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ENDOMETRIOSE e ADENOMIOSE MANOEL DE ALMEIDA MOREIRA FRANCISCO DAS CHAGAS MEDEIROS INTRODUÇÃO A Endometriose é doença grave, comprometedora por sua ação ou por suas conseqüências. Pelo seu poder de infiltração e disseminação a distancia, a endometriose não raramente comporta-se como um “câncer”, evolui silenciosamente, dá implantes em qualquer local da pelve ou a distancia (extrapélvica), compromete a saúde, embora não mate. CONCEITO É o desenvolvimento e crescimento ectópico (fora do sítio original) do tecido endometrial (mucosa uterina). HISTOGÊNESE - FISIOPATOGENIA A origem da doença endometriótica é em grande parte desconhecida; especula-se muito que tal ou qual alteração genital teria dado início à doença. Muitas teorias foram lançadas, tentando definir como o mal se iniciara. É a doença das teorias. Se aceita que a Adenomiose, forma interna da doença resultaria da hiperplasia da camada basal do endométrio, que crescendo para dentro do miométrio, lá se instalaria e proliferaria; já a forma externa tem sua origem discutível em todos os fóruns científicos que abordam o tema. As teorias mais importantes são: 310

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Page 1: Captulo-15Endometriose

ENDOMETRIOSE e ADENOMIOSE

MANOEL DE ALMEIDA MOREIRA

FRANCISCO DAS CHAGAS MEDEIROS

INTRODUÇÃO

A Endometriose é doença grave, comprometedora por sua ação ou por suas conseqüências. Pelo seu poder de infiltração e disseminação a distancia, a endometriose não raramente comporta-se como um “câncer”, evolui silenciosamente, dá implantes em qualquer local da pelve ou a distancia (extrapélvica), compromete a saúde, embora não mate.

CONCEITO

É o desenvolvimento e crescimento ectópico (fora do sítio original) do tecido endometrial (mucosa uterina).

HISTOGÊNESE - FISIOPATOGENIA

A origem da doença endometriótica é em grande parte desconhecida; especula-se muito que tal ou qual alteração genital teria dado início à doença. Muitas teorias foram lançadas, tentando definir como o mal se iniciara. É a doença das teorias.

Se aceita que a Adenomiose, forma interna da doença resultaria da hiperplasia da camada basal do endométrio, que crescendo para dentro do miométrio, lá se instalaria e proliferaria; já a forma externa tem sua origem discutível em todos os fóruns científicos que abordam o tema.

As teorias mais importantes são:

• Teoria de Von Recklinghausen, ou dos restos embrionários dos canais de Wolff (1860).

• Teoria de Russel, ou dos restos embrionários dos canais de Müller (1888).

• Teoria de Robert Meyer e Iwanoff (1899), ou da metaplasia celomática. Nesta o endométrio, celomático também, e o celoma ou serosa peritoneal, teriam capacidade de se transformar, um e outro, reproduzindo estruturas müllerianas. Tal teoria não explicaria a presença da endometriose no útero, vagina, bexiga e outros tecidos.

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Progressãoe Invasão

DisseminaçãoLinfática e ou

Sanguínea

Ilhotaendometriótica

Fator Imunológico Fator genético Fator endócrino Fator mecânico

Metaplasia Implante

Progressãoe Invasão

DisseminaçãoLinfática e ou

Sanguínea

Progressãoe Invasão

DisseminaçãoLinfática e ou

Sanguínea

Ilhotaendometriótica

Ilhotaendometriótica

Fator Imunológico Fator genético Fator endócrino Fator mecânicoFator Imunológico Fator genético Fator endócrino Fator mecânico

Metaplasia ImplanteMetaplasia Implante

• Teoria de De Snoo, teoria dos genitoblastos, células totipotenciais que, durante a menacma, poderiam se transformar em endométrio.

• Teoria de Sampsom (1921), ou do enxerto peritoneal: baseia-se na hipótese do transporte retrógrado de células endometriais. Essa teoria explicaria a presença de endometriose nos pulmões, no útero, intestinos, reto e sigmóide, linfonodios, parede abdominal.

• Teoria de Halban ou teoria da propagação linfática, pouco provável e muito menos aceita.

As teorias mais aceitas são a da metaplasia celomática (R. Meyer), dos genitoblastos (De Snoo) e do enxerto peritoneal (Sampson), que é a mais adotada.

Fig. 1 - Esquematização da fisiopatologia da endometriose.

