capítulo 2 - o jornalismo esportivo e seu poder de …toledo, luiz henrique de. “a cidade e o...
TRANSCRIPT
44
Capítulo 2 - O jornalismo esportivo e seu poder de comunicação
Formada no diálogo com um público socialmente amplo em folhas de
menor expressão, a popularidade de Mazzoni lhe garantiria, em 1928, um espaço
mais nobre no panorama da imprensa esportiva paulistana. Com 28 anos, foi ser
assistente do já destacado jornalista Leopoldo Santanna nas páginas do jornal A
Gazeta, periódico que chegou por indicação do próprio Cásper Líbero,
proprietário da folha1. A contratação do jovem jornalista por uma folha importante
demonstrava que ao longo dos primeiros oito anos de profissão, Thomaz Mazzoni
havia adquirido respeito e reconhecimento pelo seu trabalho no meio do
jornalismo esportivo. Ao mesmo tempo, no entanto, a chance de trabalhar em uma
folha de tal penetração ajudaria a tornar mais claras as potencialidades do modelo
de jornalismo esportivo que Mazzoni ajudava a consolidar.
De fato, sua trajetória, gradativamente dava forma a um modo específico de
produzir e entender a crônica esportiva, a partir de suas antigas experiências e do
diálogo cada vez maior público leitor dedicado ao esporte. Como resultado, ao
longo da década de 1930 ele viria, junto com outros jornalistas como Mário Filho,
a transformar os modos usuais da crônica esportiva, a partir de técnicas e formas
de produção jornalística que se diferenciavam de boa parte dos grandes jornais da
época. Se ambos se tornaram em meio a tal processo sujeitos destacados cada um
ao seu modo construíram uma espécie característica de produção jornalística, mas
que tinha como grande objetivo atender diretamente seu público leitor, mas sem
deixar de influenciar e formar conceitos e ideias em meio a esta produção diária.
Conseguiam, assim, alcançar um grande número de pessoas diariamente, objetivo
este não sendo possível de concretizar por outros formadores de opinião e
intelectuais do período.
Para que tal fato fosse possível, foi fundamental a presença e liderança de
Casper Líbero à frente do vespertino em que acabara de ser contratado em 1928.
Criado em 1906 por Adolfo Araújo, A Gazeta era de início um periódico
vespertino que disputava com o já popular A Platea a atenção dos leitores
1 Depoimento de João Clouzet Mazzoni, entrevista concedida em 10 de Julho de 2012, São Paulo.
45
paulistas. Em sua obra memorialística, Miguel Arco e Flexa se recorda daquele
tempo afirmando que, em seus primeiros tempos, “a tiragem de A Gazeta não era
coisa de estontear”. “A despeito de todos os empecilhos, todavia, Adolfo Araújo
ia vencendo”, relembrava o antigo funcionário da folha.2 Com a morte prematura
de seu proprietário, e a ausência de vontade de sua família em assumir o negócio
começado por ele, a propriedade foi transferida para o “Dr. João Dente”. Depois
de pouco menos de um ano à frente da folha, Dente, segundo Flexa, “transferiu o
‘abacaxi’ ao seu concunhado Antônio Augusto Covello”. Com essas poucas
palavras, podemos concluir que o jornal continuava sem grande sucesso, e assim
permaneceu através da “pena hesitante” de seu novo proprietário. 3
A despeito da situação pouco favorável, Casper Líbero, após uma
experiência editorial mal sucedida no Rio de Janeiro, quando fundou o jornal
Ultima Hora em parceria com o poeta Olegário Mariano e o caricaturista Raul
Pederneiras, comprou A Gazeta em 1918. Como Líbero não tinha fortuna,4 para
adquirir o vespertino teve que se associar ao seu irmão, o médico José Líbero, e
dois amigos, Júlio Prestes e Oscar Rodrigues Alves - filho do ex presidente
Rodrigues Alves, que também foi governador de São Paulo.5 Segundo Flexa, a
grande maioria da redação e do meio jornalístico foram céticos em relação ao
sucesso desta empreitada, principalmente porque o jornal se encontrava em
“colapso” e Líbero não possuir fortuna para levantá-lo. Mas, segundo o
memorialista, rapidamente as mudanças empreendidas pelo novo proprietário
fizeram melhorar os resultados de venda e publicidade da marca. 6
Segundo Flexa todo o sucesso da folha se deveu à mudança na forma do
jornalismo empreendido até então. O novo proprietário teria diminuído as
matérias sensacionalistas e baseadas em escândalos, determinando uma linha
editorial para a folha na qual seu papel não seria mais o de formar a opinião
pública, e sim o de ser “o reflexo (...) dessa mesma opinião”. Por outro lado,
2 ARCO E FLEXA, Miguel. 48 anos de “A Gazeta”. São Paulo, Fundação Casper Líbero, 1954.
P. 19.
3 Ibidem. P. 25.
4 Segundo Flexa, o “irrequieto, ‘bom-viveur’, frequentador solicitado do ‘grand-monde’, não tinha
praticamente nada de seu”. ARCO E FLEXA, Miguel. Op. Cit. P. 35. 5 STYCER, Maurício José. História do Lance! Projeto e prática do jornalismo esportivo. São
Paulo, Ed. Alameda, 2008. 6 ARCO E FLEXA, Miguel. Op. Cit. P. 36.
46
tomou “iniciativas arrojadas e imprevistas”7, como a de associar pouco a pouco a
folha às práticas esportivas, em especial o futebol. Em 1922, por exemplo, Líbero
convidou Leopoldo Santanna para realizar aquela que seria a primeira irradiação
esportiva no Brasil, feita no jogo entre Brasil e Argentina, válido pelo Sul-
Americano daquele ano.8 Por outro lado, a própria apresentação e qualidade
técnica da folha imprensa foi alterada com a mudança de comando. Líbero
importou tinta da Alemanha, mudou o fornecedor de papel, importando o material
do Canadá e Noruega, e produziu uma “oficina de clicherie que se tornou padrão
na imprensa brasileira”. Ainda segundo Flexa, tais mudanças só foram possíveis
porque o novo dono d’ A Gazeta não teria, nos primeiros anos de comando, feito
retiradas de lucro da empresa, apenas investido ainda mais no crescimento da
mesma. 9
Para Luiz Henrique Toledo, outro aspecto que marcou a política editorial
d’A Gazeta foi aquilo que o antropólogo chamou de “paulistanismo”. Este tipo de
sentimento, fortemente atrelada ao processo de metropolização, urbanização e
crescimento exponencial registrado em São Paulo, qualificava e traduzia uma
espécie de jogo social amparada na afirmativa de que “São Paulo não pode parar”.
Tal fato levou a um processo em que algumas expressões corporais, tais como os
esportes de uma maneira geral, e particularmente, o futebol, fossem valorizadas e
outras marginalizadas - como o carnaval, atrelado mais ao Rio de Janeiro. 10
Seria a partir deste norte editorial que, dentro do próprio jornal, o caderno
esportivo “Todos os esportes” passou a ganhar importância e espaço na cobertura
diária. Das doze páginas da folha, duas ou três eram dedicadas diariamente ao
esporte.11
O futebol ganhava destaque em relação a outras modalidades, assim
como ocorria no S. Paulo Sportivo e diferentemente do O Estado de São Paulo. A
importância do futebol para a folha se tornaria ainda mais clara, enfim, em 24 de
Dezembro de 1928, quando foi lançada a primeira edição da Gazeta – Edição
Esportiva - suplemento esportivo que sairia às segundas feiras em todo o estado
7 Ibidem. P. 37.
8 Mais exatamente, esta não foi uma transmissão na íntegra, e sim, uma série de boletins recebidos
via telégrafo e transmitidas por um auto falante localizado em frente à redação do jornal. 9 ARCO E FLEXA, Miguel. Op. Cit. P. 37 - 38.
10 TOLEDO, Luiz Henrique de. “A cidade e o jornal: A Gazeta Esportiva e os sentidos da
modernidade na São Paulo da primeira metade do século XX” In O esporte na imprensa e a
imprensa esportiva no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Faperj e 7 letras, 2012. P. 54. 11
A Gazeta. 2 e 3 de Abril de 1928.
47
de São Paulo, que atestava a importância que a cobertura esportiva assumia no
periódico.12
Dentro do grande espaço dedicado ao futebol na folha, ela passava a
publicar pequenas seções que abordavam temas específicos a ele relacionados. Era
o caso das seções “As últimas”, na qual os redatores – um deles Leopoldo
Santanna, então editor e redator chefe do vespertino – tratavam dos últimos
acontecimentos do futebol, ou emitiam opiniões sobre alguns acontecimentos;
“Convites para jogar”, formada por cartas de clubes de várzea que tentavam
organizar disputas com outras associações; “Com vários clubes”, cobertura sobre
o cotidiano dos clubes da capital; “Os que treinam”, que tratava das atividades de
preparação dos principais clubes (como Palestra Itália e Corinthians) para as
partidas do campeonato; e “Futebol Internacional”, que tinha por objeto as
notícias do futebol no exterior. Além disso, mesmo nas seções que não tinham um
nome singular, o futebol aparecia com grande destaque.13
Deste modo, o esporte
bretão aparecia nas páginas d’ A Gazeta não somente a partir dos principais clubes
e competições da capital paulista, dos praticantes anônimos do esporte de várzea,
ou pelos simples interessados no futebol internacional.
A partir desta estratégia editorial, A Gazeta se tornava um periódico de
importância em relação aos interessados pela cobertura esportiva, em especial,
futebolística. Tal importância também poderia ser constatada, e evidenciada, pelo
próprio papel exercido por seu editor e redator chefe, Leopoldo Santanna, no
campo esportivo paulista. Santanna era o autor do livro O futebol em São Paulo,
lançado em 1918, que tinha por foco o histórico da organização do esporte bretão
naquela capital nos seus primeiros vinte anos de existência. Anos depois lançaria
outras duas obras de caráter mais analítico sobre a qualidade do futebol
paulistano, Veteranos e Campeões (1924) e Supremacia e decadência do futebol
paulista (1925). Se na primeira obra o autor relembra os antigos grandes
jogadores paulistas que fizeram que a seleção daquele estado ganhasse boa parte
dos confrontos frente aos cariocas, no livro seguinte faz uma análise crítica a
respeito da situação em que se encontrava o futebol paulista em meados da década
12
A Gazeta. 24 de Dezembro de 1928. 13
A Gazeta. 2 de Abril de 1928.
48
de 1920. 14
Mais importante do que traçar o número de obras vendidas, vale
compreender como através destas publicações, o jornalista da Gazeta estaria
consolidando não somente a sua posição dentro do mundo esportivo, como
também do próprio caderno esportivo.
O próprio Thomaz Mazzoni se encarregaria de testemunhar a popularidade
que tinham Leopoldo Santanna e a Gazeta por ele dirigida no momento em que
entra para a redação do jornal. Em “Nossos cronistas”, o jornalista recém chegado
no vespertino afirmou que seu chefe de redação “faz mais da metade, ele só, da
popularidade da Gazeta, e no seu contato diário doutoram-se numerosos cronistas
que fazem número por ai”. Por esse motivo, dizia que Santanna seria conhecido
como o ‘Príncipe dos Cronistas’”.15
Dessa forma, no momento em que Thomaz
Mazzoni chegava A Gazeta, esta tinha um dos mais respeitados e populares
cadernos esportivos de São Paulo, dirigida por um jornalista reconhecido por seus
contemporâneos como o grande líder da imprensa esportiva local – sendo sua
tarefa a de ajudar na continuidade desta vitoriosa trajetória.
