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CARACTERIZAÇÃO DE MATERIAIS POR ESPECTROSCOPIA DE FOTOELÉTRONS Pedro A. P. Nascente DEMa/UFSCar, Via Washington Luis, km 235, CEP 13565-970 São Carlos – SP E-mail: [email protected] RESUMO Os elétrons de baixa energia são adequados à investigação das superfícies devido a seu pequeno livre caminho médio nos sólidos, que corresponde a apenas algumas camadas atômicas (0.5 a 3.0 nm), e podem ser usados em um dos seguintes modos: os elétrons incidentes causam a emissão de elétrons retroespalhados e secundários e os elétrons são excitados por fótons irradiados. O primeiro caso inclui a emissão de elétrons de Auger, enquanto que a fotoemissão se enquadra no segundo caso. A espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS) é uma das mais usadas técnicas de análise de superfícies uma vez que possui a habilidade de não apenas identificar os constituintes da superfície, mas também os seus estados químicos. XPS pode ser empregada em vários campos da ciência e engenharia, mas aqui serão apresentados apenas alguns exemplos de seu uso na caracterização de materiais metálicos, com ênfase em filmes finos de metais nobres e de transição. Palavras-chaves: espectroscopia de fotoelétrons, caracterização de materiais, análise de superfícies, XPS. INTRODUÇÃO Hoje em dia há várias técnicas de análise de superfícies que empregam a interação de fótons, elétrons, íons ou átomos com as superfícies de materiais. A espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (X-ray photoelectron spectroscopy - XPS) é a técnica analítica mais usada na caracterização de superfícies, sendo empregada na análise de vários tipos de amostras: metais, polímeros, cerâmicas, compósitos, semicondutores e amostras biológicas; na forma de lâminas, fibras, pós, partículas ou filmes (1-3) . A espectroscopia de fotoelétrons foi desenvolvida pelo grupo do Prof. Kai Siegbah, em Uppsala, Suécia, nas décadas de 1940 e 50, tendo sido denominada ESCA (electron spectroscopy for chemical analysis) (4) . Pelo desenvolvimento dessa 19º Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais – CBECiMat, 21 a 25 de novembro de 2010, Campos do Jordão, SP, Brasil 6113

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CARACTERIZAÇÃO DE MATERIAIS POR ESPECTROSCOPIA DE FOTOELÉTRONS

Pedro A. P. Nascente DEMa/UFSCar, Via Washington Luis, km 235, CEP 13565-970 São Carlos – SP

E-mail: [email protected]

RESUMO

Os elétrons de baixa energia são adequados à investigação das superfícies devido a seu pequeno livre caminho médio nos sólidos, que corresponde a apenas algumas camadas atômicas (0.5 a 3.0 nm), e podem ser usados em um dos seguintes modos: os elétrons incidentes causam a emissão de elétrons retroespalhados e secundários e os elétrons são excitados por fótons irradiados. O primeiro caso inclui a emissão de elétrons de Auger, enquanto que a fotoemissão se enquadra no segundo caso. A espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS) é uma das mais usadas técnicas de análise de superfícies uma vez que possui a habilidade de não apenas identificar os constituintes da superfície, mas também os seus estados químicos. XPS pode ser empregada em vários campos da ciência e engenharia, mas aqui serão apresentados apenas alguns exemplos de seu uso na caracterização de materiais metálicos, com ênfase em filmes finos de metais nobres e de transição. Palavras-chaves: espectroscopia de fotoelétrons, caracterização de materiais, análise de superfícies, XPS.

INTRODUÇÃO

Hoje em dia há várias técnicas de análise de superfícies que empregam a

interação de fótons, elétrons, íons ou átomos com as superfícies de materiais. A

espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (X-ray photoelectron

spectroscopy - XPS) é a técnica analítica mais usada na caracterização de

superfícies, sendo empregada na análise de vários tipos de amostras: metais,

polímeros, cerâmicas, compósitos, semicondutores e amostras biológicas; na forma

de lâminas, fibras, pós, partículas ou filmes (1-3).

  A espectroscopia de fotoelétrons foi desenvolvida pelo grupo do Prof. Kai

Siegbah, em Uppsala, Suécia, nas décadas de 1940 e 50, tendo sido denominada

ESCA (electron spectroscopy for chemical analysis) (4). Pelo desenvolvimento dessa

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técnica, Siegbahn recebeu o prêmio Nobel em Física em 1981. Na espectroscopia

de fotoelétrons, uma fonte de radiação eletromagnética é usada para ejetar os

elétrons da amostra. Dois tipos de fontes convencionais de fótons são usados: uma

lâmpada de descarga de hélio, que produz radiação ultravioleta (hν = 21,2 e 40,8 eV

para He I e He II, respectivamente), dando origem à espectroscopia de fotoelétrons

excitados por ultravioleta (ultraviolet photoelectron spectroscopy - UPS), e raios X

moles (hν = 1253,6 e 1486,6 eV para as linhas Kα do magnésio e do alumínio,

respectivamente), usados em XPS. Para a análise de superfícies, XPS é muito mais

importante que UPS, pois esta é mais específica aos elétrons de valência.

