capítulo 6 – trabalho, alienação e consumo

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Capítulo 6 – Trabalho, alienação e consumo

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Captulo 6 Trabalho, alienao e consumo

Captulo 6 Trabalho, alienao e consumoA palavra trabalho deriva do latim tripaliare, que nomeava o triplio, um instrumento formado por trs paus, prprio para atar condenados ou para manter presos os animais difceis de ferrar.A origem comum identifica o trabalho tortura.Se a vida humana depende do trabalho, e este causa tanto desprazer, s podemos concluir que o ser humano est condenado infelicidade.1. Trabalho como tortura pelo trabalho que a natureza transformada mediante o esforo coletivo para arar a terra, colher seus frutos, domesticar animais, modificar paisagens e construir cidades.Pelo trabalho surgem instituies como a famlia, o Estado, a escola; obras de pensamento como o mito, a cincia, a arte, a filosofia.O ser humano se faz pelo trabalho, porque ao mesmo tempo que produz coisas, torna-se humano, constri a prpria subjetividade.2. A humanizao pelo trabalhoO trabalho liberta ao viabilizar projetos e concretizar sonhos.Nem sempre prevalece essa concepo positiva, sobretudo quando as pessoas so obrigadas a viver do trabalho alienado, que resulta de relaes de explorao.O trabalho tortura ou emancipao?Nas sociedades tribais, as pessoas dividem tarefas de acordo com sua fora e capacidade.Como a diviso das tarefas se baseia na cooperao e na complementao e no na explorao, tanto a terra como os frutos do trabalho pertencem a toda a comunidade.Para Jean-Jacques Rousseau, filsofo do sculo XVIII, a desigualdade surgiu quando algum, ao cercar um terreno, lembrou-se de dizer: Isto meu, criando assim a propriedade privada.3. cio e negcio Desde as mais antigas civilizaes existe a diviso entre aqueles que mandam e os que s obedecem e executam.H aqueles que at hoje admitem ser natural essa diviso de funes, pois alguns teriam mais talento para o pensar; enquanto outros s seriam capazes de atividades braais.Um olhar mais atento constata que a sociedade descobre mecanismos para manter a diviso, no conforme a capacidade, mas sim de acordo com a classe a que cada um pertence.Entre os antigos gregos e romanos era ntida a diviso entre atividades intelectuais e braais.A palavra escola na Grcia antiga significava literalmente o lugar do cio, onde as crianas se dedicavam ginstica, aprendiam jogos, msica e retrica.At a Idade Mdia, a riqueza se restringia posse de terras, mas ao final desse perodo e durante a Idade Moderna, as atividades mercantis e manufatureiras desenvolveram-se a tal ponto que a riqueza passou a significar tambm a posse do dinheiro, provocando a expanso das fbricas que culminou com a Revoluo Industrial no sculo XVIII.Esses acontecimentos decorreram da ascenso da burguesia enriquecida, que valorizava a tcnica e o trabalho.A mquina comeou a exercer grande fascnio.4. Uma nova concepo de trabalhoNo sculo XVII, Pascal inventou a primeira mquina de calcular.Torricelli construiu o barmetro.Surgiu o tear mecnico.Galileu inaugurou o mtodo das cincias da natureza, que se baseava no uso da tcnica e da experimentao.Francis Bacon (1561-1626), com o seu lema Saber poder, critica a base metafsica da fsica grega e medieval e reala o papel histrico da cincia e do saber instrumental, capaz de dominar a natureza.Rejeita as concepes tradicionais de pensadores sempre prontos a tagarelar, mas que so incapazes de gerar pois sua sabedoria farta de palavras, mas estril em obras.

