capítulo 5 crise bancária - cidadania & cultura ... · significa que não tenham ocorrido...

46
Capítulo 5 Crise Bancária: Bancarrotas de Bancos 5.1. Lições negativas da história bancária brasileira Encontraremos, neste capítulo, algumas características comuns dos casos expressivos entre os bancos “perdedores”, isto é, aqueles cujas marcas desapareceram, nos anos 90. Entre outras, aparecerão a promiscuidade com o instável poder político, o autofinanciamento do grupo econômico-financeiro, o vínculo maior com sua base regional, a defasagem tecnológica em relação aos maiores concorrentes, a vulnerabilidade face às mudanças no contexto macroeconômico, a gestão familiar, não- profissional e fraudulenta. Luís NASSIF (FSP, 21/08/96) cita, ironicamente, “um precioso manual de gestão de maquilagem bancária”, onde mostra como banco quebrado pode sobreviver por anos, antes de morrer. Do seu receituário uma das técnicas utilizadas é a ''conta de resultados invertida''. Em vez de o valor dos dividendos ser uma variável que depende dos resultados, ele é definido previamente. Todas as outras variáveis precisam se adaptar ao valor fixado. Uma vez que os dividendos são fixados de antemão, o primeiro passo será manipular a conta de ''lucros não distribuídos''. Não se trata ainda de artimanha contábil. O banco distribui o que poderia ser investido, sacrificando seu nível de capitalização, para obter ''boa imagem''. O problema seguinte surge quando não é possível nova rodada de redução dos lucros não distribuídos. Aí então o banqueiro procura manipular o ''lucro líquido'', por meio dos seguintes expedientes. O primeiro é reduzir as ''provisões para devedores duvidosos'' (o dinheiro que precisaria reservar para fazer frente a maus devedores), rolando indefinidamente créditos ruins ou aceitando a superposição de garantias pouco eficazes. No caso do Banco Nacional, essas contas poderiam ser chamadas de ''sempre-vivas'', por terem sido permanentemente renovadas, mesmo não sendo pagas. Também considerava como receita os juros devidos, porém não-pagos. Manipulava o balanço duas vezes: por meio da redução das provisões e do reconhecimento de receitas falsas. O segundo expediente típico do banqueiro fraudador é aproveitar a autorização para reavaliação dos ativos para definir valor contábil maior do que o valor econômico, criando ou receitas adicionais ou reservas artificiais. Pode ocorrer de o banqueiro resolver valorizar, artificialmente, seus ativos, vendendo-os a sociedades coligadas por preço superior não só ao valor contábil como também ao valor real, considerando as diferenças como receita. A diferença negativa não aparecerá no balanço da coligada, ou, se aparecer, o balanço não será consolidado com o balanço do banco. Outro tipo de ''reavaliação'' é tomar a garantia do devedor e contabilizá-la pelo valor total do crédito não-pago. O terceiro expediente é antecipar a contabilização das receitas para o início da operação (quando deveria ser no momento do pagamento final) e postergar as despesas para o fim. Também foi utilizada pelos dirigentes do Banco Nacional.

Upload: phungdiep

Post on 19-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Capítulo 5

Crise Bancária: Bancarrotas de Bancos

5.1. Lições negativas da história bancária brasileira

Encontraremos, neste capítulo, algumas características comuns dos casos expressivos entre os bancos “perdedores”, isto é, aqueles cujas marcas desapareceram, nos anos 90. Entre outras, aparecerão a promiscuidade com o instável poder político, o autofinanciamento do grupo econômico-financeiro, o vínculo maior com sua base regional, a defasagem tecnológica em relação aos maiores concorrentes, a vulnerabilidade face às mudanças no contexto macroeconômico, a gestão familiar, não-profissional e fraudulenta.

Luís NASSIF (FSP, 21/08/96) cita, ironicamente, “um precioso manual de gestão de maquilagem bancária”, onde mostra como banco quebrado pode sobreviver por anos, antes de morrer. Do seu receituário uma das técnicas utilizadas é a ''conta de resultados invertida''. Em vez de o valor dos dividendos ser uma variável que depende dos resultados, ele é definido previamente. Todas as outras variáveis precisam se adaptar ao valor fixado. Uma vez que os dividendos são fixados de antemão, o primeiro passo será manipular a conta de ''lucros não distribuídos''. Não se trata ainda de artimanha contábil. O banco distribui o que poderia ser investido, sacrificando seu nível de capitalização, para obter ''boa imagem''.

O problema seguinte surge quando não é possível nova rodada de redução dos lucros não distribuídos. Aí então o banqueiro procura manipular o ''lucro líquido'', por meio dos seguintes expedientes.

O primeiro é reduzir as ''provisões para devedores duvidosos'' (o dinheiro que precisaria reservar para fazer frente a maus devedores), rolando indefinidamente créditos ruins ou aceitando a superposição de garantias pouco eficazes. No caso do Banco Nacional, essas contas poderiam ser chamadas de ''sempre-vivas'', por terem sido permanentemente renovadas, mesmo não sendo pagas. Também considerava como receita os juros devidos, porém não-pagos. Manipulava o balanço duas vezes: por meio da redução das provisões e do reconhecimento de receitas falsas.

O segundo expediente típico do banqueiro fraudador é aproveitar a autorização para reavaliação dos ativos para definir valor contábil maior do que o valor econômico, criando ou receitas adicionais ou reservas artificiais. Pode ocorrer de o banqueiro resolver valorizar, artificialmente, seus ativos, vendendo-os a sociedades coligadas por preço superior não só ao valor contábil como também ao valor real, considerando as diferenças como receita. A diferença negativa não aparecerá no balanço da coligada, ou, se aparecer, o balanço não será consolidado com o balanço do banco. Outro tipo de ''reavaliação'' é tomar a garantia do devedor e contabilizá-la pelo valor total do crédito não-pago.

O terceiro expediente é antecipar a contabilização das receitas para o início da operação (quando deveria ser no momento do pagamento final) e postergar as despesas para o fim. Também foi utilizada pelos dirigentes do Banco Nacional.

Page 2: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 194

Após a ''gestão de maquilagem'', o passo seguinte habitual é a ''gestão desesperada''. O banqueiro passa a recorrer a negócios de alto risco, que lhes permitam ganhar tempo e, se tiver sorte, conseguir compensar a deterioração anterior. As principais práticas são a especulação, a crescente concentração de riscos em clientes com problema e o pagamento de taxas de captação elevadas.

Finalmente, ingressa na fraude propriamente dita. Ocorre quando o banqueiro sente que o final está se aproximando e quer tirar o máximo possível do banco. A forma mais comum é a auto-concessão de crédito. Outra fraude utilizada é a ''propriedade pendular'' de bens que ora são do banco, ora do banqueiro.

Esse último expediente não foi constatado no caso do Banco Nacional. Porém, verificou-se tanto no Econômico quanto no Bamerindus, os outros “bancos perdedores”. Enfocaremos, particularmente, esses grandes bancos de rede varejista. Mas isso não significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, principalmente envolvendo “bancos de negócios”. A segunda metade dos anos 90 se caracterizou por uma séria bancarrota.

5.2. Banco Econômico

Foi em 13 de julho de 1834, em Salvador, que 171 pessoas, entre elas conhecidos comerciantes locais, associaram-se para a fundação da Caixa Econômica da Cidade da Bahia. Em 1893, foi transformada em Banco Econômico da Bahia. Um membro da família que controlava o Banco, Ângelo Calmon de Sá, em março de 1972, terceiro ano do governo do General Médici, passou a ocupar o posto de diretor-superintendente. No final desse mesmo ano, alterou-se a razão social do estabelecimento. Passava a existir o Banco Econômico S.A., como empresa de dimensão nacional.

Nascido em Salvador, em 1º de novembro de 1935, formado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Bahia, Ângelo Calmon de Sá iniciara sua vida profissional aos 20 anos de idade na firma Norberto Odebrecht. Dois anos depois, alcançou um cargo na diretoria, dela se afastando somente em 1967, convidado pelo governador do Estado para assumir, brevemente, a Superintendência do Centro Industrial de Aratu e, em seguida, a secretaria da Indústria e Comércio e, posteriormente, a da Fazenda. Tinha, então, apenas 31 anos. Com 39 anos, foi convidado pelo general Geisel para assumir a presidência do Banco do Brasil e, dois anos depois, o cargo de ministro da Indústria e Comércio. Foi ele o quarto membro da família Calmon a ocupar um ministério, como antes tinha seu tio-trisavô Marquês de Abrantes, seu tio-avô Miguel Calmon du Pin e Almeida, e seu tio materno Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinho (OLIVEIRA, 1993: 275).

Ele assumiu a direção do banco baiano quando este ocupava um modesto 39º lugar entre os demais estabelecimentos bancários brasileiros. Declarou logo a necessidade de “mudar de rumo em vez de ramo”. Mudar de rumo significava, para ele, crescer nos dois sentidos: “para cima” (verticalmente, no ranking bancário) e “para os lados” (horizontalmente, para a diversificação setorial). Para isso, pretendia “revitalizar o banco comercial e, ao mesmo tempo, dar feição de grupo financeiro bem definido às empresas associadas, além de preencher os espaços ainda vazios no esquema do grupo”. Estava decidido a engajar-se, integralmente, à atividade empresarial, após haver

Page 3: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 195

participado do governo baiano, com a realização de um volume crescente de negócios em outros setores.

Em dezembro de 1972, o Banco já ocupava o 32º lugar entre os bancos. Em meados desse ano, o Grupo Econômico reunia 14 empresas. Tinha a preocupação de dar a sua instituição financeira um porte nacional, “captando recursos nas áreas mais abastadas, para ajudar a desfazer as disparidades regionais”. Achava “difícil a sobrevivência, a longo prazo, de bancos efetivamente nacionais com o porte que possuía o Banco Econômico”. Em razão de tal convicção, partira para a formação do conglomerado econômico-financeiro.

Com a Promotora Econômico Ltda. assumindo a tarefa de captação de recursos para projetos financiados com incentivos fiscais, na área da Sudene, buscou os negócios de grande porte que estavam se desenvolvendo, na Bahia e no Brasil. Pela primeira vez, em sua história quase sesquicentenária, seguindo tendências e estratégias dos modernos conglomerados, diversificou seus investimentos, participando diretamente de projetos comerciais, industriais, agropecuários e na área de turismo. A inauguração do Ondina Praia Hotel, em março de 1973, foi o primeiro de uma série de estabelecimentos hoteleiros a serem construídos no país.

Enquanto novas empresas eram adquiridas pelo Grupo Econômico, entre as quais corretoras, sociedades de crédito imobiliário, empresa de transporte, agência de turismo, constituindo também novas subsidiárias (como a Caju da Bahia Ltda. – CAJUBA), foi adquirindo porte para aproveitar sua grande oportunidade de crescimento. Em 1973, época em que o general Geisel era presidente da Petrobrás, o Banco Econômico associou-se, com participação paritária, à Petrobrás Química S.A. - PETROQUISA e à Mitsubishi Chemical - Nissho Iwai, no projeto POLIALDEN, para a produção de polietileno, marcando tal participação o seu ingresso no Pólo Petroquímico da Bahia.

Logo após essa associação, quando o general Ernesto Geisel assumiu a Presidência da República, ele convocou o diretor superintendente do Banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá, para sua equipe de governo, dizendo que foi por indicação do ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen. Deu-lhe a direção do Banco do Brasil, na qual permaneceria de março de 1974 a fevereiro de 1977, quando passou a ocupar o ministério da Indústria e Comércio, no lugar do ministro demitido Severo Gomes, industrial e, posteriormente, senador paulista (1983-1991).

Durante o ano de 1974, um novo banco seria incorporado ao Grupo Econômico: o Banco Novo Mundo S.A., com 85 agências espalhadas pelo eixo Rio-São Paulo e com sede na capital paulista. Passou a dispor de uma rede de 205 agências, com o súbito crescimento de 41%, disseminadas por quase todos os estados brasileiros, exceto o Acre. Encerraria a década de 70 contando com rede de 243 agências, metade das quais localizada na região Nordeste.

Comparando-se sua situação em dezembro de 1979, ano de encerramento do governo Geisel, com a que possuía em dezembro de 1970, verifica-se que passou, nesse período de influência política de Ângelo Calmon de Sá, do 29º lugar entre os maiores bancos comerciais do país para a 10ª posição. A participação do Grupo Econômico no mercado financeiro crescera duas vezes e meia em relação àquela data. Além disso, o Grupo figurava como o 11º maior conglomerado financeiro do país, no que se refere a

Page 4: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 196

recursos captados do público, com diferença pouco significativa em relação aos seus próximos concorrentes. Detinha o 6º maior volume de operações de crédito. Apresentava o 3º maior índice de rentabilidade patrimonial. Já se apresentava também como o 7º banco comercial nacional privado, quanto aos depósitos à vista captados, e o 10º lugar quanto ao patrimônio líquido (OLIVEIRA, 1993: 249).

Cumprida sua “missão”, com o fim do governo Geisel, em março de 1979, Ângelo Calmon de Sá retornou à presidência da diretoria do Banco Econômico. Em 1980, a subsidiária Econtrading S.A. Comércio Exterior atuou na primeira operação de exportação de álcool hidratado e passou a operar na região cafeeira da Bahia, através de usinas de beneficiamento do produto. A CAJUBA tinha encaminhado à SUDENE projeto para a implantação de um complexo agroindustrial, envolvendo a instalação de uma fábrica de processamento de frutos tropicais e uma unidade de beneficiamento da castanha de caju, e prevendo a expansão de suas atividades pastoris. Expandiam-se, igualmente, a Econômico Agropastoril Industrial S.A., cuidando da exploração da soja e da implantação de projeto alcooleiro. A Companhia Industrial Técnica (CIT) produzia toneladas de coco-babaçu. A Maquinor visava a produção de máquinas e beneficiamento do babaçu. O Grupo Econômico participava, em 1980, com 38,32% do capital total da POLIALDEN (33,33% do capital votante) e 14,46% do capital total da CIQUINE Petroquímica (31% do capital votante).

Há, entretanto, longa história nas tortuosas relações do Banco Econômico de Calmon de Sá com o poder, em especial com o Banco Central do Brasil (GZM, 08/01/96). O primeiro grande confronto dele com este data de agosto de 1976, quando o Banco era dirigido por Frank Sá, irmão de Calmon, que então presidia o Banco do Brasil. Alegando fraude, o Econômico recusou-se a pagar dois cheques administrativos de sua emissão, no valor total equivalente a US$ 53 milhões. Na época, foi um escândalo que colocou em risco a confiança no sistema financeiro nacional.

A inédita decisão do Econômico de não honrar os cheques administrativos se chocava frontalmente contra as normas do Banco Central do Brasil, que ameaçou punir drasticamente a instituição. Com a entrada do Calmon de Sá no circuito, a questão saiu da esfera de decisão do Banco Central. Prevaleceu a recusa do banco baiano.

Onze anos depois, o Econômico envolveu-se em outro grande escândalo, mas desta vez o próprio Banco Central do Brasil se empenhou para abafar o caso, que poderia levar o banco à bancarrota. Nesse outro episódio, houve fraude de funcionários de sua agência na Rua Senador Feijó, em São Paulo, pagando, indevidamente, em 1987, vários cheques sem fundos, no total equivalente a US$ 51 milhões. Com a ajuda da Polícia Federal, o Econômico se ressarciu de parte do prejuízo, recebendo fazendas e imóveis dos donos da empresa emissora dos cheques, no valor de US$ 25 milhões. O ex-deputado José Lourenço, amigo de infância de Calmon de Sá, acordou na madrugada o então presidente José Sarney, para que ele impedisse a divulgação do episódio. O Banco Central alegou que tratou do assunto com sigilo para evitar uma inevitável corrida ao Econômico, caso a notícia vazasse para a imprensa.

Em 1989, quando a gestão de Calmon de Sá já podia ser classificada como temerária, eram constantes os atritos entre o Banco Central do Brasil e o Econômico. Entre os grandes bancos, era ele o que mais dava trabalho à diretoria de fiscalização. Durante quase duas décadas, a delegacia regional do Banco Central em Salvador tentou, sem sucesso, colocar o Econômico na linha. Ele sofreu vários processos administrativos

Page 5: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 197

por causa de descumprimentos de normas, como empréstimos irregulares que beneficiavam empresas ligadas a seus diretores.

Em 1993, o Banco Central chegou a suspender por 90 dias a autorização para o Econômico operar com o Convênio de Crédito Recíproco (CCR), a câmara de compensação da ALADI. A medida foi provocada pelas operações fora das normas estipuladas pelo Banco Central para os CCR. A principal reação de Calmon de Sá, nessas situações, era reclamar junto aos altos escalões em Brasília da “perseguição” da autoridade monetária.

As várias fraudes e golpes praticados por funcionários do Econômico contra a instituição ajudaram a levá-lo à bancarrota. Porém, o que mais pesou na formação de seu rombo gigantesco, que levou à intervenção do Banco Central do Brasil, em 11 de agosto de 1995, foram as decisões estratégicas equivocadas de Calmon de Sá, além das dezenas de elevadas operações malsucedidas, entre as quais empréstimos concedidos por motivação política ou destinados a amigos e parentes.

O “vazamento” da existência de uma pasta de cartolina cor-de-rosa, contendo dados sobre supostas doações irregulares do Banco Econômico a políticos da aliança governamental, nos anos 90, ocorrida quase 4 meses após a intervenção, provocou uma crise política. Avaliava-se que a pasta serviu como um “trunfo” da diretoria do Banco Central contra as pressões políticas de ACM (Antonio Carlos Magalhães, “cacique político” da Bahia e aliado do governo FHC) pelo fim da intervenção no Econômico.

O Banco Central foi negligente na administração da crise que levou à falência do Banco Econômico. Resultou em um prejuízo superior a R$ 3 bilhões aos cofres públicos. As evidências da ação danosa estavam expostas em documentos guardados nos seus arquivos. Eram relatórios secretos da instituição, a cujos conteúdos a imprensa teve acesso, após a intervenção (FSP, 24/12/95).

Um dos documentos, elaborado em 1989 pela equipe de fiscalização do Banco Central do Brasil, alertava para as dificuldades financeiras do Econômico seis anos antes da intervenção no banco, consumada somente no ano de 1995. O documento apontava, já naquela ocasião, indícios de maquiagem nos registros contábeis do Econômico. Informava que, embora o balanço do banco estivesse sem registro de prejuízo, os lucros nele registrados poderiam ser fictícios. Havia, na carteira de empréstimos do Econômico, créditos que a fiscalização do banco central considerou “micos”, ou seja, de difícil liquidação. O relatório afirmava que análise mais detida do balanço poderia conduzir à conclusão de que o patrimônio líquido do Econômico era negativo. Em outras palavras: se o Banco vendesse tudo o que possuía, ainda ficaria devendo. No processo de maquilagem, empréstimos “podres” eram apresentados como créditos bons.

Em outro relatório sigiloso, redigido em 1990, a fiscalização do Banco Central do Brasil recomendou à diretoria a abertura de processo administrativo contra o Econômico. Seria forma de aprofundar a análise da situação. Alheio ao diagnóstico dos fiscais, Ângelo Calmon de Sá, dono do Econômico, irrigava a campanha eleitoral de 1990 com generosas contribuições financeiras. Doou a políticos um total de US$ 2,5 milhões, conforme os registros da famosa “pasta cor-de-rosa”. Embora o relatório reforçasse as suspeitas de que o Econômico se encaminhava mesmo para a bancarrota, o documento foi engavetado por dois anos.

Page 6: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 198

Em 1992, ao analisar novamente o documento, a direção do Banco Central do Brasil decidiu não seguir o conselho dos fiscais. A idéia de abrir processo foi ignorada. Retomaram-se apenas as inspeções de rotina.

