capÍtulo ii revisÃo da literatura 2.1 introduçãotulo... · em fomentar nos alunos a capacidade...
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REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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CAPÍTULO II
REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Introdução
Uma revisão da literatura cuidada é considerada como ponto de partida para a
investigação. Também permite conhecer, compreender, avaliar e sintetizar investigações
já realizadas, o que possibilita identificar novas abordagens, conhecer e avaliar métodos
de pesquisa e, ainda, ajudar a delimitar o problema da investigação (Cohen e Manion,
1990; Almeida e Freire, 1997).
Nesse sentido, procurámos fazer uma revisão da literatura que permitisse maior
familiarização com o tema em estudo. Por isso, pareceu-nos importante apresentar um
conjunto de aspectos que considerámos indissociáveis e convergentes com o tema do
presente trabalho, nomeadamente as CN e a FC.
Assim, este capítulo, para além da presente introdução (2.1), inclui os seguintes
pontos, no que se relaciona com as CN: a importância do ensino das CN no 1º CEB
(2.2), do currículo de CN do 1º CEB à FC de professores, segundo as perspectivas
actuais da investigação (2.3). No que se relaciona com a FC, os aspectos contemplados
incluem: a contextualização da FC (2.4), a FC em Portugal e sua evolução (2.5) e a
regulamentação da acreditação da FC (2.6).
2.2 Importância do ensino das Ciências da Natureza no 1º CEB
A inclusão das CN no currículo do 1º CEB, tem vindo, progressivamente, a ser
encarada como fundamental na educação das crianças desta faixa etária.
Harlen (1989), é da opinião de que as crianças, quer se lhes ensine ciências, quer
não, desenvolverão ideias acerca do mundo que as rodeia, logo nos primeiros anos das
suas vidas. A autora defende que a ciência proporciona oportunidades de modificar as
ideias das crianças e contribuir para as tornar cépticas em relação àquilo que consideram
verdade antes de testar. Nesta perspectiva, o ensino-aprendizagem das Ciências da
Natureza no 1º CEB poderá impedir que as observações casuais das crianças levem à
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apropriação de ideias não científicas que, mais tarde, seriam de modificação mais
difícil.
Na faixa etária correspondente ao 1º CEB as crianças são curiosas por natureza,
são tentadas a perguntar: o quê?, porquê?, quando? e como? O professor deve partilhar
com a criança esta curiosidade, este entusiasmo e juntos devem procurar respostas, sem
esquecer que “as crianças aprendem fazendo e aprendem pensando sobre o que fazem”
(Sá, 1994, p. 26).
O programa de Estudo do Meio, onde se incluem as CN, possibilita uma
abordagem pluridisciplinar. No entanto, para que isso aconteça é necessário que “a perspectiva tradicional – segundo a qual as ciências retiram tempo ao
desenvolvimento das competências consideradas básicas e prioritárias: ler, escrever e
contar – dê lugar à convicção de que as ciências constituem um contexto privilegiado de
aprendizagens significativas noutros domínios, nomeadamente na Língua [Portuguesa] e na
Matemática” (Harlen, 1983; Sá, 1996).
Assim, as actividades de ciências proporcionam interdisciplinaridade a nível da
Língua Portuguesa, visto que estimulam as crianças a falar, descrevendo e interpretando
o que observam; possibilitam-lhes adquirir vocabulário novo ao procurar descrever
situações novas, aprender a fazer registos escritos, etc e favorecem aprendizagens a
nível da Matemática, como, por exemplo, a interpretação e/ou construção de gráficos.
Pode-se afirmar que com as ciências a criança aprende a ler, a escrever e a contar, mas
desta forma encontra na ciência uma matéria rica, que lhe dá sentido e conteúdo.
No 1.º CEB as ciências devem ser ensinadas, de uma forma aberta, para o
mundo que rodeia a criança. É necessário partir do imediato, do visível, do próximo. As
crianças enriquecem os seus conhecimentos e compreendem melhor o mundo através
dos conhecimentos proporcionados pela exploração activa da realidade e da descoberta.
Esta forma de ensinar torna a escola um lugar agradável onde a criança obtém
prazer associado ao ensino, o que a irá preparar como futuro cidadão. Tal como Sá
(1994: 31) afirma: “as Ciências da Natureza podem ser um contributo para se fazer da
escola um lugar de prazer e satisfação pessoais, porque oferecem a possibilidade de as
crianças realizarem importantes objectivos educativos fazendo coisas de que realmente
gostam”.
Os professores devem adequar o desenvolvimento das actividades às
características e necessidades reais dos seus alunos. Acima de tudo, devem preocupar-se
em fomentar nos alunos a capacidade de aprender a aprender e não apenas em que
adquiram um conjunto de conhecimentos pré-elaborados, identificados com a cultura e
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ciência da nossa sociedade. Os alunos devem adquirir competências que lhes permitam
aprender por si mesmos novos conhecimentos, que lhes permitam adaptar-se às
mudanças culturais, tecnológicas e laborais do mundo em constante mudança.
Pozo et al. (1998) defendem a resolução de problemas como um dos caminhos
mais exequível para levar os alunos a aprender a aprender. Por este motivo, as situações
de aprendizagem devem privilegiar a investigação de problemas dando aos alunos a
oportunidade de manifestar o que pensam sobre as situações ou problemas escolhidos e
habilitá-los com as capacidades necessárias à sua resolução.
Nesta perspectiva, é necessário corporizar uma filosofia activa de aprendizagem,
assente no pressuposto de que esta é um processo de construção interactiva dirigido pelo
próprio aluno com supervisão do professor. Para isso torna-se fundamental proporcionar
aos alunos oportunidades de fazerem observações reais, experiências diversas,
formularem as suas hipóteses, compararem os resultados obtidos e debatê-los em grupo
para que tenham acesso a um pensamento mais lógico, a maior rigor e à aquisição de
um procedimento científico.
A actual revisão curricular procurou criar condições para a implementação do
ensino experimental, uma vez que reconhece a sua importância no que respeita ao
desenvolvimento de aprendizagens significativas. Favorece a integração das dimensões
teóricas e práticas, cria a Área de Projecto e aumenta a autonomia das escolas face à
gestão do currículo.
Também, as investigações a nível das metodologias de ensino-aprendizagem das
ciências nos últimos 20 anos mostram que quem começa cedo na aprendizagem
experimental-investigativa, ficará melhor preparado para os desafios da sociedade
actual, em constante mudança. É necessário formar indivíduos criativos, capazes de se
adaptarem às exigências da sociedade actual e o ensino das ciências pode responder a
estas expectativas, visto que: “A ciência, estrutura dinâmica em permanente evolução, constitui um instrumento
privilegiado de estimulação do espírito humano, importante para o cidadão comum,
enquanto parte integrante do seu desenvolvimento intelectual, em vista da compreensão do
mundo em que vivemos e da capacidade de resolver de forma crítica os problemas cada vez
mais complexos” Sá (1994: 20).
Considerando os objectivos gerais do programa do 1º CEB (DGEBS, 1990),
reconhecemos a possibilidade das CN contribuírem para a prossecução da maioria
deles, dado que, quer a partir da abordagem a nível de conteúdos quer da metodologia a
ela associada é possível o desenvolvimento de competências e atitudes científicas nos
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alunos desta faixa etária. Salientamos, no entanto, que as orientações metodológicas do
programa são escassas, não apresentam fundamentação nas perspectivas apresentadas
pela investigação em ciências, nem qualquer indicação de bibliografia que facilite e
promova a autoformação dos professores.
No sentido de colmatar essa lacuna, o programa tem vindo a ser objecto de
reflexão no âmbito da sua reformulação geral, tanto a nível do conteúdo como de
organização. Este processo de inovação teve início em 1996 com a “reflexão participada
sobre os currículos”, passou pela “gestão flexível do currículo” e foi consagrada na
reorganização curricular através do Decreto-Lei n.º6/2001.
Assim, após um trabalho de vários anos envolvendo um grande número de
professores, grupos de trabalho, documentos, reuniões, pareceres, o Departamento do
Ensino Básico (DEB) emanou o documento Currículo Nacional do Ensino Básico:
Competências Essenciais (DEB, 2001), em consonância com os princípios do referido
Decreto-Lei.
Este documento define para cada um dos ciclos o conjunto de competências
consideradas essenciais e estruturantes no âmbito do currículo nacional do ensino
básico. Nesta perspectiva, pretende-se a transformação gradual das orientações
curriculares dos programas por disciplina e ano de escolaridade, de tópicos a ensinar e
respectivas indicações metodológicas para competências a desenvolver e tipos de
experiências a proporcionar. É de realçar o aspecto positivo de se reconhecer tratar de
um processo sempre inacabado, pelo que está prevista a primeira revisão do referido
documento depois de um período inicial de vigência.
A definição de competências essenciais para o ensino básico, entendidas como
saber em acção ou em uso, coloca o enfoque do processo de ensino-aprendizagem na
apropriação pelo aluno de um conjunto de processos fundamentais que levem ao
desenvolvimento de capacidades de pensamento e de atitudes favoráveis à
aprendizagem, viabilizando a aquisição progressiva de conhecimentos e a sua utilização
em situações diversas. Nesta perspectiva, integra conhecimento, capacidades e atitudes,
pode associar-se ao desenvolvimento da autonomia em relação ao uso do saber e
aproxima-se do conceito de literacia.
Segundo o documento Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências
Essenciais (DEB, 2001), os alunos devem ser envolvidos em experiências de
aprendizagem, que envolvam: resolução de problemas (desafios sem respostas
imediatas e sem estratégias preestabelecidas), concepção e desenvolvimento de
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projectos, (cujos problemas se assumem como a diferença entre uma situação que existe
e uma outra situação desejada) e actividades investigativas, de forma a promover o
desenvolvimento de uma atitude científica nos alunos, considerando-se fundamental o
seu envolvimento na planificação e execução de experiências e pesquisas.
Assim, o conhecimento do Meio deve construir-se a partir da promoção de
experiências de aprendizagem, com origem nas inquietações de carácter pessoal ou
social, que potenciem situações e vivências variadas para os alunos, as quais, por sua
vez, irão potenciar aprendizagens diversas nos domínios cognitivo (aquisição de
conhecimentos, de métodos de estudo, de estratégias cognitivas...) e afectivo-social
(trabalho cooperativo, atitudes, hábitos...), resultando no desenvolvimento de
competências: de saber: conhecimentos cognitivos; de saber fazer: observações,
consulta de mapas, localização, interpretação de códigos, métodos de estudo...; e de
saber-ser: respeito pelo património, defesa do ambiente, manifestações de
solidariedade... (DEB, 2001).
Em suma, os alunos devem desenvolver capacidades instrumentais de
observação, análise e compreensão dos fenómenos, dos factos e das situações que os
afectam, que lhes permitam explicar e actuar criticamente sobre o Meio.
Como o currículo do ensino básico não é a adição de disciplinas, integra-se neste
a abordagem de temas transversais às diversas áreas disciplinares, claramente dentro do
âmbito das CN, como: • “educação para os direitos humanos;
• educação ambiental;
• educação para a saúde e bem estar:
- educação alimentar,
- educação sexual,
- educação para a prevenção de situações de risco pessoal (como prevenção rodoviária
ou do consumo de drogas);
• outros temas transversais cuja relevância seja identificada pela escola no início de um
dado momento do desenvolvimento dos projectos curriculares de escola ou de turma.”
(DEB, 2001: 10 e 11).
Partindo da descoberta do Meio, pretende-se o seu conhecimento (saber pensar e
actuar sobre ele), levando ao desenvolvimento de competências em três grandes
domínios (a localização no espaço e no tempo, o dinamismo da inter-relação entre o
natural e o social e o conhecimento do ambiente natural e social) relacionados entre si,
numa perspectiva integrada relativamente às três disciplinas incluídas na área de Estudo
do Meio: Geografia, História e Ciências Físicas e Naturais.
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Embora no domínio relativo à localização no espaço e no tempo, não se
vislumbre a integração de competências de CN, mas de Geografia, relativamente aos
restantes domínios, consideramos que neles estão incluídas, principalmente
competências a serem desenvolvidas no âmbito das CN. O mesmo se passa
relativamente às competências que os alunos devem adquirir no final do 1º ciclo.
De salientar que as sempre úteis sugestões de vivências de experiências de
aprendizagem a proporcionar aos alunos, que acompanham a definição de competências
específicas de cada tema organizador, se constituem como um importante auxiliar
metodológico. Também a bibliografia, apesar de reduzida, é um precioso auxiliar.
Em suma, ao contrário do que acontece com o programa do 1º CEB, a nosso ver,
o documento Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais (DEB,
2001), apresenta uma visão de currículo das CN no 1º CEB fundamentado na
investigação didáctica actual e consolida a importância curricular das CN neste nível de
ensino.
2.3 Do Currículo de CN do 1º CEB à FC de Professores
O currículo de CN no 1º CEB é analisado segundo dois documentos emanados
do DEB: Reforma Educativa: Ensino Básico – Programa do 1º Ciclo (DGEBS, 1990) e
Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais (DEB, 2001), no
sentido de fundamentar a necessidade de serem considerados temas no âmbito das CN
para a FC dos professores deste nível de ensino.
Embora, como defendido no Capítulo I, a FC no âmbito das CN deva partir das
necessidades reais dos professores e apesar da ambiguidade do termo “necessidade”,
resolvemos fundamentar a importância, actualidade e pertinência dos temas que
emanam do currículo do 1º CEB a partir das investigações realizadas nesse âmbito.
Também a partir da revisão da literatura realizada surge a necessidade de considerar
novos temas.
Para esse efeito, distinguimos dois campos de FC no âmbito das CN: o que se
refere à formação científica da especialidade em CN (2.3.1), ou seja o conhecimento
substantivo dos conceitos relacionados directamente com os temas curriculares do 1º
CEB e a formação em metodologia de ensino-aprendizagem das CN (2.3.2).
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2.3.1 A formação científica da especialidade em CN
O professor do 1º CEB deve ter em conta que o conhecimento científico está em
progressiva construção e reconstrução, sendo-lhe necessária uma constante actualização
(Carvalho, 2003).
Analisando os princípios orientadores do programa do 1º Ciclo no que se refere
ao EM, verificamos que as CN surgem como parte integrante da área disciplinar de EM,
para a qual também concorrem conceitos e métodos de outras disciplinas científicas
como a História, a Geografia, a Etnografia, entre outras, pretendendo-se “contribuir para
a compreensão progressiva das inter-relações entre a Natureza e a Sociedade” (DGEBS,
1990: 67).
Relativamente à estrutura, o programa está organizado em seis blocos de
conteúdos: à descoberta de si mesmo; à descoberta dos outros e das instituições; à
descoberta do ambiente natural; à descoberta das inter-relações entre espaços; à
descoberta dos materiais e objectos; à descoberta das inter-relações entre a natureza e a
sociedade. Os conteúdos dos blocos “à descoberta dos outros e das instituições” e “à
descoberta das inter-relações entre espaços” não dizem directamente respeito às CN
(Miguéns et al, 1996). Nos restantes quatro blocos podemos distinguir os conteúdos em
cada ano de escolaridade para os quais as CN contribuem mais significativamente com
conceitos e métodos. A partir destes, também poderemos inferir temas de formação para
os professores do 1º CEB (Quadro 2).
A análise do Quadro 2 permite verificar que, com excepção do bloco “à
descoberta das inter-relações entre a natureza e a sociedade” presente, apenas, nos 3º e
4º anos, os restantes blocos de conteúdos percorrem os quatro anos de escolaridade do
1º CEB.
Por outro lado, ressalta, em alguns casos, a falta de continuidade na abordagem
dos conteúdos nos diferentes anos de escolaridade. Este aspecto é notório, por exemplo,
relativamente à realização de experiências com a água e o som, presentes nos 1º e 4º
anos, excluindo a abordagem nos 2º e 3º anos de escolaridade.
Atendendo à distribuição dos conteúdos dos diferentes blocos, verifica-se que,
em cada bloco de conteúdos, o número de conteúdos focados em cada ano de
escolaridade não é equilibrado, como se verifica, por exemplo, no bloco “à descoberta
de si mesmo”, em que os conteúdos abordados são sete no 1º ano, cinco no 2º ano,
quatro no 3º ano e apenas dois no 4º ano.
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Quadro 2
Blocos de conteúdos directamente relacionados com as CN, por anos de escolaridade do
1º CEB e respectivos temas de formação para os professores Anos de Escolaridade Blocos de
Conteúdos Conteúdos 1º 2º 3º 4º Temas de formação
A sua identificação X Os seu gostos e preferências X A sua naturalidade e nacionalidade X
Educação para a sexualidade
- próximo X O (seu) passado - mais longínquo da criança X próximo X As suas perspectivas para o (um) futuro mais longínquo X
Elementos de Física
Educação para a sexualidade
O seu corpo X X X X
Fisiologia Animal e Educação para a
sexualidade A saúde do seu corpo X X X
À Descoberta de Si Mesmo
A segurança do seu corpo X X X X Educação para a
Saúde - do seu ambiente X X Os seres vivos - do ambiente próximo X
Fisiologia Animal e Fisiologia Vegetal
- do meio local X X X - do meio X Os aspectos físicos - de Portugal X
(Conhecer) aspectos físicos e seres vivos de outras regiões ou países* X
Elementos de Física, Elementos
de Química e Geologia
(Identificar) cores, sons e cheiros da Natureza X
Elementos de Física e Elementos
de Química
A Descoberta do Ambiente Natural
Os astros X X Elementos de Física e Geologia
- com alguns materiais e objectos de uso corrente: sal, açúcar, leite, madeira, barro, cortiça, areia, papel, cera, vidro (só no 2º ano) objectos variados
X X X
- com a água X X - com o som X X - com o ar X X - com a luz X - com imanes X - de mecânica X
Realizar experiências
- com a electricidade X - tesoura, martelo, sacho, máquina de escrever, gravador, lupa, agrafador, furador... X X X X
À Descoberta dos Materiais e Objectos
Manusear objectos em situações concretas
- serrote, máquina fotográfica, retroprojector, projector de dispositivos, bússola, microscópio... X X
Elementos de Física e Elementos
de Química
A agricultura do meio local** X A criação de gado no meio local** X A exploração florestal do meio local** X A actividade piscatória no meio local** X A exploração mineral do meio local** X A indústria do meio local** X O turismo no meio local** X As construções do meio local** X Investigar sobre as construções de outras regiões ou países* X Principais actividades produtivas nacionais X
À Descoberta das Inter-relações entre a Natureza e a Sociedade
A qualidade do ambiente X
Ecologia/Educação Ambiental
* Só deverá ser abordado se houver manifesto interesse por parte dos alunos; ** Só deverá ser abordado quando a realidade local o
justifique (se for significativo a nível local).
Considerando o currículo dos alunos do 1º CEB, foram identificados temas de
formação de professores no âmbito das CN cuja importância se justifica com alguns
exemplos de objectivos e conteúdos programáticos abordados nos diferentes anos de
escolaridade:
1. Educação para a sexualidade - conhecer nomes próprios, sexo (1º ano);
reconhecer modificações no seu corpo (1º e 2º anos); reconhecer alguns
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sentimentos (amor, amizade...) e suas manifestações (carinho, ternura,
zanga...), função reprodutora/sexual (3º ano).
2. Educação para a saúde - normas de higiene do corpo, alimentar (1º e 2º
anos); do vestuário, dos espaços de uso colectivo, cuidados a ter com a visão
e a audição, importância da vacinação para a saúde (2º ano); importância do
ar puro e do sol para a saúde, perigos do consumo de álcool, tabaco e outras
drogas (3º ano); regras de primeiros socorros (3º e 4º anos); cuidados a ter
com a exposição ao sol, regras de prevenção de incêndios, segurança anti-
sísmica (4º ano).
3. Fisiologia animal - criar animais, manifestações da vida animal (1º ano);
características externas de alguns animais... modo de vida desses animais (2º
ano); fenómenos relacionados com algumas das funções vitais (digestiva,
respiratória, circulatória, excretora, reprodutora/sexual) (3º ano); os ossos, os
músculos, a pele (4º ano).
