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CAPÍTULO 4
O QUE DIZEM OS DADOS DO QUESTIONÁRIO
4.1. Quem são os professores de Geografia do ensino médio das Escolas-Referência? Qual a sua formação e condições de trabalho?
4.1.1. Sexo e perfil etário
Entre os docentes de Geografia das Escolas-Referência de Uberlândia, E-R/UDI, o
sexo feminino (16) predomina em relação ao masculino (nove). Essa prevalência das
mulheres (64%) no ensino médio lecionando Geografia segue o fenômeno da feminização da
docência que ocorre em outras áreas, conforme apontam os estudos de ALMEIDA (1996) e
CARVALHO (1996), e se evidencia nas de Pedagogia, Biologia e Letras. Embora os dados
do questionário socioeconômico do Exame Nacional de Cursos – ENADE, 2005 (MEC/INEP)
apontem um equilíbrio entre o sexo feminino e masculino dos licenciados de Geografia,
História, Matemática e Química, observa-se que nas E-R/UDI, pelos menos, a feminização da
docência claramente se acentua.
O perfil etário dos professores e professoras se situa entre 26 e 56 anos. Entre as
professoras, há seis com 26 a 35 anos, sete com 36 a 45 anos e três com 46 a 55 anos, portanto
prevalece a faixa etária feminina entre 26 e 45 anos. Quanto aos professores, eles estão
presentes em todas faixa etárias, havendo um mais novo, com 25 anos de idade, e outro mais
velho, com 56 anos de idade, mas, como as professoras, a maioria (5) deles se concentra entre
26 e 45 anos.
4.1.2. A formação inicial e o tempo na carreira docente
As Escolas-Referência de Uberlândia, E-R/UDI, possuem um corpo de professores de
Geografia com formação inicial em diferentes períodos e contextos da história da Geografia e
dos cursos de licenciatura dessa disciplina, ou seja: nos anos de 1980 sob o regime militar;
nos anos de 1990, durante a expansão da educação básica e implantação dos cursos de
bacharelado em Geografia; e nos anos iniciais do século XXI, momento em que o curso de
Geografia se consolida com o oferecimento de mestrado e doutorado na Universidade Federal
de Uberlândia. A maioria dos professores, 22, cursou o ensino superior na cidade de
Uberlândia-MG, onde a história dos cursos de formação não destoa da realidade nacional.
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O curso de Estudos Sociais é a formação inicial de seis desses professores. Realizaram
seus estudos a partir do ano de 1978, três em instituição pública e outros três em instituição
privada, sendo que o último ano de ingresso para licenciatura em Estudos Sociais foi 1985
(em instituição pública) e em 1989 (em instituição particular).
De acordo com o histórico da Universidade Federal de Uberlândia - UFU, o Curso de
Geografia - Licenciatura Plena implantado em 1971, foi extinto em 1974 quando se criou o
Departamento de Estudos Sociais/Licenciatura Curta. O Departamento de Estudos Sociais
“congregava docentes das áreas de Geografia, História, Sociologia bem como cursos de
Geografia e História” (Projeto Pedagógico do Instituto de Geografia da UFU, 2005, p. 4).
Com a reinstitucionalização dos cursos de História e Geografia no país, o
departamento de Estudos Sociais na Universidade Federal de Uberlândia, paralelamente à
extinção do seu currículo a partir de 1984, reimplantou o curso de Geografia com licenciatura
curta e plena, que, assim como o de História e o de Ciências Sociais, assumiu autonomia.
Com essa oferta, os alunos-professores que, então, cursavam Estudos Sociais, tinham a
possibilidade de migrar para o novo currículo e concluir sua formação.
Nesse contexto, entre os seis professores que haviam cursado Estudos Sociais, três
deles tendo feito o curso entre 1983 e 1985, optaram por concluir a formação no currículo da
licenciatura plena em Geografia (entre 1986 e 1988). Dois retornaram ao curso de Geografia e
o concluíram recentemente (1995 e 2007, respectivamente). Apenas um (formado em 1978)
prossegue com a habilitação em Estudos Sociais.
Com relação ao tempo na carreira docente do grupo de (6) professores formados em
Estudos Sociais, quatro deles iniciaram a docência entre os anos de 1979 e 1986, no contexto
do regime militar e do Movimento da Geografia Crítica, tendo entre 24 e 31 anos de
magistério. Outros dois iniciaram a docência posteriormente, nos anos de 1992 e 1995, tendo,
portanto, 15 e 18 anos na carreira do magistério.