No segundo semestre de 1993, insistente, a equipe de fiscalização do Banco Central fez novo relatório mencionando os créditos “micados”. O documento citava uma cifra impressionante: em 30 de junho de 1993, o rombo patrimonial, expresso em cruzeiros, era de Cr$ 3 bilhões, o equivalente a US$ 55,2 milhões na época.

Diante do evidente agravamento do quadro, o Banco Central do Brasil abriu negociações com Calmon de Sá. A diretoria, mais uma vez, preferiu negociar a intervir no banco baiano, a mais antiga instituição privada do país, com 161 anos de existência. Elaborou-se estratégia de longo prazo. Para salvar seu banco da insolvência, Calmon de Sá teria de injetar no Econômico, durante uma década, R$ 25 milhões por ano. O banqueiro honrou a palavra em 1994, colocando na contabilidade do Econômico os primeiros R$ 25 milhões. Em 1995, pôs novos R$ 25 milhões. Não foi suficiente.

Argumentou-se, depois, no banco central, que a estratégia fracassou porque o Plano Real revelou as reais condições dos bancos brasileiros. A estabilização acabou com o lucro fácil, devido ao ganho indexado à inflação, retirando a “maquiagem” dos balanços de empresas como o Econômico ao desnudar a real situação. Tornava-se cada vez mais difícil esconder a “feiúra” da escrituração contábil. Havia na carteira de empréstimos do Econômico “papagaios” que iam sendo, automaticamente, rolados. Para evitar aparecer inadimplência na contabilidade, o banco chegava mesmo a rolar empréstimos sem que seus clientes solicitassem.

Em condições normais, o Econômico deveria ter lançado o calote de seus clientes como prejuízo. Mas, se o fizesse, transportaria para seus balanços uma realidade que desejava ocultar. Acumulavam-se casos como o da Construtora CONCIC, uma das maiores devedoras do banco, que tinha entre seus diretores um cunhado de Calmon de Sá. A empreiteira possuía, de acordo com os registros, faturamento anual de R$ 150 milhões. Mas devia cerca de R$ 200 milhões.

Na época da intervenção, os créditos ilíquidos do Banco chegavam a R$ 600 milhões, bem mais do que seu patrimônio líquido, estimado na época em R$ 440 milhões. O Econômico maquiou seus balanços, obtendo lucros em operações irregulares. Chegou a usar recursos da assistência financeira de liquidez do Banco Central para distribuir dividendos para seus acionistas.

Ele possuía um índice de imobilização ao redor ou acima de 90% do patrimônio líquido em ativos permanentes. A questão que entrou em debate político foi por que a demora em intervir na instituição, se havia claros sinais de gestão fraudulenta. O presidente do Banco Central do Brasil, na época, Gustavo Loyola, insistia que se ele tivesse agido com mais rigor antes seria acusado de açodamento.

Na verdade, a autoridade monetária fez de tudo para evitar a intervenção, porque sabia do “imbróglio político” que a decisão traria e também temia o impacto no mercado financeiro. A intervenção no banco baiano, decretada em 11 de agosto de 1995, só foi decidida quando o rombo de R$ 3,5 bilhões superava, em muito, as garantias do Banco, suficientes para cobrir apenas as operações de redesconto, que somavam R$ 1,9 bilhão.

Page 7: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 199

A diretoria do Banco Central tinha ciência do problema, pois manteve fiscalização sobre o Banco Econômico. Pérsio Arida, durante os 5 meses em que esteve no comando do Banco Central, buscava saída de mercado, para evitar a intervenção, apesar de conhecer sua situação patrimonial. Argumentava que, “no mundo todo, os bancos centrais preferem ser tardios a ser prematuros” (GZM, 09/10/95). Na realidade, havia enorme dificuldade da autoridade monetária em delimitar a hora certa de intervir ou liquidar qualquer estabelecimento bancário.

Arida negociava com Calmon de Sá a troca de controle do Banco, que buscava ajuda contínua no redesconto de liquidez e na Caixa Econômica Federal. Esta abastecia o Econômico em operações de CDI (Certificados de Depósitos Interbancário). O grupo do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) defendia uma “solução baiana”, alegando que “a Bahia já perdeu a Odebrecht; não pode, agora, perder o Econômico”. Relatório da Polícia Federal (PF) indicou que o Econômico protegeu o senador ACM (FSP, 20/08/95). Este relatório sobre conta "fantasma", supostamente usada na campanha de Antônio Carlos Magalhães ao governo da Bahia, em 1990, afirmava que o Banco Econômico “evaporou importante prova da investigação”. A PF se baseou em relatório do Banco Central, que constatou a existência de falhas no sistema de microfilmagem que registrava documentos relativos à conta 001.919516-8, pertencente à TV Bahia, de propriedade da família de ACM.

Por sua vez, Calmon de Sá insistia em manter 35% das ações da holding em seu poder, mesmo com ameaça de corrida bancária. Havia necessidade de se criar um instrumento legal que abrisse caminho para ação preventiva do Banco Central do Brasil, com a possibilidade da autoridade monetária afastar o controlador da instituição. Até então, não existia isso.

Da maneira que foi conduzido, o caso Econômico cristalizou, no Palácio do Planalto, a imagem de um Banco Central do Brasil vacilante, temeroso das reações do mercado, e corporativista. Serviu ainda como argumento adicional para o governo FHC enterrar de vez a idéia de um banco central independente.

Calmon de Sá perdeu o Banco, mas não perdeu a pose. Isso ocorreu, embora estivesse passível de punição pelos erros e irregularidades cometidos nos 25 anos à frente do Banco. Ele retomou logo a direção de suas empresas particulares em Salvador e o seu lazer preferido, as pescarias na Baia de Todos os Santos. Entretanto, “nas suas idas a lugares públicos, ele tem sido hostilizado por populares e chamado de ladrão” (GZM, 08/01/96).

Dez anos depois, em 10/07/06, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional aplicou pena máxima ao controlador do Banco Econômico (em liquidação extrajudicial desde 1996), Ângelo Calmon de Sá, inabilitando-o por 20 anos para o exercício de cargo no sistema financeiro. Entre as principais irregularidades detectadas estavam a concessão de empréstimos para empresas que claramente não teriam condições de honrar os pagamentos, além de mútuos e operações com partes relacionadas ou coligadas.

Noticiou-se (FSP, 08/11/06) que o Banco Central do Brasil não pretendia recorrer da decisão tomada pela Justiça da Bahia, a partir de pedido do Ministério Público do Estado, que liberou os bens do antigo dono do Banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá. O diretor de Liquidações e Desestatização do Banco Central do Brasil,

Page 8: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 200

Gustavo do Vale, dizia que Calmon de Sá não iria sair com dinheiro depois de encerrada a venda dos bens que pertenciam ao banco. O ex-banqueiro reclamou dos critérios usados pela autoridade monetária para corrigir as dívidas do Econômico, que, segundo ele, prejudicavam os antigos controladores do banco. Ele defendia que as dívidas fossem corrigidas pela TR (Taxa Referencial), enquanto o banco central dizia que os empréstimos deviam ser atualizados pelas condições previstas originalmente no contrato firmado com os credores. Ao contrário do que constava do processo, o rombo do Econômico com a atualização do valor das dívidas ainda era de aproximadamente R$ 7 bilhões. À Justiça baiana, porém, teria sido informado que o balanço do banco estava equilibrado, ou seja, que o valor de seus bens equivalia às dívidas. Depois de parecer jurídico determinar a atualização dessas dívidas a partir das condições previstas originalmente nos contratos, e não pela TR, correção foi feita nas demonstrações financeiras, evidenciando o rombo.

Um juiz federal de São Paulo condenou o ex-banqueiro e ex-ministro Ângelo Calmon de Sá a 13 anos e quatro meses de prisão por gestão fraudulenta do extinto Banco Econômico S/A (FSP: 04/10/07). Também receberam sentença de prisão o ex-vice-presidente do banco (seis anos de detenção), o ex-diretor (quatro anos e oito meses) e o ex-gerente geral (quatro anos e quatro meses). A aplicação das penas não seria imediata. Todos responderiam em liberdade até que o processo fosse concluído em todas as instâncias da Justiça.

5.3. Banco Nacional

O Banco Nacional S.A. chegou a comemorar, em 1994, seu cinqüentenário, um ano antes de sua “quebra”. Sua fundação, com denominação que ajuntava o "de Minas Gerais", ocorreu, em abril de 1944, com a sede instalada em Belo Horizonte. Embora sua sede administrativa se localizasse, no Rio de Janeiro, na época de sua bancarrota, sua sede juridicamente ainda estava localizada em Belo Horizonte, sendo então o último dos grandes bancos privados mineiros. Talvez isto ocorresse por razão político-regional de seu fundador e presidente de honra, José de Magalhães Pinto.

O Nacional conquistou logo lugar de realce entre os estabelecimentos bancários do Estado, pois teve aprovado o processo de incorporação do Banco Comercial Mineiro e autorizado a instalar 27 agências no interior de Minas, nas capitais de Goiás e Espírito Santo, em Campos, no Estado do Rio, além da matriz em Belo Horizonte e a filial no Rio de Janeiro. Sua fundação ocorreu justamente quando a rede bancária mineira iniciava a instalação de agências em outros Estados, principalmente, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiás. Era o período de transição entre a exploração do mercado interno mineiro e a do mercado nacional, em formação.

Em 1961, a rede do Nacional, nas diversas regiões do país, compunha-se de 117 agências. Neste ano, da extensa rede bancária que atuava no Rio de Janeiro (até então Distrito Federal) era o Banco Nacional de Minas Gerais o que dispunha de maior número de agências: 27 e mais a filial. Seguiam-no o Banco Boavista, com 26 agências além da matriz, o Lavoura de Minas Gerais com 18, o Banco do Brasil com 16, o Crédito Real de Minas Gerais com 15, o Moreira Salles (originário de Poços de Caldas, MG) e o Andrade Arnaud com 14 cada, o Comércio e Indústria de Minas Gerais e o Banco Português do Brasil com 12 cada, e o Mineiro da Produção, com 11 agências. Sem dúvida, grupos financeiros mineiros controlavam grande parte do mercado financeiro carioca, então o maior do país.

Page 9: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 201

O Banco Nacional nasceu, portanto, grande. Caracterizou-se, imediatamente, pela sua agressividade em conquistar posições no ranking de maiores bancos privados nacionais por volume de depósitos. Em 1949, estava em 21º. Ganhava posições, gradativamente, de maneira que, em 1953, já era o 10º maior; quatro anos após, em 1957, alcançou o segundo posto, atrás somente do Banco da Lavoura de Minas Gerais (antecedente do atual Banco Real), onde permaneceu pelo menos até 1964, ano da reforma bancária.

A biografia de seu fundador, José de Magalhães Pinto (28/06/1909-06/03/1996), até sua fundação, registrava que, com 18 anos, em 1926, tornou-se escriturário, na gerência do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais. Em 1929, já era gerente-geral do Banco da Lavoura, em Belo Horizonte. Em 1935, tornou-se o diretor do Banco. Em 1938, acumulava o cargo de presidente da Associação Comercial, até que assinou o "Manifesto dos Mineiros", elaborado em 1943 por um grupo de empresários, intelectuais, políticos e jornalistas, para expor seus pontos de vista contrários à ditadura de Getúlio Vargas. Foi forçado, por pressão política, a sair do Lavoura, o maior banco privado nacional de 1947 a 1964, com exceção de 1951 e 1952.

Perdido o emprego no Banco da Lavoura, um grupo de amigos, formado por Virgílio de Melo Franco e o Cel. Francisco Moreira da Costa e seu irmão, Waldomiro Magalhães Pinto, entre outros, cotizou-se para integralizar o capital inicial do Banco Nacional, criado em 1944. Não participou da primeira diretoria, só foi para a presidência com a morte de Moreira da Costa. Os líderes desse grupo tinham assinado o "Manifesto dos Mineiros" e fundaram a União Democrática Nacional (UDN), em Minas. Levou Magalhães Pinto para a política. Por esse Partido foi eleito deputado federal, em 1945.

Magalhães liderava a “bossa nova” (a esquerda da UDN) contra a chamada “banda de música” (a direita do partido), comandada por Carlos Lacerda. Chegou à presidência nacional da UDN. Tornou-se governador de Minas Gerais, em 1960, derrotando Tancredo Neves (PSD). Via a política como carreira em que tinha de galgar todos os postos. Alcançar a presidência da República, qualquer fosse o meio, sempre foi sua obsessão.

Vinte anos depois de assinar o Manifesto contra a ditadura, articulava, abertamente, o golpe militar de 1964. O “líder civil” do golpe de Estado acabou em posição secundária, embora tenha sido o chanceler do país, afastado pelos militares que não se dispunham a abrir mão do poder conquistado.

José de Magalhães Pinto foi não só banqueiro, mas sempre político mineiro conservador. Quando governou o estado de Minas, de 1961 a 1966, financiou o IPES e foi um dos principais artífices do golpe militar de 1964. Após, sua fortuna se multiplicou, inclusive incorporando mais seis bancos no período do regime ditatorial. No governo Costa e Silva, ele foi ministro das Relações Exteriores, articulador de empréstimos internacionais para o financiamento de obras de infra-estrutura. Foi grande financiador de empreiteiros de obras públicas na época do chamado “milagre econômico brasileiro”. Deixou a política em 1985, por motivo de doença.

Havia ditado mineiro que dizia: "o melhor cabo eleitoral é a agência bancária". Era difícil distinguir a figura do banqueiro da do político. O Banco beneficiava-se da força política de Magalhães Pinto, quanto este da força econômica do Nacional.

Page 10: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 202

Quando o Banco “quebrou”, ele tinha como presidente-executivo seu filho, Marcos de Magalhães Pinto, dois anos mais novo do que outro filho, Eduardo de Magalhães Pinto, presidente do Conselho Administrativo.

Todos os grandes bancos mineiros faziam parte de grupos que contavam com dezenas de empresas, não só da área financeira, mas também de outros ramos de atividade, principalmente, indústria de alimentos, textil, não-metálicos, mineração, metalurgia, agro-pastoril, além dos setores imobiliário, comercial e de serviços, como diversões, hotéis, rede de lanchonetes, etc. Como já dito, tais empresas não eram propriedades diretas dos bancos, mas tinham ou o controle acionário detido por famílias do banqueiro, ou participações ou relações de interesse com os bancos. No caso do Banco Nacional, nos anos 60's, em uma lista incompleta, possuía relacionamento com: Mineração e Usina Wigg S.A., Cia. de Seguros Minas Brasil, CEBEPE - Cia. Brasileira de Participações, São Miguel Comércio e Participações, Nadir Figueredo S.A., Macife S.A., Cia. Bandeirante de Seguros, Irmãos Auler Ltda., Cia. Itabirito Industrial Fiação de Tecidos de Algodão, SIMCA (indústria automobilística), Cia. de Seguros Latino-americana, Intercâmbio Nacional - SINAL S.A., SINAL Minas - Sociedade Corretora de Valores Mobiliários, Nacional Empresa de Turismo, Cartão (de Crédito) Nacional, Nacional Cia. de Seguros, Banco Nacional de Investimentos.

Habituado a freqüentar a relação dos dez maiores bancos comerciais do país, o Banco Nacional chegou, em meados dos anos 80's, à posição pouco confortável, com perda no ranking entre os bancos privados. O principal motivo apontado para isto era a relutância do Nacional trabalhar com recursos “comprados” dos investidores. Dotado de uma significativa rede de agências, que somava 567 unidades espalhadas principalmente na região Centro-Sul, o Nacional vinha preferindo trabalhar, basicamente, com depósitos à vista. Esses depósitos, não sendo remunerados, permitiam uma rentabilidade maior ao Banco. Por este critério, computando-se apenas os depósitos à vista, em 1984, o Nacional era o terceiro classificado entre os maiores bancos privados do país, abaixo apenas do Bradesco e do Itaú.

A agressividade da concorrência, em um mercado financeiro que não privilegiava mais o mercado de crédito tanto quanto o mercado de capitais, levou o Nacional a rever sua posição. Assim como os outros grandes conglomerados, o Banco passou a captar recursos através da venda de CDB e RDB. Houve aumento substancial dos recursos “comprados”, na composição do funding do Nacional, à custa de seu encarecimento.

Os depósitos à vista, naquela época de regime de alta inflação, já se tornavam cada vez menos significativos. Além disso, os recursos que o Banco captava sob a forma de depósitos à vista, praticamente, não eram direcionados para empréstimos, pois perto de 50% eram depositados no Banco Central, sob forma de recolhimento compulsório. Mais 25% tinham de ser alocados, obrigatoriamente, ao setor rural, e outros 12% tinham de ser canalizados às pequenas e médias empresas, também por determinação oficial. A faixa livre de empréstimos era muito diminuta.

O Nacional decidiu então ser mais agressivo na captação de depósitos a prazo. Para isso, utilizava com intensidade a sua rede de agências, onde conseguia colocar, no varejo, CDBs a taxas mais favoráveis ao Banco do que nas "operações de atacado". Essa alteração tática na captação de recursos, na realidade, inseriu-se em mudança mais substancial da estratégia de todo o conglomerado.

Page 11: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 203

Em 1984, foi feita profunda alteração na estrutura administrativa da organização. O conselho de administração do Banco passou a ter três membros da família Magalhães Pinto e três outros dos antigos quadros funcionais da instituição. Também a diretoria executiva foi amplamente reformulada, sendo criadas 4 vice-presidências e 38 cargos de diretores gerais da instituição.

Essas mudanças tinham três razões principais. Em primeiro lugar, para dotar a organização de uma estrutura administrativa capaz de atender às necessidades de segmentação da clientela e às mudanças do mercado financeiro. Para isso, o Nacional resolveu estruturar-se como um autêntico conglomerado financeiro, a segunda razão da mudança, com as várias empresas do grupo atuando de forma integrada. A terceira razão foi o fortalecimento do seu quadro administrativo através da promoção para níveis superiores dos seus funcionários mais eficientes e dedicados, com o intuito inclusive de motivação do funcionalismo.

Mas essa reforma administrativa acabou resultando em uma “administração familiar” sem “a família” com participação ativa. A ascensão de “homens de confiança”, ou seja, gerentes antigos, com visão localizada e sem um horizonte de análise abrangente, transformou “mérito pessoal” em incompetência gerencial, caracterizando-se por administração personalista.

Essa mudança administrativa, entretanto, levou à postura mais agressiva do Nacional na questão da automação bancária e mesmo à atuação mais firme em outros segmentos do mercado, como na captação de depósitos de poupança. Juntamente com outros bancos, passou a ser um dos acionistas da empresa Tecnologia Bancária, para instalação de quiosques com as ATM (Automatic Teller Machine) e de terminais para transferência eletrônica de fundos em lojas e postos de gasolina. Paralelamente a isso, fez a automação de suas próprias agências bancárias, com equipamentos fornecidos pela Digirede.

Todo esse esforço exigia investimentos pesados, que o Nacional só se dispôs a desembolsar após acompanhar os resultados apurados pela concorrência e depois de superar a absorção (por pressão política) do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais. Desde 1974, essa aquisição exigia uma ponderável parcela de atenção da alta administração do Banco. Os dois eram bancos com porte semelhante, com redes de agências com localização superposta, especialmente em Minas Gerais. Houve um super-dimensionamento artificial, que significou absorção de problemas (e custos), sem alcançar a ampliação de market share que seria obtida com a agilidade operacional anterior. O BCIMG atuava com técnica bancária superada, o que implicou necessidade de muito treinamento e cortes de funcionários, provocando problemas trabalhistas subseqüentes. Entre 1974 e 1978, o Nacional sofreu um desvio de sua rota estratégica, em que disputava posição entre a vanguarda dos bancos brasileiros.