4. Fisiologia vegetal – criar plantas, cuidados a ter com as plantas,
manifestações da vida vegetal (1º ano); plantas mais comuns existentes no
ambiente próximo, os diferentes ambientes onde vivem as plantas, partes
constitutivas das plantas (2º ano); classificação das plantas segundo alguns
critérios tais como: cor da flor, forma da folha, forma de reprodução das
plantas (3º ano).
5. Geologia –diferentes tipos de solos, suas características, rochas existentes no
meio próximo, suas características, utilidade das rochas, formas de relevo,
meios aquáticos existentes na região... distinguir estrelas de planetas (3º
ano); origem de lençóis de água, as nascentes e cursos de água; maiores rios,
maiores elevações, forma da Terra, aspectos da Lua nas diversas fases (4º
ano).
6. Elementos de física – realizar experiências com o som (1º e 4º anos), ar (2º e
4º anos), luz , imanes, mecânica (3º anos), electricidade (4º ano).
7. Elementos de química - efeitos da água nas substâncias (molhar, dissolver,
tornar moldável...) (1º ano); comparar e agrupar materiais segundo
propriedades simples: solubilidade, combustibilidade... (2º ano);
classificação dos materiais em sólidos, líquidos e gasosos segundo as suas
propriedades, mudanças de estado, efeitos da temperatura sobre a água
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(ebulição, evaporação, solidificação, fusão e condensação), a existência do
oxigénio no ar (combustões) (4º ano);
8. Ecologia/Educação ambiental – perigos para o homem e para o ambiente
resultantes da utilização de produtos químicos na agricultura, decorrentes da
exploração mineral..., normas de prevenção de incêndios florestais; a
importância e a necessidade dos espaços de lazer (3º ano); factores que
contribuem para a degradação do meio próximo, formas de promoção do
ambiente, importância das reservas e parques naturais para a preservação do
equilíbrio entre a Natureza e a Sociedade (4º ano).
Apesar de se constatar que o 1º e 2º anos não foram contemplados com
conteúdos de geologia e ecologia/educação ambiental, o 3º ano com temas de química e
o 4º ano com temas de educação para a sexualidade e fisiologia vegetal, a extensão dos
conteúdos de todos os temas enumerados realça a sua importância para as crianças deste
nível de ensino e evidencia a necessidade de o professor adquirir uma preparação
científica vasta nos respectivos campos do conhecimento científico, de forma a
permitir-lhe uma visão global, adaptada ao ensino no 1º CEB.
Salientamos particularmente a ecologia/educação ambiental, educação para a
saúde e educação para a sexualidade por veicularem todo um sistema de valores e
práticas sociais a que o processo educativo não é neutro, já que o professor também
deixa transparecer no processo de ensino-aprendizagem a sua própria representação do
mundo e o seu sistema de valores.
Debruçamo-nos em particular sobre a educação para a sexualidade porque, ao
contrário do que acontece com a educação ambiental e a educação para a saúde, tem
estado envolvida em polémica relativamente à sua inclusão, ou não, no currículo do
ensino básico. Desta forma, consideramos necessário destacar a importância e
pertinência deste tema no 1º CEB.
Embora a educação para a sexualidade seja entendida no processo global da
educação como uma das componentes da educação para a saúde, é destacada em virtude
da relevância que tem adquirido nos últimos anos na educação básica. Esta relevância
encontra justificação no facto de a escola constituir um espaço de grande permanência
temporal das crianças e adolescentes, o que implica um renovado papel da instituição
escola na socialização destes jovens.
A educação para a sexualidade torna-se cada vez mais necessária numa
sociedade em que a manipulação da vida humana tem um futuro incerto, a reprodução é
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um domínio com fortes implicações éticas e sociais, se verifica o aumento de doenças
de transmissão sexual (Teixeira, 2002) e grande polémica relativamente ao controlo da
sociedade sobre a sexualidade que considera desviante e que gera um turbilhão de
emoções e sensações que, como refere Louro (2000: 37), “move todos os indivíduos
independentemente da sua vontade”.
Quanto à sexualidade na faixa etária relativa ao 1º CEB, é importante referir que
a sociedade influencia e determina a identidade e papel de cada sexo, molda o
comportamento das crianças condicionando as condutas e comportamentos sexuais.
Cabe à escola, promover a interiorização de valores que se constituam como suporte
essencial para a cidadania. No entanto, a escola e os professores têm-se esquecido deste
tema remetendo-se para uma posição “educacionalmente descomprometida” (Teixeira,
2002).
Teixeira (2002), ao investigar as práticas lectivas dos professores do 1º CEB,
constata que estes revelam dificuldades na abordagem científico-didáctica da temática
da sexualidade, por falta de formação. Quando a tratam, fazem-no superficialmente, por
se tratar de um assunto delicado e manifestando receio da reacção dos pais, embora
admitam ser um assunto motivante para os alunos.
Relativamente a este tema, o ME, em colaboração com o Ministério da Saúde
(MS), emanaram o documento “Educação Sexual em Meio Escolar: linhas orientadoras”
(Marques e Prazeres, 2000), no qual se refere que o incremento da Educação Sexual na
escola passa pela formação dos diversos agentes educativos, entre os quais os
professores, no sentido de “serem capazes de agir de forma adequada e coerente face às
dúvidas e manifestações das crianças e jovens relativas à sua sexualidade” (Marques e
Prazeres, 2000: 26). Este documento defende a abordagem de temas da sexualidade
humana em contextos curriculares, extracurriculares e interdisciplinares, em que se
privilegia o espaço turma e as necessidades das crianças e jovens, assim como o apoio
às famílias, quer pelo envolvimento no processo de ensino-aprendizagem, quer pelo
envolvimento e dinamização em actividades de formação que lhes sejam dirigidas. Para
este efeito será necessária a criação de parcerias, nomeadamente com os serviços de
saúde.
Em conclusão, relativamente à formação científica de professores, destacamos
que deve contemplar: - “Formação pessoal na área da Educação Sexual, na qual sejam discutidas as atitudes e
valores face à sexualidade humana;
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- Formação técnico-científica sobre o desenvolvimento da sexualidade humana ao
longo da vida e as suas diferentes manifestações” (Marques e Prazeres, 2000: 42).
2.3.2 A formação pedagógica em CN
A emergência de um campo de conhecimento associado à metodologia de
ensino-aprendizagem das ciências, também designado de didáctica das ciências, conta
com uma longa tradição. Destaca-se o longo período de inovação (Ausubel, 1968;
Giordan, 1978, Gil Pérez, 1983; Hodson, 1985; Millar e Driver, 1987...), em que, apesar
dos limitados resultados de muitas das investigações que correspondiam apenas a
estudos pontuais e desprovidos de teoria (Klopfer, 1983), servindo quase só para
aplicações da psicologia da educação ou da psico-pedagogia (Coll, 1988) e/ou que
consideravam a didáctica como dimensão prática das ciências da educação (Pérez
Gómez, 1978), é considerado de importância fundamental para o desenvolvimento da
didáctica das ciências.
Klopfer (1983) constatou que a didáctica das ciências no mundo anglo-saxónico
no início dos anos 80, ainda se encontrava num período pré-pragmático, ou seja, pré-
teórico, com investigações pontuais, não integrando um corpo coerente de
conhecimentos.
Em Portugal não existiam revistas em português e as revistas internacionais
eram no essencial desconhecidas. As Faculdades de Ciências ignoravam os problemas
educativos como temas de investigação, os currículos dos professores não incluíam
nenhuma preparação e investigação educativas e não se conhecia nenhum grupo
organizado de investigadores – apenas alguns trabalhavam isoladamente, no
desenvolvimento dessa investigação (Cachapuz et al., 2001).
Durante a década de 80 esta situação mudou radicalmente, ao ponto de, no final
da referida década, Aliberas et al. (1989), com base em Toulmin (1977), concluírem ter
nascido uma nova disciplina, a Didáctica das ciências, e no princípio da década de 90
Hodson (1992), confirmar a existência de um corpo de conhecimentos que integravam
coerentemente os diferentes aspectos relativos ao ensino das ciências.
Durante a década de 80 surgem em Portugal várias revistas sobre didáctica das
ciências, promoveram-se diversos congressos, publicaram-se actas dos muitos encontros
havidos e os textos normativos, começam a ter uma orientação coerente com os
resultados das investigações na didáctica das ciências (Cachapuz et al., 2001).
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Também os programas de formação de professores sofrem transformações
contemplando o tratamento mais específico dos problemas do ensino-aprendizagem das
ciências (Furió e Gil Pérez, 1989; Bárrios et al., 1989; Thomaz, 1990).
Neste contexto, a investigação didáctica em ciências adquire relevância também
na FC dos professores do 1º CEB. No entanto, a transmissão das propostas feitas pelos
especialistas tem sido pouco eficaz e de resultados pobres a nível da melhoria da prática
dos professores (Briscoe, 1991; Bell, 1998). Por este motivo, tem crescido a defesa em
torno de perspectivas que articulem formação, investigação e inovação, implicando os
professores na construção de novos conhecimentos didácticos, a partir da investigação
dos problemas do ensino-aprendizagem das ciências (Cachapuz, 1995b).
Como Cachapuz et al. (2001) referem: “O Desenvolvimento da Didáctica das Ciências está estreitamente ligado à
possibilidade de enriquecimento da actividade docente, e a uma aprendizagem mais
estimulante e satisfatória.”
Contudo, o programa do 1º CEB, na área de EM, estabelece muito poucas
orientações no que respeita à contribuição da metodologia associada à abordagem das
CN no desenvolvimento de competências e atitudes científicas, lacuna em parte
suprimida pelo documento: “Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências
essenciais” (DEB, 2001).
O programa tem em conta que o pensamento da criança do nível etário do 1º
CEB está orientado para a aprendizagem concreta, e estabelece como orientação a
organização dos espaços em que deve incidir o conhecimento do Meio. Assim, é
sugerido iniciar-se o programa pelo conhecimento do meio local próximo (espaço
vivido) e, progressivamente, abranger-se os espaços geograficamente distantes, de
forma que o primeiro sirva de referência para o conhecimento de outros espaços
geograficamente distantes, mesmo que afectivamente próximos por chegarem aos
alunos por intermédio dos meios de comunicação social (DGEBS, 1990). Desta forma,
pretende-se a progressão educativa dos alunos, apontada em DEB (2001), que
apresentamos na Figura 1.
Esta progressão educativa dos alunos abarca todos os níveis do conhecimento
humano, cuja articulação e inter-relação constituem os eixos temáticos e pedagógicos e
até um recurso metodológico da área de EM e das CN aí integradas.
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Figura 1
Progressão educativa dos alunos Subjectivo, proveniente da experiência sensorial directa, da comprovação pessoal (experiencialmente vivido).
Objectivo, conceitos mais abstractos, conhecido através do testemunho, da informação e do ensino de outros. (socialmente partilhado).
Apreensão global do Meio (indiferenciado). Captação analítica dos diversos elementos do Meio (particular e específico).
Dos princípios orientadores da área de EM, destacamos, ainda, as situações de
aprendizagem sugeridas, respectivas consequências nos conhecimentos, capacidades e
atitudes dos alunos, com implicações no papel do professor.
As situações de aprendizagem privilegiadas são: contacto directo com o meio
envolvente; realização de pequenas investigações e experiências reais na escola e na
comunidade; aproveitamento da informação vinda dos meios mais longínquos;
confronto com os problemas concretos da sua comunidade e com a pluralidade de
opiniões nela existentes (DGEBS, 1990).
Relativamente aos conhecimentos, capacidades e atitudes a desenvolver,
pretende-se que as crianças se tornem observadores activos, com capacidade para
descobrir, investigar, experimentar e aprender; aprendam a organizar a informação e a
estruturá-la de forma a constituir-se em conhecimento; aprofundem o conhecimento da
Natureza e da Sociedade; aprendam e integrem progressivamente o significado dos
conceitos; adquiram a noção de responsabilidade perante o ambiente, a sociedade e a
cultura em que se inserem, compreendendo gradualmente o seu papel de agentes
dinâmicos nas transformações da realidade que os cerca (DGEBS, 1990).
Nesse sentido, é necessário um renovado papel do professor, concebido como:
orientador do processo de ensino-aprendizagem; fonte de informação, a par com a
comunidade, livros, meios de comunicação social e toda uma série de materiais e
documentos indispensáveis na sala de aula; facilitador da comunicação e partilha do
conhecimento, cabendo-lhe proporcionar as técnicas e os instrumentos necessários para
que os alunos construam o seu próprio conhecimento de forma sistematizada. Desta
forma, o professor deixa de desempenhar o papel de transmissor, passando a assumir o
de facilitador e organizador de ambientes ricos, estimulantes, diversificados e propícios
à vivência de experiências de aprendizagem integradoras, significativas, diversificadas e
globalizadoras. Reivindica-se para o aluno a construção do seu próprio conhecimento e
a gestão do processo de construção desse mesmo conhecimento. Nesse sentido, partindo
de temas ou questões geradoras, os alunos problematizam, investigam, ou seja, colocam
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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hipóteses, pesquisam, recolhem e tratam informação, analisam dados usando meios e
instrumentos adequados, encontram soluções que levam ou não à resposta adequada ao
problema (DGEBS, 1990).
Em suma, para o conhecimento do Meio a escola deve proporcionar a vivência
de experiências de aprendizagem que promovam o desenvolvimento de competências
específicas no âmbito da área de EM.
Apesar de todas estas orientações a nível dos documentos DGEBS (1990) e DEB
(2001), as práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino das ciências têm sido
apontadas como tradicionais, pouco diferindo das praticadas há três décadas atrás.
Continua a ensinar-se o produto da ciência - conhecimento científico, sendo poucas as
referências ao seu processo de construção - conhecimento metacientífico, o que motiva
que as capacidades de baixo nível, ligadas à memorização de factos e conceitos, sejam
as mais desenvolvidas pelo ensino (Almeida et al, 2001).
Nesta perspectiva, urge promover FC em metodologias de ensino-aprendizagem
das CN que proporcione aos professores a oportunidade de reflectirem e alterarem a sua
prática pedagógica.
A FC com potencialidades de assegurar que o professor adquira/desenvolva
competências que o habilitem a planificar/desenvolver actividades de aprendizagem de
orientação científica, implica a abordagem de temáticas muito diversificadas que
abarcam uma perspectiva didáctica, histórica e filosófica da ciência. De acordo com a
revisão efectuada à literatura especializada, iremos abordar, ainda que de uma forma
sucinta, as principais temáticas que enfocam a metodologia de ensino-aprendizagem das
CN, com o principal objectivo de justificar a necessidade da sua consideração numa
formação, capaz de habilitar os professores a responder às exigências curriculares do
programa do 1º CEB.
1. História e Filosofia da Ciência
Muitos estudos mostram que professores (por exemplo, Hewson e Hewson, 1987
e Porlán e Rivero, 1998), têm uma imagem deformada de como se constroem e evoluem
os conceitos científicos, o que se reflecte na sua prática na sala de aula.
Praia e Cachapuz (1998: 73) salientam que “as representações que os professores
têm sobre ciência, sobre o que é fazer ciência, sobre o que é o método científico, têm
influência não só sobre o que ensinam, mas também na forma como ensinam”. Daí que
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defendam a conjugação e articulação da formação inicial com a FC, incorporando as
componentes filosofia da ciência, história da ciência e, ainda, sociologia da ciência.
Sequeira e Leite (1991) acreditam que o conhecimento pelos professores da que
História da Ciência pode contribuir para promover a mudança conceptual dos alunos,
por duas razões: pelas suas atitudes perante o ensino-aprendizagem das ciências e pela
contribuição para uma estratégia de ensino capaz de mudar as ideias dos alunos. Estes
autores referem haver evidências de que o desenvolvimento conceptual dos alunos tem
algumas semelhanças com a evolução dos conceitos na história da ciência, se bem que
não sigam as mesmas etapas. Por outro lado, o conhecimento que os professores têm
acerca da história da ciência poderá ajudá-los a prever as concepções alternativas dos
alunos e a valorizar o seu diagnóstico, ajudando-os a modificá-las.
Um estudo aprofundado sobre a história da ciência contém elementos para que o
professor seja um mediador na construção do pensamento sistemático do aluno.
Também pode ser muito útil no ensino-aprendizagem das ciências devido à relação que
existe entre a prática, a filosofia da ciência e a docência (Toledo Pradel, 1995).
Através da história e filosofia da ciência é possível contrariar a imagem da
ciência como descoberta de uma realidade pré-existente em que os conhecimentos são
um produto acabado. Mostrar a ciência como uma construção de conhecimentos para a
resolução de problemas e que os problemas desempenham um papel preponderante na
permanente evolução e contínua revisão desses conhecimentos, que essa evolução se
processa de forma não linear, nem acumulativa, mas marcada por “crises” que se
traduzem em mudanças conceptuais e no aparecimento de novos paradigmas. Também
é possível desmistificar a imagem muito vulgarizada de que a ciência é fruto do trabalho
de génios (poucos) e mostrar que é uma actividade humana colectiva de muitos homens
e mulheres. Desta forma, a ciência será sentida pelos alunos, como mais próxima.
O estudo da biografia dos cientistas tem um papel fundamental na educação
científica porque ajuda os alunos a compreender que a ciência é uma actividade humana
e a senti-la mais próxima deles.
Segundo Mathews (1995: 172), a tradição contextualista assegura que a história
da ciência contribui para o ensino da ciência porque: “motiva e atrai os alunos; humaniza a matéria; promove uma compreensão melhor
dos conceitos científicos por tratar o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento; há um valor
intrínseco em se compreender certos episódios fundamentais na história da ciência – a
revolução científica, o darwinismo, etc.; demonstra que a ciência é mutável e instável e que,
por isso, o pensamento científico actual está sujeito a transformações que se opõem a
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ideologia cientificista; e, finalmente, a história permite uma compreensão mais profícua do
método científico e apresenta os padrões de mudança na metodologia vigente.”
O professor, para além de dominar os conteúdos científicos, deve conseguir
torná-los inteligíveis para os alunos, pelo que se lhe exige uma visão mais ampla que
pode ser fornecida pela história e pela filosofia da ciência.
Pensar na ciência segundo uma perspectiva didáctica, histórica e filosófica tem
como consequência a construção de um modelo de conhecimento que torna possível
uma abordagem interdisciplinar do currículo.
Neste contexto também adquire relevo a construção/validação e avaliação de
materiais didácticos, sustentados pela Epistemologia e História da Ciência (Coelho,
1998; Paixão, 1998; Silva, 1999; Paixão e Cachapuz 2000).
Em suma, a importância desta perspectiva na formação dos professores advém
da necessidade de que construam uma imagem mais real da ciência e da prática da
ciência e que isso os auxilie a alterar as suas concepções alternativas, com reflexo a
nível das metodologias que privilegiam na sala de aula. Para isso é necessário que os
professores de ciências compreendam algumas questões sobre filosofia da ciência e a
sua relevância para a educação científica, pelo que devem ser incluídas na formação
inicial e permanente dos professores (Hodson, 1986).
2. Construtivismo social
A adequação das concepções de ensino-apreendizagem das CN dos professores
do 1º CEB às exigências actuais, implica a opção por modelos de ensino de base mais
fortemente condicionados pela psicologia da aprendizagem, que consideram como
ponto-chave da aprendizagem a mente do aluno e que este constrói/reconstrói o seu
conhecimento socialmente, em interacção com os outros, proporcionados pelas
perspectivas do construtivismo social. O construtivismo social, inicialmente proposto
por Vygotsky defende que as funções psicológicas superiores tipicamente humanas,
decorrem, na sua maior parte, de um processo de aprendizagem e desenvolvimento
social (Vygotsky, 1978a).
