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Drosofilídeos (Diptera, Insecta) do Cerrado Drosofilídeos (Diptera, Insecta) do Cerrado FOTO: ALDICIR SCARIOT FOTO: ALDICIR SCARIOT Rosana Tidon Denise F. Leite Luzitano B. Ferreira Bárbara F. D. Leão Departamento de Genética e Morfologia Universidade de Brasília Brasília, DF. Rosana Tidon Denise F. Leite Luzitano B. Ferreira Bárbara F. D. Leão Departamento de Genética e Morfologia Universidade de Brasília Brasília, DF. Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20 Capítulo 20

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Drosofilídeos(Diptera, Insecta)

do Cerrado

Drosofilídeos(Diptera, Insecta)

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Departamento de Genética e MorfologiaUniversidade de Brasília

Brasília, DF.

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Luzitano B. Ferreira Bárbara F. D. Leão

Departamento de Genética e MorfologiaUniversidade de Brasília

Brasília, DF.

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Constantino

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Diversidade e endemismo de térmitas

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INTRODUÇÃO

Os insetos são excelentes orga-nismos para investigar questõesecológicas, tais como a proposição demodelos que visem o desenvolvimentosustentável do planeta, em face dasacentuadas modificações ambientaiscausadas pelo homem (Lawton, 2001).Drosofilídeos, em particular, sãoextremamente apropriados para explorartais questões, uma vez que são pequenose numerosos em termos de indivíduos ede espécies, amplamente distribuídos,sensíveis a modificações ambientais,facilmente coletados, possuem ciclo devida curto e são facilmente manipuladosnos laboratórios. Devido a essascaracterísticas, esses insetos têm sidointensivamente utilizados em pesquisas,produzindo uma vasta literatura emvárias áreas da Biologia. Nenhum outromodelo biológico tem sido estudado comtanta freqüência e em níveis tão diversosquanto as moscas do gênero Drosophila:em 1900 já havia 358 citações dessegênero em trabalhos científicos (Powell,1997).

A família Drosophilidae possuirepresentantes em praticamente todas asregiões biogeográficas, em diversos tiposde ecossistemas. Algumas espécies sãoendêmicas de determinadas áreas eoutras são cosmopolitas, sendo quemuitas desta última categoriadispersaram-se pelo mundo devido à suacapacidade de associação ao homem.São conhecidas mais de 2.800 espéciesde Drosophilidae, quase 60% delaspertencentes ao gênero Drosophila.Wheeler (1986) se refere a 1.595 espéciesdesse gênero no “Catalog of the WorldDrosophilidae”, e desde então dezenasde espécies novas foram registradas naliteratura, inclusive, no Brasil (Val &Marques, 1996; Vilela & Bächli, 2000;Tidon-Sklorz & Sene, 2001). Certamente,a fauna das regiões temperadas é muitomelhor conhecida do que a das regiõestropicais, onde provavelmente existemcentenas de espécies ainda por descrever(Wheeler, op. cit.).

Em geral, as moscas dessa famíliasão pequenas (cerca de 3mm) e apre-sentam coloração amarela, marrom oupreta, algumas vezes com padrõescoloridos na parte dorsal do tórax. Asasas geralmente são claras e o abdome

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freqüentemente possui faixas oumanchas que podem estar presentes emalguns ou em todos os tergitos (Wheeler,1981). A maioria dos drosofilídeosalimenta-se de microorganismos,principalmente leveduras, presentes emfungos ou vegetais em decomposição.Algumas espécies são restritasecologicamente, utilizando como sítio dereprodução somente uma espéciehospedeira; outras são mais versáteis,podendo utilizar uma variada gama derecursos em diferentes fungos e(ou)plantas.

Embora os primeiros dados sobreespécies brasileiras de Drosophilatenham sido publicados por Duda em1925, levantamentos mais sistemáticosforam realizados apenas a partir dadécada de 1940 (Pavan & Cunha, 1947;Dobzhansky & Pavan, 1943, 1950; Pavan,1950, 1959; Mourão et al., 1965).Posteriormente, com base nas infor-mações dos trabalhos precedentes e deum extensivo programa de coletas, Seneet al. (1980) e Vilela et al. (1983)discutiram a fauna drosofiliana dosdomínios morfoclimáticos brasileiros,visando conhecer a distribuiçãogeográfica das espécies mais comuns. Afauna de drosofilídeos do Brasil Central,entretanto, foi pouco amostrada nessestrabalhos.

Nesse contexto, o objetivo dopresente trabalho foi o de listar asespécies de drosofilídeos atualmenteconhecidas no Cerrado, discutindo suaocorrência na região em termosecológicos e biogeográficos.

METODOLOGIA

A presente compilação foi elaboradacom base em dois tipos de fontes. Aprimeira refere-se aos registros deocorrência de drosofilídeos publicados

na literatura, no período compreendidoentre 1950 e 2001. Nesse levantamento,foram incorporadas apenas aslocalidades incluídas no bioma Cerradosensu Ab’Saber (1977). Áreas comvegetação de cerrado sensu strictosituadas além dos domínios desse biomanão foram consideradas. Adicio-nalmente, foram considerados dados decoletas realizadas por nós, em diversaslocalidades do Brasil Central, no períodocompreendido entre 1997 e 2002. Nestacategoria, incluem-se visitas mensais aoParque Nacional de Brasília (PNB: 15o

40' S; 47o 54’W) e à Reserva Ecológicado IBGE (RECOR: 15o 56' S; 47o 53' W)durante um período de dois anos, emambientes urbanos da cidade de Brasíliadurante um ano, além de outras coletasesparsas mencionadas oportunamente.

A captura de drosofilídeos geral-mente envolve o uso de iscas de frutasfermentadas (em armadilhas oudepositadas diretamente sobre o solo),cujos microorganismos atraem essasmoscas. Os insetos atraídos, coletadoscom rede entomológica, em geral sãolevados vivos para o laboratório, ondesão identificados sob lupa binocular(Dobzhansky & Pavan, 1943; Pavan &Cunha, 1947; Freire-Maia & Pavan, 1949;Frota-Pessoa, 1954). Em alguns casos adeterminação das espécies é feitamediante a análise da genitáliamasculina, cuja morfologia é diagnóstica(Val, 1982; Vilela & Bachli, 1990; Vilela,1992). Assim, é importante ressaltar queas espécies de Drosophilidae mencio-nadas neste trabalho restringem-seàquelas atraídas por iscas de frutasfermentadas, não incluindo, portantoespécies associadas a fungos, flores eeventuais outros substratos.

ESPÉCIES DE DROSOFILÍDEOSREGISTRADAS NO BIOMA CERRADO

A Tabela 1 lista as espécies cujaocorrência já foi registrada no Cerrado.

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Drosofilídeos

Tabela 1. Relação das espécies de drosofilídeos registradas no Bioma Cerrado

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Drosofilídeos

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Tidon, Leite, Ferreira & Leão

Após o nome da espécie seguem asreferências que a registram no bioma eos tipos de ambientes onde foi feita acaptura (informação nem sempredisponível).

Foram identificados três gêneros deDrosophilidae no bioma Cerrado.Drosophila, o maior na Região Neotro-pical, contempla 75 das 77 espécieslistadas. Scaptodrosophila e Zaprionusestão representados por apenas umaespécie cada um.

Dentre as 77 espécies dedrosofilídeos reconhecidas, 67 sãoendêmicas da Região Neotropical e 10nela introduzidas (D. ananassae, D.busckii, D. hydei, D. immigrans, D.

kikkawai, D. malerkotliana, D.melanogaster, D. simulans, Scapto-drosophila latifasciaeformis e Zaprionusindianus). Várias dessas espécies sãosinantrópicas e colonizaram a área apósa chegada do homem, alterando acomposição da fauna drosofiliana daregião. Espécies da fauna nativa sãoencontradas em todas as fitofisionomiasdo bioma, demonstrando o alto grau deplasticidade adaptativa dessa família.

A seguir, são apresentadas algumasinformações a respeito de cada uma dasespécies encontradas no Cerrado. Osgêneros e subgêneros estão ordenadossegundo sua importância relativa naRegião Neotropical. As categorias

Tabela 1. Relação das espécies de drosofilídeos registradas no Bioma Cerrado

*: novos registros para o CerradoRegistros - 1. Burla & Pavan, 1953; 2. Dobzhansky & Pavan, 1950; 3. Ehrman & Powell, 1982; 4. Magalhães, 1962;5. Pavan, 1950; 6. Pavan, 1959; 7. Pavan & Breuer, 1954; 8. Sene et al., 1980; 9. Tidon-Sklorz & Sene, 1995a; 10.Tidon-Sklorz & Sene, 2001; 11. Tidon-Sklorz et al., 1994; 12. Val & Sene, 1980; 13. Val, et al., 1981; 14.Vilela et al.,1983; 15. Vilela & Mori, 1999; 16. Coletas na RECOR; 17. coletas no PN; 18. Coletas em ambientes urbanos deBrasilia-DF 19. Coletas na Fazenda Água Limpa, DF; 20 Coletas em Pirenópolis-GO. - ca = cerradão, ce = cerradosensu stricto, mg = mata de galeria, po = pomar, ar = afloramento rochoso, au = ambientes urbanos.

(continuação)

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Drosofilídeos

“grupo” e “subgrupo”, embora nãoreconhecidas formalmente pelataxonomia, têm sido amplamenteutilizadas para reunir espécies dedrosofilídeos presumivelmente aparen-tadas (Patterson & Stone, 1952; Vilela,1983). Tais agrupamentos, definidos combase na morfologia do adulto, das formasimaturas, e dos cromossomos, sãoelaborados com o intuito de refletirgrupos monofiléticos de espécies.Informações detalhadas sobre aclassificação dos drosofilídeos, bemcomo referências relativas às descriçõesdas espécies, podem ser consultadas online no banco de dados TaxoDros (Bächli,1999).

Gênero Drosophila

Subgênero Drosophila

Grupo annulimana

Este grupo compreende 15 espéciesneotropicais, encontradas principalmen-te em florestas úmidas (Tosi & Pereira,1993). Cinco delas estão registradas noCerrado.

D. aragua (Vilela & Pereira) e D.arauna (Pavan & Nacrur) já eramconhecidas de áreas florestadas doEstado de São Paulo (Vilela & Pereira,1982; Tidon-Sklorz & Sene, 1992; Tosi &Pereira, 1993) e, no caso de D. aragua,também da Argentina. Este é o primeiroregistro dessas espécies no Cerrado, ondeforam capturadas em matas de galeria ecerrados sensu stricto (neste últimoapenas D. aragua).

D. ararama (Pavan & Cunha) ocorreem ambientes onde normalmente não secoletam espécies deste grupo, tais comocerrados e restingas (Mourão, 1966; Seneet al., 1980). No Brasil Central, essaespécie foi registrada em cerrados ematas de galeria.

D. annulimana (Duda) e D. aff.arapuan (Cunha & Pavan) foramcoletadas apenas na Serra do Cipó (Vilela& Mori, 1999), localizada no extremoleste do bioma Cerrado.

Grupo aureata

D. aureata (Wheeler), a únicaespécie deste grupo, já havia sidoregistrada do México ao Panamá. Suaocorrência na Serra do Cipó (Vilela &Mori, 1999) ampliou sua distribuiçãopara a América do Sul continental.

Grupo bromeliae

O único espécime de D. bromelioides(Pavan & Cunha) registrado no Cerradofoi coletado na Serra do Cipó (Vilela &Mori, 1999). Todas as espécies destepequeno grupo neotropical criam-se ealimentam-se em flores, não sendo,portanto, comuns em iscas de frutasfermentadas.

Grupo calloptera

As oito espécies deste grupo (Val etal., 1981) possuem manchas escuras nasasas, compondo desenhos peculiares. NoCerrado foram capturadas duas espécies,ambas em matas de galeria: D. schildi(Malloch), que ocorre desde o sudestedo Brasil até a América Central (Burla &Pavan, 1953), e D. atrata (Burla &Pavan), espécie amplamente distribuídaem florestas da América do Sul (Val etal., op. cit.). Este é primeiro registro deD. atrata no domínio do Cerrado.

Grupo canalinea

D. canalinea (Patterson & Mainland)foi registrada em diversas localidadesbrasileiras na década de 1950(Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan,1959), inclusive nos cerrados de Goiás.Expedições mais recentes não fazemreferência a este grupo, que inclui outras10 espécies.

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Tidon, Leite, Ferreira & Leão

Grupo cardini

Segundo Heed e Russell (1971) ogrupo inclui 16 espécies ecologicamenteversáteis, amplamente distribuídas nasAméricas. Quatro delas foramencontradas no Cerrado.

D. cardini (Sturtevant) e D.cardinoides (Dobzhansky & Pavan) sãomorfologicamente muito semelhantes, esuspeita-se que vários dos inventáriosrealizados no Brasil possam terconfundido essas duas espécies (Vilelaet al., 2002). De qualquer maneira,ambas já haviam sido registradas noCerrado (Sene et al., 1980), ondeocorrem em diversos tipos de ambientes.

D. polymorpha (Dobzhansky &Pavan) ocorre da Guatemala até o Brasil,onde vem sendo coletada desde osprimeiros levantamentos (Dobzhansky &Pavan, 1943, 1950), em diversos tiposde ambientes: florestas, cerrados,restingas, e até mesmo em associaçãocom o homem. Trata-se de uma espécierelativamente abundante nos diferentesdomínios morfoclimáticos, exceto nascaatingas (Sene et al., 1980).

D. neocardini (Streisinger) tambémé uma espécie amplamente distribuídano Brasil, mas geralmente rara nascoletas (Sene et al., 1980), este é seuprimeiro registro no Cerrado onde foicapturada em matas de galeria e cerradosensu stricto.

Grupo coffeata

Este grupo inclui quatro espéciesneotropicais (Vilela & Bächli, 1990), eapenas D. fuscolineata (Duda) foicoletada no Cerrado até o momento(tanto em matas de galeria como emcerrado sensu stricto). Essa espécie, quepossui ampla distribuição geográfica, doMéxico até o Brasil, foi descrita tambémcomo D. castanea e D. fumosa (Vilela &Bächli, op cit.).

Grupo dreyfusi

As nove espécies que compõem estegrupo são, aparentemente, restritas aflorestas. Embora D. camargoi(Dobzhansky & Pavan) tenha sidoregistrada no Cerrado na década de 1950(Pavan, 1950; Pavan & Breuer, 1954), nãotem sido coletada no Brasil Central. D.dreyfusi (Dobzhansky and Pavan), poroutro lado, foi recentemente encontradana Serra do Cipó (Vilela & Mori, 1999).

Grupo guarani

Este grupo é formado por 13 espéciesneotropicais (Tidon-Sklorz et al., 1994),cinco delas registradas no Cerrado. D.maculifrons (Duda) é amplamentedistribuída no Brasil em váriosambientes, com a exceção das caatingas(Sene et al., 1980), e vem sendoregistrada no Cerrado desde a década de1950. Em contraste, D. griseolineata(Duda) e D. guaraja (King) foramcoletadas apenas na Serra do Cipó.

D. ornatifrons (Duda) ocorre na MataAtlântica (Sene et al., 1980) e emdiversos ambientes do bioma Cerrado.D. guaru (Dobzhansky & Pavan),coletada no Estado de São Paulo noslevantamentos pioneiros (Dobzhansky &Pavan, 1943), não vinha sendo registradaem coletas mais recentes; entretanto, em1999 ela foi encontrada em mata degaleria no Parque Nacional de Brasília,seu primeiro registro no Cerrado.

Grupo immigrans

D. immigrans (Sturtevant) é umaespécie introduzida e cosmopolita, aúnica deste grupo que ocorre na RegiãoNeotropical (Val et al., 1981). Ela já haviasido coletada em associação com ohomem e em áreas de cerrados eflorestas, entretanto nunca foi registradaem caatingas e dunas (Sene et al., 1980).

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Drosofilídeos

Esta espécie tem sido capturadaregularmente em diversos ambientes doCerrado.

Grupo pallidipennis

D. pallidipennis (Dobzhansky &Pavan) distribui-se em diversos tipos deambientes, com exceção das caatingas(Sene et al., 1980). Tem sido capturadaesporadicamente em cerrado sensustricto.

Grupo repleta

Este é o maior grupo de drosófilasneotropicais abrangendo, atualmente,mais de 100 espécies. Inclui seissubgrupos (Rafael & Arcos, 1989), cincodeles presentes no Cerrado.

Subgrupo fasciola

É formado por 20 espéciespredominantemente associadas a matas,embora algumas delas tenham cactáceascomo local de criação. Três delas foramregistradas no Cerrado. D. coroica(Wasserman) foi encontrada noscerrados de Campo Grande (MS),Bolívia, Argentina, e em matasmesofíticas do Estado de São Paulo(Vilela et al., 1983; Tidon-Sklorz & Sene,1992). D. rosinae ocorre na regiãooriental da América do Sul, incluindo aSerra do Cipó, e D. onca (Dobzhansky &Pavan) distribui-se desde o Cerrado atéo sul do Brasil (Vilela et al., op. cit.).

Subgrupo hydei

O subgrupo hydei é formado por seisespécies nominais que se distribuem naparte norte da América do Sul, AméricaCentral, e sudeste da América do Norte.D. hydei (Sturtevant) é a única espéciecosmopolita do subgrupo. Foi registradapor Vilela et al. (1983) em vegetaçãoaberta na América do Sul, incluindo oCerrado, especialmente em áreasalteradas pelo homem e continua sendo

registrada com regularidade em diversostipos de ambientes desse bioma, embaixas freqüências.

Subgrupo mercatorum

Das quatro espécies incluídas nosubgrupo mercatorum, duas ocorrem noCerrado. D. mercatorum (Patterson &Wheeler) é abundante em ambientesnaturais, principalmente os de vegetaçãoaberta (Sene et al., 1981; Vilela et al.,1983), e foi encontrada também emquintais e quitandas (Oliveira & Sene,1993). D. paranaensis (Barros) é umaespécie críptica de D. mercatorum que,embora mais rara, também éamplamente distribuída, ocorrendo emambientes naturais do México àArgentina. No Brasil, já foi encontradaem vegetação de cerrado, dunas, e matassecundárias (Vilela et al., 1983; Sene &Santos, 1988). As duas espécies foramregistradas tanto em ambientes naturaiscomo urbanos.

Subgrupo mulleri

Com mais de 35 espécies descritas,este é o maior subgrupo do grupo repleta,e praticamente todas as suas espéciesusam cactáceas como local de criação.Em decorrência desta especificidade denicho, estas espécies ocupam áreas ondeocorrem cactáceas em todo continenteamericano, predominantemente emregiões semidesérticas ou desérticas.

D. buzzatii (Patterson & Wheeler),provavelmente originada no Chacoargentino, foi levada pelo homem,juntamente com um dos seushospedeiros, Opuntia ficus-indica, paravárias partes do mundo. No Brasil ela éabundante nos estados do sul, ocorrendojunto com O. monachanta. Emborademonstre preferência por cactos dogênero Opuntia, suas larvas também jáforam observadas criando-se em cactosdo gênero Cereus (Pereira et al., 1983).

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Tidon, Leite, Ferreira & Leão

Essa espécie, que já havia sido registradano Cerrado (Vilela et al., 1983), foicapturada por nós em afloramentosrochosos próximos à cidade dePirenópolis-GO.

D. nigricruria (Patterson &Mainland) possui ampla distribuiçãogeográfica, já havia sido registrada noEstado de Goiás (Vilela et. al., 1983), etem sido capturada em cerrados sensustricto e matas de galeria.

D. meridionalis (Wasserman) ocorreem diversos locais com vegetação secana América do Sul, incluindo os limitesorientais do bioma Cerrado, onde hááreas com esse tipo de vegetação (Tidon-Sklorz et al., 1994). D. Borborema, umaespécie endêmica da Caatinga, tambémocorre nos limites orientais do biomaCerrado (Vilela et al., 1983, Tidon-Sklorz& Sene, 1995a).

D. serido (Vilela & Sene) eraconsiderada uma espécie politípicaamplamente distribuída na América doSul (Sene et al., 1988). Atualmente, asrelações filogenéticas que compõem esseconjunto de espécies já estão mais bemesclarecidas (Tidon-Sklorz & Sene,1995b), de maneira que podemosidentificar as duas espécies que ocorremno bioma Cerrado: D. seriema (Tidon-Sklorz & Sene), restrita aos campos dealtitude da Cadeia do Espinhaço (Tidon-Sklorz & Sene, 1995c), e D. gouveai(Tidon-Sklorz & Sene), distribuída nasáreas mais secas da região central do país(Tidon-Sklorz & Sene, 2001).

Subgrupo repleta

D. repleta (Wollaston), uma das seteespécies desse subgrupo, é generalista eencontrada em praticamente todos osambientes urbanos (quitandas, ban-heiros, lixões, etc.), sendo dificilmentecoletada em ambientes naturais. Dada asua ampla distribuição e à dificuldade

de identificação inerente a todas asespécies do grupo, Vilela (1983)encontrou cerca de 10 sinonímias destaespécie. D. zotti (Vilela) e D.pseudorepleta (Vilela and Bächli) temocorrência registrada nas porçõessudeste e sul da América do Sul; noCerrado, são conhecidas apenas da Serrado Cipó.

Grupo tripunctata

Segundo Vilela (1992), este grupode espécies é o segundo maior dedrosófilas na Região Neotropical, deonde é endêmico; a única espécie dogrupo que ocorre fora dessa área é D.tripunctata (Loew), registrada na RegiãoNeartica. O grupo tripunctata foiproposto formalmente por Sturtevant, em1942, e desde então diversas espéciesnovas foram nele incluídas (Frota-Pessoa, 1954; Heed & Wheeler, 1957;Pipkin & Heed, 1964).

A identificação das espécies destegrupo geralmente é difícil, devido àgrande variação intra-específica e, emalguns casos, à semelhança entrediferentes espécies. Como ocorre comoutros grupos de Drosophila, amorfologia da genitália masculina temsido usada como um caráter confiávelpara discriminar as espécies. Ilustraçõessobre a genitália dessas espécies, assimcomo maiores informações sobre suasistemática, podem ser obtidas em Vilela(1992) e referências inclusas.

Segundo Sene et al. (1980), osespécimes deste grupo são muitoabundantes em florestas, podem serencontrados em baixas freqüências emcerrados, dunas, e estão ausentes dascaatingas. Pavan (1959) sugere que asmoscas do grupo tripunctata são maisfreqüentes nas proximidades de rios elagos durante os meses frios do ano.

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Drosofilídeos

Atualmente, 13 espécies deste gruposão conhecidas no Cerrado, sendo quetrês delas estão sendo registradas nessebioma pela primeira vez. D.bandeirantorum (Dobzhansky & Pavan),D. medioimpressa (Frota-Pessoa), D.mediopunctata (Dobzhansky & Pavan),D. mediostriata (Duda) e D.paraguayensis (Duda), já haviam sidoregistradas no Bioma, e continuam sendocapturadas principalmente em matas degaleria. Por outro lado, D. albirostris(Sturtevant), D. mediopicta (FrotaPessoa), D. mesostigma (Frota Pessoa),D. trapeza (Heed & Wheeler) e D.unipunctata (Patterson & Mainland)foram coletadas apenas na Serra do Cipó.Por fim, este é o primeiro registro noCerrado de D. bifilum (Frota-Pessoa), D.neoguaramunu (Frydenberg) e D.paramediostriata (Townsend &Wheeler).

Grupo virilis.

D. virilis (Sturtevant) é uma espécieamplamente distribuída, a única dogrupo que ocorre na região Neotropical.No Cerrado, foi encontrada apenas naSerra do Cipó.

Não agrupadas

D. impudica (Duda) (syn = D.para), espécie com ampla distribuiçãogeográfica, e D. caponei (Pavan &Cunha), espécie aparentementeassociada a florestas, foram encontradasna periferia do bioma Cerrado.

Subgênero Sophophora

Grupo melanogaster

Com mais de 160 espécies descritase, provavelmente, originário do sudesteasiático, este grupo apresenta espéciesque foram introduzidas em várias regiõesdo mundo e que se tornaramcosmopolitas ou subcosmopolitas

(Lemeunier et al. 1986; Toda, 1991).Quatro delas têm registro do Cerrado.

D. kikkawai (Burla) já era conhecidano Brasil desde a década de 1950 (Freire-Maia, 1953), porém, de acordo comFreire-Maia (1964), nessa ocasião essaespécie era ocasionalmente confundidacom D. montium (Meijere). SegundoWheeler (1981), D. montium ocorresomente em Java, e D. kikkawai é umaespécie subtropical. Embora esta últimatenha registro nos cerrados próximos àBrasília (Sene et al., 1980), ela não temsido encontrada desde 1996.