O Nacional foi um dos últimos grandes conglomerados do país a ingressar na captação de recursos através das cadernetas de poupança. Isso só ocorreu em 1981, quando o Banco adquiriu sua primeira empresa do setor. Comprando duas sociedades de crédito imobiliário, no Rio e em São Paulo, além de duas associações de poupança e empréstimos, em Minas e Santa Catarina, passou a atuar em toda região Centro-Sul, para captação desses depósitos de poupança.

Page 12: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 204

O esforço em várias frentes do Nacional visava a recuperar o espaço perdido nos últimos anos, com sua política de cautela e conservadorismo, mantendo sempre relação baixa entre o volume de empréstimos e os recursos próprios. Em junho de 1984, por exemplo, as suas operações de crédito somavam apenas 3,2 vezes o seu patrimônio líquido. Esperava que, mantida sua atitude cautelosa, somada às transformações estruturais internas, seria possível transpor essa fase adversa.

Sem estratégia elaborada por experts do mercado financeiro, a única reação do Banco à crise surgida com a ruptura do padrão de financiamento, na primeira metade dos anos 80, foi substituir a captação de depósitos à vista por a de depósitos de open, para carregar carteira de títulos de dívida pública. Com o patamar inflacionário inercial, havia nível “ótimo” de inflação (entre 8 e 10%), para remunerar floating. Mas, em longo prazo, com a aceleração da inflação, o financiamento ao setor público oferecia grande risco, haja vista os freqüentes “expurgos” dos indexadores, a absorção compulsória de “moedas podres”, etc.

Até 1986, foi relativamente “bem” com sua estratégia imediatista, porém “segura”, em que achava que o futuro pareceria, eternamente, com o presente. Sua resposta ao Plano Cruzado foi ruim, constatando-se a falência dessa estratégia. Adotou, no segundo semestre, a alternativa de fazer empréstimos, para substituir aplicação de floating. As ligações pessoais inibiram as demissões. A queda da taxa de inflação revelou aumento de custos reais. O balanço anual mostrava prejuízo operacional compensado por ganhos não operacionais através de vendas de imóveis ou outros ativos.

Com a reversão inflacionária, em 1987, o correntista passou a ser um “investidor”, buscando remuneração para toda sua disponibilidade. Diminuiu, sensivelmente, o dinheiro barato. A estratégia bancária tinha de ser modificada.

A mudança da cultura da empresa iniciou-se, no final daquele ano, quando contratou para exercer o cargo de Superintendente do Comitê Executivo, com “carta-branca” para efetuar as mudanças necessárias, o segundo executivo do Citibank, no Brasil, Arnoldo Souza de Oliveira. O engenheiro eletrônico, então com 46 anos e mestrado em administração na FGV-SP, não desejava sair do Brasil, para fazer o rodízio internacional obrigatório na carreira do Citibank.

A largada do projeto de reestruturação do Banco Nacional deu-se quando, no ano seguinte, contratou novos executivos. Arnoldo recrutou alguns entre os que eram reconhecidos como os mais competentes do mercado. Trouxe com ele mais três executivos do Citibank. Alguns membros do Comitê Executivo vieram de empresas estrangeiras como a IBM, Shell, Xerox, Chase Manhantan Bank e Lloyds Bank. Fez também uma seleção interna de quadros competentes, para compor o novo Comitê Executivo.

O Banco Nacional seguiu, a partir de 1988, estratégia clara de diferenciação em relação a seus concorrentes diretos (Unibanco e Real), pois os bancos com grande rede de varejo (Bradesco, Itaú e Bamerindus) possuíam estratégia, inalcançável pela concorrência, de liderança em custos: o maior volume de recursos de terceiros disponível com o menor custo possível. O eixo de sua estratégia foi atuar em todos os segmentos com produtos que acrescentassem significativo valor agregado, ou seja, pelo

Page 13: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 205

atendimento de toda a cadeia comercial intra e intersetorial, constituindo nichos de clientes.

Até então, o market share do Nacional era baixo e o Banco tinha pouca credibilidade. Como ele, todos outros concorrentes tinham estratégia semelhante: disputar floating a “custo zero” para aplicar em títulos de dívida pública indexados à taxa de inflação. A nova direção do Nacional avaliou então que aquela estratégia tinha muito risco de não perdurar. Fez opção por estratégia de relacionamento, em função de prestação de serviços bancários e fornecimento de empréstimos de curto prazo, para clientes preferenciais. A prioridade era emprestar para o setor privado e evitar o setor público. Os resultados econômicos seriam inferiores aos da “ciranda financeira”, mas os resultados financeiros seriam mais estáveis a longo prazo.

A forte interação Banco-clientela resultante foi estratégia de antecipar a próxima fase (a dos anos 90) da evolução do sistema bancário brasileiro, nesse segmento de grandes varejistas-atacadistas. Outros o seguiram, porém, chegaram mais tarde. Mas bancos de nichos de negócios não pretenderam segui-lo. Bancos do porte do BCN, Econômico e Banorte encontravam-se na encruzilhada entre optar por nichos de mercado nacional ou por nichos de negócios regionalizados, caso contrário, as fusões e aquisições seriam inevitáveis.

O que interessava, dentro da nova estratégia do Nacional, era o cliente estar plenamente satisfeito, para manter a fidelidade a longo prazo com o Banco. Inclusive, se tivesse que ser investindo em outro banco, ele facilitava com o serviço Nacional Investcenter, em que o cliente podia aplicar facilmente em bancos conhecidos por terem fundos de investimento entre as melhores rentabilidades do mercado: Bozzano Simonsen, Icatu, Liberal, Pactual, Primus, e SRL. O dinheiro do cliente permanecia administrado com a tecnologia do Nacional, que supervisionava todas as entradas e saídas de seu fluxo de caixa. O acesso à vida financeira do cliente garantia a reciprocidade a longo prazo.

Para isso, foram implantados sistemas de EDI (troca eletrônica de dados), nova forma de prestação de serviços de cobrança e pagamento a fornecedores, sem papel e com ganho de confiabilidade. O Nacional On Line Empresarial atendia aos clientes pessoa jurídica, disponibilizando informações essenciais para o gerenciamento de caixa, com saldos, posições de cobrança e aplicações em investimentos.

No ranking dos maiores bancos privados, em 1993 e 1994, o Nacional era o quarto maior por ordem de ativo (após Bradesco, Itaú e Bamerindus), o quarto em volume de depósitos totais, (após os mesmos bancos). O mais surpreendente foi o montante de suas operações de empréstimos (US$ 3.822 milhões), em 1993. O crescimento real de seus empréstimos, nesse ano, foi o segundo maior (o dos empréstimos do Bamerindus foi de 75,1%), com 60,8%. O volume de empréstimos do Nacional só foi inferior ao do Bradesco (US$ 3.892 milhões) em apenas 1,8%. Obteve o terceiro posto, em 1994, muito próximo do Bamerindus. Em patrimônio líquido foi quinto, nos dois anos. Em retorno sobre o patrimônio líquido saltou, dentre os bancos privados de rede, do segundo posto para o primeiro, em 1994, com uma rentabilidade de 17,8%.

Em outras palavras, o Banco Nacional, fundado em 1944 e tendo incorporado 19 outros bancos, 50 anos após, com 14 mil funcionários e 775 pontos de venda, inclusive

Page 14: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 206

337 agências no país, 438 postos de atendimento bancário, agências em Nova York, Miami e Nassau, Banco Nacional (Luxembourg) e Interbanco (Paraguai), destacava-se entre as maiores instituições financeiras. Situava-se, às vésperas de sua derrocada, nas seguintes posições entre os bancos nacionais privados: 5o em patrimônio líquido, 4o em ativos totais, 4o em depósitos totais, 3o em empréstimos consolidados e 1o em retorno sobre o patrimônio. Por que houve a bancarrota?

Na verdade, revelada depois (FSP, 13/03/96), o Banco Nacional estava tecnicamente quebrado desde 1986, época do primeiro grande plano de estabilização: o Cruzado. Só não teria sido liquidado por causa do prestígio político do seu fundador, José Magalhães Pinto, que morreu no dia 6 de março de 1996, mas já afastado por problemas de saúde.

Os sintomas de insolvência do Banco eram, basicamente, dois: ativo imobilizado (composto basicamente por aplicações em imóveis e ações) muito elevado e descasamento entre o ativo e o passivo circulantes. Esse descolamento era expresso por captações majoritariamente de curto prazo contra empréstimos na maior parte de médio e de longo prazo. Isso gerava insuficiência de caixa e perda de liquidez. Era um problema concentrar aplicações em imóveis, pois eles dificilmente remuneravam o capital investido de maneira adequada. O exigido era que o ativo imobilizado não superasse, na época, 70% do patrimônio líquido do Banco. Em 1986, no Nacional, essa rubrica representava mais de 100%.

Nos anos de 1986 e 1987, inflando a bolha econômica do Plano Cruzado, o Banco Nacional intensificou a atividade de intermediação financeira, efetuando série de empréstimos a empresas de pequeno porte. Com o posterior recrudescimento da inflação maquiada e distorção dos preços relativos, centenas dessas empresas vieram a enfrentar dificuldades financeiras, encerrando suas atividades, sem conseguirem honrar seus compromissos perante o Banco. Essa política liberal de crédito, somada ao inchaço da máquina administrativa e outros excessos, deixaram a instituição em dificuldades internas e externas, gerando falta de credibilidade nos negócios e quebra de confiança no mercado.

Logo, no final de 1987, essa situação tornou-se insustentável o que compeliu os administradores do Nacional a buscarem solução que evitasse a iminente quebra do Banco. No início de 1988, os controladores do Banco Nacional optaram por profissionalizar sua administração, visando ao restabelecimento da credibilidade junto ao mercado. Foi quando contratou o Arnoldo de Oliveira, executivo renomado do Citibank, que passou a exercer o cargo de Vice-Presidente de Operações e de Superintendente do Comitê Executivo, tornando-se o principal executivo do Grupo Nacional.

O Sr. Arnoldo, juntamente com sua equipe, promoveu série de medidas para sua reestruturação, tais como: redução do quadro de pessoal (o número de funcionários foi reduzido de cerca de 37.000, em 1989, para menos de 14.000 em 1995); desimobilizações; atuações junto a órgãos de fiscalização interna e externa; criação de novos produtos; e maciça publicidade. Aparentemente, o Banco manteve e ampliou política agressiva de concessão de crédito. Em alguns momentos, a carteira de empréstimos do Nacional chegou a ser 10 vezes maior que seu patrimônio, quase o triplo do que se via em outros bancos privados de porte semelhante. Essa falta de

Page 15: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 207

respeito à boa técnica bancária contribuiu para a formação de carteira de créditos “podres”, senão fictícios.

A equipe também introduziu técnicas de controle baseadas em relatórios gerenciais em bases não-contábeis, “objetivando a modernização dos instrumentos de decisão”. Entretanto, esses relatórios fragilizaram os controles, contribuindo para o desconhecimento interno de possíveis fraudes, o que favoreceu a perpetuação de artifício contábil criado, em 1987, que consistia na manutenção da escrituração de contas de operações de crédito fictícias, as chamadas contas de “Natureza 917”.

A estratégia dos ex-profissionais do Citibank, contratados em 1988 para promoverem uma ampla reestruturação no Nacional, foi de sempre trabalhar alavancado com os empréstimos no limite do que permitia a lei, antes da entrada em vigor do Acordo da Basiléia. Em 1995, o Banco estava acima desse novo limite exigido pelo Banco Central do Brasil em alavancagem em operações de crédito e de risco. Constatou-se, então, que a orientação tinha sido sempre fazer operações que não entrassem na contabilidade bancária como empréstimos tradicionais, para escamotear o desenquadramento nos limites oficiais.

Essa estratégia de operar altamente alavancado deixou o Nacional em uma situação periclitante, quando a taxa de inflação caiu, acentuadamente, após junho de 1994 e, com ela, a receita em aplicações indexadas de floating captado sem remuneração. Além disso, depois da explosão da bolha de consumo, houve elevação da inadimplência do crédito, exigindo aumento extraordinário na provisão para créditos em liquidação duvidosa. A nova onda de calotes somou-se aos buracos contábeis antigos, tirando a possibilidade de o Nacional tentar resolver seus problemas usando o patrimônio e encolhendo os ativos.

Não foram somente esses problemas conjunturais os detonadores da quebra do Banco. As ondas de inadimplência após os planos de estabilização (1986, 1989, 1990 e 1994) ajudaram liquidar o Banco. Mas ele forjou informações sobre o crédito inadimplente. Em vez de contabilizar os calotes como prejuízo, simulava uma renovação de juros e principal, emprestando, apenas contabilmente, o valor acumulado, cuja diferença aparecia como resultado positivo. Sobre uma “operação fantasma” distribuía dividendos aos acionistas e bônus de desempenho aos executivos.

Instituiu também uma política de antecipação de comissões. Colocava-se determinado produto a prazo e embolsava-se a comissão à vista. Além disso, havia diversas operações vencidas que nem sequer haviam sido provisionadas. Tudo isso passava pela auditoria da KPMG Peat Marwick.

Laudo pericial concluiu que as fraudes poderiam ter sido detectadas pela KPMG, firma que fazia auditoria os balanços, se fossem adotados procedimentos regulares (FSP, 01/06/98). Apesar de o Banco estar tecnicamente quebrado anos antes da intervenção do Banco Central do Brasil, ele continuou operando graças a contas fictícias e balanços inflados, legitimados por pareceres assinados pelo auditor. Entre julho de 1988 e junho de 1995, o Nacional apresentou receitas fictícias de US$ 16,9 bilhões. Na ocasião da intervenção, o Banco tinha um passivo a descoberto (dívidas sem cobertura) de R$ 9,3 bilhões.

Page 16: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 208

Foram identificados 11 ex-funcionários do KPMG contratados pelo Banco Nacional, alguns em cargos de média e alta gerência. Um deles foi citado como “envolvido, diretamente, no gerenciamento da fraude”. Ex-funcionário da KPMG, ele foi admitido no Nacional em abril de 1987. As fraudes foram praticadas entre 1988 e 1995, segundo o laudo. Ele foi responsável pela alteração dos procedimentos para alimentar e manter contas correntes fictícias que inflavam artificialmente as receitas do Banco. Essa promiscuidade, que poderia caracterizar conflito de interesses, acontecia com a conveniência do profissional da KPMG responsável pela auditoria dos balanços do Nacional havia mais de 20 anos.

A Comissão de Inquérito do Banco Central do Brasil apurou, entre outros fatos, que, na data da decretação do RAET, em 18 de novembro de 1995, existiam, no ativo do Banco Nacional, 652 contas de empréstimos, identificadas por um código especial denominado “natureza 917”, que contavam com um saldo de R$ 5,367 bilhões. Essas contas que, a rigor, pelos prazos decorridos de seus vencimentos originais e pela inexistência de garantias reais, deveriam ser reconhecidas como prejuízos em suas demonstrações financeiras, permaneciam registradas como operações “em ser”, ou seja, créditos normais, em razão da prorrogação unilateral do vencimento inicial da operação. Esse procedimento irregular permitiu que, no período de 1991 a 1995, fosse registrado como receita nos respectivos balancetes e balanços, o montante de R$ 5,059 bilhões.

Desse valor de R$ 5,367 bilhões relativo às contas de “Natureza 917”, apenas cerca de R$ 308 milhões referiam-se às operações iniciais, tendo o valor restante (R$ 5,059 bilhões) decorrido da incorporação de encargos às contas de empréstimos, com contrapartida em contas de receita efetiva de empréstimos. Entre 1986 e 1987, quando os créditos foram de fato concedidos, seus valores não ultrapassavam, na média, US$ 10.000,00 (dez mil dólares). As rendas geradas de 1990 a 1995 equivaliam a 94% do saldo da conta de “natureza 917”.

Constatou-se, ainda, que, em 1993, foi adotado um sistema de equalização de saldos, de maneira que mais de 500 das 652 contas se mantivessem no mesmo nível. Independentemente do seu valor original e da taxa de juros contratadas, ficavam todas com um saldo aproximadamente igual. Essa equalização teria como objetivo não chamar a atenção do Banco Central e da Auditoria Externa sobre o saldo individual de algumas contas.

O procedimento de inflar o balanço do Banco pode ter tido como propósito a alavancagem de resultados, garantidores de distribuição de dividendos. Essa fraude teria ainda como objetivo a divulgação de imagem de solidez junto ao mercado, possibilitando a ampliação dos instrumentos de captação. Com base no lucro forjado, foram distribuídos aos seus acionistas, no período de 1990 a 1995, US$ 145 milhões. A partir de 1993, inclusive, o banco passou a distribuir dividendos mensais, sob a forma de antecipações.

Os empréstimos fictícios engordavam os resultados contábeis do Banco escondidos em contas de depósitos e eram sistematicamente rolados. O mortal para esse esquema foi a criação, pelo Banco Central do Brasil, no início de 1995, de recolhimento compulsório sobre empréstimos. A partir de então, o Nacional teve de arranjar dinheiro em espécie, para recolher aos cofres do banco central, sobre empréstimos fantasmas, o que foi apertando a liquidez até sua quebra. Segundo hipótese de Celso PINTO (FSP,

Page 17: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 209

25/08/96), “sem os compulsórios sobre empréstimos, é [era] possível que o Nacional tivesse ainda uma sobrevida”.

Com uma carteira de crédito constituída, basicamente, de créditos a receber de difícil liquidação, que na data de sua venda ao Unibanco apresentava de saldo o expressivo montante de R$ 5,367 bilhões, o Nacional começou a enfrentar dificuldades para financiar suas operações diárias a partir do mês de junho de 1995. Depois de agosto, em função de reflexos da intervenção no Banco Econômico, verificou-se acentuada perda nos CDBs (Certificados de Depósitos Bancários), tanto no banco comercial quanto no Banco Nacional de Investimento. A partir de então, o Banco passou a financiar-se, diariamente, por CDI-Over (Certificados de Depósitos Interfinanceiros). Conforme depoimento de Marcos Magalhães Pinto, ex-controlador do Banco Nacional S.A., prestado à CPI do PROER, em 23.10.2001, o Banco Central teria tomado conhecimento da situação de falta de liquidez do Banco Nacional em julho ou agosto de 1995, ou seja, 3 a 4 meses antes de sua venda.

Os donos do Banco Nacional foram protagonistas de uma das maiores farsas contábeis e financeiras da história do país. Em novembro de 1995, quando foi vendido ao Unibanco por 1 bilhão de dólares, o Nacional era uma instituição arruinada. O que se desconhecia era a dimensão das irregularidades que havia lá. No negócio, o Unibanco pagou apenas pela parte sadia do Nacional. A “parte podre” foi entregue ao Banco Central, cujos técnicos descobriram que o banco da família Magalhães Pinto estava quebrado desde 1986, por má administração, empréstimos com finalidade política e compra de bancos ruins. Para manter a aparência de solidez, os balanços tinham sido fraudados durante dez anos. Em outras palavras, a família de banqueiros ocultou a quebra, para não ceder seus prédios, fazendas, carros de luxo, empresas e o próprio Banco Nacional. Para manter a fortuna intacta, resolveu enganar a autoridade monetária. O Nacional forjava empréstimos milionários para mais de 600 contas correntes e escondia um rombo que crescia sem parar. Estimou-se que o governo tenha gasto 7 bilhões de dólares para tapar este buraco.

Dois ex-dirigentes do Nacional foram punidos pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro, órgão ligado ao Banco Central, no início de 2001. Marcos Magalhães Pinto e Clarimundo Sant'Anna foram proibidos de atuar como dirigentes de outras instituições financeiras nos próximos 20 anos. Com base no relatório do BC, o Ministério Público Federal indiciou 39 pessoas, entre sócios, vice-presidentes e diretores do Nacional. Destes, 18 foram acusados de crimes como gestão fraudulenta, sonegação, formação de quadrilha e falsificação e tiveram os bens bloqueados. Em janeiro de 2002, a Justiça ordenou a prisão de Magalhães Pinto e 7 ex-diretores antes da leitura da sentença, pois temia que eles deixassem o país. Dois dias depois, o Supremo Tribunal Federal colocou os réus em liberdade. Sentença em primeira instância determinou duras penas aos envolvidos. Magalhães Pinto, por exemplo, foi condenado a 28 anos de prisão em regime fechado e multa de 10 milhões de reais. Mas como havia margens para muitos recursos, os réus poderiam ficar soltos até 2008.