A popularidade e prestígio alcançados por Santanna e sua folha ligavam-se,
naquele momento, à forma específica assumida pelo jornalismo esportivo nas
páginas de “Todos os esportes”. Além da preferência ao futebol, a forma como se
organizavam as matéria de “Todos os esportes” propiciaria um estilo diferente de
leitura e compreensão do público. Não havia uma hierarquização entre as seções,
isto é, o uso normalmente de colunas que dentro destas eram expostos os temas e
matérias. No jornal de Líbero, a página, apesar de manter o esquema de colunas,
mantinha divisórias em negrito enfatizava a independência lógica e a ênfase em
cada uma delas. Assim, cada matéria teria autonomia em relação à outra, o que
tornava desnecessária uma ligação entre elas. Assim como outros jornais, títulos e
subtítulos maiores que o texto eram usados regularmente pela Gazeta, destacando
e dando ainda mais ênfase às diferentes abordagens e textos do editorial. Tais
procedimentos, comuns a jornais de menor popularidade, como o próprio S. Paulo
Sportivo, foram usados regularmente nesta seção desde meados da década de
1920. 16
14
RIBEIRO, André. Op. Cit. P. 62. 15
MAZZONI, Thomaz. “Nossos cronistas” In Almanch Esportivo 1928. Op. Cit. P. 290. 16
A título de análise, ver A Gazeta. 20 de Setembro de 1927.
49
(A Gazeta, 25 de Janeiro de 1933).
As novidades gráficas introduzidas por Líbero eram usadas no jornal de
diferentes formas, de modo a dar ainda mais destaque a algum fato ou informação.
Após as rodadas dos campeonatos paulistas, fosse da Liga Amadora de Futebol ou
da Associação Paulista de Esportes Atléticos, o vespertino publicava os resultados
50
e os comentários sobre os jogos, diminuindo o espaço de outros esportes. Os
placares das partidas apareciam em números garrafais, com imagens em forma de
círculos que envolviam os números com clara preocupação com a visualidade do
resultado. 17
Outro artifício textual e gráfico foi o uso de palavras em negrito,
dando destaque em algumas passagens do texto. 18
Apareciam ainda com
regularidade desenhos, montagens e caricaturas em meio a alguma crítica ou
matéria, dando um tom humorístico à cobertura 19
- em especial a partir de 1929,
quando esse tipo de imagem passa a se fazer mais presente no periódico.
Era o uso das fotografias, no entanto, que definia de forma mais clara o
sentido singular da cobertura jornalística da Gazeta. Se a própria concepção
editorial da folha se baseava em um uso intenso das imagens fotográficas, o
caderno de esportes se utilizava dessa proposta de maneira intensa. Já presentes
em 1928, as fotografias assumem destaque ainda maior ao longo do ano de 1929.
As fotos apresentavam a face dos jogadores, de forma semelhante às fotos que
eram publicadas pelo S. Paulo Sportivo, normalmente em close, o que serviria
para o leitor conhecer o rosto de seus ídolos. Diferentemente do semanário, no
entanto, a qualidade e a nitidez das imagens chamava atenção. Devido aos novos
equipamentos de gravura e fotogravura importados da Alemanha, que permitiram,
como já citado, fazer da oficina do vespertino uma referência nacional neste
sentido.20
Todavia, destacavam-se mesmo os clichês – imagens das partidas de
futebol mostrando uma falta, um gol, ou até jogadores correndo.21
Tratava-se,
naquele momento, da única forma que torcedores que não compareceram às
disputas tinham de ver alguma jogada de seu clube, ou a fisionomia dos atletas.
Deste modo, a partir das possibilidades tecnológicas abertas por seu investimento
no parque gráfico, A Gazeta atraia o interesse de um grande público apaixonado
pelo futebol, capaz de interessar com suas imagens mesmo aqueles torcedores
menos familiarizados com a leitura.
Além do uso intensivo de imagens, outra das estratégias editoriais que
garantiam o prestígio da folha foi o recurso a entrevistas com jogadores,
17
A Gazeta. 16 de Abril de 1928. 18
A Gazeta. 13 de Abril de 1928. 19
A Gazeta. 2 de Abril de 1928. 20
A Gazeta. 3 de Abril de 1928. 21
A Gazeta. 2 de Maio de 1928.
51
dirigentes e outros sujeitos relacionados ao esporte. Não que se tratasse de uma
exclusividade deste periódico. O próprio Diário Nacional em alguns momentos
publicou entrevistas com diferentes fins, entre elas uma com um dirigente do
Paulistano que discutia a cisão no futebol paulista.22
Somente nos primeiros dias
do ano de 1929, o jornal publicou seis diferentes entrevistas, todas com jogadores
de futebol.23
Normalmente, esse tipo de produção jornalística, era usado como
uma forma de dar voz aos atletas e suas impressões sobre o jogo, que poderia ter
recentemente participado, ou dos aspectos que envolviam algum campeonato
especificamente. As entrevistas com o “médio Seraphim” 24
e com Ministrinho 25
,
por exemplo, davam a ver o esforço da folha em noticiar informações pouco
habituais sobre os ídolos esportivos. Conduzidas por Leopoldo Santanna, elas se
baseavam em perguntas objetivas bem detalhadas, através das quais o repórter
tentava trazer novas notícias pouco usuais para os interessados no esporte.
Apesar da liderança de Leopoldo Santanna na folha, no entanto, este tipo de
recurso era apropriado de maneiras muito diversas pelos redatores esportivos. Em
boa parte dessas entrevistas evidenciava-se, de fato, a marca do estilo coloquial
que Mazzoni vinha desenvolvendo a seus artigos desde os tempos do S.Paulo
Sportivo. É o que se nota na conversa com o jogador Feitiço, publicada de uma
forma que dava a ver a marca informal com que o repórter reproduzia a conversa.
Esta se evidenciava já no subtítulo da matéria, que usava uma gíria - “outras
cositas más” - que fazia com o que o texto assumisse a feição de um mero bate
papo entre duas pessoas. Antes do bate papo se iniciar, o jornalista começa o texto
levando ao leitor um pouco do clima que cercava a entrevista e seus antecedentes,
para só depois apresentar o jogador: “mesmo com chuva, o rival de ‘El Tigre’ não
perdeu tempo, correu a Gazeta, e nós, mais que depressa, puxamos o lápis” 26
“Então o Barracas joga ...
- Joga! Não é conjunto ligeiro e harmônico (...) mas é uma turma pesada, difícil de ser
sobrepujada assim de qualquer turma.
- Na Europa ...
22
Diário Nacional. 20 de Julho de 1927. 23
Estou me referindo às entrevistas de Amilcar em 09 de Janeiro; Seraphim em 16 de Janeiro;
Feitiço em 15 de Janeiro; Arthur Friedenreich e Pixo em 19 de Janeiro; com Ministrinho em 27 de
Fevereiro. Cf. A Gazeta. Janeiro e Fevereiro de 1929. 24
A Gazeta. 16 de Janeiro de 1929. 25
A Gazeta. 27 de Fevereiro de 1929. 26
A Gazeta. 15 de Janeiro de 1929.
52
- Poderá dar em muita gente boa ...
- de facto, mas voltando a vaca fria: seu jogo espantou ...
Parece .... pelo menos os jornais e a torcida se manifestaram francamente a meu favor. Em
campo, tive, em todos os jogos, uma ‘guarda honra’ formada por Amadel, Cherro e
Clemente. Este pessoal não me largava um instante, numa terrível perseguição.
- Os cariocas
- E os cariocas?
- Desta feita carregaram-me em triunfo! Antes tarde ...
- Diante de tais façanhas, cessa tudo quanto a musa antiga canta... Eita Feitiço”27
Em uma estrutura textual que se organizava de forma rápida e semelhante
há uma conversa, a entrevista começava expondo as impressões de Feitiço sobre a
equipe do Barracas. Depois, dando voz ao jogador reproduzia gírias como “guarda
honra”, termo referente a marcação especial organizada pelo adversário contra o
entrevistado. Por fim, uma clara provocação em relação aos cariocas, ao expor que
estes desta vez teriam o carregado em triunfo, mas mesmo assim, o jogador usava
o termo provocativo “antes tarde”, em analogia a expressão “antes tarde do que
nunca”. Usando este tipo de artifício textual, o redator criava uma impressão de
familiaridade e proximidade entre a torcida e seu ídolo, além de estimular os
sentidos da emoção do leitor através do comentário feito em relação aos cariocas.
Se ao longo de todo o ano de 1928 Mazzoni não chegou a assinar seus
textos – prerrogativa restrita a jornalistas de maior nome e prestígio – já a partir
de 1929 algumas matérias passaram a conter sua assinatura. Dentre elas a maioria
foi, de início, sobre pugilismo, sendo a primeira uma grande matéria que ocupou
uma página inteira do caderno esportivo. Intitulada “O ano pugilístico”, era
assinado por “Thom Maz” – iniciais do nome e sobrenome do jornalista. Nela o
autor comentava os principais resultados do ano de 1928, citando algumas
derrotas, vitórias importantes e os resultados dos principais pugilistas da época.
Chama a atenção, no entanto, a forma pela qual Mazzoni organizou a matéria.
Esta foi dividida em pequenos comentários sobre cada assunto abordado, e antes
do texto o subtítulo em negrito chamava atenção do leitor para a temática a ser
tratada.28
Sem ser original, tal forma de divisão da matéria reproduzia um
27
A Gazeta. 15 de Janeiro de 1929. 28
A Gazeta. 12 de Janeiro de 1929.
53
procedimento já adotado em algumas matérias do S. Paulo Sportivo 29
e do Diário
Nacional, 30
e acompanharia muitos textos do autor na década seguinte.
Dois dias depois, nova matéria de Thomaz Mazzoni, assinada apenas com as
letras iniciais de seu nome. Intitulada “Na ordem do dia: tenente Luiz Mattoso
(feitiço) da artilharia futebolística brasileira”, ela trazia uma análise sobre a
atuação do jogador Feitiço contra a equipe argentina do Barracas.
“sobressaindo-se desde o início da luta, embora não fizesse cair nenhuma vez a
cidadela contraria, abalou constantemente com valente ação o último reduto
adversário causando eminentes perigos, tanto assim que requereu de diversos
antagonistas uma vigilância especial.(...) Surpreendendo a última defesa do
Barracas em várias ações decisivas e corajosas, constituiu para abater pela 1° vez o
‘forte’ guarnecido por Diaz.” 31
Dessa forma, o cronista construiu ao longo de toda a narrativa, imagens
metafóricas que simulavam uma verdadeira batalha entre brasileiros e argentinos,
sendo Feitiço o grande líder. Durante a “luta”, teria sido ele o responsável por
abalar o “último reduto do adversário”, mesmo sem fazer “cair nenhuma vez a
cidadela contrária”, ou seja, mesmo sem ter feito nenhum gol, o atleta foi o grande
responsável pelas investidas vitoriosas dos brasileiros. Por esta razão, foi preciso
que seus “antagonistas”, fizessem uma “vigilância especial” sobre seu jogo, mas
mesmo assim, através de ações “decisivas e corajosas”, conseguiu abalar “a última
defesa do Barracas”, e, assim, abatendo pela “1° vez o ‘forte’ guarnecido por
Diaz”. Portanto, mesmo com uma marcação especial, Feitiço com sua habilidade e
talento, conseguiu fazer um gol, vencendo o goleiro Diaz. Mais do que uma
simples construção simbólica comparativa entre futebol e batalha – fato muito
comum em alguns termos futebolísticos como ataque, defesa, por exemplo -,
Thomaz Mazzoni criava um verdadeiro cenário, carregado de emoção e rico em
simbolismos, em procedimento através do qual reproduzia e estimulava os
sentimentos de antagonismo do torcedor/leitor em relação a seus adversários.
Rompia, assim, com a forma mais objetiva de retratar os fatos, incrementando a
cobertura futebolística com formas narrativas mais informais e atrativas.
Através de textos como estes, Mazzoni começou assim a mudar a forma da
seção esportiva da Gazeta. Por mais que a partir da chegada de Líbero o jornal se
29
S. Paulo Sportivo. 18 de Agosto de 1922. 30
Diário Nacional. 15 de Julho de 1927. 31
A Gazeta – Edição Esportiva. 14 de Janeiro de 1929.