Segundo esta perspectiva, o professor ajuda à construção de conhecimentos pelo
aluno facilitando a sua mudança conceptual por avanços sucessivos. Para isso assume
um papel de coordenador do funcionamento da aula, onde deve possibilitar que se
estabeleça uma comunicação multidireccional, que possibilite o desenvolvimento da
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capacidade de argumentação dos alunos, necessária à exposição, exploração e
negociação de conceitos alternativos frequentemente possuídos pelas crianças, com o
objectivo de promover a mudança conceptual. Para isso, necessita de estabelecer
relações de empatia e confiança com os alunos e compreender as suas estruturas de
pensamento. Isto exige a utilização de actividades que sigam uma metodologia
investigativa baseada na resolução de problemas (Gil Pérez, 1993).
No programa de Estudo do Meio não há referência explícita ao problema das
concepções alternativas (Martins e Veiga, 1999), apenas se considera que a criança
quando entra na escola já possui um conjunto de experiências e saberes que foi
acumulando no contacto com o meio que a rodeia e se acrescenta que à escola cabe
valorizar, reforçar, ampliar e iniciar a sua sistematização. As orientações metodológicas
do DEB (2001) apontam claramente para a promoção da mudança conceptual nos
alunos. Nesse sentido, as orientações relativas às vivências de experiências de
aprendizagem focam aspectos metodológicos que apresentamos na Figura 2.
Figura 2
Orientações metodológicas relativas ao Estudo do Meio (e CN) (DEB, 2001)
De acordo com estas orientações, os alunos terão oportunidade de se envolver
em aprendizagens significativas, na medida em que se parte das suas percepções,
vivências e representações, ou seja, do conhecimento pessoalmente estruturado, para a
compreensão, reelaboração, tomada de decisão e adopção de linguagem
progressivamente mais científica. Daí que a formação dos professores deva abarcar a
problemática das concepções alternativas (ou ideias alternativas, ideias intuitivas, pré-
concepções, representações, etc.), que em Portugal, tem dado origem a investigações em
Os alunos trazem um conjunto de ideias, preconceitos, representações emocionais e afectivas e modos de acção próprios. São esquemas de conhecimento rudimentares, subjectivos, incoerentes, pouco maduros, incapazes de captar a complexidade do Meio tal como este se apresenta à experiência humana.
Provoca-se o confronto com outros esquemas mais objectivos, socialmente partilhados e decorrentes do processo de ensino.
Os esquemas dos alunos vão sofrendo rupturas que abalam a visão sincrética da realidade, a perspectiva egocêntrica e as explicações mágicas e finalísticas que são próprias do pensamento infantil.
Dão origem a um conhecimento cada vez mais rigoroso e científico.
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que se procura identtificar essas concepções e estabelecer propostas de ensino-
aprendizagem que facilitem a sua reestruturação (Duarte, 1987; Faria, 1987; Freitas,
1987; Santos, 1989; Correia, 1990; Sequeira e Duarte, 1991; Sequeira e Leite, 1991;
Duarte, 1993; Leite, 1993; D’Orey, 1998; Figueiredo, 1999; Ramos, 2000; Costa,
2001). Do mesmo modo, as numerosas revisões e selecções bibliográficas publicadas
em diferentes revistas, as Actas de Congressos e Encontros, assim como os dois
Handbooks (Gabel, 1994; Fraser e Tobin, 1998) mostram que esta continua a ser uma
linha de investigação que continua a manter interesse (Wandersee et al., 1994; Hewson
et al., 1998), implicando uma formação contínua dos professores neste âmbito.
3. Resolução de problemas em Ciências da Natureza.
Existe consenso praticamente unânime, que advém em parte da consideração dos
principais objectivos da educação em ciência, sobre a necessidade de capacitar os
alunos para a compreensão e para que desenvolvam uma visão mais completa e realista
da própria ciência (Hodson, 1994), o que amplia a forma de entender o ensino-
aprendizagem das ciências. Aprender ciências significa não só aprender conceitos e
modelos mas também praticar a metodologia científica. Ou seja, os objectivos do ensino
das ciências são objectivos relacionados com o “saber ciência” e com “fazer ciências”
(Hodson, 1994; Woolnought, 1994).
Deste ponto de vista decorre a importância do ensino das ciências proporcionar
situações de aprendizagem que envolvam os alunos na resolução de problemas,
entendidos como uma situação para a qual não se conhece à partida a solução ou o
caminho para se chegar à solução, admitindo várias soluções possíveis ou mesmo não
haver solução (Garret et al, 1990).
Os problemas, entendidos como desafios sem resposta imediata e sem estratégias
preestabelecidas, exigem o envolvimento activo do aluno, em todas as etapas:
compreensão do problema; concepção de um plano de acção; execução, que pode
implicar: recolha; tratamento e análise de dados; reflexão sobre os resultados obtidos,
que podem levar ou não à solução do problema; outras soluções plausíveis;
levantamento de novos problemas e investigações (DEB, 2001).
A defesa da importância de que a nível do ensino básico se proporcione aos
alunos actividades de resolução de problemas, a partir do seu envolvimento em
actividades práticas (ver ponto 4) e outras menos práticas (de lápis e papel), justifica-se
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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pela necessidade de desde etapas iniciais as actividades de aprendizagem não
corresponderem exclusivamente a menos exercícios de aplicação de conhecimentos, que
os alunos realizam de uma forma mais ou menos rotineira, dado esta prática condicionar
a aquisição de competências básicas que limitam a possibilidade de desenvolvimento de
competências mais complexas em níveis superiores de ensino (Pozo et al, 1998).
De acordo com o documento Currículo Nacional do Ensino Básico:
Competências Essenciais (DEB, 2001), a par com o desenvolvimento de projectos e a
realização de actividades investigativas, a promoção de actividades de resolução de
problemas em ciências é considerada de enorme importância para o desenvolvimento de
competências essenciais no 1º CEB.
O objectivo de envolver os alunos em actividades de resolução de problemas é
também, não exclusivamente proporcionar-lhes a aquisição/desenvolvimento de
competências que lhes possibilitem resolver os problemas escolares, mas também
problemas quotidianos.
Dadas as características globalizantes do currículo do 1º CEB, os problemas de
aprendizagem devem partir de conteúdos conceptuais globais de âmbito interdisciplinar.
Os imensos estudos sobre esta problemática, de que nos dão conta diversos
autores, como por exemplo Cachapuz et al. (2001), distinguem diferentes tipos de
problemas com possibilidade de serem utilizados nas aulas de ciências. Recorremos à
perspectiva de Pozo et al, (1998) por nos parecer actual e proporcionar uma visão
abrangente pela comparação entre a resolução de problemas nas aulas de ciências -
problemas escolares, os problemas científicos e os problemas que enfrentam os alunos
no seu quotidiano. Segundo os referidos autores, são os processos de resolução
distintos, o que permite distinguir os diferentes tipos de problemas.
Os alunos, na resolução dos problemas quotidianos, procuram o êxito e um
procedimento eficaz sem se preocuparem com as razões por que funciona. Isto contrasta
com os problemas científicos que se regem pela necessidade de compreensão e
atribuição de um significado teórico, para se poder generalizar o conhecimento
adquirido e aplicá-lo a situações novas, implicando a reflexão sobre os resultados,
ausente nos problemas quotidianos. Por outro lado, os problemas escolares podem e
devem estabelecer a ponte entre os problemas quotidianos e os problemas científicos,
mas como os alunos estão mais próximos dos problemas quotidianos e frequentemente
acham os problemas escolares artificiais, é necessário enveredar esforços no sentido de
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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motivá-los para que enfrentem os problemas científicos como verdadeiros problemas
ajudando-os a adquirir hábitos e estratégias de resolução.
De acordo com esta perspectiva, os professores necessitam de compreender que
os problemas escolares ocupam um lugar intermédio entre a vida quotidiana do aluno e
a ciência e promover a resolução de problemas escolares que se assemelhem à resolução
dos problemas científicos, pelo paralelismo entre as etapas do método científico e as
etapas para a resolução de um problema (Polya, 1945). No entanto, não se pode
apresentar uma concepção rígida do método científico como uma sequência fechada de
passos necessários e suficientes para alcançar um determinado resultado, nem esquecer
que os alunos têm finalidades e motivações distintas dos cientistas e dispõem de tempo
e instrumentos muito mais limitados. Embora estes possam, frequentemente,
comprometer as oportunidades de comprovar hipóteses, devido à magnitude dos erros
de medida, deve incutir-se nos alunos a necessidade de se seguirem procedimentos
sistemáticos, rigorosos e objectivos. Assim, os professores assumem grande importância
na aprendizagem dos alunos através da resolução de problemas, na medida em que
devem ter em conta a motivação, atitudes e os seus conhecimentos prévios e promover a
avaliação das soluções encontradas, mais dirigida para os processos que para os
resultados obtidos.
Os problemas escolares também devem ser variados sob o ponto de vista da
estrutura e dos requisitos necessários para a sua solução, implicando formas distintas de
serem trabalhados na aula, as quais o professor necessita de conhecer. Pozo et al, (1998)
distinguem, neste âmbito, problemas qualitativos – que não necessitam de cálculos
numéricos nem da realização de experiências ou manipulações experimentais, dos
problemas quantitativos que se baseiam em cálculos matemáticos, comparação de dados
e utilização de fórmulas, e das pequenas investigações – cujas respostas se obtêm por
intermédio de trabalho prático em que o aluno formula hipóteses, concebe uma
estratégia de trabalho e reflecte sobre os resultados obtidos e os procedimentos
utilizados. Desta forma o aluno faz uma aproximação à metodologia do trabalho
científico, adquire certas atitudes (indagação, reflexão sobre o observado, etc.) e
aprende alguns procedimentos (estratégias de pesquisa, sistematização e análise de
dados, etc.).
Da pesquisa em resolução de problemas, na sua globalidade, resulta a
necessidade de repensar a actividade docente de modo a proporcionar uma maior
participação do aluno, desde a escolha do problema até à sua solução, enfatizando
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
40
processos que estimulem no aluno o uso de conhecimentos, não só de conceitos, mas
também de procedimentos (Moreira e Costa, 2000).
Nesse sentido, assume relevância a concepção construtivista do ensino (veja-se o
ponto 2) na resolução de problemas em ciências. O professor necessita de adquirir
competências relacionadas com o novo papel de facilitador e organizador de ambientes
ricos, estimulantes, diversificados e propícios à vivência de experiências de
aprendizagem que levem os alunos a aprender a aprender (Pozo et al, 1998).
4. Ensino Experimental das Ciências da Natureza.
O Trabalho Experimental (TE) tem vindo a ser amplamente defendido no ensino
das ciências, dados os múltiplos objectivos que proporciona atingir (Hodson, 1990,
1992, 1993, 1994; Martins e Cachapuz, 1990; Miguéns e Garrett, 1991; Cachapuz e
Martins, 1993; Lazarowitz e Tamir, 1994; Lillo, 1994; Ruivo, 1994; Lopes, 1994;
Bonito, 1996; Sá e Carvalho, 1997; Praia e Marques, 1997; Lunetta, 1998; Veríssimo et
al, 2001).
Segundo vários autores citados por Almeida (2001: 70): - Favorece a compreensão de diversos aspectos da natureza da ciência e a aquisição de
atitudes positivas face à ciência (Lunetta, 1991);
- Promove o desenvolvimento intelectual e conceptual e o pensamento criativo
(Lunetta, 1991);
- Explora o alcance e limitações de certos modelos e teorias, permite testar ideias
alternativas experimentalmente e ganhar confiança na sua aplicação (Brook, Driver e
Johnston, 1989; Burbules e Linn, 1991);
- Desenvolve capacidades de resolução de problemas (Woolnough e Allsop, 1985);
- Desenvolve capacidades de comunicação e de cooperação com os outros (Lunetta,
1991; Hodson e Reid, 1998a);
- Favorece o desenvolvimento de atitudes como a autoconfiança, a curiosidade
intelectual, a tolerência, a abertura de espírito e, ainda, a autonomia e disponibilidade
para predizer e especular (Hodson e Reid, 1998a);
- Desenvolve capacidades e técnicas científicas básicas, como sejam as capacidades de
observação e medida, técnicas apropriadas de manipulação do material e a aquisição
de hábitos de tenacidade, honestidade e rigor (Woolnough e Allsop, 1985).
Relativamente ao 1º CEB, o ensino experimental encontra nas crianças desta
faixa etária um período particularmente fecundo em termos de optimizar a
aprendizagem e o desenvolvimento, devendo dar-se ênfase aos processos e à qualidade
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do pensamento da criança, para o desenvolvimento do conhecimento e da compreensão
(Sá, 2000).
Neste âmbito, a ciência adquire importância, primordialmente, em função do
desenvolvimento intelectual, pessoal e social da criança, do qual o professor é o
catalisador do contínuo fluxo de pensamento e acção na sala de aula, exigindo
intencionalidade pedagógica e o domínio de competências do questionamento
permanente de forma a fornecer o estímulo necessário à evolução da criança.
Contudo, os estudos realizados em Portugal relativamente à caracterização do
ensino experimental das ciências revelam o predomínio das demonstrações e
verificações experimentais realizadas pelo professor, com o objectivo de ilustrar teoria
previamente ensinada (Cachapuz et al, 1989), em detrimento do uso de TE que coloque
os alunos perante situações de resolução de problemas, de modo a que sejam
encorajados, a levantar questões, a planear experiências simples visando a testagem de
uma hipótese de trabalho, a fazer previsões, a observar semelhanças e diferenças, a usar
uma pluralidade de métodos, a comunicar as suas ideias e a reflectir criticamente sobre
todo o percurso investigativo (Jiménez Aleixandre, 2000). Ou seja, TE que permita o
desenvolvimento de capacidades mais complexas (Miguéns, 1991; Almeida, 1995) a
partir do envolvimento activo do aluno, nos domínios psicomotor, cognitivo e afectivo
(Hodson, 1988). Ou seja, de forma a aprender ciência e sobre ciência a partir da sua
participação em actividades essencialmente cooperativas centradas no trabalho em
pequenos grupos e no grupo turma onde a discussão assume particular relevância para a
consciencialização pelos alunos das suas ideias prévias e das limitações a elas inerentes,
com vista à ocorrência de uma mudança conceptual (Hodson, 1996).
Na actual reorganização curricular, assume particular relevo a obrigatoriedade
do ensino experimental das ciências, conforme o estipulado no Decreto-Lei n.º 6/2001
num dos princípios orientadores a que se deve subordinar a gestão do currículo:
“valorização das aprendizagens experimentais nas diferentes áreas e disciplinas, em
particular, e com carácter obrigatório, no ensino das ciências, promovendo a integração
das dimensões teórica e prática.” (art.º 3º, alínea e).
O programa do 1º CEB (DGEBS, 1990) não se refere explicitamente ao ensino
experimental das ciências, apenas se refere à exploração de materiais de uso corrente, à
observação das suas propriedades e a experiências que as destaquem, à manipulação de
objectos e de instrumentos e à valorização do trabalho manual, sem se ter em
consideração os processos mentais associados. Como refere Sá e Carvalho (1997: 44)
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
42
“as manipulações e acções podem ocorrer sem qualquer investimento intelectual e
socio-afectivo relevante da parte do aluno”. No entanto, DEB (2001) refere a
necessidade de se realizarem aprendizagens de forma experimental contextualizadas
envolvendo o aluno em todas as etapas.
De acordo com o exposto, a Reforma Educativa ditou a obrigatoriedade do
ensino experimental, mas foi esquecida a necessidade de encontrar formas e meios
necessários a estas profundas mudanças nas práticas de ensino. Ou seja, os múltiplos
obstáculos que os professores enfrentam, identificados por muitos dos estudos
desenvolvidos, embora em diferentes níveis de ensino, convergem frequentemente para
rotinas na utilização do TE alheias à emergência da reflexão sobre as implicações no
papel do professor que emerge do ensino experimental. Além disso, os professores
também carecem de vivências inspiradoras ou modelares de ensino das ciências de
natureza experimental. “Pedir a alguém que faça algo que desconhece, nem é
intelectualmente defensável, nem eticamente defensável” (Pedrosa, 2001a: 45).
Nesse sentido, os programas de FC de professores que explicitamente se
orientam no sentido da promoção do ensino experimental deverão ser considerados
prioritários, de forma a proporcionar aos professores vivências educativamente
inovadoras, susceptíveis de gerar uma dinâmica que se oponha aos sentimentos de
desconforto, receio, frustração, desânimo ou angústia que eventualmente ocorram das
exigências profissionais que se lhes impõem.
5. Ciência-Tecnologia-Sociedade
A perspectiva ciência-tecnologia-sociedade (vulgarmente relacionada com o
ambiente e/ou com a saúde) é uma abordagem construtivista do ensino das ciências, que
reúne consensualidade no que diz respeito a constituir-se como uma emergência no
contexto educativo, face à influência crescente da ciência e da tecnologia na
configuração das condições de vida da humanidade.
O movimento CTS nasceu na América do Norte como resposta à crise que
começou a aflorar no começo dos anos sessenta, relativamente à relação que a sociedade
mantinha com a ciência e a tecnologia. Relativamente ao enfoque CTS no ensino das
ciências experimentais, podemos encontrar o reflexo do movimento CTS, por exemplo,
em documentos da Alternative for Science Education (ASE) datados de 1979 e
Education through Science de 1981 ou ainda num documento da NSTA de 1982 que
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recomenda uma formação CTS para todos os estudantes Norte-Americanos (Membiela,
1997).
Num sentido amplo da perspectiva CTS em educação, Acevedo Diaz (1996:
133), definem-na como: “uma proposta educativa inovadora de carácter geral que proporciona às recentes
propostas alfabetizadoras da ciência e tecnologia para todas as pessoas uma determinada
visão centrada na formação de atitudes, valores e normas de comportamento relativamente
à intervenção da ciência e tecnologia na sociedade, e vice-versa, com o fim do exercício
responsável como cidadãos e tomada de decisões democráticas e racionais na sociedade
civil”.
A importância da vertente CTS também é salientada por Forte et al. (2000) visto
que a sociedade actual se debate com questões complexas cuja natureza resulta da
relação estreita e indissociável entre o contexto social considerado, o desenvolvimento
tecnológico e a estrutura do conhecimento científico.
Na perspectiva de ensino das ciências no contexto CTS os alunos são
considerados aprendizes activos, devendo ser envolvidos em actividades que focalizem
a utilização do conhecimento científico e tecnológico para resolver problemas com
implicações e repercussões sociais de base científica e tomar decisões. Assim, os
problemas a investigar deverão ser escolhidos pela sua relevância para as vidas dos
alunos e pela sua natureza pluridisciplinar (Sequeira, 1997).
Na implementação de actividades segundo a perspectiva CTS, entre outros
aspectos, os professores necessitam de dedicar especial atenção à escolha do tema, à
selecção dos conteúdos que pretendem abranger, à escolha de estratégias de ensino-
aprendizagem adequadas e à selecção dos materiais curriculares.
No entanto, são identificadas dificuldades, a vários níveis, que afectam o
professor quando pretende incorporar a prática da educação CTS no ensino das ciências.
Estes prendem-se sobretudo com a sua formação disciplinar, as concepções e crenças
que possui sobre a natureza da ciência, quer nos aspectos epistemológicos quer
sociológicos; e, ainda, com o medo de perder a sua identidade profissional, que em parte
estaria relacionado com a percepção que possui das finalidades do ensino das ciências
(Acevedo Diaz, 1996). Membiela (1997) refere também a escassez de materiais
curriculares adequados que assinalam como um dos problemas fundamentais para a
integração da prática CTS no ensino das ciências, devido ao facto de serem poucos os
professores que têm tempo, energia e os recursos necessários para desenhar os seus
próprios materiais. Mesmo assim, de acordo com Waks (1990), recomendamos alguns
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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critérios a ter em conta para considerar um determinado material: potenciar a
responsabilidade; contemplar as influências mútuas entre ciência, tecnologia e
sociedade; promover pontos de vista equilibrados; exercitar os estudantes na tomada de
decisões e resolução de problemas; promover a acção responsável; procurar a
integração; promover a confiança na ciência.