ETIOLOGIA E PATOGÊNESE

Múltiplos fatores concorrem para o surgimento da endometriose; situações clínicas complexas e multifacetadas que conferem à mesma comportamento neoplásico, embora não se trate de doença maligna; vejamos os fatores na figura 1.

A principal questão a ser respondida quando se estuda a patogênese da endometriose é que nem todas as mulheres que menstruam desenvolvem a doença. Aventa-se a possibilidade de uma predisposição genética, mas faltam estudos para confirmar. Associa-se a endometriose com fatores imunológicos, o que se confirma

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porquanto não se sabe se a doença é causa ou efeito de deficiência imunológica. Parece que mulheres com ciclos curtos, de 25 a 27 dias, e com sangramento exagerado e prolongado, por mais de oito dias, também apresentam mais endometriose. Outro fato constatável é que mulheres primigrávidas tardias (mais de 35 anos) têm mais endometriose que aquelas que engravidaram por volta dos 20 anos, embora se saiba que a gravidez não representa fator impeditório para a doença se instalar. Quando uma paciente portadora de endometriose é submetida à ooforectomia bilateral, os implantes ativos regridem rápida e definitivamente, sobretudo se logo sobrevier amenorréia secundária, cessando o estímulo tópico-peritoneal.

Em relação à etiologia e patogênese do implante endometriótico, sabemos que vários fatores concorrem para o seu estabelecimento; assim, hoje, para se prevenir a doença, seria necessário identificar mulheres potencialmente de risco. A relação entre infertilidade e endometriose é facilmente estabelecida na presença de aderências pélvicas, embora de difícil explicação na ausência de fator tuboperitoneal e esterilidade (40%).

A intensidade dos sintomas apresentados não tem relação direta com o volume dos implantes achocolatados, embora seja possível definir ligação entre a localização dos mesmos e as queixas da paciente.

O desencadear da sintomatologia também passa por especulações controversas, embora se aceite que a irritação peritoneal, a grande quantidade de macrófagos, prostaglandinas e citoquinas veiculadas em líquido exsudado e escuro, proveniente de vários sítios avermelhados ou mesmo “em queimadura de pólvora” (escuro), sejam a expressão clínica da doença.

Outro aspecto que merece consideração na endometriose pélvica é a presença ou ausência de receptores esteróides no tecido afetado (estrogênicos, androgênicos, progestagênicos).

Mathur e Colaboradores demonstraram que em pacientes portadoras de endometriose pélvica o título de anticorpos IgG e IgA para endométrio está presente no soro, muco cervical e secreções vaginais, sendo, neste caso, provável que a resposta desencadeada, auto-imune, seja própria do endométrio ectópico, que estaria destituído da proteção natural e imunológica conferida pelo tecido uterino (miométrio e peritônio).

Estudos de Drake e colaboradores demonstraram que pacientes com endometriose apresentam níveis elevados de tromboxano B2 e prostaglandinas, o que, segundo eles, interferiria no silêncio peritoneal, com hiperperistalse visceral e tubária. Ressalte-se que, de maneira controversa própria da endometriose, estudos de Rock, Halme e Colaboradores, não confirmaram esses dados.

Há conhecimento da existência de defeitos no mecanismo de absorção e destruição das células endometriais lançadas no peritônio durante a menstruação, por parte do sistema imunológico, sobretudo da função fagocitária dos macrófagos. Também já existem evidencias de que pacientes que desenvolveram endometriose apresentaram

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alteração enzimática ligada à produção de estrogênio, quadro ausente nas pacientes que não têm endometriose (NAVARRO, 2006).

Na ocorrência do refluxo transtubário de células endometriais aromatase positivas, os macrófagos produziriam citocinas inflamatórias, com inflamação inicial e fatores de crescimento celular e prostaglandinas, que favoreceriam a implantação, desenvolvimento e neovascularização dos implantes que se estabelecem após períodos menstruais, com despertar da atividade de aromatase, com ativação de Cox-2, inflamação e supressão da atividade fagocitária, abrindo-se caminho para a instalação da doença endometriótica (MAIA FILHO, 2005).