54
identificasse como um “órgão popular por natureza”, 32
Leopoldo Santanna
costumava imprimir para aquela seção uma forma um pouco mais rebuscada, com
alguns termos carregados de bacharelismos. Em “As andorinhas”, o chefe do
caderno esportivo da Gazeta comenta sobre o período amador de outrora, mesmo
que em 1929 ainda estivesse o futebol brasileiro sob o regime amadorístico:
“Havia estabilidade nos conjuntos. Os jogadores tinham verdadeiro amor ao
pavilhão que defendiam, á camiseta que envergavam com orgulho. Nesses
saudosos áureos tempos, não se pensava no ‘valor monetário de chute’, no quanto
se podia ‘avaliar, em metal sonante, o nome um campeão de escól’... Nada disso.
Daí a liberdade que todos tinham na escolhe de seus clubes, e sua bandeira. Os
clubes faziam seus jogadores. Não viviam de ‘laço’ á mão. Não existia a praga dos
aliciadores. O mais cancro do esporte contemporâneo. Não!
Com o correr do tempo, porém, valeu a metalização completa. Surgiram os
vivedores. Esses amores que vivem á socapa dos que jogam bem ou mais ou menos
bem.
Era de ‘quem mais dá’, de ‘quem vela mais dinheiro, dinheiro de contado’.
Essa vergonha que todos conhecem.
Daí, leis muitas que vêm procurando coibir, o mais possível, embora quase em vão,
o comercialismo de jogadores. Esse comercialismo avassalante.” 33
Para além das críticas ao “comercialismo avassalante”, isto é, ao falso
amadorismo, podemos perceber neste trecho que o redator lançava mão de
palavras e termos mais formais em seus textos. Trechos como o do “verdadeiro
amor ao pavilhão que defendiam, á camiseta que envergavam com orgulho” que
deveriam ter os jogadores, evidenciavam a força que uma linguagem formal e
rebuscada ainda assumia na folha. Recheados de termos como “metalização”,
“vivedores” ou “socapa”, as notícias esportivas da Gazeta não costumavam assim
se aproximar da linguagem coloquial das ruas. Coube assim a jornalistas mais
novos na redação, como Thomaz Mazzoni e outros, a renovação da linguagem
jornalística da folha, que consolidaria de vez sua popularidade.
Além das questões formais, ressalte-se ainda a posição de superioridade
colocada de início pelos redatores da folha em relação ao seu amplo público. É o
que se evidencia, por exemplo, na discussão do problema do amadorismo. Na
ordem do dia dos debates esportivos desde meados da década de 1920 a questão
dividia opiniões, separando em falanges distintas os defensores do
32
A Gazeta. 14 de Janeiro de 1929. 33
A Gazeta. 24 de Janeiro de 1929.
55
profissionalismo e seus críticos. Neste quadro, o posicionamento assumido pelo
caderno esportivo da Gazeta, a partir da compreensão própria de seu redator
chefe, demonstrava sua repulsa à adoção do regime profissional para os atletas de
futebol. De fato, no período em que “Todos os esportes” foi comandado por
Leopoldo Santanna não foram poucas as crônicas publicadas com críticas ao
amadorismo marrom, e também sobre a proposta de adoção de um regime
profissional. Para o jornalista, apenas o esporte praticado por diletantismo e amor
ao desporto seria de bom tom. Por esse motivo, alguns de seus escritos
contrapunham os jogadores atuais com os antigos – época em que o próprio
Santanna praticou o esporte bretão -, sendo os primeiros “materialistas”
(provenientes da “massa ignorante”) e os segundos “idealistas”. 34
Ao menosprezar
a possibilidade da prática do futebol por uma “massa” da qual podiam fazer parte
muitos dos leitores da folha, Santanna evidenciava o preconceito existente em
parte da imprensa em relação aos atletas oriundos dos extratos mais baixos dentro
do futebol. Mesmo escrevendo em um jornal voltado para o grande público,
Santanna não chegava assim a se aproximar do ponto de vista tanto da maioria
deste como de boa parte dos jogadores. Deste modo, se mantendo em uma
perspectiva pedagógica e superior comum a outros jornalistas do período, o
caderno “Todos os esportes” estava longe de se aproximar, neste ponto, das
aspirações de boa parte de seus possíveis compradores.
Em relação ao bairrismo do segundo trecho, novamente não foi uma
exclusividade desta passagem. Comentando a vitória da seleção carioca sobre a
paulista no Campeonato Brasileiro de 1928, Santanna afirmou que este resultado
só foi possível em virtude dos “compradescos” dos dirigentes cariocas. Estes
procedimentos eram atribuídos somente aos dirigentes do Rio de Janeiro, e
estariam a partir disso, construindo um constante movimento de “compradismos”
no esporte brasileiro. 35
Em outra ocasião, o jornalista em sua coluna “Últimas”
comentava de forma pejorativa a diferença de tratamento que os dirigentes da
Confederação Brasileira de Desportos dava as atitudes semelhantes quando
envolviam a seleção paulista. Deixando claro que a entidade tinha um
posicionamento atrelado aos cariocas fez uma comparação entre as medidas
34
A Gazeta. 24 de Janeiro de 1929. 35
A Gazeta. 03 de Janeiro de 1929.
56
tomadas contra os paulistas e contra os argentinos do Barracas – ambos os times
teriam abandonado a partida contra os cariocas por discordarem de atitudes do
árbitro. 36
Ainda no mesmo dia desta matéria, é publicada uma entrevista com o
jogador Amilcar onde este afirma que os “cariocas estavam fracos” e que “estão
atualmente sem nenhum zagueiro pela esquerda”. 37
Ou seja, desmerecendo a
qualidade da equipe carioca.
Deste modo, se mantinha uma perspectiva pedagógica comum a outros
jornalistas do período, o caderno “Todos os esportes” também investia em táticas
supostamente comerciais, como o bairrismo. Isto porque, tal tipo de sentimento,
tinha tanto no público leitor, como também em alguns jogadores, como Amilcar,
um forte meio de atrair atenção e publicidade para as folhas esportivas. Porém, se
por um lado, “Todos os esportes” chegava em algumas matérias criticar o
aumento das rivalidades, por outro, acabava estimulando esses sentidos a partir
dos comentários bairristas, principalmente, em textos do próprio redator chefe,
Leopoldo Santanna.
2.1 O “capitão” do time:
O início da década de 1930 marcava o fim do comando de Leopoldo Santana
à frente de “Todos os esportes”. Para o seu lugar seria escolhido o redator Thomaz
Mazzoni que passaria assumir o cargo de editor e redator chefe do caderno
esportivo. Santanna não se transferiu da folha, continuou contribuindo no decorrer
de quase toda a década de 1930, fato este que comprova ter sido uma escolha da
direção d’A Gazeta a alteração de comando. Esta motivação, possivelmente, tem a
ver com a própria forma como o antigo redator chefe entendia o esporte e
produzia o jornalismo esportivo, isto é, de forma pedagógica e com certo elitismo
ao se referir a temas como o profissionalismo, por exemplo.
Logo que assumiu o comando do caderno esportivo, Thomaz Mazzoni
suprimiu a coluna “Últimas”, antes assinada por Sant’Anna. 38
Em seu lugar,
entraria a coluna que garantiria seu reconhecimento e fama, à qual deu o título de
36
A Gazeta. 09 de Janeiro de 1929. 37
Ibidem. 38
Após alguns dias, a coluna “Últimas” volta a ser publicada, mas não diariamente.
57
“Olimpicus”.39
Seria com esse pseudônimo que o jornalista assinaria, a partir de
então, boa parte de suas crônicas e trabalhos publicados, motivo pelo qual foi com
esse nome que ficou conhecido por boa parte de seus pares. Neste espaço,
desenvolveu textos de cunho variado. Se por vezes usava tom militante e crítico
em relação às mazelas esportivas, carregando um pensamento pedagógico sob a
prática física, em outros momentos conseguia dar emoção e construir narrativas
que envolviam os aficionados pelo esporte. Seria, portanto, em textos sobre a
construção de uma suposta ordem esportiva e as análises estritamente envolvendo
clubes, jogadores e os resultados desportivos estrito senso que podemos inserir
sua obra.
Além de publicar artigos de sua autoria, Thomaz Mazzoni também
comandava a parte gráfica e editorial de “Todos os esportes”. Na parte gráfica,
podemos afirmar que houve uma continuidade da política da folha, isto é,
permaneceu o uso extensivo de fotografias, títulos garrafais e em negrito, assim
como subtítulos também em negrito. Por outro lado, a parte editorial e a forma
como algumas matérias passaram a ser produzidas sofreram significativas
alterações em relação à gestão de Leopoldo Santanna.
Na véspera da rodada de estreia do campeonato paulista de 1933, Thomaz
Mazzoni assinava a matéria de análise da rodada, “O que nos reservará o primeiro
domingo de batalha?”. No subtítulo em negrito, mas com letras menores, o autor
resume os principais assuntos tratados na crônica, identificando rapidamente cada
confronto paulista e também a informação que a matéria irá tratar também da
primeira rodada do futebol carioca:
“Com todas as honras de estilo o Corinthians e o Palestra disputarão seu 25° prélio
de campeonato, primeiro do regime profissional – o Santos reiniciará os jogos de
campeonato em seu campo, lutando com o Ipiranga e o S. Bento está chamado a
experimentar as forças da Portuguesa – a rodada inaugural profissional carioca”. 40
Na chamada para o campeonato paulistano o redator faz questão de
potencializar a atenção para o confronto entre Palestra e Corinthians. Começa
afirmando que a grande interrogação é saber se o “encanto” do Palestra será
perdido, visto que o time vem de uma temporada invicta:
39
A coluna apareceu pela primeira vez no canto direito de “Todos os Esportes” com o título
“Desonestidade e incompetência”. A Gazeta. 18 de Novembro de 1930. 40
A Gazeta. 06 de Maio de 1933.
58
“Irá o Corinthians quebrar o encanto Palestrino? Trata-se de um competidor ilustre,
uma figura celebre do campeonato, para a interrogação ficar suspensa. O
Corinthians, de facto, não é só um conjunto reabilitado, capaz de uma grande
proeza, como é ainda um velho e tradicional antagonista do Palestra, ambos autores
de memoráveis encontros, que, pode-se dizer, constituem em grande parte as
melhores páginas da história do campeonato desses últimos 16 anos”.
“Jamais o Corinthians, como também o Palestra mesmo nos períodos de forma
desigual entre si, deixaram de se respeitar em campo. Ás vezes um deles atravessa
tecnicamente uma má fase, mas quando se encontra em frente ao seu grande rival
não aceita por nada uma posição inferior. Lutam ambos com o mesmo orgulho,
porque sabem que é aquela a pugna em honra de sua bandeira”. 41
No trecho acima podemos perceber que mesmo em se tratando da primeira
rodada do campeonato, o redator constrói toda a argumentação do texto em cima
da rivalidade entre Corinthians e Palestra Itália. Tal apropriação sobre o confronto
se traduz em uma atmosfera que cerca de importância a partida, mesmo que seja
apenas a primeira rodada do campeonato. Mais do que isso, o autor identifica na
disputa, uma questão histórica, pois seria este jogo “em grande parte as melhores
páginas da história do campeonato desses últimos 16 anos”. Por outro lado, ao
mesmo tempo em que acentua o momento favorável que o Palestra vivia em
comparação ao Corinthians, no segundo parágrafo Thomaz Mazzoni produz
praticamente uma narrativa heroica sobre esta situação, afirmando que
historicamente o time que se encontra em pior fase “quando se encontra em frente
ao seu grande rival não aceita por nada uma posição inferior. Lutam ambos com o
mesmo orgulho, porque sabem que é aquela a pugna em honra de sua bandeira”.
Ou seja, independente do momento em que cada equipe se encontrava, por se
tratar de um confronto tradicional e entre rivais, as forças se igualavam. Dessa
forma, um simples confronto se tornaria uma verdadeira decisão na pena do
jornalista, sem negar a questão da rivalidade entre os clubes. Mas mesmo
compreendendo e estimulando esta questão, não deixou também de enfatizar a
disciplina nos estádios afirmando: “não é possível que justamente no encontro
‘derby’, que servirá ainda para o começo do campeonato, os dois rivais venham a
se desviar do bom caminho disciplinar ... seria uma ... calamidade!”42
Desde a criação do suplemento esportivo em 1928, o caderno esportivo d’ A
Gazeta não circulava nas segundas feiras, dia de publicação de A Gazeta – Edição
Esportiva. Mas a crônica das partidas do final de semana, com uma espécie de
41
Idem. 42
Idem.