Nesta perspectiva, de acordo com Cachapuz et al. (2001) destacamos a
importância da construção/validação e avaliação de materiais didácticos sustentados
pela perspectiva CTS e o papel do Meio na enorme quantidade de estudos, como:
Aikenhead, 1994; Aikenhead e Ryan, 1992; Gilbert, 1992; Jiménez, 1995; Acevedo
Diaz, 1996b; Catalán e Catany, 1996; Serrano, 1996; Membiela, 1997; Solbes e Viches,
1997; Santos, 1998; Santos, 1999; Gil Pérez et al., 1999.
Nesse sentido, urge reconceptualizar o significado do ensino das ciências, de
forma a assegurar o desenvolvimento de uma cidadania individual e social e a
alfabetização científica de todos os cidadãos.
Face ao exposto, a educação em ciências, em particular ao nível da escolaridade
básica, tem que ser equacionada como uma forma de contribuir para a construção de
uma melhor qualidade de vida.
O programa de Estudo do Meio do 1º CEB não se refere explicitamente à
perspectiva CTS, mas determina alguns princípios orientadores nesse sentido, visto que
pretende “contribuir para a compreensão progressiva das inter-relações entre a Natureza
e a Sociedade” colocando, para isso, o EM “na intersecção de todas as outras áreas do
programa”, manifestando a intenção de que “a estrutura do programa fosse flexível e
aberta”, pelo que “os professores deverão recriar o programa (...) alterar a ordem dos
conteúdos, associá-los de diferentes formas, variar o seu grau de aprofundamento ou
mesmo acrescentar outros”; atribui aos alunos um papel activo de forma a “aprofundar
os conhecimentos da Natureza e da Sociedade, cabendo ao professor proporcionar-lhes
os instrumentos e as técnicas necessárias para que eles possam construir o seu próprio
conhecimento de forma sistematizada”. Também se realça que é “no confronto com os
problemas concretos da sua realidade e com a pluralidade das opiniões nela existentes
que os alunos vão adquirindo a noção de responsabilidade perante o ambiente, a
sociedade e a cultura em que se inserem, compreendendo gradualmente o seu papel de
agentes dinâmicos nas transformações da realidade que os cerca” (DGEBS, 1990: 67-
68).
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45
No documento Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais
(DEB, 2001), no que se refere ao EM, também se estabelecem orientações consonantes
com a perspectiva CTS. Nesse sentido, preconiza-se a abordagem de problemas
emergentes da vida quotidiana dos alunos, assim como o desenvolvimento de projectos
de natureza interdisciplinar e a realização de actividades investigativas. Pretende-se,
ainda, a organização de actividades cooperativas de aprendizagem e o envolvimento dos
alunos em aprendizagens significativas que permitam desenvolver capacidades
instrumentais para compreender, explicar e actuar sobre o Meio de modo consciente e
criativo.
Em suma, a orientação CTS num currículo de ciências pressupõe uma
abordagem que, valorizando o quotidiano para um ensino contextualizado, contribua
para uma melhor educação para a cidadania, onde aspectos ligados ao ambiente, à saúde
e ao consumo são de reconhecido interesse para a formação dos professores do 1º CEB.
Pelos motivos apresentados, Freire (1994) defende a mudança conceptual dos
professores para que as inovações curriculares a introduzir no sistema educativo não
fiquem só no papel mas que sejam de facto, incorporadas nas práticas lectivas.
6. Metáforas e Analogias em Ciências da Natureza.
Entre os estudos relativos à linguagem e comunicação no ensino-aprendizagem
das ciências, destacamos as metáforas e analogias, visto que não só são particularmente
comuns no discurso do dia-a-dia, como utilizadas frequentemente de uma forma
espontânea e intuitiva pelos professores nas suas práticas de ensino. Ou seja, raramente
o uso de metáforas e analogias é feita de forma consciente, programada, sistemática e
orientada para os processos de aprendizagem dos alunos (Oliveira, 1991, 1995, 1997,
2000), embora se constituam como um instrumento de desenvolvimento cognitivo com
a potencialidade de reorganização dos esquemas conceptuais dos alunos.
As metáforas e analogias podem ser apresentadas sob a forma verbal, seja escrita
ou falada, ou na forma visual, seja pictorial ou gráfica, possibilitando criar um novo
significado através da transferência de sentido baseada na relação de um domínio do
conhecimento familiar aos alunos (fonte) com outro domínio do conhecimento que lhes
é desconhecido (alvo).
No entanto, metáforas e analogias distinguem-se. Ao contrário das analogias, nas
metáforas não é necessário existir relação de proporcionalidade entre os domínios
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conceptuais a que dizem respeito, ficando esta relação implícita. Desta forma, há uma
diferença quantitativa ou qualitativa de atributos (termo que representa, qualifica ou
determina uma propriedade característica de um conceito, Oliveira, 1997) ou de
relações (conjunto de características conexionadas e organizadas em estruturas
conceptuais, Oliveira, 1997) entre a fonte e o alvo ou entre os domínios da fonte e do
alvo.
As analogias, como ferramentas explicativas são particularmente utilizadas
devido à possibilidade de comparar um objecto ou uma situação a outro(a) e de
transferir quer detalhes quer relacionar informações neste processo. Quando se trata de
conceitos científicos complexos ou abstractos, cujas explicações estão para além do
entendimento dos alunos, as analogias não só são desejáveis, como são a única solução
disponível, para possibilitar a compreensão por parte dos alunos.
Por outro lado, os professores demonstram não estar sensibilizados para a
importância da linguagem, em geral e das metáforas e analogias em particular, na
aprendizagem da ciência, visto que alguns consideram que o seu estudo pertence a
outras áreas do saber e outros as consideram desnecessárias ou como mera forma
decorativa; uma brincadeira na aprendizagem das ciências e cujo uso deve ser evitado
(Oliveira, 2000).
Assim, os professores desconhecem ou desvalorizam a importância do uso das
metáforas e analogias como mecanismo cognitivo de aprendizagem científica,
principalmente quando utilizado pelos alunos. Oliveira (2000), apelida o uso de
metáforas e analogias simplesmente de linguagem metafórica e destaca as suas
vantagens: “(i) activa o raciocínio analógico; (ii) organiza a percepção; (iii) desenvolve a
aquisição do pensamento metafórico; (iv) desenvolve capacidades cognitivas elevadas
como a criatividade e a tomada de decisões; (v) faz a ligação (ponte cognitiva) entre o
conhecido e o desconhecido, (vi) funciona como organizador prévio; (vii) transforma o
conhecimento factual em conceptual; (viii) torna significante e motivante a informação; (ix)
facilita a aquisição de novos conceitos; (x) faz a ligação entre conceitos; (xi) torna
compreensível os conceitos, nomeadamente os abstractos; (xii) alarga em extensão um
conceito pelo aumento da flexibilidade e versatilidade do pensamento; (xiii) aumenta a
memória; (xiv) estimula a solução de problemas e identificação de novos problemas; (xv)
fomenta a elaboração de hipóteses; (xvi) fomenta um estilo menos rígido e mais expressivo
do discurso científico” Oliveira (2000: 25).
Apesar das inúmeras vantagens, os professores, para usarem as metáforas e
analogias como recurso didáctico nas aulas de ciências, necessitam de proporcionar
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actividades de forma orientada e planificada, caso contrário podem ocorrer alguns
problemas de aprendizagem: “os alunos podem interpretar literalmente aquilo que é
metafórico; não coincidir o significado da comparação feita pelo professor com o
significado que lhe é dado pelo aluno; a comparação subjacente à metáfora ou à
analogia não ter significado algum para o aluno” (Oliveira, 2000: 24).
Treagust et al. (1996) alertam para que o uso acrítico das analogias na aula de
ciências pode gerar concepções alternativas, especialmente quando atributos não
partilháveis são tratados como válidos ou quando os alunos não estão familiarizados
com as analogias. Contudo, a eficácia do uso das analogias pode ser melhorado com o
treino do raciocínio dos alunos por analogias e, neste contexto, podem provocar
mudança conceptual nos alunos.
Assim, o uso de analogias, por um professor competente, resulta em
aprendizagem compatível com as suas expectativas. Ou seja, as metáforas e analogias
estão profundamente ligadas às funções cognitivas e metacognitivas dos alunos; desde a
percepção à memória, ao raciocínio, à imaginação, à resolução de problemas e à
criatividade, assim como ao desenvolvimento cognitivo. De acordo com Oliveira (2000:
24) “permitem utilizar novas metodologias de aprendizagem da ciência, centradas na
resolução de problemas, facilitando aos alunos a possibilidade de adquirir novos
conhecimentos e, também, de aumentar significativamente a oportunidade de criar
novas e interessantes formas de pensamento”.
Em suma, consideramos fundamental que os professores do 1º CEB adquiram
conhecimentos sobre o uso de metáforas e analogias no ensino das CN, dada a sua
importância na aprendizagem das ciências destacada por autores, como por exemplo:
Cachapuz (1989), Howard (1989), Donati e Gamboa (1990), Druit (1990), Rumelhart e
Norman (1991), Clement (1993), Reynolds e Schwartz (1993), Tobin e Ulerick (1995),
Oliveira (1997), Fernandes (1999), Oliveira (2000).
7. Contexto social na sala de aula.
Segundo Bernstein (1990, 1996), tanto o macro-sistema social como os
subsistemas que o constituem supõem uma interacção permanente entre os indivíduos
que o integram. Seguindo essa linha de investigação, os estudos sociológicos da sala de
aula revelam que no contexto educativo há uma estrutura social de classes portadora de
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distintos conhecimentos e legitimadora de diferentes formas de comunicação (Morais et
al., 1992 e 1993).
Diferentes padrões de socialização familiar originam um aproveitamento escolar
diferencial. Os alunos dos estratos sociais mais baixos obtêm baixas realizações
escolares, especialmente nas competências de elevado nível de abstracção (Cardoso e
Morais, 1992).
Estudos sobre a influência dos factores sociológicos do contexto pedagógico
familiar no sucesso escolar dos alunos em ciências revelam a existência de uma relação
significativa. Assim, Pires e Morais (1997: 71), referem que, a nível das competências
cognitivas complexas, “são as crianças cujos pais estão situados num nível profissional
mais elevado e em que as mães têm maior envolvimento socio/cultural que têm maior
aproveitamento” e acrescentam que os factores com influência mais significativa a nível
das competências cognitivas simples são as que se verificam “a nível das condições de
espaço onde o aluno estuda e dos materiais que pode utilizar para o estudo, e a
habilitação académica dos pais/mães ou de outras pessoas que o auxiliem no estudo”
(Idem, Ibidem).
Rocha, Morais e Vasconcelos (1998), estabelecem que os sujeitos representam a
realidade através de códigos que, enquanto sistemas de representação, permitem pôr em
comum valores e conhecimentos. Só na medida em que o indivíduo domina um código
é que tem acesso a determinadas formas de conhecimento e pode interagir com os
outros indivíduos que dominam o mesmo código.
Nesta perspectiva, as práticas pedagógicas, que são contextos de interacção
específicos, veiculam as relações de poder e os princípios de controlo subjacentes ao
código educacional. Assim, urge reconhecer que no contexto educativo surge uma
clivagem entre os alunos pertencentes aos estratos sociais mais favorecidos e portadores
de um código que se identifica com o da escola e os alunos provenientes dos estratos
sociais mais desfavorecidos e portadores de um código com poucas afinidades com o da
escola, para poder actuar em conformidade, visto que se verifica uma relação
significativa entre a prática pedagógica e a evolução dos alunos ao nível do
desenvolvimento cognitivo (Morais et al., 1996).
Num estudo sobre a influência da prática pedagógica na mudança conceptual em
ciências, Afonso e Neves (2000) consideram que as práticas pedagógicas caracterizadas
por classificações e enquadramentos relativamente fracos, em que os alunos assumem
maior controlo sobre a sua aprendizagem, e que ao nível dos critérios de avaliação se
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caracterizam por enquadramentos fortes, poderá conduzir a uma compreensão mais
efectiva dos conceitos científicos, embora a influência da prática pedagógica dependa
do grupo social e do conceito científico a ensinar.
A importância do conhecimento destas influências integrarem o conhecimento
profissional dos professores e orientarem o seu desempenho em sala de aula, são,
quanto a nós, bem salientadas nas seguintes palavras dos autores: “a consciência por parte dos professores de que, além de razões de natureza
psicológica, existem também razões de natureza sociológica (relacionadas com o grupo
social e a prática pedagógica da escola) que interferem nas concepções dos alunos em
ciências, constitui um aspecto fundamental na formação dos professores para que a sua
intervenção pedagógica conduza a uma real melhoria da aprendizagem científica de todos
os alunos” (Afonso e Neves, 2000: 278).
8. Áreas curriculares não disciplinares.
A actual reorganização curricular, através do Decreto-Lei n.º6/2001, introduz as
áreas curriculares não disciplinares, Área de Projecto, Estudo Acompanhado e
Formação Cívica, no currículo do 1º CEB, no sentido da articulação das diferentes áreas
disciplinares, visto que possuem natureza transversal e integradora.
Dadas as características, específicas dos conteúdos científicos e dos métodos das
CN, as áreas curriculares não disciplinares devem contemplar essa especificidade.
Relativamente à Área de Projecto, os seus objectivos são: envolver os alunos na
concepção, realização e avaliação de projectos; promover a articulação de saberes de
diversas áreas em torno de problemas e temas de pesquisa ou de intervenção. Colocam a
ênfase nos processos e na promoção da interdisciplinaridade.
Nesse sentido, o professor necessita de adquirir competências que lhe permitam
orientar os alunos, no desenvolvimento de projectos relativos às CN, envolvendo as
fases que, geralmente, se apontam para a Área de Projecto, como sejam: escolha do
tema/problema; escolha e definição dos subproblemas; organização e planificação do
trabalho; recolha da informação; ponto da situação; tratamento da informação e
preparação do relatório; apresentação dos trabalhos; balanço do trabalho realizado
(Castro e Ricardo, 1994).
Na área não disciplinar de Estudo Acompanhado, o professor necessita de saber
promover o estudo autónomo das CN nos alunos, através de medidas que permitam a
detecção de dificuldades e a respectiva remediação, a nível da motivação e
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envolvimento pessoal, autocontrolo, por aquisição/desenvolvimento de estratégias
cognitivas e metacognitivas.
Nesta perspectiva, a formação dos professores do 1º CEB na área não disciplinar
de Estudo Acompanhado, ajudará a: aumentar a motivação dos alunos pelas actividades
relativas às CN; desenvolver competências de controlo, planeamento e organização do
estudo das CN, treinando e desenvolvendo estratégias cognitivas utilizáveis nesse
estudo e ajudando os alunos a conhecerem a forma como aprendem melhor e a
seleccionarem as estratégias mais adequadas a cada tarefa e ao próprio estilo de
aprendizagem.
A área não disciplinar de Formação Cívica tem como objectivo central contribuir
para a construção da identidade e do desenvolvimento da consciência cívica dos alunos.
A concretização do referido objectivo encontra um campo favorável nos trabalhos a
realizar no âmbito das CN, podendo revestir a forma de sessões de informação e debate,
que poderão assumir o formato de assembleia de turma, para discutir problemas cívicos
que envolvam a ciência e as suas utilizações, nomeadamente no contexto CTS. Desta
forma esta área não disciplinar assume-se como um campo privilegiado para o
desenvolvimento dos aspectos evidenciados relativamente à história e filosofia da
ciência - contrariando a imagem deformada da ciência e sua construção e ajudar a
compreender as suas implicações sociais e morais.
Em suma, a FC dos professores do 1º CEB nas áreas curriculares não
disciplinares é extremamente importante para a promoção e desenvolvimento da
educação científica e da cidadania dos alunos desta faixa etária.
9. Programas e manuais escolares.
A crescente consciencialização da sociedade portuguesa sobre a impreparação
científica dos alunos que terminam a escolaridade básica e que diversos estudos têm
vindo a evidenciar, coloca aos professores e investigadores questões sobre a lógica de
reorientação dos currículos da escolaridade básica, dado o desfasamento entre as
aprendizagens escolares e as necessidades de ordem pessoal e social, o que tem como
consciência o afastamento dos jovens da ciência. Ou seja, a crise do ensino-
aprendizagem das ciências pode ser explicada por um currículo desajustado, que não
reflecte as necessidades da vida moderna e as mudanças sociais (Martins e Veiga,
1999).
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Estas autoras consideram que os programas em vigor na escolaridade básica
deixam transparecer que estão longe da alfabetização científica que a escola deve
atingir. São da opinião de que na base dos fracos resultados da aprendizagem em
ciências, podem encontrar-se a partilha, por professores e alunos, de uma imagem
deformada da ciência e da metodologia científica, interpretadas como um corpo de
conhecimentos e um conjunto de procedimentos que não são influenciados socialmente,
assim como um ensino das ciências organizado à margem das situações próximas da
vida real em que os conceitos são apresentados sem contextualização histórica. Nesse
sentido, consideram urgir a necessidade da criação de um novo modelo curricular mais
holístico na sua concepção, que transmita uma imagem de ciência mais humanizada,
que possibilite desenvolver conhecimentos e capacidades para tomar decisões e resolver
problemas e que torne a aprendizagem da ciência mais atraente, estimulante e
importante para os alunos. Ou seja, que a elaboração do currículo necessita ter em conta
aspectos da história, filosofia e sociologia da ciência e que o ensino das ciências seja
enquadrado num determinado contexto social e político para que o currículo represente
legitimamente o conhecimento científico. O currículo de ciências deve proporcionar
uma selecção de temas e propostas programáticas que ponham em evidência a
importância das concepções alternativas dos alunos no processo de aprendizagem. As
práticas de avaliação devem ser reorganizadas segundo um paradigma construtivista que
possibilita avaliar não somente os produtos ou os conceitos, mas também os processos,
as atitudes e os valores fundamentais na construção do conhecimento científico. Deve
valorizar-se o quotidiano para um ensino contextualizado, uma melhor educação para a
cidadania, onde aspectos ligados ao ambiente, à saúde e ao consumo são de reconhecido
interesse, ou seja, aspectos que apontam para a orientação CTS no currículo das
ciências. Também a orientação curricular no sentido da resolução de situações
problemáticas, para as quais não há resposta imediata oferece uma perspectiva mais real
do carácter, do progresso e dos processos da ciência ao mesmo tempo que permitem o
desenvolvimento de capacidades, como trabalho em equipa e criatividade.
As propostas programáticas devem resultar do confronto entre as finalidades
estabelecidas para o 1º CEB e as evidências da investigação, de forma a serem incluídas
as perspectivas do ensino-aprendizagem da ciência emergentes da investigação, que
temos vindo a identificar.
Martins e Veiga (1999: 43), afirmam que os programas em vigor “constituem o
elemento organizador, a nível nacional, de muitas das decisões dos professores e dos
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autores dos vários recursos didácticos disponíveis, nomeadamente dos manuais
escolares”.
Contudo, embora pertinentes as críticas à preocupação central dos professores
sobre a sequência e articulação dos conteúdos preconizados nos programas, estas
autoras reconhecem que a escola tem que prestar particular atenção à selecção, ensino-
aprendizagem e articulação curricular dos conteúdos pelo contributo que podem
proporcionar para o entendimento dos problemas sociais de matriz científico-
tecnológica, o desenvolvimento de comportamentos sociais esclarecidos e informados e
a tomada de decisões sobre os problemas locais e globais.
Por outro lado, a organização do currículo, a forma como os professores
concebem o desenvolvimento da ciência e a natureza da actividade científica
desenvolvida na sala de aula encontra no manual escolar o seu principal determinante
(Hofstein e Lunetta, 1982; Chiappetta et al., 1991), dado constituir-se como um dos
recursos educativos mais utilizados pelos professores (Stinner, 1992; Johnsen, 1993).
Num estudo realizado em Portugal por Valente et al (1989) que envolveu
professores do 1º e 2º CEB, os professores reconheceram ser mais influenciados pelas
propostas de actividades apresentadas nos manuais escolares do que pelas sugestões
contidas nos programas oficiais (Santos et al, 1997).