D. malerkotliana (Parshad & Paika)foi encontrada na América do Sul pelaprimeira vez em 1976 (Val & Sene, 1980).Acredita-se que tenha sido introduzidatambém na África, onde se tornou muitoabundante (Chassagnard et al., 1989).Há registros de D. malerkotliana emdiversos biomas incluindo o Cerrado(Sene et al., 1980), onde ocorre emdiversos tipos de ambientes.

D. melanogaster (Meigen) é umaespécie sinantrópica e sua presença podeser considerada um indicador deatividades humanas nas proximidades.Essa espécie já havia sido registrada noCerrado (Sene et. al., 1980), e continuasendo capturada em freqüências muitobaixas.

D. simulans (Sturtevant) tem sido aespécie deste grupo mais abundante emvárias localidades, e muito mencionadanos inventários de drosofilídeos (porexemplo: Dobzhansky & Pavan, 1950;Pavan, 1959; Sene et al., 1980; Val &Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz & Sene,1992). Das espécies introduzidas naregião Neotropical, é a que melhor seadaptou às diferentes regiõesfitogeográficas, principalmente em áreasabertas (Perondini et al., 1979). É muitoabundante no Cerrado, em diversos tipos

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Tidon, Leite, Ferreira & Leão

de ambientes (uma notável exceção é amata de galeria do Parque Nacional deBrasília, onde houve predominância dasespécies do subgrupo willistoni). Emcontraste, D. ananassae (Doleschall),uma espécie muito rara na regiãoNeotropical, foi registrada apenas naSerra do Cipó e em baixas freqüências.

Grupo saltans

Este grupo é formado por cerca de20 espécies (Val et al., 1981), todasconhecidas da Região Neotropical.Segundo alguns autores (Pavan, 1959;Sene et al., 1981), estas moscasapresentam acentuada variação sazonale são muito sensíveis às técnicas decoleta.

D. austrosaltans (Spassky) foiconsiderada por Mourão (1966) comouma espécie rara. No Cerrado, foiregistrada por Sene et al. (1980) emCaracol (MS), e tem sido capturada naReserva Ecológica do IBGE.

Embora D. neocordata (Magalhães)tenha sido registrada no Cerrado porSene et al. (1980), não foi identificadaem nossas coletas. D. neoelliptica (Pavan& Magalhães) já foi reconhecida emGoiás (Pavan, 1950; Magalhães, 1962),mas aparentemente é mais comum naFloresta Atlântica (Sene et al., 1980).Também não foi capturada por nós nasimediações de Brasília.

D. prosaltans (Duda) e D. sturtevanti(Duda) são espécies amplamentedistribuídas nas Américas Central e doSul. Ocorrem em diferentes domíniosmorfoclimáticos, embora tenham maiorafinidade pelos cerrados (Sene et al.,1980). As duas têm sido coletadas nessebioma, inclusive por nós, em diferentesambientes. No caso de D. sturtevanti, épossível que nossas amostras incluamainda outras espécies crípticas àmencionada, o que deverá seresclarecido em estudos posteriores.

Grupo willistoni

Este grupo, praticamente neotrópico,inclui 23 espécies nominais, e a maioriadelas pode ser classificada em doissubgrupos (Val et al., 1981).

O subgrupo willistoni é muitohomogêneo e inclui seis espéciescrípticas de difícil identificação,amplamente distribuídas na América doSul em diversos tipos de ambientes,principalmente nos florestados. EmboraD. willistoni (Sturtevant), D. paulistorum(Dobzhansky & Pavan) e D. tropicalis(Burla & Cunha) já tenham sidocoletadas no Cerrado (Ehrman & Powell,1982), amostras coletadas por nós(Parque Nacional de Brasília) eidentificadas pela Dra Marlúcia Martins(Museu Goeldi) acusaram somente D.willistoni. Essa espécie esteve ausentenos ambientes urbanos, apresentoubaixas freqüências nos cerrados sensustricto e altas freqüências nas matassomente na estação úmida.

Metade das 12 espécies do subgrupobocainensis foi registrada no Cerrado. D.capricorni (Dobzhansky & Pavan) e D.fumipennis (Duda), registradas nessebioma na década de 1950, não foramreconhecidas em coletas mais recentes.D. bocainensis (Pavan & Cunha),distribuída em diversos pontos daAmérica do Sul, tem sido coletada emcerrados sensu stricto e matas de galeria.Por fim, D. bocainoides (Carson) e D.parabocainensis (Carson) foramencontradas apenas na Serrado Cipó.

D. nebulosa (Sturtevant) é a únicaespécie deste grupo que é maisabundante em formações abertas, taiscomo o cerrado e a caatinga, do que emflorestas. Distribuída amplamente naRegião Neotropical, tem sido capturadacom freqüência desde a década de 1950

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Drosofilídeos

(Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan,1959; Mourão, 1966; Sene et al., 1980;Val & Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz &Sene, 1992). Ocorre em ambientesnaturais e urbanos, sendo maisabundante nos cerrados sensu stricto.

Subgênero Dorsilopha

O subgênero Dorsilopha tem origemna Região Oriental, e é constituído portrês espécies, das quais apenas uma, D.busckii (Coquillett), se tornoucosmopolita (Toda, 1986). Essa espécieintroduzida no Brasil é freqüentementeassociada a ambientes modificados pelohomem, mas pode ser tambémencontrada em ambientes naturais,principalmente formações vegetaisabertas. Registrada no Cerrado desde1950, D. busckii tem sido encontrada emdiversos tipos de ambientes naturais eurbanos, mas principalmente emcerrados sensu stricto.

Gênero Zaprionus

O gênero Zaprionus inclui mais de50 espécies descritas, distribuídas pelomundo todo, mas muito abundantes naÁfrica (Tsacas et al., 1981; Chassagnard& Tsacas, 1993). Z. indianus (Gupta) éuma espécie generalista que se adaptafacilmente a diversos tipos de ambientes(Parkash & Yadav, 1993), registrada noBrasil pela primeira vez por Vilela, em1999. Desde então tem se disseminadorapidamente, de maneira que já seencontra distribuída por todo o territórionacional. Como é uma espécie que atacaplantações de figo tem sido monitoradapor diversos pesquisadores (Stein et al.,1999). Z. indianus tem sido muitoabundante na região de Brasília,principalmente em cerrados sensu strictoe durante estação chuvosa (Tidon et al.,2003).

Gênero Scaptodrosophila

Este gênero possui mais de 170espécies distribuídas em diversasRegiões Biogeográficas. Duas delas

ocorrem no Brasil, sendo que S.latifasciaeformis (Duda) é a únicapresente em diversos tipos de ambientes(Sene et al., 1980). Introduzida ecosmopolita, freqüentemente estáassociada ao homem (Val & Kaneshiro,1988). No Cerrado, essa espécie foi maiscomum em cerrados sensu stricto do queem matas de galeria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As 77 espécies de drosofilídeosregistradas no Cerrado certamenterepresentam uma subestimativa dadiversidade desses insetos no bioma,onde inventários regulares passaram aser efetuados somente a partir de 1997,e concentram-se nas imediações doDistrito Federal. No Estado de São Paulo,que ocupa uma área cerca de oito vezesmenor que o Cerrado, já foramregistradas 97 espécies desses insetos(Tidon-Sklorz & Sene, 1999).Considerando que em todas as grandesuniversidades paulistas há laboratóriosque estudam drosófilas, essadiscrepância pode ser facilmenteexplicada pela diferença nos esforços decoleta realizados em ambas as regiões.No período decorrido entre 1997 e 2002foram registradas nas imediações deBrasília oito novas ocorrências deespécies de Drosophilidae, além dediversas outras pertencentes à família,mas cuja determinação em nível deespécie ainda não foi possível.Expedições que investigarem outrasregiões do bioma certamente vãoaumentar a lista das espécies conhecidasno Cerrado.

É importante ressaltar que, nascoletas de drosofilídeos, geralmente seutilizam iscas de frutas fermentadas,muitas vezes no interior de armadilhas.Isto faz com que cada coleta sejaaltamente influenciada pelo tipo elocalização de iscas e armadilhas, além

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Tidon, Leite, Ferreira & Leão

da eventual competição entre elas e ossubstratos naturais presentes na área decoleta (Pavan, 1959; Sene et al., 1981;Carson & Heed, 1983). Mais raramente,são coletados também substratosnaturais de criação das moscas, taiscomo fungos, flores ou frutos emdecomposição (Valente & Araujo, 1991),os quais são mantidos no laboratório atéa emergência dos adultos. Esse últimoprocedimento permite a captura deespécies que não são atraídas pelas iscasnormalmente utilizadas, e, portanto,deveria ser adotado regularmente nosinventários desses insetos.

Apesar das limitações acima,drosofilídeos são consideradosexcelentes modelos para estudosecológicos (Powell, 1997), uma vez que,assim como diversos outros artrópodos,apresentam a maioria das característicaslistadas por Hilty & Merelender (2000)para monitorar mudanças ambientais:são sensíveis a variações no ambiente,numerosos em termos de indivíduos ede espécies, possuem ciclo de vida curto,e são facilmente coletados emanipulados. A intensidade com queesses insetos têm sido utilizados empesquisas é uma vantagem adicional: sónos últimos dez anos foram publicadosmais de 15.000 artigos sobre essasmoscas (Web of Science, 2004). Essascaracterísticas, somadas ao relativamentebaixo custo das pesquisas comdrosofilídeos, sugerem o uso dessesinsetos como eventuais indicadores deperturbações ambientais (Parsons, 1991,1995, Mata & Tidon, 2003).

A Tabela 1 mostra que das 10espécies introduzidas na RegiãoNeotropical e registradas no bioma, seteforam capturadas por nós na ReservaEcológica do IBGE e no Parque Nacionalde Brasília. Isso sugere que, emboramantidas como reservas ambientais,essas áreas estão sofrendo colonizaçõesde espécies que podem alterar a fauna

nativa da região. Essas invasões,possivelmente, ocorrem devido aoaumento desenfreado de urbanizaçãonas áreas adjacentes àquelas que estãosendo preservadas. O exemplo maisrecente é a invasão da espécieoportunista Zaprionus indianus,introduzida na Região Neotropical,provavelmente em 1999, ano em quecomprometeu cerca de 50% da safra defigo do Estado de São Paulo (Stein et al.,1999). Desde então tem se tornado umadas espécies de Drosophilidae maisabundantes em vários pontos doterritório brasileiro, inclusive no Cerrado.Até o momento, nosso programa regularde coletas mensais já capturou cerca de20.000 indivíduos pertencentes a essaespécie no IBGE (entre 1999 e 2002),14.000 no Parque Nacional de Brasília(entre 1999 e 2001) e 10.000 emambientes urbanos (entre 2000 e 2001).É importante ressaltar que os primeirosregistros dessa espécie no Brasil (Vilela,1999) e no Cerrado (Galinkin & Tidon-Sklorz, 2000) são contemporâneos emuito recentes.

Os dados aqui apresentadossustentam a necessidade de se preservara heterogeneidade espacial do Cerrado.A Tabela 1 mostra o(s) ambiente(s) deocorrência de 73 espécies, das quais 20foram registradas somente em matas degaleria, sete apenas em cerrados sensustricto, e três exclusivamente emafloramentos rochosos. As demaisespécies, embora registradas em mais deum ambiente, em geral foram maisabundantes em um deles (dados nãoapresentados).

Em síntese, este trabalho mostra quea fauna de drosofilídeos do Cerradoainda é relativamente pouco conhecidae que, devido ao potencial desses insetospara a bioindicação, seu estudo podeeventualmente contribuir para oestabelecimento de políticas que visemà conservação desse bioma.

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Drosofilídeos

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Solos e paisagem

Capítulo 21Capítulo 21Capítulo 21Capítulo 21Capítulo 21

A complexidadeestrutural de

bromélias e adiversidade deartrópodes, em

ambientes de camporupestre e mata degaleria no Cerrado

do Brasil Central

A complexidadeestrutural de

bromélias e adiversidade deartrópodes, em

ambientes de camporupestre e mata degaleria no Cerrado

do Brasil Central

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Ludmilla M. de S. AguiarEmbrapa Cerrados

Planaltina, DF.Ricardo B. Machado

Conservação Internacional do Brasil-CIBrasília, DF

Reuber A. BrandãoInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis - IBAMABrasília, DF

Cristiane G. BatistaDepartamento de Ecologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

Jean François TimmersDepartamento de Zoologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

Ludmilla M. de S. AguiarEmbrapa Cerrados

Planaltina, DF.Ricardo B. Machado

Conservação Internacional do Brasil-CIBrasília, DF

Reuber A. BrandãoInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis - IBAMABrasília, DF

Cristiane G. BatistaDepartamento de Ecologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

Jean François TimmersDepartamento de Zoologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

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Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

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Bromélias e antrópedes

INTRODUÇÃO

A família Bromeliaceae, endêmica àregião Neotropical, é caracterizada porplantas terrestres, saxícolas ou epífitas,de pequeno porte, que possuem folhassimples dispostas em forma de roseta, eem sua base central, formam um copo,onde ocorre acúmulo de água e detritosorgânicos (Leme, 1984). A água da chuvaacumulada na planta pode serconsiderada um ambiente limnológicoisolado, um microhabitat para muitasmicro e macroespécies de animais eplantas (Picado, 1913), que vivem ali emsimbiose. Essa comunidade associadasupre as bromélias com nutrientes emtroca de habitat (Por, 1992). Bromélias,portanto, são estruturas biológicascomplexas (Beutelspacher, 1971) e nãoapenas fitotelmatas (Richardson, 1999).Fitotelmatas são plantas não-aquáticasque armazenam água em suas folhasmodificadas ou outras estruturasmorfológicas, como flores e frutosabertos, ou mesmo uma depressão, queprovoque acúmulo de água. Monteiro etal. (2001) questionam a caracterizaçãode bromélias apenas como fitotelmatas,

pois elas são verdadeiras ‘ilhas’biológicas, nas quais a riqueza de faunaestá associada ao tamanho das plantas.

Vários estudos têm sido realizadoscom bromélias, focando a saúde daspopulações humanas, pois os copos deágua formados na planta são habitatsperfeitos para a ovoposição e odesenvolvimento de larvas (Barrera &Medialdea, 1996), principalmente dosgêneros de mosquitos Aedes (Marqueset al., 2001), Anopheles (Chadee, 1999)e Culex (Hogue, 1975). Estudosecológicos abordam a relação deespécies, populações e comunidadesassociadas a essas plantas. Aimportância das bromélias comomicrohabitats para artrópodes e anfíbiosé bem documentada para as florestasúmidas tropicais, onde são utilizadas porvárias espécies como locais denidificação, fonte de alimentação erefúgio contra predadores (Monteiro etal., 2001; Teixeira et al., 2002).

O Cerrado (sensu lato) é formado porum mosaico vegetacional onde existemdesde formações do tipo arbóreo densoaté gramíneo-lenhoso, criando assim

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Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

situações e contextos ecológicosextremamente diferenciados (Eiten,1972). Para o bioma Cerrado, essarelação fauna-bromélias ainda não é bemdocumentada. Em ecossistemas alagadosou arenosos, a presença de broméliaspode compensar a falta de lugaresapropriados para a pedofauna ecriptofauna, oferecendo condiçõessubótimas comparáveis às suasexigências ecológicas. A peculiaridadedas bromélias em guardar umidade nabase das folhas e, dependendo dasespécies e do tamanho, formar umreservatório de água no centro da roseta,condiciona este papel. Seria esperado,então, que o tamanho e a complexidadeestrutural da planta determinem o seupotencial de oferecer uma diversidadede recursos, alimentos e microhabitat,podendo assim hospedar umaquantidade e variedade maior deorganismos. Fatores do próprioecossistema, como disponibilidade dehabitat, estrutura da comunidade, graude predação e de competição intra einterespecífica por recursos e habitat,determinam também o tipo e aintensidade de ocupação das broméliaspor artrópodes e outros animais(Monteiro et al., 2001).

Nesse contexto, os objetivos destetrabalho são: 1) determinar a relaçãoentre riqueza e abundância de espéciesde artrópodes e a arquitetura debromélias; 2) comparar dois ambientes:campo rupestre de altitude e mata degaleria, localizados no Parque Nacionalda Chapada dos Veadeiros, no Cerradodo Brasil Central.

MATERIAIS E MÉTODOS

O Parque Nacional da Chapada dosVeadeiros está localizado no PlanaltoCentral brasileiro entre as coordenadas

13o50’e 14o12’ S e 47o25’ e 47o53’ W(Figura 1). A altimetria da região variaentre 400 e 1.676m. O climapredominante é tropical-quente-sub-úmido (Köppen), caracterizado por duasestações bem definidas, com um verãochuvoso entre os meses de outubro eabril, e um inverno seco entre maio esetembro. A pluviosidade média anualsitua-se entre 1.500 e 1.750 mm, sendoque 50% da precipitação anual ocorrede novembro a janeiro. As temperaturasmédias anuais oscilam entre 24 e 26oC(MMA, 1995). A vegetação do parque éconstituída por um mosaico deformações, com campos rupestreslocalizados nas serras e afloramentosrochosos; áreas de cerrado, nas encostasde menor declividade; veredas, camposúmidos e matas ciliares nos fundos dosvales. As áreas de amostragem foramestabelecidas em duas dessas formações:1) campo rupestre, com estrato arbóreomédio de 2-3m e uma cobertura arbóreade 1-10% (Ribeiro & Walter, 1998).Ocorre em altitude acima de 900m, comventos constantes e grande amplitudetérmica diária, em solo profundo erapidamente drenado. São característicasdeste ambiente, as espécies das famíliasCactaceae, Araceae, Bromeliaceae eOrchidaceae (WWF 1995, Felfili et al. ,1995); 2) mata de galeria alagada, queocorre ao longo das linhas de drenagem,ou seja, beira de rios e córregos. É umamata sempre verde, com altura médiado estrato arbóreo entre 20-30m ecobertura arbórea de 80-100% (Ribeiro& Walter, 1998).

Durante o mês de dezembro de 1996(período de chuva), durante quatro dias,foram estabelecidos em cada um dosambientes trabalhados um quadrado de30x30m onde todas as broméliaspresentes foram investigadas. Para cadabromélia detectada nos quadrados,foram anotadas as seguintes medidas:

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Bromélias e antrópedes

altura em relação ao solo, diâmetromáximo, diâmetro do copo da bromélia(centro da roseta) e número de folhas.Além disso, foi medida a distância entreuma bromélia e outra e sua vizinha maispróxima. Foram coletados exemplaresdas bromélias presentes nos quadradospara identificação. O material coletadofoi comparado com exsicatas do herbáriodo Departamento de Botânica daUniversidade de Brasília (UnB). Osartrópodes presentes nas bromélias(copo e axilas) foram coletados compinças e armazenados em álcool 70%para posterior identificação. As espéciesforam identificadas em nível de ordemou família, sendo separadas em

morfoespécies. As identificações e anomenclatura estão de acordo comBorror & Delong (1988).

Para as análises de preferência deocorrência em uma ou outra área foiutilizado o teste Chi-quadrado (χ2). Arelação entre diversidade de artrópodese morfologia das bromélias foi analisadapor regressão múltipla, sendo que osdados foram transformados para umaescala logarítmica (base 10) para ummelhor ajuste, conforme Zar (1984). Oefeito do ambiente (campo ou mata)sobre a morfologia das bromélias foitestado por análise de variância(Manova) com o teste de Tukey HSD para

Figura 1

Localização da áreade estudo (Parque

Nacional daChapada dosVeadeiros) no

estadode Goiás, Brasil.

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Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

amostras desiguais. Foi feita uma análisediscriminante canônica para verificar seas espécies de bromélias podiam serdiscriminadas em função de suamorfologia. A riqueza de espécies,encontrada nas áreas de mata e campo,foi comparada usando-se o índice de

similaridade de Sorensen (Magurran,1988). Como estavam se comparandobromélias de diferentes áreas, verificou-se, também, se o padrão de distribuiçãoespacial dos indivíduos de bromélias erao mesmo. Para tanto foi utilizado o índicede distribuição espacial (C) dado por

Observação: relacionados apenas os indivíduos adultos das morfoespécies encontradas nas bromélias

Tabela 1. Relação das morfoespécies de artrópodes com número deindivíduos encontrados nas bromélias de campo rupestre e matade galeria do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO).

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Bromélias e antrópedes

Ludwig & Reynolds (1988). O nível designificância considerado para asanálises foi de p ≥ 0,05.

RESULTADOS

Foram identificadas 38 espécies deartrópodes em 81 bromélias avaliadas.A maior parte da riqueza corresponde àclasse Insecta (32 espécies), seguida daclasse Arachnida (cinco espécies) eMiryapoda, com apenas uma espécie. Aordem com maior número de espéciesfoi a Orthoptera com 11 espécies, seguidade Coleoptera (nove espécies) eHimenoptera (oito espécies). A área decampo rupestre, onde foram investigadas51 bromélias, apresentou uma riquezade 26 espécies enquanto que a área demata de galeria, que teve 30 broméliasinvestigadas, apresentou 24 espécies(Figuras 2 e 3, Tabela 1). Na área decampo rupestre a presença de artrópodesfoi detectada em 49% das bromélias ena mata esse índice foi de 80%. Asobreposição de espécies entre as duasáreas foi de 48%, segundo o índice desimilaridade de Sorensen.

A área de mata apresentou um maiornúmero de artrópodes (119) em relaçãoà área de campo rupestre (67indivíduos). Apenas um grupo deespécies, da família Formicidae, ocorreupreferencialmente na área de mata (χ2

= 7,28; p<0,05). As formigaspredominaram tanto na área de mata,quanto na área de campo, totalizando58% e 29,8% dos indivíduos coletados,respectivamente.

Foram encontradas cinco espécies debromélias, identificadas ao nível degênero. No quadrado da área de camporupestre estavam presentes Dychia sp. eBromelia sp., e na área de mata de galeriaBilbergia sp., Aechmea sp. e Vriesea sp.Como Bilbergia sp. apresentou poucosindivíduos, ela não foi considerada nasanálises. A despeito das característicastaxonômicas, as bromélias estudadasforam classificadas em função de suasarquiteturas (número de folhas, alturada bromélia, diâmetro do copo).

Os resultados da análise devariância, para testar o efeito da área(campo ou mata) sobre as bromélias,indicam que as de mata são diferentes

Figura 2

Número cumulativode espécies deartrópodes em

função do número debromélias

examinadas na áreade campo rupestre

do Parque Nacionalda Chapada dosVeadeiros (GO).

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Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

das da área de campo (F4,74

= 0,291;p<0,05) devido ao diâmetro do copo eao número de folhas. A análisediscriminante (Figura 4 e Quadro 1)corroborou esse resultado, com aseparação das bromélias, sendo duas porcada área, em função das variáveismorfométricas escolhidas.

Não foi encontrada uma correlaçãosignificativa entre a arquitetura(morfologia) das bromélias e a riquezade espécies de artrópodes da área decampo rupestre (R2

= 0,296; F4,20

=2,109; p<0,05), da mata de galeria (R

2

= 0,267; F4,19

= 1,732; p<0,05) ou deambas (R

2 = 0,169; F

4,44 = 2,247;

p<0,05).

A análise de regressão entre aabundância de indivíduos e as variáveismorfométricas, em escala logarítmica,mostra que há um maior número deindivíduos em bromélias que possuemmaiores diâmetros de copo (R2 = 0,100;F1,47 = 4,476; p<0,05) (Figura 5). Paraabundância de indivíduos e as outrasvariáveis morfométricas, altura, diâmetroe número de folhas, e entre o número deespécies e o conjunto de variáveis

morfométricas das bromélias não hádiferenças significativas (R2

= 0,131; F4,44

= 1,666; p>0,05).

As análises de regressão entre aabundância de Formicidae e o diâmetroda bromélia e do copo mostram umarelação significativa (R

2 = 0,692; F

1,16

= 36,096; p>0,05; R2 = 0,332; F

1,16 =

7,973; p>0,05, respectivamente),evidenciando que há mais formigas embromélias de maior porte.

Foi determinado que o arranjoespacial das bromélias na área deamostragem de campo rupestre é do tipoagrupado enquanto na mata de galeriaesse padrão tendeu para homogêneo. Asbromélias na área de campo estão, emmédia, localizadas a 49,9cm umas dasoutras (N=51, DP=30,8) e na área demata estão a 53,2cm (N=30; DP=66,6).