Entretanto, somente 10 anos após a intervenção, os Magalhães Pinto passaram a admitir “sair no zero a zero” (FSP, 23/10/05: B4) nas negociações com o Banco Central para encerrar a liquidação do Nacional. Esse acordo faria a dívida pública crescer cerca de R$ 18 bilhões, valor correspondente ao estoque de resíduos de financiamentos habitacionais do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) que estão na

Page 18: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 210

massa falida do Banco. A novação desses créditos e posterior troca por títulos de dívida pública seria usada para pagar a dívida da instituição com o Banco Central do Brasil. Essa socialização dos prejuízos se daria, mais uma vez na história brasileira, sob forma de transferência do “ônus para a viúva”, isto é, para os contribuintes que pagariam impostos elevados e os cidadãos dependentes de gastos sociais cortados.

5.4. Bamerindus

O Banco Bamerindus foi criado, em 06/04/1943, com a denominação social de Banco Meridional da Produção S.A. Posteriormente, em 08/03/1952, teve sua razão social modificada para Banco Mercantil e Industrial do Paraná S.A. e, finalmente, em 19/02/1971, adotou a denominação de Banco Bamerindus do Brasil S.A. Chegou a ser o segundo maior banco privado do País em termos de rede, com 1.240 agências e mais de 4.000 postos de serviços. A instituição Bamerindus alcançou, aproximadamente, 28.000 empregados. Foi a instituição de crédito privada que mais financiou a atividade agrícola no país.

O ex-dono do Banco, José Eduardo de Andrade Vieira, nasceu em 1938. Foi o terceiro filho homem de Avelino Antônio Vieira, fundador do Banco Popular e Agrícola do Norte do Paraná, criado em 1927, cuja descendência, bem mais tarde, daria no Bamerindus. ''Zé Eduardo'', como é chamado pelos amigos, começou a trabalhar no Banco aos 17 anos como datilógrafo de cobrança.

Andrade Vieira assumiu o controle do banco em condições trágicas. Em 1981, dois de seus irmãos, Tomaz Edison e Cláudio, que estavam à frente do Bamerindus, morreram em acidente aéreo, no Paraná. Na época, Andrade Vieira dirigia uma agência do banco em Nova York (Estados Unidos).

Quando o Banco sofreu a intervenção do Banco Central do Brasil, era senador pelo PTB do Paraná e presidente nacional do partido. Tinha sido ministro da Agricultura do governo Fernando Henrique Cardoso, entre janeiro de 1995 e abril de 1996, quando pediu demissão, devido à repercussão do massacre de 19 “sem-terra” em Eldorado dos Carajás (PA), mortos durante confronto com a polícia, em 17 de abril. Tinha antes ocupado o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, no governo Itamar Franco, no período de outubro de 1992 a dezembro de 1993.

Outro “nome politicamente forte” do grupo paranaense era o ex-presidente do conselho de administração do Bamerindus, Maurício Schulman. Ele somente entregou o cargo de presidente da FEBRABAN, devido à intervenção do Banco Central no banco do senador José Eduardo de Andrade Vieira. Nascido em Curitiba, ele era descendente de judeus poloneses que migraram para o Brasil, no final do século passado. Schulman passou pelos governos federal e estadual. Foi assessor do ministro Roberto Campos, em 1964 e secretário da Fazenda do Estado do Paraná, de 1971 a 1974. Passou quatro anos à frente do extinto BNH (Banco Nacional da Habitação), até 1978. Foi presidente da Eletrobrás de 1979 a 1980, quando ingressou no Bamerindus como diretor financeiro.

A crise do Banco Bamerindus, quarto maior banco privado do país em ativos e segundo maior privado em número de agências, 1.208, em fevereiro de 1996, depois de fechar cerca de 150 desde o ano anterior, teve início com as intervenções do Banco Central no Nacional e no Econômico em 1995. Elas alimentaram os rumores de que também ele, um banco de porte semelhante com empresas não-financeiras coligadas,

Page 19: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 211

estaria enfrentando dificuldades. Analistas do mercado chamavam atenção para os problemas enfrentados pelo grupo com uma de suas empresas, a fábrica de papel Inpacel, onde o Bamerindus havia investido muito dinheiro e que estava dando prejuízo.

Com os boatos correndo no mercado, o Banco passou a enfrentar uma onda de saques. Grandes clientes transferiram suas aplicações para outras instituições, o que prejudicou ainda mais seu desempenho. Somente nos 18 meses que se transcorreram de julho de 1995 a dezembro de 1996, os rumores teriam levado o Banco a perder liquidamente R$ 4,8 bilhões em depósitos. O Bamerindus foi obrigado a recorrer diariamente ao redesconto para zerar suas operações. Em fevereiro de 1996, esses empréstimos diários, se acumulados, já superavam R$ 1,5 bilhão.

O ex-senador depois reclamou que, em vez de socorrer o Bamerindus com o dinheiro mais barato de suas linhas de redesconto, o Banco Central do Brasil empurrou o banco para o mercado interbancário de curto prazo, onde os juros eram bem mais altos. A Caixa Econômica Federal é que passou a financiar a instituição privada no interbancário, cobrando taxas de mercado.

A partir de 17 de julho de 1996, todos os dias até a intervenção, o banco Bamerindus ou utilizava o instrumento do redesconto ou tomava recursos no mercado interbancário, não mais conseguindo se livrar desse pesado encargo financeiro. No dia 26 de março de 1997, data da intervenção, o saldo de suas reservas bancárias estava negativo, no valor de R$ 3,630 bilhões de reais. Nessa data, a síntese do balanço patrimonial era uma massa ativa de R$ 8,217 bilhões, uma massa passiva de R$ 11,753 bilhões e um passivo a descoberto de R$ 3,536 bilhões.

Segundo o depoimento de Andrade Vieira, prestado à CPI do PROER, em 24/10/2001, foram quatro as razões que levaram o Bamerindus ao processo de intervenção e, posteriormente, a liquidação extrajudicial por parte do Banco Central:

a) postura técnico-política do Banco Central, o qual entendia que o mercado financeiro brasileiro não comportava mais de dois grandes bancos nacionais de varejo;

b) o interesse do governo em vender um banco nacional de grande porte a uma instituição financeira estrangeira;

c) as insistentes ondas de boatos suspeitos, oriundos do próprio governo e nunca desmentidos pelas autoridades monetárias;

d) o não pagamento de dívidas dos governos federal e estaduais para com o Bamerindus.

Por conta principalmente dos boatos, a instituição, entre os anos de 1995 e 1996, sofreu saques diários de cerca de R$ 7 milhões de reais. Diante dessa situação, e atendendo solicitação do Banco Central no sentido de fortalecer o Bamerindus, tentou-se uma reestruturação implantando os seguintes procedimentos:

a) racionalização de processos e serviços, o que gerou uma economia em despesas administrativas de mais de R$ 225 milhões de reais;

b) venda de 6,14% das ações do Bamerindus ao HSBC por U$ 58 milhões de dólares em dezembro de 1995;

Page 20: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 212

c) aporte de R$ 657 milhões de reais por meio da transferência de ações de um grupo de sócios da Bamerindus Cia. de Seguros para o Bamerindus;

d) em 1996, venda de participações do Bamerindus (cerca de U$ 600 milhões de dólares) em empresas como a CSN e Bamerindus Midland Leasing, entre outras, como forma de capitalização da instituição financeira.

Tais procedimentos, no entanto, mostraram-se insuficientes para solucionar os graves problemas de liquidez do Bamerindus. O Banco ainda se candidatou à obtenção de recursos (R$ 400 milhões) junto ao PROER, alegando desejo de participar do leilão do Banco Meridional. O Banco Central não autorizou essa operação.

O Bamerindus era credor do Estado do Mato Grosso do Sul em R$ 800 milhões. Propôs que a União pagasse essa dívida e ficasse credora do Estado. Esta proposta, também não foi aceita pelo governo. Também, tentou que a Caixa Econômica Federal comprasse sua carteira de crédito imobiliário, à época avaliada em R$ 1,2 bilhão de reais. O Banco Central, mais uma vez, recusou-se a autorizar essa negociação, naquele momento.

A recusa da autoridade monetária com relação aos planos de estruturação apresentados pelo Bamerindus teve como base, principalmente, a inexistência de aporte de capital por parte dos acionistas controladores, mas tão somente do próprio Banco Central, para reverter a crise de confiança. Além disso, supunha a manutenção dos mesmos controladores no comando da instituição financeira. A legislação que implementou o Programa de Estímulo a Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER) exigia a transferência do controle acionário para aquelas instituições que desejassem o acesso a suas linhas de créditos especiais.

Em mais uma tentativa de reverter a situação, o grupo Bamerindus decidiu operar uma reforma patrimonial, em julho de 1996. O controle da Inpacel foi transferido para a Bamerindus Companhia de Seguros. Com essa reforma, R$ 25 milhões do prejuízo gerado pela fábrica foram repassados para a seguradora. Com isso, a deterioração financeira do banco contaminou até mesmo a seguradora, considerada a empresa mais saudável do grupo. Por conta de ativos que estavam registrados em seu balanço por valor superior ao que realmente valiam e passivos que estavam subestimados, a HSBC Bamerindus Seguros, posteriormente, teve que reduzir seu patrimônio líquido a quase um terço do que era.

Durante os últimos meses de 1996, o Bamerindus e o Banco Central discutiram várias alternativas para evitar a intervenção no banco e a adoção do Regime de Administração Temporária (RAET), que previa a administração direta da instituição financeira pela autoridade monetária. Sua operação de salvamento sempre esbarrou na dificuldade em encontrar um comprador. O candidato preferido do Banco Central do Brasil para assumir o Bamerindus, após reforma de sua estrutura, era o Hong Kong and Shangai Banking Corporation (HBSC), que já tinha 6,14% do capital do banco.

Finalmente, o Banco Central comunicou às instituições financeiras e bolsas de valores a decretação da intervenção nas empresas Banco Bamerindus do Brasil S.A., Bamerindus S.A. Participações e Empreendimentos, Bastec Tecnologia e Serviços Ltda. e Fundação Bamerindus de Assistência Social, a nomeação do respectivo interventor e a incidência de indisponibilidade sobre os bens dos ex-administradores. Decreto

Page 21: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 213

presidencial, que entrou em vigor no mesmo dia 26 de março de 1997, anunciou que era do interesse do governo brasileiro a participação estrangeira até o limite de 100% do capital social de banco múltiplo a ser constituído no Brasil pelo HSBC Holdings, como também a participação estrangeira até o limite de 100% no capital de sociedade de arrendamento mercantil, distribuidora e títulos e valores mobiliários e corretora de títulos e valores mobiliários O Banco Central do Brasil adotaria as providências necessárias à execução do disposto nesse decreto, inclusive quanto à rede de agências com que a nova instituição financeira ocuparia.

A nova instituição foi qualificada pela diretoria do Banco Central do Brasil como um banco nacional de capital estrangeiro. Seu controlador era o Banco HSBC, com sede em Londres, que era a segunda maior instituição bancária do mundo em ativos. A expectativa era que o HSBC mudaria as condições de concorrência no mercado para os grandes bancos nacionais, mas também para os estrangeiros que tinham interesse estratégico pelo Brasil. Ele iniciaria seus passos no mercado brasileiro já contando com um milhão de clientes ativos e uma grande rede de agências. Era um caso bem distinto do Excel-Econômico. Os sócios estrangeiros do Excel eram uma seguradora, a Cigma, e um importante gestor de fundos, o suíço UBP – nenhum dos dois um banco de varejo, caso do HSBC.

O HSBC Bamerindus nasceu com 1.206 agências e 4.652 pontos de atendimento em 812 municípios. A praça de São Paulo tinha cerca de 300 agências e a do Rio de Janeiro, 100. Ampliar a presença nessas regiões significava, para o novo banco, sediado em Curitiba, aumentar a concorrência direta com os dois gigantes nacionais privados, Bradesco e Itaú. O maior banco inglês de varejo não pensava fechar agências por um simples motivo, apresentado por seu presidente. “As pessoas gostam de ir à agência em que têm conta. Investimos pesado no atendimento por telefone, mas ele só funciona se houver uma grande rede de filiais e de caixas eletrônicos”.

O HSBC adquiriu apenas a parte “boa” do Bamerindus. Os ativos (créditos e bens) e passivos (dívidas e compromissos, inclusive os depósitos dos clientes) da parte “boa” somavam R$ 10 bilhões. Com mais o US$ 1 bilhão trazido pelo HSBC, estava formado o patrimônio líquido (diferença entre ativos e passivos) do novo banco. Os R$ 400 milhões pagos pela marca Bamerindus, o “good Will”, foram utilizados para pagar compromissos da parte “ruim” do banco, que ficou com o Banco Central, não indo para os antigos controladores.

Ao destinar R$ 400 milhões do PROER para que o novo controlador do banco equilibrasse as contas de ativos e passivos, o Banco Central deixou claro que o Bamerindus estava com patrimônio líquido negativo. Isso significava que o banco estava tecnicamente quebrado, com dívidas acima do patrimônio da instituição. Até então, a versão oficial era que ele apenas atravessava problemas temporários de caixa. Chegou a tomar emprestado, diariamente, R$ 2,7 bilhões junto ao mercado e ao Banco Central do Brasil. A Caixa Econômica Federal emprestou-lhe até R$ 1,7 bilhão em algumas ocasiões. No caso do banco central, os empréstimos de liquidez chegaram a R$ 1,2 bilhão em alguns dias. Ao ser decretada a intervenção, o Bamerindus devia R$ 850 milhões ao banco central, que deveriam ser pagos com parte do dinheiro emprestado por meio do PROER.

O PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) foi criado, em novembro de 1995, para evitar que a

Page 22: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 214

quebra de um banco provocasse uma crise sistêmica, ou seja, quebras em cadeia. A solução encontrada pelo governo foi financiar a fusão entre bancos sólidos e falidos, como ocorreu com o Unibanco-Nacional e o Excel-Econômico. A alternativa disponível anteriormente, para um banco quebrado, era sua liquidação extrajudicial. Ela levaria à demissão da maior parte dos funcionários e a problemas sérios para os clientes.

Em agosto de 1995, quando o Econômico foi fechado, ainda não existia o PROER. Por isso, o banco ficou fechado alguns meses e os clientes tiveram seu dinheiro retido. Depois, puderam sacar até R$ 20 mil. Feita a fusão com o Excel, dentro do PROER, o banco reabriu e os clientes não perderam. No caso do Nacional, como já existia o PROER, o banco foi assumido pelo Unibanco e continuou operando normalmente.

Quando o Banco Central acertava uma solução via PROER, intervinha no banco insolvente e em seguida injetava dinheiro para pagar dívidas e comprar com deságio títulos de longo prazo da dívida federal, denominados “títulos podres”. Esses títulos entravam pelo valor integral como pagamento do dinheiro injetado. Nessas operações, o governo pagava um custo imediato e outro a longo prazo. O imediato vinha da necessidade de emitir títulos que compensassem a injeção de recursos na instituição falida. O custo de longo prazo não podia ser avaliado logo, porque haveria todo um trabalho de contabilizar as contas do banco falido e tentar recuperar créditos duvidosos. Havia também casos de fraudes, como ocorreu no Nacional.

Um banco sólido ao assumir outro falido, só ficava com a “parte boa” do patrimônio, ou seja, agências, clientes, reservas, créditos sem risco de calote, etc. A “parte ruim” passava para o Banco Central do Brasil, que tentava diminuir o prejuízo. O banco sólido que assumia a “parte boa” tinha incentivos fiscais (descontavam valores pagos do Imposto de Renda), o que também acabava sendo custo para o Tesouro.

A absorção do Bamerindus pelo HSBC (Hong Kong and Shangai Banking Corporation) foi uma das três maiores operações patrocinadas pelo PROER, atingindo R$ 5,868 bilhões. O empréstimo do PROER, usado na intervenção no Bamerindus, foi basicamente para financiar a compra da carteira imobiliária do Banco pela Caixa Econômica Federal. O total liberado pelo programa desde sua criação, em novembro de 1995, era estimado então em um valor próximo a R$ 20 bilhões. Até aquela data, o PROER tinha liberado R$ 14,877 bilhões, embora só fosse conhecido com precisão o destino de R$ 14,442 bilhões. As fusões Unibanco/Nacional (R$ 5,898 bilhões) e Excel/Econômico (R$ 6,578 bilhões) respondiam até então por 86,3% desses recursos. Ao todo, o PROER tinha promovido sete fusões entre bancos, incluindo a do Bamerindus. Completavam a lista Banorte/Bandeirantes (R$ 1,256 bilhão), Mercantil/Rural (R$ 473 milhões), Martinelli/Pontual (R$ 185 milhões) e Antônio de Queiroz/United (R$ 112 milhões).

Esses valores não refletiam, porém, o real impacto do PROER nas contas públicas. Os volumes liberados correspondiam a empréstimos do Banco Central do Brasil, que eram pagos com títulos “podres”. O custo total do PROER, portanto, só poderia ser conhecido em 29 anos, após o vencimento dos títulos “podres”, recebidos pelo banco central.

Diante das diversas críticas feitas ao programa, a equipe econômica defendia o PROER, argumentando que o custo do programa era baixo se comparado ao que outros

Page 23: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 215

países gastaram com os ajustes dos seus sistemas financeiros. Estimava ter gasto 6,8% do PIB, sendo essa estimativa incluía, além 2,6% do PIB aplicados no PROER, a capitalização e a reestruturação patrimonial das Instituições Financeiras Públicas Federais (PROEF), em 2001, cujo total representou 2,1% do PIB, parcela equivalente à também gasta no PROES com bancos estaduais. Segundo o governo, essa soma foi inferior ao custo dos ajustes nos sistemas financeiros na Argentina de 13% do PIB; no Chile, de 19,6%; na Venezuela, de 13%; e pouco superior ao nos EUA, de 5,1%.

A frase propagandista do Bamerindus ''uma empresa com ações em poder do público'' revelou parte da dimensão pública do fato de a intervenção do Banco Central ter “transformado em pó” os papéis do banco paranaense. Os acionistas do Bamerindus, inclusive diretores que foram afastados e tiveram seus bens colocados sob indisponibilidade, passaram a ser sócios de uma massa falida, um banco quebrado sob intervenção do Banco Central. Somente ativos ruins e de difícil recebimento ficaram com o velho Bamerindus. Como aconteceu nos casos do Nacional e do Econômico, os acionistas minoritários do Bamerindus dificilmente veriam seu investimento de volta, situação típica quando o patrimônio de uma empresa falida não é grande o suficiente para cobrir suas dívidas. O sucessor do banco paranaense, o HSBC Bamerindus, não assumiu nenhum compromisso com o “velho Bamerindus”, pois se classificava como uma empresa de capital fechado, subsidiária integral do grupo HSBC, com sede em Londres.

O buraco patrimonial do Bamerindus chegaria até a R$ 3,5 bilhões, se o Bamerindus fosse liquidado e todos seus ativos, vendidos de imediato. Sem dúvida, o banco estava quebrado no momento da intervenção, e não apenas com desequilíbrio de caixa. Entretanto, não se anunciou nenhuma fraude de imediato. Pode ter havido irregularidade nos fundos de renda fixa. Eles absorveram R$ 900 milhões em debêntures emitidas pela Bamerindus Participações, a “holding” do grupo. Elas também viraram pó com a intervenção. A lei permitia que os fundos absorvessem papéis do próprio grupo, até o limite de 10% do seu patrimônio líquido, percentual que pode ter sido ultrapassado. Um dos problemas do grupo, aliás, era a interligação entre as várias empresas. A Inpacel, indústria de papel, estava sendo financiada com a garantia direta ou indireta do banco. Na medida em que sua situação se complicou, contaminou o Banco.

