental, o governo e a sociedade vêm impondo medidas no sentido de compatibilizar o crescimento industrial e o meio ambiente. Neste contexto, além da criação de legislações mais rigorosas, maior fiscalização, surgimento de organizações em prol do meio ambiente, inclui-se também como uma alternativa economicamente viável e sustentável o aproveitamento do rejeito de uma indústria como o insumo para outra. A geração de subprodutos é uma das consequências de qualquer processo industrial. Devido ao crescimento neste setor, torna-se maior a quantidade dos diversos tipos de rejeitos, surgindo a preocupação com o seu descarte adequado e buscam-se soluções eficazes para a diminuição dos impactos ambientais e dos custos associados com seu acondicionamento e disposição final. Vasconcelos et. al (2004) afirma que a indústria da construção civil apresenta um dos maiores potenciais para aproveitamento de rejeitos, não só os gerados pelos próprios processos, como também os de outras indústrias, apesar de ser um dos setores que mais consome diretamente

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os recursos naturais. Segundo o mesmo autor, os processos construtivos absorvem grande quantidade de materiais que podem gerar impactos ambientais quase sempre irreversíveis, trazendo a preocupação com a possibilidade do esgotamento dos recursos naturais e com os efeitos que a extração de agregados pode causar ao meio ambiente. No contexto da construção civil, a construção de rodovias é particularmente ideal para a reutilização de resíduos. Segundo Pereira (2012) a procura por materiais, a serem usados em camadas de base e sub-base que se adequem às especificações das normas rodoviárias vigentes no Brasil representam um grande problema para órgãos rodoviários locais tal qual é o problema da disposição e aproveitamento dos resíduos sólidos. Vizcarra (2012), diz que nem sempre é possível encontrar solos naturais que atendam às exigências das especificações para a utilização em bases e sub-bases estabilizadas granulometricamente sem mistura e essa realidade acaba encarecendo os custos de construção de uma dada obra, sendo uma alternativa para minimizar os altos custos é tentar estabilizar os solos com resíduos. Ubaldo (2005) explica que esta finalidade permite certo encapsulamento e mesmo a contenção dos resíduos por combinação com outros materiais usuais na construção das camadas de pavimento. A autora ainda cita diversos resíduos já empregados ou estudados em camadas de pavimentos como: resíduo de construção e demolição (RCD), escória de aciaria, borracha de pneu inservível, cinzas de carvão mineral oriundas de termelétricas, cinzas de cascas de arroz, resíduo de rochas ornamentais, e resíduos de exploração e produção de petróleo (cascalho de perfuração, escória de cobre, borra oleosa, dentre outros). As cinzas, rejeitos oriundos da queima de carvão, encontram-se no grupo de rejeitos industriais, gerados em grande volume anualmente e que possuem diversas indicações de reutilização, sendo uma delas como agentes estabilizantes de solos tal como conhecido há bastante tempo (PINTO, 1971; NARDI, 1975, MARCON, 1977; LOPES, 2012; entre outros.) ou em adição ao concreto de cimento Portland, onde tem sido usadas extensivamente há aproximadamente 50 anos (VASCONCELOS et. al.,2004; LEANDRO & FABBRI, 2009). As cinzas são adicionadas ao solo quando estes não possuem parâmetros de resistência adequados para sua utilização na Engenharia Geotécnica ou mesmo quando se pretende melhoria radical do mesmo, acrescentando outro produto cimentante tal como cal ou cimento. Além do mais, o reaproveitamento das cinzas evita que esta seja depositada em bacias de sedimentação, ficando o resíduo sujeito a processos de lixiviação de metais pesados, podendo contaminar o lençol freático e o solo da região evitando também a poluição atmosférica resultante da poeira silicosa, pela ação do vento sobre a superfície das bacias, que atingem a população residente próximo às instalações. (LOPES, 2012; LEANDRO & FABBRI, 2009). Neste contexto, o objetivo principal desse trabalho foi investigar os efeitos da cinza proveniente do beneficiamento de níquel, denominada cinza de caldeira a coque, quando incorporada a solos, visando o aproveitamento deste resíduo na construção de bases e sub-bases de pavimentos, através de ensaios laboratoriais de caracterização química, geotécnica do solo e sua classificação quanto ao uso em pavimentos. Para isso, estudaram-se os parâmetros físicos, químico e mecânico do solo e das misturas solo-cinza utilizadas na pesquisa, possibilitando verificar principalmente os mecanismos de reação entre os materiais. 2. MATERIAIS ESTUDADOS