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕESFINAIS

O processo de dispersão apresentaalgumas diferenças entre animais evegetais. Nesses últimos, há uma

Figura 3

Númerocumulativo deespécies deartrópodos emfunção do númerode broméliasexaminadas naárea de mata degaleria do ParqueNacional daChapada dosVeadeiros (GO).

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Bromélias e antrópedes

movimentação passiva, que depende defatores alheios ao controle da planta,como a existência de animaisdispersores, correntes de ar, água etc.Nos animais, o acaso tem uma menorinfluência. A maioria dos animais, excetoos sésseis, é capaz de se locomover embusca de outros ambientes, explorandoas possibilidades de colonização denovas áreas. Vários fatores estãoenvolvidos nesse processo, mas osprincipais são a capacidade específica delocomoção, a amplitude de ambientesque satisfazem as necessidades deestabelecimento e as relações de

competição e predação intra einterespecíficas.

Para que o processo de colonizaçãoseja bem sucedido, é necessário que oambiente explorado ofereça condiçõespropícias ao estabelecimento dasespécies. As bromélias representam, paraalguns animais, locais onde é possível aobtenção de alimentos, nidificação oumesmo proteção temporária contrapredadores.

Mestre et al. (2001) coletaram 1.639macroinvertebrados em 36 broméliasdurante estudo de um ano na mata

Figura 4

Análisediscriminante

canônica realizadacom as medidas

morfométricas dequatro espécies de

bromélias nas áreasde campo rupestree mata de galeria

do Parque Nacionalda Chapada dosVeadeiros (GO).

Figura 5

Relação entre aabundância de

indivíduos (Log) e odiâmetro do copo

das bromélias nasáreas de

amostragem doParque Nacional da

Chapada dosVeadeiros (GO).

Observação: R2 =0,100; F

1,47 =

4,476; p < 0,05.

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Aguiar, Machado, Brandão, Batista & Timmers

Atlântica. Grande parte dessesmacroinvertebrados consistia em formasimaturas e foram mais abundantes osColeoptera Scirtidae, Diptera e Hymeno-ptera. Nesse estudo, encontramos grandenúmero de Orthoptera, Coleoptera eHymenoptera, sendo Orthoptera o maisabundante, seguido por Coleoptera.Orthoptera nunca havia sidomencionado, em outros estudos, comofauna dominante em bromélias. Osegundo táxon mais abundante,Coleoptera, já tem sua ocorrência embromélias bem conhecida. Um dosmotivos dessa ocorrência é a dieta dessegrupo que consiste em algas e fungosaquáticos, encontrados na água retidanos copos das bromélias (Mestre et al.,2001).

Diptera são os artrópodes maisestudados em associação com bromélias,focando principalmente ecologia depopulação (Frank, 1990) e comunidade(Salamandra, 1977; Privat, 1979; Ochoa,1993). Mestre et al. (2001) encontrarama prevalência desse táxon nas broméliasterrestres, embora não existam dadosque detectem essa preferência entrebromélias epífitas e terrestres.

Entre os Hymenoptera, comoobservado por Privat (1979), apredominância é da família Formicidae.No entanto, Oliveira et al. (1994)discordam dessa afirmação e nãoconsideram formigas comocaracterísticas da fauna de bromélias.Eles deduziram que a alta freqüênciadesses animais em bromélias,geralmente, é devida ao comportamentoalimentar de formigas de colôniasvizinhas. Em nosso estudo na mata degaleria há significante presença deformigas em bromélias, além de umapreferência pela área de mata de galeria.Mestre et al. (2001) observaram que afreqüência desse táxon pode variar ao

longo do ano e a presença de pupa sugereque as formigas não estão utilizando asbromélias apenas devido aocomportamento alimentar. Nesse estudo,encontramos que a presença de formigasestá positivamente associada àarquitetura das bromélias. Umaexplicação para a presença das formigasna mata de galeria pode estar relacionadaàs condições do solo. Como esseambiente é constantemente inundado, eo nível de água aumenta durante operíodo de chuvas, há uma restrição parao estabelecimento de colônias sob o solo.Provavelmente o mesmo pode ocorrercom térmitas que nidificam no solo. Aopção mais viável é a ocupação dasbromélias.

Algumas hipóteses poderiamexplicar a maior utilização das broméliaspor artrópodes na área de mata degaleria: o espaçamento das bromélias, aarquitetura ou a existência de locaisalternativos na área do cerrado para oabrigo dos artrópodes. Uma vez que opadrão de distribuição das bromélias naárea de campo foi agrupado e a distânciamédia entre as bromélias foi pequena, adistribuição espacial das bromélias nãoexplicaria a falta de artrópodes. Caso talvariável fosse importante, seria de seesperar que na mata, onde o padrão dedistribuição não é agrupado e as mesmaslocalizam-se suspensas em árvores (nãofoi verificada a presença de broméliasterrestres na área estudada), a presençade artrópodes fosse menor. Outrahipótese, a da arquitetura das bromélias,poderia explicar a variação nacolonização. As maiores bromélias desteestudo (Bilbergia sp. e Aechmea sp.)foram encontradas na área de mata eessas se distinguem das do camporupestre (Bromelia sp. e Dychia sp.). Asbromélias do campo rupestre apresentamuma arquitetura mais semelhante entresi, possuem menor porte do que as de

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Bromélias e antrópedes

mata e quase não concentram água entresuas folhas. A existência de locaisalternativos como locas entre pedras,para o abrigo dos artrópodes seria ahipótese mais razoável para explicar aausência desse tipo de fauna nasbromélias do campo rupestre.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Prof. Alexandre B.Araújo, pelo incentivo ao desenvol-

vimento desse estudo. Também àadministração do Parque Nacional daChapada dos Veadeiros que deupermissão para o trabalho na área.Obrigada também a Naíldes P. da Silvaque ajudou nas coletas, e a J. A. deCarvalho e Dr. J. Ratter pela assistência.Agradecemos ao CNPq e CAPES peloapoio financeiro durante nosso curso dedoutorado. E finalmente agradecemosaos dois revisores desse trabalho queforneceram valiosas contribuições.

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Parte IVPPPPParte IVarte IVarte IVarte IVarte IV

ConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservaçãoConservação

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Cleber J. R. AlhoUniversidade para o Desenvolvimento do

Estado e da Região do PantanalCampo Grande, MS.

Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22

Desafios para aconservação do

Cerrado, em facedas atuais

tendências de usoe ocupação

Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22Capítulo 22

Desafios para aconservação do

Cerrado, em facedas atuais

tendências de usoe ocupação

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Estado e da Região do PantanalCampo Grande, MS.

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Desafios para a conservação

INTRODUÇÃO

Este trabalho sobre conservação doCerrado motiva mais uma oportunidadede se concentrar foco nos valores dasociedade brasileira e nas direções quedevem ser tomadas diante danecessidade de progresso e das ameaçasà biodiversidade. O ciclo de vida nanatureza, agora, não apenas muda porcausa dos eventos naturais, comoestações de seca e chuva, ou, numaescala mais ampla, pela força da seleçãonatural, mas, muda drasticamente pelaação do homem, eliminando e reduzindohabitats naturais e suas espéciesassociadas.

A ausência de conhecimentocientífico e de tecnologia para uso eocupação do Cerrado, hoje, estásignificantemente compensada peloavanço e contribuição da pesquisa e daexperimentação. Entretanto, é essencialuma conscientização e uma firme atitudea ser tomada pela implementação depolíticas públicas, para a conservação eo uso sustentável deste bioma. Oconhecimento científico sobre o Cerrado,acumulado nos últimos anos, temoferecido contribuição valiosa para aBiologia da Conservação, ciência que

consiste, em resumo, nas basesbiológicas da conservação da naturezaque prevêem as conseqüências da açãodo homem sobre os ecossistemasnaturais e as espécies do bioma.

AMEAÇAS: A QUESTÃO MAISAMPLA DA EXTINÇÃO DE ESPÉCIES

Na década passada, a questão daconservação do Cerrado foi discutida apartir de argumentos conflitantes, composições de pessoas que defendiam opreservacionismo (meio ambienteintocável), chegando a extremos, comacusações de iniciativas antidesen-volvimentistas. Hoje, a diversidade devisões sobre a conservação da naturezareflete a diversidade de inspirações econvicções em defesa do Cerrado: parauso sustentável de recursos, inclusive,genético e de biotecnologia; pararecreação e turismo; para manter os elosculturais e espirituais de sociedadestradicionais; pelos serviços ecossis-têmicos de água limpa, ar puro e controlede epidemias; pelo valor intrínseco eestético da natureza e suas espécies; porquestões morais e éticas, e por váriasoutras razões.

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370

Alho

Essa diversidade de visões econvicções, também, se consolida entrecientistas, como ocorreu em agosto de2001, na reunião internacional em Hilo,Havaí, organizada pela Society forConservation Biology, onde manifes-tações desesperadas, diante da perda dabiodiversidade, contrastaram comopiniões mais conservadoras (Gibbs,2001). Entre muitos cientistas há umquase desespero, diante do nívelalarmante de espécies que estãodesaparecendo (Levin, 2001; Lomborg,2001; Regan et al., 2001). Contudo, temsido difícil determinar com precisão essataxa de extinção em ambientes de altadiversidade de espécies, como o Cerrado.

O temor manifesto de algunsconservacionistas é que esse “holocaustobiótico”, segundo alguns, estejaeliminando do patrimônio natural,espécies cujo código genético nuncachegaremos a conhecer.

Tem-se considerado, por exemplo, opeso real das espécies de vertebrados eplantas superiores, tão enfatizadas napreocupação de conservação, mas quesão minorias no portfolio da diversidadede vida na natureza. Como cerca de 90%das espécies na natureza (principalmenteorganismos inferiores na escala biológicacomo nematódeos, insetos, crustáceos,vírus, bactérias, fungos, algas e outrasformas de vida) foram sequerinventariadas, fica difícil estimar o exatonível de extinção e a conseqüente perdada biodiversidade. O próprio enfo-que da preocupação em mamíferos (com4.650 espécies conhecidas no mundo,195 no Cerrado, contrastando com maisde 1 milhão de espécies de insetos) e,do mesmo modo, em aves e peixes, temlevado os conservacionistas adeterminarem os chamados “hotspots”para conservação, o que centraliza apreocupação num componente pequeno

do enorme portfolio de espécies nanatureza.

Os “hotspots” identificados debiodiversidade apresentam grandevariedade de espécies e excepcionalperda de habitats . Desse modo, oconceito de “hotspot” se apóia em duasbases: endemismo e ameaça (CI, 2000).As espécies endêmicas são mais restritasem distribuição, mais especializadas emais susceptíveis à extinção, em face dasmudanças ambientais provocadas pelohomem, em comparação com as espéciesque têm distribuição geográfica ampla.O endemismo de plantas é escolhidocomo primeiro critério para definir um“hotspot”, porque plantas dão suportea outras formas de vida. O grau deameaça é a segunda base do conceito de“hotspot” e é, fortemente, definido pelograu de perda de habitat , isto é, quandoa área perdeu pelo menos 70% de suacobertura original onde se abrigavamespécies endêmicas. Segundo o estudocitado da Conservação Internacional, dos1.783.200 km2 originais do Cerrado,restam intactos 356.630 km2, ou 20% dobioma original, justificando acaracterização desses habitats como“hotspots”.

A questão central da conservaçãorecai sobre o tema político e social, ondeo cientista tem participação poucoexpressiva na elaboração das políticaspúblicas. Tem sido difícil persuadir ospolíticos, diante da pressão social, queo combate à pobreza, à miséria, etambém o desejo de desenvolvimentoeconômico e social, pressupõem anecessidade de conservação da natureza.A perda da biodiversidade, alcançadapela extinção irremediável de espéciesde flora e fauna só agrava os problemasda população humana. A prática temdemonstrado que, no caso de destruiçãoda natureza, como desmatamento, sobre-

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Desafios para a conservação

pesca, sobre-caça etc., destruindo àsvezes irreversivelmente os habitatsnaturais, a população local pobre é aprimeira que sofre as conseqüências dadegradação da natureza.

Por que a Convenção da Biodiver-sidade, assinada por 178 países durantea conferência mundial Rio 92, ainda nãofoi plenamente implementada? Apesar dehoje haver bom conhecimento dopotencial dos recursos da biodiversidade,com aplicações na biotecnologia, nosalimentos, nos medicamentos e emoutros fins, o principal empecilholevantado é o nível de pobreza daspopulações humanas nos países ricos embiodiversidade.

Além disso, têm-se enfatizado os“serviços ecossistêmicos”, prestadospela biodiversidade, tais como qualidadeda água, do ar, estoques pesqueiros,proteção contra pragas e outros aspectospragmáticos, para persuadir ostomadores de decisão, reservando oenfoque moral da extinção de espécies eo tema estético e ético da conservaçãoda natureza ao âmbito dosconservacionistas.

O grande problema da persuasãosobre a importância da conservação dabiodiversidade está relacionado sempreao aspecto socioeconômico da questão,isto é, ao argumento utilitário. O Governoe os produtores rurais defendem que oavanço da soja no Cerrado temcontribuído substancialmente para ariqueza da região, aumentando asexportações e gerando divisas para opaís. Economistas apontam para o fatode a produção rural ter registradoexpansão mais estável e superior à médiada economia. A safra de grãos de 2003/2004 teve números expressivos: 47,4milhões de hectares de área plantada ecolheita de 119,3 milhões de toneladas,com a soja acusando significativo ganho

de produtividade, principalmente emMato Grosso. Para a safra 2004/2005,está prevista a colheita de cerca de 130,9milhões de toneladas de grãos, segundoo Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento (MAPA). Os custos daprodução da soja no Cerrado, com asexperimentações e a tecnologia que aEmpresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (EMBRAPA) e o setorprivado conduziram, são cerca de ametade do custo da produção nosEstados Unidos. No ano de 2003, asvendas externas de produtosagropecuários renderam ao Brasil US$36 bilhões, com superavit de US$ 25,8bilhões (MAPA, 2004).

Embora esses dados variem de anopara ano, em função da produção deoutros países e do comércio inter-nacional, o fato inconteste é que aagricultura e a pecuária têm tidoexpressão no Cerrado. Enquanto secelebra esse sucesso econômico, a custoda conversão da vegetação natural emcampos produtivos, por outro lado, aconservação dos diferentes ecossistemasnaturais (campos, Cerrado, Cerradão,mata de galeria etc.) não temacompanhado esse progresso.

A cultura da soja, com a utilizaçãode sementes geneticamente modificadas,tem-se expandido no Brasil, com maiorexpressão entre pequenos e médiosprodutores do estado do Rio Grande doSul. A legislação vigente, preocupadacom as conseqüências dessa prática, fazrecair sobre os produtores a respon-sabilidade de possíveis danos ao meioambiente e a terceiros, devendo elesresponderem, solidariamente, pelaindenização ou reparação integral dodano, independentemente da existênciade culpa (MAPA, 2004).

Outros argumentos econômicos eutilitários, resistentes à necessidade da

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conservação, afunilam para um pontoainda mais radical: por que protegercentenas e milhares de espécies, sesomente cerca de 30 espécies de vegetaiscultivados suprem cerca de 90% dascalorias da dieta do homem e somentecerca de 14 espécies de animaiscontribuem com 90% da dieta deproteína animal?

AMEAÇAS: REDUÇÃO, PERDA,MODIFICAÇÃO OU DEGRADAÇÃODE HABITATS

Há consenso em concluir que temhavido um processo de extirpaçãosignificante da biodiversidade doCerrado pela ação do homem. Esseimpacto adverso é devido à magnitudeda escala da ocupação do bioma pelohomem. É bom lembrar que o conceitode biodiversidade se apóia num tripé:diversidade de espécies (representandoo número de formas de vida no nível deespécies e suas populações), diversidadegenética (representando as diversasvariedades subespecíficas ou genéticasdas formas de vida) e diversidadeecossistêmica (representando as diversaspaisagens naturais como campo, camposujo, campo úmido, cerrado no sentidorestrito, campo-cerrado, cerradão, mata-seca, mata-ciliar e de galeria, veredaetc.). Cada um desses elementos podesofrer influência de pelo menos três tiposde pressão: física (degradação ou perdade habitats), química (ação decontaminantes ambientais e poluição),e biológica (introdução de espéciesexógenas, perturbação na cadeia trófica,eliminação de espécies-chave dacomunidade ecológica) e outros fatores.

Há diversas causas ou fatoresidentificados como ameaças ao Cerrado:fogo (sem controle, ateado durante aépoca de seca para “limpar” o pasto);

desmatamentos para diversos objetivos;expansão da fronteira agrícola e pecuária(sem ordenamento ecológico-econô-mico); contaminantes ambientais(emprego desordenado de pesticidas,herbicidas e outros tóxicos ambientais,provocando a bio-magnificação nacadeia trófica, além da poluição daságuas e do solo); erosão, assoreamentode corpos d’água, lixiviação e perda desolos devido ao emprego de técnicas nãoapropriadas de uso do solo; usopredatório de espécies (sobre-explotaçãode espécies da flora e fauna);implantação de grandes obras de infra-estrutura (impactos causados pelaabertura de rodovias, hidrovias,construção de hidrelétricas e outrasgrandes obras); turismo desorganizadoe predatório e outras causas.

Dois fatores têm sido identificadoscomo empecilhos para a implementaçãoda legislação ambiental: a fragilidadeinstitucional, com a conseqüentedeficiência na fiscalização, e a falta deconscientização sobre a necessidade daproteção do meio ambiente. Dois casospodem ser ressaltados para ilustrar essasdeficiências: a dificuldade de imple-mentar integralmente a chamada Lei deCrimes Ambientais ou Lei da Natureza(Lei n.o 9.605/98) e o cumprimento daLei de Recursos Hídricos (Lei n.o 9.433/97) para, por exemplo, proteção dasnascentes e matas ciliares.

A análise e interpretação dessasameaças merecem um estudo maisrefinado para caracterizar melhor o graue a escala da perda e modificação, doimpacto sobre as espécies locais,inclusive com a introdução de espéciesexógenas e dispersão de doenças. Essaanálise, por exemplo, poderia focar sobreas espécies oficialmente listadas comoameaçadas de extinção, de acordo coma Lista Nacional de Espécies da FaunaBrasileira Ameaçadas de Extinção,

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Desafios para a conservação

elaborada pelo MMA (Ministério do MeioAmbiente) e parceiros, publicada em 27de maio de 2003. Igualmente, a Portaria37-N, de 3 de abril de 1992, do IBAMA(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis),relaciona 107 espécies da flora brasileiraameaçadas de extinção (IBAMA, 2004).

O foco a partir de algumas espéciesameaçadas começa a ser feito, com aelaboração de aproximadamente dezplanos de manejo para espécies animaislistadas, como a jaguatirica Leoparduspardalis e o lobo-guará Chrysocyonbrachyurus e de plantas, como a cerejeiraAmburana cearensis e o cedro Cedrelafissilis. Contudo, é necessário o enfoquea partir da visão de grau de ameaça paratentar categorizar a perda e destruiçãode habitats do Cerrado.

A questão histórica das ameaças ede suas tendências atuais estãodocumentadas na literatura (Alho eMartins, 1995). Por outro lado, enquantoa ocupação do Cerrado se intensifica, asmedidas de implantação de áreasprotegidas e mesmo a efetivaparticipação de projetos conserva-cionistas têm sido tênues, de vez que asáreas efetivamente protegidas estão bemaquém do planejado. Lista de Unidadesde Conservação no Cerrado, de acordocom a Diretoria de Ecossistemas doIBAMA, atualizada em 15/6/2004(www.ibama.gov.br) mostra que há1.867.430ha de área protegida nacategoria de Parques Nacionais(PARNAs); 3.461ha de ReservasBiológicas (REBIOs); 502.517ha deEstações Ecológicas (ESECs); 128.521hade Refúgios de Vida Silvestre ();1.516.219ha como Áreas de ProteçãoAmbiental (APAs); 2.329ha como Áreasde Relevante Interesse Ecológico(ARIEs.); 20.172ha como ReservasExtrativistas (RESEXs) e 16.331ha como

Florestas Nacionais (FLONAs),perfazendo um total de 4.056.980ha deáreas protegidas pelo Sistema Nacionalde Unidades de Conservação (SNUC), acargo do IBAMA (excetuando-se aqui asReservas Particulares do PatrimônioNatural – RPPNs). Esse total representa2,06% da área do bioma, o que estámuito longe do alvo indicado peloCongresso Internacional de ÁreasProtegidas ocorrido em Caracas,Venezuela, e adotado pelo GovernoBrasileiro como um alvo a ser atingido.Deve-se ressaltar ainda a carência deimplementação efetiva dessas unidadesde conservação, em particular das APAs,cujo objetivo conservacionista tem sido,na prática, bastante contestado.

O 5° Congresso Internacional sobreParques (Fifth World Parks Congress)que ocorreu em Durban, África do Sul,em setembro de 2003, e o CongressoBrasileiro de Unidades de Conservação,ocorrido este ano de 2004, em Curitiba-PR, mostraram que pouco se alcançouquanto ao objetivo de proteger adiversidade de espécies que ocorre nobioma (Rodrigues et al., 2004)., Emboratenha havido expansão das áreasprotegidas, no sentido de atingir o alvode 10% da área do bioma, estabelecidopelo congresso internacional anterior,ocorrido em Caracas, Venezuela. Quandoos autores cruzam a distribuições deespécies do bioma com a distribuiçãodas unidades de conservação existentes,aplicando análise de vazios (gapanalysis), concluem que as atuais áreasprotegidas não abrigam todas as espéciesdo bioma. Cerca de 20% das espéciesameaçadas são identificadas comoespécies de falhas, isto é, não sãoprotegidas pelas unidades deconservação existentes.

A meta anunciada do Governo temsido proteger pelo menos 10% da área

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do bioma, o que evidentemente, naprática, está longe de ser atingido no casodo Cerrado. Além disso, os chamadosprojetos integrados de conservação edesenvolvimento têm tido dificuldadesde aferir seus resultados efetivos(Salafsky e Margolius, 1999). De talmodo, que há dúvidas se a intervençãoconservacionista, por intermédio doschamados projetos com enfoquesocioeconômicos, está de fatofuncionando. Uma dificuldade naimplementação e monitoramento deprojetos é a falta de definição clara deindicadores ambientais, embora, porexemplo, o Banco Mundial tenhaproposto diretrizes para esse fim(Segnestam, 1999).

AMEAÇAS: ESTUDO DE CASOSOBRE A BACIA DE MANSO, MATOGROSSO.

A bacia hidrográfica do rioManso (com 10.880 km2, onde hoje háuma represa hidrelétrica) caracteriza-sepor um mosaico de fitofisionomias deCerrado, com diversos tipos de habitatse fauna silvestre bem representada (Alhoet. al., 2000; Alho et al., 2003). Aexpansão da agricultura e pecuáriareduziu as áreas naturais em 30%, entre1985 e 1997, e a vegetação remanescenteperdeu outros 3% com a implantação dausina hidrelétrica, conforme documentaestudo baseado em imagens de satélitese verificação no campo (Schneider eAlho, no prelo; Schneider et al., noprelo). Dentre os indicadores depaisagem do local, o percentual davegetação natural remanescente foi oindicador que sofreu ação maisdesfavorável, devido ao seu decrescentepercentual, durante os 12 anosanalisados e em virtude da altavulnerabilidade diante da pressão das

ameaças (conversão de habitats naturaispara agricultura e pecuária).

Os estudos consideraramtambém a questão da perda de habitats,no período entre 1985 e 1997, sobre afauna regional, tomando mamíferossilvestres como indicadores. No enfoquedo estudo, a perda de habitats ponderao percentual de habitat potencial de cadaespécie de mamífero silvestre estudadadurante os 12 anos considerados. Foramselecionadas 100 espécies de mamíferossilvestres ocorrendo no local,representadas por nove ordens e 25famílias, dentre as quais há 13 espéciesconsideradas sob algum grau de ameaçade extinção em nível nacional (lista doIBAMA) ou internacional (lista vermelhada UICN e anexos da CITES). Osresultados apontaram para cinco gruposde animais. O primeiro grupo, com 14espécies de mamíferos, sofreu reduçãode habitat superior a 40%, e erarepresentado por espécies que utilizavamprioritariamente ambientes florestados earborizados (matas de galeria e cerradosentido restrito). O segundo grupo demamíferos perdeu entre 30 e 40% dohabitat , representado por espécies quehabitam ambientes florestados,arborizados e campos. O terceiro gruposofreu redução de 8 a 12% do habitatpotencial. O quarto grupo de mamíferos,capazes de explorar habitats alterados,sofreu redução de habitat potencial em4%. E, finalmente, o quinto grupo demamíferos, representado por seisespécies, se beneficiou das alterações,pois são espécies que exploramambientes abertos e modificados.