Estudos recentes mostraram que os focos de endometriose têm capacidade de produzir estradiol localmente, estando envolvida nesse processo a enzima aromatase p450, sendo que ela é expressa irregularmente no endométrio e nos focos de endometriose, ela que catalisa a transformação de androgênio em estrogênio. A ativação da aromatase dependeria da prostaglandina E2, que é produzida pela ação da ciclooxigenase 2 (Cox-2). Os estrogênios ativariam a Cox-2 aumentando, assim a reação inflamatória. Esta, por sua vez, ativaria as metaloproteinases, que são enzimas envolvidas na implantação das células endometriais na cavidade peritoneal (MAIA FILHO, 2006).

Por estes achados é que hoje a recomendação de longos períodos de amenorréia prevalece como parte do arsenal terapêutico que apresenta melhores e duradouros resultados. Tal expressão anômala de aromatase no endométrio tópico pode estar ligada ao aparecimento da endometriose, assim como a elevação das taxas de Cox-2 durante a fase lútea nas portadoras da doença, o que explicaria os elevados níveis de prostaglandinas, aumento da dismenorréia e do sangramento menstrual, presentes nesses casos (MAIA FILHO, 2005).

Taxas de fertilização in vitro são positivas até quatro vezes mais quando as pacientes foram submetidas a tratamento prévio com análogos e cirurgia laparoscópica para ressecção do cisto residual do endometrioma. A permanência de sintomatologia clínica residual após o tratamento da endometriose dependeria da presença concomitante de doenças associadas, tais como: miomas, pólipos endometriais e adenomiose (NAVARRO, 2006).

INCIDÊNCIA EPIDEMIOLÓGICA

De uma maneira geral a prevalência da endometriose entre as ginecopatias gira em torno de 20 a 30%. Utilizando-se dados laparoscópicos, as taxas ficam entre 15 e 25%, enquanto que as necropsias revelam índices de 15%.

A incidência segundo a localização revela os números:

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Útero - 60% Trompas - 22% Peritônio -18%

Ovários- 30% L. útero-sacro- 21% Prega Peri.-12%

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São freqüentes as associações da endometriose com miomas, cistos foliculares, retroversão uterina e hiperestrogenismo. A doença não aparece na gravidez nem antes da puberdade, nem mesmo após a menopausa. A mais freqüente forma de implantes endometriais é nos ovários e em 50% dos casos o comprometimento é bilateral. Outros sítios não tão freqüentes da endometriose: fundo de saco de Douglas, peritônio visceral e parietal, ligamentos, septo reto-vaginal, cólon, sigmóide e (raramente) colo do útero, vulva e vagina. Existem localizações extragenitais complexas: pleura, pulmão, bexiga, ureter, meninges, cérebro, pâncreas, fígado, cicatrizes cirúrgicas.

O fator etário que mais se relaciona com endometriose aponta faixa de 30 a 40 anos, com taxa de 30%. Em mulheres com dor pélvica crônica a taxa de endometriose gira em torno de 15 a 45 %. Entre as inférteis encontram-se taxas elevadas, em torno de 30 a 71%. Em pacientes laparotomizadas tem-se de 20 a 50%. Utilizando-se dados laparoscópicos, as taxas ficam entre 15 e 25%, enquanto que as necropsias revelam índices de 15%. Entretanto, o número de pacientes portadoras de endometriose, em graus variados, que permanecem assintomáticas é elevado (DONNEZ et al., 2003).

Esterilidade: 4,5 a 33% = média 15%

CLASSIFICAÇÃO

A endometriose pode ser classificada pela intensidade do seu comprometimento, pela sua localização, pelo tempo de instalação.

Classificação de Acosta e Colaboradores - (grau de intensidade) (1973).

• Leve - Lesões livres e dispersas no peritônio e fundo-de-saco com raros implantes ovarianos, sem endometrioma, algumas aderências sem comprometimento visceral profundo.

• Moderada - Envolve um ou ambos os ovários, já com endometrioma inicial. Aderências Peritubárias iniciais. Implantes superficiais em fundo-de-saco, com retração. Algumas aderências.

• Severa - Envolve profundamente (endometrioma) um ou ambos os ovários. Múltiplas aderências Peritubárias envolvendo os ovários simultaneamente, obstrução tubária uni ou bilateral. Obstrução do fundo-de-saco posterior, com aderências firmes e profundas. Significativo comprometimento intestinal e urinário.

Classificação de Kistner e Colaboradores - (grau de intensidade) (1958).

• Estágio I: Lesões pequenas, iniciais, viscerais ou peritoneais.

• Estágio II: Lesões de implante peritoneal e comprometimento ovariano.