Licenciatura plena em Geografia concluída na UFU é a formação inicial de outros seis
professores que ocorreu nos anos de 1990, período em que a instituição passou a oferecer,
além da licenciatura plena para atuar no magistério, o curso de bacharelado1. Ao mesmo
tempo, observa-se no país menor participação do Movimento da Geografia Crítica no ensino
da disciplina nas escolas e nos cursos de Geografia.
1 Projeto Pedagógico do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, 2005, p. 4.
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Esse segundo grupo de professores, licenciados e bacharéis entre os anos de 1990 a
2000 em instituição pública, iniciou o trabalho docente também nos anos de 1990, com
exceção de um deles, que já lecionava, embora sem habilitação, desde 1987. Portanto, há um
professor com 23 anos de carreira e os demais com entre 10 e 20 anos de docência.
A formação inicial dos outros professores ocorreu recentemente, entre 2002 e 2008,
num contexto em que houve uma expansão do ensino público e privado e, esses professores
(13), representam aproximadamente a metade do corpo docente das Escolas-Referência,
sendo que a maioria, nove, cursaram instituição publica2 e quatro instituição particular3. Entre
esses professores, há um que já lecionava desde o ano de 1998.
Nesse período, o Instituto de Geografia da UFU, além da licenciatura plena e do
bacharelado em Geografia, ampliava a oferta de cursos de pós-graduação, da especialização
ao doutorado4. Essa oferta possibilitou aos graduados em Geografia a realização da pós-
graduação não só na própria área, mas também em outros cursos (Biologia, Agronomia,
Engenharia e Educação).
Também nesse período a rede particular de ensino superior se expandiu na cidade,
assim como novos cursos passaram a ser oferecidos e os currículos foram renovados5. Isso
não significa que esses cursos sejam oferecidos anualmente ou semestralmente. Nas
faculdades particulares6 as vagas para o curso de Geografia são disponibilizadas de acordo
com a demanda anual ou semestral de estudantes e, sendo assim, não é todo ano que há
número de alunos suficiente para a formação de turmas. No entanto, são oferecidos de
2 Oito cursaram a Universidade Federal de Uberlândia - UFU e um a Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES - MG. 3 Um professor cursou a Faculdade Católica e três professores o Centro Universitário do Triângulo – UNITRI. 4 Os cursos de mestrado e doutorado oferecidos pelo Instituto de Geografia da UFU atendem três linhas de pesquisa: Análise, Planejamento e Gestão Ambiental; Análise, Planejamento e Gestão dos Espaços Rural e Urbano; Ensino, Métodos e Técnicas em Geografia. 5 Além da licenciatura plena, o bacharelado em Geografia passou a ser oferecido pela Faculdade Católica de Uberlândia a partir de novembro de 2009. 6 São elas: UNIMINAS - União Educacional de Minas Gerais, UNIPAC – Universidade Presidente Antonio Carlos, UNIUBE - Universidade de Uberaba, campus Uberlândia, Faculdade Católica de Uberlândia (licenciatura após 2001), Centro Universitário do Triangulo – UNITRI, que tem origem na Escola Normal do Uberabinha, fundada em 1924, que passou a oferecer em 1947 o equivalente ao ensino médio e em 1966 criou a Escola Técnica de Química Industrial. Após 1972, seguiu com a Faculdade de Serviço Social e outros cursos. Em 1988 alterou–se a razão social para Associação de Ensino do Triângulo com o funcionamento das Faculdades de Comunicação Social e de Fisioterapia. Em 1990 mudou-se a denominação para Faculdades Integradas do Triângulo – FIT. Em 1997, sob a administração de novos proprietários e nova organização, passou a ser um centro universitário.
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maneira mais sistemática os cursos de pós-graduação no nível de especialização,
principalmente na área ambiental e em Psicopedagogia.
O tempo na carreira docente desses 13 professores com formação mais recente se
divide entre professores (4) com até três anos de magistério, outros (8) que têm entre quatro e
sete anos de trabalho docente e, ainda, um professor que embora recém-formado, lecionava
(Geografia ou outra matéria) desde os anos de 1994 e 1998 sem habilitação específica em
outras cidades do estado de Minas Gerais e de Goiás, portanto ele tem 12 anos de magistério.
Esse quadro da formação inicial e do tempo na carreira docente indica, quanto a
formação, que todos os professores de Geografia das E-R têm licenciatura nessa disciplina,
tendo-a obtido em diferentes contextos sociais e políticos da formação docente e da história
dos cursos da área. A formação em instituições privadas ocorreu nos anos de 1970 e após os
anos 2000. Os professores graduados nos anos de 1980 e 1990, a maioria deles, são
licenciados pela Universidade Federal de Uberlândia. Ao todo, portanto, são 18 professores
das Escolas-Referência que provêm do ensino superior público e uma minoria (sete) que é
licenciada por instituição particular. Em comum, todos os sujeitos da pesquisa são licenciados
em Geografia, a maioria deles pela UFU.