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2.1 Cinza de caldeira a coque A cinza de caldeira a coque é oriunda de um processo industrial utilizado na metalurgia de níquel. É obtida a partir da calcinação a uma temperatura de 800 °C – 900 ºC de uma mistura de 68% de coque de petróleo, 30% de calcário e 2% de areia. Durante o processo industrial de beneficiamento de níquel são obtidos dois materiais distintos: a cinza leve e a cinza pesada. A separação desses dois materiais durante o processo ocorre em função da discrepância das suas densidades, uma vez que a densidade da cinza leve é 0,82 g/cm3 e a cinza pesada tem densidade de 1,64g/cm3. Assim a cinza leve é arrastada e resfriada por uma corrente de ar, juntamente com os gases residuais oriundos da queima e a cinza pesada sedimenta-se no leito da caldeira onde é resfriada. A composição da cinza se explica através do processo de sua formação, onde o calcário é utilizado no processo de dessulfurização dos gases gerados na queima do coque, visando o controle das emissões de SOX. O carbonato presente no calcário reage com o SO2, através de uma série de reações, formando o CaSO4 e o excedente é calcinado e os carbonatos presentes são oxidados, formando compostos de CaO e MgO presentes na cinza de caldeira a coque. As tabela 1 e 2 apresentam a composição do coque e do calcário utilizados na caldeira. Os resultados foram fornecidos pela indústria metalúrgica e são representativos de materiais primas utilizadas.

Tabela 1: Características físico-químicas do Coque.

Especificação

Unid Resultados

In natura Base seca Umidade % 7,2 -x-

Cinza % 0,35 0.38 Material volátil % 9,64 10,39 Carbono Fixo % 82,81 89,23

Enxofre % 6,25 6,73 Valor Calorífico Kcal Kg 7,796 8,401

Nitrogênio % 1,83 - Vanádio mg kg-1 1725 -

*Informações da Indústria metalúrgica;

Tabela 2: Características físico-químicas do calcário utilizado para controle do processo. Especificação

Unid

Resultados Garantia Obtido

Umidade % 1,00 0,10 CaO % 50,30 54,62 MgO % 1,20 0,63 SiO2 % 1,5 0,8 PPC(1) % 4,4 42,88

*Informações da Indústria metalúrgica; 1-PPC: perda por calcinação 2.2 Solo

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O solo estudado se enquadra na classificação LA’- LG’, ou seja, possui características de solos arenosos lateríticos e argilosos lateríticos. O solo em estudo apresenta índice de plasticidade igual a 3,5% caracterizando um solo pouco plástico. A distribuição granulométrica do solo é apresentada pela figura 1, e é característica de um solo pedregulhoso, devido cerca de 63% se encontrar na faixa entre 4,8mm a 3”.

Figura 1: Distribuição granulométrica do solo. 3. METODOLOGIA O estudo para avaliação do comportamento da cinza de caldeira a coque na pavimentação seguiu por duas etapas: caracterização da cinza e caracterização da mistura solo-cinza. Para caracterização da cinza de caldeira a coque foi realizado ensaio de caracterização microestrutural por meio de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), ensaio de caracterização química por meio de Espectroscopia de Energia Dispersiva (EDS) no Laboratório de Materiais do Instituto Militar de Engenharia – IME, ensaio de densidade real dos grãos (DNER-ME 084/95) e ensaio de análise granulométrica (DNER-ME 051/94) no Laboratório de Solos, também no IME. A microscopia eletrônica de varredura é um ensaio necessário para se estudar a microestrutura de um material e permite entender as suas correlações, ou seja, suas propriedades e defeitos, além de predizer as propriedades do material quando estas correlações são estabelecidas. No MEV é emitido um feixe de elétrons primários e secundários. Os elétrons primários vão varrendo a amostra e estes sinais vão sofrendo modificações de acordo com a superfície do material, enquanto os elétrons secundários são os responsáveis pela obtenção das imagens de alta resolução. O MEV se tornou um equipamento multidisciplinar, principalmente quando o desenvolvimento de novos materiais exige um número detalhado de informações de suas características microestruturais. O MEV possui potencial de adaptação de uma câmara de detectores de raios-X permitindo a análise química da amostra em observação, denominada espectroscopia de energia dispersiva. O EDS permite obter informações qualitativas e

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quantitativas da composição química da amostra na região submicrométrica de incidência do feixe de elétrons, esta análise facilita a identificação de precipitados e mesmo de variações de da composição dentro de um grão. A Figura 2 apresenta o equipamento responsável pelo MEV e EDS.