A Inpacel tinha diversos empréstimos a serem quitados no mercado. A empresa, com a Bamerindus Agro-Florestal, tinha mais de mil funcionários. A fábrica foi uma das causas de descapitalização do Bamerindus. Como não conseguia se firmar no mercado de papel, a ela tomou dinheiro emprestado para ampliar e modernizar seu maquinário.

Quanto à relação do banco com as empresas do grupo, Andrade Vieira dizia que o Banco não tinha nenhuma negociação inter-relacionada. Ele financiava a Inpacel no mercado. Quando começou a boataria, “e o Banco Central não fez nada para impedir a boataria, que era obrigação dele”, o grupo Bamerindus começou a perder crédito no sistema bancário nacional e internacional. Isso obrigou então o carregamento das debêntures. O que era feito antes no mercado passou a ser feito pelo Bamerindus.

Andrade Vieira (FSP, 29/12/97) achava que “o Bamerindus foi prejudicado porque o Banco Central do Brasil tinha sido omisso ao longo dos anos no cumprimento de suas funções de fiscalizador do sistema bancário. Aconteceram os maiores abusos e

Page 24: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 216

nunca ninguém foi punido. Depois do episódio do Econômico e do Nacional, imaginaram fazer do Bamerindus o ‘bode expiatório’. O Econômico e o Nacional não foram vendidos por uma ação do Banco Central. Foram por omissão. Quer dizer, se esgotou o limite. Não tinha mais o que fazer. Já no caso do Bamerindus, os diretores do Banco Central do Brasil quiseram fazer, voluntariamente. Sem perceberem que jamais aconteceria o que aconteceu no Econômico e no Nacional”.

O controlador do antigo Bamerindus, em liquidação, disse que bastaria o Banco Central ter feito um empréstimo de R$ 400 milhões, nove meses antes, para evitar que a instituição financeira entrasse na crise de liquidez que culminou no processo de intervenção, em março de 1997. Em depoimento à subcomissão formada pelo Senado para tratar das liquidações de bancos (CAELIF), o ex-senador José Eduardo de Andrade Vieira disse: – "O Bamerindus não quebrou, foi quebrado" (Valor, 30/10/05: C3). Defendeu que a origem do problema não foi nenhum rombo patrimonial, como justificou o Banco Central, mas sim a disseminação de rumores questionando a saúde financeira do banco.

Se por desconfiança, fundada ou infundada, os correntistas resolvem não renovar seus depósitos, qualquer banco vê-se com insuficiência de fundos para bancar seus ativos. É justamente porque essa possibilidade existe que os bancos centrais assumem a função de emprestadores de última instância. O redesconto é a forma pela qual os bancos centrais emprestam aos bancos que sofrem restrições de liquidez. Deve ser um empréstimo transitório. Um empréstimo para que instituições saudáveis possam se ajustar a uma temporária crise de liquidez, e não uma fonte permanente de financiamento para instituições com ativos irrealizáveis. Um banco cujos ativos são empréstimos incobráveis, renovados apenas para encobrir o fato de que os devedores são incapazes de honrá-los, não é caso de acesso ao redesconto. É caso de intervenção.

Se os empréstimos incobráveis superam o patrimônio, o banco está quebrado, pois não há recursos próprios para cobrir as perdas. Esse era o caso do Banespa, do Banerj, do Econômico, do Nacional e também o caso do Bamerindus. Por que então a demora para agir? Influência política dos controladores? Pode até ser, mas a verdade era que a legislação obrigava o Banco Central a esperar até que o caso fosse inquestionavelmente terminal, antes de intervir. O custo para o contribuinte acabava sendo alto. Poderia, entretanto, vir a ser ainda mais alto se a precipitação viesse a permitir aos controladores encontrar brechas para ganhar indenização na Justiça. O sistema bancário brasileiro era o mais perfeito caso de “lucros privados e prejuízos públicos”.

Entregou-se o “lado bom” do Bamerindus a terceiros (os ingleses do HSBC) e os outros acionistas não tiveram o direito de seguir o “banco bom”, ficando aprisionados ao “banco ruim”. No pequeno município de Tomasina, no norte do Paraná (a 318 km a nordeste de Curitiba, com 4.131 moradores), a população viveu momentos de apreensão desde a intervenção do Bamerindus pelo Banco Central. Berço do Banco, Tomasina reunia seus primeiros acionistas. Até 1980, a cidade se orgulhava de ter a maior proporção de seus acionistas minoritários em relação à população. Segundo Maria Cristina de Andrade Vieira, ex-diretora do Banco, ele tinha, quando houve a intervenção, 80 mil acionistas minoritários. O Sindicato dos Bancários de Curitiba falava em 66 mil mini-acionistas.

Page 25: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 217

Na população urbana de Tomasina, quem não era acionista do banco tinha parentes ou amigos que eram. Esses acionistas viram seus investimentos de mais de 40 anos se tornarem “pó”, depois que essas ações ficaram com a “parte ruim” do banco, não negociada com o HSBC.

Apesar do senador José Eduardo Vieira insistir na tese de que a crise foi gerada por problemas de liquidez, e não de má gestão do Banco, para sua tia, Maria Rosa Vieira, 84 anos, ele descumpriu uma recomendação do pai e provocou a crise. Segundo depoimento dela (FSP, 06/04/97), seu cunhado Avelino Vieira foi deputado na década de 40, pelo PSD, mas largou a política e profetizou: banco e política não combinam. “O Zé esqueceu o aviso e olha o que aconteceu”. A aposentada Esméria Vieira de Castro que não era parente, 72 anos, era menos indulgente. Para ela, o senador “gastou demais na política e a gente é que paga”. Ela disse ter cerca de 3.000 ações do banco “que hoje não valem nada”. Uma semana antes da intervenção, valiam R$ 39 mil (R$ 13 por ação).

Mas o caso mais dramático era, justamente, da tia do senador José Eduardo Vieira. Mulher de um irmão de Avelino, Abílio, Maria Rosa Vieira, 84 anos, complementava sua aposentadoria de R$ 112 com o que recebia mensalmente com dividendos de ações do banco. “Era pouco mais que três salários mínimos, mas dava para viver. Agora só me resta comer o capital que tenho e ir morar no asilo São José, isso se os ingleses [do HSBC] não desativarem”, afirmou. O asilo São José era mantido pela Fundação São José, criada por Avelino Vieira.

Por fim, vale o registro de Elio GASPARI (FSP, 30/03/97), “para a história da banca e do reinado de FFHH: no início de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso tinha pouca fé em sua candidatura a presidente e o PSDB penava uma crônica falta de fundos, foi o banqueiro José Eduardo Andrade Vieira, do Bamerindus, quem lhes deu inestimável apoio. Não há registro da extensão dessa solidariedade na contabilidade política do tucanato, assim como não ficou vestígio do patrocínio que o banqueiro Ângelo Calmon de Sá deu à festa popular organizada em frente ao Planalto, no dia da posse de FFHH”.

No dia 19 de novembro de 2000, a Folha de São Paulo revelou que a campanha de FHC já tinha usado “caixa dois” na eleição de 1994. Outra planilha eletrônica mostrava que pelo menos R$ 8 milhões deixaram de ser declarados ao TSE na ocasião. O ex-banqueiro José Eduardo Andrade Vieira, em depoimento ao Ministério Público, confirmou a irregularidade: – “Quando o empresário ou colaborador não deseja aparecer, para permanecer no anonimato, contribui com recursos financeiros em espécie para a campanha eleitoral”. Segundo ele, “Fernando Henrique Cardoso acompanhava pessoalmente o volume de recursos financeiros arrecadados na campanha de 1994”. Questionado, FHC disse que não sabia de nada sobre o “caixa dois” nas suas campanhas: – “Isso eu não vi”. O Planalto conseguiu, então, impedir a instalação de uma CPI.

5.5. Famílias da banca nacional

Ao final da última década, marcada pelo processo de abertura financeira, fusões e aquisições que atingiu muitas companhias, poucas famílias brasileiras puderam se orgulhar de ter atravessado o século 20 como donas de empresas de destaque nacional.

Page 26: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 218

Várias famílias quase conseguiram chegar ao ano 2000 à frente de suas empresas, mas foram derrotadas pela globalização ou por má administração. Um exemplo foi o do banco Econômico, da família Calmon de Sá, que teria completado 165 anos em 1999 se não tivesse sofrido intervenção do Banco Central. Outro foi o da família Guinle de Paula Machado, que em 1997 cedeu o controle do Banco Boavista para o banco português Espírito Santo e para uma associação do grupo brasileiro Monteiro Aranha com o banco francês Crédit Agricole. Posteriormente, o Bradesco recuperou o controle nacional do banco.

Levantamento preliminar de João Bosco Lodi, consultor especialista em empresas familiares, mostrou cinco famílias que já tinham seus negócios há cem anos e que continuavam à frente de suas companhias, em alguns casos apenas como acionistas, em outros também como administradores (FSP, 10/01/00). Fazendo o levantamento no Brasil a pedido de um pesquisador do Bryant College (EUA), que estava coletando dados sobre empresas familiares com mais de cem anos, Lodi sugeriu algumas razões por que esse grupo de famílias manteve suas empresas. Uma das principais explicações seria a decisão de não explorar as empresas ao limite, em busca do máximo de lucros.

Havia especialistas que acreditavam que as famílias religiosas eram mais bem sucedidas do ponto de vista empresarial, independentemente de qual religião seguiam. Essa tese ainda estaria para ser comprovada ou desmentida. Mas algumas evidências empíricas mostravam famílias que tinham um código de ética tendiam a ter mais sucesso.

Outro pesquisador contou 18 empresas, em todo o País, com mais de 100 anos (GZM, 08/07/99). Trabalhar com recursos próprios, ou seja, não recorrer ao endividamento e cuidar da sucessão de forma profissional foram identificados como alguns segredos da longevidade. Evitar a entrada de genros ou noras na empresa familiar e formar subholdings, reunindo os herdeiros para impossibilitar participações acionárias muito pulverizadas e naturais disputas entre acionistas, foram outros cuidados que os grupos de maior porte vinham tomando nas décadas anteriores.

Os grupos familiares seculares tentavam fugir dos bancos. Apenas investiam sobras de recursos do cash flow. Reconheciam que necessitavam dos bancos, pois tinham que manter linhas de crédito. Precisavam deles para crescer, mas achavam que não podiam ficar dependentes deles, eram eles que tinham que ficar procurando suas empresas.

Na realidade, as empresas com mais de cem anos eram exceções. Mais do que as turbulências econômicas, o grande problema a ser superado era a sucessão. Uma regra ainda não escrita, mas que devia ser bem clara para todos os membros da família de empresas bem sucedidas era que não era só porque era da família que tinha que tomar conta da empresa. Em geral, essas empresas tinham executivos profissionais, contratados, mas o presidente e o superintendente eram da família. Empresa tinha que ter dono, ou seja, ter alguém para dar a última palavra nas encruzilhadas. A segunda geração da família no comando da empresa tendia a ser um desastre administrativo, em todas as empresas do mundo. “Filho de empresário rico geralmente é um mau empresário, grandes vencedores geralmente tiveram infâncias duras”, afirmava um administrador, depois de estudar centenas de sucessões. Era o que os americanos chamavam de spoon silver ou “síndrome da colher de prata”. O pai empresário, culpado

Page 27: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 219

por ter dedicado pouco tempo para a família, compensava os filhos com presentes e todas as facilidades.

Todos os membros faziam questão de permanecer no aristocrático clube da banca nacional. O dilema vivido pelos ex-colegas Ângelo Calmon de Sá, Marcos Magalhães Pinto e José Eduardo de Andrade Vieira, que negaram a venda de seus bancos até a véspera da intervenção do Banco Central, era o pesadelo de todos eles. Estavam sendo assediado por potenciais compradores na nova corrida das fusões e aquisições de bancos do país.

Uma característica marcante da estirpe bancária brasileira era “o apego à cartola” e ao controle das companhias. À exceção notória do Bradesco, praticamente todos os bancos privados brasileiros eram ainda familiares, sob o comando dos fundadores ou de seus filhos. A maioria tinha a gestão executiva profissionalizada, mas os donos continuavam dando as principais cartas do jogo, como comprovavam Roberto Setúbal, filho de Olavo Setúbal e presidente do Itaú, e Pedro Moreira Salles, herdeiro de Walter Moreira Salles, à frente do Unibanco.

Quanto aos banqueiros Aluízio Faria (ex-Real), Gastão Vidigal (ex-Mercantil de São Paulo), Pedro Conde (ex-BCN) e outros, todos negaram que seus bancos estivessem à venda até serem vendidos. Quando cogitavam associações, esbarravam na divisão do poder na instituição resultante da fusão. Os banqueiros, por natureza, mesmo que a situação de seus bancos não fosse boa, lutavam até o fim pelas melhores condições (FSP, 26/11/95). Resistiram ao máximo à pressão para o setor bancário nacional não continuar nas mãos de famílias.

Foi sob um perfil fortemente familiar que os bancos brasileiros começaram esse novo ciclo de fusões e aquisições, monitorado pelo Banco Central. Setúbal, Vilella, Moreira Salles, Conde, Faria, Cochrane e Vidigal foram apenas alguns dos sobrenomes que estavam por trás das compras e vendas de bancos, nos anos 90. A disposição desses banqueiros tradicionais em compartilhar o poder em novas instituições que deu o tom das fusões.

O caso do Nacional mostrou o perigo dessa resistência familiar, pois os Magalhães Pinto brigaram até o fim para continuar no ramo, agravando-se a situação do Banco, no mercado. Marcos Magalhães Pinto cresceu sonhando ser o sucessor de seu pai, o ex-governador José de Magalhães Pinto. Por uma questão de honra familiar não poderia abdicar do Nacional tão facilmente. Isso emperrou as negociações com o Unibanco e levou à intervenção do Banco Central do Brasil.

Ilustração da mudança da postura dos banqueiros brasileiros, ao longo do tempo, foi uma “história de antigamente”, contada por Elio GASPARI (FSP, 13/06/99), capaz de instruir o julgamento das pessoas sobre a natureza das relações da banca com o governo. Em 1965, o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, pediu ao banqueiro Gastão Vidigal (do Mercantil de São Paulo) que o acompanhasse aos Estados Unidos, para a reunião do Fundo Monetário Internacional. Tinha uma tarefa para ele, mas não disse qual era. Informou-o também que deveria pagar a viagem com o próprio bolso. Uma vez em Washington, o tímido Bulhões contou a Vidigal que o governo federal devia US$ 40 milhões ao banco Dillon Reed e não tinha como pagar. Até aí tudo bem, mas o representante do banco vinha azucrinando-o, cobrando-lhe a dívida em todos os lugares onde o encontrava, até em restaurante. Queria que Gastão explicasse ao

Page 28: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 220

banqueiro que ele receberia a dívida, mas deveria ter paciência. – “Vá visitá-los e diga-lhes isso”, pediu o ministro. – “Não, doutor Bulhões. Ele virão falar comigo aqui no hotel”. Foram. Eram quatro. Gastão Vidigal foi rápido: – “Os senhores têm US$ 40 milhões a receber. Estão cobrando de maneira impertinente. Estão sendo malcriados com o ministro, que é uma pessoa muito bem educada. Se a casa Dillon Reed está precisando muito desse dinheiro, digam-me. Dou-lhes, agora, um cheque do Banco Mercantil, e os senhores saem daqui com os US$ 40 milhões”. Os banqueiros pediram desculpas, ofereceram-lhe toda a paciência do mundo e foram embora. Cerca de 34 anos depois, aconteceu o contrário. O Citibank estava nervoso, porque o ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, não pagava o que combinara. Um vice-presidente do Citi (William Rhodes) recorreu aos préstimos do banqueiro Ângelo Calmon de Sá, para que conversasse com o ministro”...

O “doutor Gastão”, como era conhecido no setor financeiro, era considerado um dos últimos representantes da geração de banqueiros tradicionais, como conta Luís NASSIF (FSP, 08/08/01). Com estilo centralizador e personalista, o banqueiro comandava cada detalhe dos negócios do Mercantil e de suas empresas coligadas. Era ele quem, pessoalmente, tratava a venda do banco com representantes do Banco Central e eventuais pretendentes. A morte do banqueiro Gastão Vidigal, em 07/08/01, abriu um novo capítulo nas negociações de venda do Mercantil de São Paulo, um dos mais antigos e conservadores bancos brasileiros. Antes, a resistência do banqueiro às condições oferecidas pelos pretendentes, entre eles o Citibank, impedia a conclusão definitiva do negócio. Os obstáculos impostos por Vidigal desgastaram a relação com os executivos do banco americano.

Vidigal era um dos homens mais ricos do país, com uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão. Começou sua carreira no banco controlado por seu pai, Gastão Vidigal, no início de 1940, como auxiliar de escritório. Dividia seu tempo entre o trabalho no banco e as aulas na Faculdade de Direito da USP, no largo São Francisco, centro de São Paulo. Dez anos depois, com a morte do pai, Vidigal assumiu a presidência do Conselho de Administração. Em 1962, passou a presidir o banco, função que exerceu até 1985. O banqueiro também teve passagens pela política. Como secretário da Fazenda de São Paulo no governo Carvalho Pinto (1959-1963), tomou uma decisão inédita. Para garantir que o dinheiro do Estado não fosse desviado, mandou depositar todos os recursos do Tesouro em caixas-fortes da secretaria. Em 1967, perdeu para Abreu Sodré a indicação para o governo de São Paulo. Na época, em pleno regime militar, a eleição dos governadores era indireta. O banqueiro era um conservador. Foi um dos principais articuladores, entre os empresários, do movimento que depôs o presidente João Goulart, em 1964, que deu origem ao regime militar.

O banqueiro era considerado um "bom papo", conforme descrição de NASSIF (FSP, 08/08/01). Tinha uma língua considerada ferina, principalmente quando falava dos concorrentes. Vidigal não se conformava com o fato de o Bradesco ter crescido mais do que o Mercantil. Ele não demonstrava a menor simpatia por Amador Aguiar (fundador do Bradesco, morto em 1991), a quem chamava de “caipira”. Sua mais recente vítima era Tereza Grossi, diretora de Fiscalização do BC, que o pressionava a vender o banco. Vidigal dizia que Tereza entendia pouco de banco e que suas exigências eram irrelevantes. Nos últimos 25 anos, Vidigal decidiu que seu banco não mais cresceria. Foi no governo Geisel (1974/79). O banqueiro considerava o governo estatizante, avesso à iniciativa privada.

Page 29: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 221

O estilo conservador e tradicional do Mercantil de São Paulo transformou o banco em uma das instituições mais sólidas do país. Vidigal odiava arriscar em operações com derivativos e só emprestava para clientes selecionados. Aplicava boa parte do que ganhava em imóveis. Por tudo isso, a alavancagem (relação entre endividamento de longo prazo e o capital empregado) era uma das menores do mercado. O índice de alavancagem era de 8 vezes o patrimônio líquido. No caso do Bradesco, por exemplo, o índice era de mais de 10 vezes.

O banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal foi uma das figuras mais folclóricas da história empresarial brasileira das últimas décadas. Nos últimos meses de vida, ele não se conformava com a possibilidade de vender seu banco, apesar da pressão da família e do próprio Banco Central do Brasil. O banco era sua vida. Porém, Vidigal foi obrigado a iniciar negociações para a venda do banco, depois de ter sido pressionado pelo banco central. Ele chegou a assinar um contrato preliminar com o Citibank, mas desistiu “na hora de bater o martelo”. Foi assim com todos os bancos que demonstraram interesse em adquirir o Mercantil de São Paulo. No meio das negociações com o Citibank, Vidigal convidou o banqueiro Pedro Moreira Salles, do Unibanco, para uma conversa. Vidigal propôs a fusão entre os bancos. O Unibanco era quatro vezes maior que o Mercantil. A conversa não avançou. Segundo alguns banqueiros que chegaram a negociar com Vidigal, ele não estava mesmo nem um pouco disposto a vender o banco. Seu objetivo era apenas dar uma satisfação ao Banco Central do Brasil. Na hora de fechar o negócio, o banqueiro sempre fazia mais uma exigência.

Segundo NASSIF (FSP: 09/08/01), “o banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal foi uma das figuras marcantes na formação do moderno sistema bancário brasileiro”. Na segunda metade dos anos 60, quando as reformas institucionais do governo Castello Branco lançaram as bases do moderno sistema bancário, o Mercantil Finasa de São Paulo, de Vidigal, era um dos bancos de ponta, ao lado do União dos Bancos, dos Moreira Salles, e do Bradesco, de Amador Aguiar. O Itaú ainda estava iniciando sua fulminante escalada de fusões e aquisições.

Foi um período de profundas transformações no sistema e de criação de novos instrumentos de captação. Entre outras inovações, o Mercantil Finasa revolucionou o mercado com o lançamento das letras de câmbio, que permitiram o grande "boom" dos financiamentos diretos ao consumidor, principal alavanca do chamado "milagre econômico". Ao lado dos dois colegas mencionados, Vidigal compunha o trio de banqueiros com os quais as autoridades monetárias podiam contar naqueles primórdios do mercado aberto brasileiro.

Ainda de acordo com NASSIF (FSP: 09/08/01), o que levou um dos banqueiros mais poderosos do país, aquele que detinha a maior parte do capital de seu próprio banco, a não se manter entre os “vencedores” foi um sonho irrealizado. Vidigal sonhava em assumir o controle do Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, o Comind, um dos maiores bancos brasileiros, criado no mês seguinte ao da proclamação da República, em dezembro de 1889, para financiar a aristocracia cafeeira paulista. Seu capital inicial pertencia a um grupo de grandes produtores, liderados pelo patriarca da família Prado.

Durante quase 80 anos, o Comind foi uma das únicas sociedades anônimas brasileiras com o capital efetivamente aberto, controle pulverizado, e sem quaisquer disputas dignas de atenção. Isso até que o fazendeiro Theodoro Quartim Barbosa, pai de Carlos Eduardo, o Charlô, que controlava o banco com apenas 6% de suas ações,

Page 30: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 222

assumir sua presidência, em 1961. Theodoro morreu em 1968. Sua morte deu início a uma fase de turbulências, que, em 1985, levaram o Banco (classificado então como o 6º maior banco privado do país) à liquidação, quatro anos antes de completar 100 anos.

Foi uma luta insana entre investidores famosos, como Paulo Egydio Martins, a família Ermírio de Moraes, Ralph Rosenberg (maior acionista privado da Petrobrás), entre outros, pelo controle acionário. O Comind não possuía uma estrutura de controle definida. Vidigal viu por aí a possibilidade de uma tomada [take-over] hostil. Mas houve um acordo entre grupos de acionistas, que acabaram se reunindo em torno da holding Stab, para impedir o assédio tanto de Vidigal quanto de Moreira Salles. A luta pelo controle do banco acabou se transferindo para o interior da Stab. Mas uma operação articulada pelo ex-governador paulista Paulo Egydio Martins jogou o Comind nas mãos de Carlos Eduardo Quartim Barbosa, o “Charlô”, filho de Theodoro Quartim Barbosa, ex-presidente do banco. Com o controle da operação na mão, Charlô usou abusivamente as empresas do banco para consolidar seu controle acionário e “puxou o tapete” do próprio Paulo Egydio.

NASSIF (FSP: 09/08/01) conta que “Vidigal não esmoreceu. Deu lances milionários pela participação de outros acionistas da Stab, aproximou-se de parentes de Charlô, tentou cativar dona Marocas, mãe de Charlô. Nada adiantou. O banqueiro certamente insistiria até o final de seus dias, não tivesse o Comind sido liquidado pelo Banco Central, como epílogo das disputas entre acionistas. As ações do Comind micaram em sua mão, mas Vidigal não perdeu. Acabou realizando uma operação com a Seguradora Vera Cruz, trocando as ações do Comind por participação acionária, pouco tempo antes de o banco explodir e quando os sinais da quebra já eram evidentes para o mercado. Morreu o Comind e morreu a vontade do banqueiro Vidigal. (...) Com sua morte, cumpre-se esse destino curioso dos empreendedores. Deveria morrer rico, satisfeito e vitorioso. Mas o sonho não realizado do Comind o tornou, para ele próprio, um perdedor, embora fosse um vencedor para o mercado financeiro”.

O maior problema para as fusões dos bancos brasileiros era que a maioria ainda tinha controle familiar, o que dificultava as negociações. Os banqueiros tradicionais sempre se trataram como concorrentes, portanto, com desconfiança. Atacaram todos os nichos de mercado ao mesmo tempo, criando situações, às vezes, de difícil convivência, observou o então presidente do Banco Pactual, Luiz Cézar Fernandes (FSP: 10/11/95).

Mas, se em alguns casos o fato de o banco ser familiar atrapalhava uma eventual fusão, em outros ele podia até facilitar a venda. Se havia mesmo disposição de venda, o processo decisório era muito mais rápido quando estava nas mãos do dono. Executivos tendiam a ser mais cautelosos e queriam defender o seu emprego, quando o negócio não tinha um dono específico. O perfil familiar dos bancos brasileiros, afinal, não impediu a “inevitável” reestruturação do setor, nos últimos anos do século XX, com concentração e/ou desnacionalização.

Cinco grandes movimentos marcaram o processo de transformações do sistema bancário brasileiro, nos anos 90: a reestruturação patrimonial dos bancos públicos federais, a privatização dos bancos estaduais, a concentração bancária, a crise bancária e a maior penetração do capital estrangeiro no mercado de varejo. O desaparecimento dos bancos estaduais ajudou a fortalecer as duas maiores instituições financeiras privadas nacionais (Bradesco e Itaú) para enfrentarem a competição com os bancos estrangeiros.

Page 31: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 223

Desse processo, praticamente, apenas restaram três grandes bancos nacionais privados de varejo no país. Todos, com ativos bem superiores a US$ 50 bilhões, que era o mínimo necessário para manter a competitividade num mercado cada vez mais globalizado. Os grandes bancos tiveram que crescer mais e os bancos intermediários desapareceram ou foram comprados. Quanto aos bancos que não ganharam escala, a tendência era perecer.

A queda da taxa de juros básica aceleraria o posicionamento dos bancos. Para manter a rentabilidade com a remuneração dos títulos de dívida pública em baixa seria preciso dar crédito. Para isso, era necessário ganhar escala. Seria difícil competir efetivamente no mercado brasileiro se o banco não tivesse escala. Como sobreviver no varejo bancário com menos de 2% de fatia de mercado dos depósitos? Só seria rentável, no mercado brasileiro, o banco que tivesse mais do que isso.

Para o co-chairman do Citigroup, seria necessário ter uma fatia de 2% e 6% do mercado para evitar danos maiores em caso de uma crise econômica (GZM, 02/05/00). O próprio Citibank não estava dentro dessa marca: tinha apenas 2,25% do crédito e 1,28% dos depósitos do mercado brasileiro.

A parcela mínima de 2% do mercado estaria sustentada na hipótese de que, no futuro, seria preciso dar crédito para ter lucro, porque os ganhos com as cômodas e seguras aplicações em títulos do governo diminuiriam, conjuntamente, com a taxa de juros básica. Para dar crédito, seria preciso ter escala, garantindo um custo de captação mais barato. Os pequenos teriam, naturalmente, um funding mais caro e um poder de barganha junto aos clientes cada vez menor. Os menores bancos teriam mais dificuldade de atender a demanda de produtos e tecnologias.

Acima da marca dos 2% do crédito existiam, em 2000, onze bancos dos quais três eram estatais. Tinham mais de 2% dos depósitos, apenas dez bancos, quatro deles estatais. A competição no mercado brasileiro era ainda mais acirrada do que em outros mercados por causa da concentração dos negócios em bancos estatais, notadamente nos dois federais, que chegaram a dominar 52,2% dos créditos e 49% dos depósitos nos anos 90. Então, ter 2% ou mais do mercado tornava-se extremamente significativo, dada a concentração de negócios nos grandes bancos estatais.

Cada um dos potenciais compradores tinha sua estratégia própria de expansão, mas havia um consenso entre os analistas de que os alvos preferenciais das aquisições seriam os bancos de médio porte, que operavam no chamado middle market. Cada compra, pequena que fosse, agregaria fatias de mercado, acrescentando-lhe, por exemplo, participações no financiamento ao comércio exterior e investimentos, repasses de recursos do BNDES e administração de fundos.

Mesmo as instituições de médio porte bem capitalizadas, com carteiras de crédito de boa qualidade e donas de marcas de prestígio estavam no jogo das especulações do mercado. Os bancos de pequeno porte, com especialização em determinados nichos, também estavam na mira dos compradores.

Com menos de 2% do mercado, só teriam chances de sobrevivência bancos com nichos muito especiais. Nem todo banco pequeno ou de médio porte seria vendido. O problema não estava no seu tamanho, mas sim no nicho de mercado em que se atuava.

Page 32: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 224

5.6. Bancos de negócios: negociações e negociatas

5.6.1. “IGP-M”

Os bancos de investimento e negócios, geralmente, por terem menor porte (poucos funcionários em “agência aérea”, andar de prédio de escritórios) se adaptavam, agilmente, para contornar eventuais restrições à entrada de capital de investidores externos no país. A maior parte da demanda desses bancos vinha da movimentação de recursos no exterior (offshore) dos próprios investidores brasileiros. O pressuposto vigente era que a entrada de dólares por meio do Anexo 4, destinados à compra de ações de empresas brasileiras negociadas nas bolsas de valores, representava apenas uma espécie de pelotão de reconhecimento do terreno, atrás do qual viriam os investimentos diretos na produção ou nos leilões de privatização. Eles praticamente não emprestavam, apenas administravam carteiras de ativos.

Antes da metade dos anos 90, alguns já acreditavam que a perspectiva de estabilização da economia iria levar empresas brasileiras de grande porte, com vendas em crescimento e bom perfil de exportação, a lançar com sucesso ações no exterior. Até então, a Aracruz Celulose era a única empresa brasileira com ações registradas em bolsa de valores nos EUA, em operação intermediada pelo Banco Patrimônio, associado com o Salomon Brothers, um dos maiores bancos de investimento norte-americanos.

Esses bancos de negócios, representantes de interesses particulares estrangeiros, inicialmente, assessoravam as empresas e, muitas vezes, tornavam-se sócios minoritários. Posteriormente, passaram a formar fundos de investidores e determinar o ritmo das aquisições. A atuação desses bancos estava mudando o comportamento do mercado de fusões e aquisições de empresas no país. Até 1993, havia muita empresa à venda, principalmente no setor de alimentos. Nele, as fusões e aquisições estavam bastante aquecidas, com multinacionais como Nestlé, Gessy Lever, Danone (BSN), Parmalat, Phillip Morris e Nabisco (Fleishmann Royal) destacando-se entre os compradores. Mas havia poucos compradores. O mercado era “vendedor”.

A partir de 1994, multinacionais compradoras passaram a contar com a concorrência do chamado “IGP-M”, ou seja, uma alusão ao índice da FGV-RJ, instituição originária de alguns diretores-economistas dos quatro bancos mais atuantes: Icatu, Garantia, Pactual e Morgan. O mercado estava se tornando “comprador”. A expectativa era que as empresas que quisessem crescer através de aquisições tenderiam a unir a estes bancos.

A lista seguinte contém nomes de empresas relacionadas a esses bancos e/ou aos seus sócios e fundos.

Icatu Garantia Pactual Morgan Caraíba Metais Brahma Benetton Latasa (15%) Agência DM9 Lojas Americanas Fiorucci Mappin (10%) J. P. Vinhos Artex Overprint B. Montreal - CCF

Acesita (assessor) Gessy Lever - Cica Teba Ipiranga - Atlantic Unimar (candidato) Nestlé-Tostines Unimar (candidato) B. Itamarati (assoc.)

Natura (reestrutur.) Perdigão (candid.) Perdigão Vendex (Bob’s, etc) Fundição Tupi (as.) Multicanal Arisco - Beira Alta

Page 33: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 225

Dreyfus - Frutesp

Oito anos foram suficientes para transformar uma distribuidora criada apenas para cuidar da fortuna pessoal da família Almeida Braga no Banco Icatu, o 41o do país por tamanho de ativos e o 3o em rentabilidade entre os 50 maiores, com um lucro de US$ 30 milhões. O capital inicial do Icatu (US$ 50 milhões) veio de 1/3 da parte no negócio que Antonio Carlos Almeida Braga levou, quando saiu do Grupo Bradesco. Ele criou uma empresa, a Icatu Assets Management, com o objetivo de formar fundos com investidores nacionais e estrangeiros, para comprar as empresas, não tendo de arcar com todo o capital necessário a tais investimentos.

O economista Daniel Dantas, um entre seus dirigentes-fundadores mais conhecidos, mais adiante, deixou o Banco Icatu, para abrir seu próprio negócio em 1994, o Opportunity Asset Management, e administrar R$ 900 milhões em recursos de terceiros. Tornou-se um administrador de fundos independente. Foi substituído, no Icatu, pelo ex-diretor do Banco Central do Brasil, Pedro Bodin.

No Banco Icatu, Dantas notabilizou-se por realizar investimentos que davam resultados extraordinários. Como, por exemplo, investir em mercadorias como café, laranja e cacau pouco antes da edição do Plano Collor, em março de 1990, que viria a confiscar ativos financeiros bancários. Dessa forma, Dantas pôde exportar as mercadorias que adquirira, obtendo assim recursos para atravessar a crise de liquidez que afetava os demais empresários e banqueiros. Esse seu sucesso gerou boatos que o Banco Icatu só não fora afetado pelo confisco porque Dantas teria obtido informações privilegiadas, participando de reuniões preparatórias do Plano.

O Banco Icatu atuava no atacado. Seu alvo eram as grandes empresas, mas tinha uma tesouraria forte e também expressão significativa na administração de recursos de terceiros. O gasto em pesquisa ou informação talvez fosse, proporcionalmente, o maior do mercado. O banco de dados do Icatu continha, entre outras informações, séries desde 1955 e dados econômico-financeiros de todas as companhias que negociavam ações em bolsa de valores, no país. Cercava-se de informação, para deixar a menor margem possível para o inesperado. Via a onda de fusões e aquisições como um grande negócio, principalmente para a intermediação dessas operações.

A estratégia do Grupo Icatu colocava a Fininvest (financeira que tinha adquirido no início de 1995) na rota do varejo, atuando em um mercado em que não chegava a competir com os grandes bancos de varejo. A Fininvest, antes de ser vendida ao Unibanco, já queria dar tratamento preferencial ao crédito para um público de baixa renda, cuja média do crédito era de R$ 200,00, para pagamento em até 3 vezes, que dificilmente tinha acesso a uma conta corrente nos bancos.

A distribuidora Garantia foi comprada, em 1972, pela sociedade entre um operador de open (futuro dono do Pactual) da corretora Levy e o então dono da corretora Libra. Eles foram financiados por um terceiro amigo, um ex-banqueiro que lhes emprestou 1 milhão de dólares. O nascente grupo Garantia cresceu no mercado através de telefonemas, em uma mesa de open.

Foi em absoluto sigilo que o Garantia começou, em 1982, a comprar papéis das Lojas Americanas. Através da transação, o Garantia adquiriu 20% do volume de ações em Bolsa, atingindo o controle total com 63% das ações das Lojas Americanas dois

Page 34: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 226

anos mais tarde. Em três anos, vendeu 19% da companhia e recuperou os US$ 23 milhões investidos, sem perder o controle com 44% dela, então cotada a US$ 1 bilhão em Bolsa.

Em 1989, o Garantia arrematou em 60 dias o maior volume das ações da Brahma disponíveis no mercado. Terminada essa fase estratégica, o banco partiu para a negociação direta com o presidente da companhia, que detinha 33% do capital votante, através da holding. A necessidade de investir grandes somas na modernização das unidades e na ampliação da capacidade produtiva foi determinante para a criação da sociedade entre a Brahma e o Garantia. Este deveria entrar com o aporte de capital, para a implantação do programa de investimentos, sem a Brahma endividar-se. Quando adquiriu o controle da Brahma, em novembro de 1989, a capitalização em mercado era de US$ 280 milhões. Cinco anos após, era 10 vezes maior, com uma taxa de retorno composta de 50% ao ano. Em 2004, houve a associação com a maior competidora, a Antarctica, formando a Ambev, e, posteriormente, sua venda para a InBev, com sede na Bélgica, a maior cervejaria mundial em termos de vendas. A InBev tornou-se proprietária da empresa brasileira, incluindo entre seus acionistas e controladores os brasileiros que a controlavam. Depois, a união entre as cervejarias americana Anheuser-Busch e belgo-brasileira InBev, anunciada em julho de 2008, criou a terceira maior empresa de bens de consumo do mundo em valor de mercado. Valendo então, aproximadamente, US$ 114,15 bilhões (cerca de R$ 183 bilhões), a companhia ficou atrás apenas da Procter & Gamble e da Nestlé. Confirmou sua posição de maior cervejaria mundial, com produção estimada de 46 bilhões de litros e receitas de US$ 36,4 bilhões por ano. A fusão ficou sob gestão brasileira.

O grupo Garantia costumava convidar sócios do banco e mesmo estrangeiros para montar uma espécie de consórcio para a aquisição de empresas. Ele montou uma empresa de participações, a GP Investimentos, encarregada das aplicações. Por exemplo, em abril de 1997, a GP tinha cerca de US$ 750 milhões para investir, sendo US$ 640 milhões de recursos de investidores estrangeiros. O banco não detinha, isoladamente, o controle de nenhuma empresa. Outra característica que diferenciava o grupo é que ele não comprava participações tendo em vista apenas os dividendos. Fazia os negócios com o objetivo de assumir, de fato, a administração, com estratégia própria, o que implicava a aquisição da maioria do capital.

Fundado em 1983, como distribuidora de títulos e valores mobiliários, com capital de US$ 200 mil, o Pactual foi transformado em banco múltiplo em 1988. Dez anos após, em 1993, o banco apurou um lucro líquido de US$ 33,4 milhões, registrando uma rentabilidade de 40% (enquanto a mediana do setor situou-se em 12,3%) sobre o patrimônio líquido de US$ 83,4 milhões

Desde sua fundação em 1983, a estratégia de crescimento do Pactual foi dirigida para áreas de negócios típicas de um banco de investimento, tais como administração de recursos de terceiros; reestruturações, fusões e aquisições de empresas; lançamentos de títulos de companhias brasileiras no país e no exterior. Com quadro de pessoal com apenas 280 funcionários, a presença de profissionais de talento era vital em banco que administrava patrimônio de US$ 1,14 bilhão de seleto grupo de 94 clientes, sendo que 76% desse valor eram de investidores estrangeiros.