Dentre as 17 espécies identificadascom maior grau de risco, na área deestudo, estão o tatu-canastra Priodontesmaximus e primatas como Ateles chameke Aotus azarai, para citar somente trêsexemplos. Em síntese, a perda de

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habitats potenciais afetou drasticamente24% das espécies de mamíferossilvestres que ocorrem no local, sendoque 17% das espécies estudadas estãoem situação de risco.

DIVERSIDADE DE ESPÉCIES EMOSAICO DE HABITATS:EVIDÊNCIAS COM VERTEBRADOS

Com o advento da Biologia daConservação, os pesquisadores emEcologia passaram a enfatizar o papelda diversidade e abundância de espéciesda fauna silvestre em seus habitatsnaturais como a expressão de interaçõesecológicas, particularmente competiçãopor recursos alimentares, reprodutivos,de uso de espaço e outros. Os processosecológicos que anualmente - ou emperíodos esporádicos maiores –influenciam nos ciclos de vida da faunasilvestre, como os períodos sazonais deseca e chuva do Cerrado, atuam nasescalas temporal e espacial, estabele-cendo diferenças locais ou regionais,quando comparadas, em larga escalabiogeográfica com os biomas vizinhos(Alho et al., 2002; Alho et al., 2003).

Em Ecologia, há consenso de que adiversidade de espécies é fruto de umavariedade de processos ecológicos eevolutivos, com causas históricas egeográficas. Contudo, o número deespécies coexistindo numa escalaespacial ampla, como no Cerrado, variasignificantemente em abundância local,em função de recursos sazonaisregionais.

A oferta sazonal desses recursos levaa dois fenômenos: (1) associações eagregações de espécies que interagementre si, resultando no compartilhamentode unidades ecológicas, que formam aschamadas guildas, com a característica

de que há forte interação entre essasespécies dentro de cada guilda, mas cominterações fracas entre guildas diferentes;e (2) sincronização na escala de tempode agregação de espécies (abundância)com a oferta de recursos sazonais,notadamente, alimento e nichosreprodutivos.

Há indícios de que a cadeia trófica,nesse caso, faculta maior abundância deespécies da fauna, e no caso devertebrados, principalmente aves,anfíbios e alguns répteis e mamíferos,onde os elos alimentares sazonais atuammais no nível da abundância local, sendomais ou menos independentes dadiversidade (Alho et al., 2003).

Desse modo, a distribuição deespécies, numa escala ampla, variadesde os limites máximos de onde aespécie ocorre (distribuição geográfica)a uma área de maior ocorrência daespécie (distribuição regional). Já otermo abundância é usado para designaro tamanho (ou densidade) da populaçãolocal. Na prática, o termo “local” serefere sempre à área amostral de umdeterminado estudo.

É bem conhecido que as espéciescapazes de explorar um leque amplo derecursos se tornam, no decorrer de suaevolução, de distribuição geográficaampla e localmente abundante. Algumasespécies de vertebrados do Cerradoparecem seguir essa tendência: têmdistribuição geográfica ampla, ocorrendoem todo o bioma e em outros biomasbrasileiros, mas ocorrem em altasdensidades em certos períodos sazonaisda região. Por exemplo, parece não haverdiferenças interespecíficas de verte-brados entre o Cerrado e o Pantanal (nãoparece haver diferença no grau deespeciação ecológica), mas algumaspopulações que ocorrem no Pantanalusam recursos que são mais abundantes

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ou mais produtivos (Alho et al., 2002 eAlho et al., 2003).

Há evidências documentadas portrabalhos científicos que mostram que avariação da estrutura da fauna doCerrado (composição de espécies ediversidade de aves e pequenosmamíferos) ocorre em escala regional oubiogeográfica, por exemplo, quandoesses estudos comparam diferentesbacias hidrográficas (Silva, 1996; Palma,2002; Alho, no prelo). Essas diferençasem composição de espécies podem estarrelacionadas à penetração faunística quehistoricamente se deu pela malhahidrográfica de outros biomas, como aAmazônia, no caso da bacia do rioManso. Essa penetração faunística pode,ainda, ser explicada pela expansão deflorestas ocorrida no passado sobre aregião do Cerrado (Ledru et al. 1998).

Há, também, diferenças nacomposição das comunidadesecológicas, tanto de animais como deplantas, quando os estudos comparamdiferenças intra-habitat, isto é, nomesmo tipo de habitat, e inter-habitats,ou seja, entre habitats diferentes (Alho,1981; Alho et al. 1986; Silva, 1996;Oliveira-Filho e Ratter, 1995 e Palma,2002).

Segundo levantamento daConservação Internacional (2000) há noCerrado os seguintes números devertebrados: anfíbios - 150 espécies,sendo 45 endêmicas; répteis - 120espécies, sendo 24 endêmicas; aves - 837espécies, sendo 29 endêmicas;mamíferos - 161 espécies, sendo 19endêmicas; perfazendo um total de 1.268espécies de vertebrados terrestres (sendo117 endêmicas). Esse total do Cerrado,comparado com a Mata Atlântica, outrobioma ameaçado (que tem 1.361 espéciesde vertebrados terrestres com 567endêmicas), indica um número bem

menor de espécies endêmicas para oCerrado. Já as plantas vasculares doCerrado contam com cerca de 10 milespécies, sendo 4.400 endêmicas,comparadas com 20 mil espécies da MataAtlântica, sendo 8 mil endêmicas (Eiten,1993).

Outros estudos (MMA, 1999; Alhoet al., 2002) citam para o Brasil 195espécies de mamíferos para o Cerrado(sendo 95 espécies voantes – morcegos,e 96 que dependem de habitatsflorestados ou arborizados, contrasomente 14 espécies que vivem em áreasexclusivamente abertas ou em habitatsaquáticos). Esses números, no Pantanal(que é um bioma com grande influênciade Cerrado, mas com características deuma planície inundável com drásticoregime anual de enchente e vazante),mostram 132 espécies de mamíferos paraa planície inundável (sendo 62 voantes,55 dependentes de habitats florestadose arborizados e 15 de habitats abertos eaquáticos). Estudos mais específicosindicam 144 espécies de morcegos, dasquais 80 são citadas para o Cerrado.Levantamentos feitos localmente, porexemplo, no município de Serranópolis,sudoeste de Goiás (18° 25' S e 52° 00'W), em 758 coletas de morcego foramidentificadas 25 espécies, compredominância de morcegos insetívoros,seguidos de frugívoros (Zortea, 2001).Os índices de diversidade aplicados nosdados desse estudo mostram que o localé de alta diversidade de espécies e altaabundância para Glossophaga soricina.

Quando se compara a distribuiçãode anfíbios, répteis, aves e mamíferosdo Cerrado com a do Pantanal, e deoutros biomas vizinhos, as seguintesconclusões são ressaltadas (Alho et al.,2002):

1. Há 85 espécies de répteisocorrentes na planície inundável

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Desafios para a conservação

do Pantanal (sem seremexclusivas da região) e outras 94somente registradas, até omomento, em áreas do entorno,num total de 179 espécies derépteis para a bacia do AltoParaguai, isto é, região deCerrado. Quanto aos anfíbios(anurofauna), são conhecidaspelo menos 45 espécies naplanície e 80 no entorno(Cerrado). Apresentando menorheterogeneidade de habitats emaior disponibilidade de corposd’água permanentes (menornúmero de habitats comcondições ecológicas contras-tantes), a planície inundávelabriga espécies de anfíbios emgeral abundantes e de ampladistribuição. Já as áreas deentorno da bacia do alto Paraguai,especialmente as altas cabeceirasem área de Cerrado, sãovirtualmente desconhecidas doponto de vista de sua anurofauna.Os poucos inventários existentesindicam haver, aí, maior númerode espécies num dado sítio emaior “turnover” de espéciesentre sítios;

2. Na planície, formas exclusivas debiomas abertos representam cercade 54% da fauna total de répteis,enquanto que, no planalto, essacontribuição equivale a apenas42%. Já o número de formas“amazônicas”, por exemplo, éduas vezes maior na fauna derépteis de localidade no planalto(Cerrado) do que entre os répteisregistrados para o Pantanal;

3. A importância relativa de formascom hábitos aquáticos ou semi-aquáticos e de formas comhábitos fossoriais distingue a

herpetofauna da porção norte doPantanal e da localidade noplanalto. Enquanto na primeira arepresentatividade de anfíbios ede répteis com hábitos aquáticosou semi-aquáticos é superior à deformas fossoriais, no planaltoocorre o inverso, sendo as formasde hábitos fossoriais relativa-mente mais numerosas do que naplanície;

4. Há 837 espécies de avesocorrendo no Cerrado (das quais759 ou cerca de 90%, sereproduzem no bioma, Silva,1995) contra 444 espéciesdistribuídas no Pantanal. Cerca de80% das aves do Cerradodependem de habitats florestadosou arborizados. A grande abun-dância documentada da avifaunado Pantanal é composta por avespaludícolas que se agregam emtorno de recursos sazonaisalimentares ou reprodutivos,formando, em muitos casos,guildas de espécies.

5. O comportamento reprodutivo dealgumas espécies mostra sincro-nismo entre o regime de enchentee vazante, com reflexos nosucesso reprodutivo.

6. Há deslocamento sazonal dasaves paludícolas entre a planíciee o planalto, ou mesmo entrediferentes sub-regiões da planície,embora esses dados ainda sejamincipientes para muitas espéciese contenham evidências paraoutras, como é o caso do tuiuiú.

7. Tanto no Pantanal quanto noCerrado, a grande diversidade deespécies resulta da presença deambientes florestados nesses doisbiomas, tais como matas ciliares,

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matas de galeria, cerradão edemais formações arborizadas.

8. A ampla distribuição de mamí-feros no bioma Cerrado encontrana planície pantaneira ambientespropícios de oferta de nichosalimentares e reprodutivos,dentre outros, que favorecem aabundância, principalmente emáreas abertas, próximas a áreasarbóreas, como é o caso dacapivara Hydrochaeris hydro-cheris e do cervo Blastocerusdichotomus;

9. As análises que mostram asespécies de mamíferos maisdependentes de ambientesflorestados podem sugerirespécies indicadoras ou espécies-chave para esse tipo de ambiente,como é o caso do bugio Alouattacaraya para as matas ciliares aolongo dos rios do Pantanal. Poroutro lado, as espécies indica-doras de ambientes abertos,como a capivara e o cervo, têmgrande apelo para o ecoturismoda região.

AÇÃO PARA POLÍTICA PÚBLICA:DOCUMENTOS RELEVANTES

Iniciativas do Ministério do MeioAmbiente visando estabelecer diretrizespara a conservação e o uso sustentáveldo Cerrado/Pantanal resultaram napromoção das “Ações Prioritárias para aConservação da Biodiversidade doCerrado e Pantanal”, (MMA, 1999)representando a contribuição oriundadas atividades promovidas em 1997/1998, com a participação de váriasinstituições. Em prosseguimento, oMinistério criou, pela Portaria nº 298 de11 de agosto de 1999, um Grupo de

Trabalho, estabelecido em cumprimentoao Termo de Compromisso assinado peloMinistro, por seus Secretários e outrasautoridades, para propor subsídios paraessas diretrizes e ações.

Esse Grupo de Trabalho, formadopor representantes dos Estados, dasinstituições acadêmicas e de pesquisacientífica, das ONGs, em conjunto coma equipe do Ministério, numa feiçãomultidisciplinar e interinstitucional,trabalhou de fevereiro a novembro de2000, com reuniões mensais em Brasília,sob os auspícios do Ministério do MeioAmbiente, produzindo o documento“Diretrizes para uma política integradade conservação e uso sustentável para oCerrado/Pantanal”, (MMA, 2000a).

As diretrizes identificadas peloGrupo de Trabalho (tomando por basetambém os tópicos ressaltados nosdocumentos “Subsídios à elaboração daAgenda 21 Brasileira”) convergem paraações dos governos federal, estaduais emunicipais, da pesquisa científica, dosetor privado, mormente da área rural,das ONGs, dos povos locais, enfatizandosuas tradições e culturas, enfim, dasociedade (MMA, 2000b). Estasdiretrizes dão, ainda, destaque aocompromisso do Governo, no que tangeestabelecer áreas protegidas represen-tativas dos ambientes focais do bioma,bem como da implementação no campoda legislação recente, como a de recursoshídricos. As dimensões ambientais,econômicas e sociais do documentoorientam as diretrizes e metas para aconservação do Cerrado/Pantanal, aomesmo tempo em que se inserem nocompromisso de repensar e agir comnovas ações para o uso do ambiente, emdireção do desenvolvimento, para asvárias atividades humanas, incluindo omeio urbano e metropolitano e suadependência do campo.

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Desafios para a conservação

O impacto dramático das ameaças àbiodiversidade e outros recursosnaturais, como a água, está bemdocumentado na literatura (ANA, 2004).Este documento inspira o desejo deexpansão, de progresso, de demanda derecursos da natureza, sem se sobreporao fato de que há meios identificadosque podem conciliar o desenvolvimento,de maneira sustentável, com ocompromisso de proteger parcelasrepresentativas da biodiversidade. Odesafio não é desmobilizar o conflito,mas indicar o caminho conciliado embusca de necessidades competitivas, pormeio da intervenção, da gestão, domanejo, com a aceitação de que tudoisso é para benefício de todos.

O documento mantém a preocu-pação em conciliar o desenvolvimentoeconômico e social com os compro-missos de conservação e uso sustentávelde recursos. Enfoca, ainda, o processode conscientização e educação ambien-tal, os temas de biossegurança, oprocesso participativo e de integração doCerrado/Pantanal com os outros biomasbrasileiros e o contexto dos acordos,tratados e convenções internacionaisassumidos pelo País.

Há, portanto, informações consisten-tes para um plano de ação que se esperapossa ser implementado. O IBAMA tem,ainda, identificado novas áreaspotenciais para serem protegidas porunidades de conservação. A conversãoou modificação da cobertura natural docomplexo Cerrado do país, para diversosusos, tem sido drástica, conformeressaltado em trabalhos apresentadosneste Simpósio. Por outro lado, aliteratura científica especializada tem

demonstrado a importância do bioma emdiversidade de espécies e riquezagenética e ecossistêmica, no mosaico deambientes que contém essa coberturanatural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Grupo de Trabalho multidis-ciplinar interinstitucional, que atuou sobo patrocínio do Ministério do MeioAmbiente, propôs diretrizes prioritáriasde políticas públicas para conservaçãoe uso sustentável do Cerrado, as quaisdevem ser resgatadas para imple-mentação.

Embora se tenha avançado naquestão conceitual da conservação doCerrado, há ainda um longo caminho apercorrer para a implementaçãoconcreta, e de fato, de medidas efetivas,em todos os enfoques. Dois exemplosilustram essa distância entre o ideal e arealidade de ocupação e uso: primeiro,a dificuldade de se aplicar o quedetermina o código florestal brasileiro,particularmente, a proteção de matasciliares e de galerias, nos campos ondeavançam o cultivo de grãos; segundo,embora o percentual de áreas protegidasno Cerrado ainda esteja bem aquém donível de compromisso do Governo(idealmente 10% do bioma), muitasunidades de conservação, oficialmentedeclaradas como tal, não estãoapropriadamente implementadas, sendoo que se denomina de “parques depapel”. O grau de vulnerabilidade dos“parques de papel” depende do grau deimplementação que a área, oficialmenteprotegida, de uso indireto, temexperimentado (WWF, 1999).

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Capítulo 23Capítulo 23Capítulo 23Capítulo 23Capítulo 23

Ocupação dobioma Cerrado econservação dasua diversidade

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Ocupação dobioma Cerrado econservação dasua diversidade

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Ocupação e conservação

INTRODUÇÃO

A conservação da biodiversidade dobioma Cerrado precisa ser inversamenteproporcional a sua ocupação? Desen-volvimento implica apenas em ocuparnovas e grandes áreas com agriculturamecanizada e grandes cidades?Qualidade de vida pode ser medidaapenas com incremento de renda?Apesar de fisionomicamente homo-gênea, a paisagem savânica do Cerradoapresenta a mesma diversidade florísticaem todo o bioma? Qual é a riqueza deespécies e o papel das matas ribeirinhasna manutenção dos ambientes vizinhos?Este texto aborda algumas das respostasa estas perguntas, apresentandoresultados existentes sobre a intensaheterogeneidade local e regional da floradas matas ribeirinhas e do Cerradosentido amplo, mostra, também, astendências do ritmo da ocupaçãohumana na região e sugere alternativaspara o ordenamento dessa ocupação porintermédio da definição de novaspolíticas públicas. Os objetivosespecíficos deste trabalho são: a

apresentação de um rápido histórico daocupação do Cerrado, a partir dasegunda metade do século 20, acaracterização dos aspectos da riquezade espécies em fitofisionomias dessebioma e, finalmente, a discussão dopapel da agricultura de grãos, soja emespecial, e da pecuária como elementosde alterações na diversidade natural, nouso do solo e nos meios de vida daspopulações humanas. Assumindo acontinuação do ritmo dessa ocupação,essas informações são úteis noredirecionamento de políticas públicaspara o Cerrado.

HISTÓRICO

Preocupados com a exploração deouro e pedras preciosas, no início doséculo 18, os pioneiros da ocupação doCerrado criaram as condições iniciaispara o estabelecimento de diversascidades no Centro-Oeste. Com a depleçãodesses recursos, a atenção foi transferidapara a pecuária extensiva, que ocupou aatenção desta região, até praticamente o

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Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

final da década de 1950. Com aconstrução de Brasília, o desenvol-vimento de infra-estruturas viárias(ferrovias e rodovias) e as políticasagrícolas desenvolvimentistas baseadasnos princípios da revolução verde, comoo Programa de Desenvolvimento doCerrado (POLOCENTRO) e o ProgramaCooperativo Nipo-Brasileiro para oDesenvolvimento do Cerrado (PRODE-CER), houve condições para a expansãode uma agricultura extremamentecomercial (Alho & Martins 1995). Dentreos principais cultivos havia milho, arroz,feijão e mais recentemente café,mandioca e, principalmente, a soja.

O domínio do bioma Cerrado ocupa204 milhões de hectares dos quais pelomenos 127 milhões (62% do total)acontecem em solos com boasperspectivas de mecanização agrícola.Sano et al. (2001), utilizando um sistemageográfico de informação, estimaram quea área ocupada do bioma Cerrado em1996 era de cerca de 120 milhões dehectares (59%), com aproximadamente48 milhões (23%) com pastagemcultivada, 27 milhões (13%) compastagem nativa, 10 milhões comculturas anuais (5%), 38 milhões (18%)com outros usos (ex.: culturas perenes,florestais e urbanização), restandoaproximadamente 85 milhões dehectares (41%) como áreas relativamenteintocadas (Figura 1). Entretanto,previsões baseadas em imagens de

satélite mostram 67,1% como áreaocupada para o Cerrado (MMA-SBF. 2002).

A população total do Centro-Oeste,em 1950, era de 1.736.965 habitantes.Ao final da década, em 1960, apopulação da região era de 2.942.992habitantes. A partir dessa data ocrescimento demográfico vinculou-se,principalmente, à capacidade de atraçãomigratória da fronteira agrícola regional.No ano 2000, o contingentepopulacional, praticamente, atingiu os 28milhões de pessoas (49,8% são do sexomasculino e 50,2% feminino) dos quais21,64% estão na área rural e 78,36% naurbana. Algumas áreas apresentam até37% de população rural, como é o casodo Vão do Paranã, no nordeste de Goiás.

A desaceleração do crescimentodemográfico, com exceção do norte doMato Grosso, pode estar acontecendopelo relativo esgotamento da capacidadede atração migratória da fronteiraagrícola. Este fato corrobora a idéia quea ocupação do solo no Cerrado, foiprincipalmente provocada pelo fluxomigratório da década de 1950 até 1990 epossui relação direta com as atividadesagropecuárias nele desenvolvidas(Ribeiro & Barros 2002).

RIQUEZA DE ESPÉCIES

A idade geológica da formação dobioma e as mudanças dinâmicas do

Figura 1Estimativa deocupação doCerrado em 1996(Sano et al., 2001).

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Ocupação e conservação

quaternário, assim como fatoresespaciais locais e regionais da atualidade,levaram à enorme biodiversidade dobioma Cerrado (Ratter & Ribeiro 1996).Dias (1992) estimou valores superioresa 160.000 para a riqueza de espécies dabiota do bioma Cerrado onde insetos,fungos e angiospermas são responsáveispor 87% dessa diversidade. Dessaestimativa, as angiospermas somariamcerca de 10.000 espécies.

Valores publicados, entretanto,mostram o imenso desconhecido queainda resta, para quantificar adequa-damente estas espécies. Os númerosdisponíveis apresentam cerca de 6.500espécies para plantas vasculares(Mendonça et al., 1998). Já a fauna doCerrado apresenta baixo grau deendemismo (Vanzolini, 1963; Sick, 1965;Redford & Fonseca, 1986; Marinho-Filho& Reis, 1989) apud Marinho-Filho &Guimarães (2001), compreendendo 212para mamíferos (Marinho Filho &Guimarães, 2001), 180 para répteis(Brandão & Araujo 2001), 837 para aves(Silva 1995, Bagno & Marinho-Filho,2001). É importante ressaltar que oCerrado é responsável por mais de 50%das espécies de aves encontradas noBrasil, sendo que 90,7% se reproduzemnesse bioma (Silva 1995) e apenas 32são endêmicas do Cerrado (Silva, 1997;MMA – SBF. 2002).

Enquanto o número de espéciesendêmicas da fauna é relativamentepequeno, o mesmo não acontece paraflora. Myers et al. (2000) estimaram que44% da flora do bioma é endêmica. Onúmero de plantas vasculares apontadopor Mendonça et al., (1998) no biomaCerrado chega a 6.429, onde 33% delas,apesar de também ocorrerem em outrosbiomas, no Cerrado são encontradasapenas nos ambientes ribeirinhos. Abiodiversidade do bioma foi mais bem

estudada no Cerrado sentido amplo(Cerrado Denso, Típico, Ralo e CampoSujo) e nas Matas de Galeria.

As Matas de Galeria e Matas Ciliares,com mais de 30% das espécies deplantas vasculares do bioma (Felfili etal., 2001), têm extrema importância nariqueza total do bioma, pois muitos sãoos elementos itinerantes da fauna dasoutras fitofisionomias do bioma Cerradoque dependem dessa flora paraalimentação, reprodução e nidificação.Com relação aos mamíferos, essas matasabrigam 80% das espécies comuns noCerrado, 50% dos endemismos e 24%das espécies ameaçadas de extinção daregião (Marinho Filho & Guimarães,2001), para lagartos, das 47 espéciesencontradas 25,5% são endêmicas(Brandão & Araújo 2001) e para osanfíbios das 113 espécies, 28,3% tambémsão endêmicas (Brandão & Araújo 2001).Outro fator importante: essas matas sãodiretamente responsáveis pelaquantidade e qualidade da água quecorre nos cursos d’água do Brasil Central.Ademais, o Cerrado é considerado “oberço da águas”, pois abriga nascentesde importantes bacias hidrográficas daAmérica do Sul. Em termos de área oCerrado abrange 78% da bacia doAraguaia-Tocantins, 47% do SãoFrancisco e 48% do Paraná/Paraguai(Lima & Silva 2002). Estes mesmosautores realçam ainda que, em termosde contribuição para a quantidade deágua das bacias, os números são aindamais relevantes, pois o Cerrado éresponsável por 71% na bacia doAraguaia/Tocantins, 94% no SãoFrancisco e 71% no Paraná/Paraguai.Assim sendo, qualquer ocupação noCerrado vai refletir em outros locais.

O estabelecimento e a distribuiçãoespacial das espécies nas florestasribeirinhas, em termos locais, parecem

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ser mais relacionados às condiçõeshídricas que com a fertilidade natural(Walter & Ribeiro 1997). A distribuiçãoespacial localizada das espécies nasmatas (zonação) pode depender daresposta das sementes e plântulas aoencharcamento do solo, como discutidoem Ferreira & Ribeiro (2001).Correlacionar topografia, material deorigem, características do solo e alturado lençol freático com a distribuição localdas espécies têm sido objeto de estudosde variações da vegetação entre Matasde Galeria e dentro delas. Schiavini(1992) e Walter (1995) sugeriram estaestratificação do ambiente sob Matas deGaleria. Walter (1995) descreve que oambiente é não-inundável se o lençolfreático é baixo ou é inundável se olençol é mais alto, independentementese este acontece na borda externa, nomeio da mata ou próxima ao córrego.Felfili et al. (2001) incluem na flora dasmatas ribeirinhas 2.031 espécies, em 686gêneros e 134 famílias, distribuídas em424 espécies herbáceas, 69 epífitas, 156subarbustos, 237 trepadeiras, 403arbustos e 854 árvores. Esses autoresressaltam que, enquanto para asformações florestais Mata de Galeria/Mata Ciliar a proporção do estratoarbustivo-herbáceo para o arbóreo é de1:1,1 na formação savânica Cerradosentido amplo, a proporção é de 4:1.