As teorias da modernidadeNuma linha semelhante, Descartes (1596-1650) afirma:Pois elas [as noes gerais da fsica] me fizeram ver que possvel chegar a conhecimentos que sejam muito teis vida, e que, em vez dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas, se pode encontrar uma outra prtica, pela qual [...] poderamos empreg-los da mesma maneira em todos os usos para os quais so prprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza.No campo poltico e econmico, estavam sendo elaborados os princpios do liberalismo.Foi institudo o contrato de trabalho entre indivduos livres, o que significa o reconhecimento do trabalhador no campo jurdico.Uma das novidades das ideias liberais a valorizao do trabalho.No sculo XIX, o filsofo alemo Hegel faz uma leitura otimista da funo do trabalho na clebre passagem do senhor e do escravo, descrita na fenomenologia do esprito: dois indivduos lutam entre si e um deles sai vencedor, podendo matar o vencido. Este, no entanto, prefere submeter-se, para poupar a prpria vida.A fim de ser reconhecido como senhor, o vencedor conserva o outro como servo.O servo submetido tudo faz para o senhor, mas com o tempo o senhor descobre que no sabe fazer mais nada, porque, entre ele e o mundo, colocou o servo, e ele que domina a natureza.Desse modo, o servo recupera a liberdade, porque o trabalho se torna a expresso da liberdade reconquistada.A explorao dos operrios fica explcita em extensas jornadas de trabalho em pssimas instalaes, salrios baixos, arregimentao de crianas e mulheres como mo de obra mais barata.Esse estado de coisas desencadeou os movimentos socialistas e anarquistas.Karl Marx (1818-1883) v o trabalho como condio de liberdade. A pessoa deve trabalhar para si, no sentido de que deve trabalhar para fazer-se a si mesma um ser humano.5. O trabalho como mercadoria: a alienaoMarx nega que a nova ordem econmica do liberalismo fosse capaz de possibilitar a igualdade entre as partes, porque o trabalhador perde mais do que ganha.O resultado a pessoa tornar-se estranha, alheia a si prpria: o fenmeno da alienao.H vrios sentidos para a palavra alienao.Do ponto de vista jurdico, perde-se a posse de um bem; para a psiquiatria, o alienado mental perde a dimenso de si na relao com os outros; segundo Rousseau, o poder do povo inalienvel; na linguagem comum, a pessoa alienada perde a compreenso do mundo em que vive.Para Marx, a alienao acontece quando o produto do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu.Prevalece a lgica do mercado, onde tudo tem um preo, adquire um valor de troca.No novo contexto capitalista, ao vender sua fora de trabalho mediante salrio, o operrio tambm se transforma em mercadoria.Ocorre o que Marx chama de fetichismo da mercadoria e reificao do trabalhador.

Alienao na produoO fetichismo o processo pelo qual a mercadoria, um ser inanimado, adquire vida porque os valores de troca tornam-se superiores aos valores de uso e passam a determinar as relaes humanas.A reificao a transformao dos seres humanos em coisas. Em consequncia, a humanizao da mercadoria leva desumanizao da pessoa, sua coisificao.Segundo Michel Foucault um novo tipo de disciplina facilitou a dominao mediante a docilizao do corpo.Michel Foucault (1926-1984) filsofo francs, desenvolveu um mtodo de investigao histrica e filosfica que chamou de genealogia. Examinando a mudana dos comportamentos no incio da Idade Moderna, sobretudo nas instituies prisionais e nos hospcios, buscou compreender os processos da produo dos saberes que tornaram possvel o controle difuso e tematizado, que chamou de microfsica do poder.6. A era do olhar: a disciplinaPara reflexo:Penitenciria de Stateville, inspirada no Panopticon, de Jeremy Bentham.Estadis Ybudis, 2002.Foucault aproveita a descrio que o jurista Jeremy Bentham (sc. XVIII) fez de um projeto denominado Panopticon (literalmente, ver tudo), em que imagina uma construo de vidro, em anel, para alojar loucos, doentes, prisioneiros, estudantes ou operrios.

Controlados de uma torre central com absoluta visibilidade, o resultado a interiorizao do olhar que vigia, de modo que cada um no perceba a prpria sujeio.

Para refletir:E hoje, como vive o cidado comum? Os sistemas eletrnicos de vigilncia esto em todos os lugares: nos prdios residenciais, empresariais, nas lojas, nos shoppings, nas ruas e estradas.