Figura 2: Equipamento JEOL 5800LV.

Laboratório de Materiais do IME. A análise da microestrutura de um material é relevante para a escolha dos materiais a serem utilizados como agregados em pavimentação. A cinza volante produzida pode atuar como agregado fino em pavimentação e o conhecimento de suas características físicas pode dizer muito a respeito do seu comportamento para esta finalidade. Enquanto suas características químicas podem avaliar seu potencial poluidor, visando a proteção da qualidade ambiental. Quanto à caracterização da mistura solo-cinza, esta foi realizada por meio do equipamento triaxial de cargas repetidas e análise do Módulo de Resiliência. Este ensaio visa simular as condições reais do campo, considerando que se tratando de pavimentos e subleitos as solicitações são dinâmicas onde há sujeição de cargas de diferentes intensidades e frequências variáveis ao longo do dia e do ano, a simulação para todas estas condições é de difícil execução. Para o Ensaio de Módulo de Resiliência, foram moldados dois corpos-de-prova com dimensões de 10x20cm, em teores de 13% de cinza de caldeira a coque, para obter um resultado mais significativo. A escolha do percentual de cinzas utilizado foi feita de acordo com a disponibilidade de cinza no momento da moldagem dos corpos de prova, no entanto, autores como Nardi (1975), Lopes (2012) e Vizcarra (2010), utilizaram em seus estudos teores de cinza leve variando entre 10 a 20% e encontraram resultados significativos. Os corpos de prova foram moldados na condição de umidade ótima, na Energia intermediária de compactação e imediatamente após a homogeneização da mistura e ensaiados em diferentes tempos de cura, com o objetivo de avaliar a inflência das cinzas no comportamento dos corpos de prova. Os ensaios foram realizados no Laboratório de Geotecnia e Pavimentos da COPPE/UFRJ e seguiu a norma DNER-ME 131/94, nos tempo de cura de 0, 7 e 28 dias.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 Caracterização da cinza de caldeira a coque Quanto ao ensaio de caracterização feito pelo MEV, a figura 3a apresenta a microestrutura da cinza volante no MEV com um aumento de 90 vezes, enquanto a Figura 3b apresenta a cinza volante com um aumento de 450 vezes.

Figura 3: Microestrutura da Cinza Volante com aumento de 90x (a) e aumento de 450x (b).

Conforme a figura 3 e a caracterização granulométrica apresentada, é possível observar que a cinza constitui um material fino de estrutura porosa o que induz seu uso como material fino em camadas de pavimentos.

A cinza ensaiada na Figura 3, considerada uma amostra representativa do material, serviu também para a realização da caracterização química por meio do EDS e seus resultados estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3: Composição química da cinza volante por meio do EDS. Amostra 01 Amostra 02 Amostra 03

Composição Porcentagem Composição Porcentagem Composição Porcentagem

MgO 2,86

MgO 3,11

MgO 0,6 Al2O3 3,84 Al2O3 1,89 Al2O3 3,92 SiO2 9,38 SiO2 3,60 SiO2 1,82 SO3 16,27 SO3 17,60 SO3 12,77 K2O 0,24 K2O 0,40 K2O 0,47 CaO 56,65 CaO 71,12 CaO 79,63

V 6,84 V 0,49 V 0,48 FeO 2,12 FeO 1,58 FeO 0,31 NiO 1,8 NiO - NiO - Cu - Cu 0,21 Cu -

Segundo Rohde et. al. (2006) os elementos responsáveis pela atividade pozolânica nas cinzas volantes são: SiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO, MgO, SO3, Na2O e K2O. Ainda, segundo Nardi (1975), o óxido de cálcio (CaO) geralmente produz melhores resistências no solo estabilizado.