De acordo com Johnsen (1993), todos os trabalhos que têm sido realizados na
área da utilização do manual escolar, permitem concluir sobre o seu acentuado poder
controlador da acção do professor, quer no que respeita à planificação da aula, quer na
forma de ensinar. Este controlo faz-se igualmente sentir nas actividades lectivas fora do
âmbito da sala de aula, uma vez que a partir deles propõem aos alunos as actividades
que devem realizar em casa.
Contudo, segundo Stinner (1992), frequentemente os manuais escolares,
implícita ou explicitamente transmitem a professores e alunos uma imagem empirista da
ciência. “Apresentam a ciência como um corpo de conhecimentos construídos de forma
linear, não havendo lugar para o erro” (Chiappetta et al, 1991: 713). Ou seja, os
manuais escolares não têm acompanhado as alterações sugeridas para o ensino das
ciências, particularmente no que respeita às metodologias do ensino das ciências
(Duarte, 1999).
De acordo com o exposto, constitui-se como determinante à formação tornar os
professores conscientes desta realidade, dado que professores mais esclarecidos sobre o
programa e respectivo currículo de CN no 1º CEB e sobre as potencialidades e
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limitações dos manuais escolares, estão mais preparados não só para fazerem uma
selecção mais criteriosa do manual escolar, mas também para exercerem melhor o papel
de mediadores entre o manual escolar e os alunos, de forma a facilitarem uma
aprendizagem mais significativa das ciências, pelo que adquire grande importância
neste campo uma FC permanente com troca de experiências dos professores.
10. Recursos tecnológicos.
Os computadores adquiriram um lugar de relevo entre os recursos tecnológicos
que podem ser usados em contexto educativo, visto que outros recursos, como máquinas
fotográficas digitais, vídeos (leitores, gravadores e projectores), gravadores de voz,
entre outros, ou já se encontram disponíveis nos computadores ou podem ser
controlados por estes. Os computadores são cada vez mais velozes, com maior
capacidade de tratamento de dados, com novas interfaces entre homem e máquina
proporcionando novas oportunidades de usar as tecnologias da informação e da
comunicação (TIC) na educação. A introdução do computador no processo educativo é
uma realidade impossível de ignorar. As suas potencialidades como suporte privilegiado
de informação e capacidade de processamento complexo de informação tornam o
computador um instrumento promissor no contexto educativo (Duarte e Silva, 1995).
A recente evolução tecnológica permite adivinhar que os meios disponíveis nas
escolas se tornarão ainda mais poderosos. Não substituirão as formas tradicionais de
ensinar, mas poderão constituir um complemento ajustado a dificuldades específicas dos
alunos, na medida em que poderão concretizar novas formas de aprendizagem.
Hoje em dia, existem vários títulos de software educacional (alguns dos quais
com carácter lúdico) que permitem enfrentar dificuldades de aprendizagem, pese
embora a escassez de estudos quantitativos sobre as reais vantagens do seu uso. No
entanto, oferecem inegavelmente um grande número de possibilidades para ajudar a
resolver alguns problemas concretos do ensino das ciências.
De acordo com Fiolhais e Trindade (2003), podem distinguir-se quatro modos de
utilização dos computadores no ensino-aprendizagem das ciências:
1. Aquisição de dados por computador - Utilizando sensores e software
apropriado, os alunos podem hoje medir e controlar variáveis como posição,
velocidade, aceleração, força, temperatura, etc., permitindo novas situações de
aprendizagem ao propiciar aos alunos a realização de medições de grandezas
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físicas em tempo real que lhes fornecem respostas imediatas a questões
previamente colocadas. A apresentação gráfica de dados facilita leituras e
interpretações rápidas.
2. Modelização e simulação - Permitem aos alunos utilizar simulações interactivas.
Ao usar simulações computacionais baseadas num modelo da realidade física, as
acções básicas do aluno consistem em alterar valores de variáveis ou parâmetros
de entrada e observar as alterações nos resultados. Desta forma, os alunos do 1.º
CEB podem, por exemplo, conhecer melhor o funcionamento do sistema solar.
3. Multimédia - O termo multimédia significa que um programa pode incluir uma
variedade de elementos, como textos, sons, imagens (paradas ou animadas),
simulações e vídeos. Esta modalidade de utilização do computador baseia-se no
conceito de hipertexto ou, de forma mais abrangente, hipermédia. Um módulo
de hipertexto possui muitos links internos e o utilizador não necessita de seguir
um caminho linear. Baseado na sua bagagem e nos seus interesses, poderá
seleccionar as partes do módulo que mais lhe interessam, pelo que o professor
pode (e deve) orientar os alunos nas suas escolhas. Esta interactividade e
flexibilidade torna possível fazer do aluno um participante activo no processo de
aprendizagem, por exemplo, relembrar conceitos anteriores ainda não
dominados ou avançar rapidamente para outro assunto.
4. Realidade virtual - A realidade virtual pode ser entendida como uma tecnologia
que facilita a interacção entre o homem e a máquina e o ambiente virtual um
cenário constituído por modelos tridimensionais, armazenado e gerido por
computador, usando técnicas de computação gráfica. Entre as primeiras
aplicações da realidade virtual encontram-se a visualização científica e a
educação. A realidade virtual estimula as sensações (a maioria das sensações
provêm do ambiente virtual), a interactividade (navegação livre, escolha do
referencial, etc.), a manipulação (acções realizadas pelo utilizador tal como no
mundo real), a proximidade entre o utilizador (aluno) e a informação no
computador (conteúdos educativos). Nesta perspectiva, a realidade virtual tem
sido considerada um poderoso instrumento de ensino e treino entre outras razões
porque permite a interacção com modelos tridimensionais bastante realistas e
uma experiência multisensorial vivida pelo aluno. As características que tornam
um sistema de realidade virtual único como meio de aprendizagem são: a) ser
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uma poderosa ferramenta de visualização para estudar situações tridimensionais
complexas; b) proporcionar liberdade ao aluno para interagir directamente com
os objectos virtuais, realizando experiências na primeira pessoa; c) permitir
situações de aprendizagem por tentativa e erro que podem encorajar os alunos a
explorar uma larga escolha de possibilidades; d) oferecer feedbacks adequados,
permitindo aos alunos centrar a sua atenção em problemas específicos; e)
Permitir adquirir e mostrar graficamente dados em tempo real.
Pelo exposto, e dada a necessidade de diversificar métodos de ensino para
contrariar o insucesso escolar, é essencial a crescente utilização do computador no
ensino das ciências. A utilização de software apropriado pode facilitar o ensino, todavia
não oferecendo garantias de sucesso. De facto, se o papel do computador não for
contribuir para um ensino mais adequado a cada aluno, tendo em conta as diferenças
entre os processos e ritmos de aprendizagem individuais, a adequação dos conteúdos às
diversas capacidades pessoais e a necessidade de apetrechar os alunos com ferramentas
que desenvolvam as suas capacidades cognitivas, depressa caímos num mero
prolongamento do ensino tradicional. Nesse sentido, tornou-se consensual que é “a
partir dos contributos da psicologia do desenvolvimento e da psicologia da
aprendizagem que é preciso partir para um entendimento com o computador tornando-o
um parceiro que providencia oportunidades de aprendizagem” (Papert, 1980). Estes
princípios assentam na teoria construtivista, segundo a qual cada aluno constrói a sua
visão do mundo através das suas experiências individuais.
Contudo, os computadores são mais utilizados para actividades interdisciplinares
do que para as disciplinas incluídas no currículo (OCDE e DEPGEF, 1994), embora se
reconheça que o computador possui características que o tornam adequado à aquisição e
tratamento de dados experimentais (Duarte e Silva, 1995) e às actividades de
investigação em ciências. Nesse sentido, os professores do 1º CEB necessitam adquirir,
não só o conhecimento das potencialidades do computador e do software adequado às
CN, mas principalmente o “saber” que lhes permite, através do computador, assegurar,
a cada grupo e a cada aluno, conteúdos e actividades pedagógicas personalizadas.
Assim, os professores devem fazer uma actualização constante neste campo,
vocacionada para o ensino-aprendizagem das CN.
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11. Investigação-acção/Professor prático reflexivo.
Os investigadores manifestam um interesse crescente pela actividade prática
reflexiva dos professores, especialmente pelo conhecimento que estes mobilizam
quando enfrentam situações incertas e desconhecidas da prática, pela forma como
elaboram e modificam rotinas, experimentam hipóteses de trabalho e mobilizam
técnicas e instrumentos, na convicção de que a melhoria do desempenho dos professores
se relaciona sobretudo com o aperfeiçoamento da eficácia prática dos conhecimentos
que utilizam para conceptualizar a sua actuação. Desta forma, os resultados das
investigações que relacionam o pensamento e a acção do professor, constituem uma
base importante de conhecimento pedagógico com possibilidade de ser utilizado na FC,
para facilitar a tomada de consciência pelo professor do seu conhecimento prático, de
forma que percepcione o conhecimento académico como relevante e significativo e
reestruture a sua acção a partir do seu envolvimento directo em experiências educativas
inovadoras. Para isso é necessário que paralelamente a competências reflexivas, os
professores adquiram competências de investigação da própria prática (Silva, 2000).
Imbernón (1994: 93), afirma que “os professores investigadores utilizam de
maneira sistemática estratégias de investigação, sabem utilizar os resultados das
investigações na sua tarefa docente e assumem o papel de investigadores da sua própria
prática”. Nesta perspectiva, ao tornar o professor um investigador da sua prática, está-se
a responsabilizá-lo pela inovação.
Perrenoud (1997a: 186), ao reflectir sobre a prática e a inovação, afirma que “a
FC mais eficaz consiste muitas vezes em intensificar e fazer partilhar a reflexão sobre a
prática”.
Pérez Gómez (1995: 96), em acordo com Zeichner (1983) concebe o “professor
como prático autónomo, como artista que reflecte, que toma decisões e que cria durante
a sua própria acção”.
Nóvoa (1991a: 24), relaciona a acção reflexiva com o desenvolvimento pessoal
do professor: “O triplo movimento de Schön (1990) – conhecimento na acção, reflexão na acção
e reflexão sobre a acção e sobre a reflexão na acção – ganha uma pertinência acrescida no
quadro de desenvolvimento pessoal dos professores e remete para a consolidação no terreno
profissional de espaços de (auto)formação participada”,
o que leva a conceber a “escola como um ambiente educativo onde trabalhar e
formar não sejam actividades distintas” (Nóvoa, 1991a: 27).
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Neste contexto, as escolas constituem comunidades de aprendizagem nas quais
os professores se apoiam e estimulam reciprocamente, pelo envolvimento na acção
reflexiva e investigativa, através do desenvolvimento de projectos de investigação-
acção. Deste modo, pretende-se que ultrapassem a mera actividade técnica, visto que a
investigação-acção não é “nenhum conjunto de técnicas que possa ser empacotado e
ensinado aos professores”, dado implicar “mais do que uma busca de soluções lógicas e
racionais para os problemas (...), implica intuição, emoção, paixão” (Zeichner, 1993:
18).
A fundamentação para as necessidades de FC neste campo da investigação
encontra-se no facto de que a investigação-acção em contexto de aula é fundamental
para o desenvolvimento dos saberes prático e teórico sobre os processos de
aprendizagem e desenvolvimento da criança (Sá, 2000), em que a acção deve ser
regulada por uma permanente prática reflexiva com avaliação de resultados (Elliott,
1993; Silva, 1997).
Ser reflexivo implica a valorização da experiência como fonte de aprendizagem
e uma responsabilidade acrescida do professor na construção do seu próprio saber, o
reconhecimento de capacidade para gerir a sua própria aprendizagem, pela
metacognição de forma a aprender a aprender e pela metacomunicação como processo
de avaliar a sua capacidade de interagir. Implica um acréscimo da autonomia formativa
e consequente emancipação profissional do professor.
A actividade reflexiva dos professores ajuda-os a consciencializar do lugar que
ocupam na sociedade, numa perspectiva de promoção do estatuto da profissão docente,
visto que não só são agentes activos do seu próprio desenvolvimento, como do
funcionamento e organização das escolas tendo em vista a promoção do sucesso
educativo. Assim, o professor reflecte na acção, sobre a acção e para a acção (Schön,
1983), num ciclo reflexivo (prática/reflexão) que conduz ao desenvolvimento da sua
competência profissional (Wallace, 1991).
No contexto do ensino-aprendizagem das CN no 1º CEB, o professor pode e
deve reflectir, por exemplo, sobre os conteúdos que considera fundamentais, a sua
competência pedagógica e as diferentes perspectivas investigativas da didáctica das
ciências, as finalidades do ensino das ciências neste nível de ensino e questionar a
legitimidade dos métodos que emprega. Pode interrogar-se sobre os conhecimentos,
capacidades e atitudes que os seus alunos estão a desenvolver, sobre os factores que
influenciam positivamente ou negativamente o seu desenvolvimento, conduzindo
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58
necessariamente à reflexão sobre o processo de avaliação dos alunos, numa perspectiva
de educação científica para a cidadania. Pode, ainda, reflectir sobre a sua relação com os
alunos e a sua profissionalidade com vista ao autoconhecimento e a melhoria das
práticas. Esta postura de questionamento permanente do saber e da experiência e a
atitude de compreensão de si mesmo e do contexto educativo em que o professor actua,
caracterizam o pensamento reflexivo como estratégia autoformativa e de
desenvolvimento de um espírito de investigação-acção numa perspectiva construtivista
do ensino.
Em suma, estamos conscientes das dificuldades em ser verdadeiramente
professor prático reflexivo, por falta de tradição, por falta de condições, pela dificuldade
que o processo de reflexão acarreta e, sobretudo, pela falta de vontade dos professores
em mudar. Contudo, a FC dos professores neste âmbito será importante para que a
vontade de ser autónomo e de inovar prevaleça, permitindo o desenvolvimento de
capacidades que habilitem o professor a intervir nas situações singulares de prática que
se lhe apresentam. Marcelo (1995: 60) afirma que há necessidade de “formar
professores que venham a reflectir sobre a sua prática, na expectativa de que a reflexão
seria um instrumento de desenvolvimento do pensamento na acção”.
A formação de professores com estas características torna-se determinante dado
que só um professor reflexivo, tem possibilidade de encentivar os alunos a serem
reflexivos na sua própria aprendizagem (Zeichner, 1997).
2.4 Contextualização da Formação Contínua
A fim de contextualizar a FC incidimos nas seguintes dimensões: FC centrada na
escola, o professor como prático reflexivo e a aprendizagem ao longo da vida.
A FC centrada na escola surgiu na década de setenta, ligada ao contexto de
mudanças na educação. As razões do seu aparecimento prendem-se com a ineficácia da
formação tradicional baseada nos cursos e dirigida ao professor a nível individual
(Ruela, 1998). Era apontado o desajustamento entre as necessidades de formação dos
professores e o conteúdo dos cursos e/ou as dificuldades por eles sentidas para
utilizarem o novo conhecimento e as novas competências adquiridas ao seu contexto de
trabalho, “por razões de estatuto, por falta de recursos, por falta de mecanismos de
retroacção ou pela combinação desses factores” (Henderson, 1979: 18-19).
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59
Por este motivo, começam a ser equacionadas modalidades de formação mais
adequadas para a mudança (Canário, 1991).
Um relatório da OCDE referia: “a FC centrada na escola é melhor recebida e
mais eficaz que o modelo tradicional baseado nos cursos” (Bolam, 1982: 70). Também
para Weil (1985), os traços dominantes da FC são a mudança de programas centrados
nos indivíduos, para programas centrados na escola; a mudança de uma base de saber
tradicional para uma base de saber fornecida pela investigação; a mudança da
informação para o comportamento; a mudança do foco posto no currículo para o foco
posto nas instruções e nas orientações a nível de escola.
Deste modo, o conceito de FC centrado na escola surgia de forma abrangente,
sendo referido por Ingvarson (1990: 167), como: “todas as estratégias utilizadas pelos
formadores e professores, em parceria, para conduzir programas de formação de modo a
satisfazer as necessidades da escola e para melhorar o ensino e a aprendizagem na sala
de aula”.
A perspectiva da FC centrada na escola adquiriu maior relevo na década de
oitenta a par da importância conferida à escola como organização. A escola tinha de
passar a ser encarada como “uma organização social, inserida e articulada com um
contexto local singular, com identidade e cultura próprias, produzindo modos de
funcionamento e resultados diferenciados (Canário, 1992: 11).
Desta forma, a escola necessitava de maior autonomia e de ser portadora de um
projecto educativo próprio, pois as práticas educativas diferem consoante as
particularidades de cada escola, sendo necessário um ajustamento às normas nacionais,
sempre com o objectivo de melhorar a qualidade da educação prestada aos alunos.
A escola assume um papel fulcral pelo que deve ser um espaço de “colaboração
onde existe partilha de objectivos, valores e responsabilidades na tomada de decisões”
(Bolívar, 1994: 26). Assim, a escola é tomada numa perspectiva de incentivo a uma
cultura inovadora, em que a colaboração é uma condição essencial.
Canário, (1992b: 11) refere que “encarar o estabelecimento de ensino como a
unidade estratégica de inovação, traduz uma visão ecológica dos processos de mudança:
os indivíduos e os contextos organizacionais mudam em simultâneo e por recíproca
interacção”.
Nesta perspectiva, se centrar a formação nas escolas significa reconhecer,
respeitar e potenciar os conhecimentos, a profissionalidade e as capacidades dos
professores (Ruela 1998), significa que também os professores necessitam de se
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60
coadunar a uma nova imagem – a de professor como investigador (Stenhouse, 1975) e
prático reflexivo (Schön, 1983, 1987), que surgem em alternativa à anterior imagem de
professor como técnico (Pérez Gómez, 1992).
A FC centrada na escola está indubitavelmente ligada à actividade prática
reflexiva do professor. Como afirma Zeichner (1993: 15), na década de oitenta “os
termos prático reflexivo tornaram-se slogans da reforma de ensino e da formação de
professores por todo o mundo”. Contudo, como já foi referido, não se deve entender a
reflexão apenas como processo individual do professor, o que limitaria o seu
desenvolvimento profissional, mas como prática social, criando condições que visam a
mudança institucional e social (Zeichner, 1993), consubstanciada na análise crítica da
escola pelo professor (ver ponto 2.3.2).
Também Amiguinho, Brandão e Miguéns (1994) afirmam que centrar a
formação na escola pressupõe autonomia e responsabilidade dos professores na sua
própria formação, na determinação das situações problemáticas e na concepção de
estratégias formativas. Realçam a importância, em todo o processo, do envolvimento
dos professores em práticas de cooperação e colaboração.
Correia (1989: 22) adverte: “o adulto que serve de modelo à formação escolar de
uma criança considerada como um adulto inacabado é, da mesma forma que a criança,
um ser inacabado e em FC”.
A FC, segundo Marcelo (1994), aponta para a ideia de aprendizagem
permanente. A necessidade de uma aprendizagem permanente, parte do pressuposto de
que os conhecimentos adquiridos, facilmente se tornam insuficientes e ultrapassados
pela rápida evolução do mundo, o que exige uma actualização contínua e continuada de
saberes que se traduz na necessidade de aprendizagem ao longo da vida.
Henriques et al, (1999) realçam que um meio para alcançar um equilíbrio mais
perfeito entre trabalho, formação e o exercício de uma cidadania activa pode ser
conseguido através de uma educação permanente.
Segundo um estudo da Eurydice (2000), o conceito de aprendizagem ao longo
da vida tem origem na década de setenta, sendo introduzido por uma sucessão de
relatórios e publicações ligados à UNESCO, como sejam “Uma Introdução à Educação
ao Longo da Vida” apresentado por Paul Lengrand numa conferência em 1970
(Lengrand, 1970), e, na sequência deste, o relatório da Comissão Internacional sobre o
Desenvolvimento da Educação, intitulado “Learning to be: the word of education today
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
61
and tomorrow” (Faure, 1972). Também a OCDE (1973) publica o relatório “Recurrent
education: a strategy for lifelong learning”.
No entanto, a partir de meados da década de setenta o conceito de aprendizagem
ao longo da vida desapareceu dos textos oficiais, assim como as ideias que emanava, em
virtude da recessão e das restrições impostas a nível da despesa pública. Só na década
de noventa reaparece em contexto de luta contra o desemprego, invocando-se a
necessidade de competitividade para o reduzir (Eurydice, 2000).