A rentabilidade média, em dólares, das carteiras administradas pelo Pactual, entre dezembro de 1984 e junho de 1994, cresceu em 8.479%, quase 37 vezes a

Page 35: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 227

valorização de 231% registrada pelo índice Bovespa, no mesmo período. No mínimo, o banco dobrava o patrimônio por ter posições acertadas em todos os planos de estabilização. No Plano Cruzado, ao detectar sinais de que o governo iria aplicar um choque na economia, como fizera o argentino, o Pactual tratou de comprar o máximo de ações que podia. Aplicado o choque, a bolsa de valores teve um boom, como tinha ocorrido na Argentina, e o Banco revendeu as ações na alta. Convencido que haveria algum tipo de confisco no governo Collor, o Pactual descarregou suas posições em títulos e, do que recolheu, emprestou a terceiros. Sua carteira de empréstimos foi de US$ 4,8 milhões para US$ 13,1 milhões, mas escapou ileso do confisco

Sobre os recursos que administrava, o Pactual cobrava taxa média de 20% sobre os resultados que superavam um determinado índice de remuneração, escolhido de comum acordo com o cliente, por exemplo, a libor.

Além do talento especulativo em antecipar posições, a busca de recursos de investidores estrangeiros, especialmente dos grandes fundos com patrimônios na casa de dezenas de bilhões de dólares, era apontado como o segundo fator do bom desempenho do banco. O terceiro fator seria a escolha de nichos específicos de atuação, eleitos como aqueles nos quais o Pactual tinha vantagens comparativas. Um exemplo era a reestruturação de grupos empresariais, área de negócios que acabava gerando outras operações, como as compras e vendas de subsidiárias e controladas.

Do grupo que formava o “IGP-M”, o J.P. Morgan, desde os anos 60 no Brasil, era o único que enfrentava restrições para deter o controle acionário de empresas. A instituição só podia adquirir controle de empresas do próprio setor financeiro, de acordo com as regras impostas pela legislação norte-americana. Devido à imposição, o J. P. Morgan formalizou uma associação com o Banco Itamaraty, de Olacyr de Moraes, para participar da privatização, e formou um pool para a compra da Perdigão.

Em 1995, pelo segundo ano consecutivo, o J.P. Morgan foi o banco que mais intermediou fusões e aquisições entre empresas, alcançando 13 negócios fechados, no valor total de US$ 3,22 bilhões. A compra da Kolynos pela Colgate-Palmolive, um negócio de US$ 1 bilhão, foi um dos maiores coordenados pelo Morgan. Teve grande impacto sobre o mercado.

Outras instituições financeiras dos EUA, como o Salomon Brothers, associado, no Brasil, ao Banco Patrimônio, estavam ampliando suas operações no país. Simultaneamente, realizavam esforços para eliminar a disposição constitucional que congelou a participação internacional em bancos e seguradoras aos níveis que existiam em 1988. Com a abertura da economia, o preço baixo de venda de empresas e a privatização das estatais, esses bancos estavam modificando seu foco de atuação, nos anos 90. Os bancos internacionais mostravam particular entusiasmo com a disposição do Banco Central do Brasil de defender a privatização dos bancos estaduais e oficiais federais, como o Banco Meridional.

Os bancos de negócios “surfaram a onda” de dólares que os investidores estrangeiros lançaram, na era neoliberal de abertura externa e financeira, tanto para as bolsas de valores brasileiras quanto para as aquisições de empresas brasileiras. A dúvida era se, durante as crises internacionais, ocorridas nos anos 90, só os recursos do capital especulativo, procurando a valorização puramente financeira de curto prazo, entrariam

Page 36: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 228

em fuga ou se refrearia também a entrada de capital de risco a ser aplicado em investimentos permanentes em atividades produtivas.

5.6.2. Os “economistas-banqueiros”

Três bancos, Matrix , BBA e Opportunity , aproveitaram bem as oportunidades de negócios surgidas no governo FHC. Eles tiveram como sócios (ou fundadores) economistas que participaram da equipe governamental que elaborou o Plano Real: Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha. Com suas informações e redes de relacionamento, mais do que duplicaram seu patrimônio nos quatro anos do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (FSP, 09/05/99). Esses economistas tiveram em comum, além das respectivas ligações com esses bancos de negócios, passagens pelo comando do Banco Central (com exceção de Bacha) e do BNDES. Os currículos deles registravam também vínculos com o departamento de economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, cuja passagem que tinham em comum com o ministro da Fazenda, Pedro Malan.

No grupo dos “economistas-banqueiros” também podia ser incluído Luiz Carlos Mendonça de Barros. Ele se afastou do governo, em 1998, depois do vazamento de escuta telefônica no BNDES. Mendonça de Barros já havia sido diretor do Banco Central do Brasil, quando fundou o Banco Matrix, em parceria com André Lara Resende, em 1993. O Banco exibiu, nos primeiros anos, um dos melhores índices de crescimento e rentabilidade do mercado.

Lara Resende e Arida se juntaram a Luiz Carlos Mendonça de Barros, durante o governo José Sarney, em diretorias do Banco Central, sob o comando de Fernão Bracher, então presidente da instituição. A relação de Arida e Bracher se estreitou na fundação do banco BBA, em 1988, a ponto de inviabilizar, mais tarde, a permanência de Pérsio Arida na presidência do Banco Central. A passagem de Arida pelo Banco Central do Brasil durou apenas cinco meses. Foi abalada pela suspeita de “conflito de interesses” (ou “vazamento de informações privilegiadas”), devido ao carnaval que passou na fazenda de Bracher.

Negócios ligados aos juros, câmbio e privatização de estatais, pilares da política econômica formulada pelos economistas-banqueiros e seus colegas no governo, sustentaram o desempenho dos bancos. Com o pagamento de juros e a sua dolarização, a dívida pública cresceu extraordinariamente.

Durante o primeiro mandato de FHC, o BBA manteve forte atuação na área de câmbio e privatização e quase que triplicou seu patrimônio, quando seus ativos cresceram 180% (FSP, 09/05/99). O desempenho foi ainda melhor que o outro banco a que Pérsio Arida se associaria: o Opportunity, que cresceu 144%, no mesmo período. Fundado em 1994, e controlado por outro colega economista, Daniel Dantas, o Opportunity apostou na política de juros altos e estocou títulos públicos. Depois, conjuntamente com fundos de pensão de empresas estatais, o Banco investiu pesado nos negócios da privatização do governo FHC. Comprou participações da Companhia Vale do Rio Doce e de empresas do Sistema Telebrás. Durante o processo de privatização das empresas de telefonia, manteve contatos com Lara Resende e Mendonça de Barros, que comandavam a operação nos cargos de presidente do BNDES e ministro das Comunicações, respectivamente. O episódio de divulgação pública das gravações de

Page 37: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 229

suas conversas telefônicas mudou o destino dos três. Arida rompeu a sociedade com o Opportunity. Lara Resende e Mendonça de Barros pediram demissão.

O jornalista Luis Nassif escreveu um livro sobre “Os Cabeças de Planilha” (Ediouro, 2007), criadores de embustes financeiros e de duvidosas “leis” do mercado, que desperdiçaram a oportunidade histórica de tornar o Brasil uma nação de primeira grandeza, após o Plano Real. Mostrou como o pensamento econômico da era FHC repetiu os equívocos de Rui Barbosa, logo depois da abolição da escravidão.

Ele colocou como personagens dessa história recente os financistas, que eram os operadores e donos de bancos de investimento que atuavam para o grande capital rentista, tinham contato com o grande capital internacional e aprenderam as novas formas de engenharia financeira. “Nos anos 1980, [os nomes mais ilustres são] um conjunto amplo de corretoras que se transformam em bancos de investimento. Dentre eles, os mais destacados são o PEBB, Garantia, Pactual, Icatu, Bozzano Simonsen. Nos anos 90, entram em cena o Opportunity, o Matrix, o BBA.” (p. 28).

O político teve um papel fundamental para definir o ambiente regulatório adequado ao financista e ao rentista, este detentor do grande capital nacional: especuladores que enriqueceram na década de 80 com os grandes movimentos agressivos do mercado de capitais e da dívida pública brasileira; políticos ou funcionários públicos que enriqueceram com grandes golpes permitidos pelo processo inflacionário; empresários que venderam suas empresas e resolveram viver de rendas. Vários deles com recursos depositados em bancos suíços ou paraísos fiscais. Entre os políticos, NASSIF (2007: 28-29) compara a figura-chave do Rui Barbosa, no alvorecer da República, com a do Fernando Henrique Cardoso, na liberação do mercado. O economista, formulador da política econômica, fazia o meio campo entre os interesses dos financistas e dos políticos, fornecendo a estes o discurso de que careciam, em linha com o último pensamento econômico ou com a ideologia dominante, para se legitimarem frente à opinião pública. Finalmente, a haute finance, isto é, o grande capital financeiro internacional, atuava para criar o ambiente adequado para os negócios. No final do século XX, o predomínio foi da banca norte-americana, liderada pelo Citibank.

Os economistas brasileiros se valeram de três ferramentas poderosas para exercer o poder e abrir caminho rumo à fortuna pessoal: a remonetização, a regulação da economia e a administração da dívida pública. “Defina-se por onde circulará o novo dinheiro e se definirá quem serão os novos vitoriosos da economia. Caso se decidisse remonetizar pela não-rolagem da dívida pública, por exemplo, haveria uma esplêndida redução do endividamento – que já havia sido bastante reduzido pelo bloqueio de cruzados do Plano Collor. Decidiu-se pela remonetização através da captação externa de dólares, que aqui eram adquiridos pelo Banco Central através da emissão de reais” (NASSIF, 2007: 30-31). Quem comandou o movimento de atração de dólares foram os novos bancos de investimento. “Em vez de esterilização da dívida pública, houve crescimento exponencial para remunerar os fluxos de capitais externos. É nesse ambiente da dívida pública que se processa a maior transferência de renda da história” (p. 33).

Os pontos centrais do fracasso em implementar uma estratégia de desenvolvimento nacional, apontados por NASSIF (2007: 34), foram comuns a todos os movimentos especulativos. O primeiro foi o deslumbramento com a riqueza fácil, que

Page 38: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 230

subordinava todas as decisões de política econômica aos interesses imediatos do capital rentista. O segundo ponto foi a escolha dos financistas que comandaram o processo: os que se articularam pessoalmente melhor. O terceiro, a falta de um estadista para corrigir o errado. O deslumbramento com os salões, inclusive internacionais, e o desprezo pela missão de “comandar o atraso” impediram que o desenvolvimento interno tenha se tornado prioridade tanto no governo de Rui Barbosa como no de FHC.

NASSIF (2007: 34) aponta também as demonstrações de novo-richismo no período pós Plano Real, assim como tinha sido no Encilhamento. “Todos são da classe média, alguns ex-funcionários públicos, sendo que um se torna piloto de corrida e criador de cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, através de colunas sociais, e todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento, seguindo o exemplo de Rui Barbosa”.

Ele cita, nominalmente, alguns desses personagens, entre os quais se destacam três com papéis principais. Pérsio Arida só depois que saiu do governo se envolveu com o mercado, enriquecendo-se como sócio do banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity, com grande “reputação de ter relações próximas ao Poder e à Justiça”. Encontrou facilidades para mobilizar fundos de pensão que permitiram Daniel Dantas tornar-se um dos vencedores do processo de privatização brasileiro. “André Lara Resende via o plano como uma forma de enriquecimento e ascensão social. Depois de enriquecer com o Real, realizou sonhos adolescentes de comprar carros e cavalos de corrida – que transportou de avião para Londres, quando resolveu passar uma temporada lá”. Gustavo Franco era o ideólogo que tinha como um dos objetivos centrais “varrer do mapa a estrutura industrial moldada no período de protecionismo e impor o primado do capital financeiro, com o voluntarismo que caracteriza todo jovem acadêmico quando no poder” (NASSIF, 2007: 211). Entre os sócios do Banco Garantia estava seu pai.

5.6.3. Os “banqueiros perdulários do consumo conspícuo”

Pesquisa de administradores de grande fortuna (STANLEY & DANKO, 1999) com foco em milionários, os que possuíam mais de US$ 1 milhão de patrimônio líquido, e em pessoas com alta renda anual, nos Estados Unidos, chegou à conclusão que a maioria dos milionários americanos tinha, relativamente, um padrão de vida modesto. Os resultados dessa pesquisa revelaram que o estilo de vida baseado em alto consumo era incompatível com a riqueza patrimonial tal qual definida pelos autores. “Ser frugal é a pedra fundamental da riqueza”, afirmaram os pesquisadores. Os não-milionários, aqueles com alta renda anual e baixo patrimônio líquido, eram “os perdulários do consumo conspícuo”. Estes tinham o raciocínio de gastar o mínimo que podiam pelo máximo de consumo. Os milionários pensavam de outro modo: ter, essencialmente, o necessário pelo mínimo.

O conceito de “consumo conspícuo” foi estabelecido pelo economista norte-americano Thorstein Veblen (1857-1929), em sua obra “A Teoria da Classe Ociosa”, publicada em 1899, para referir-se ao dispêndio feito com a finalidade precípua de demonstração de condição social. Manifesta-se por meio da compra de artigos de luxos e de gastos ostentatórios. Este novo-richismo foi típico dos novos banqueiros brasileiros dos bancos de investimento. Exaltavam as formas mais radicais de individualismo, praticando o egoísmo, pois todo homem seria “um fim em si próprio e não um meio para satisfazer as necessidades dos outros”. A ausência de visão nacionalista e solidária

Page 39: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 231

levava a considerar os programas sociais do governo uma hipocrisia a favor da indolência coletiva. Eles eram radicalmente a favor do livre mercado, onde os competentes, como se definiam, poderiam ter o “merecido” sucesso. A construção da nação seria meramente um resultado colateral da soma desses sucessos individuais dos mais competentes – e competitivos. A filosofia de vida de Ayn Rand se somou à ideologia neoliberal, dominante nos anos 90, para resultar no perfil típico dos novos conservadores.

Um resumo da vida profissional de Luiz Cezar Fernandes espelha esse perfil. Ele teve banco, helicóptero e fortuna de 300 milhões de dólares. Perdeu quase tudo, restando-lhe “apenas” sua fazenda na serra fluminense, comprada por 1 milhão de dólares, onde vive com sua família e cria ovelhas de raça apurada. Essa “triste história” foi narrada por Consuelo DIEGUEZ na revista Piauí (nº 2, novembro de 2006, pp. 26-33).

Na adolescência, depois de brigar com o pai, foi viver com a avó, em São Paulo. Para se sustentar aos 14 anos, foi trabalhar como contínuo no Bradesco, entregando correspondência. Dois anos depois, prestando pequenos serviços burocráticos ao gerente-geral, foi promovido a gerente-administrativo da agência. Aos 17, foi transferido para uma agência em Madureira, no Rio de Janeiro. Pediu demissão do Banco, depois de “mofar em Madureira”, quando seria removido para uma agência em Belo Horizonte.

Imediatamente, conseguiu dobrar o salário, indo trabalhar no Banco Campina Grande, que começava a operar no Rio. Meses depois, em novembro de 1969, transferiu-se para o Escritório Levy, uma corretora. No ano seguinte, recebeu novo convite de emprego, desta vez do Banco União Comercial (BUC). Logo em seguida, mais um, para a corretora Libra. Em um ano, seu salário aumentou quase 150 vezes! Isso foi apenas fruto de sua “competência profissional” ou da circunstância de estar imerso em pleno boom da bolsa de valores, em 1971, no auge do chamado “Milagre Econômico”?

Na Libra, ele que vinha de família de classe média baixa e estudara apenas até o 2º ano ginasial, estabeleceu uma relação de amizade (e admiração) com um jovem economista chamado Jorge Paulo Lemann, formado em Harvard e freqüentador do Country Club, campeão de tênis e com uma educação de elite. Em 1971, quando Lemann fundou a Corretora Garantia, chamou Luiz Cezar para se juntar à sociedade. Contratado como operador, era também sócio, podendo aumentar sua participação de acordo com o próprio desempenho. Sendo a promoção por resultado, e não por laços de parentesco, logo enriqueceu e pode se separar da primeira esposa, uma prima do ramo mais bem de vida da família, com quem tinha casado na tentativa de atingir mais rápido a meta de se enriquecer.

O trunfo dele na Garantia era a enorme rede de relacionamentos, aproximando-se das “pessoas certas”. Fazia o contato com funcionários do governo, por vezes acompanhado de distribuição de agrados, grandes e pequenos. Outros sócios diplomados recusavam fazer eles mesmos tais relacionamentos com tecnocratas de um governo ditatorial. Mas, graças a esses contatos, conseguiu convencê-los da idéia de transformar a corretora em banco. Valendo-se de seus relacionamentos no Banco Central, conseguiu comprar a carta-patente de um banco quebrado, o Ipiranga, passando

Page 40: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 232

na frente das 200 instituições financeiras que aguardavam na fila. Em 1976, a Garantia virou banco e Luiz Cezar, apenas 7 anos depois de sair do Bradesco, banqueiro.

Ficou lá até o final de 1982. Outros sócios se queixavam de que ele, apesar de ser indisciplinado, corromper funcionários públicos e ter baixa formação escolar, mantinha uma participação na sociedade muito maior do que a deles.

O Banco Pactual surgiu como distribuidora de valores em um momento de euforia financeira, devido à venda de títulos de dívida pública, com o governo pagando altas taxas de juros. Era a “ciranda financeira”: quanto mais juros o governo pagava, maiores eram as suas dificuldades de caixa, e maior a necessidade de vender papéis a juros cada vez mais altos.

Para Luiz Cezar, o enorme sucesso do Banco, em termos de rentabilidade, se explicava em grande parte pela contratação de dois jovens economistas: Paulo Guedes e André Jakurski. Ele financiou os dois para que se associassem ao empreendimento. As iniciais de Paulo, André e Cezar inspiraram o nome PACtual. Cezar captava negócios, André atuava na mesa de operações e Paulo, doutor em Economia na Universidade de Chicago, traçava os cenários. Ele simplesmente observava o que ocorria com os planos de estabilização na Argentina e se prevenia do “efeito Orloff” aqui: a ressaca (e pânico) que vinha após a euforia inicial.

No início dos anos 90, quando o “efeito estrela”, ou seja, a chegada de Lula à disputa do 2º turno eleitoral em 1989, já tinha assustado os banqueiros detentores de papéis e o Collor ameaçava matar o “tigre de papel” em que tinha se transformado o capitalismo brasileiro, “apenas com um tiro”, os banqueiros buscavam diversificar seus riscos, aplicando em outros setores de atividades. Luiz Cezar achava que o Pactual também devia fazer operações fora do mercado financeiro, não se limitando à compra e venda de títulos de dívida pública. Os sócios preferiam continuar a ciranda financeira a se aventurarem em negócios ligados à produção.

Com 51% das ações, Luiz Cezar podia impor suas idéias, ainda que os sócios fossem contra. Foi ele quem forçou o Banco a entrar no negócio de gestão de recursos de terceiros, que, apesar de inicialmente criticadas pela cúpula do Pactual, deu depois um retorno extraordinário. Ele enfrentou também a maioria dos sócios ao decidir trabalhar com reestruturação de empresas, como as da Varig, da Mesbla e da Lacta. Tiveram um êxito inicial, mas um fracasso final.

Luiz Cezar exibia-se como o banqueiro mais bem sucedido do Brasil. Levava vida de novo-rico. Em 1987, comprou helicóptero para uso particular entre a serra fluminense e o centro do Rio. Viajava ao exterior só para assistir corridas de Fórmula 1. Promovia festas de arromba, os únicos momentos em que os sócios confraternizavam. O Cezar estimulava a competição muito forte entre os mais jovens, porque achava saudável para os negócios o “estilo darwinista”. A tensão entre os sócios mais antigos também cresceu tanto, em torno dos projetos do controlador e da política de distribuição de dividendos, permitindo os sócios mais recentes a terem participação cada vez maior no capital do banco, que os outros dois sócios fundadores, Paulo Guedes e André Jakurski, saíram do negócio. O fim da sociedade original foi principalmente motivado pela tentativa de Luiz Cezar, em 1997, de transformar o Pactual em banco de varejo, comprando o BCN. Estava apalavrado com o Pedro Conde, para comprar por US$ 300

Page 41: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 233

milhões, mas, na hora de assinar, os outros dois sócios desistiram. Seis meses depois, o BCN foi vendido ao Bradesco por um valor 5 vezes maior do que aquele.