• Estágio III: Processo aderencial tubo-ovariano.

• Estágio IV: Comprometimento de sigmóide, bexiga, íleo e apêndice, retrofixando o útero.

Classificação de Philippe-Huber

• Primária: útero e trompas

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• Secundária: ovários, ligamentos, vagina, colo.

• Extragenital: Bexiga, cicatriz, pulmão, intestino.

Classificação de Martins

• Interna ou Primária: Útero e trompas

• Externa ou Secundária: Intraperitoneal

Ovários, ligamentosPeritônio, septo vaginal

Extraperitoneal

Vagina, coloVulva Cicatrizes, pulmões,músculos, cérebro.

Por causa da falta de critérios mais rígidos a serem adotados pelos especialistas, a American Fertility Society (AFS) propôs a seguinte classificação, baseada na evolução natural da doença, prevendo-se o comprometimento uni ou bilateral dos anexos (Quadro 1).

DIAGNÓSTICO

Sintomatologia, História clínica.

Ausente em qualquer parâmetro clínico: > 30%.

Dismenorréia progressiva: cíclica, crônica.

Aumento do fluxo menstrual.

Dispareunia, sacralgia, tenesmo, diarréia cíclica, sangramento retal.

Disúria, dor hipogástrica, polaciúria, hematúria cíclica, cicatrizes sangrantes e doloridas na menstruação.

Síndrome de LUF (luteinização sem rotura folicular).

Esterilidade: 4,5 a 33% = média 15%. Achados Físicos

Retroversão uterina fixa

Empastamento anexial

Distensão abdominal Peri menstrual

Manchas achocolatadas Peri umbilicais, cicatriciais, cervicais, vaginais, vulvoperineais.

Massas anexiais indefinidas

Nódulos endurecidos em fundo-de-saco de Douglas

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QUADRO 1

Documentação de registro da topografia da endometriose

EXAMES SUBSIDIÁRIOS

* Hematologia e dosagens séricas

Leucocitose reacional, hemossedimentação elevada.

CA 125 (antígeno glicoprotéico de superfície epitelial) Elevada progressivamente nos três primeiros dias do ciclo, com valores superiores a 100 u/ml ou em valores progressivamente crescentes. Tal antígeno não é específico pois está aumentado também na miomatose, no câncer ovariano, na DIP e na adenomiose.

SAA (proteína sérica amilóide A) com níveis maiores que 50 microgramas por ml, ou crescentes.

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(Taxas crescentes de CA 125 e SAA apontam para comprometimento intestinal da doença endometriótica).

* Ecografia

Imagens variáveis, tumorais, císticas, mistas, aderências multiecogênicas com presença de debris, septos. Hoje se está empregando de rotina nas investigações a endoscopia retal ou ecocolonoscopia transretal.

* Videolaparoscopia

Visualização de imagens nodulares ativas ou inativas, escuras ou amareladas, sangrentas ou com derrame hemorrágico em fundo-de-saco e mesmo com processo multiaderencial entre o útero, anexos, intestino e peritônio (Fig. 2).

Endometriose adicional:

Tubas e ovários normais

Patologias associadas:

Tubas e ovários alterados

Fig. 2 - Imagem de endometrioma ovariano bilateral (mod. de Cohen, 1996, pag. 131)

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* Histopatologia

Confirma a presença de tecido endometrial, glandular.

* Tomografia COMPUTADORIZADA e Ressonância MAGNÉTICA

Exames caros, pouco práticos, só utilizados em situações complexas ou para diagnóstico diferencial, sobretudo na hipótese de haver comprometimento intestinal e/ ou massa tumoral indefinida.

TRATAMENTO

O tratamento de endometriose poderá ser clínico, cirúrgico, cirúrgico radical e clínico-cirúrgico dependendo dos achados. Muito freqüentemente se faz tratamento sintomático na suspeita e previamente ao diagnostico de certeza (empírico).

* Tratamento empírico

Como as mulheres queixam-se freqüentemente de dor pélvica, especialmente de dismenorréia, como diagnóstico diferencial de dor pélvica crônica é extensa e demorada a sua investigação, preconiza-se o tratamento empírico com DAINES (Drogas Anti-Inflamatórias não Esteroidais). Quando não há melhora indicam-se os contraceptivos orais combinados, muitos recomendam as de baixa dosagem (15 a 20 g de estradiol). Entretanto sabe-se que boa parcela das usuárias ainda ovula e nós preconizamos em nosso Serviço um contraceptivo de 30 g (anovulador), logicamente na dependência do biótipo e índice de massa corporal da paciente. Com essas doses irão quase certamente “anovular” e ter seus períodos menstruais diminuídos em quantidade de dias e fluxo. Não ocorrendo o esperado, o diagnostico cirúrgico está indicado: laparoscopia ou laparotomia (vide organograma de diagnóstico e conduta da endometriose).