A forma natural de ocupação doespaço pelas espécies e sua associaçãocom as características ecológicasencontradas nos ambientes florestaispodem ajudar a definir grupos deespécies características. Schiavini et al.(2001) descreveram para umatoposequência específica para a regiãode Uberlândia, como exclusivas dasMatas de Galeria, (Calophyllumbrasiliense, Talauma ovata, Protiumheptaphyllum e Inga vera ssp. affinis)

como freqüentes, porém não exclusivas(Copaifera langsdorffii, Faramea cyanea,Tapirira guianensis e Dendropanaxcuneatum), e como eventuais (Acaciaglomerosa, Anadenanthera colubrina var.cebil, Roupala brasiliensis, Alibertiasessilis e Coussarea hydrangeifolia).Entretanto, como enfatizaram essesautores, esta distribuição não pode nemdeve ser generalizada para todas asMatas do Bioma. Concordamos com esseponto já que a espécie Protiumheptaphyllum também pode serencontrada nos Cerradões e Matas Secasem áreas do Brasil Central.

Adicionalmente, Walter (1995)mostrou que diferenças florísticas entreporções da mesma mata podem sermaiores que diferenças entre matasdiferentes. A análise de Silva et al. (2001)em 21 levantamentos realizados emmatas diferentes no Distrito Federalmostrou que a similaridade florística deSørensen em alguns casos foi tão baixacomo 0,3, enquanto a similaridademédia de 0.4 indicou a baixa semelhançaflorística entre os levantamentos. Esseautor listou apenas para o DistritoFederal 378 espécies, 44.1% do total de854 sugerido por Felfili et al. (2001) paraas matas do bioma.

A progressiva exploração desor-denada e predatória desse ambiente e aausência ou mesmo ineficácia depolíticas públicas ambientais para suagestão na região do Cerrado podemconduzir à insustentabilidade ecológicae social. Como a legislação ambientalprotege esses ambientes, sua preservaçãoresultaria em redução dos espaçosprodutivos, implicando em impactodireto nos rendimentos de produtoresfamiliares de comunidades que vivemnas regiões ribeirinhas. Por outro lado,vale lembrar que a depredação dasmesmas levará à redução da oferta

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Ocupação e conservação

hídrica essencial para a sustentabilidadeda produção agrícola, e que os resultadosencontrados mostram que a conservaçãodestas matas ribeirinhas vai manterimportantes corredores ecológicos parao deslocamento da fauna e da flora,possibilitando serviços ambientaisessenciais para a própria ocupaçãosustentável do bioma.

Quanto à vegetação savânica, dadosdisponíveis sobre a flora lenhosa doCerrado, sentido amplo, indicam que, naárea nuclear contínua, o número deespécies em uma área (diversidade alfa)pode variar de 20 a 193 espécies lenhosasarbóreas, enquanto áreas disjuntas dobioma, concentradas nas savanasamazônicas, podem apresentar valoresbem menores (Ratter et al., 2002, 2003).É claro que parte dessa variação na áreanuclear pode ser oriunda da forma deamostragem, mas existem evidências deque a grande maioria dessa variação sejareal e deva ser estudada com maioresdetalhes, como é o caso de áreasencontradas em solos mesotróficos. Estessolos apresentam níveis de cálcio emagnésio, na camada superior, maioresque a média e estão associados com apresença de menor número de espécies.Espécies características desses ambientessão Terminalia argentea, Callisthenefasciculata, Magonia pubescens,Astronium fraxinifolium entre outras(Ratter et al., 1977; Furley & Ratter 1988).

As análises biogeográficas realizadaspor Castro (1994), Castro e Martins(1999), Ratter & Dargie (1992) e Ratteret al. (1996) e Ratter et al. (2003)permitiram a identificação de padrões dedistribuição da flora do bioma. Porexemplo, Ratter et al. (1996)reconheceram os grupos Sul (São Paulo

e sul de Minas Gerais), Este-sudeste(principalmente Minas Gerais), Central(Distrito Federal, Goiás e porções deMinas Gerais), Centro-oeste (maior partede Mato Grosso, Goiás e Mato Grossodo Sul), e Norte (principalmenteMaranhão, Tocantins e Pará), assimcomo um grupo de vegetação savânicadisjunta na Amazônia. Neste estudo osautores mostraram não apenas quediversidade tende a ser menor nos sítioscom solos relativamente mais férteis,onde existe a dominância de espéciesindicadoras como Callisthene fasciculata,Magonia pubescens, Terminalia argenteae Luehea paniculata, mas também aexistência de intensa heterogeneidadeentre os sítios amostrados (diversidadesbeta e gama).

A análise da vegetação lenhosa dafisionomia Cerrado sentido amplocompreende hoje levantamentos em 376sítios (Ratter et al., 2003) com um totalde 953 espécies de árvores e grandesarbustos, onde apenas 38 estiverampresentes em 50% ou mais deles (Tabela1). Este estudo evidencia ainda que 309espécies (35,3%) ocorreram em apenasum local, enquanto somente 300 espéciesocorreram em mais de oito locais(≥ 2,5%). O padrão de diversidade dasespécies lenhosas é principalmenteconstituído desse um grupo restrito de300 espécies (cerca de 1/3 do total)relativamente comuns e 2/3 de espéciesbastante raras, muitas das quaispoderiam ser incluídas como acessórias(Ratter et al., 2003). Este padrão deoligarquia de um grupo de espéciescomuns e muitas outras espécies raras,também foi reportado para as Matas deGaleria (Silva Júnior et al., 2001) e paramatas amazônicas de terra firme noEquador e Peru (Pitman et al., 2001).

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Alguns pesquisadores (e.g. Rizzini,1963, 1979) postularam que na áreacentral do bioma Cerrado haveria maisespécies que na periferia, e consideraramque a riqueza seria principalmentecomposta por espécies acessóriasoriundas dos biomas vizinhos.Entretanto, Ratter et al., (2003) relataramdois pontos relevantes:

1 - Apesar de muitas localidades daregião central serem de fato ricasem espécies, localidades naperiferia da área nuclear doCerrado, nas proximidades dosRios Araguaia, Tocantins e Xingu,ou ainda, no estado de São Paulo,mostraram riqueza tão grande ouaté superior que a porção central.

2 - A riqueza da flora periférica écomposta de espécies tipicamentesavânicas, ou seja, não é formadapor espécies oriundas de biomas

vizinhos. Isto demonstra nãoapenas a significante heteroge-neidade da flora, mas asparticularidades de cada local.

Alguns estudos demonstraram aimportância do Cerrado como um doscentros de biodiversidade maisimportantes do planeta (Myers et al.,2000). Sem dúvida, a heterogeneidadedo ambiente, já demonstrada em termosde precipitação pluviométrica (Assad &Evangelista, 1994), solo (Reatto et al.1998), água (Lima & Silva 2002) evegetação (Ratter et al. 1996; 2002;2003), é fundamental na manutençãodessa biodiversidade.

Uso agrícola: produção atual eperspectivas futuras

A produção agrícola no Centro-Oeste, até a década de 1950, era poucoexpressiva, a indústria não existia e

Tabela 1. Espécies lenhosas presentes em mais de 50% dos 376levantamentos comparados [Os valores em parênteses são dasporcentagens encontradas respectivamente em levantamentosanteriores Ratter and Dargie (1992) e Ratter et al. (1996)].

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Ocupação e conservação

apenas a pecuária bovina apresentavarelevância na região. Este panorama, noentanto, sofreu alterações provenientesda abertura da fronteira agrícola nacionale do conseqüente fluxo migratório emdireção ao oeste brasileiro. Na décadade 1960, a quantidade de soja produzidano Brasil era de apenas 400 miltoneladas/ano. Em 1997 a produçãonacional superou 25 milhões detoneladas e segundo estimativas daCompanhia Nacional de Abastecimento(CONAB) para a safra 2001/02, estemontante pode chegar a 41 milhões detoneladas. Dos 27 estados brasileiros, 15estão produzindo soja. A Região Sul eraa maior produtora do país até meadosda década de 1990. Na safra 2000/01, oSul respondeu com 42,26% da safranacional, enquanto o Centro-Oeste jáproduziu 44,35%. Estimativas para asafra de 2001/02 apontam que aprodução no Centro-Oeste tende a crescerchegando a 19 milhões de toneladas, oque significaria 46,9% de toda aprodução de soja do país. A participaçãoda Região Nordeste cresceu bastanteentre 1997 e 2001, quando apresentoupercentuais de 3% e 6,87%, respec-tivamente, com ênfase para o estado daBahia que responde por cerca de 70%da produção local. Mas qual é essa áreade soja plantada e qual é o impactoambiental?

A área plantada, em 2001, foi de pelomenos de 6.970 milhões de hectares,assumindo que a produção da soja hojepara o Cerrado seja de cerca de 20milhões de toneladas e a produtividademédia de 2.926 kg/ha (www.cnpsoja.embrapa.br./radarsoja/conab0203).Assim, dos 10 milhões de hectaresplantados com grãos (Sano et al., 2001),quase 65% da área total de grãos estevedestinada a esta espécie. A partir dessesnúmeros, verifica-se que em 1986 a sojaera responsável pela ocupação direta demais de 3% da área bioma Cerrado.Além disso, observa-se que a áreaplantada na região tem crescidointensamente. Com isso, o Cerradorespondia por 41,83% de toda aprodução de soja brasileira. Se por umlado a maior ocupação acontece compastagem cultivada (38%) (Sano et al.,2001), por outro, a abertura de novasáreas nos últimos anos está praticamenteem função da soja e milho (Figura 2).

O incremento de produção de umdeterminado plantio agrícola, em termossimples, vai depender de três fatores: (i)abertura de novas áreas, (ii) aumento daprodutividade ou (iii) utilização de áreasanteriormente plantadas com outrasculturas. A soja na região duplicou de1985 a 1995 e praticamente triplicou nosúltimos 15 anos (Figura 1). O incremento

Figura 2Evolução da

produção de grãosem milhões de

toneladas na áreado domínio do

bioma Cerrado.Fonte: Embrapa

Cerrados –Palestra

Institucional

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Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

na produção até agora foi decorrente dosdois primeiros fatores, abertura de novasáreas e aumento da produtividade. Dadécada de 1970, a produtividadeaumentou de 1.300 para algo em tornode 2.800 kg/ha em 2001. Estaprodutividade pode aumentar aindamais, pois bons produtores, com técnicasapropriadas, poderão alcançar padrõesmais altos.

A conservação do bioma Cerrado vaidepender da criação de novas unidadesde conservação e também da diminuiçãoda pressão de ocupação agrícola. Oaproveitamento de áreas com baixaocupação ou abandonadas por outrasculturas seria muito importante. Assim,dos 49 milhões de hectares ocupados porpastagens, estima-se que 30 milhõesestejam degradados, sendo solos,teoricamente, potenciais para areincorporação ao sistema produtivo degrãos, plantios com espécies perenes esistemas agroflorestais. Esta áreadegradada é três vezes maior do que oespaço ora ocupado por todos os plantiosde grãos. Entretanto, esta incorporaçãodepende de vários fatores como adisponibilidade de técnicas derecuperação do solo e do uso da água(pesquisa), estudos das necessidadesespecíficas para a próxima cultura(pesquisa), a conscientização e otreinamento dos produtores (educação)e a implementação de procedimentospolíticos e sociais que apóiem o usodestas áreas (política).

POLÍTICAS PÚBLICAS

O estabelecimento apropriado eeficiente de políticas públicas paraconservação vai depender da dispo-nibilidade de informações coerentes eatualizadas, da integração e análise dasinformações disponíveis e a análise dosinteressados em todos os níveis.

DISPONIBILIDADE DEINFORMAÇÕES

As unidades de conservação deproteção integral correspondiam a 1,5%,até 1998, do bioma Cerrado. Se a estenúmero fossem somadas as unidades deuso sustentável, o Cerrado protegido nãopassaria de 3% de sua extensão inicial(Aguiar et al. 2003). A intensaheterogeneidade florística local e regionalaqui destacada tem conseqüênciasimportantíssimas em planos de manejopara o estabelecimento de unidades deconservação. Assim, os dados florísticosmostram que é necessário protegermuitas áreas relativamente menores nosentido de representar adequadamentea biodiversidade local e regional.

Todo esse conhecimento é muito útilno momento de decidir localização etamanho das unidades de conservação,já que a ocupação humana nas ultimastrês décadas, seja por agricultura,pastagem, produção de carvão,urbanização, entre outras, reduziu avegetação natural para algo ao redor de30%. Muito embora no Cerrado, ariqueza de espécies e endemismo sejamaltos (Mittermeier et al., 1999; Davis etal., 1994 – 1997; Groombridge, 1992;Heywood, 1995 apud Myers et al. 2000e Brooks et al. 2002), a proteçãoambiental é pequena e a taxa deocupação sensivelmente alta.Estimativasde antropização (incluindo urbanização,agricultura e áreas pouco perturbadasutilizadas como pastagem nativa) foramde 40% em 1995 (Alho & Martins 1995);59% em 1996 (Sano et al., 2002); de67,1% em 1998 e de cerca de 70% em1999 (Cerrado e Pantanal, 2002). Emalguns estados como São Paulo e Paraná,por exemplo, somente pequenosvestígios dessa vegetação naturalpermanecem.

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Ocupação e conservação

INTEGRAÇÃO E ANÁLISE DESSASINFORMAÇÕES

O desafio, portanto, está em agrupare associar toda a informação disponíveldo ambiente físico e biológico e dosusuários, sejam eles comunidadestradicionais ou novos assentamentos,para estruturar sugestões para políticaspúblicas pertinentes e convincentes,procurando atingir o desenvolvimentosustentável com uma agricultura maisamigável com o ambiente e com ênfasena conservação dos 20% de reservalegal.

Além disso, os dados disponíveisevidenciam que, para ser efetiva, aconservação deve acontecerconsiderando a integração entre asfisionomias. Conservar apenas avegetação ribeirinha, sem que sejamlevadas em conta a sua dinâmica naturale as relações com as fisionomiasadjacentes seria ineficiente. Dessamaneira, a interface com o campo úmidoe o Cerrado sentido amplo é muitoimportante, principalmente no que dizrespeito às espécies pioneiras davegetação, transitórias como os animaisou mesmo com o lençol freático no solo.Por outro lado, manter uma reservaapenas com vegetação savânicaapresentaria sérios problemas pelaausência de ligação com os ambientesribeirinhos, tão importantes para amanutenção da fauna. Bagno & Marinho-Filho (2001) observaram que apenas20% das aves do Distrito Federal sãoindependentes das florestas, ou seja, agrande maioria ocorre tanto nosambientes abertos quanto nos florestais.Muito embora englobem apenas 5% daárea total do bioma Cerrado, 50% dosendemismos e 24% das espéciesameaçadas de mamíferos são encon-tradas nessas matas (Marinho-Filho &Gastal 2000), com sérias evidências de

que sirvam como corredores mésicosentre a Floresta Amazônica e a MataAtlântica, permitindo assim a manu-tenção da fauna característica deformações florestais sem adaptaçõesespecíficas a ambientes tipicamentexéricos (Redford & Fonseca, 1996).

INTERESSADOS

A principio, o objetivo único eprincipal almeja o capital monopolista ea economia exportadora especializadaem produtos alimentícios e matéria-prima, onde a soja aparece comoelemento-chave. Atitudes, em futuro bempróximo, devem considerar dois pontos:a quem esse desenvolvimento interessa(beneficiários) e qual a sua necessidadede implantação em curto prazo, sem adevida análise das conseqüências dessasatitudes.

A região Centro-Oeste, em termos debeneficiários, responde pela menorparticipação da agricultura familiar nopaís, exatamente devido a esse altoíndice de concentração fundiária(Expansão... 2000) de 500ha porpropriedade, estabelecido como padrãopela monocultura empresarial(PRODECER II na região de Balsas, porexemplo). Com isso, percebe-se que háum impacto econômico positivo para onovo proprietário da terra, enquanto poroutro lado, as populações tradicionaissão pressionadas para um intensoprocesso de êxodo rural devido à perdade competitividade dos seus meios deprodução e das formas tradicionais demanejo de recursos naturais.

Os impactos da ocupação agrícolatecnificada, especialmente soja,evidenciam uma área de ocupação de 3%do Cerrado em valores absolutos (Sanoet al., 2001), porém é fundamentaldiscutir e considerar as conseqüências

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Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva

indiretas ao estímulo de atividadescomplementares, e tidas como dedesenvolvimento regional, comoimplementos e insumos agrícolas,comercialização, transporte e moradia(Expansão... 2000).

Essas atividades econômicas, semdúvida, vão implicar na demanda deinfra-estrutura que acaba influenciandono surgimento de outras culturas anuais(milho, feijão, arroz) ou perenes(banana, abacaxi). O Centro-Oeste temimplementado o estabelecimento deagroindústrias para o processamento degrãos de soja que não foram admitidosem outras regiões do país pelo impactoambiental dos subprodutos e dejetos.

Recomenda-se que a decisão dalocalização das reservas legais, leve emconsideração toda essa integração. Adeterminação do local da reserva,geralmente, é tomada pelo proprietárioou muitas vezes pelo seu encarregado,o que torna a escolha muitas vezesinapropriada, pois é tomada com baseem um conhecimento insuficiente dosrecursos naturais disponíveis. A ausênciadeste conhecimento deve ser supridacom intensos programas de educaçãoambiental.

Políticas de conscientização,educação e apoio para a ocupaçãoambientalmente sustentável seriamimprescindíveis. Liberação de recursospara plantios agrícolas deveria estarassociada a técnicas de plantio e apreservação do solo, da água, davegetação e da fauna. Este procedimentodeveria ser acompanhado de educaçãoambiental, que estaria acontecendo comtoda a comunidade, das crianças até osmais idosos. A sugestão seria a aplicaçãoda educação ambiental no sentido amplode Paulo Freire, ou seja, utilizando oambiente em que a comunidade vivepara educá-la; somente assim a

comunidade poderia valorizar corre-tamente o ambiente onde vive. Isso setorna mais crítico ao se constatar que onúmero de produtores vindos de outrasregiões do Brasil, no Cerrado, é muitoalto. Foi verificado no Distrito Federal eem seu entorno, por exemplo, que 82,5%da população amostrada nasceu foradessa área, e que a grande maioria nãopossuía raízes culturais vinculadas aoambiente Cerrado, pois seriam oriundas,principalmente, das regiões Sul, Sudestee Nordeste.

É evidente que se os aspectos devaloração ambiental tivessem sidoamplamente aplicados e divulgadosjunto ao sistema privado de colonizaçãoe expansão da produção agropecuáriaorganizada por grandes empresas dosetor ou proprietários capitalizados, osresultados positivos sobre produçãosustentada e conservação já poderiamter sido colocados em prática. Entretanto,o procedimento até agora observadoparece conseqüência da pequenaarticulação, tanto no aspecto setorialquanto no espacial. Muito pouco temsido divulgado nas cooperativas do setorde produção de grãos sobre produçãosustentada e conservação. Além disso,essa divulgação ainda varia de regiãopara região. Esse desconhecimento podelevar a atitudes precipitadas einconseqüentes.

PROPOSIÇÕES

Este estudo propõe transformaçõesque devem partir dos seguintesprecedentes:

1) Desenvolvimento tem que serdesdobrado em plenoenvolvimento, entendendo que oprefixo “des”, nesse caso, nãodeve ser compreendido como

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Ocupação e conservação

negativa de envolvimento, talcomo em des-ligar (não ligar) edes-conversar (não conversar);

2) Pleno envolvimento seria, então,assumir que conservação eocupação sustentada são comofaces de uma mesma moeda. Paraque essa moeda tenha mais valor,as duas faces devem estar juntas,lembrando que o ser humano éparte da natureza.

3) Devem acontecer em pelo menostrês níveis (Tabela 2): Pesquisa,Política e Educação e dependendoda situação, em curto, médio e

longo prazos. A matriz a seguirapresenta os principais aspectosdesses níveis e prazos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O bioma Cerrado é regional elocalmente heterogêneo, particular-mente, no que diz respeito às espéciesvegetais raras e endêmicas. Dessamaneira, é essencial a implementação deum sistema de unidades de conservação,que seja capaz de representar devida-mente as subprovíncias florísticas jáidentificadas em vários estudos e

Tabela 2. Transformações na pesquisa, educação e nas políticas públicaspropostas para mudar o entendimento sobre o valor ambiental dobioma Cerrado

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revisadas em Ratter et al., (2003). Alémdisso, todas as formações florestais,savânicas ou campestres, ali presentesdevem também ser consideradas eincluídas nesse sistema, além dasfitofisionomias e suas variaçõesambientais, como classes de solo e clima.Fica bastante clara a necessidade decriação de unidades de conservação emchapadas de latossolo, devido à intensaseleção dessas áreas para a ocupaçãoagrícola nas ultimas três décadas.

A importância da implementação deleis e procedimentos ambientalmenteamigáveis é premente. Decisões devemacontecer em seqüência e em diversosníveis como políticas, pesquisas,produtores e consumidores. Então, como

“tomadores de decisão” são incluídosaqui políticos, pesquisadores, produ-tores, caseiros e até mesmo cada um denós, como consumidores de produtosprovenientes do Cerrado. Esse grupodeve entender que o ambiente faz partedo sistema de produção agrícola. É oambiente que vai agir como filtro depoluição de elementos essenciais para anossa sobrevivência, como o ar e a água,além de funcionar como sensor daqualidade ambiental, indicando quandoo sistema está desequilibrado, pois suacapacidade de suporte foi ultrapassada.Somente com esses procedimentosteríamos possibilidades de garantir aconservação do bioma Cerrado epossibilitar a sustentabilidade daprodução agrícola com longa duração.

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Manejo defragmentos de

Cerrado: princípiospara a conservação

da biodiversidadeVânia R. Pivello

Departamento de EcologiaUniversidade de São Paulo

São Paulo, SP

Manejo defragmentos de

Cerrado: princípiospara a conservação

da biodiversidadeVânia R. Pivello

Departamento de EcologiaUniversidade de São Paulo

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Manejo de fragmentos

POR QUE MANEJAR OSECOSSISTEMAS NATIVOS EMUNIDADES DE CONSERVAÇÃO?

O processo de desenvolvimento quese instalou nas regiões Sudeste e Centro-oeste do Brasil a partir do século 20,acompanhado de grande crescimentopopulacional, levou à rápida procura porterras agricultáveis, locais para instalaçãode indústrias e cidades, bem comoutilização direta dos recursos danatureza. Em decorrência, os ecos-sistemas nativos sofreram e ainda vêmsofrendo intensa fragmentação,substituição e descaracterização, sendoque aqueles que hoje restam geralmenteconstituem fragmentos pequenos eisolados nas paisagens modificadas pelohomem, ou, mesmo quando maisextensos, também alterados em suacomposição, estrutura e processos. Alémdas perdas diretas de indivíduos eespécies, esses fragmentos sofreminúmeras pressões externas, vindas deseu entorno alterado.

Diversas estratégias voltadas àproteção da biodiversidade existem,sendo elas de ordem política, econômica,educativa e ambiental, e devendo estartodas interligadas. Na vertente am-

biental, a conservação in situ, por meiodo estabelecimento de unidades deconservação, mostra-se como uma dasmelhores alternativas para a manutençãoda biodiversidade nativa, uma vez quese mantém não apenas as espécies, mastambém seus habitats, as relações entreelas e os processos ecológicos.

Entretanto, a grande maioria dasáreas hoje destinadas à conservaçãonada mais são do que pequenas ilhasem meio à ocupação urbano-rural,sofrendo todo o tipo de pressão doentorno. Uma vez que resistência,resiliência e capacidade de auto-sustentação dos ecossistemas sãopropriedades que ocorrem dentro delimites, mesmo a biodiversidade“protegida” nas unidades de conser-vação está sujeita a sérios problemas ea grandes perdas, advindas dafragmentação e isolamento dos habitatse das pressões do entorno. Assim, oprocesso de fragmentação de habitats éapontado como o principal responsávelpelas atuais perdas de biodiversidade,sejam elas em nível genético, específicoou ecossistêmico (WWF, 1989). Essasquestões vêm sendo muito bemexploradas nas duas últimas décadas,especialmente no contexto da ecologia

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Pivello

de paisagens (Naveh & Liebermann,1994; Forman, 1995; Meffe & Carroll,1997; Primack et al., 2001; Turner et al.,2001), com o intuito de fornecerembasamento a alternativas para aconservação biológica.