59
resumo da rodada futebolística, circulava neste dia da semana nos últimas páginas
da folha. Outrora escritas por Leopoldo Santanna, a partir de 1930 passaram a ser
assinadas por “T.M”, isto é, Thomaz Mazzoni.
Às terças feiras “Todos os esportes” voltava a ser publicado em sua
totalidade, com coberturas de boa parte dos esportes. Na maioria dos dias as
crônicas da coluna “Olimpicus” reservavam comentários sobre a rodada
futebolística do final de semana. 43
Por outro lado, a primeira página do caderno
era ocupada, invariavelmente, por algumas estatísticas sobre os campeonatos de
futebol disputados no estado de São Paulo. “O balanço da rodada” continha
informações como os placares das partidas disputadas, a “colocação por pontos
perdidos” (ou seja, a classificação)-, e “os que fizeram pontos” (ou os jogadores
que marcaram gols), , “guardiões que deixaram passar as bolas” e os “juízes que
atuaram”. Ao final, também continha informações mais breves sobre o
“campeonato secundário”.44
Com esta medida, o jornal passou a aplicar
diariamente uma fórmula de abordar o futebol que permitiu aos leitores
acompanhar o desempenho de seu time no campeonato sob diferentes olhares de
disputa, seja na classificação por pontos, por gols marcados, pelos artilheiros do
campeonato, goleiros que menos tomaram gols etc. Neste “balanço da rodada”
“Todos os esportes” construía de uma maneira sutil formas diferentes de
acompanhar a competição local.
43
“Bom começo” In A Gazeta. 02 de Maio de 1933. 44
A Gazeta. 09 de Maio de 1933.
60
(A Gazeta, 09 de Maio de 1933).
Porém, era na quarta feira que os comentários mais específicos sobre a
rodada eram publicados. Na matéria não assinada “Os azes da rodada que passou:
Romeu, Jahú, Bindo”, o texto do caderno esportivo assim se referiu a Romeu,
jogador do Palmeiras:
61
“Em breve teve a oferecer ao público um dos melhores lances de toda a partida. Ai
está, para amostra, o 1º tento, feito com toque difícil de pé, que lhe permitiu um
chute em condições de visar as redes com pressão e inesperadamente. E o 2° tento
não foi de menor valor do que o primeiro. Por um triz não deixou de ficar sozinho,
logo na primeira rodada no primeiro posto dos ‘artilheiros’, pois as traves lhe
devolveram dois tiros, quando o guardião contrário deixou passar o couro”. 45
Depois sobre Jahú do Corinthians:
“exuberante de vontade e de energia, como si estivesse se batendo certo da vitória.
O seu jogo é todo arrojo e coragem, sem derivar para a violência. O ímpeto leva-o
a não observar jogo clássico, mas ser antes de tudo um batalhador. Atira-se onde
está o perigo. Corre a direita e a esquerda, avança e retrocede”. 46
Por fim, Bindo do São Bento:
“Foi o ‘motor’ do ataque alvi-celeste contra a Portuguesa, um ataque de jogadores
com físico de atletas, fortes e velozes. O meia esquerda teve um labor de relevo,
aparecendo ótimo em tudo: no chutar, no passar e operar dentro da área”. 47
Em todos os comentários, o redator fez uma análise sobre a atuação
individual de cada destacado. Em relação a Romeu identificou os dois gols que o
jogador havia feito, exaltando ambos os lances e afirmando ter ele “oferecido ao
público um dos melhores lances de toda a partida”, jogando em improviso acabou
podendo dar chutes com pressão e inesperados a meta adversária. Ao final do
comentário afirmou que “por um triz” o jogador não teria ficado sozinho no posto
de artilheiro do campeonato, mas a trave lhe devolveu “dois tiros”. Com este
último comentário, além da atuação do jogador, o jornal também criava em
relação a jogadores de outros times uma espécie de disputa e rivalidade em
relação ao título de artilheiro. Já sobre Jahú do Corinthians, as qualidades
ressaltadas não seria a de exímio e habilidoso jogador como Romeu, e sim, a
energia e a vontade com que atuou em campo, mas frisando que não deixou seu
jogo “derivar para a violência”. Estaria o jogador em todos os lados do campo, “a
direita e a esquerda, avança e retrocede”, seria este um batalhador que, apesar de
não fazer uso do “jogo clássico” conseguiu se destacar. Por fim, Bindo do São
Bento, aparece nem tão brilhante tecnicamente como Romeu, tampouco
“batalhador” como Jahú, mas seria um pouco a mescla dos adjetivos aplicados a
esses dois jogadores citados anteriormente. Ele foi o “motor” do ataque de seu
45
A Gazeta. 10 de Maio de 1933. 46
Idem. 47
Idem.
62
time, com “labor de relevo”, mas também agiu bem ao “no chutar, no passar e
operar dentro da área”.
Dessa forma, mesmo após três dias de cobertura “Todos os esportes” ainda
tratava do assunto da rodada anterior, construindo matérias não em relação aos
resultados em si, mas em relação ao desempenho dos jogadores. Nesta tática
editorial, A Gazeta passava a construir também uma espécie de imagem de estilos
de jogador, seja o que se destacava pela habilidade e capacidade de conclusão,
como Romeu, ou os mais fortes e marcadores como Jahú, ou até atletas que
estariam entre um estilo e o outro. Formulavam uma espécie de identidade
futebolística sobre um indivíduo específico, todavia, esta imagem estaria sendo
compartilhada e também produzida pelos próprios torcedores que iam aos
estádios, mandavam cartas à redação e participavam de espaços de sociabilidade
mutuo com os jornalistas, tais como cafés – muito lembrados em matérias quando
se tratam de opinião de torcedores, como veremos na citação a seguir. Por outro
lado, o simples comentário acerca desses jogadores começava, devido ao alcance
do jornal, a produzir ídolos e figuras cada vez mais conhecidas do público leitor e
fã do futebol.
No transcorrer da semana na parte futebolística, “Todos os esportes” através
da crônica “Olimpicus” e em colunas específicas ainda publicava comentários
sobre a rodada anterior. Nesta ocasião, onde o Corinthians perdera a partida contra
o Palestra Itália, a folha construiu uma análise que ao mesmo tempo tratava do
resultado da partida quanto de suas consequências, tanto dentro do clube quanto
com os torcedores da equipe derrotada. Thomaz Mazzoni pontuava que o
afastamento ocorrido de dois jogadores da equipe “alvi-negra” era fruto de
questões internas do grêmio, se contrapondo com o que alguns torcedores
estariam afirmando. Segundo o jornalista, “os torcedores descontentes é que
costumam nas rodas dos cafés espalhar boatos de suborno, após grandes revezes e,
boatos sem fundamento algum, mas que são dados como sendo a expressão da
verdade”. 48
Dessa forma o jornal, para além da análise esportiva stricto senso,
construía opiniões sobre assuntos que cercavam o cotidiano dos torcedores.
Opiniões estas feitas em espaços como as citadas “rodas dos cafés” paulistanos,
48
A Gazeta. 11 de Maio de 1933.
63
locais de sociabilidade comuns ao público masculino e aficionado pelo futebol, e,
também, frequentado por alguns jornalistas.49
Transparecia, portanto, a
proximidade entre o público leitor e as páginas da Gazeta, produzindo uma
cobertura mais próxima e subjetiva em relação ao esporte.
Prosseguindo a matéria citada, o caderno esportivo da Gazeta aproveitava
tais fatos para construir uma análise sobre os comentários dos torcedores,
produzindo uma opinião sobre aquela situação. Sobre os boatos supostamente
criados pelos torcedores, o jornalista seria enfático ao afirmar que “é sempre
inevitável, na maioria das vezes, quando um grêmio conhece uma derrota de
grandes proporções”. 50
Ao apresentar uma suposta versão oficial do afastamento
dos dois jogadores, e desconstruir a opinião de alguns torcedores, o caderno
esportivo da folha buscava formar uma espécie de opinião sobre os leitores, se
posicionando fortemente contra atitudes que pudessem denegrir a imagem do
recém-instalado regime profissional. 51
Na sexta feira, após publicar alguns comentários rápidos sobre treinamentos
e novidades sobre os times paulistas, 52
o caderno passou a produzir matérias mais
especificamente sobre a rodada futebolística que se aproximava. Em “2° rodada
do torneio citadino: comentários as três pugnas: a da Floresta, a do Parque São
Jorge e a de Santos”, o redator comenta os preparativos e as expectativas próprias
a cada confronto. Como da outra oportunidade, o texto dá mais atenção a principal
partida do final de semana, que neste caso era São Paulo Futebol Clube e o
Palestra Itália. Novamente, na construção da crônica, Thomaz Mazzoni atribui
status de decisão para o jogo, carregando de importância esta ocasião:
“O choque será virtualmente decisivo para a supremacia local? A resposta convida
a dizer que sim. Sem dúvida que o torneio, este ano, não se apresenta como o do
ano passado. Todavia, é fora de duvida que neste jogo o SP e o Palestra disputarão
os dois mais importantes pontos do certâmen paulista de 1933”.
49
Henrique Nicolini cita o “Ponto Chic” como um local de forte presença dos jornalistas da
Gazeta e de futebolistas – já que o dono do bar/café era conselheiro do S. E. Palmeiras.
NICOLINI, Henrique. O jornal de ontem e de hoje. São Paulo, PH Editora, 2006. P. 67 – 70. 50
A Gazeta. 11 de Maio de 1933. 51
O tema do profissionalismo será tratado mais a fundo no decorrer do capítulo. 52
Ver A Gazeta. 09 de Maio de 1933.
64
(...)“Atualmente, no futebol paulista, o sceptro orgulhoso do Palestra domina tudo.
É da moda .... Não será mesmo de se admirar se o SP esteja mais no titulo invicto
do adversário do que nos próprios dois pontos em liça.” 53
Logo na primeira frase do texto ficaria clara a intenção de atribuir
importância àquela partida. Com uma interrogação e depois a resposta positiva, a
crônica afirmava que o “choque” seria decisivo para a supremacia local, e que o
jogo colocaria em disputa “os dois mais importantes pontos do certâmen paulista
de 1933”. Além do jogo em si, a matéria criou um atributo a mais para validar a
sua opinião. Estaria o Palestra em 1933 dominando o futebol de São Paulo, e por
isso a equipe são-paulina estaria mais de olho na retirada do título invicto do alvi-
verde do que nos pontos propriamente ditos. Por fim, terminou a análise
afirmando que caso o Palestra perca, “sairá em títulos garrafais” que “O SP
quebrou o encanto palestrino!”. 54
Nesta oportunidade, além da cobertura momentânea do confronto, A Gazeta
publicou no mesmo dia 12 de Maio uma análise da história recente entre os dois
times. Na matéria “Palestra X S. Paulo: as cinco precedentes partidas de
campeonato entre os dois clássicos ‘esquadrões’”, além da análise dos resultados
recentes, era exposta uma rivalidade histórica e de grande importância entre as
equipes desde suas respectivas fundações. Deste modo, se na primeira matéria
estaria em jogo o comando o cenário futebolístico paulista e o campeonato em si,
neste momento a crônica tratava da questão histórica que cercava o embate:
“Podemos dizer, foram as melhores partidas que ofereceram os campeonatos de
1930 – 32. Desde o seu aparecimento, o quadro tricolor teve no Palestra o seu mais
perigoso rival, assim como também, o conjunto alvi-verde encontrou, sempre no
continuador do Paulistano, uma barreira de difícil transposição.” 55
No dia seguinte, véspera das partidas, saiu uma matéria que ocupava quase
toda a primeira folha do caderno esportivo. Com exceção das colunas
“Olimpicus” e “Últimas”, todas as colunas foram suprimidas. Na matéria “A
grande incógnita: Palestra – S. Paulo?”, novamente observamos a priorização
deste confronto, chamando a atenção do leitor com títulos garrafais para a partida,
e com subtítulos identificando os outros assuntos ali tratados. No meio da matéria
53
A Gazeta. 12 de Maio de 1933. 54
Idem. 55
A Gazeta. 12 de Maio de 1933.