Na década de noventa, a UNESCO publica o relatório “Educação para o século
XXI – Educação, um tesouro a descobrir”, conhecido por relatório Delors, que coloca a
Educação no centro da sociedade, à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao
longo de toda a vida serão, de algum modo para cada indivíduo, os pilares do
conhecimento: “aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão;
aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a
fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas e
finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes” (Delors et al,
1996: 77).
Destacamos a opinião de Canário (1999a: 95), que igualmente considera um
imperativo de civilização “a construção de uma sociedade educativa em que os
indivíduos vivam de forma permanente situações que lhe permitam aprender a ser”.
Desta forma estarão a aprender a determinar, não só o seu futuro individual, mas
também o futuro colectivo.
Relativamente à política comunitária, a aprendizagem ao longo da vida começou
por ser incluída no relatório da Comissão das Comunidades Europeias (1973) - relatório
Janne, e reaparece em dois documentos da Comissão Europeia ambos datados de 1991:
“Memorando sobre o Ensino Superior na Comunidade Europeia” e “Memorando sobre
o Ensino Aberto e à Distância na Comunidade Europeia” (Eurydice, 2000).
A Comissão Europeia (1995), no Livro Branco sobre Educação e Formação
intitulado “Ensinar e Aprender – rumo à sociedade cognitiva”, coloca a
responsabilidade individual no centro do processo de aprendizagem ao longo da vida
tornando-se um instrumento de realização pessoal e aquisição da capacidade de exercer
os direitos de cidadania, assim como de realização de objectivos económicos. Desta
forma, este documento constitui-se como uma importante referência da política
comunitária no domínio da aprendizagem ao longo da vida.
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
62
Dois anos mais tarde, em 1997, na comunicação “Por uma Europa do
conhecimento”, a Comissão Europeia associa as suas orientações pragmáticas aos
domínios da educação e da formação para o período de 2000-2006 e ao objectivo da
aprendizagem ao longo da vida. No Tratado de Amesterdão estabelece-se formalmente
que a aprendizagem ao longo da vida será, doravante, o princípio orientador subjacente
à política comunitária em matéria de educação e formação, sendo integrado enquanto
noção complementar noutras áreas de intervenção comunitária, como o emprego. Em
1999, a Comissão Europeia define a noção de aprendizagem ao longo da vida como
abrangendo toda a actividade de aprendizagem deliberada, quer formal quer informal,
empreendida numa base contínua com o objectivo de melhorar os conhecimentos, as
competência e as qualificações (Eurydice, 2000).
Nas conclusões do documento “Educação e formação para a vida e o trabalho na
sociedade do conhecimento” (Comissão das Comunidades Europeias, 2000a), é referido
que as escolas e os centros de formação deveriam ser transformados em centros locais
de aprendizagem polivalentes, acessíveis a todos, devendo ser criadas parcerias de
aprendizagens entre escolas, centros de formação, firmas e unidades de investigação,
para benefício mútuo dos diferentes intervenientes. As conclusões do documento
“Educação e formação para a vida e trabalho na sociedade cognitiva” (Comissão das
Comunidades Europeias, 2000b) referem que a aprendizagem ao longo da vida é uma
política essencial para o desenvolvimento da cidadania, da coesão social e do emprego.
A publicação pela Comissão Europeia do “Memorando sobre a Aprendizagem
ao Longo da Vida” (Comité Económico e Social, 2001), determina que esta deixa de ser
apenas uma componente da educação e da formação, devendo tornar-se o princípio
orientador da oferta e da participação num contínuo de aprendizagem,
independentemente do contexto. Isso implica a transição para uma economia e uma
sociedade assentes no conhecimento, que deve realizar-se na década de 2000 a 2010 e
contemplar todos os europeus, sem excepção.
Relativamente ao discurso oficioso associamo-nos à advertência de Canário
(1999a:89-90): “para lá de algumas frases feitas (...) a formação ao longo da vida tem
como eixo estruturante a ideia de que a formação corresponde, no essencial, à formação
profissional e que a formação profissional deve servir as necessidades das empresas”.
Desta forma, a promoção social, cultural e cívica correm o risco de estar a ser
substituídas pela lógica do aumento da produtividade e do emprego.
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
63
No sentido de definir o conceito de aprendizagem ao longo da vida, salientamos
que o anteriormente citado estudo Eurydice (2000), considera que a diversidade de
expressões utilizadas na década de setenta terá porventura facilitado a identificação das
diferentes abordagens consideradas. Convém, contudo, realçar a distinção que o referido
estudo faz entre dois termos empregados nos documentos analisados: “aprendizagem ao
longo da vida” e “educação ao longo da vida”.
Na aprendizagem ao longo da vida está directamente implícita a ideia de
responsabilidade pessoal do indivíduo pelo seu próprio percurso educativo, face ao que
o mercado da educação e da formação têm para lhe oferecer. Nessa perspectiva, exige-
se que sejam criadas condições sociais, por entidades de natureza governamental ou
outra, no seguinte sentido: “desenvolvendo políticas e disponibilizando recursos
orientados, idealmente, para um contexto que se quer simultaneamente formal (ou seja,
ligado a sistemas educativos e formativos) e não formal (isto é, separado destes sistemas
educativos mas associado a estruturas organizadas da sociedade civil) ou informal
(qualquer actividade organizada pelo próprio indivíduo)”. A expressão educação ao
longo da vida aponta, pois, para a necessidade de políticas marcadamente presentes e
para a actuação regular e decidida (Eurydice, 2000).
A nível nacional, o conceito de aprendizagem ao longo da vida é interpretado, “com o duplo sentido de um processo educativo e formativo cuja duração se
confunde com o tempo de vida dos indivíduos, desde que nascem até que morrem e de
um quadro global de referência para o desenvolvimento do sistema educativo associado a
uma visão estratégica de evolução da economia e da sociedade portuguesa projectada no
próximo século” (Eurydice, 2000: 114).
Em suma, a FC de professores é concebida como uma formação permanente ao
longo da vida (life-long learning) centrada na escola e implicando os professores na
análise reflexiva da sua prática.
2.5 Formação Contínua em Portugal
É possível distinguir dois períodos distintos na FC em Portugal: anterior ao
Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (RJFCP) (2.5.1.) e posterior ao
RJFCP (2.5.2.).
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64
2.5.1 A Formação Contínua anterior ao Regime Jurídico da Formação Contínua de
Professores
2.5.1.1 O modelo legal de Formação Contínua anterior ao Regime Jurídico da
Formação Contínua de Professores
Em termos legislativos, a preocupação com a preparação profissional contínua
dos professores em Portugal remonta ao Decreto-Lei nº 27084/36 de 14 de Outubro, que
estabelece: “os professores têm por obrigação fazer o seu aperfeiçoamento contínuo sob
pena de processo disciplinar”. Desta forma, toda a responsabilidade pela formação é
atribuída aos próprios professores.
Esta situação é alterada com a publicação da Base XXVI da Lei nº 5/73 de 25 de
Junho que estabelece: “a formação permanente dos agentes educativos constitui obrigação do estado (...)
e deverá ser bastante diversificada, de modo a assegurar a actualização dos conhecimentos
e o aperfeiçoamento da preparação pedagógica e a fornecer a promoção e mobilidade
profissionais”.
Esta linha legislativa, relativa à FC, apenas teve seguimento quando em 1986 a
Lei nº 46/86 de 14 de Outubro - Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), no capítulo
dos recursos humanos, artigo 30º, considera num dos princípios gerais sobre a formação
de educadores e professores: “FC que complemente e actualize a formação inicial numa
perspectiva de educação permanente”.
A LBSE, no artigo 35º, reconhece o direito dos educadores, professores e outros
profissionais da educação à FC, como vinha sendo reclamado pelos sindicatos desde a
década de setenta (Ruela, 1998). Também estipula que: “a FC deve ser suficientemente
diversificada” relativamente ao conteúdo e aos objectivos. O conteúdo deve “assegurar
o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e competências
profissionais”, com o objectivo de “possibilitar a mobilidade e a progressão na
carreira”.
Nesta perspectiva, deve contribuir para a satisfação profissional e motivação dos
professores. Deve ser também um factor de realização profissional, visto que pode
fomentar um estado emocional positivo face ao trabalho.
O artigo 35º estabelece, ainda, que a FC deve ser predominantemente assegurada
pelas instituições de formação inicial, embora em estreita cooperação com os
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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estabelecimentos onde os educadores e professores trabalham. Assim, esta medida
constitui-se uma transformação qualitativa da Universidade Portuguesa e do Ensino
Superior Português.
Como inovação positiva salientamos igualmente a atribuição de períodos
especiais destinados à FC que podem revestir a forma de anos sabáticos, que
possibilitam que os professores possam ser dispensados da actividade lectiva.
Na generalidade, a LBSE conduziu a uma viragem na reorganização do sistema
de formação de professores (Pires, 2001). No entanto, o modelo de FC que emerge da
LBSE está muito ligado à carreira profissional docente (Cardoso, 2000).
Neste contexto legislativo, a Comissão de Reforma do Sistema Educativo
(CRSE), no relatório final da proposta global da reforma acentua que um dos pilares da
reforma é a implementação de novos modelos de “formação e gestão dos agentes
educativos através de maior exigência qualitativa na formação inicial e contínua”
(CRSE, 1988:15). Aponta a necessidade da aprovação das linhas gerais de organização
de um sistema de FC e, ainda, da realização de acções prioritariamente vocacionadas
para: “reconversão ou actualização, sugeridas pela reorganização curricular,
nomeadamente, reconversão orientada para a docência de novas áreas ou grupos;
actualização científica-pedagógica; exercício de novas funções”.
Na sequência da LBSE, o Decreto-Lei nº 278/88 de 18 de Agosto, ao
regulamentar a profissionalização em serviço dos docentes dos ensinos Preparatório e
Secundário, que se encontram em situação de pertencer ao Quadro de Nomeação
Provisória (QNP), refere no seu preâmbulo que a profissionalização em serviço é uma
fase inicial do processo de FC.
Também o Decreto-Lei nº 287/88 realça que a reorganização do ensino e a
reformulação dos planos curriculares, exigem a necessidade de formação para todo o
corpo docente, abrangendo os professores do Quadro de Nomeação Definitiva (QND),
numa perspectiva de FC.
Ainda tendo como referência a LBSE, o Decreto-Lei nº 344/89 de 11 de Outubro
estabelece o ordenamento jurídico da formação dos educadores de infância e dos
professores dos ensinos básico e secundário e traduz no seu normativo a importância
atribuída à FC. Considera esta indissociável da formação inicial, numa perspectiva de
auto-aprendizagem e que deve promover o desenvolvimento profissional permanente
dos docentes (artigo 3º, alínea b). Reforça a progressão na carreira e a mobilidade
possibilitadas pela FC (artigo 26º, ponto 4 e 5, respectivamente), a concessão de anos
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sabáticos e de dispensa para formação (artigo 27º, ponto 3) e ainda a FC como direito e
um dever dos docentes (artigo 25º). Estabelece como objectivos fundamentais da FC: “melhorar a competência profissional dos docentes nos vários domínios da sua
actividade; incentivar os docentes a participar activamente na inovação educacional e na
melhoria da qualidade da educação e do ensino; adquirir novas competências relativas à
especialização exigida pela diferenciação e modernização do sistema educativo” (artigo
26º, alíneas a, b, c).
Estabelece que a iniciativa para organizar acções de FC pertence a: “instituições (...) de formação inicial de docentes, (...) organismos nacionais, regionais ou
locais do Ministério da Educação, de outros Departamento do Estado, de entidades e organismos
empregadores bem como de docentes, incluindo as associações profissionais e científicas” (artigo
27º, ponto 1).
Acrescenta-se que a FC pode “ser promovida e apoiada pelo próprio
estabelecimento de educação ou ensino ou por vários estabelecimentos apoiados por um
mesmo centro de recursos” (Idem, ponto 2), inferindo-se a antevisão dos centros de
formação das associações de escolas.
O ordenamento jurídico da formação dos docentes, em conjunto com a LBSE,
abriram caminho para a institucionalização do sistema de FC aliada à avaliação e
progressão na carreira docente, presente no Decreto-Lei nº 139-A/90 de 28 de Abril que
define o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos
Básico e Secundário, mais conhecido por Estatuto da Carreira Docente (ECD).
Destacamos os aspectos mais relevantes relativos à FC contidos neste diploma:
- o direito dos docentes à formação e informação (artigo 4º, ponto 4, alínea b),
através do acesso a acções de FC regulares e do apoio à autoformação (artigo 6º e
15º).
- os objectivos da FC: actualizar, aprofundar, aperfeiçoar conhecimentos
profissionais, apoiar a actividade profissional docente e, ainda possibilitar a
reconversão profissional, mobilidade e progressão na carreira (artigo 6º e 15º).
- o dever profissional do docente em se empenhar e concluir as acções de formação
em que participar (artigo 10º, ponto 2 - alínea g).
- a iniciativa da FC ser assegurada pelas instituições para tal vocacionadas ou por
organismos públicos ou entidades privadas, podendo ser ainda promovida ou
apoiada pelos estabelecimentos de educação ou de ensino, individualmente ou em
regime de cooperação (artigo 16º). Salientamos não serem directamente
mencionadas as instituições do ensino superior, como acontece na LBSE.
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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- a avaliação do desempenho dos docentes, de forma a permitir a inventariação das
suas necessidades de formação e de reconversão profissional (artigo 39º, ponto 3 -
alínea c).
- o estabelecimento da FC como componente não lectiva. A realização de trabalho a
nível dos estabelecimentos de educação ou de ensino, pretendendo contribuir para
a realização do projecto educativo da escola, pode compreender, entre outros
aspectos, a participação, promovida nos termos legais ou devidamente autorizada,
em acções de FC ou em congressos, conferências, seminários e reuniões para
estudo e debate de questões e problemas relacionados com a actividade docente
(artigo 82º, ponto 3 - alínea d).
- o direito à licença sabática, concedido após 10 anos de tempo de serviço
ininterrupto no exercício de funções docentes. Corresponde à dispensa da
actividade docente e destina-se à FC, à frequência de cursos especializados ou à
realização de investigação aplicada (artigo 108º, ponto 2).
- o direito à dispensa de serviço docente para formação: participação em
congressos, simpósios, cursos, seminários ou outras realizações, que tenham lugar
no país ou no estrangeiro, conexas com a formação do docente e destinadas à
respectiva actualização (artigo 109º).
Perante o exposto, e de acordo com Barros (1991: 172), concluímos que os
diplomas legais anteriores ao RJFCP, atrás referenciados, “regulamentam o
desenvolvimento profissional, a progressão na carreia e a mobilidade entre os grupos de
docência, fazendo depender tal desiderato duma permanente actualização em que a FC
assume um papel de enorme relevância”.
No entanto, apesar da crescente relevância que a FC foi assumindo nos referidos
diplomas legais, estes apenas perspectivaram a sua plena implementação e
regulamentação, servindo, sobretudo, de base à elaboração do RJFCP.
2.5.1.2 Características da Formação Contínua anterior ao Regime Jurídico da
Formação Contínua de Professores
Num contexto em que Portugal ocupava, nas estatísticas europeias, o último
lugar no que se refere às taxas de escolarização, níveis de alfabetização e despesas com
a educação, entre outros, os anos sessenta do século XX marcaram o início do período
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em que faz sentido falar de FC, dado que se tentou inverter-se a situação descrita, a
partir de um aumento de acções de FC dirigidas a professores, vulgarmente apelidada de
“reciclagem”. Este período estendeu-se até aos anos oitenta, altura em que se deu uma
verdadeira explosão das práticas de FC e uma diversificação de entidades formadoras:
ME, associações de professores e instituições do ensino superior (Nóvoa, 1991).
Apesar do reconhecimento do interesse das acções de FC realizadas, diversos
estudos fazem uma avaliação bastante negativa deste período (Oliveira, 1996), de que se
ressalva o desenvolvimento de alguns projectos que constituíram uma ruptura com as
práticas dominantes de FC, como sejam: o projecto ECO, o projecto Alcácer e as
experiências da Rede de Pólos do Distrito de Setúbal. Relativamente a estes projectos
Ruela (1998: 20-21), afirma: “puseram em prática estratégias de formação contínua que
articulavam a inovação, a formação e a investigação como dimensões de um processo
único, privilegiando a formação centrada na escola e a criação de dispositivos
permanentes de formação”. Nesta perspectiva, estes projectos serviram de modelo de
FC para a legislação emanada através do RJFCP.
Contudo, pode considerar-se existir um certo entendimento em considerar a FC
do período anterior ao RJFCP, salvaguardando alguns casos, anteriormente
identificados, como obedecendo às características abaixo referidas, relativamente aos
seguintes aspectos:
- quantidade e carácter: escassa (Valente, 1986; Patrício, 1987; Esteves, 1991a;
Amiguinho, 1992; Estrela e Estrela, 1993), de carácter pontual ou não sistemático,
descontínua, ou mesmo desordenada, em termos de iniciativa, tempos, espaços,
modalidades e contextos (Nóvoa, 1991b; Estrela e Estrela, 1993 e Oliveira, 1996);
- organização e prioridades: maioritariamente organizada pelos serviços de
administração da educação, sem participação dos professores na concepção e
orientação da formação, com falta de apoio das entidades responsáveis pela
formação (Estrela, 1990, 2001; Nóvoa, 1991b); com prioridades variando de
acordo com as mudanças nas orientações políticas e/ou reformas educativas
(Nóvoa, 1992b e Oliveira, 1996), incidindo de forma privilegiada nos conteúdos
científicos/ciências da especialidade e/ou pedagogia-didáctica, tentando suprir
deficiências nos conhecimentos e competências profissionais, à margem da
carreira docente e do desenvolvimento profissional (Nóvoa, 1991a; Ruela, 1998);
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- modelo de formação: predomínio do modelo “defectológico” superador de
carências segundo Eraut (1988) e “centrado nas aquisições” de acordo com Ferry
(1983), citados por Estrela (1990 e 2001);
- ajustamento às necessidades dos professores e das escolas: oferta
desajustada/desarticulada, mais determinada por modas de temas e de formadores
do que por necessidades, previamente determinadas, dos professores e das
escolas, sendo dirigida a professores desinseridos de um projecto colectivo ou
institucional (Estrela, 1990, 2001; Nóvoa, 1991a; Ruela, 1998);
- repercussão nas práticas dos professores: pouca eficácia a nível de mudança das
práticas educativas dos professores ou inexistência de repercussões (Patrício,
1987; Canário, 1991b; Amiguinho, 1992; Oliveira, 1996).
- avaliação da formação: falta de consistência e credibilidade (Estrela, 1990 e
2001);
Considerando as características dos aspectos da FC referidos e de acordo com
Pires (2001), os professores eram os únicos responsáveis pela sua
actualização/reciclagem, visto que assistiam voluntariamente à formação que lhes era
oferecida.
2.5.2 A Formação Contínua posterior ao Regime Jurídico da Formação Contínua
de Professores
2.5.2.1 O modelo de Formação Contínua emergente do Regime Jurídico da Formação
Contínua de Professores
A fim de concretizar o estipulado nos normativos legais já referenciados (2.5.1),
de que se destaca a LBSE – Lei nº 46/86 de 14 de Outubro, o ordenamento jurídico da
formação dos docentes – Decreto-Lei nº 344/89 de 11 de Outubro e o ECD – Decreto-
Lei nº 139-A/90 de 28 de Abril, foi criado o sistema nacional de FC de professores, com
a publicação do Decreto-Lei nº 249/92 de 9 de Novembro.
A criação de um sistema nacional de FC que contribuísse para a valorização da
profissão docente e para a implementação da Reforma Educativa já vinha a ser
reclamada há bastante tempo (Correia, 1993). Este documento gera um certo consenso
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pela convergência de interesses relacionados com a reforma educativa, estruturas
sindicais, escolas e professores (Ruela, 1998).