Conclui-se, então, que apenas acriação de unidades de conservação nãoé suficiente para a manutenção dopatrimônio natural; é também necessárioque medidas de manejo sejam adotadaspara estas áreas, bem como para toda apaisagem onde se inserem. Intervençõesnos ecossistemas protegidos sãonecessárias para direcionar seusprocessos e evitar ou remediarproblemas que os levem à deterioração.

Os planos de manejo são umaprimeira abordagem para o estabe-lecimento de diretrizes e ações para aproteção dos recursos naturais,entretanto, deve-se destacar outrasestratégias, como políticas e açõesinstitucionais de planejamento –incluindo a elaboração e o cumprimentode zoneamentos regionais –, políticas deincentivos e acordos, bem como açõesde restauração e reabilitação de áreasdegradadas.

A BIODIVERSIDADE E A PROTEÇÃODO CERRADO

Um dos biomas que mais tem estadosujeito à ocupação e à descaracterizaçãoé o Cerrado1. Os fatores de indução dodesenvolvimento, aliados a uma políticagovernamental de incentivo agrícola noCerrado – estabelecida na década de1970 – e desprovida de uma propostaparalela de proteção ambiental,resultaram num processo acelerado desua destruição e substituição. Aindahoje, o Cerrado é visto como “celeiro do

mundo” ou “área de expansão dafronteira agrícola”, com estímulo oficialà sua substituição. Em conseqüência,apenas 2,09% deste bioma é protegidonas diversas categorias de unidade deconservação (situação em 18/02/2002,IBAMA, 2002).

Dentre as constantes pressõesantrópicas sobre o Cerrado, destacam-se: queimadas, invasões para suaocupação com moradias e agricultura desubsistência, entrada de gado, retiradade lenha e de espécies medicinais, alémda invasão biológica por espéciesexóticas.

Todavia, o Cerrado é detentor deimensa riqueza fisionômica - congre-gando mais de 20 formas vegetacionaisflorestais, savânicas e campestres(Ribeiro & Walter, 1998) - e florística,tendo sido registradas mais de 6.000espécies vasculares para esse domíniomorfoclimático (Mendonça et al., 1998).Seguindo uma paisagem diversificada ecom grande variabilidade de habitats, afauna do Cerrado apresenta-se tambémexuberante, com cerca de 1.270vertebrados terrestres. O grupo das avesé o mais rico, estando representado pormais de 800 espécies; seguido pelosmamíferos, anfíbios e répteis (Myers etal., 2000).

Desde há várias décadas, já sereconhece o alto grau de peculiaridadee endemismo da flora do Cerrado(Rizzini, 1971; 1997; Goodland & Ferri,1979), entretanto, contrariando idéiasmais antigas, o maior conhecimento desua fauna também vem mostrandopadrão semelhante, com grande númerode espécies endêmicas às fisionomias dobioma. Silva & Bates (2002), congre-gando dados de diversos trabalhos,mostram graus de endemismo da

1 Cerrado, iniciado com letra maiúscula, refere-se, no presente texto, ao bioma ou ao domínio morfoclimático;quando iniciado com letra minúscula, refere-se a ambientes de cerrado.

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Manejo de fragmentos

magnitude de 44% para plantasvasculares, 30% para anfíbios, 20% pararépteis, 12% para mamíferos e 1,4% paraaves.

Essa imensa riqueza biológica, comalto grau de endemismo, merece, semdúvida, maior atenção e dedicação à suaproteção, por meio de estratégiasconservacionistas diversas e manejoadequado.

O MANEJO DE FRAGMENTOS DOCERRADO

A grande maioria das unidades deconservação brasileiras não recebe açõesde manejo sobre sua biota. Isso decorrede políticas ambientais ultrapassadas,excessivamente conservadoras, que nãoadmitiam intervenção alguma nosambientes protegidos. Essa defesa da“não-ação” decorre, em parte, por seacreditar que ainda falta o conhecimentonecessário para o estabelecimento dasações de manejo e, em parte, em virtudeda legislação brasileira ter sido,historicamente, muito restritiva emrelação às unidades de conservação.

No primeiro caso, a insegurançapoderia ser justificada em parte, pois há,realmente, grandes lacunas deconhecimento em relação à dinâmica denossos ecossistemas. Essas lacunasocorrem em diversos níveis: na coletados dados, na análise e síntese dasinformações, na disseminação doconhecimento e em sua recepção(Pivello, 1992). Por outro lado, é amplaa gama de dados já obtidos para oCerrado, úteis para subsidiar seu manejo;entretanto, grande parte desseconhecimento biológico e fisiográficoestá sob forma descritiva e necessita serorganizado, analisado e trabalhado sobuma perspectiva prática, e aindaintegrado a aspectos sociais e

econômicos, para sua utilização nomanejo ambiental. Mais do que isso, ainformação precisa chegar aos agentes -os técnicos responsáveis pelas unidadesde conservação - e aos decisores, queelaboram as diretrizes e normas a seremadotadas. Em suma, o conhecimentoprático deve ser gerado e a comunicaçãoentre as partes envolvidas no sistema deproteção ao meio ambiente necessita sergrandemente melhorada (Pivello, 1992).

Quanto à legislação ambientalbrasileira, grandes progressos têmocorrido a partir dos anos de 1980,voltados à proteção dos remanescentesnativos, entretanto, as determinações nalegislação têm sido sempre voltadas àrestrição de usos e ações, e raramenteao manejo ativo. Mesmo havendo, nalegislação, a permissão para ações demanejo ecológico em unidades deconservação (por exemplo: DecretoFederal nº. 84.017, de 21/9/1979;Resolução CONAMA nº. 11, de 14/12/1988; Decreto Federal nº. 97.635, de 10/5/1989), estas só podem ser aplicadasquando estabelecidas em seus planos demanejo. Ainda, o Sistema Nacional deUnidades de Conservação (SNUC),instituído em julho de 2000 (Lei Federalnº. 9.985), embora tenha corrigidovárias incompatibilidades anteriormenteexistentes, não é suficientemente claro edetalhado quanto aos objetivos dasunidades de conservação e quanto àsintervenções permitidas, o que refletetambém em deficiências nos planos demanejo.

Para a grande maioria das unidadesde conservação que protegem o Cerrado,os planos de manejo, quando existem,são antigos e não-direcionados aomanejo ecológico das comunidades, massim a aspectos administrativos. O meiobiofísico é tratado de formaextremamente descritiva e ações práticasdiretamente voltadas ao manejo da florae da fauna praticamente inexistem.

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Desta forma, pode-se perceber queo principal passo para o manejo ativoem unidades de conservação do Cerradoestá na re-elaboração dos planos demanejo. Nestes, deve haver, primei-ramente, uma delimitação muito clarados objetivos para a área, seguida de umbom diagnóstico da situação atual e dodelineamento de cenários futuros edesejados. Nesta última etapa, asprincipais perguntas a serem respon-didas são: O que fazer? Quando (etapas)?Como? Com que recursos (materiais ehumanos)?

PRINCIPAIS PROBLEMASECOLÓGICOS DO CERRADO

Dentre os problemas enfrentadospelas unidades de conservação doCerrado, considera-se que três merecemespecial destaque, devido à frequênciacom que ocorrem e à magnitude dosdanos decorrentes: incêndios causadospor queimadas acidentais, invasõesbiológicas e fragmentação de habitats.

Queimadas acidentais

Embora as queimadas sejam umcomponente natural dos cerrados, asatividades humanas alteraram profun-damente o regime de fogo, aumentandomuito sua freqüência e, possivelmente,alterando a época de sua incidência(Coutinho, 1990; Pivello, 1992; Ramos-Neto & Pivello, 2000). Hoje, a grandemaioria das queimadas acidentaisiniciam-se próximas aos limites dasunidades de conservação, associadas afazendas vizinhas, estradas, caçadoresou pescadores. Entretanto, queimadasnaturais, causadas por raios, podemocorrer e mostraram-se bastantefreqüentes no Parque Nacional das Emas(GO) (Ramos-Neto & Pivello, 2000).

Queimadas acidentais podem setransformar em grandes incêndios, de

rápida propagação. Quando há grandeacúmulo de material combustível, aintensidade do fogo pode ser alta,prejudicando a biota - causando a mortede animais de locomoção mais lenta,especialmente os tamanduás, e deelementos lenhosos da vegetação (Sato& Miranda, 1996) - e ameaçandocomunidades humanas próximas.Entretanto, muitos benefícios tambémprovêm das queimadas à biota doCerrado, por meio da ciclagem dosnutrientes acumulados na serapilheira,do estímulo à floração, frutificação,brotamento e germinação de váriasplantas, e conseqüente aumento da ofertade alimento aos animais, dentre outros(Coutinho, 1990).

Invasões biológicas

Praticamente todas as unidades deconservação que visam à proteção doCerrado encontram-se hoje invadidas porespécies exóticas, que lá encontraramambiente propício e ausência de inimigosnaturais. Dentre estas, as maisabundantes são as gramíneas africanasMelinis minutiflora (capim-gordura),Hyparrhenia rufa (capim-jaraguá),Panicum maximum (capim-colonião) eBrachiaria spp. (braquiárias), introdu-zidas como forrageiras, além dapteridófita Pterydium aquilinum. Noestado de São Paulo, Pinus elliottiitambém se tornou espécie invasora emalgumas unidades de conservaçãopróximas a silviculturas.

Pesquisas relacionando invasorasem cerrados e seus efeitos são aindamuito poucas, entretanto, em reservasde cerrado em São Paulo, já foramverificados prováveis efeitoscompetitivos entre Melinis minutiflora eBrachiaria decumbens e as herbáceasnativas, com perigo de exclusão destasúltimas (Pivello et al., 1999-a; 1999-b).Estas gramíneas exóticas mostraram-se

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dominantes tanto na porção vegetativacomo no banco de sementes do solo(Freitas, 1999; Pivello et al., 1999-a;1999-b). Além disso, as gramíneasexóticas produzem grande quantidade debiomassa, altamente inflamável,aumentando o risco de incêndios durantea estação seca.

Fragmentação de habitats

O Cerrado encontra-se hoje num altograu de fragmentação e os fragmentosremanescentes apresentam-se como“ilhas”, circundados por pastos ougrandes monoculturas, principalmentede grãos (sobretudo soja), cana-de-açúcar ou árvores exóticas fornecedorasde madeira e celulose.

Essa situação de fragmentação temlevado a grandes perdas de biodi-versidade, locais e regionais, sejadiretamente pela substituição de espéciesnativas por outras de interesseeconômico (pastagens e culturas), sejapelo pequeno tamanho dos fragmentosremanescentes – que se tornamincapazes de suportar populaçõesviáveis – ou ainda, pelo seu isolamento,encontrando-se cercados por uma matriz“hostil” e, portanto, incapazes de manterfluxos de matéria e energia com outrosfragmentos semelhantes. A insularizaçãoexpõe os fragmentos naturais aos efeitosde borda, à invasão de espécies exóticase a alterações em sua estrutura efuncionamento, devido a mudanças emcaracterísticas de luminosidade etemperatura, entre outras.

Além de pequenas e isoladas, asáreas protegidas no Cerrado são muitopoucas em relação à extensão territorialque esse bioma originalmente ocupava.O Cerrado permaneceu secundário naspreocupações ambientais, mais voltadasaos ecossistemas florestais; apenasrecentemente, maior atenção tem sido

dada à sua proteção. Ainda, as poucasáreas protegidas de cerrado que existemsão mal distribuídas e, por todas asrazões citadas – poucas, pequenas,isoladas e mal distribuídas – ineficientesem sua função de proteção ao bioma.Não há zonas-tampão, tampouco há ocumprimento da legislação ambiental, nosentido de se manter as áreas depreservação permanente (APPs) - emzonas ripárias e nascentes, topos demorros, altas declividades. Poucos sãoos proprietários que mantêm as reservaslegais exigidas por lei. Em suma, os tipose formas de uso das terras no entornodas unidades de conservação raramenterespeitam a legislação e denotamausência de planejamento regional.

ALTERNATIVAS DE MANEJO

Este item considerará algumasalternativas para lidar com os trêsprincipais problemas apontados para osfragmentos de cerrado sob forma deunidades de conservação.

Há diferentes níveis de abordagempara o manejo dos ecossistemas,dependendo do tipo de problemaexistente e dos objetivos desejados, taiscomo: manejo de populações ecomunidades, manejo de habitats, oumanejo da paisagem. Por exemplo, umproblema de invasão biológica pode sertratado junto à espécie invasora (manejoda população), ou à comunidadeinvadida; ou o enfoque pode ser voltadoà recuperação do habitat afetado, ouainda, podem ser aplicadas medidas quealterem os usos das terras ou as relaçõesespaciais entre os elementos dapaisagem. Dentro destas abordagens, háainda estratégias preventivas eremediadoras (Wittenberg & Cock,2001).

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Iniciando, então, pelo problema dasinvasões biológicas e, mais especif-icamente, considerando as invasões porgramíneas africanas nos cerrados,percebe-se que quase não há estudossobre o controle dessas espécies, umavez que são de interesse econômico e agrande maioria dos estudos tem oobjetivo oposto, ou seja, são voltadosao aumento de sua produtividade. É,portanto, premente a necessidade deexperimentação, in loco e em laboratório,para se testar técnicas de combatemecânico, químico e de arranjo espacialdos elementos na paisagem, a fim decontrolar a invasão dessas gramíneasexóticas.

Dentre as técnicas mecânicas, oarranquio, o corte e o sombreamentopodem ser opções, embora adequadaspara situações diferentes. O arranquiomanual ou mecanizado tem a grandedesvantagem de revolver o solo, o que,para várias dessas espécies, podeestimular ainda mais sua disseminação,uma vez que se observa seu estabe-lecimento em áreas preferencialmenteperturbadas (Coutinho, 1982-a; 1982-b;Freitas, 1999). Entretanto, pode seraplicado em focos pequenos e isolados,tomando-se o cuidado de exercerperturbações mínimas.

A opção pelo corte raso tem porprincípio a retirada de nutrientes pormeio da biomassa epígea e oconseqüente enfraquecimento da planta.A melhor época e frequência de aplicaçãodevem ser testadas. Imagina-se que osombreamento também promovaenfraquecimento e morte das gramíneasinvasoras, especialmente por elas teremmetabolismo C4

(Klink & Joly, 1989;Mozeto et al., 1996). O grau desombreamento, porém, deve ser testadoe balanceado para que não afeteseveramente as espécies nativas.

O fogo pode ser outra alternativapara o controle de gramíneas exóticas.No caso de Melinis minutiflora, hácontrovérsia quanto à sua resistência aofogo (Asner & Beatty, 1996; Costa &Brandão, 1988; D´Antonio & Vitousek,1992), entretanto, observou-se ao longode vários anos que, nos cerrados,queimadas periódicas a cada 2-3 anos,principalmente se conduzidas durantesua floração, podem reduzir seu vigor efavorecer as herbáceas nativas (Pivello,1992). Essa estratégia de manejo dacomunidade visa, portanto, aumentar acapacidade competitiva das nativas emrelação a essa invasora.

Contrariamente, tem sido observadoque o fogo parece estimular ocrescimento da Brachiaria decumbens(agora, concordando com Aronovich &Rocha, 1985; D´Antonio & Vitousek,1992 & Filgueiras, 1990). Esta espécietem se mostrado extremamente agressivaem fragmentos de cerrado do estado deSão Paulo, com vantagem competitivasobre as nativas e até mesmo sobreMelinis minutiflora (Pivello et al., 1999-a; 1999-b), formando grandes manchasmonoespecíficas onde se estabelece. Emcasos assim, e cientes de todos os riscosambientais possíveis numa unidade deconservação, acredita-se que o controlequímico, por meio de herbicidas de baixoefeito residual, seja uma daspouquíssimas opções para o controledessa invasora (Pivello, 1992; Duriganet al., 1998). Certamente, todas asprecauções devem ser tomadas para seevitar poluição do solo e corpos d´águaou envenenamento de animais. Técnicasmistas, com a combinação de fogo eherbicida, ou fogo e corte, bem como osobrepastejo nas manchas monoes-pecíficas de Brachiaria, especialmentequando estas se situam nas bordas daunidade de conservação e permitemmaior controle dos animais, tambémmerecem ser testadas.

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Dentre as técnicas preventivas, umadas estratégias pode ser a manipulaçãodos elementos da paisagem com afinalidade de dificultar o fluxo dediásporos das espécies potencialmenteinvasoras. O uso de “cortinas verdes” -barreiras para minimizar a ação dovento, estabelecidas pelo plantio deespécies preferencialmente lenhosas - écomum em agrossilvicultura,especialmente para a conservação dosolo e diminuição da erosão (Bilbro &Fryrear, 1997; Peri & Bloomberg, 2002).Todavia, considerando-se que asgramíneas se dispersam eficientementepelo vento, a instalação de cortinasverdes ao redor de unidades deconservação pode ser uma opção paradiminuir a chegada das sementesanemocóricas das invasoras (With,2002). Esta técnica, entretanto, necessitaser testada quanto à sua eficácia. Oplanejamento de uso das terras noentorno das unidades de conservação,com o estabelecimento de zonas-tampãopreferencialmente ocupadas por espéciesarbóreas perenes, e não por espéciesforrageiras, também poderia minimizara chegada de propágulos de gramíneasinvasoras nos ecossistemas nativos.

Existem prós e contras em relação atodas as técnicas acima citadas. Asopiniões divergem quanto à sua eficácia,ainda mais porque as invasoras podemresponder diferentemente aostratamentos. Entretanto, quase nadaainda foi testado. Sem experimentos queelucidem a questão, as invasões vãoprogredindo rapidamente nos cerrados.

O problema das queimadasacidentais nos cerrados é outro assuntopolêmico. Muitos defendem a exclusãodo fogo nas reservas, pelo aparente danoque causam. Entretanto, se esquecemque essa biota evoluiu com o fogo e quedepende, em diversos aspectos, de

queimadas periódicas para suamanutenção (Coutinho, 1980; 1990;Pivello, 1992). Os diversos registros defragmentos de carvão vegetal fóssilencontrados em regiões de cerrado(Coutinho, 1981; Salgado-Labouriau &Ferraz-Vincentini, 1994; Pessenda et al.,1998) reforçam a idéia de que o fogo fezparte da evolução dessa vegetação.

No estado de São Paulo,principalmente, tem sido observada adescaracterização da flora em unidadesde conservação de cerrado que vêmsendo mantidas há mais de duas décadassem fogo (neste caso, merece destaquea Reserva Biológica de Mogi-Guaçu,Fazenda Campininha), onde espéciestípicas do estrato herbáceo vão setornando raras, ou inexistentes, e asexóticas passam a dominar. Ainda, ototal impedimento de queimadas é difícile custoso, pois exige vigilânciapermanente na época de estiagem,principalmente na porção nuclear dobioma - onde o clima é mais seco.Inevitavelmente, a área acaba porqueimar e, quando o fogo vem, apósvários anos de material combustívelacumulado, torna-se de grandeintensidade e, aí sim, danoso.

A maneira mais prática e menosdispendiosa para diminuir a incidênciade queimadas acidentais em unidadesde conservação de cerrado é por meiodo consumo periódico do materialcombustível acumulado, promovendo-sequeimadas prescritas e controladas, debaixa intensidade e em mosaico. Nestecaso, seriam queimadas várias pequenasporções das unidades de conservação acada ano, alternadamente, mantendo-sesempre áreas recém-queimadas,queimadas há mais tempo e nuncaqueimadas (fisionomias ripárias eflorestais), onde estas últimasforneceriam abrigo para os animais

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durante a passagem do fogo e para obanco de sementes de espécies menostolerantes ao fogo. As áreas recém-queimadas, desprovidas de materialcombustível, atuariam como aceiros,impedindo o alastramento do fogo, nocaso de queimadas acidentais, paragrandes extensões. A intensidade do fogopode ser controlada pela quantidade egrau de dessecação do materialcombustível, além de parâmetrosclimáticos locais (Pivello, 1992; Pivello& Norton, 1996; Ramos-Neto & Pivello,2000).

Além de diminuir o risco deincêndios, as queimadas prescritasatuam no sentido de manter adiversidade biótica do Cerrado –favorecendo as espécies adaptadas edependentes do fogo e reciclandonutrientes, controlando certas espéciesinvasoras, aumentando a quantidade deforragem e frutos aos animais do estratoherbáceo. Esse instrumento de manejovem sendo usado há pelo menos duasdécadas em diversos parques nacionaisque conservam savanas, tanto naAustrália como na África do Sul(Edwards, 1984; Parsons et al., 1986;Schullery, 1989; Australian NationalParks and Wildlife Service, 1991; Conroyet al., 1997; Russel-Smith, 1997), comêxito na manutenção da diversidadeflorística e faunística.

Ressalta-se, entretanto, que o fogodeve ser utilizado apropriadamente ecom segurança, para não trazerconsequências desastrosas. Asqueimadas prescritas devem seguirespecificações detalhadas quanto aoregime de fogo mais adequado, otamanho da área a ser queimada, asáreas a serem protegidas, as condiçõesclimáticas ideais, os aceiros a sereminstalados. Maiores detalhes quanto aestes aspectos encontram-se em Pivello(1992) e Pivello & Norton (1996).

O terceiro grande problemaapontado para os cerrados diz respeitoà fragmentação de seus habitats. Grandeparte dos efeitos da fragmentaçãodecorre da falta de planejamento dasatividades produtivas humanas e do não-cumprimento à legislação ambiental.

Em recente análise do uso das terrasna região de Santa Rita do Passa Quatro(SP), onde se localiza o Parque Estadualde Vassununga, foi observada umatendência ao total aproveitamento doespaço físico das propriedades comculturas, sem a manutenção das áreasde proteção ambiental e reservas legais,determinadas em lei. Esse padrão ocorrena maior parte da região do Cerrado,levando ao isolamento da biota e àdegradação do meio físico, com erosãoacentuada e prejuízos aos corpos d’ água(Korman, 2003). Verificou-se tambémque, apenas com o cumprimento dalegislação ambiental, a situação deconectividade entre as unidades deconservação já aumentaria muito. Aregião do Cerrado é rica em rios dediversas ordens, e a manutenção doscorredores ripários poderia estabelecera interligação entre diversos fragmentos.Outros remanescentes da vegetaçãonativa poderiam ser preservados, mesmoque pequenos, podendo funcionar comostepping stones - ou trampolinsbiológicos - para diversas espécies(Korman, 2003).

O planejamento de uso das terras noentorno das unidades de conservação,com o estabelecimento de zonas tampãoe de culturas agrícolas que permitissemmaior permeabilidade da matriz à biotanativa constituem outra medidanecessária, mas de implementação emmédio e longo prazos. Ainda, oestabelecimento de práticas agrícolasadequadas à capacidade de suporte dasterras e a aplicação racional de

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agroquímicos minimizaria a perda dehabitats por erosão, o assoreamento e acontaminação de corpos d´água, e amorte de animais por envenenamento –como é frequente em unidades deconservação vizinhas de grandesfazendas de soja e cana-de-açúcar,situações típicas dos estados de Goiás eSão Paulo, respectivamente.

Entretanto, todas essas medidas,para serem implementadas e tornarem-se efetivas, necessitam passar por umsistema rígido de fiscalização ambiental,educação e conscientização dapopulação, especialmente dos residentesnos arredores de unidades deconservação. O estabelecimento deincentivos fiscais e créditos agrícolas sãotambém eficientes instrumentos deestímulo à proteção ambiental.

Por fim, o constante monitoramentodas ações de manejo é necessário para averificação do alcance das metas,determinando a continuidade das açõesestabelecidas, complementação comnovas ações/técnicas, ou mudanças derumo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez que o maior objetivo dasunidades de conservação é a manutenção

da máxima diversidade de seres vivos ede ambientes naturais, fica claro queintervenções de manejo tornam-senecessárias quando esses objetivos nãoestão sendo atingidos.