Quais as vantagens desse aparato e quais os riscos de expor nossa privacidade?Na nova estrutura, o olhar vigilante sobressai de maneira decisiva.A organizao do tempo e do espao imposta na fbrica no , porm, um fenmeno isolado. Nos sculos XVII e XVIII, formou-se a chamada sociedade disciplinar, com a criao de instituies fechadas, voltadas para o controle social, tais como prises, orfanatos, reformatrios, asilos de miserveis e vagabundos, hospcios, quartis e escolas.Assim diz Michel Foucault:Esses mtodos que permitem o controle minucioso das operaes do corpo, que realizam a sujeio constante de suas foras e lhes impem uma relao de docilidade-utilidade, so o que podemos chamar as disciplinas.Muitos processos disciplinares existiam h muito tempo [...]. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos sculos XVII e XVIII frmulas gerais de dominao. [...] O momento histrico das disciplinas o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa no unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeio, mas a formao de uma relao que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais til, e inversamente. [...] A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dceis. A disciplina aumenta as foras do corpo (em termos econmicos de utilidade) e diminui essas mesmas foras (em termos polticos de obedincia).O poeta brasileiro Mrio Quintana, em Das ampulhetas e das clepsidras, diz o seguinte:Antes havia os relgios dgua, antes havia os relgios de areia. O Tempo fazia parte da natureza. Agora uma abstrao unicamente denunciada por um tic-tac mecnico, como o acionar contnuo de um gatilho numa espcie de roleta-russa. Por isso que os antigos aceitavam mais naturalmente a morte.Dialogando com o poeta, acrescentamos que somos feitos de tempo: sem a memria e sem os projetos, o nosso presente deixaria de ser propriamente humano.Se artificializamos demais os ritmos vitais, nem poderemos morrer bem, j que vivemos to mal!7. De olho no cronmetroFrederick Taylor, no incio do sc. XX, elaborou uma teoria conhecida como taylorismo.Estabeleceu um controle cientfico, por meio da medio por cronmetros, para que a produo fabril fosse cada vez mais simples e rpida.A mesma inteno de aumentar a produtividade levou Henry Ford, tambm norte-americano, a introduzir a esteira da linha de montagem e o processo de padronizao da produo em srie na sua fbrica de automveis.O trabalho em migalhasO parcelamento das tarefas reduz a atividade a gestos mnimos, o que aumenta a produo de maneira incrvel, mas tambm transforma o trabalho em migalhas: cada operrio produz apenas uma parte do produto.Aliado lgica da produo em srie, o investimento em publicidade visava a provocar artificialmente a necessidade da compra.Estava nascendo a sociedade de consumo.

Com a implantao de tecnologia de automao, robtica e microeletrnica, surgiram novos padres de produtividade.A tendncia nas fbricas foi de quebrar a rigidez do fordismo e do taylorismo.Implantado por diversas empresas, o sistema ficou conhecido como toyotismo.O novo sistema de produo mais flexvel por atender aos pedidos medida da demanda, com planejamento a curto prazo. privilegiado o trabalho em equipe.

8. Novos tempos na fbricaEm julho de 2008, as autoridades do trabalho japonesas reconheceram que um importante funcionrio da Toyota, de 45 anos, morreu devido ao excesso de trabalho, um mal conhecido no pas como karoshi. Ele teve uma isquemia cardaca em janeiro de 2006 [...]. A vtima era o engenheiro-chefe do projeto da verso hbrida do sed Camry. Ele teria trabalhado ao menos 80 horas extras mensais em novembro e dezembro de 2005. Essa carga a mais de trabalho inclua jornadas noturnas e finais de semana, alm de frequentes viagens para o exterior. [...]Para refletir:De acordo com a agncia Associated Press, a empresa soltou uma nota de psames e afirmou que vai melhorar o controle sobre a sade de seus profissionais. (UOL Notcias, 9 jul. 2008.)