65
foram publicados três grandes fotos com os destaques de quatro times, sendo os
jogadores do Palestra e São Paulo posaram juntos para a foto. 56
(A Gazeta. 13 de Maio de 1933).
Ao acompanhar uma semana inteira de cobertura esportiva de “Todos os
esportes”, tive como objetivo analisar a forma de produção do jornalismo
esportivo e, principalmente, de sua relação com o público leitor. Diferenciando-se
das formas usuais da cobertura esportiva, Thomaz Mazzoni comandou uma
alteração tanto na linguagem dos textos, como na própria natureza das matérias.
De forma concomitante, à medida em que as notícias discutiam e argumentavam
sobre a rodada futebolística do final de semana anterior, a folha produzia
mecanismo de prender a atenção do torcedor também para a próxima rodada.
Deste modo, a expectativa dos leitores em relação ao campeonato paulista de
futebol foi sendo dia a dia alimentada pela folha, que criava assim um elo de
56
A Gazeta. 13 de Maio de 1933.
66
ligação com seu público ao longo de toda a semana. Essas não foram, todavia, às
únicas alternativas usadas para incrementar a cobertura jornalística e entreter o
leitor.
Em meio a essas matérias que aumentavam a importância e a atenção em
torno das partidas, o jornal ia criando outros assuntos e movendo a atenção do
leitor para outros aspectos que passariam a fazer parte da cobertura esportiva.
Exemplo disso era a matéria “Salve-se quem puder”. Nesta o jornal trazia
comentários sobre os times que estariam na “cauda da tabela”, ou seja, os que
estavam entre as últimas posições no campeonato. A “rabeira” como era chamada,
estaria, segundo o periódico, disputadíssima entre os times de pior campanha. 57
Dias depois, seria publicado um texto que abordaria uma situação inversa desta
primeira. Sob o título “Ainda de pé”, ela falava do confronto entre o “bugre” -
Guarani - e o São Paulo, que ainda estava “de pé” para a disputa pelo título se
conseguisse “queimar seus cartuchos”. 58
Neste sentido, novamente seria o
incremento da disputa entre os clubes, sejam os que disputavam as primeiras ou
últimas posições, que permeava a cobertura d’A Gazeta e novamente alimentando
a expectativa dos torcedores.
Outro exemplo deste tipo de matéria é a “Fura redes”, que apresentava
alguns artilheiros da história do futebol paulista. 59
Dias depois aparecia na folha
uma matéria sobre os “furões”, que seriam os artilheiros do campeonato de 1930 –
na qual se valorizava aquele jogador que tivesse marcado mais gols. Deste modo,
se num primeiro momento rememorava os grandes artilheiros, agora exaltava a
disputa dos artilheiros do presente, sendo a primeira matéria um exemplo que o
fato de ser “o maior furão” era algo digno de ficar na história. Neste sentido, o
jornal aumentaria não somente a disputa entre jogadores e o interesse do público,
mas também a importância deste título. Assim, além de acirrar a disputa entre os
atletas que estariam com mais gols marcados, matérias como estas também
estariam criando “um bom prato para aguçar a curiosidade dos torcedores”. 60
Tanto essas matérias, como as citadas no parágrafo anterior, eram publicadas em
pequenos quadros no meio da primeira página de “Todos os esportes”, com
57
A Gazeta. 10 de Dezembro de 1930. 58
A Gazeta. 13 de Dezembro de 1930. 59
A Gazeta. 19 de Novembro de 1930. 60
A Gazeta. 3 de Dezembro de 1930.
67
comentários curtos visavam mesmo “aguçar a curiosidade dos leitores” em
questão alheias diretamente aos resultados das partidas em si. Lançando mão
desses artifícios, Mazzoni e sua equipe passavam a constituir um jornalismo
esportivo que ia muito além dos jogos e do próprio campeonato propriamente
dito, já que não eram apenas os pontos de cada clube que apareciam, e sim, outros
aspectos da competição desportiva. Portanto, a folha passaria, de certo modo, a
inventar notícias, criando estatísticas que fariam com que o público leitor olhasse
de forma diferente a própria disputa do campeonato.
Dentro de tal estratégia, a folha passou a publicar ainda uma seção intitulada
“O que os leitores nos escrevem”. No dia 09 de Maio seria publicada uma nota
onde os torcedores do São Paulo Futebol Clube, usavam as folhas de “Todos os
esportes” para reivindicar a presença do “insubstituível Arthur Friendreich”, que
trazia ao seu final todos os nomes daqueles que assinavam aquela opinião.61
Dois
dias depois foi publicada uma nota dupla, com mensagens tanto de torcedores do
Corinthians quanto do Palestra Itália. A deste último recomendava que a equipe
fosse a mesma que enfrentou o Corinthians na rodada anterior. Mais elaborada,
porém, era a mensagem do torcedor corinthiano:
“Escreve-nos o senhor João Correa da Silva pedindo para transmitirmos a diretoria
do Corinthians a ‘fórmula’ que tirará o azar do quadro. Depois de várias
considerações, e atendendo a que as maiores derrotas do Corinthians se deram em
seu próprio campo, o sr. João da Silva, pensa que seria de alvitre benzer o estádio
‘Alfredo Schurig’. Não custa muito, e talvez dê certo.” 62
Deste modo, independentemente do assunto tratado, A Gazeta pouco a
pouco passou a dar maior visibilidade aos seus leitores em suas páginas. Seja
publicando os nomes dos autores, ou a assinatura dos mesmos, ficava evidente
uma preocupação do caderno esportivo em trazer a luz à opinião dos seus leitores
sobre as questões esportivas mais variadas. Levando em conta a seleção das cartas
publicadas, podemos entender que estas serviam como forma de balizar e dar peso
a uma opinião do próprio jornal. Ainda assim, tal estratégia demonstra um intuito
de construção de uma maior proximidade com os leitores.
Além de dar visibilidade aos seus leitores, outra estratégia usada pela equipe
comandada por Thomaz Mazzoni foi a de associar a folha com eventos esportivos
61
A Gazeta. 09 de Maio de 1933. 62
A Gazeta. 11 de Maio de 1933.
68
populares, acentuando ainda mais o contato direto entre público e o vespertino.63
Logo na primeira semana em que esteve no comando da redação, o cronista e sua
equipe lançaram o “Concurso Varzeano”. No dia de seu lançamento foi exposto o
regulamento do concurso, que consistiria basicamente em uma votação dos
melhores jogadores da várzea de São Paulo para jogar com os melhores do Rio de
Janeiro. 64
Para se candidatar a eleger os melhores jogadores em cada posição,
seria preciso destacar um formulário publicado ao longo de pouco mais de um
mês de eleição, o que obrigava o leitor a acompanhar o jornal com fidelidade.
Deste modo, no dia 29 de Dezembro foram publicados os 22 jogadores – time
reserva e titular - que compuseram o selecionado paulistano. Destes o jogador
mais votado foi um goleiro, que teve 45.287 votos. Em sua posição, foram
somados aproximadamente 90.000 votos entre outros candidatos. 65
Logo, seriam
pelo menos 135.287 leitores que o vespertino teria tido somente para o “Concurso
Varzeano” referendando o sucesso da iniciativa.
Ou seja, se diferenciando de outros jornais de grande circulação, como O
Estado de São Paulo, mas se assemelhando a jornais menores como o S. Paulo
Jornal, a folha investia na cobertura do futebol praticado por camadas sociais
mais amplas do que as que disputavam os campeonatos oficiais. Seria esta uma
singularidade e uma verdadeira marca d’ A Gazeta, - folha em que, o esporte
varzeano chegou a ocupar quase duas páginas do caderno esportivo, em especial
no período de recesso das competições esportivas oficiais. 66
Assim como a competição do futebol profissional, a cobertura do futebol de
várzea, e principalmente do concurso, foi assim incrementada sob a direção de
Thomaz Mazzoni. Se desde meados da década de 1920 o jornal já se destacava
por uma cobertura inédita da várzea, seria mesmo nessa nova fase que esta tomou
maior amplitude. Como resultado, seria criado também o caderno “A Gazeta
Esportiva na várzea”, contendo informações sobre os jogos entre clubes, as festas,
comemorações, e destaques do esporte varzeano. “Todos os esportes” promovia
63
Vale ressaltar, que este artifício já era usado desde a década de 20 na associação do jornal com
provas como a São Silvestre, por exemplo. Todavia, seria a partir deste momento que essas
fórmulas de aproximação com os leitores seriam usadas de forma mais rotineira e variada.
64 A Gazeta. 18 de Novembro de 1930.
65 A Gazeta. 26 de Dezembro de 1930.
66 A Gazeta. 18 de Janeiro de 1931.
69
assim uma drástica mudança de foco na imprensa esportiva paulistana,
aproximando-se do futebol e do cotidiano de seus possíveis leitores.67
. Afirmava-
se, com isso, a marca popular que Mazzoni tentava imprimir à folha.
2.2 Os campos do debate
Para além da construção jornalística focada estritamente nas questões mais
variadas do esporte, “Todos os esportes” ganhou, sob a direção de Thomaz
Mazzoni, uma marca fortemente opinativa, voltando-se para a análise dos
problemas que acompanhavam o esporte paulista e brasileiro. Mais
especificamente através dos comentários da coluna “Olimpicus”, o caderno
esportivo d’ A Gazeta se posicionou em questões centrais do esporte nacional ao
longo da década de 1930 – como a adoção do profissionalismo, a questão
disciplinar, as cisões e brigas entre entidades e a própria questão da produção
jornalística esportiva.
Tal postura representava, para os leitores habituais da folha, uma marcante
novidade. Como pontuado anteriormente, no período comandado por Leopoldo
Santanna o caderno esportivo da Gazeta se posicionava contra o falso
amadorismo, mas sem propor o regime profissional. Porém, no comando de
Thomaz Mazzoni, “Todos os esportes” realizou forte campanha a favor de sua
adoção e regulamentação, se tornando uma das mais influentes vozes e defensores
desta campanha na cidade de São Paulo.
Durante os últimos meses de 1932 e o início de 1933, o caderno esportivo
da Gazeta abordou em variadas situações a questão da adoção do
profissionalismo, principalmente, na coluna “Olimpicus”. Logo nos primeiros dias
de 1933, saia uma matéria assinada por um ex dirigente da APEA, entidade que
cuidava do esporte amador em São Paulo. Nela, P. Gy se posicionava a favor do
regime profissional e identificava Thomaz Mazzoni como um dos analistas mais
contundentes sobre a questão. Citando a coluna “Olimpicus” do dia anterior,
afirmou que nela fica “demonstrado cristalinamente, claramente, abertamente, que
em São Paulo existe o profissionalismo mascarado e camuflado”. Elogiando a
postura do cronista afirmou que “Olimpicus demonstrou a coragem de afirmar e a
coragem de dizer a verdade, numa terra onde a mentira, principalmente no futebol, 67
A Gazeta. 06 de Maio de 1933.