* Tratamento Farmacológico

Os objetivos da terapia médica são aliviar a dor relacionada à doença residual pós-operatória e suprimir progressões. Acredita-se que a endometriose seja uma doença progressiva, dependente de estrogênio e, portanto, não é surpresa que possa começar a partir da estimulação estrogênica na puberdade, daí serem as pílulas contraceptivas combinadas os fármacos de primeira linha e que atuariam por mecanismos que incluem a supressão da produção dos hormônios ovarianos e indução da decidualização dos tecidos endometrióticos e endometriais. Além disso, são relativamente baratos e seguros como medicamentos para uso prolongado. Os esquemas são os mais variados possíveis podendo ser desde o uso cíclico mensal até uso contínuo com o efeito adverso principal ser o sangramento de deprivação e por diferentes durações de tratamento.

Danazol não é uma terapia médica recomendada, especialmente nesse grupo de pacientes devido a suas propriedades androgênicas que podem levar ao ganho de peso, hirsutismo, acne e acúmulo de gordura corporal central - desnecessários a uma complicação que afeta psicologicamente a adolescente.

Gestrinona, antiandrogênio sintético que atua inibindo as concentrações de receptores estrogênicos e a taxa de E2 e Progesterona plasmática

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Os agonistas do GnRH não são recomendados a adolescentes com menos de 16 anos de idade para evitar seus efeitos negativos sobre o metabolismo mineral ósseo. Da mesma forma o acetato de medroxiprogesterona de depósito. Mesmo com a terapia hormonal adicional (add back) ao GnRHa como método de prevenção dessa complicação do hipoestrogenismo sem a ativação de endometriose, recomenda-se que esse tipo terapêutico seja adiado para 3 ou 4 anos além dos 16 anos, até que a adolescente tenha atingido o seu crescimento e desenvolvimento e alcançado sua densidade mineral óssea máxima. Em mulheres de mais idade, recomenda-se o tratamento por no máximo seis meses, também devido aos efeitos anteriormente citados. Entre os análogos do GnRH, citamos Triptorelina, Goserelina (implante subcutâneo de 3,6mg/mês ou 10,8 a cada 9º dias); Leuprolide na dose de 7,5mg feita intramuscular ou subcutâneo; Nafarelina, spray nasal com dose de 200 a 400 microgramas

Muitas drogas estão sendo testadas para o tratamento de doenças estrógenos-dependentes como os inibidores da aromatase, moduladores seletivos dos receptores de estrogênio e de progesterona, além de drogas inibidoras das metaloproteinases e inibidoras da ciclooxigenase tipo 2 (ZUPI et al., 2004).

Outras apresentações da combinação estrógeno-progestacional seriam os “patches” cutâneos e anéis vaginais.

Outros agentes progestacionais incluem o acetato de noretindrona (15mg vo/dia), acetato de medroxiprogesterona (30 a 50mg vo/dia) e o depot já citado. Seus principais para-efeitos seriam ganho de peso, distensão abdominal, depressão e sangramento irregular (“spottings”). A via oral deve ser considerada antes do AMP de depósito no sentido de identificar sintomas colaterais ao seu uso e conduzido ou descontinuado. Em paciente de risco para perda de densidade mineral óssea (DMO) grande, a adição de baixas doses estrogênicas pode ser utilizada (veja janela terapêutica).

Janela Terapêutica baseada na concentração sérica de estrogênio.

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Tratamento laparoscópico

Endometriose é a doença mais comum em mulheres com dor pélvica crônica não responsiva ao tratamento médico, entretanto grandes partes das pacientes não apresentarão patologia obvia a ultra-sonografia e muitas vezes mesmo à laparoscopia. A prevalência de endometriose tem sido reportada entre 17 e 73% em pacientes com dor pélvica crônica. A importância do diagnóstico laparoscópico é que não havendo retardo no diagnóstico, os achados serão quase sempre de estádios iniciais (I e II) e o tratamento cirúrgico ablativo será o mais completo possível.