Outra caracterstica dos novos tempos na fbrica foi o enfraquecimento dos sindicatos desde o final da dcada de 1980, o que repercutiu negativamente na capacidade de reivindicao de novos direitos e manuteno das conquistas realizadas.Na segunda metade do sculo XX, notou-se o deslocamento da mo de obra para o setor de servios.H mais trabalhadores no comrcio, transporte e servios de escritrio em geral do que nas fbricas ou no campo.No nosso cotidiano, consumimos servios de publicidade, pesquisa, comrcio, finanas, sade, educao, lazer, turismo etc.Os recursos da microeletrnica tm facilitado a nova estrutura do tele trabalho que possibilita maior autonomia e flexibilidade de horrio.Da fbrica para o escritrioO consumo consciente consumir um ato humano por excelncia, que nos permite atender a necessidades vitais.Abrange tambm tudo o que estimula o crescimento humano em suas mltiplas e imprevisveis direes.No comemos e bebemos apenas para saciar a fome ou a sede, mas temos preferncias que o paladar apura, e usamos de criatividade para inventar novos pratos e bebidas saborosos.O consumo alienado a produo em massa tem por corolrio o consumo de massa, porque as necessidades artificialmente estimuladas levam os indivduos a consumir sempre mais.10. Consumo ou consumismo?O consumo alienado degenera em consumismo provocando desejos nunca satisfeitos.O comrcio facilita a realizao dos desejos ao possibilitar o parcelamento das compras, promover liquidaes e ofertas de ocasio, estimular o uso de cartes de crdito, de compras pela internet.As mercadorias so rapidamente postas fora de moda.Sobre a questo da produo e do consumo, debruaram-se inmeros filsofos, entre os quais os pensadores da Escola de Frankfurt, movimento que surgiu na Alemanha na dcada de 1930.Segundo os mesmos, chegamos ao impasse que nos deixa perplexos diante da tcnica apresentada de incio como libertadora e que pode se mostrar, afinal, artfice de uma ordem tecnocrtica opressora.A exaltao do progresso indiscriminado no tem respeitado o que hoje chamamos de desenvolvimento sustentvel.11. Crtica sociedade administradaMax Horkheimer acrescenta que a doena da razo est no fato que ela nasceu da necessidade humana de dominar a natureza. E mais, que a histria dos esforos humanos para subjugar a natureza tambm a histria da subjugao do homem pelo homem.Serve para qualquer fim, sem averiguar se bom ou mau.Na sociedade capitalista, os interesses definem-se pelo critrio da eficcia.Na sociedade da total administrao, segundo a expresso de Horkheimer e Adorno, os conflitos so dissimulados e a oposio desaparece.A razo instrumentalHerbert Marcuse chama unidimensionalidade perda da dimenso crtica, pela qual o trabalhador no percebe a explorao de que vtima.O filsofo alerta sobre a distino entre necessidades vitais e falsas necessidades.A questo fundamental est na reflexo moral e poltica sobre os fins das aes humanas no trabalho, no consumo, no lazer, nas relaes afetivas, a fim de observar se esto a servio do ser humano ou de sua alienao.A unidimensionalidadeO lazer uma criao da civilizao industrial e apareceu como fenmeno de massa.As reivindicaes dos trabalhadores sobre o alargamento do tempo de lazer obtiveram alguns xitos: descanso semanal, diminuio da jornada de trabalho para oito horas, semana de cinco dias, frias.Estava sendo gestada a civilizao do lazer.O tempo propriamente livre, de lazer, aquele que sobra aps a realizao de todas as funes que exigem obrigatoriedade.12. Uma civilizao do lazer?O que lazer, ento? O socilogo francs Joffre dumazedier diz:[...] o lazer um conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informao ou formao desinteressada, sua participao social voluntria ou sua livre capacidade criadora, aps livrar-se ou desembaraar-se das obrigaes profissionais, familiares e sociais.Ser que a indstria cultural propicia alternativas de escolhas e as cidades oferecem infraestrutura que garanta aos mais pobres a ocupao do seu tempo livre em atividades gratuitas ou menos dispendiosas?Est distante a possibilidade de expandir o tempo de lazer.As empresas tm feito reestruturaes severas terceirizando tarefas (perda de benefcios); os programas de enxugamento do quadro de pessoal sobrecarrega os funcionrios que, sob o risco de desemprego, sentem-se obrigados a jornadas fatigantes; o tele trabalho confunde horrios deObstculos ao lazertrabalho e momentos de lazer; a flexibilizao do contrato de trabalho faz com que o trabalhador assuma vrios empregos de jornadas curtas.Alm de tudo isso, os sindicatos, defensores dos interesses dos trabalhadores, tm se enfraquecido.O filsofo francs Gilles Lipovetsky prefere no demonizar o consumo, mas aceit-lo como fenmeno do nosso tempo.Recusa-se a aplicar sociedade ps-moderna o conceito marcuseano de unidimensionalidade.Tambm critica Foucault, identificando que houve uma reduo progressiva do processo disciplinar no trabalho.No rastro da extrema diversificao da oferta, da democratizao do conforto e dos lazeres, o acesso s novidades mercantis tornou-se mais comum, diluindo-se de certo modo as regulaes de classe.13. A sociedade ps-moderna: o hiperconsumoApesar de considerar o consumidor mais crtico, Lipovetsky reconhece o poder massificante da publicidade e os malefcios do hiperconsumismo, entendido como a iluso de que a mercadoria nos garantiria a felicidade.O risco deixar que o consumo se converta no sentido principal da vida das pessoas.O socilogo polons Zygmunt Bauman no to otimista e diz que o consumismo aposta na irracionalidade dos consumidores, e no em suas estimativas sbrias e bem informadas.A sociedade do consumo prospera enquanto consegue tornar perptua a no satisfao de seus membros.