A saída deles abriu espaço para o crescimento de três jovens que acabaram dominando a sociedade: André Esteves, Marcelo Serfaty e Gilberto Sayão. Aos 25 anos, André, um jovem de classe média da Tijuca foi admitido no Banco como analista de sistema. O caminho para a derrocada do controlador começou a ser pavimentado em 1991, quando, ao sentir a resistência dos sócios a empreendimentos fora da área financeira, Luiz Cezar resolveu levá-los adiante sozinho. Mimetizando seu ex-sócio do Garantia, Lemann, através de uma holding (Latinpart) para administrar os novos negócios, adquiriu uma série de empreendimentos que fracassaram. A gestão de todos eles era desastrosa. Os diretores dessas empresas tinham privilégios que jamais haviam sido concedidos aos sócios do Pactual: cartão de crédito corporativo, carro com motorista, supermercado pago, hotéis internacionais de luxo, etc. Era uma cultura do desperdício. Todo o dinheiro que Luiz Cezar ganhava de bônus no Pactual, e eram milhões de dólares por semestre, ele perdia no Latinpart. Ele confiou demais nos administradores e quebrou.

A saída desejada era propor aos sócios do Pactual que eles o financiassem. Luiz Cezar pagaria as dívidas com seus futuros bônus semestrais. Apesar de aceitarem a idéia, inicialmente, depois a refutaram: para receber os recursos, ele teria de lhes vender suas ações no Banco. Cada vez que ele precisava levantar recursos para pagar as dívidas, os sócios o obrigavam a se desfazer de uma parte do Banco. À medida que os quatro sócios aumentavam a participação, mais exigências faziam e denegriam a imagem interna do Luiz Cezar. Ele entrou em depressão. Não tinha nem sequer como pagar as contas da fazenda, onde morava.

Em janeiro de 1999, quando o mercado financeiro estava em crise, devido à mudança do regime cambial e à suposta venda de informações privilegiadas para alguns bancos, a participação acionária do Luiz Cezar já tinha se reduzido para 14%. O ex-banqueiro Alberto Cacciola (Banco Marka), em seu livro de memórias, acusou Luiz Cezar de ter inventado a versão de compra de informações para chantagear os sócios e forçá-los a pagar um preço melhor por suas ações no Pactual. Finalmente, no dia 21 de setembro de 1999, ele vendeu por 84 milhões de dólares as ações que detinha.

Sete anos depois que perdeu o Banco para seus sócios, Luiz Cezar ainda mantinha a obsessão em resgatar seu passado de banqueiro. Mas, isso era muito mais difícil do que quando o Pactual foi fundado, em 1983, com um capital quase irrisório de 200 mil dólares: existia mais competição e, para entrar no jogo, era necessário muito mais capital.

Nos anos seguintes à saída de Cezar, o quarteto de sócios foi aos poucos se dissolvendo. André Esteves se tornou responsável pelas operações financeiras do Banco e ficou com a “glória” de tê-lo vendido para o grupo suíço UBS por US$ 3,1 bilhões, em maio de 2006. Alguns sócios ficaram como executivos, com participação nos lucros. Outros, do grupo de Gilberto Sayão, pretendiam sair para montar um fundo de private equity como o da GP investimentos. André Esteves e Gilberto Sayão controlavam 50% do capital votante cada um. Gilberto atuava mais tecnicamente, cuidando da área do private equity. André atuava nas operações mais controvertidas. Além deles, cerca de 30 sócios detinham ações não-votantes do banco.

Page 42: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 234

Inicialmente, o UBS concordou em deixar André Esteves como presidente (CEO) do banco no Brasil. Depois, o UBS nomeou-o para dirigir o setor mundial de vendas de títulos de renda fixa e corretagem e, posteriormente, ele passou a dirigir também o setor de moedas e commodities, ou seja, carteira de ativos que atingia o valor de US$ 1,7 trilhão. Ele já atuava como diretor para a América Latina do banco suíço. Esteves, com 38 anos, mudou do Brasil para Londres e passou a responder, diretamente, ao chefe do setor de banco de investimento do UBS. Até junho de 2008, o banqueiro esteve à frente da mesa de renda fixa do UBS, em Londres. No auge da crise mundial de crédito, tentou arrematar o controle do UBS, mas não conseguiu. Decidiu então voltar ao Brasil para montar o seu próprio negócio. Com 40 anos, organizava o BTG, banco de investimentos que teria como sócios Persio Arida e ex-executivos do UBS Pactual. O banco também teria escritórios no Rio, em Nova York, em Londres e em Hong Kong.

André Esteves, em sala VIP, antes de seminário da FEBRABAN, afirmou: – “O Pactual só contrata economistas cariocas, porque eles são mais competentes”. À primeira vista, esse “determinismo geográfico” parecia ser mera generalização bairrista e arrogante. Mas a disputa entre os economistas de diversas tendências pode, grosso modo, ser também vista como a de “Tornos versus Planilhas”: de um lado, economistas mais ligados à economia produtiva e acadêmicos, e, de outro, economistas de mercado financeiro. Delfim Netto, economista paulista, certa vez, ironizou os cariocas do mercado financeiro como “aqueles que nunca viram uma fábrica de parafusos”. Na realidade, aquela opinião de André expressava sua posição durante o debate ocorrido quando o então sócio controlador do Pactual quis diversificar investimentos para a área produtiva, isto é, a de “tornos”, e seus jovens sócios optaram por não se arriscar fora de seu “mundinho financeiro”: o das “planilhas”.

O “estilo Pactual” de gestão era definido como “voltado para a meritocracia e o empreendedorismo” (FSP: 20/10/07). Os concorrentes preferiam designar como de “altíssima agressividade e devoção integral” ao banco. Tal modelo levou o UBS Pactual a se tornar o maior banco de investimentos do país. Na área de gestão de fortunas, ficava na segunda posição, atrás apenas do Itaú, segundo a ANBID (Associação Nacional dos Bancos de Investimento). Havia sinergia entre as três áreas de atuação do UBS Pactual: banco de investimento, gestão de fortuna e administração de ativos. Concorrentes diziam que o procedimento gerava conflito de interesses. Isso porque o Banco que intermediava empréstimos, fazia também aberturas de capital, geria fortunas e atuava como formador de mercado, entre outras atividades, tendo seu ganho atrelado a taxas de sucesso. Com isso, teria, por exemplo, interesse e poder para influenciar o valor de determinados papéis. Os ativos administrados pelo Pactual aumentaram de R$ 8,0 bilhões, em 2001, para R$ 87,3 bilhões, até setembro de 2007.

5.6.4. Os “banqueiros escandalosos”

Em uma amostragem de 50 maiores bancos privados do país, excluídos aqueles que passaram por processo de reestruturação ou fusão, pouco mais da metade conseguiu duplicar o patrimônio durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FSP, 09/05/99). Nesse grupo, além do Matrix e do Opportunity, estavam bancos como Safra, Bozzano, Simonsen e Icatu. A lista incluía o Banco Marka, também socorrido pelo banco central, depois da desvalorização do real e investigado pela CPI dos Bancos. Havia um grupo menor, com aproximadamente cerca de 20% da amostragem, de bancos que conseguiram triplicar seu patrimônio entre dezembro de 1994 e 1998. Aí estavam BankBoston, Votorantim, Citibank, BNL, Sofisa e Fininvest, além do FonteCindam.

Page 43: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 235

O banqueiro Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, foi protagonista de um dos maiores escândalos financeiros do país. O caso atingiu diretamente o então presidente do Banco Central do Brasil, Francisco Lopes. Em janeiro de 1999, Lopes elevou o teto para a variação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32. Justificava dizendo que essa era a saída para evitar estragos piores à economia brasileira, fragilizada pela crise financeira da Rússia, que se espalhou pelo mundo a partir do ano anterior. Naquele momento, o banco de Cacciola tinha 20 vezes seu patrimônio líquido aplicado em contratos de venda no mercado futuro de dólar. Com o revés, Cacciola não teve como honrar os compromissos e pediu ajuda ao Banco Central. Seu intermediário foi Luiz Bragança, seu amigo de infância e sócio na consultoria de Francisco Lopes.

Alegando risco sistêmico, termo empregado para dizer que as instituições financeiras não poderiam quebrar, o Banco Central permitiu que o Marka e também o FonteCindam comprassem dólares na cotação anterior à virada do câmbio. A ajuda causou um prejuízo bilionário (R$ 1,550 bilhão) aos cofres públicos. Dois meses depois, cinco testemunhas vazaram o caso, alegando que Cacciola comprava informações privilegiadas do próprio Banco Central do Brasil. Sem explicações, Lopes pediu demissão em fevereiro. O caso deu início à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que acusou a alta cúpula do Banco Central de tráfico de influência, gestão temerária e vários outros crimes. Durante depoimento na Comissão, Lopes se recusou a assinar termo de compromisso de falar só a verdade e recebeu ordem de prisão ao vivo na TV.

Em junho de 2000, Cacciola foi preso pela Polícia Federal. Ficou na cadeia 37 dias. Sua saída se deveu à concessão de um habeas corpus pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, que achou desnecessária a prisão. No mesmo dia em que obteve o habeas corpus, Cacciola foi para o Uruguai e, de lá, para a Argentina, onde tomou um avião rumo à Itália. Como tinha cidadania italiana, passou a viver em Roma, em um condomínio luxuoso cuja casa era cercada por um castelo feudal. Em 2005, a Justiça Federal no Rio condenou Cacciola a 13 anos de prisão por crimes de peculato e gestão fraudulenta, além de Francisco Lopes e outros dirigentes do Banco Central do Brasil, por causa do caso Marka-FonteCindam.

Salvatore Alberto Cacciola, graças a habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, passou a viver em paz na sua Itália, até ir passear em Mônaco, em 2007, e ser preso pela Interpol. No ano seguinte, foi deportado para prisão no Brasil. Já os investidores do Marka... Perderam suas ações judiciais.

5.6.5. Santos e mecenas

Os recursos aos tribunais superiores ajudaram também Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos, a escapar da prisão e recorrer da condenação em liberdade e até mesmo reduzir a pena estabelecida na primeira instância. Havia exemplos, quase “jurisprudência”, como o do ex-banqueiro Tasso Assunção Costa, que comandava o Banco Hércules em Minas Gerais e foi o primeiro banqueiro condenado à prisão no Brasil.

As operações ilícitas do empresário mineiro e seu filho teriam causado rombo de R$ 23 milhões, que lesou centenas de consumidores. A condenação de Tasso Costa ocorreu em 1995, mas apesar de ter passado pequenos períodos na prisão, inclusive depois de proferida a sentença, diversos recursos permitiram ao banqueiro recorrer em

Page 44: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 236

liberdade. Ele só foi efetivamente preso com o trânsito em julgado do processo, em 2003. Costa foi condenado em primeira instância a 12 anos de prisão e teve a pena reduzida no Tribunal Regional Federal (TRF). Pegou cinco anos por gestão fraudulenta e quatro anos por apropriação indébita de recursos de correntistas, além de ter sido aplicada multa de quatro salários mínimos por dia durante 200 dias. Neste último crime, entretanto, o advogado do empresário disse que foi obtida decisão que extinguiu a punibilidade por prescrição do crime. Depois de cumprir pequeno período na prisão, o ex-banqueiro foi beneficiado com regime semi-aberto e prisão domiciliar para o crime por gestão fraudulenta.

Outro caso de condenação foi o de Salvatore Cacciola, ex-dono do banco Marka, que, no ano de 2005, foi sentenciado a uma pena de 13 anos de prisão e multa de cinco salários mínimos por 156 dias. Cacciola, no entanto, tornou-se foragido desde que obteve um polêmico habeas corpus em sua prisão preventiva, concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello. O ministro também concedeu habeas corpus para que o ex-banqueiro Magalhães Pinto, do Nacional, pudesse recorrer em liberdade de sua condenação a 28 anos de prisão. No Nacional, o rombo descoberto foi de R$ 9 bilhões.

No final de 2002, a Diretoria de Fiscalização do Banco Central declarou que o Banco Santos estava com uma estrutura de capital frágil. Após essa iniciativa, o Banco Santos foi “colocado em evidência”, e não podia tomar qualquer decisão sem que a autoridade monetária permitisse. Isso significava que não podia publicar nenhum balanço, abrir agências ou novas carteiras de clientes sem que ele autorizasse, passando sob fiscalização interna permanente.

Essa fiscalização começou a ficar cada vez mais ostensiva, com um aumento no número de fiscais dentro do banco, chegando a quase 30 fiscais. No entendimento do próprio controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, todas essas informações assustaram os clientes que, em meados de 2004, deram início a uma “corrida” ao banco. Meses depois, no dia 12 de novembro de 2004, o Banco Central anunciou a intervenção no Banco Santos, sob o comando do chefe do Departamento de Supervisão Indireta (DESIN), Vânio Aguiar, que permaneceu como administrador da massa falida do Banco Santos. Em 4 de maio de 2005, foi anunciada a liquidação do Banco, e no dia 20 de setembro do mesmo ano, sua falência foi decretada pelo juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.

A Corretora de Valores Santos foi fundada em 1969. Vinte anos depois, ela se transformou no Banco Santos. Apenas seis anos após, em 1995, no 1º ano do governo FHC, seu lucro já atingiu US$ 8,16 milhões, com o patrimônio chegando à US$ 37 milhões e entrando na categoria de banco de médio porte. Em 2001, penúltimo ano desse governo, o Banco Santos alcançou ativos de R$ 5,8 bilhões e um patrimônio de R$ 317 milhões; na moeda americana, lucro tinha triplicado, atingindo US$ 26 milhões, ativos de US$ 2,5 bilhões e patrimônio de US$ 137 milhões, porte de banco médio nos Estados Unidos. No Brasil, pelo ranking do Banco Central, ficou em 25ª posição, mas era o 8º maior banco privado nacional, logo depois do Bradesco, Itaú, Unibanco, Safra, Votorantim, Mercantil de São Paulo e Pactual.

Entretanto, o Banco Central do Brasil decretou, três anos após, intervenção no Banco Santos e na Santos Corretora de Câmbio e Valores. De acordo com comunicado oficial, a intervenção se deveu ao “comprometimento da situação econômico-

Page 45: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 237

financeira” da instituição. Ele não detalhou o grau desse comprometimento e quais dificuldades o banco enfrentava. Foi o primeiro caso de intervenção da autoridade monetária em banco privado, desde 1998. Segundo o comunicado, o Banco Santos perdeu liquidez e enfrentava falta de recursos, o que podia comprometer os correntistas. Também infringiu as normas que disciplinavam a atividade bancária e não observou suas determinações. A saúde financeira começou a se deteriorar nos quatro meses anteriores, porque teria havido “corrida ao banco” para efetuar saques. Essa retirada de recursos dos clientes (basicamente empresas) foi da ordem de R$ 700 milhões.

Edemar Cid Ferreira, à semelhança de outros banqueiros que sofreram intervenção, entendeu que a fiscalização “ostensiva” do Banco Central do Brasil nas contas da instituição resultou na “boataria de quebradeira”. A fiscalização teria sido, em sua opinião, muito intensa e indiscreta. Na semana anterior à intervenção, a situação de tesouraria era considerada crítica. O caixa tinha algo próximo a R$ 30 milhões. Na antevéspera, a diretoria decidiu recorrer ao redesconto do Banco Central, via pedido de empréstimo para cobrir compromissos emergenciais, alegando falta de liquidez. Em vez de conceder o crédito, a autoridade monetária optou pela intervenção.

Ao sofrer intervenção, o Banco Santos tinha cinco agências, uma em cada cidade: São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Florianópolis, e mantinha sete escritórios: Campinas, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Recife e Goiânia. Chegou a movimentar mais de R$ 6 bilhões ao ano, contando com cerca de mil funcionários, entre os que trabalhavam em seguradoras, empresa de capitalização, empresa de tecnologia e holding.

Edemar foi acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos, evasão de divisas, ocultação de obras de arte e contabilidade paralela, entre outras denúncias. Foi condenado em primeira instância a 21 anos de prisão e ficou detido duas vezes em presídio.

Morando em sua faraônica casa no Bairro Morumbi, em São Paulo, Edemar não perdeu a esperança de sair ileso do processo. Ele acusava o Banco Central de ter agido deliberadamente contra ele e negava ter praticado qualquer desvio no banco para a construção da casa ou para a compra de obras de arte, depois espalhadas por diversos museus na cidade. Apesar do que passou e das denúncias contra ele, Edemar não demonstrava sinais de abalo, tampouco perdeu o estilo formal e a mania de grandeza de quando presidia o Banco Santos e era conhecido como "mecenas das artes" do país.

Fenômeno importante, decorrente da “crise do Banco Santos”, foi o “efeito demonstração”. O receio de se alastrar crise sistêmica de liquidez, em bancos de porte semelhante, justificou a fuga dos investidores, principalmente os institucionais (fundos mútuos de investimento, fundos de pensão, seguradoras), em relação aos depósitos a prazo (CDB) dos bancos pequenos e médios. Esta era a forma mais significativa de captação de funding utilizada por eles. Com isso, restaram como alternativas principais: vender a carteira de créditos, principalmente de consignados, para antecipar liquidez, colocar no mercado de capitais Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), formados com os recebíveis disponíveis, ou captar recursos no exterior.

Após a “crise do Banco Santos”, foram realizadas operações de aquisições de carteiras de crédito em consignação (com desconto das prestações e juros diretamente em folhas de pagamento) por sete grandes bancos de varejo (Bradesco, Itaú, Cetelem,

Page 46: Capítulo 5 Crise Bancária - Cidadania & Cultura ... · significa que não tenham ocorrido outras “quebras” ou falcatruas, ... desta vez o próprio Banco Central do Brasil se

Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 5 – Crise Bancária. 238

GE Capital, Real, HSBC e Caixa). Assim, bancos privados nacionais e estrangeiros, que ainda não tinham entrado nesse mercado de crédito, segundo argumentavam, “por não quererem lidar nem com as centrais sindicais nem com o Ministério de Previdência Social com quem tinham grandes dívidas a receber (referentes às prestações de serviços de arrecadação e pagamento)”, acabaram percebendo a segurança e a rentabilidade dessas operações. Antes, praticamente sozinhos, a Caixa e o BMG controlavam o mercado de consignação para aposentados, somando participação de 89%.

À primeira vista, no início do governo Lula, em 2003, os “novos economistas-banqueiros” pareciam ser espécie em extinção, pois aparentavam estar moribundos. A maioria dos seus “bancos de negócios” reduziu significativamente ou até fechou suas mesas de operações com recursos de carteira própria, que apostavam o capital da própria instituição.

A opção desses banqueiros pelo fechamento voluntário de seus “bancos de negócios” foi resultado não só da percepção de um novo cenário político e também econômico, em que o aumento da concorrência e a conseqüente diminuição dos spreads tornariam mais difícil a vida no mercado financeiro. Foi também estimulada por uma significativa mudança no comportamento do Banco Central do Brasil, que passou a agir preventivamente, através de exigências de cumprimento de novos limites mínimos de capital, alavancagem (relação entre o capital e os ativos ponderados por riscos), e até a eventual mudança de controle. Todo banco passou a ter crescentes exigências legais, como controles internos e maior responsabilização dos administradores. O mercado ficou também tecnicamente mais sofisticado com os derivativos.

Com isso, os novos banqueiros, que nasceram no boom dos bancos múltiplos, a partir da reforma bancária liberalizante de 1988, resolveram fechar seus bancos ou transformá-los em distribuidoras de valores. Concentraram-se, assim, em seu real core business, que era as aplicações em tesouraria e/ou a administração de recursos de terceiros. Nunca, de fato, ameaçaram o mercado de varejo dos tradicionais banqueiros, que foram “vencedores” no processo de concentração bancária.