O Decreto-Lei nº 249/92 de 9 de Novembro “estabelece o regime jurídico da
Formação Contínua de Professores (RJFCP) e define no seu artigo 1º o respectivo
sistema de coordenação, administração e apoio”.
A análise deste documento permite destacar as principais regras de orientação da
FC que contemplaram os seguintes aspectos:
- Nos princípios gerais: os objectivos (artigo 3º); dos princípios (artigo 4º); dos seus
efeitos (artigo 5º);
- Nas acções de FC: as modalidades de formação (artigo 7º); a forma de divulgação
das acções (artigo 9º); a avaliação das mesmas (artigo 10º) e a avaliação dos
formandos (artigo 11º);
- Nas entidades formadoras: as entidades responsáveis pela promoção de FC (artigo
15º);
- Nos formandos: os seus direitos (artigo 35º) e os seus deveres (artigo 36º);
- Na criação do Conselho Coordenador da FC (CCFC) representação e competências
(artigos 37º a 42º);
- Na administração da formação, a sua orientação pelo ME (artigo 43º).
No que se refere aos objectivos, coexiste a concepção de FC como reciclagem
pela “actualização e aprofundamento de conhecimentos” e “aperfeiçoamento da
competência profissional e pedagógica”, com a concepção da FC como
desenvolvimento profissional, pelo “incentivo à autoformação, à prática de investigação
e à inovação educacional”.
Nos princípios orientadores diminui o papel do Estado no controlo da formação
pela “descentralização funcional e territorial do sistema de FC”, o qual é transferido
para as escolas, pelo “associativismo entre escolas”, e para os professores, pelo
“associativismo docente”. Realça-se a “valorização da comunidade educativa”, a
concessão de “liberdade de iniciativa” e a “autonomia científico-pedagógica” dos
centros de formação.
Nos efeitos da FC refere-se a “apreciação curricular” e a “progressão na carreira
docente”, através da creditação das acções de FC.
No que se refere às modalidades de formação, encontramos as tradicionais e
centradas nos conteúdos - cursos e módulos de formação, disciplinas singulares do
ensino superior e seminários, coexistindo com modalidades potencialmente mais
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inovadoras e centradas nos contextos - oficinas de formação, estágios, projectos e
círculos de estudos.
Relativamente à divulgação das acções de FC pelos centros de formação, indica-
se que “devem ser referidas as condições de frequência e de avaliação dos formandos,
bem como os créditos a atribuir”, sendo ignorados os objectivos e as metodologias.
A avaliação das acções, é feita “pelo formando e pelo formador ou entidade
formadora”, de acordo com a “adequação aos objectivos previamente definidos e a sua
utilidade na FC do docente”. Desta forma, apenas se indaga da legitimidade da acção
com ela própria e da sua pertinência para o professor (Correia, 1992), ignorando-se a
inserção desta na escola. A avaliação do formando é feita pelo aproveitamento
individual e sob a forma escrita, levando Ruela (1998: 24) a afirmar que “reforça a
tendência que ignora que o desenvolvimento profissional dos professores e o
desenvolvimento da escola como organização têm de estar articulados”.
Contudo, os direitos dos formandos parecem contrariar essa tendência, dado lhes
ser permitido “escolher as acções de formação que mais se adeqúem ao seu plano de
desenvolvimento profissional e pessoal” e “contabilizar créditos”, com o objectivo de
desenvolvimento profissional, bem como “participar na elaboração do plano de
formação do centro”, além de cooperar a fim de desenvolver projectos e promover
círculos de estudos, que vão no sentido do desenvolvimento da escola.
Relativamente às entidades formadoras, o RJFCP dedica às instituições do
ensino superior dois artigos (16º e 17º), aos CFAE’s dez artigos ( 18º a 27º) e aos
centros de formação de associações de professores um artigo (28º), parecendo
privilegiar a formação centrada nos contextos organizacionais. No entanto, institui a
formação num contexto de oferta e procura, em que os professores são considerados
individualmente, desinseridos dos contextos de trabalho.
O CCFC é um órgão de parceria social onde estão representados o ME, as
diversas entidades formadores e associações de professores, competindo-lhe coordenar,
avaliar e superintender nas acções de FC. A qualidade da formação é assegurada pela
acreditação das entidades formadoras, dos formadores e das acções de FC que também
são creditadas.
A administração da FC fica sob orientação do ME pelo estabelecimento de
prioridades, criação de programas nacionais relacionados com a reforma educativa e
coordenação, administração e avaliação do sistema de FC.
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Em suma, o RJFCP possibilita uma grande diversidade deformação a nível de
objectivos, princípios, modalidades de formação e entidades formadoras (Matos, 1993),
em que a qualidade da formação é assegurada pela acreditação e creditação das
entidades formadoras e das acções de FC, a cargo do CCFC. Como inovação, apesar das
limitações relativas à oferta e à procura individual dos professores, centra-se a formação
na escola (Ferreira, 1994) e, deste modo, pretende-se contribuir para a renovação das
dinâmicas institucionais de forma que a formação seja mais sistematizada e planificada,
procurando ir de encontro às necessidades da escola e do sistema educativo (Estrela e
Estrela, 1993).
2.5.2.2 Reajustamentos ao Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores
As alterações ao RJFCP foram introduzidas pela Lei nº 60/93 de 20 de Agosto,
Decreto-Lei nº 274/94 de 28 de Outubro e Decreto-Lei nº 207/96 de 2 de Novembro.
Através da Lei nº 60/93 de 20 de Agosto procedeu-se à alteração por ratificação
de diversos aspectos e orientações, no que diz respeito: às áreas de formação (artigo 6º);
à avaliação dos formandos (artigo 11º); às entidades formadoras; aos requisitos dos
formadores; aos formadores especialistas; à composição do CCFC; ao funcionamento
do CCFC e aos outros apoios.
O Decreto-Lei nº 274/94 de 28 de Outubro fez alterações significativas ao
RJFCP, justificadas pelos constrangimentos detectados no primeiro ano de
implementação do sistema, a nível da coordenação da formação, dos processos de
acreditação das entidades formadoras e das acções de FC e dos requisitos dos
formadores. Introduziu critérios de maior exigência à qualificação dos formadores e
impôs restrições à natureza das acções de FC que relevam para progressão na carreira,
considerando apenas as que incidam directamente no desempenho do professor na sala
de aula, as que sirvam para reconversão profissional e as relacionadas com funções de
direcção, gestão e administração da escola (artigo 5º). Acentuou-se a dimensão técnico-
didáctica do professor em detrimento da reflexiva (Ruela, 1998), ignorando o
desenvolvimento profissional deste e da escola como organização (Nóvoa, 1992a).
O CCFC, órgão de parceria social é substituído por outro de carácter científico-
pedagógico, o CCPFC, cuja constituição integra: um presidente e quatro vogais,
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nomeados por despacho do ME, de entre personalidades de reconhecido mérito na área
da Educação.
Desta forma, houve um aumento do controlo pelo ME sobre a FC e sobre a
articulação desta com as necessidades do sistema educativo, definidas superiormente, o
que levou a protestos, principalmente dos sindicatos.
O Decreto-Lei nº 207/96 de 2 de Novembro estabelece a versão consolidada do
RJFCP. Dá destaque à valorização pessoal e profissional do docente, em interligação
com a actividade que desenvolve a nível da sua escola. Provocou algumas alterações a
nível dos objectivos da FC, das entidades formadoras com competência para realizar
acções de FC, da redefinição da composição e das atribuições do CCPFC, da criação do
Conselho de FC (composição - artigo 52º, competências - artigo 53º, organização e
funcionamento - artigo 54º e apoio logístico, administrativo e financeiro - artigo 55º).
Dá particular atenção ao papel dos CFAE’s, proporcionando mais e melhores condições
para o exercício dos cargos de direcção e de gestão pedagógica. Estes podem nomear
consultores de formação vocacionados para as modalidades de projecto e círculo de
estudos e constituir bolsas de formadores de cada um dos níveis e modalidades de
educação e ensino que integram. Para efeitos remuneratórios o director do CFAE é
equiparado ao Presidente do Conselho Directivo da Escola. O director pode beneficiar
de dispensa total de serviço docente e o apoio técnico será assegurado por um máximo
de dois docentes. Também é consagrada a existência de um órgão de consulta sobre as
opções de política de FC – o Conselho de Formação Contínua. Neste órgão estão
representadas as várias entidades formadoras, outras instituições e entidades directa ou
indirectamente relacionadas com a FC. Desta forma, foi criado um espaço institucional
de debate sobre a FC.
De realçar não ter havido alterações no que se refere aos efeitos da FC na
progressão da carreira docente.
O RJFCP, na sua versão consolidada pelo Decreto-Lei nº 207/96 de 2 de
Novembro, veio a ser rectificado pelo Decreto-Lei nº 155/99 de 10 de Maio,
consagrando a atribuição de um suplemento remuneratório pelo desempenho de funções
nos CFAE’s e CCPFC, tendo em conta a complexidade e especificidade das funções
desempenhadas.
Entretanto, outros documentos legais vieram contribuir para a regulamentação
da FC, como sejam:
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- o Decreto Regulamentar nº 29/92 de 9 de Novembro que define o número de
unidades de crédito de FC contabilizáveis para a progressão na carreira docente,
harmonizado pelo Despacho 38/ME/95 de 24 de Maio, cuja redacção veio a ser
alterada pelo Despacho 28/XII/ME/95 de 20 de Dezembro;
- o Decreto-Lei nº 1/98 de 2 de Janeiro que veio rever o ECD, estendendo-se esta
revisão à avaliação de desempenho dos docentes, que depende das unidades de
crédito obtidas através da FC;
- o Decreto Regulamentar nº 11/98 de 15 de Maio que veio regulamentar o processo de
avaliação de desempenho dos docentes.
2.5.2.3 Financiamento da Formação Contínua
Relativamente ao suporte financeiro da FC, as entidades formadoras
candidatam-se a verbas, ao abrigo dos programas FOCO e FORGEST, regulamentados
por normativos como: Despacho nº 299/ME/92 de 11 de Novembro, Despacho nº
301/ME/92 de 11 de Novembro, Despacho conjunto 69/ME/MESS/94 de 8 de
Novembro, Despacho conjunto 19/ME/MQE/96 de 22 de Fevereiro, Despacho conjunto
nº 364-A/97 de 15 de Outubro e Despacho conjunto nº 984/2001 de 29 de Outubro,
destinados a regulamentar:
- Despacho nº 299/ME/92 de 11 de Novembro - medida 1.3 do PRODEP, designada
por FOCO, que decorreu, numa primeira fase, até Dezembro de 1993, e cujo apoio
era assegurado pelo Fundo Social Europeu.
- Despacho nº 301/ME/92 de 11 de Novembro - medida 1.2 do PRODEP, designada
por FORGEST, cujo período de execução abrange os anos de 1992 e 1993.
- Despacho conjunto 69/ME/MESS/94 de 8 de Novembro – aprovação do
regulamento da medida 2 do PRODEP, designado por FOCO, tendo em conta o
contexto de desenvolvimento do PRODEP II, para o período de Janeiro de 1994 a
Dezembro de 1999. O financiamento da FC passa a abranger também o âmbito da
reconversão profissional e da formação especializada.
- Despacho conjunto 19/ME/MQE/96 de 22 de Fevereiro – alteração do despacho
anterior, privilegiando a FC que favorece a integração dos docentes nos respectivos
estabelecimentos e territórios educativos. Esta medida visou melhorar a qualidade
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do ensino e das aprendizagens dos alunos, tendo em consideração as necessidades
específicas dos professores, do sistema educativo e das escolas.
- Despacho conjunto nº 364-A/97 de 15 de Outubro – revogação do anterior
despacho, aprovando o Regulamento da Medida 2/Acção 2.1 do PRODEP – FC de
Professores e de Responsáveis pela Administração Educacional (FOCO),
constituindo mais um passo decisivo na institucionalização da formação
permanente.
- Despacho conjunto nº 984/2001 de 29 de Outubro - aprovação do regulamento de
Acesso à Medida nº 5, Acção nº 5.1, “FC e Especializada nos Ensinos Básico e
Secundário” integrada no PRODEP III.
2.5.2.4 Características da Formação Contínua posterior ao Regime Jurídico da
Formação Contínua de Professores
Perante o exposto, relativamente à realidade jurídica delineada a partir do
RJFCP, que pode resumir-se, de acordo com Estrela (2001: 36-37), da seguinte forma: - “define objectivos da formação que visam contribuir simultaneamente para a
melhoria da qualidade do ensino/aprendizagem e da qualidade da escola como
estabelecimento e centro de um território educativo;
- visa a valorização dos docentes através dos saberes e competências profissionais em
vários domínios, procurando estimular a sua capacidade de inovação, configurando
assim um conceito de profissionalismo alargado;
- consagra princípios que dão margens de liberdade para o exercício de criatividade
dos docentes e das escolas e para o fortalecimento do associativismo;
- permite a expansão e a diversificação do sistema;
- cria estruturas organizativas e alarga o número e a natureza dos intervenientes da
formação;
- introduz ideias e vocabulários correntes nas retóricas actuais de autores ligados às
Ciências da Educação, aparentemente abrindo-se a uma pedagogia da existência
valorizada do projecto pessoal e profissional;
- se presta às mais diversas leituras mas que tendem em geral a sublinhar a sua
actualidade e pertinência”.
No entender da referida autora podem-lhe ser apontados alguns pontos críticos,
que se relacionam fundamentalmente com:
- a indefinição do conceito de formação/desenvolvimento pessoal do professor, que
parece ser um reflexo do desenvolvimento profissional. Isso explicaria que a
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“formação pessoal, deontológica e sócio-cultural” não fosse apresentada como um
objectivo, mas apenas como área de formação. Por outro lado, o direito à escolha
das acções de FC que se adeqúem ao desenvolvimento profissional e pessoal do
professor entra em contradição com o princípio do financiamento e com a lógica
da creditação;
- a necessidade de acreditação e creditação das acções de FC sujeitas a
financiamento colidir com a autonomia pedagógica concedida às entidades
formadoras e desvirtuar algumas das modalidades mais promissoras da formação,
tornando inútil o trabalho de detecção de necessidades, visto não haver garantias
de que sejam os indivíduos em que estas foram detectadas, os destinatários da
formação;
- a falta de continuidade das acções de FC, pois não se criaram nos centros e nas
escolas estruturas que possibilitem a continuidade das mesmas.
A partir desta análise crítica e de alguns estudos empíricos, de avaliação de
programas de formação e de relatórios do CCPFC, podem inferir-se algumas das
características da FC.
A análise do relatório anual do CCPFC de 2001, por exemplo, informa que só no
período de tempo a que reporta foram acreditadas 3806 acções de FC, distribuídas
desigualmente pelos diferentes tipos de entidades formadoras (CFAE’s – 2776;
associações profissionais – 421; instituições do ensino Superior – 461 e outras – 148),
regiões do país (Açores – 92; Madeira – 29; Norte – 1299; Centro – 878; Lisboa – 1017;
Alentejo – 148; Algarve – 133; Nacional – 210) e modalidades de formação (curso de
formação – 2218; módulo de formação – 126; seminário – 25; oficina de formação –
891; estágio – 19; projecto 130; círculo de estudos – 397).
Desta forma, verifica-se que as modalidades de formação centradas nos
conteúdos, principalmente cursos de formação, possuem a maior fatia das acções
acreditadas, em detrimento das modalidades de formação centradas nos contextos
escolares, embora nestas se destaque pela positiva a modalidade de oficina de formação.
No entanto, o CCPFC traça um quadro evolutivo desta situação através da
evolução percentual de acções de FC por modalidades de formação entre 1998 e 2001.
Assim, comparando as percentagens de cada modalidade de formação do ano de 1998
com as do ano de 2001, verifica-se que os cursos de formação diminuíram de 77.4%
para 58.3%, os módulos de formação de 4.5% para 3.3%, os seminários mantiveram os
0.7%, as oficinas de formação aumentaram de 7.3% para 23.4%, os estágios
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mantiveram os 0.5%, os projectos mantiveram os 0.3% e os círculos de estudo
aumentaram de 6.2% para 10.4%
Apesar da evolução no sentido de centrar a formação nos contextos escolares,
especialmente através da modalidade de oficina de formação, verifica-se que ainda há
muito a fazer. Os dados disponibilizados no relatório anual do CCPFC de 2001 referem-
se apenas a acções de FC que foram acreditadas, não se sabendo quais foram realizadas,
e destas quantos formandos as frequentaram. Quanto aos formadores, indica-se que
foram qualificados 1903 formadores durante o ano de 2001, dos quais 1195 através do
nº1 e 2 do artigo 31º do RJFCP e 708 ao abrigo do nº3 do mesmo artigo e regime
jurídico. Contudo, estes dados não permitem concluir sobre o excesso ou carência de
formadores em cada área e domínio de formação e região do país.
A qualidade da formação pode ser inferida através da planificação das acções de
FC e da análise das respectivas fichas de avaliação. Estrela (2001), com base na análise
dos planos das acções de uma instituição em cuja avaliação participou, refere que havia
muitos planos coerentes no seu desenho curricular, mas que também não era raro
verificar-se a confusão entre objectivos e finalidades, entre objectivos e conteúdos e
pouca coerência interna quer a nível dos objectivos quer a nível da adequação das
metodologias e das formas de avaliação aos objectivos propostos. A autora verificou,
ainda, a falta de integração nos planos da acção de estratégias de diferenciação quando a
acção envolvia públicos de vários níveis de ensino, com problemas e interesses
diferentes. Relativamente às metodologias predominava a exposição, o debate, o
trabalho de grupo e a leitura de textos. O ponto mais crítico apontado pela autora diz
respeito à análise das fichas de avaliação. Aplicadas no final da realização da acção,
sem avaliações intermédias, não surtem efeito regulador, tornando-se mera formalidade
imposta exteriormente. Sem a definição de referenciais e de critérios de avaliação e sem
tempos de discussão e reflexão, perde-se uma óptima oportunidade formativa.
Apesar dos aspectos positivos decorrentes da importância atribuída aos CFAE’s,
no que respeita à melhoria de acesso à formação a docentes afastados dos grandes
centros urbanos, teve efeitos negativos no que respeita à “oferta de formação por
catálogo, assente no modelo de aquisições, descentrado da escola e dos seus projectos
educativos e a uma procura mais determinada por necessidades decorrentes da gestão da
carreira do que por necessidades surgidas de uma intenção de desenvolvimento
profissional” (Estrela, 2001: 42).
REVISÃO DA LITERATURA __________________________________________________________________________________________________________
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Os desvios ocorridos relativamente aos objectivos da FC, no entender da referida
autora podem ser atribuídos a diversos factores: o sistema de financiamento, a falta de
estruturas de apoio, o processo de recrutamento dos formadores, a falta de formação de
alguns directores, a inexperiência natural de todos, dado o carácter recente desta
inovação e o desinteresse de algumas escolas e professores na sua ligação ao centro.
Em síntese, estabelecendo comparação entre a formação anterior ao RJFCP e a
formação que lhe é posterior, verifica-se que apesar de melhorias em alguns aspectos,
persistem muitos pontos críticos, que resultam, em parte, do desfasamento entre o que é
estipulado a nível legislativo e o que se concretiza no terreno.
Pode entender-se que foi no sentido de colmatar alguns destes desfasamentos
que o CCPFC procedeu à regulamentação da acreditação da FC
2.6 Regulamentação da acreditação da Formação Contínua
Uma das competências do CCFC e posteriormente do CCPFC consiste na
acreditação das acções de FC. As acções de FC propostas pelas entidades formadoras
eram objecto de análise, sem se ter em conta critérios explícitos relativos ao seu
enquadramento nos respectivos planos de formação. No sentido de alterar esta situação,
o CCPFC tem vindo a proceder à regulamentação e definição de critérios de decisão no
sentido de fazer a análise da FC oferecida pelas entidades formadoras com base nos
seus Planos Globais de Formação (2.6.1) e com base na caracterização e
regulamentação das modalidades de FC (2.6.2). Também procedeu à regulamentação
das áreas e domínios de FC (2.6.3).