Os fotoelétrons têm uma distribuição de energia cinética que consiste de picos

discretos associados aos níveis dos elétrons do átomo fotoionizado. A energia de

ligação de um elétron pode ser obtida diretamente pela medida da sua energia

cinética, uma vez que a energia dos fótons incidentes é conhecida (1-3, 5). A

identificação dos elementos presentes na superfície é feita pelas energias e ligação

dos fotoelétrons. A intensidade (área integrada sob o pico fotoelétrico) é proporcional

à quantidade dos átomos no volume detectado, permitindo, assim, a análise semi-

quantitativa da superfície (1-3, 5).

MATERIAIS E MÉTODOS

Um espectrômetro de XPS compõe-se de uma câmara de ultra-alto vácuo, uma

fonte de raios X, um canhão de íons, um canhão de elétrons, um manipulador de

amostras, um analisador de elétrons e um computador. Um dispositivo de inserção é

usado para trocar as amostras sem quebrar o vácuo. O canhão de íons é usado

para limpeza das amostras e para análises de perfilamento de composição. Os

materiais dielétricos podem carregar-se eletrostaticamente durante o processo de

fotoemissão; uma fonte de elétrons de baixa energia pode ser usada para neutralizar

esse carregamento.

Os resultados relatados neste trabalho foram obtidos empregando-se um

espectrômetro da Kratos Analytical, modelo XSAM HS. Foi empregada uma fonte

dupla de Mg e Al, que produz fótons com 1253,6 e 1486,6 eV, respectivamente. As

medidas foram feitas em ultra-alto vácuo (pressão na faixa de 10-7 Pa). O ajuste dos

picos foi feito usando o método de subtração de fundo de Shirley, curvas gaussianas

ou mistas (gaussianas-lorentzianas) e uma rotina de mínimos quadrados. As

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energias de ligação foram referenciadas ao componente C 1s de hidrocarboneto a

284,8 eV.

Os filmes finos foram depositados sobre substratos de Si(111) e GaAs(100) por

pulverização catódica (sputtering), empregando-se um equipamento da Balzers,

modelo BA 510, instalado no LNLS, nas seguintes condições: pressão inicial de

4x10-5 Pa, pressão parcial de argônio de 0,4 Pa, corrente de 0,15 A, voltagem de

0,9 kV, taxa de deposição de 0,05 nm/s e deposição feita à temperatura ambiente. O

crescimento das bicamadas de Au-Pd envolveu, primeiramente, a deposição de uma

camada de 100 nm de espessura de Pd (Au) sobre a superfície do substrato, tendo

uma camada adesiva ultra-fina (10 nm) de Ti, e depois a deposição de um filme de

10 nm de Au (Pd).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Fig. 1 apresenta os seguintes espectros de XPS: (a) Pd 3d para

Pd/Au/Si(111), (b0 Au 4f para Au/Pd/Si(111), (c) Pd 3d para Pd/Au/GaAs(100) e (d)

Au 4f para Au/Pd/GaAs(100). Os dubletos Pd 3d foram ajustados com quatro

componentes para cada pico (Figs. 1(a) e 1(c)). O principal componente de Pd 3d5/2

a 335,5 eV, com uma quantidade relativa de 67%, para o substrato de Si(111), e

64%, para o substrato de GaAs(100), corresponde ao Pd metálico. O componente a

336,5 eV, com 27% e 28% para Si(111) e GaAs(100), respectivamente, está

associado a PdO. O componente a aproximadamente 338 eV, com 6% e 8% para

Si(111) e GaAs(100), respectivamente, pode estar relacionado a PdO2. O quarto

componente a aproximadamente 339 eV foi usado no ajuste devido à assimetria do

pico Pd 3d5/2.

O dubleto Au 4f foi ajustado com dois componentes para cada pico (Figs. 1(b) e

1(d). O componente a 83,9 eV, com 95% para os dois substratos, corresponde a Au

metálico, enquanto que o componente a 85,7 eV (5%) corresponde a Au2O3 (6). Os

resultados indicam que a camada de ouro resiste muito mais à oxidação ambiental

que a camada de paládio.