70
é a lei, é a ordem, é a vida”. Descontruía também a afirmação dos que defendem
que o jogador não se estimularia pelo valor em dinheiro pago a eles, afirmando
que o profissionalismo motivaria ainda mais os atletas. Por fim, afirmava: “este
estado de cousas, confuso, tortuoso, sombrio, é prejudicial para o futebol”. Estado
de coisas que só se resolveria se já houvesse o profissionalismo legalizado, e,
portanto, “não teríamos a ver essas historias sombrias de suborno nas portas de
café” 68
, que seria prática comum no período amador. Na campanha em favor do
profissionalismo, Mazzoni além de publicar a opinião de dirigentes, também fez
entrevistas com ex jogadores - do período amador - foram publicados, onde estes
se posicionavam em favor do profissionalismo. 69
Neste sentido, durante diversas edições, a publicação sistemática das
opiniões de dirigentes e, principalmente, do próprio Thomaz Mazzoni, colocavam
a folha entre os principais defensores da profissionalização do futebol. No dia 5 de
Maio A coluna “Olimpicus” publicou que a “oficialização do profissionalismo”
viria “bem mais cedo do que muita gente pensa”. Por esta crença, o cronista
começava a argumentar em relação à forma pela qual este regime deveria se
construir no Brasil. Começava assim, a discutir a sua organização e diretrizes.
Para ele o pagamento dos salários dos jogadores, por exemplo, não deveria ser
igual às altas quantias oferecidas pelos times italianos, já que os clubes nacionais
não teriam as mesmas condições.70
Neste sentido, cinco dias depois, a folha
publicava um projeto de adoção do profissionalismo idealizado - que seria
apresentado aos dirigentes paulistas por Marinetti, então treinador do São Paulo
Futebol Clube. 71
Tanto na exposição de suas próprias crenças em relação ao
regime profissional, como também na matéria do treinador da equipe são-paulina,
Mazzoni enriquecia o campo de discussão sobre este debate. Esta atuação, ao
mesmo tempo que ajudava a campanha neste sentido ganhar corpo, também
ajudaria aos próprios dirigentes paulistanos em pensar fórmulas de potencializar e
melhor este sistema.
68
A Gazeta. 5 de Janeiro de 1933. 69
A Gazeta. 27 de Janeiro de 1933. 70
“A remuneração dos jogadores” In A Gazeta. 5 de Janeiro de 1933. No dia 26 de Janeiro o
cronista voltava a citar as questões salarias, contudo, comparando os gastos no período do “falso
amadorismo”, concluindo que os times teriam como arcar com despesas mensais com os
jogadores. Nesta oportunidade, aproveita também para se posicionar sobre a lei do passe, que,
segundo ele, também deveria ser regulamentada. 71
A Gazeta. 10 de Janeiro de 1933.
71
A principal crítica em relação ao regime amador seria, na verdade, a
ausência de fato do amadorismo. Ficou conhecido como amadorismo marrom
uma prática muito comum nos times brasileiros nas décadas de 1920 e 1930, isto
é, o pagamento de benesses para os jogadores de futebol por parte de alguns
dirigentes dos clubes onde jogavam. Tal prática ficou claramente exposta no livro
do jogador Floriano Peixoto, que denunciou esse tipo de atitude por parte de boa
parte dos dirigentes brasileiros,72
e também em depoimentos de ex jogadores
publicados em uma crônica da coluna “Olimpicus”.73
Na opinião do jornalista na
crônica “Teoria inaplicável há 18 anos”, este processo começou a partir de 1918,
“ano em que em SP se abriram as portas do futebol oficial aos jogadores de todas
as classes sociais, deixando de uma vez o association de ser para nós um esporte
fidalgo”74
. Deste modo, na opinião do jornalista, seria a necessariamente a entrada
de sujeitos de classes sociais mais baixas que teria feito surgir o amadorismo
marrom. Supostamente, estes jogadores, por não pertencerem a elite financeira,
precisariam do dinheiro para sustentar sua atividade. Nesta visão elitista, Mazzoni
esquecia o outro lado da questão, ou seja, que o crescimento da popularidade do
futebol levava os próprios clubes a buscarem jogadores cada vez melhores,
independente da classe social, para chegar as vitórias nos gramados.
Com base nesta concepção sobre a realidade futebolística, Thomaz Mazzoni
afirmava objetivamente que havia muito tempo que não se observava o verdadeiro
amadorismo. Por esta razão, seria então a partir da adoção definitiva da
remuneração dos jogadores brasileiros que se resolveria este problema, impedindo
as citadas negociatas e histórias de suborno que envolviam o esporte paulista.
Assim, como afirma Leonardo Pereira, a contratação de jogadores profissionais
efetivava uma distância clara entre jogadores/funcionários e os sócios dos
grêmios, podendo, portanto, recompor a distinção social dentro de seus quadros. 75
Por outro lado, segundo “Todos os esportes”, também o desempenho
esportivo seria melhorado com a adoção do regime profissional. Em uma imagem
sobre o esporte italiano, se lê esta legenda esclarecedora:
72
CORREA, Floriano Peixoto. Grandezas e misérias do nosso futebol. Rio de Janeiro, Flores e
Manos Editores, 1933. 73
“Autopsia” In A Gazeta. 4 de Fevereiro de 1933. 74
“Teoria inaplicável há 18 anos” In A Gazeta. 01 de Fevereiro de 1933. 75
PEREIRA, Leonardo. Footballmania Uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902 –
1938. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2000. P. 325 – 327.
72
“estes adotam sistemas de cultura física e de trabalho com a bola que servem para
preparar, de modo completo, os jogadores, sem os antiquados e contraproducentes
jogos treinos, bi ou tri semanais. Competência, tirocínio dos instrutores e disciplina
dos jogadores que a isso são obrigados pelos compromissos que assumem com os
clubes, fazem com que completa seja a preparação do ‘onze’. (...) Onde não impera
o anarquizado falso amadorismo.” 76
Seria em função do profissionalismo, ou seja, do “compromisso que
assumem com os clubes”, que os jogadores conseguiam se preparar plenamente
para as partidas, e não apenas treinando duas ou três vezes na semana. Por esta
razão, seria possível realizar mais treinamentos físicos formando jogadores com
maior capacidade física, e, por outro lado, mais disciplinados, em contraponto
com uma suposta anarquia presente no “falso amadorismo”.
O êxodo de jogadores paulistas e cariocas para times da Argentina, Uruguai
e Itália também foi um dos motivos tratados mais a fundo nas páginas de “Todos
os esportes”. Este processo, iniciado já em meados do final da década de 1920, se
acentuou a partir da década de 1930 – levando de São Paulo principalmente
jogadores descendentes de italianos, os chamados oriundis. Comentando uma
possível saída de uma única vez de vinte e quatro jogadores do futebol paulista
para os times da região do Prata e do Rio de Janeiro, uma nota com o título “Será
possível!?” culpava o regime amador por estas saídas, já que o profissionalismo
“tudo pode”. E ao final, em tom de crítica e questionamento, lamentava: “Não
haverá um ... santo que ajude o futebol paulista?!” 77
Por fim, após esta forte
campanha nas páginas do jornal, em 13 de Fevereiro é publicado na coluna
“Últimas”, em tom de conquista, que oficialmente estava em voga o regime
profissional em São Paulo. 78
Outra temática importante que ganhou forte ênfase na folha durante o
período pesquisado foi a questão disciplinar nos estádios de futebol. Mesmo sob o
investimento de matérias que atribuíam emoção e atenção para os grandes
confrontos esportivos, o jornal não deixava de enfatizar e tentar afirmar certo tipo
de comportamento por parte dos torcedores. Mazzoni continuava, assim, a
desenvolver na folha uma vertente pedagógica já presente no período de comando
76
A Gazeta. 12 de Janeiro de 1933. 77
A Gazeta. 16 de Janeiro de 1933. 78
A Gazeta. 13 de Fevereiro de 1933.
73
de Leopoldo Santanna. 79
Neste sentido, cercado de expectativas, o primeiro
campeonato profissional do futebol paulista aconteceu em 1933, logo no jogo de
abertura, o confronto entre Palestra e Corinthians chamou atenção dos amantes do
futebol. Em meio à matéria escrita sobre a partida, Thomaz Mazzoni construía
como parte da importância para o jogo o comportamento dos jogadores durante a
partida, seria também de responsabilidade deles o bom andamento do jogo e de
uma maneira geral do profissionalismo, demonstrando que a partir deste tipo de
regime as cenas de indisciplina iriam diminuir. 80
Porém, seriam mesmo as torcidas o alvo privilegiado dos comentários que
visavam fomentar a disciplina e o bom comportamento dentro do ambiente
futebolístico. Em “As torcidas tricolor e palestra”, crônica publicada na coluna
“Olimpicus”, Thomaz Mazzoni além da questão da disciplina, também tentava
construir um discurso que doutrinasse a própria forma de torcer e agir dos
torcedores. Comentava, no texto, a atuação da torcida do São Paulo no jogo entre
a equipe carioca do Vasco da Gama e os paulistas do Palestra Itália. O jornalista
se mostrava curioso com o fato da torcida tricolor se posicionar contra outro time
paulista e a favor dos cariocas, em relação a este fato, demonstrava que em sua
filosofia esportiva, antes das rivalidades clubísticas locais, deveria estar o
sentimento de pertencimento ao estado/cidade de São Paulo. Por esta razão, seria
em tom de crítica que comentava a forma de torcer da torcida tricolor. 81
As diretrizes disciplinares de “Todos os esportes” ficariam ainda mais claras
no comentário publicado na coluna “Últimas” do dia 13 de Maio de 1933, véspera
da partida entre São Paulo e Palestra. Em “Ordem acima de tudo!”, começa
comentando através de uma narrativa heroica que o embate “projeta para todos os
lados da Paulicéia os raios luminosos de um valor de titãs”, seria esse confronto
“um programa predestinado ás maiores realizações do nosso association”. Por esta
razão, os torcedores dariam tamanha atenção ao jogo:
“A onda humana vai arrastada pela magia das performances.
O ‘torcedor’ vibra e palpita. Os ares ficam impregnados de gritos aflitivos na
eminência da queda de uma das cidadelas.
79
Esta questão será discutida mais a fundo no Capítulo II. 80
A Gazeta. 06 de Maio de 1933. 81
A Gazeta. 11 de Maio de 1933.
74
O espetáculo é na verdade grandioso.
Para seu brilho completo urge, no entanto, que a disciplina não seja quebrada.
Que todos saibam dividir aplausos, mantendo fora ou dentro de campo uma linha
elegante de bom tom e de moral.
(...) O resultado seja qual for. Pró ou contra. É preciso antes de mais nada, a vitória
da cordialidade.
Juiz?
Tomei-o íntegro, credenciado como príncipe. De sua imparcialidade, espírito
superior, competência ninguém pode duvidar: É Virgílio Fredrighi.
Da educação dos torcedores depende, em grande parte, o brilho total do grande
espetáculo futebolístico de amanhã na chácara lendária da Floresta.
A situação do futebol de São Paulo – repetimos – mais uma vez – não permite
excessos ou demonstrações perigosas, sempre funestas ao progresso e prestígio dos
nossos foros de centro esportivo civilizado. Necessitamos, pois, de paz e
harmonia.” 82
Sob um discurso que novamente exaltava o confronto/rivalidade e a
importância da partida, Thomaz Mazzoni afirmava também a primazia da questão
disciplinar, fosse dentro ou fora de campo. Salutar para o brilho real da partida, a
disciplina balizaria a moral que se enquadraria o futebol paulista, demonstrando
assim o real grau de civilidade e cordialidade do esporte paulistano de uma
maneira geral. Ao mesmo tempo em que esta ênfase na disciplina transparecia a
vontade do cronista de proporcionar ao torcedor um espetáculo em paz, também
acompanhava uma forma de pensar e construir a sociedade fortemente atrelada a
questão da disciplina e da moral, termos usados diretamente no texto transcrito.
Seriam estes dois conceitos, principalmente, atrelados ao pensamento nacional
autoritário brasileiro que em meados da década de 1930, começava a ganhar
espaço tanto entre meios intelectuais, como também em parte da imprensa
esportiva.
Em especial, este tipo de comentário marcou boa parte da cobertura
futebolística do caderno esportivo d’ A Gazeta ao longo do período pesquisado.
Sempre que algum tipo de medida era tomado em relação a punições e
repreensões, a folha fazia elogios aos responsáveis. Em certa ocasião, o redator
chefe em sua coluna “Olimpicus” chegou a denominar este tipo de ação de
“campanha saneadora”, isto é, as punições estariam saneando o esporte brasileiro
82
“Ordem acima de tudo!” In A Gazeta. 13 de Maio de 1933.