2.6.1 Planos Globais de Formação
No sentido do desenvolvimento qualitativo da FC e tendo em conta a construção
participada da formação centrada nas práticas profissionais, O CCPFC produziu e
debateu com as entidades formadoras um conjunto de documentos orientadores, com
vista à acreditação de acções de FC com base em planos de formação.
Nesta perspectiva, podem distinguir-se três etapas do processo de acreditação de
acções de FC com base em planos de formação:
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79
1. Debate, que decorreu durante os anos de 1998 e 1999, resultando no
documento: Contributo para a consolidação da FC centrada nas práticas
profissionais (1999);
2. Debate centrado no documento: Acreditação de acções com base em planos
de formação – termos de referência (2000), realizado na série de encontros
regionais 2000.
3. Convite do CCPFC à construção dos primeiros planos de formação
deliberadamente organizados com vista a acrescentarem coerência e
significado ao conjunto de acções que as entidades formadoras têm no
terreno. Na mesma altura organizou um “workshop”, com a participação de
trinta e oito entidades formadoras que se disponibilizaram a iniciar um
trabalho conjunto de reflexão e de sistematização na montagem dos referidos
planos, onde o CCPFC apresentou uma análise problematizadora do
conteúdo dos planos que foram analisados;
Em consequência do trabalho desenvolvido, o CCPFC definiu como
componentes de apreciação dos planos de formação três domínios, os quais, em
continuidade do trabalho de interacção com as entidades formadoras, foram
categorizados num conjunto de dimensões a seguir explicitadas: 1. “Problematização de necessidades de formação e de contextualização da formação:
- Posicionamento do plano de formação face às orientações para o sistema de FC de
professores.
- Posicionamento do plano de formação face às prioridades definidas periodicamente.
- Integração no plano de formação, das necessidades de formação das Escolas
Associadas, nomeadamente no que respeita a:
propostas concretas de formação incluídas nos planos de formação das Escolas
Associadas;
problemas identificados com as Escolas Associadas, a partir de dados
objectivos reveladores do seu desempenho;
problemas e carências de formação decorrentes dos dados objectivos da
avaliação das aprendizagens dos alunos em anos anteriores;
interesses e carências de formação revelados pelos professores (incluindo os
dados dos Planos Individuais de Formação integrados nos relatórios críticos de
mudança de escalão);
iniciativas dos Centros para apoio à inovação nas Escolas Associadas.
2. Organização e calendarização do plano de formação:
- Explicitação de estratégias de formação orientadas para a concretização das linhas de
acção do plano de formação;
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- Priorização (calendarização) das estratégias de formação face às necessidades de
apoio aos alunos e formação dos professores.
- Processos de pilotagem das estratégias de formação identificadas.
3. Previsão de resultados e avaliação
- Processos de avaliação e de controlo da eficácia das estratégias de formação
adoptadas e das acções de formação.
- Processos de disseminação nas Escolas dos resultados da formação e das práticas e
produções inovadoras alcançadas.
- Previsão das mudanças pretendidas como resultado da formação, nos domínios
processual, comportamental e de recursos” (CCPFC, 2001).
Também foi definida uma outra forma de análise do plano de formação
relativamente à referida carteira de indicadores de incidência da formação oferecida
pelos Centros. Nesse sentido, o conteúdo de cada indicador constante da carteira
corresponde aos objectivos gerais, ou aos efeitos esperados das acções de formação
reunidas em plano de formação. Para esse efeito, os objectivos são entendidos como “os
efeitos antecipados, ou os resultados previstos, de transformação pessoal e profissional
em consequência de uma (inter)acção programada” (CCPFC, 2001: 18).
Assim, como as acções de FC se distribuem pelos vários indicadores de
incidência, ou vertentes de formação, a partir da análise dos objectivos ou dos efeitos
esperados que constam nas fichas de descrição da acção, é possível construir para cada
plano de formação um perfil de incidência da formação oferecida.
Por outro lado, a natureza do perfil de incidência de cada entidade formadora e o
estudo comparativo do conjunto de perfis, na perspectiva evolutiva das formações de
um centro ou na perspectiva sincrónica entre centros, permitirão na opinião do CCPFC
(2001: 19) “a formulação de juízos de adequação dos planos de formação às
necessidades do sistema, às áreas e aos objectivos de relevância política e ao
desenvolvimento da oferta de formação para a construção da cultura e da profissão
docente”. O CCPFC confere importância a este referencial, não só no sentido de
orientar a construção dos planos de formação, quando for utilizado pelas Comissões
Pedagógicas dos CFAE’s e pelos Conselhos Pedagógicos ou Conselhos de Docentes das
escolas, mas também como instrumento sinalizador de vertentes de FC necessárias ao
desenvolvimento da profissionalidade dos docentes e à promoção da qualidade
educativa das escolas.
Nesta perspectiva, assume-se que este instrumento possa ser aplicado, não só
como indicador da formação oferecida, à posteriori, mas também como referencial na
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81
construção dos planos de formação, visando o desenvolvimento profissional dos
docentes e a melhoria da qualidade da educação.
2.6.2 Caracterização e regulamentação das modalidades de Formação Contínua
O ME obriga à frequência, conclusão e aproveitamento de acções de FC das
mais variadas áreas, com um número de horas pré-estabelecido em unidades de crédito.
Por sua vez, os planos de formação das entidades formadoras devem ser
organizados em função da identificação e análise de problemas e necessidades das
escolas e dos professores da área por elas abrangida, numa base tanto quanto possível
negocial e contratualizante (CCPFC, 1999). Assim, as entidades formadoras
organizarão as acções que integram o plano de formação escolhendo, para cada uma, as
modalidades apropriadas ao tipo de necessidades de formação identificadas.
Pretendendo regulamentar as modalidades de FC, o CCPFC (1998: 12 e 13),
orientou-se pela seguinte intenção norteadora: “aumentar a capacidade de intervenção das entidades formadoras no que diz
respeito à diversificação da oferta de modalidades de formação, que possam responder
com coerência científica e profissional, ao leque tão variado e imprevisível de
solicitações, problemas e necessidades de formação do corpo dos educadores
profissionais e das escolas da sua área.”
Se é certo que todas as modalidades de FC previstas no RJFCP se destinam a
melhorar as competências profissionais dos professores, cada modalidade possui
características próprias que a tornam mais adequada e útil na consecução de uns
objectivos, em detrimento de outros.
O CCPFC (1998), a fim de destacar o valor intrínseco de cada uma das
modalidades, valorizando as suas características e o papel que podem desempenhar
numa formação centrada na escola e nas práticas profissionais, distingue, duas
categorias de modalidades de FC: Modalidades Centradas nos Conteúdos –
curso/módulo de formação e seminário e Modalidades Centradas nos Contextos
Escolares – círculo de estudos, oficina de formação, projecto e estágio.
É de salientar que a modalidade de disciplinas singulares do ensino superior, não
sendo organizada na lógica da FC, tratando-se da acreditação e creditação de cursos e
disciplinas de outros sistemas de formação que também sejam relevantes para efeitos de
FC, não constam desta caracterização.
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82
A diferença entre a modalidade de cursos e a de módulos de formação reside
apenas na sequencialidade destes últimos que implicam uma articulação progressiva e
coerente com os objectivos propostos.
As características específicas das acções de FC que permitem distinguir as
modalidades de formação centradas nos conteúdos, baseiam-se no facto de que os
cursos e os módulos de formação se destinam dominantemente à aquisição de
conhecimentos profissionais e aos seminários acresce uma característica de estudo
avançado e de trabalho científico mais exigente, através de uma metodologia de estudo
autónomo, de relatos aos grupos e elaboração de um ensaio escrito ou relatório
científico de investigação. No seu conjunto, estas modalidades proporcionam, com
níveis de aprofundamento distintos, uma formação centrada no conteúdo, isto é, focada
no estudo das problemáticas do sistema educativo, do sistema de conhecimentos e da
função docente.
Por outro lado, o círculo de estudos, oficina de formação, projecto e estágio
iniciam-se e garantem a experimentação e a aplicação das aquisições pessoais nos
espaços de trabalho profissional – as salas de aula, as escolas, os territórios educativos e
comunitários.
A regulamentação destas modalidades de FC, por parte do CCPFC (1998: 14 e
15), orientou-se no sentido de: - “induzir no sistema de formação contínua os principais domínios de acção da
formação em contexto, centrada nas práticas e orientada para a resolução de
problemas das escolas e para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dos
alunos;
- oferecer às entidades formadoras instrumentos mais poderosos e assertivos de
intervenção sobre a formação, que lhes permitam integrar no seu plano de formação
acções especialmente vocacionadas para garantirem o questionamento e a
modificação das práticas profissionais nos espaços de trabalho profissional onde
actuam os participantes;
- aumentar, deste modo, a capacidade de resposta de formação das entidades
formadoras, face à variedade de problemas e necessidades dominantes emergentes
nas escolas;
- garantir que, durante o mesmo ano escolar e com as mesmas turmas com que
trabalham, e equipas pedagógicas ou educativas em que se inserem os professores em
formação, experimentem e reflictam as mudanças que conceberam em conjunto.”
A fim de caracterizar, de forma mais completa, as diferentes modalidades de
acções de FC, com base no regulamento do CCPFC (2001), destacam-se as diferenças
e/ou semelhanças a nível dos objectivos, modo de realização, âmbito de aplicação em
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que se enquadram e a sua duração. Há, ainda, a considerar as diferenças e/ou
semelhanças a nível das condições específicas de acreditação e creditação para cada
modalidade de FC. A fim de não interromper o discurso do texto são apresentados três
quadros (A, B e C), em anexo (Anexo 1), que possibilitam, respectivamente, estabelecer
a comparação das referidas características e condições.
Relativamente às características das modalidades de acções de FC, destacamos,
como exemplo, alguns objectivos e modos de realização que distinguem as diferentes
modalidades (CCPFC, 2001):
- Os círculos de estudos têm o objectivo de “implicar a formação no
questionamento e na mudança das práticas profissionais” e as acções nesta
modalidade podem servir-se de vários métodos, entre os quais: estudo de casos,
método de resolução de problemas, método da discussão, guia de estudos,
método da representação e estudo de situações.
- Os cursos/módulos de formação têm por objectivo a “actualização e
aprofundamento de conhecimentos, nas vertentes teórica e prática” e o
“aperfeiçoamento das competências profissionais”. Assim, os objectivos são
dirigidos ao “saber” e ao “saber fazer” assumindo importância o “saber fazer
social” e o “saber ser”, segundo a classificação de Goguelin (1991), citado por
(CCPFC, 2001). Promove-se a utilização de modelos de análise e a elaboração
de produtos de formação que explicitem os novos saberes, com a intenção de se
tornarem instrumentos e recursos das práticas profissionais.
- Os estágios têm por objectivo a “reflexão sobre as práticas desenvolvidas” e a
“aquisição de novas competências”. Nesta modalidade, a actividade individual
dos formandos é assistida e discutida pelo orientador da acção, havendo
observação, análise e registo das práticas. Os participantes da acção relatam as
suas práticas, havendo partilha com os colegas.
- As Oficinas de Formação têm como objectivo, entre outros, “delinear ou
consolidar procedimentos de acção ou produzir materiais de intervenção,
concretos e identificados, definidos pelo conjunto de participantes como a
resposta mais adequada ao aperfeiçoamento das suas intervenções educativas”.
Apontam para a criação de situações de relato e partilha das práticas e de debate
sobre o material existente, para se equacionarem novos meios processuais e
técnicos de as pôr em prática, conhecimento de outros materiais apresentados
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pelo formador, avaliação dos materiais de intervenção, bem como dos resultados
com eles atingidos.
- Os projectos têm como objectivo “desenvolver metodologias de investigação-
formação centradas na realidade experimental da vida escolar e/ou comunitária,
no território educativo”. A metodologia de projecto é uma boa estratégia para a
formação centrada na escola e nos contextos e territórios educativos e para a
consolidação de atitudes de mudança e de produção de conhecimentos. Pode
assumir a forma de resolução de problemas sócio-profissionais, sócio-
comunitários, sócio-escolares, ou relativos ao universo dos alunos, na construção
de saber e de saber-fazer no âmbito do currículo.
- Os seminários têm, entre outros, como objectivos, “exercitar os formandos no
estudo autónomo e nos métodos e processos do trabalho científico”, assim como
“elaborar relatórios e outras produções escritas decorrentes do estudo e do
trabalho científico”. Através deste procedimento clássico, pretende-se
desenvolver competências de investigação, de estudo autónomo e de reflexão
crítica. Recorrem ao relato em grupo de estudos e de investigações
desenvolvidas pelos formandos e ao seu comentário e debate.
Destacamos, também como exemplo, que entre as condições de acreditação
relativas aos objectivos, conteúdos e metodologia, se verifica a exigência de que as
modalidades de estágio e cursos/módulos de formação devem ter por objecto um
problema, um tema ou uma necessidade emergente na escola, nos professores ou no
contexto sócio-educativo, ou seja na comunidade escolar e seu território educativo. Os
cursos/módulos de formação devem ainda possuir qualidade e rigor nos conteúdos
propostos, na correspondência aos objectivos enunciados, abrangência aos destinatários
e ainda metodologia adequada aos objectivos e conteúdos. Quanto à modalidade de
Oficinas de Formação, exige-se que o formador tenha experiência do saber e saber fazer
nos domínios científicos e metodológicos inerentes à acção proposta.
No que diz respeito ao número previsível de formandos a frequentar as
diferentes modalidades de formação, está previsto que as Oficinas de Formação devem
ter um mínimo de 10 e um máximo de 20 formandos. Os estágios, em princípio, não
devem ter menos de 2 nem mais de 5 formandos. Os círculos de estudos devem
contemplar, em princípio, entre 7 e 15 formandos. Quanto aos projectos, está previsto
que no caso de pelo menos 10 formandos possa haver lugar a 2 formadores.
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Quanto à creditação, ao contrário dos cursos/módulos de formação e seminários,
nos círculos de estudos, estágios, oficinas de formação e projectos, está previsto que
seja a Comissão Pedagógica da Entidade Formadora ou um especialista na temática de
círculo/estágio a proceder à creditação final e definitiva dos formandos. Nos círculos de
estudos e projectos, os formadores elaborarão um relatório final circunstanciado sobre a
forma como decorreu a acção. Nos círculos de estudos, o Consultor de Formação ou
especialista avaliará o relatório e proporá a creditação, à Comissão Pedagógica da
Entidade Formadora. A creditação, nos círculos de estudo oscilará entre 100% e 150%
da creditação base atribuída pelo CCPFC, enquanto nos estágios, oficinas de formação e
projectos oscilará entre 50 e 100% da creditação base, sendo nos estágios, projectos e
seminários a creditação de base máxima.
Em suma, são notórias as diferenças que tornam cada modalidade de formação
singular no quadro da formação de professores, principalmente nas finalidades e
metodologias, o que implica um âmbito de aplicação, duração, condições de acreditação
e creditação específicas.
2.6.3 Regulamentação das áreas e domínios de Formação Contínua
No sentido de orientar a solicitação da qualificação como formador, o CCPFC
construiu um conjunto de critérios, no sentido da qualificação nos domínios das áreas:
A - Ciências da Especialidade; B – Ciências da Educação; C – Prática e Investigação
Pedagógica e Didáctica; D - Formação Pessoal e Deontológica.
As qualificações exigidas constam do Quadro 3.
Quadro 3
Critérios de qualificação dos formadores nas áreas de formação A, B, C e D Áreas de formação Critérios de qualificação como formador
A B C D Curso de pós-graduação ou de formação especializada no domínio em causa. X X X X
Habilitação profissional com classificação mínima de Bom. X
- autoria de livros, de participação em trabalhos de desenvolvimento curricular específico ou outras actividades pertinentes, bem como de experiência anterior como formador.
X X
- exercício de actividades profissionais pertinentes ou experiência anterior como formador.
X
Currículo relevante
(excepcionalmente)
- Actividades sociais pertinentes, prática profissional ou experiência anterior como formador.
X
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De referir, que para a atribuição de qualificação de formador a docentes que
apresentem currículo relevante e comprovada experiência ao nível da formação de
professores, ao abrigo do nº3 do artigo 31º do RJFCP, o CCPFC, considerando que se
tratava de uma via excepcional de obtenção do estatuto de formador, entendeu valorizar
para o efeito o seguinte leque de parâmetros: - “adequação da formação académica e/ou profissional à área de formação em causa;
- a formação (especializada, de formadores, ou outra) recebida;
- o tempo de experiência profissional;
- a experiência como formador no âmbito da FC;
- o exercício de funções de orientação e supervisão pedagógica no âmbito da formação
inicial de professores;
- outras funções desempenhadas (como sejam, a título de exemplo, as funções de
Director Executivo, membro do Conselho Directivo, Director da Escola, membro da
Secção de Formação do Conselho Pedagógico, membro da Comissão Pedagógica de
um Centro de Formação, Coordenador dos Directores de Turma, Assessor do ensino
nocturno, Delegado de Disciplina, Chefe de Departamento Curricular, Coordenador
do Projecto Minerva, Animador de Clubes ou da Área Escola, membro de equipa de
projectos educativos do Ministério da Educação, Coordenador de Disciplina
integrado nos Serviços Centrais ou Regionais no Ministério da Educação, professor
integrado em equipas de elaboração de programas e apoiantes da reforma curricular,
...);
- a autoria de publicações ou comunicações ou a participação em projectos de
Educação” (CCPFC, 2001: 47-48).
Salvaguarda-se que não se pretende que o formador preencha cumulativamente
os parâmetros enunciados, mas tão somente que todo o currículo seja tomado em
consideração.
Apesar do esforço feito no sentido de definir critérios com vista ao requerimento
da qualificação como formador, esta era solicitada, com frequência, em domínios para
os quais não era identificada formação académica e/ou profissional ou currículo
relevantes adequados. No sentido de homogeneizar os critérios de decisão, tipificando
algumas situações usuais, a Secção Coordenadora da Formação Contínua, produziu um
referencial mais fino de critérios para a qualificação e registo de formadores por
domínios de formação.
Assim, acrescenta-se à habilitação profissional com classificação mínima de
Bom, necessária à atribuição de qualificação como formador na área C, “com
experiência relevante para o domínio a atribuir”. Desta forma, não basta a classificação
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profissional de Bom, também é necessário possuir experiência considerada relevante
para o domínio a atribuir.
Por outro lado, o currículo relevante, que podia ser levando em consideração
para atribuição de qualificação como formador, excepcionalmente, nas áreas A, B e D,
passa a permitir a qualificação em “todas as áreas” de formação, incluindo-se também a
área C.
Estabeleceu-se também que os detentores de pós graduação em Ciências da
Educação na área científica da supervisão/metodologias qualificam no domínio da área
A correspondente à sua formação de base, para além de domínios das áreas B ou C afins
à área de pós-graduação.
Também se procedeu à tipificação da qualificação como formador em alguns
domínios específicos a candidatos com determinadas habilitações, constatando-se que
apenas foram definidos critérios de qualificação como formador para casos pontuais
(como se pode verificar pelo Anexo 1 - Quadro D). As áreas, e, principalmente, os
domínios de formação carecem de uma regulamentação mais rigorosa e abrangente.
Contudo, o CCPFC (2002), ao estabelecer os contributos para a revisão do
RJFCP, considera o regime jurídico demasiado aberto, permitindo a qualificação como
formadores a docentes sem a devida formação académica e experiência profissional,
pelo que recomenda algumas alterações ao artigo 31º do RJFCP, relativo às habilitações
dos formadores, como sejam: a eliminação da licenciatura em Educação/Ciências da
Educação; a necessidade de se considerarem apenas os cursos de pós-graduação com a
duração mínima de um ano escolar; a eliminação dos DESE’s, dado já não existirem, e
os cursos de formação de formadores, por não terem sido regulamentados, embora
possam ser tratados ao abrigo do currículo relevante. Também se recomenda que o
estatuto de formador não só seja atribuído numa determinada área como domínio de
formação.