Foi relatada na literatura (7) a formação de silicetos de ouro e paládio quando os

filmes foram depositados sobre substratos de silício, mas não foi detectada neste

trabalho, provavelmente devido à presença da camada adesiva de titânio.

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(a) (b)

(c) (d)

Figura 1. Espectros de XPS para as bicamadas de ouro-paládio: (a) Pd 3d para

Pd/Au/Si(111), (b) Au 4f para Au/Pd/Si(111), (c) Pd 3d para Pd/Au/GaAs(100) e (d)

Au 4f para Au/Pd/GaAs(100).

A técnica XPS foi também empregada no estudo de filmes finos de níquel

depositado em paládio e de paládio depositado em níquel (8). Os resultados

mostraram que a superfície do filme de Ni sobre Pd estava parcialmente oxidada,

enquanto que a superfície do filme de Pd sobre Ni estava predominantemente

metálica. Em uma investigação similar (8), filmes finos de paládio foram depositados

em substratos de cobre, prata e ouro. Para os três substratos, os espectros Pd 3d

correspondiam principalmente a Pd metálico, com pequenas contribuições de PdO e

PdO2.

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CONCLUSÃO

Este trabalho descreve brevemente a técnica de XPS e apresenta a

caracterização das superfícies de bicamadas de Au-Pd. A superfície da bicamada

Au/Pd apresentou-se predominantemente metálica, com uma pequena (5%)

contribuição de óxido de ouro (Au2O3), enquanto que a superfície da bicamada

Pd/Au estava consideravelmente oxidada (aproximadamente 35% de PdO e PdO2).

AGRADECIMENTOS

Este trabalho contou com auxílio financeiro das agências FINEP, FAPESP e

CNPq. O autor gostaria de agradecer o físico Ângelo L. Gobbi, do LNLS, pela

preparação dos filmes finos.

REFERÊNCIAS 1. BRIGGS, D.; SEAH, M.P. Practical surface analysis, Chichester: John Wiley &

Sons, 1990.

2. O’CONNOR, D.J.; SEXTON, B.A.; SMART, R.St.C. Surface analysis methods in

materials science. Berlin: Springer-Verlag, 1992.

3. WATTS, J.F.; WOLSTENHOLME, J. An introduction to surface analysis by

XPS and AES. Chichester: John Wiley & Sons, 2003.

4. SIEGBAHN, K., et alli. ESCA: Atomic, Molecular and Solid State Structure

Studied by means of Electron Spectroscopy, Uppsala: Almquist & Wiksells, 1967. 5. NASCENTE, P.A.P. Materials characterization by X-ray photoelectron

spectroscopy. Journal of Molecular Catalysis A: Chemical, v. 228, pp. 145-150,

2005.

6. KOSLOWSKI, B., et alli. Oxidation of preferentially (111)-oriented Au films in an

oxygen plasma investigated by scanning tunneling microscopy and photoelectron

spectroscopy. Surface Science, v. 475, pp. 1-10, 2001.

7. YALCIN, S.; AVCI, R. Characterization of PdAu thin films on oxidized silicon

wafers: interdiffusion and reaction. Applied Surface Science, v. 214, pp. 319-337,

2003.

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8. PINHEIRO, L.M.P., et alli. Structure, morphology and composition of thin Pd and

Ni films deposited by dc magnetron sputtering on polycrystalline Ni and Pd foils.

Journal of Physics D Applied Physics, v. 38, pp. 4241-4244, 2005.

8. NASCENTE, P.A.P., et alli. Structure, morphology, and composition of nanometric

Pd films deposited by dc magnetron sputtering on Cu, Ag, and Au foils. Materials

Science and Enginnering A, v. 432, pp. 303-307, 2006.

MATERIALS CHARACTERIZATION BY PHOTOELECTRON SPECTROSCOPY

ABSTRACT

Low energy electrons are suitable for investigating surfaces due to their low mean free path in solids, which correspond to a few atomic layers (0.5 to 3.0 nm), and could be used in one of the following ways: incident electrons cause the emission of backscattered and secondary electrons and the electrons are excited by irradiated photons. The first case includes the emission of Auger electrons, while photoemission corresponds to the second case. X-ray photoelectron spectroscopy (XPS) is one of the most used surface analysis techniques since it is able to identify not only the surface constituents but also their chemical states. XPS can be employed in several areas of science and engineering, but in this report it will be presented only few examples of its use in the characterization of metallic materials, with an emphasis on thin films of noble and transition metals. Key-words: photoelectron spectroscopy, materials characterization, XPS.

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