Prevenção

Aproximadamente um terço da população sobrevive além dos 85 anos, portanto, médicos que tratam mulheres com endometriose, quase sempre jovens e desejosas de engravidar, enfrentam o desafio de pensar, planejar e prover uma conduta à longo prazo no sentido de aliviar a dor associada a endometriose, preservar a fertilidade e prevenir os problemas de saúde relacionados a endometriose. Um dos principais problemas é a dor pélvica crônica recorrente devido a persistência da endometriose. Daí a importância do diagnóstico laparoscópico da endometriose o mais precoce possível que permita a excisão de lesões superficiais e profundas seguidas de prescrição de contraceptivos hormonais combinados preferencialmente. Os ginecologistas têm uma excelente oportunidade de educar suas clientes – mães sobre suas filhas adolescentes a trazerem precocemente suas filhas sintomáticas para avaliação ginecológica precoce e cuidados adicionais. Devemos ainda reconhecer que temos que nos educar no sentido da consciência da presença da endometriose cada vez mais freqüente entre adolescentes após a telarca.

TERAPIA COADJUVANTE (add-back): Associa-se E2 e Progesterona de forma contínua, idêntica à empregada na pós-menopausa, enquanto o tratamento principal instituído permanecer. Com isto melhora-se a tolerância aos efeitos colaterais do tratamento (Quadro 2).

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QUADRO 2.Terapêutica da endometriose

Grau Com Prole Definida Sem Prole Definida

LeveNenhumClínicoLaparoscópico

NenhumClínicoLaparoscópicoFIV

ModeradoClínicoLaparoscópicoCirurgia Radical

ClínicoLaparoscópicoFIV

SeveroLaparoscópicoCirúrgico RadicalT. Clínico Completo

LaparoscópicoCirúrgicoConservadoraClínicoComplementarCirúrgico RadicalFIV

Cirúrgico

Considere-se que o tratamento de endometriose tanto poderá ser Conservador como Radical. Em princípio leva-se em conta se a paciente já tem filhos, se deseja tê-los ainda, se a gravidade do caso permite outras opções.

Indicações Cirúrgicas: Objetivam o restabelecimento da anatomia da pélvis.

Em presença de quadros obstrutivos viscerais, ureterais, intestinais etc.

Nos casos de grandes massas tumorais multiaderenciais.

Nas associações com outras ginecopatias como miomas, cistos de ovário, abscessos.

Em cicatrizes cirúrgicas.

Na esterilidade, com quadros Peritubários, Periovarianos, Retrodesvios fixos, Aderências, etc.

Na constatação do insucesso do tratamento clínico instituído.

No tratamento cirúrgico é possível ser radical, removendo uma trompa ou um ovário, e poupando o contralateral com abordagem conservadora.

Nos casos dos cistos endometrióticos dos ovários é possível a abordagem que o resseca por completo, aquela que o esvazia (cistos pequenos) aspirando-se o líquido achocolatado contido no seu interior. Alguns apenas fazem a abertura ampla do cisto, cauterizando suas bordas. Em todos estes procedimentos pode-se adotar cirurgia

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laparoscópica ou a céu aberto, laparotômica, ambas são válidas, embora os melhores resultados sejam os obtidos pela laparoscopia (Fig. 3).

Os implantes peritoneais, viscerais e/ ou parietais deverão ser destruídos pelo cautério, vaporizados pelo laser ou ressecados cirurgicamente.

Fig. 3 – Imagem do cisto endometriótica drenando o conteúdo achocolatado

(modificado de Cohen, 1996, pag. 134).

Abordagem Mista (Tratamento Sanduíche)

Quando o quadro endometriótico abdominal é previsível como muito complicado, muitas vezes descoberto em abordagem laparoscópica diagnóstica, procede-se ao tratamento clínico por 6 meses, para então, realizar a videolaparoscopia cirúrgica, com ampla margem de bons resultados. Aqui, após a videolaparoscopia, continua-se com o tratamento clínico, mantendo-se a paciente em amenorréia (melhora os resultados) por mais 3 a 6 meses, para então, realizar nova avaliação laparoscópica, chamada Second Look.

A endometriose severa exige muitas vezes do cirurgião radicalidade extrema para obtenção da cura, sem abandonar a abordagem clínica concomitante. Freqüentemente praticam-se pan-histerectomias, anexectomias totais bilaterais, verdadeiros atos de esvaziamento pélvico, com ampla repercussão clínica, com o objetivo final de sarar.