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Os principais componentes da cinza tal como listado na Tabela 3 são: como SO3 e CaO, com porcentagens médias de 15,54% e 69,13%, corroborando com a viabilidade da utilização da cinza de caldeira a coque em pavimentação. Os elementos apresentados pela tabela são esperados em cinzas provenientes do beneficiamento de níquel. É importante ressaltar que não há presença significativa de contaminantes em sua composição, acentuando ainda mais o seu possível uso em camadas da pavimentação. De acordo com a NBR 10004/2004, que estabelece a classificação de resíduos sólidos quanto ao seu potencial poluidor, a cinza pode ser empregada em pavimentação, uma vez que possui baixos teores de possíveis elementos contaminantes constatados pelo ensaio de lixiviação e solubilização pela empresa geradora do resíduo. Cabe ressaltar a diferença entre os métodos de quantificação de poluentes da norma e os analisados neste estudo. Os métodos não podem ser diretamente analisados uma vez que o EDS apresenta a quantidade de contaminantes precipitados ou sua variação dentro de um grão expressa em porcentagem (%), enquanto o ensaio de solubilização da NBR 10005/2004 representa a quantidade de contaminantes em um litro (mg/L). Entretanto, analisando os resultados de forma indireta é possível perceber as pequenas concentrações de contaminantes encontradas nas amostras analisadas no EDS. O ensaio de granulometria por sedimentação, como mostra a Figura 4, evidenciou uma alta presença de finos, com 100% do material passante na peneira de nº 40. O valor de densidade real dos grãos ficou em torno de 2,65g/cm3 realizado pelo método do picnômetro, executando-se dois ensaios e obtendo uma média com aproximação de ±0,02.

Figura 4: Distribuição granulométrica do cinza.

4.2 Análise da mistura solo-cinza O ensaio de determinação do módulo resiliente da mistura solo/cinza serviu para a avaliação do comportamento mecânico das misturas, visando verificar as alterações provocadas no comportamento do solo quando adicionados percentuais de cinza.

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Como citado anteriormente o módulo de resiliência (ou módulo resiliente) de solos é por definição a relação entre a tensão vertical desviadora e a deformação resiliente correspondente, e é obtido para vários pares de tensões, confinante (s3) e desviadora (sd) e este ensaio é utilizado para representar melhor o comportamento dos materiais de pavimentação. Nas figuras 4 a 9 são apresentadas as relações do módulo de resiliência com a tensão confinante e do módulo de resiliência com a tensão desvio, nos diferentes tempos de cura, para cada corpo de prova. A cura dos corpos-de-prova foi realizada em câmara úmida do Laboratório de Geotecnia e Pavimentos da COPPE/UFRJ. De acordo com os gráficos apresentados, pode-se observar um ganho de resistência com o decorrer do tempo de cura. A análise do corpo de prova 1 (CP1) ensaiado imediatamente após ser produzido apresentou um módulo de resiliência médio de 482 MPa (Fig. 5) e o corpo de prova 2 CP2 também ensaiado imediatamente após ser produzido e com o mesmo teor de cinzas apresentou Módulo de resiliência médio de 567 MPa (Fig. 6). Seguindo a sequência do tempo de cura dos corpos de prova ensaiados em pares, temos os corpos de prova no tempo de cura de 7 dias, onde o CP1 apresentou MR médio de 521 MPa (Fig. 7) e o CP2 apresentou MR médio de 505 MPa (Fig.8). Finalmente os corpos de prova ensaiados após 28 dias de cura, temos o CP1 com MR médio de 591 MPa (Fig. 9) e o CP2 com MR médio de 601 MPa (Fig. 10). Embora a utilização das médias aritméticas dos valores de Módulo de resiliência não seja o procedimento mais adequado na análise de resultados, observa-se que esses valores são usualmente empregados em projetos de pavimentos de forma a facilitar a comparação de valores (DELGADO, 2012).

Figura 5: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP1 sem tempo de cura (0 dia)

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Figura 6: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP2 sem tempo de cura (0 dia)

Figura 7: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP1 com tempo de cura de 7 dias

Figura 8: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP2 com tempo de cura de 7 dias

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Figura 9: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP1 com tempo de cura de 28dias

Figura 10: Resultado do ensaio de módulo de resiliência do CP2 com tempo de cura de

28dias De posse dos resultados, cabe ressaltar o fato que no CP2 houve um pequeno decréscimo de resistência entre os tempos de cura de 0 a 7 dias, porém no CP1 entre o mesmo tempo de cura houve acréscimo de resistência, logo se justifica os ensaios terem sido realizados ao pares, para tornar os dados mais representativos, esclarecer dúvidas e resultados inesperados. Por fim, pode-se dizer que a cinza atuou de forma cimentante, havendo um acréscimo significativo até o tempo de cura ensaiado de 28 dias. De forma a apresentar a evolução da resistência dos corpos de prova, dadas às atividades pozolânicas ocorridas, foi elaborado o gráfico a seguir (Figura 11) correlacionando o Módulo de Resiliência e a tensão confinante. A escolha pela tensão confinante se deu devido sua maior representatividade em relação à apresentada pela tensão desvio conforme mostrado nos gráficos anteriores através do coeficiente de correlação (R2), corroborando com o padrão de comportamento de solos granulares.