Há necessidade de se rever diretrizesambientais e legislação para adequá-lasao manejo de áreas protegidas, tornando-as capazes de atender à realidade denossas unidades de conservação. Osplanos de manejo necessitam de urgenterevisão e atualização, ou elaboração, nocaso das unidades de conservação quenem mesmo os possuem. Devem serclaramente definidos os objetivos dasunidades de conservação e as açõespráticas para a solução de problemasecológicos e não apenas administrativos.Em todos esses níveis – legislação,planos de manejo, diretrizes – maiorintegração entre decisores e técnicos énecessária para que definam asprioridades e técnicas de manejo,contemplando as necessidades elimitações. A difusão do conhecimentogerado em universidades e instituiçõesde pesquisa aos decisores e técnicos étambém fundamental para melhorar aqualidade dos planos de manejo.

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Caracterização dosecossistemasaquáticos do

CerradoClaudia Padovesi Fonseca

Departamento de EcologiaUniversidade de Brasília

Brasília - DF

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Departamento de EcologiaUniversidade de Brasília

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Ecossistemas aquáticos

INTRODUÇÃO

A região nuclear do Cerrado noBrasil, considerada mais característica econtínua, ocupando dois milhões dekm2, está situada no Planalto CentralBrasileiro (Brasil, 1998). O relevoapresenta extensas superfícies planas asuaves onduladas, as chapadas, situadasem cotas elevadas de altitude (acima de1000m). A predominância de terras altasnesta região fornece condições para queas suas águas superficiais sejamdrenadas por três principais baciashidrográficas do país: Tocantins/Araguaia, São Francisco e Paraná(Ferrante et al., 2001). Com isso, estaregião representa o principal divisor daságuas no país. Nascentes e uma infinitarede de ecossistemas lóticos de pequenoporte, como riachos e córregos, fluemem profusão. Lagoas naturais e zonasúmidas são formadas pelo afloramentodas águas subterrâneas. Com isso, aregião nuclear do bioma Cerrado éconsiderada o “berço das águas”brasileiras.

A obtenção de águas de boaqualidade para diversos usos pelahumanidade é considerada uma das

questões mais contundentes naatualidade. Água é um recurso de altovalor, com potenciais usos como:geração de energia elétrica,abastecimento doméstico e industrial,navegação, irrigação, recreação,piscicultura e pesca, entre outros.Constitui, dessa forma, uma das maioresriquezas do planeta.

A posse das fontes naturais enascentes é elemento-chave para aobtenção de água e na gestão de recursoshídricos regionais. O Brasil detém umaparcela expressiva dos deflúvios dos riosdo mundo, ou seja, 12,7% de deflúvioestão em suas redes hidrográficas (Brasil,1998). O bioma Cerrado oferecemananciais ainda preservados e muitovalorizados. Grande parte das nascentesestá localizada em áreas de proteçãoambiental e de difícil acesso, o que dealguma forma impede o avanço daocupação e uso dos recursos ambientaispela população nestas áreas, emborauma parcela significativa seja ocupadairregularmente.

Se por um lado o núcleo do Cerradobrasileiro é especial por representar aregião de nascentes e divisor de águas,

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por outro lado, há de ter habilidades nagestão de seus recursos hídricos pelasdificuldades inerentes em acumular eutilizar esta profusão de águassuperficiais e subterrâneas. O volume deágua nos continentes é finito e osmananciais estão irregularmentedistribuídos. Atualmente, sua disponi-bilidade diminui gradativamente devidoà degradação ambiental, ao crescimentopopulacional desordenado e à expansãode fronteiras agrícolas (Klink, et al.,1995).

O lençol freático, que é a parte daságuas subterrâneas localizada mais pertoda superfície, é bem raso, e chega aaflorar em alguns pontos, formando asnascentes. A primeira impressão é quenesta região a água é abundante. Narealidade, a água é de boa qualidade,mas é escassa. Os assentamentoshumanos em áreas de recarga queabastecem os lençóis freáticos tornaram-se um dos principais problemas no usoda água nesta região dos cerrados. Osaqüíferos tendem a ser de pequeno porte,e os assentamentos humanos rurais eurbanos atendidos com águas subter-râneas reduzem expressivamente a suarecarga. Com isso, muitos olhos d´águae até lagoas naturais estão secando(Campos & Freitas-Silva, 1998).

O Cerrado representa um dosmaiores biomas pertencente ao domíniomorfoclimático do Brasil e da Américado Sul, com uma biodiversidade compa-rada à amazônica (Oliveira & Marquis,2002). Além da alta biodiversidade, oCerrado é considerado um bioma comelevado grau de endemismo (Myers etal., 2000). As atividades humanas, comoagropecuária e mineração, propiciaramum avanço econômico no centro-oestedo Brasil, com quase 35% de sua áreasubstituída por pastagens emonocultivos (Klink et al., 1995). Com

estas atividades realizadas de formainadequada, foram produzidos diversosimpactos sobre o meio ambiente. Acontaminação das águas subterrâneas esuperficiais, assoreamento dos cursosd´água e perda de matas ripáriasconstituem os principais impactos sobrea biota aquática no Cerrado.

É consenso que, apesar dos esforçosde estudos sobre a fauna e flora doCerrado, com a estimativa de 160 milespécies, ainda pouco se conhece sobrea biodiversidade deste bioma. Estasituação é notável para diversidade degrupos aquáticos, como invertebrados,algas, macrófitas aquáticas e peixes(Conservation International, 1999).

O presente capítulo apresenta umacaracterização geral dos ecossistemasaquáticos naturais do Cerrado e suaimportância sobre a comunidadeaquática. A biota aquática é apresentadacom limitações devido ao seu poucoconhecimento dentro deste bioma.

CARACTERIZAÇÃO DOSECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

O Cerrado apresenta uma variedadede ecossistemas aquáticos naturais. Alémde corpos d’água lóticos (águas cor-rentes) e lênticos (águas paradas), têm-se a presença de outros sistemasaquáticos específicos para esta região,que estão associados às áreas inun-dáveis, inseridas nas categorias daszonas úmidas. Segundo a Convenção deRamsar (1971), é considerada zonaúmida toda extensão de pântanos,charcos e turfas, ou superfícies cobertasde água, de regime artificial ou natural,permanentes ou temporárias, doce,salobra ou salgada.

A presença e ampla extensão dezonas úmidas no Cerrado brasileiro é

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Ecossistemas aquáticos

uma peculiaridade notável, trazendouma amplificação entre os meiosambientes terrestre e aquático, e umaárea de investigação científica aindamuito pouco explorada.

ECOSSISTEMAS AQUÁTICOSLÓTICOS

Os ecossistemas aquáticos lóticoscompõem os cursos d´água superficiaisdos continentes. Um grande número deriachos e de ribeirões participa dossistemas de drenagem no Cerrado. É umarede hidrográfica de pequenos cursosd’água que nascem nas encostas daschapadas, e na porção inicial e mais alta,são originalmente protegidos por umadensa mata de galeria (Ribeiro et al.,2001). Em condições naturais são muitopobres em nutrientes, levemente ácidose com baixa condutividade elétrica (até10µS/cm). Por serem rasos, de pequenoporte e sombreados, a temperatura daágua não varia muito ao longo do ano(17 a 20 oC). Em certos casos, riosconsiderados mais quentes, atemperatura da água pode chegar a25 oC na época chuvosa (Rocha, 1990).

As características hidrológicas,químicas e biológicas de um córregorefletem o clima, a geologia e a coberturavegetal de sua bacia de drenagem(Hynes, 1970; Giller & Malmqvist, 1999).Os cursos d´água desta região são deplanalto e perenes, com as principaisbacias hidrográficas identificadas por umpadrão de drenagem radial (Ferrante etal., 2001). Pelas características de riosde planalto, é comum apresentaremcorredeiras ou mesmo grandes quedasd´água, formando cachoeiras.

Os ecossistemas lóticos de pequenoporte são caracterizados por ummovimento d´água ao longo de seu eixolongitudinal, com materiais dissolvidos

e partículas em suspensão. Estesmateriais, tanto dissolvidos como emsuspensão, são em grande parteprovenientes da bacia de drenagem, comuma ampla superfície de interação como ambiente terrestre. Esta tendênciadecorre do fato destes riachos seremmais extensos que largos, além de serembem rasos (Wetzel & Likens, 2000).

A vegetação ribeirinha é formada pormatas formando corredores fechados, asmatas de galeria (Ribeiro e Walter, 1998).Estas matas são localizadas em fundosde vales ou nas cabeceiras dos riachos,e acompanham os cursos d´água depequeno porte. Em riachos de médio egrande porte do Cerrado, a vegetaçãoripária sofre modificações, com faixasmais estreitas e sem a formação degalerias, descrita como mata ciliar(Ribeiro e Walter, op. cit.).

A proporção de chuvas que entra nosriachos depende de vários fatoresregionais, como o tipo de solo edesenvolvimento da vegetação marginal,relevo, entre outros. O climapredominante na região do Cerrado é“tropical de savana”, segundoclassificação de Köppen. Apresenta umaestação chuvosa e mais quente, entreoutubro e abril, e uma estação seca emais fria, entre maio e setembro. Aregião pode ficar sem chuvas por até trêsmeses, diminuindo expressivamente avazão e velocidade de corrente dosriachos, em especial nos trechos maisplanos e sinuosos (Abreu, 2001).

Após um período seco prolongadono Cerrado, as primeiras chuvasgeralmente são incorporadas pelavegetação e solos da bacia, não atingindodiretamente os cursos d´água. As chuvassubseqüentes tendem a entrar nosriachos, aumentando a vazão e acorrenteza, notadamente em trechossituados perto das cabeceiras. Durante

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a época chuvosa, os cursos d´água ficammais largos e um pouco mais profundos.As chuvas neste período são freqüentese quase diárias, mas com intensidade evolume variáveis, produzindo picos devazão.

Na região do Cerrado, os soloshidromórficos são importantes ao longodos córregos e nascentes dos principaisrios (Ferrante et al., 2001). Estes solossão associados ao afloramento do lençolfreático, com relevos geralmente deplanos a suave ondulados. A vegetaçãode mata de galeria é típica deste tipo desolo, e pode também ocorrer em camposde murundus e nascentes. Apesar de amata ciliar acompanhar um cursod´água, não está relacionada com lençolfreático superficial (Ribeiro & Walter,1998).

A presença da vegetação ripária emcursos d´água no Cerrado exerce papelfundamental na preservação dabiodiversidade da biota aquática. Acobertura densa desta vegetação impedea incidência direta de raios solares, o quetende a reduzir a produtividade primáriarealizada pelos vegetais aquáticos. Aescassez de luz associada à correntefluvial e pobreza de nutrientes limitamo desenvolvimento de organismosaquáticos, e, por conseguinte influen-ciam toda a rede alimentar. Por outrolado, a presença de vegetação ripáriaevita o aquecimento excessivo da água,fornece energia alóctone com a entradade folhas, frutos e sementes no cursod´água, além de evitar a erosão dasmargens e fornecer condições ambientaispara reprodução de muitas espécies. Osmateriais alóctones, como restos vegetaisou mesmo insetos, são fontes adicionaisde alimento ao sistema lótico, conferindoelos na amplificação da rede alimentar(Margalef, 1983). Dessa forma, espéciespresentes no Cerrado exercem papel

relevante no estudo da biodiversidade,pois muitas ocorrem sob condiçõesambientais diferenciadas e endêmicas àregião.

Atualmente, em extensas áreas, avegetação ripária no Cerrado se encontrabastante alterada ou até inexistente, emuitas vezes substituída por gramíneas(Ribeiro et al., 2001). Erosão das margense assoreamento dos cursos d´água, alémde poluição e contaminação de suaságuas são as principais conseqüênciasdos usos das bacias de drenagem pelapopulação humana. Atividades comomineração, com a retirada de cascalhodo leito dos rios, lançamentos de esgotosdomésticos e agrotóxicos usados naagricultura representam os principaisagentes de degradação da qualidade deágua e perda de biodiversidade aquáticado Cerrado. Organismos bentônicos sãoexcelentes como bioindicadores dequalidade ambiental. Riachos do Cerradosituados em áreas urbanizadas podemapresentar alto nível de poluição, e acomunidade bentônica reflete ascondições ambientais do local(Fernandes, 2002).

ECOSSISTEMAS AQUÁTICOSLÊNTICOS

Lagos são corpos d´água continen-tais com delimitações de extensão eprofundidade geralmente bem definidas(Margalef, 1983; Esteves, 1998). Cadalago ou cada grupo de lagos apresentacaracterísticas físicas e químicaspróprias. Estas características sãoreflexos das condições da baciahidrográfica em que o lago está inserido,como tipo de solo, relevo, geologia, entreoutros. Os lagos surgem e desaparecemao longo do tempo geológico, econstituem elementos transitórios napaisagem. A curta durabilidade dos lagos

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Ecossistemas aquáticos

está associada a vários fenômenos, comoa entrada de sedimentos da bacia dedrenagem e de afluentes e o acúmulo demateriais no sedimento.

Um grande número de lagosexistente na Terra é considerado raso epequeno, inclusive os lagos brasileiros,e neste caso, muitos deles são lagoas(Esteves, op. cit.). No caso de lagoa, estaé um corpo d´água raso em que aradiação solar pode atingir o fundo e todaa coluna d´água é iluminada,propiciando o crescimento de macrófitasaquáticas.

O Cerrado brasileiro apresenta umagrande variedade de lagoas naturaisformadas pelo afloramento de águassubterrâneas. Grande parte delas aindanão foi objeto de estudo científico. Acolonização de macrófitas aquáticasrepresenta uma heterogeneidadeambiental e exerce influência sobre ometabolismo destas lagoas (Esteves,1998), conferindo uma amplificação dosgrupos ecológicos e da biodiversidadelocal. As lagoas tendem a ficar mais rasasno período seco, e na estação chuvosahá flutuação no nível de água das lagoasdependendo do regime de chuvas.Durante o período chuvoso, a água ficamais turva, devido à entrada desedimentos oriundos dos solos ao redor,ou de veios d´água de nascentes.

As lagoas podem ficar mais isoladasou inseridas em áreas alagadas, em umconjunto de brejos, campos úmidos ecórregos. No Estado de Tocantins háregiões preservadas, como a do Jalapãoe do Vale do rio Paranã, como exemplosde paisagem de áreas alagadas comlagoas, onde a água subterrânea fluiabundantemente. A lagoa Mestred´Armas (lagoa Bonita), localizada naEstação Ecológica de Águas Emendadas,Distrito Federal, é um exemplo de lagoasmais isoladas, sem a formação dealagados.

Mesmo estando em áreas maispreservadas, algumas lagoas naturais jáse encontram alteradas devido àexpansão agrícola e assentamentoshumanos. Como são formadas peloafloramento do lençol freático, o usoindevido da água pela população diminuia recarga dos aqüíferos e afeta aqualidade da água, inviabilizando o seuuso para diversos fins (Campos & Freitas-Silva, 1998).

Como exemplo, com o uso da águasubterrânea de forma indiscriminada pormeio de construção de poços, lagoaslocalizadas em áreas urbanas podemficar completamente secas, como foi ocaso da lagoa do Jaburu, em área urbanade Brasília, Distrito Federal.Assoreamento e contaminação tambémrepresentam impactos ambientais sobrelagoas e olhos d´água localizados emregiões agrícolas e assentamentoshumanos.

Uma parcela significativa destaslagoas está situada em áreas de proteçãoambiental. Nesta região de planalto,podem estar em locais elevados edivisores de águas, funcionando comocorredores ecológicos, com a interligaçãoda flora e da fauna de bacias contíguas.Estas áreas do bioma Cerrado podemabrigar espécies ameaçadas de extinçãoe endêmicas, revelando um enormepatrimônio genético (Oliveira & Marquis,2002).

ZONAS ÚMIDAS

O desenvolvimento de zonas úmidastípicas do Cerrado promove umapaisagem bastante peculiar à região.Nestas áreas, o lençol freático tende aser raso, e muitas vezes aflora àsuperfície, e os solos permanecemgrande parte do tempo saturados de

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água. O desenvolvimento da vegetaçãoé condicionado por vários outros fatores,como tipo de solo e sua fertilidade, onível de saturação de água no solodurante a estação seca, além daprofundidade e flutuações de volume daságuas subterrâneas. Em áreas bemdrenadas e mais altas, a cobertura vegetalé composta de gramíneas, arbustos epequenas árvores. Em áreas mais baixase com solos saturados de água, avegetação fica predominantementegraminosa. Ao longo dos cursos d’águase desenvolvem as matas de galeria. Estaseqüência de vegetação de Cerrado,campo alagado e mata de galeria compõeuma paisagem característica da regiãocentral do Brasil (Eiten, 1982) (Figura1). Em terras mais altas que permanecemúmidas, a cobertura vegetal é compostapor plantas típicas da região, os buritis(Mauritia flexuosa). Descrições maisdetalhadas sobre as fitofisionomias dezonas úmidas no Cerrado brasileiropodem ser encontradas em Eiten (1982),Furley & Ratter (1988) e Ratter et al.(1997).

VEREDAS

As veredas são fitofisionomias muitocomuns no Planalto Central Brasileiroque ocorrem em solo permanentementesaturados de água. Apresenta uma densacamada de vegetação rasteira compostade espécies herbáceas paludícolas, que

vivem em charcos, como gramíneas,ciperáceas e pteridófitas. No outro estratodas veredas ocorre uma faixa de buritis(Mauritia flexuosa), palmeiras proe-minentes, alcançando, muitas vezes,mais de 20 metros de altura. As veredassão muito importantes em termosecológicos, pois funcionam como localde pouso, nidificação e alimentação paraa avifauna e como área de refúgio, abrigoe reprodução, além de fonte de alimentospara a fauna terrestre e aquática.

CAMPOS ÚMIDOS

Os campos úmidos constituem umtipo de brejo com ampla distribuição noCerrado do Brasil Central. Estes camposse desenvolvem sobre solo inclinado nasencostas dos vales ao longo de margensdas matas de galeria. O lençol freáticopermanece na superfície do solo duranteparte do ano, especialmente na estaçãochuvosa, e na seca o solo fica encharcadonas camadas subsuperficiais. Avegetação é composta por gramíneas, deestrato herbáceo, com solo altamenteorgânico (não-turfoso) e esponjoso. Aságuas superficiais e mais profundas dosolo tendem a ser levemente ácidas (pHao redor de 5), pobres em íons(condutividade elétrica abaixo de 10μmS/cm), temperaturas mais baixas (até22oC) e bem oxigenada (acima de 60%)(Reid, 1993a).

Figura 1Esquema geral dogradientelongitudinal dezonas úmidas dobioma Cerrado(sem escaladefinida).

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Os campos úmidos se situam entrematas de galeria e campo cerrado ouveredas. Suas bordas com o cerrado naencosta acima e com a mata de galeriana encosta abaixo geralmente são muitonítidas. A composição de espécies deplantas graminosas e juncos em áreasde campo úmido é bem diversificada, eapresenta um zoneamento espacial bemdemarcado (Goldsmith, 1974). Em áreasmenos encharcadas podem serencontradas plantas de brejo,pertencentes aos gêneros Drosera,Sphagnum e Utricularia. Em áreassaturadas de água, na superfície sedesenvolvem complexas redes defilamentos de algas.

CAMPO DE MURUNDUS

O interior dos campos úmidos podeapresentar áreas com solos maiselevados e expostos, os chamadosmurundus. Os murundus são ilhas decampo limpo ou de campo cerrado,arredondadas e um pouco mais altas,com cerca de 1 a 10 metros de diâmetroe alguns decímetros de altura. Sãoformados por erosão diferencial doterreno e muitas vezes ocupados porcupins.

Segundo Furley (1986), há duassituações para formação de murundus.Em áreas situadas em terrenos maisbaixos dos vales, a formação demurundus é afetada pelo afloramento dolençol freático, localizado muito perto dasuperfície do solo. Neste caso, os solosao redor de murundus geralmente sãoorgânicos e permanentementeencharcados. A outra situação ocorre emáreas mais planas, e os murundus sãomenos perceptíveis, e a sua formação éinfluenciada pelo ciclo sazonal de chuvase escoamento superficial da água, tendopouco contato com a água subterrânea.

Os murundus presentes em áreas decampos úmidos formam um arranjoespacial descontínuo ao longo de umeixo longitudinal até as bordas, e dealguma forma influencia na distribuiçãoe abundância dos organismos aquáticos.

BIOTA AQUÁTICA

O alto grau de endemismo da biotado Cerrado já é reconhecido, com umaexcepcional riqueza biológica (Oliveira& Marquis, 2002). Diante disso, éconsiderado um dos hotspots mundiais,ou seja, é um dos biomas mais ricos eameaçados do planeta (Myers et al. ,2000). As áreas mais importantes parapreservação biológica concentram-se aolongo do eixo central do Cerradobrasileiro (Conservation International,1999).

O Brasil central, por ser uma regiãode nascentes e divisor de águas dasprincipais bacias hidrográficas do país,exerce um papel de grande valor nadiversidade biológica. O forteendemismo no bioma Cerrado reforça aimportância para a conservação dadiversidade biológica, e em especial dabiota aquática. As áreas de conexão entreas bacias, que compreendem as suascabeceiras de drenagem, são focos deendemismo para muitas espécies de águadoce, representando uma das áreasprioritárias para a conservação dabiodiversidade aquática (ConservationInternational, 1999).

Os cursos d’água que nascem nestaregião do Cerrado fluem naturalmentepara as bacias contíguas, constituindomuitas vezes corredores ecológicos paramuitas espécies aquáticas. Dependendoda capacidade de adaptação dasespécies, aliada às condições adequadaspara o seu estabelecimento em outrasregiões, os deflúvios do Cerrado podem

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representar caminhos de dispersão deespécies aquáticas. Dessa forma, oCerrado brasileiro representa uma dasáreas indispensáveis para a preservaçãoda diversidade biológica aquática e doseu patrimônio genético. Além disso,esta necessidade se torna iminente, poismenos de 0,5% do Cerrado estácontemplado por unidades deconservação genuinamente aquáticas(Conservation International, 1999).

No entanto, pouco se conhece arespeito da riqueza de espécies aquáticase sua distribuição dentro do biomaCerrado. Os dados obtidos até omomento são esparsos e centrados empoucos grupos de organismos. A riquezada biota aquática do Cerrado brasileiroé estimada na ordem de 9.580 espécies(Dias, 1996; Martins-Silva et al., 2001;Padovesi-Fonseca et al., 2001). Os dadosem relação à riqueza de espéciesaquáticas do Cerrado são apresentados

na Tabela 1. Apesar de vários gruposde organismos apresentarem umaelevada riqueza de espécies, esta éestimada, considerando a potencialidadee abrangência do bioma Cerrado emabrigar uma elevada biodiversidade, emespecial da biota aquática. Além disso,riqueza de espécies de vários outrosgrupos, como macrófitas aquáticas,perifíton e meiofauna, não foi sequerestimada.

A diversidade de espécies daictiofauna no Cerrado é bastanteexpressiva. Estimativas apontam aocorrência de quase 3.000 espécies depeixes na América do Sul, sendo quemais de 500 espécies podem serencontradas no Cerrado. Este númeropode ser bem maior, pois há estimativasque entre 30 e 40% das espécies depeixes de água doce no Brasil continuamdesconhecidas, além de registros nãopublicados. Informações sobre a

Tabela 1. Riqueza estimada (ordem de grandeza) de espécies da biotaaquática do Cerrado.

Fonte: Dias, 1996 (1); Padovesi-Fonseca et al., 2001(2); Martins-Silva et al., 2001 (3).

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ictiofauna das bacias hidrográficas doBrasil central destacam uma composiçãode espécies nativas, incluindo as espéciesmigradoras (Ribeiro, 1998).Considerando o potencial para oendemismo no Cerrado, e ameaças deextinção de ictiofaunas em várias regiõesdo Cerrado, é imprescindível a ampliaçãodo pouco conhecimento desta fauna, emespecial nas cabeceiras.

O conhecimento sobre osinvertebrados aquáticos no Cerradoainda é incipiente e muito incompleto.Entre os microinvertebrados, os Protozoasão o grupo menos conhecido (Brasil,1998). Apesar de sua importância nofuncionamento dos ecossistemasaquáticos, especialmente como elosadicionais na rede alimentar, hánecessidade de técnicas especiais emuitas vezes onerosas para amostrageme identificação dos organismos, o quede alguma forma limita o seu estudo.Entre os grupos de Protozoa, osflagelados representam o de menorconhecimento, pois a sua diversidadesequer pode ser estimada. Entre ossarcodinos, as tecamebas são as maisconhecidas com uma riqueza estimadana ordem de 400 espécies para o Cerradobrasileiro (Tabela 1). No entanto, emestudos realizados no Brasil até omomento, foram identificados cerca de20 gêneros e 150 espécies de tecamebas(Brasil, 1998). Os ciliados são osprotozoários mais expressivos em termosde riqueza de espécies, além de seremúteis como indicadores na avaliação daqualidade da água. Das 8.000 espéciesdescritas no mundo, o Cerrado brasileiroapresenta uma riqueza estimada naordem de 1.500 espécies (Tabela 1), com147 gêneros registrados no Brasil.