Quando a endometriose é de moderada a severa e que recebe abordagem cirúrgica conservadora tipo ooforectomia ou ooforoplastia unilateral, a taxa de recidiva contralateral varia de 0 a 85%, com média de 7 a 10% (Walter et al. 1989, apud Copeland).

Em relação aos índices de gravidez após tratamento clínico, clínico-cirúrgico, clínico (sanduíche), cirúrgico-clínico, cirúrgico, a maioria dos autores os refere como de média a baixa incidência (50 a 33%).

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Por outro lado, em relação a dismenorréia e dor pélvica crônica há relatos de melhora progressiva na maioria dos trabalhos.

CAUSAS DE RECIDIVA

Várias são as causas do insucesso do tratamento da endometriose:

1- Tratamento hormonal insuficiente na dose, tipo estrutural e tempo de uso.

2- Retorno dos ciclos menstruais e conseqüente refluxo de material endometrial.

3- Emprego de anticoncepcionais cíclicos no tratamento.

4- Tratamento cirúrgico limitado, conservador em sua abordagem.

5- Persistência da permeabilidade tubária após os dois tipos de tratamento.

Protocolo de avaliação e tratamento da Dor Pélvica Crônica e da Endometriose

ADENOMIOSE323

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MANOEL DE ALMEIDA MOREIRA

CONCEITO

É doença parenquimal resultante da implantação de tecido endometrial ativo no interior das fibras miometriais.

HISTÓRICO

Descrita desde 1860 por Rokitansky, que supôs tratar-se de cisto-sarcoma adenóide.

Apenas em 1896 é que recebeu o nome de adenomiose, descrita por Cullen.

PATOGENIA

São descritas a presença de glândulas endometriais ativas, alongadas, embutidas, de permeio a fibras musculares hiperplasiadas, secundariamente.

Para muitos a origem proliferativa da adenomiose seria a mesma que, em sentido oposto (lado contrário), daria origem aos pólipos endometriais.

Chiari (1887) observou a proliferação anormal da musculatura uterina na área do corno tubário proximal, ao que denominou de Salpingite Ístmica Nodosa (forma de adenomiose).

ETIOLOGIA

Existem atualmente quatro teorias tentando explicar a origem da adenomiose:

– Hereditariedade

– Traumatismo endometrial profundo

– Hiperestrogenismo

– Transmissão viral

Entretanto, nenhuma delas, isoladamente, consegue explicar a origem da doença.

INCIDÊNCIA

Tem uma incidência extremamente variável, 5 a 60%, dependendo da suspeita clínica e da busca minuciosa da doença (estudos de revisão de arquivo).

QUADRO CLÍNICO

A adenomiose pode ser encontrada na presença de uma tríade sintomática:

• Sangramento uterino anormal

• Dismenorréia secundária

• Aumento uterino

Entretanto, 35% das pacientes afetadas são assintomáticas.

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DIAGNÓSTICO

• Queixa clínica

• Histerossalpingografia:

Divertículos endometriais, defeitos em colméia fazendo saliência no miométrio.

• Ultra-sonografia

Aumento uterino, foco de sonolucência miometrial irregular, leve irregularidade da silhueta uterina.

• Ressonância magnética

Apresenta imagens mais conclusivas em relação à parede uterina que permitem pensar na doença. Freqüentemente descobrem-se focos de adenomiose em concomitância com o achado de adenocarcinoma de endométrio.

TRATAMENTO

Cirúrgico

• Histerectomia em pacientes com prole definida e/ ou sendo a única opção viável, levando-se em conta o quadro clínico apresentado pela paciente.

Os quadros clínicos benignos poderão ser conduzidos sem radicalidade, sem única consideração; tentar terapêutica clínica conduzindo o caso como se fosse endometriose, usando a mesma medicação adotada até então.

Clínico

• Acetato de Leuprolida

7,5 a 22.5 mg: 9 meses a 1 ano

• Goserelina

3.6 mg: 9 meses a 1 ano

• Contraceptivo oral, tomado de forma contínua (levonorgestrel, clormadinona)

• Depo-Provera de 150 mg, também poderá ser usada durante algum tempo, até que se decida o tratamento definitivo a ser adotado.

BIBLIOGRAFIA

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ACOSTA, A. A; WARMAN, S. Endometriosis y esterilidad. Rio de Janeiro: Roussel Uclaf, 1987.

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