75
através da expulsão de membros que não se adequassem a um tipo de
comportamento. 83
Em seus textos, era comum aparecer palavras como harmonia,
ordem e disciplina, além do respeito à hierarquia, conceitos largamente em voga
no vocabulário político ideológico de intelectuais em meados dos anos 1930.84
Entusiasta de ideias como estas, Mazzoni fazia da imprensa esportiva um meio
privilegiado de diálogo com seu público sobre elas – assumindo, com isso, um
lugar especial no processo de comunicação entre grupos diversos no período.
Estes conceitos, além de aplicados na questão do andamento das partidas em
si, também foram usados em relação à organização e administração das entidades
esportivas brasileiras. Os anos de 1934, 1935 e 1936 foram fortemente
conturbados dentro do campo esportivo. Mesmo com a adoção do
profissionalismo, alguns defensores do regime amador continuavam a defendê-lo,
provocando dissensões que levaram à divisão do futebol brasileiro em duas
entidades: a Confederação Brasileira de Desportos(CBD), representante oficial do
Brasil junto a FIFA; e a Federação Brasileira de Futebol (FBF), responsável pela
organização do futebol profissional.85
Neste contexto, Thomaz Mazzoni e o
caderno “Todos os esportes” voltavam a se posicionar, tecendo críticas e
proposições para resolver esta questão.
No debate, a folha sob a assinatura de Thomaz Mazzoni tomou partido da
FBF contra a CBD, que foi acusado de não tentar chegar a uma harmonia e paz no
campo esportivo, agindo com base em ameaças contra a FBF. 86
Também foi
acusada de ter agido de má fé, quando assinou um acordo de paz, mas logo depois
se recusou em aceita-lo “devido a ação de meia dúzia de políticos”. Em meio esta
discussão sobre os acordos de paz, prosseguia o texto afirmando que “todos
querem salvar a pátria, mas poderão perdê-la ainda mais”, e como reflexo dessa
situação se construiu um quadro temeroso na opinião do jornalista porque:
83
“Campanha saneadora” In A Gazeta. 3 de Novembro de 1934. 84
Ver BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade:
Oliveira Vianna entre os interpretes do Brasil. São Paulo, Ed. Unesp, 2007.
85 Para saber mais sobre as contendas dentro do campo esportivo e os indivíduos que a
compunham Ver. SOUZA, Denaldo Alchorne. “O Estado em ação (I): Conflitos no campo
esportivo” In O Brasil entra em campo! Construções e reconstruções da identidade nacional
(1930 – 1947). São Paulo, Ed. Annablume, 2008. 86
“As ameaças com que a CBD procura a paz” In A Gazeta. 26 de Outubro de 1933.
76
“O aspecto da questão tornou-se muito mais grave do que a princípio, quando era
apenas futebolística. Aos poucos, a cisão se estendeu para outras modalidades.
Dividiram-se as entidades regionais, fundaram-se federações nacionais, crescendo
cada vez mais a ideia da especialização dos esportes, afim de se dar uma profunda
transformação na organização e direção esportivas do país.
O movimento está muito adiantado, os que sustentam julgam que estão próximos
de alcançar os seus objetivos. Do outro lado, ou melhor, os cebedenses, estão
agarrados firmemente a sua arcaica organização. Não admitem especialização
alguma. A transigência da corrente oposicionista seria desfazer desastrosamente
tudo quanto foi feito no terreno renovador.
(...) A pacificação não deve interessar só a parte futebolística. É um assunto muito
mais sério, porque a questão abrange todos os outros esportes. Estes já começaram
a se emancipar, e agora não é mais possível voltar a atrás. Seria como destruir um
edifício novo, quando já esta quase construído solidamente. Há, ainda certos meios
que não querem submeter a ideia renovadora. Mas, estes meios já estão em
inferioridade, e não poderão deixar de aderir, dias mais, dias menos.” 87
Contextualizando a questão, Thomaz Mazzoni afirmava que a discussão que
de início cercava apenas o futebol tomou conta de federações de outros esportes.
Estaria em curso um movimento transformador da realidade esportiva brasileira, e
que, em meados de 1934, segundo o cronista, já estava em estado adiantado. No
entanto, “os cebedenses”, partidários da CBD, não estariam de acordo com tais
mudanças, e por esta razão “estão agarrados firmemente à sua arcaica
organização”. Segundo o cronista, no entanto, “dia mais, dia menos” eles teriam
estes que se curvar a nova realidade. Ao criticar o modelo proposto pela CBD,
novamente se posicionava em relação à situação esportiva brasileira, e sempre
calcada na questão da disciplina e moral que deveriam seguir este tipo de
proposta. Ao entender que as atitudes deste grupo não estariam interessados em
desenvolver e modernizar o esporte nacional, se posicionava contra esta grupo.
Dessa forma, o jornalista qualificaria a CBD como uma antagonista da
suposta renovação esportiva em curso. Ela representava, a seus olhos, o passado
esportivo, o que deveria ser deixado de lado, e por isso estava atrapalhando a
renovação e evolução do esporte nacional. Portanto, o jornalista tomava posição
clara contra o posicionamento da CBD em prol dos partidários da FBF, ou mais
exatamente, os favoráveis a “especialização do esporte”.
Thomaz Mazzoni também tecia críticas à própria atuação da imprensa
esportiva de forma pontual nas páginas de “Todos os esportes”. Estas críticas
87
“Todos querem salvar a pátria...” In A Gazeta. 23 de Novembro de 1934.
77
estariam principalmente focadas em duas questões centrais: o fomento
irresponsável de rivalidades e animosidades entre as equipes e a forma de produzir
as matérias jornalísticas, que eram muitas vezes geradoras do primeiro problema.
Seriam estas duas questões que permeavam as críticas feitas a imprensa esportiva,
principalmente, no espaço da coluna “Olimpicus”. Mais do que cadernos
esportivos paulistas, isto é, os concorrentes diretos d’A Gazeta, estas opiniões de
Thomaz Mazzoni eram endereçadas em grande parte a imprensa carioca. Porém,
do contrário de anos anteriores, comentários de cunho desrespeitoso, pejorativo e
carregados de sentimento bairrista em relação aos cariocas, não eram presentes
nesses textos. 88
Uma das ocasiões onde mais ocorreriam críticas contra a imprensa esportiva
carioca era no contexto dos confrontos envolvendo a seleção paulista e a da
capital federal. Em 1934, na crônica “Alimentando perniciosamente a rivalidade”
Thomaz Mazzoni criticou que após a derrota dos cariocas na partida em São
Paulo, este episódio teria sido “explorado na Capital Federal, perniciosamente por
assim dizer”. O fato principal de crítica dos cariocas em relação ao jogo, e, em
contrapartida, contra argumentado pelo cronista, foi a questão do regulamento do
torneio.
“Certos jornais e esportistas do Rio comentaram o regulamento como se ele sido
feito em campo somente para favorecer os paulistas, antes da prorrogação. Até os
diretores da LCF tiveram uma atitude bastante estranha, fazendo anunciar,
espalhafatosamente, (...) que o seu quadro jogará sob protesto. Não pode haver
maior absurdo. Então os dirigentes da LCF, alguns dos quais são também membros
da FBF desconhecem a regulamentação?”89
Dessa forma, além de criticar a imprensa, o autor comentava sobre a atuação
também dos dirigentes, que ajudavam a alimentar as afirmações “perniciosas” da
imprensa e de alguns esportistas cariocas. Tal atitude era “culpa de certos espíritos
apaixonados, maus esportistas, que querem que o futebol paulista X carioca viva
como no passado, num ambiente alimentado capciosamente pela paixão bairrista”.
Porém, faz questão de afirmar que este tipo de atitude, não era de toda a imprensa,
88
O próprio Thomaz Mazzoni fazia questão de afirmar em certa oportunidade que: “ninguém mais
do que nós tem cultivado esta cavalheiresca qualidade, mas para o próprio bem do association
interestadual, dentro de todos os princípios esportivos e da ética jornalística, e não para provocar
desavenças. (...) Abolimos na ‘Gazeta’, totalmente, toda e qualquer polêmica estéril com o cunho
de campanalismo polêmica que era outrora uma chaga permanente no futebol interestadual”. A
Gazeta. 06 de Maio de 1934. 89
“Alimentando perniciosamente a rivalidade” In A Gazeta. 06 de Maio de 1934.
78
segundo o cronista, a missão de pacificar o futebol brasileiro “tem sido nossa
missão, aliás, como de quase totalidade da imprensa paulista e de parte da
imprensa carioca”. Todavia, ainda haviam publicações que não estariam,
supostamente, de acordo com esta missão. Este tipo de ação, segundo Mazzoni,
era construída principalmente através de algumas entrevistas “com muita fantasia,
levando a sério declarações de despeitados e não dando importância a opiniões
serenas, inequívocas e autorizadas”. Diante desses fatos, o jornalista se mostrava
pouco esperançoso com uma recepção amigável e “cavalheiresca” da torcida
carioca com o time paulista, criando um clima hostil frente a adversário, que,
mesmo sendo rivais, não deveriam “cultivar a animosidade”. 90
E não foram
poucas vezes que a equipe paulista foi mal recebida no Rio de Janeiro, e quando
isso ocorria, o cronista não deixava de enfatizar de quem era a culpa por tal fato:
“Poucos minutos depois, os jogadores de S. Paulo entram em campo sob ...
monstruosa vaia! Impressionante! Efeito das notícias adulteradas acerca do jogo de
S. Paulo, publicadas, levianamente, em alguns jornais, onde escrevem certos
discípulos dos ... perigosos, de triste memoria”. 91
Também o comportamento da imprensa depois do resultado final da partida
mereceu críticas de Thomaz Mazzoni. Na crônica “O prélio final ainda na ordem
do dia” o autor constrói uma teoria sobre a influência da própria imprensa carioca
sobre a derrota desta seleção. Após a derrota, segundo o cronista, como era de se
esperar, choveram críticas ao time, à preparação, aos jogadores entre outros
fatores. Mas, para o jornalista, um dos grandes males foi o clima de exacerbação
de “teorias em cima do jogo”, e, principalmente, as diversas entrevistas
concedidas por jogadores e dirigentes que acabaram criando um clima de euforia
na cidade, na torcida, e também nos jogadores. 92
Novamente, seriam as
entrevistas e a forma, supostamente, perniciosa e irresponsável que elas eram
conduzidas que estariam no centro das críticas do cronista. Segundo Marcelino da
Silva, seria este tipo de recurso jornalístico uma marca de Mário Filho nas páginas
do caderno esportivo d’O Globo, com elas viabilizava a conformação de um
conteúdo mais subjetivo e emotivo, abrindo caminho para a identificação do
público leitor. Estas costumavam acontecer como forma de captação de
informação, o envio de repórteres depois dos treinos, até nas casas dos jogadores,
90
Ibidem. 91
A Gazeta.19 de Novembro de 1934. 92
“O prélio final ainda na ordem do dia” In A Gazeta. 12 de Maio de 1934.