Considerando os microinvertebradosplanctônicos, além dos protozoários,devem ser evidenciados representantesdo Filo Rotifera, e dos microcrustáceosCladocera e Copepoda. Grande parte das

espécies de rotíferos apresenta umadistribuição ubíqua, presente em quasetodos os tipos de habitats de água doce.Das 457 espécies brasileiras conhecidas,pelo menos 30% estão em águas docedo Cerrado, com 4% das espéciesprovavelmente endêmicas. OsCopepoda, junto com os Cladocera, sãoos dois grupos mais representativos demicrocrustáceos nas águas doces. Aestimativa da riqueza de espécies paraos microcrustáceos no Cerrado até omomento é bastante grosseira, podendoatingir até 100 espécies (Tabela 1). O graude endemismo das espécies destesgrupos é elevado, e associado ao poucoestudo realizado no Cerrado, abre umaperspectiva de aumento dabiodiversidade no país.

Nos substratos e sedimentos deriachos e lagoas do Cerrado há umafauna bentônica, onde se encontram osmacroinvertebrados ou zoobentos. Estesanimais são sedentários e com ciclo devida longo, e com isso, não são capazesde evitar, rapidamente, mudançasprejudiciais e exibem variados graus detolerância à poluição (Metcalfe, 1989).Como são muito sensíveis aos distúrbiosque ocorrem no meio ambiente, eles têmsido amplamente utilizados comobioindicadores de qualidade de água(Navas-Pereira & Henrique, 1996).Representam também um papelimportante na decomposição de matériaorgânica e ciclagem de nutrientes(Esteves, 1998), e como fonte dealimento para níveis tróficos superiores,como peixes (Devái, 1990).

A comunidade macrobêntica écomposta por vários grupos, comocnidários, anelídeos, moluscos e insetosaquáticos, entre outros (Martins-Silva etal., 2001). A grande maioria dos estudosaborda os insetos aquáticos. Estudosrealizados em vários riachos do Brasilcentral revelaram uma fauna bastantevariada, embora com resultados

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abordando diferentes níveis taxonô-micos, com poucos taxa identificados atéespécie (Medeiros, 1997, Bispo et al.,2001, Martins-Silva et al., 2001,Fernandes, 2002). Dessa forma, acomposição faunística da comunidadebentônica no Cerrado apresenta aindauma configuração generalizada, comperspectivas para ampliar a biodiver-sidade, inclusive com o potencial deocorrência de espécies novas para aregião.

A flora aquática do Cerrado,considerando macrófitas aquáticas,fitoplâncton e perifiton, tem sido poucoavaliada em ambientes aquáticosnaturais. Leite (1990) encontrou umamicroflora riquíssima composta por algasdesmidiáceas em estudo realizado naLagoa Bonita. Em cursos d´água da baciado lago do Descoberto, Caramasch et al.(1997) realizaram estudo preliminar decomunidades planctônicas. Por sua vez,ao longo de um tributário da mesmabacia, Abreu (2001) revelou umacomunidade fitoplantônica com elevadonúmero de taxa (acima de 160), apesarda baixa freqüência de ocorrência edensidade numérica dos organismos.Elevada riqueza de organismos decomunidade perifítica associada amacrófitas aquáticas em ambiente lóticofoi observada por Mendonça-Galvão(2002), no córrego Roncador, situado naReserva Ecológica do IBGE, DistritoFederal, com a detecção de 171 taxa.Estes poucos trabalhos revelam a elevadabiodiversidade dos ecossistemasaquáticos naturais do bioma Cerrado, ecom isso, a necessidade de intensificaros estudos nesta região.

A presença de ecossistemas alagadosem áreas de cerrado amplia o leque deestudos do inventário de espéciesaquáticas no país. A comunidadeaquática que se desenvolve nas áreasalagadas do Brasil Central é pouco

estudada. Ainda assim, os trabalhosdesenvolvidos nesta região detectaramuma diversidade biológica bastanteexpressiva e com espécies endêmicas.Invertebrados bentônicos são numerosose os peixes são de pequeno porte. Dentreeles, o pirá-brasília (Cynolebias boitonei)é endêmico nas veredas do DistritoFederal e está ameaçado de extinção(Rocha, 1990). Esta espécie apresentauma beleza física exuberante, sendousado como peixe ornamental. Análisetaxonômica de algas em áreaspreservadas foi realizada por Senna &Ferreira (1986, 1987), com a observaçãode uma elevada variedade fitoplanc-tônica. Em áreas alagadas e riachos daregião do Vale do Paranã (TO), Adamo& Padovesi-Fonseca (2003) observaramuma fauna associada bastante variada ecomposta por taxa novos e ainda nãodescritos. Em estudos da meiofauna decampos úmidos, Reid (1982, 1984, 1987,1993b) encontrou uma comunidadedominada por nematóides, rotíferos ecopépodos harpacticóides, além deprotozoários, turbelários, copépodosciclopóides, cladóceros, ostrácodes,oligoquetos, hidrocarinos e váriasfamílias de larvas de insetos. Pelo menos10 espécies de Copepoda foramclassificadas pela primeira vez, eidentificadas como espécies novas eendêmicas à região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de o Cerrado ser consideradoum dos biomas mais biodiverso eameaçado do mundo, pouca atenção temsido dirigida para a conservação dosecossistemas aquáticos naturais e dabiota aquática.

O grau de endemismo no Cerrado éelevado, e aliado ao desconhecimentocientífico de uma parcela significativa

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Ecossistemas aquáticos

dos ecossistemas aquáticos naturais e desua biota, revelam lacunas importantespara a avaliação da biodiversidade econservação deste bioma.

As áreas definidas para aconservação ambiental raramentecontemplam os ambientes aquáticos esua biota. Este aparente desinteresse deinclusão de ambientes aquáticos podeestar associado à aceitação geral que aoproteger os ambientes terrestresautomaticamente os aquáticos sãoprotegidos, como foi discutido por Junk(1983) e Tundisi & Barbosa (1995).

Considerando a potencialidade eabrangência do bioma Cerrado emabrigar uma elevada biodiversidade, aflora e a fauna aquáticas devem serconsideradas e avaliadas com o intuitode fornecer subsídios necessários eessenciais para a definição de fer-

ramentas que favoreçam a conservaçãoambiental da região.

Um dos aspectos particularmenteimportantes em relação à conservaçãode ambientes aquáticos é a ausência dedados sobre sistemas prístinos doCerrado. Além de compor uma fonteessencial para a biodiversidade, pode-se constituir uma referência paraprogramas de recuperação de sistemasperturbados por atividades humanas.

Diante deste contexto, torna-seevidente a necessidade de intensificaresforços nos estudos destes ecossistemaspeculiares à região, bem como dabiodiversidade e distribuição de suasespécies aquáticas. Tais propósitos vêmao encontro de garantir embasamentoteórico para a preservação e usosustentável de fontes de água paragerações futuras.

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Perspectivas edesafios para

conservação doCerrado no século 21

Roberto B. CavalcantiDepartamento de Zoologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

Conservation InternationalWashington DC ,EUA

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Perspectivas edesafios para

conservação doCerrado no século 21

Roberto B. CavalcantiDepartamento de Zoologia

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Perspectivas e desafios para a conservação

INTRODUÇÃO

A conservação da biodiversidadehoje é bem estabelecida no rol depreocupações das sociedades modernas.Uma série de conferências globais degrande porte, a partir de Estocolmo, em1972 e culminando no Rio de Janeiro,em 1992, gerou o envolvimento dosgovernos e a adoção de leis e acordosreconhecendo a importância dopatrimônio biológico e a necessidade deconservá-lo para as gerações futuras.

A partir de meados da década de1980, com o relatório da ComissãoBrüntland para a ONU, desenhou-se umcenário para promoção dodesenvolvimento econômico e socialincorporando valores de conservaçãodos recursos naturais, no chamadodesenvolvimento sustentável. Duranteos anos 1990 e particularmente após aConferência do Rio de Janeiro, estemodelo foi seriamente explorado porgovernos de vários países, pelo setorprivado, e por organizações não-governamentais de todos os naipes.Entretanto, o duplo desafio de realizaruma transição para outro modelo dedesenvolvimento, enquanto o mundo

experimentava acelerado crescimentodemográfico e econômico na década de1990, trouxe pouco progresso, comoindicado pela acentuada deterioração nosambientes biologicamente mais ricos,seja medido na cobertura de florestastropicais ou nos recifes de corais doplaneta.

Atualmente vivemos um processocontínuo de perda de recursosbiológicos, que embora reconhecido efreqüentemente lamentado, ainda nãopode ser revertido devido a conflitos comoutras prioridades das sociedadesmodernas. O objetivo deste capítulo éfazer uma breve revisão de alguns destesconflitos e identificar formas potenciaisde promover a coexistência entre aspopulações humanas e a biodiversidadedo planeta.

BIODIVERSIDADE E EXTRATIVISMO

A produtividade dos ecossistemasnaturais é insuficiente para os seusrecursos manterem de forma sustentávelas populações humanas nas densidadesmodernas. Embora este seja um fatoreconhecido há milênios, e razão óbvia

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de nossa dependência da agricultura eda criação de animais domésticos, emmuitas partes do mundo, a exploraçãoindustrial dos ecossistemas naturais vemdizimando a flora e a fauna nativa, sejana África e Ásia, ou na América do Sulcom a indústria madeireira. Trata-se deum sistema perverso, pois em muitoscasos estas regiões sustentavampopulações humanas extrativistas debaixas densidades.

Com a abertura de estradas e oacesso a cidades, a população consu-midora potencial é enormementeelevada, e a extração rapidamente superaa capacidade de regeneração biológicanatural. Trata-se aqui de uma transiçãocomplexa, mudando o uso dosecossistemas naturais para fontes deserviços (água, manutenção do clima,reservas de biodiversidade, estabilizaçãoda paisagem), e o fomento a ecossis-temas manejados para suprirem asnecessidades das populações humanas.

Embora muitos preconizem acontinuidade de atividades extrativascomo justificativa para manutenção depaisagens nativas, na maioria dos casosa conservação destas é uma conseqüên-cia apenas temporária. Como aprodutividade biológica é insuficientepara atender à pressão extrativa,rapidamente entra-se em um processo deconsumo dos estoques e degradação nolongo prazo. Um bom exemplo é o efeitoda coleta de castanhas sobre orecrutamento de novas plantas naAmazônia, estudado por Peres et al.(2003). Nas áreas de extração de longoprazo, não há plantas jovens de menordiâmetro o que indica que a populaçãonão está se regenerando localmente.Outros efeitos também conhecidos sãoresultantes da remoção física do produtoda floresta. Caso não houvesse coleta,as castanhas além de serem a fonte das

novas gerações de árvores, tambémsustentariam populações de consumi-dores como as araras, roedores, insetose toda uma fauna própria.

Não se quer dizer aqui que oextrativismo é incompatível com amanutenção de elementos da biotanatural, mas alertar que a capacidade desustentação extrativa de ecossistemasnativos é extremamente limitada eoferece poucas perspectivas deampliação como instrumento parapromoção de conservação. Por outrolado, o uso de paisagens naturais parafornecimento de serviços, onde não hánecessidade de remoção de matéria ouenergia do sistema, permite umcrescimento de escala considerável,restando o desafio de promover umprocesso de valoração para justificar suamanutenção.

Os esforços para conseguir valorarecossistemas naturais a título de serviçosforam acelerados a partir da década de1980. As principais classes são:

• Serviços de ecossistema: manu-tenção da água, manutenção declima, fixação de carbono, controlede erosão e conservação do solo.

• Serviços biológicos: manutençãoda biodiversidade, bioprospecção,controle de predadores, serviços depolinizadores, entre outros.

• Serviços sociais/culturais: manu-tenção de identidade cultural depopulações locais, símbolo e localpara rituais sociais e religiosos,ecoturismo e turismo de aventura,lazer, manutenção da qualidade devida.

Entretanto, como é bem conhecido,na sociedade moderna os serviçospúblicos, em geral, assim comoos recursos naturais têm sido

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Perspectivas e desafios para a conservação

sistematicamente não valorados,subvalorados, ou então têm seus custossubsidiados. Dessa forma o real valordos ecossistemas naturais é invisívelpara a maioria da população. Pior, nãoconseguem enfrentar em termoseconômicos os outros usos potenciais daterra em que os retornos são valoradosde forma mais transparente.

IMPORTÂNCIA DA CONSERVAÇÃO

O ambiente terrestre é um ambientebiológico. Os principais elementos quemantém as condições de vida na Terrasão conseqüências da transformaçãobiológica do planeta durante o últimobilhão de anos. O teor de oxigênio naatmosfera, as condições climáticas locaiscomo temperatura, precipitação,umidade, ventos, e o teor de água nosolo, são todos mediados e, em boaparte, determinados pelas paisagensbiológicas. A sustentação da vidahumana também, em última instância,depende da transformação biológica daenergia solar em alimentos, mediada pelafotossíntese. Dessa forma é paradoxalque grande parte da população humanadê maior valor aos elementostecnológicos, de uma sociedade deconsumo, do que aos biológicos nadeterminação de nossa qualidade de vidae sustentabilidade.

Este conceito está começando amudar por algumas razões. A eficiênciados processos industriais permitefornecer insumos a grande parte dasociedade humana, a custos moderados,incluindo aí bens e serviços tecnológicos.A descoberta da estrutura do DNA nadécada de 1950 viabilizou a engenhariagenética, promovendo a aplicação dosprocessos tecnológicos da sociedadeindustrial aos sistemas biológicos comconseqüências sobre a produtividade

alimentar e a saúde. Por outro lado, apresença física de 6,5 bilhões de pessoassobre o planeta, com crescimentoprevisto de até 25 bilhões antes de seestabilizar, demonstra claramente que osfatores limitantes passam a ser cada vezmais os sistemas de sustento ecológicodo planeta, incluindo suprimentos dealimentos e o meio ambiente.

OCUPAÇÃO DAS GRANDES ÁREASNATURAIS

O processo de ocupação das áreasnaturais do planeta continua a passoslargos. Na Amazônia, os dados dedesmatamento para 2003 mostram asegunda maior cifra da história –23.000km2. Mesmo que haja um esforçoadicional para conter tais processos, ocrescimento da população humana e anecessidade de fornecimento dealimentos continuarão a exercer pressão.Atualmente 83% das áreas agrícolas doplaneta são abastecidas por água dachuva, sendo responsáveis por 2/3 dosuprimento alimentar global (Gleick1993 apud Rockström et al. 1999). Aprodução agrícola é mediada por luz eágua, para realizar fotossíntese. Estima-se que um crescimento da populaçãohumana para 8,5 bilhões, em 2025,exigiria um aumento de 46% noconsumo de água para agricultura ouseja, em torno de 3.100km3 (Rockströmet al. 1999).

Dessa forma, não é surpreendenteque, mundialmente, haja um processode expansão agrícola nas áreas defloresta tropical, onde existem água e solem abundância. Similarmente, háacelerado crescimento em regiões semi-áridas dotadas de aqüíferos subterrâneosdisponíveis para serem explorados.Outros fatores limitantes, inclusivequalidade do solo e mesmo a fisiologia

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das plantas, podem ser modificados pormeios tecnológicos. Os avanços daengenharia genética, clonagem, e ocrescimento da infra-estrutura detransportes permitem que regiõesremotas do mundo produzam alimentosde paladar global a custos competitivos.

Em resumo, a proteção de áreasnaturais hoje apresenta custos deoportunidade significativos, secomparada à situação na décadapassada, em função desses avanços dainfra-estrutura de transportes, bem comodo desenvolvimento tecnológico e dademanda de alimentos.

Ao mesmo tempo, uma estratégia deproteção ambiental agrega valorsignificativo para a viabilidade daocupação humana de uma região. Ocusto de não proteger áreas-chave émuito alto. Ainda no caso da Amazônia,estima-se que o desmatamento poderáreduzir em até 20% a precipitação anual.Nos cerrados, onde a precipitação seconcentra em seis meses do ano, aperenização dos rios depende dearmazenamento de água subterrânea,nos grandes sistemas de chapadões daSerra Geral.

OPORTUNIDADES DECONSERVAÇÃO

A ocupação acelerada do Brasilcentral e da Amazônia é um processode difícil reversão, motivado por umademanda global de recursos naturais ede alimentos, aliado a tecnologiasaltamente eficientes de produção eexpectativas de desenvolvimento socialdas populações locais. As perspectivasde conservação da região dependem dacapacidade de se alavancar parte doinvestimento e do retorno econômicogerado em atividades de proteção dabiodiversidade, bem como na adoção de

modelos de ocupação que viabilizem asobrevivência da biota nativa napaisagem regional.

Os corredores de biodiversidade sãouma das formas de planejamentoregional que visam manter sistemas deáreas protegidas em uma matriz de usohumano da paisagem. No Brasil, osdenominados corredores ecológicosforam propostos no âmbito do ProgramaPiloto para a Proteção de FlorestasTropicais (PP-G7) para Amazônia e mataAtlântica (Ayres et al. 1997), e mais tardeincorporados pelo governo Federal,Estaduais, organizações conservacio-nistas e agências de desenvolvimentopara os demais biomas. Em um corredorde biodiversidade, são desenhadas eimplementadas conexões entre áreasprotegidas, de forma que os biomasnaturais não sejam ilhados comoresultado da ação antrópica. Aocombater a fragmentação, mantêm-se osprocessos de migração, dispersão,colonização e intercâmbio genético quepermitem a sobrevivência da biota nativana paisagem. Em termos de ecossistema,também são mantidos os fluxos dematéria e energia que sustentam aprodutividade natural.

CORREDOR CERRADO-PANTANAL

Um exemplo interessante é oCorredor Cerrado-Pantanal, planejadopor ocasião do Workshop ÁreasPrioritárias para Conservação daBiodiversidade dos Biomas Cerrado ePantanal (MMA, Funatura, ConservaçãoInternacional (CI), Universidade deBrasília, Fundação Biodiversitas), em1998, o qual teve sua implantaçãoiniciada a partir de 1999, sob umconsórcio multinstitucional incluindo aONG Conservação Internacional (CI).Este corredor cobre a área desde as

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Perspectivas e desafios para a conservação

nascentes do rio Taquari na região doParque Nacional das Emas, abrangendosua bacia e o rio Negro no Pantanal doMato Grosso do Sul.

Ao longo dos últimos cinco anos,foram criadas pelos governos novas áreaspúblicas de conservação (ParquesEstaduais do Rio Negro e das Nascentesdo Taquari, no MS), reservas particulares(RPPN Fazenda Rio Negro); financiadosestudos de populações de fauna paramapear movimentos e dispersão erealizados programas de conscientizaçãoe educação ambiental, com o objetivode consolidar a proteção dabiodiversidade na paisagem regional.Um dos aspectos mais inovadores é oplanejamento de áreas de reserva legalde propriedades particulares. Emcolaboração com as agências de governoe fazendeiros, as ONGs Oréades e CIBrasil usam imagens de satélite paraclassificar a paisagem, sobrepondo ospolígonos das propriedades, e gerandocenários alternativos para cumprimentoda exigência legal de proteção de 20%das superfícies de cada propriedade.

Estas análises permitem planejarestratégias de proteção que, compatíveiscom as exigências de uso econômico dasfazendas, multiplicam o potencial deconservação regional, por meio dainterligação das reservas legais entre sie com as áreas públicas de proteção dabiodiversidade.

ÁREAS PROTEGIDAS E PROTEÇÃODAS ESPÉCIES

Qual deve ser o alvo da conservaçãoda biodiversidade? Em geral, considera-se que devem ser protegidas as suasdiversas manifestações: a diversidadegenética, a diversidade de organismos,e a diversidade de sistemas biológicos.Destas, o alvo mais concreto é adiversidade de organismos. Os genes se

expressam e se reproduzem por meio deorganismos, e as comunidades eecossistemas são descritos em termos desua composição de espécies e fluxos dematéria e energia. Ao escolher espéciescomo alvo de proteção, é possívelcaracterizar as medidas que darão comoconseqüência também a proteção dosgenes e dos ecossistemas.

As áreas protegidas têm se mostradocomo um dos mecanismos mais efetivose com melhor relação custo/benefíciopara manter a diversidade de espécies(Brunner et al. 2000). Além disso,oferecem a oportunidade de agregar asfunções de serviços ambientais descritosanteriormente, contribuindo com fonteadicional de recurso para viabilizar aconservação da biodiversidade.

MUDANÇAS DE LONGO PRAZO

Não se pode deixar de fazerreferência a fatores de longo prazo quepodem ameaçar a sobrevivência doscerrados. As mudanças climáticasglobais, com o aquecimento da superfíciedo planeta, podem afetar o clima daregião tanto no aspecto de temperaturaquanto de precipitação, e porconseguinte ter efeitos dramáticos sobrea distribuição das comunidadesbiológicas. Infelizmente, ainda há grandeincerteza tanto sobre os cenáriosclimáticos como em predizer os futuros“envelopes” bioclimáticos da vegetaçãodo cerrado, tornando difícil prognosticara capacidade de resistência da biotalocal. Estudos feitos para outras regiões,por exemplo, no sul da África,mostraram extinções globais signifi-cativas de espécies como resultado demudanças climáticas.

De maneira semelhante, a reduçãoda área de ambiente nativo do Cerradoaumenta o risco de extinções, ao reduzir

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Cavalcanti

as populações de espécies a uma fraçãodo seu tamanho anterior e tornando-asmais suscetíveis ao desaparecimento emfunção de eventos catastróficos.Novamente, este aumento de risco édifícil de estimar quantitativamente.Destaca-se que muitas espécies não sãohomogeneamente distribuídas pelaregião, concentrando-se ao contrário emhabitat restritos como os camposrupestres, ou em pequenas partes dobioma, por exemplo, nas matas do rioParanã, vale do rio Araguaia, ou naregião do Distrito Federal.

A introdução de espécies exóticas edoenças é outro impacto potencialmenteirreversível. Gramíneas africanas,trazidas como pastagem para o gado,persistem mesmo após áreas de pastoserem abandonadas, impedindo aregeneração dos cerrados. Espéciesarbóreas introduzidas como Pinus eAcacia também persistem em cerrado.Uma vez estabelecidas, espéciesintroduzidas podem excluir perma-nentemente espécies nativas, levando-asà extinção. Suspeita-se que o declínio deespécies como o cachorro-do-mato-vinagre pode estar vinculado à presençade doenças trazidas por animaisdomésticos.

TRANSIÇÕES PARA ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Um dos principais proponentes dodesenvolvimento sustentável, GustaveSpeth, ex-administrador do PNUD e co-fundador do World Resources Institute,propôs um conjunto de oito transiçõesnecessárias para que a sociedade globaltenha um futuro sustentável no uso dosrecursos naturais do planeta (Speth,2004). São elas:

• Transição demográfica, para umapopulação global estável oumenor.

• Transição social, para eliminaçãoda pobreza em massa e desi-gualdade.

• Transição tecnológica, com apromoção de tecnologias limpas ede baixo impacto ambiental.

• Transição econômica, para que ospreços de bens e serviços reflitamos reais custos ambientais.

• Transição para o consumosustentável.

• Transição em conhecimento eaprendizagem, provendo a basecientífica para tomada de decisõese a difusão deste conhecimento.

• Transições institucionais, quepromovam a mudança na gestãointernacional de recursos doambiente e promovam iniciativaslocais de base na gestão ambiental.

• Transição em cultura e conscien-tização, para incorporar nosvalores individuais a conservaçãodo meio ambiente.

Muitas destas transições estão emcurso no momento. Entretanto, osprocessos de declínio da biodiversidadecontinuam acelerados (Wilson et al.2004). Espera-se que o desenvolvimentosustentável chegue a tempo de salvar asespécies que dividem o planeta conosco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos hoje um momento dedecisão, pois o processo dedesaparecimento do Cerrado é muitobem documentado, e existem métodosbem estabelecidos para realizar aconservação do bioma. Precisamosimplementar com a rapidez necessária eo apoio da sociedade a proteção efetivado Cerrado para que o patrimônionatural possa continuar a beneficiar ahumanidade e manter a vida na terrapara as gerações futuras.

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Perspectivas e desafios para a conservação

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