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Figura 11: Relação Tensão Confinante x MR para diferentes tempos de cura

A interpretação do gráfico permite a análise da influência do tempo de cura no comportamento mecânico das misturas. É notório que a estabilização do solo estudado, através de reações, entre o solo e a cinza de caldeira a coque, necessita de tempo para se tornar efetiva em termos de resistência, entretanto é possível perceber que com a adição da cinza, ocorreu melhora imediata do Módulo de Resiliência. 5. CONCLUSÃO A adição das cinzas de caldeira a coque, no solo estudado, proporcionou a melhoria das propriedades mecânicas do material. Comprovou-se que a utilização das cinzas em misturas com solo para aplicação em base e sub-base de pavimentos é benéfico, não somente para o meio ambiente, como para a Engenharia dos Pavimentos. As melhorias nas propriedades mecânicas do solo devido à adição de cinzas deve-se a possíveis reações químicas de troca catiônica, floculação-aglomeração, e reações pozolânicas, uma vez que as cinzas tem em sua composição os elementos responsáveis pela atividade pozolânica: SiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO, MgO, SO3, Na2O e K2O. Em especial o CaO, que está presente em porcentagens médias de 69% que geralmente produz melhores resistências no solo estabilizado. O presente estudo é base para pesquisas futuras a fim de se determinar a melhoria da qualidade de misturas solo-cinza a serem empregados em obras de pavimentação como base e sub-base. Contudo, o estudo é de extrema importância no que se refere à destinação de um resíduo sólido, uma vez que a cinza volante pode se tornar um passivo ambiental demandando grandes áreas e/ou custos com tratamento para disposição final. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. NBR 10004: Resíduos Sólidos – Classificação. Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.

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2004. DELGADO, B. G. Análise da deformabilidade de um solo tropical do oeste do Maranhão como material de

sublastro na Estrada de Ferro Carajás. Dissertação de mestrado. UFOP, Ouro Preto, 2012. LEANDRO, R. P.; FABBRI, G. T. P. Aproveitamento da cinza pesada de carvão mineral da construção de bases

e sub-bases de pavimentos flexíveis. In: Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes 2009, Vitória - ES. Anais do Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes 2009, v. 1. p. 1-12.

LOPES, L.S.E. Análise do Comportamento Mecânico e Ambiental de Misturas Solo- Cinzas de Carvão Mineral para Camadas de Base de Pavimentos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2011.

MARCON, A. F. Durabilidade e módulo de elasticidade de misturas areia - cal - cinza volante. 130 p. Dissertação (Mestrado em Ciências) Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 1977.

NARDI, J.V. Estabilização de areia com cal e cinza volante; efeito do cimento como aditivo e de brita na mistura. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – UFRJ, Rio de Janeiro,1975.

PEREIRA, K. L. A. Estabilização de um solo com cimento e cinza de lodo para uso em pavimentos. 125 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRGN, 2012.

PINTO, S. Estabilização de areia com cal e cinza volante. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1971.

ROHDE, G. M.; ZWONOK, O.; CHIES, F.; SILVA, N.; Ilone.W. Cinzas de carvão fóssil no Brasil – Aspectos técnicos e ambientais. vol.1 Porto Alegre: CIENTEC, 2006

UBALDO, M.O. Uso de cinzas de carvão da composição de uma cobertura de rejeitos de mineração. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.

VASCONCELLOS, C. B.; LEAL, C. L. D.; FRANÇA, M. P.; CASTRO, P. F. O aproveitamento da cinza de caldeira na construção civil. Vértices, v. 6, n. 1, p. 131-147, jan./abr. 2004.

VIZCARRA, G.O.C. Aplicabilidade de cinzas de resíduos sólidos urbanos em camadas de bases de pavimentos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2010.

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