79
e nos vestiários logo após as partidas. Tais procedimentos conseguiam captar
opiniões no estante da notícia, e, por vezes, no calor do momento, produzindo
opiniões e afirmações polêmicas, 93
consequências muito criticadas por Thomaz
Mazzoni. 94
Podemos crer que, para Thomaz Mazzoni, este tipo de forma de produzir a
notícia jornalística não era tido como “dentro de todos os princípios esportivos e
da ética jornalística”. 95
Isto não porque A Gazeta não produzisse entrevistas, pois
como vimos, o recurso foi largamente usado no período de comando de Leopoldo
Santanna, e depois pelo próprio Thomaz Mazzoni. A forma pela qual eram
abordadas as entrevistas de ambas as folhas eram, no entanto, diferenciadas. Se
n`O Globo elas eram subjetivas e carregas de tom emotivo, em “Todos os
esportes” também apareciam em tom subjetivo e, coloquial, mas eram marcadas
pela moderação e pela afirmação de certa moral esportiva - que não permitiria,
por exemplo, a provocação contra adversários ou contentamentos em relação a
arbitragem – fato visto como indisciplina. Por esta razão, não seriam poucas as
oportunidades em que o caderno esportivo carioca foi criticado pelo jornalista
italiano, sendo o seu posicionamento acusado de irresponsável e alimentador de
rivalidades, como observamos na matéria transcrita anteriormente. Meses depois,
no confronto interestadual do fim do ano de 1934, novamente seria as entrevistas
as culpadas pelos incidentes e pelo “ambiente hostil” envolvendo a final de Rio de
Janeiro e São Paulo. Segundo relatos de Mazzoni, mesmo no Rio de Janeiro “nos
meios mais autorizados houve certa indignação contra as explorações feitas
através de tais entrevistas em série concedidas, como de costume, levianamente, e
ainda mais muito exageradas por aqueles que gostam de oferecer sensações aos
leitores”. 96
Construía, portanto, uma dicotomia entre os “meios mais
autorizados”, isto é, supostamente os que mais entendiam do assunto, ou que
teriam mais autoridade e razão de comentar sobre o esporte, e o uso de entrevistas
de forma exagerada que produziam “sensações aos leitores” – podemos entender
93
Ver Das páginas policiais para as esportivas In Mil e uma noites de futebol: o Brasil moderno de
Mário Filho. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2008. 94
A Gazeta. 2 de Julho de 1935. 95
A Gazeta. 06 de Maio de 1934. 96
A Gazeta. 21 de Novembro de 1934.
80
que estas sensações eram a rivalidade e discórdia, que teriam “envenenado o
ambiente”. 97
Em matéria publicada no dia 08 de Setembro de 1934, que comentava a
fórmula de disputa do Campeonato Brasileiro, assim se referia A Gazeta aos
supostos comentários publicados no caderno esportivo d’O Globo sobre matérias
divulgadas no periódico paulista: “Os nossos colegas do O Globo, em sua edição
de sexta feira, fizeram reparos aos nossos comentários. Não nos citaram. Mas
como fomos nós que mais trataram do assunto, os reparos devem ser dirigidos a
nós, forçosamente.” Prosseguindo a matéria, afirma que “os colegas do O Globo
foram de uma infelicidade única”, pois haviam interpretado de forma errônea a
proposta de regulamento e disputa do torneio em questão. Também teriam os
cariocas, noticiado de forma errada uma referência sobre o jogo entre Espanha e
Itália, que tinha decidido a Copa do Mundo daquele ano. Os jornalistas cariocas,
por sinal, “não tocaram no ponto inicial da nossa crítica”, e por causa disso, o
redator esportivo publica uma pergunta endereçada diretamente ao periódico
carioca: “Admite o ilustre confrade a disputa de um campeonato sem ser apurado
o campeão?” 98
Infelizmente, não consegui encontrar a resposta para tal
questionamento. 99
No ano seguinte, identifiquei nova polêmica envolvendo A Gazeta e O
Globo, mas o motivo teria sido a invenção por parte do período carioca em
relação a supostas críticas que o jogador paulista Feitiço teria feito em relação ao
carioca Fausto. Novamente, nesta oportunidade, o colunista termina o texto com
uma pergunta: “O nosso caro colega carioca não acha que devemos tratar de
assuntos mais sérios?”. 100
A pena de Thomaz Mazzoni também entrou em
polêmica contra outro jornal do Rio de Janeiro, o Correio da Manhã, ao comentar
uma matéria desta publicação sobre a mesma discussão. 101
E dias depois, de
forma generalizada, comentando uma entrevista – o que nos leva a crer ter
grandes chances de ter sido publicada em O Globo – que o dirigente Dr. Luiz de
Barros desmentiu que houvesse dado a um jornal carioca, afirmou que “tais
97
Ibidem. 98
A Gazeta. 08 de Setembro de 1934. 99
A Gazeta. 16 de Abril de 1935 e A Gazeta. 22 de Julho de 1935. 100
A Gazeta. 22 de Julho de 1935. 101
A Gazeta. 18 de Setembro de 1934
81
entrevistas que aparecem diariamente nos jornais do Rio que todos nós sabemos o
que são em sua maioria”. 102
Deste modo, podemos entender que além da questão da forma de produzir o
jornalismo esportivo, as escolhas editoriais d’ A Gazeta - como o modelo de
conduzir as entrevistas – também constituíam uma forma de inserção e
entendimento sobre o esporte brasileiro. Mais exatamente, enquanto caderno
esportivo de fortes posicionamentos em relação ao ambiente desportivo, Thomaz
Mazzoni e seus comandados em “Todos os esportes” entraram em discordância e
conflito de interesses com opiniões divergentes das suas, que nesse caso, em sua
maioria, jornais cariocas. Tal fato pode ser entendido como um embate para
exercer influência e poder sobre os rumos que o recente campo esportivo
profissional brasileiro iria seguir. Neste sentido, o conflito com dois dos jornais
mais populares da capital federal se mostrava por um lado discordâncias no
entendimento do que seria um jornalismo esportivo ético e construtivo para o
esporte nacional, mas também como uma luta por hegemonia e poder do mesmo.
Portanto, a disputa pela liderança e construção de uma nova forma de jornalismo
esportivo se resultaria nessas diversas discordâncias e polêmicas envolvendo A
Gazeta.
Ao longo do capítulo, pude analisar as formas como Thomaz Mazzoni
produziu o jornalismo esportivo em seus respectivos trabalhos. Se começava sua
carreira jornalística dentro do S. Paulo Sportivo, semanário que primava por uma
crônica esportiva mais subjetiva e envolvendo narrativas mais simples e lúdicas e,
assim, alcançando sucesso considerável na década de 1920, foi mesmo no
comando do caderno esportivo d’A Gazeta que o jornalista pode produzir de
forma acabada aquilo que considerava o seu modelo de jornalismo esportivo. A
diferença de “Todos os esportes” em relação aos outros cadernos esportivos
paulistas já era perceptível desde o comando de Leopoldo Santanna, todavia, foi
com a liderança de Thomaz Mazzoni que se empreendeu verdadeiras alterações na
natureza das notícias.
102
A Gazeta. 03 de Outubro de 1934. Vale ressaltar que no dia 24 de Outubro, o jornal cita o
periódico carioca Diário de Notícias como uma boa fonte de consulta.
82
Muitas dessas mudanças produziram uma forma diferenciada e, de certo
modo, inovadora para a imprensa esportiva da época. Tais afirmações também são
atribuídas por parte da historiografia do futebol 103
à atuação de Mário Filho, a
frente do O Globo, e anteriormente, em A Manhã, A Crítica – ambos de
propriedade de seu pai - e o jornal fundado pelo próprio, O Mundo Esportivo. De
forma diferenciada, ambos os jornalistas teriam atuado para transformar e
produzir uma crônica esportiva especializada, incrementando a cobertura e
voltada para um público mais popular e com menos rebuscamentos textuais. Por
esse motivo, muitos autores atribuem a Mário Filho uma suposta invenção do
jornalismo esportivo especializado, desconsiderando outros atores desse processo
como Thomaz Mazzoni e mesmo desconsiderando uma história anterior a ele,
caso do exemplo do S. Paulo Sportivo que produzia suas notícias no diálogo com
as aspirações de seu público.
Mesmo os autores que relativizam esta primazia do jornalista carioca
acabam, porém, por ver em sua produção uma novidade que desconsidera o
processo anterior de mudança da imprensa esportiva.104
No entanto, a partir da
análise da produção de outro sujeito desse processo, como Thomaz Mazzoni, fica
claro como este, assim como Mario Filho, construiu sua trajetória a partir de um
campo em transformação, no qual se forjava e consolidava por caminhos diversos
uma nova forma de produção do jornalismo esportivo. Portanto, ambos não
criaram ou inventaram o jornalismo esportivo, apenas deram continuidade ao
processo de busca crescente do público que já marcava a imprensa desde os anos
anteriores. Cada um ao seu modo introduziram novidades marcantes na cobertura
do esporte, mas em um processo que estavam longe de serem sujeitos únicos.
Dentro deste processo de construção de um campo jornalístico esportivo
especializado, se abriam diferentes possibilidades e perspectivas políticas. É
dentro deste contexto podemos entender as críticas e embates entre A Gazeta e
outros jornais cariocas. Na luta pela hegemonia dentro de um modelo de produzir
o jornalismo esportivo, Thomaz Mazzoni discordou de algumas estratégias
editoriais construídas por parte da imprensa carioca, em especial, Mário Filho.
103
Dois dos mais importantes trabalhos sobre este assunto são SILVA, Marcelino. Op. Cit. e
LOPES, José Sérgio Leite. “A vitória do futebol que incorporou a pelada” IN Revista da USP –
Dossiê Futebol Nº 22. Ed. USP, 2004. 104
SILVA, Marcelino. “Nos tempos do goal-keeper” In Mil e uma noites de futebol. Op. Cit.
83
Assim como Luiz Henrique Toledo afirmou, nesse embate na luta pela hegemonia
do discurso da imprensa, figuras como Mário Filho e Max Valentin surgiam
associadas a um tipo de jornalismo pouco sério, carnavalizado, que não investia
nos aspectos técnicos do jogo, mas somente no que havia de mais pitorescos,
polêmico e dramático que mais faziam suas crônicas se assemelharem a romances.
105 Já Thomaz Mazzoni, acreditava que este tipo de atuação poderia ser perigoso,
ou (como diversas vezes escreveu) pernicioso para o esporte brasileiro. Isto
porque, supostamente, alimentaria rivalidades entre os torcedores de forma
irresponsável. No entanto, é preciso identificar que A Gazeta, em diferentes
momentos, também produzia argumentações que incentivavam a rivalidade -
ainda que de forma menos sensacionalista e sempre enfatizando a questão da
segurança e dos excessos que deveriam ser evitados.
Dessa forma, o jornalismo produzido por Thomaz Mazzoni apresentava uma
noção muito mais formativa do público leitor. Boa parte destas divergências de
estilo podem ser entendidas através da forma que tanto Mazzoni quanto Mário
Filho entenderam seu público alvo, isto é, como cada jornalista viu a possibilidade
de agradar e satisfazer seus leitores. Isto não quer dizer que o jornalista
pernambucano e outros comandantes de folhas esportivas não tentassem produzir
um tipo de formação de seus leitores a partir de suas notícias, no entanto, este
aspecto ficava mais evidente em A Gazeta. Este fato nos trás a luz uma forma
pessoal de atuação e crenças políticas que o cronista italiano possuía, e seria
através desta crença, acompanhada de uma cobertura diária, envolvente e
subjetiva que produziu seu trabalho. Assim sendo, como observa Toledo, grande
parte do embate em torno da invenção da crônica esportiva reside nem tanto à
questão do espaço concedido à cobertura esportiva, mas ao estilo adotado. 106
Neste processo, escritores como Thomaz Mazzoni conseguiam através da
popularidade do esporte posição privilegiada no processo de comunicação entre
diferentes grupos. O jornalista conseguia estabelecer diálogo diário direto com o
seu público leitor, possibilitando-o defender suas posições e projetos específicos
por meio deste diálogo. Dessa forma, o cronista se transformava em importante
105
Conferir o capítulo II da obra onde o autor trata dos “especialistas”, isto é, os jornalistas.
TOLEDO, Luiz Henrique de. Lógicas no Futebol. São Paulo, Ed. FAPESP, 2002. 106
Ibidem.
84
agente social e formador de opinião dentro da cidade de São Paulo. Conseguia,
assim, que suas ideias chegassem há um grande número de pessoais, aspiração de
muitos intelectuais do período que tinham como objetivo produzir e formar uma
espécie de opinião pública, mas tiveram pouca efetividade através de seus livros e
artigos isolados em jornais. Por esta razão, analisar e compreender os diferentes
conceitos e ideias produzidos por Thomaz Mazzoni na década de 1930 nos ajuda a
encontrar a identidade e concepções produzidas sobre o esporte e o pensamento
social brasileiro naquele momento.