Quanto ao tempo de trabalho do corpo de professores de Geografia nas Escolas-
Referência, como visto, ele varia entre dois e 31 anos. Ou seja, são 13 professores entre dez e
31 anos na carreira, a maioria desses professores formaram em Estudos Sociais e seguiram
com a licenciatura plena e outros o bacharelado. Entre os demais licenciados e bacharéis, oito
professores têm entre quatro e seis ou sete anos de carreira e quatro professores têm até três
anos na profissão docente.
Tardif (2010, p. 82) constata em seus estudos que os saberes dos professores
comportam uma forte dimensão temporal, pois eles se processam no âmbito de uma carreira
no ensino. Para esse autor, as bases dos saberes profissionais parecem construir-se no inicio
da carreira entre os três e cinco primeiros anos de trabalho. Trata-se, por um lado, de uma fase
crítica em relação às experiências anteriores, de confronto entre o ideal e o real, de reajustes a
serem feitos em função das realidades que são encontradas no trabalho e da socialização
profissional. Por outro lado, “é no início da carreira que a estruturação do saber experiencial é
mais forte e importante, estando ligada à experiência de trabalho” (TARDIF, p. 86).
Huberman (2007) também considera que os cinco ou sete primeiros anos da carreira
representam um período importante da história profissional do professor, cujas condições de
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exercício da profissão marcam a sua trajetória, sendo uma fase de aprendizagem intensa da
profissão, de expectativas e sentimentos fortes e contraditórios. Para esse autor como para
Tardif, as fases na carreira profissional são centradas nos anos de experiência docente mais do
que na idade dos professores, podendo essas fases mudar de uma para outra.
No inicio da carreira docente, entre um a seis anos, Huberman distingue duas fases, a
da exploração e a da estabilização. A fase de exploração, de um a três anos na carreira, seria
um momento de avaliação pelo professor em que ele pode se colocar como em uma situação
de sobrevivência diante dos problemas e do confronto com a realidade escolar; pode ser uma
descoberta o início da docência se for experienciada com sucesso; pode ainda se configurar
como uma exploração que resultou na indiferença, se a profissão foi escolhida por falta de
outras opções. Na fase de estabilização, que ocorre entre os quatro e os seis primeiros anos de
exercício profissional, o docente assume a identidade, expressa mais confiança na sua
competência e desenha o seu estilo pessoal de ensino.
Para Huberman (2007) os professores vivenciam uma fase da diversificação, que
ocorre aproximadamente entre sete e 25 anos de serviço, e eles podem expressar tanto um
grande dinamismo e a adotar um estilo pessoal ou, também, a experimentar crises devido à
rotina, aos fracassos nas experiências escolares ou às reformas vivenciadas de forma
autoritária.
Depois dos 25 anos de carreira viria a fase que esse autor chama de conservantismo e
das lamentações, que se caracteriza por um distanciamento afetivo em relação aos alunos, às
tarefas escolares, ao investimento profissional e, por volta dos 30 a 35 anos, há um recuo
sereno ou amargo.
Nas E-R, com apoio de Huberman, podemos supor que, em termos de fases da carreira
docente, há quatro professores com até três anos de magistério que estão iniciando a fase da
exploração; outros oito professores entre quatro a seis ou sete anos de serviço que, segundo
esse autor, nos permite dizer que estariam na fase da estabilização (ou consolidação) da
carreira, portanto, estariam esses (12) professores se construindo e firmando seu desempenho
profissional. Entre os outros (13) professores, há dez entre sete e 25 anos de trabalho, na fase
da diversificação e de maior dinamismo da carreira, dois com mais de 25 anos e um com 30
anos de carreira, entre o conservantismo e as lamentações, se aproximando de uma
finalização da carreira, serena ou amarga. A maioria deles, portanto, com mais de sete anos
de carreira, teriam maior maturidade na profissão.
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Esse quadro pode indicar uma tendência, dessa maioria dos professores, de manterem
as práticas de trabalho que consolidaram durante o exercício do magistério, sem disposição
para aceitar novos desafios. O longo período de experiência permite aos professores constituir
um saber profissional que comporta uma dimensão crítica, como afirma Tardif (2010. p. 100),
em relação aos conhecimentos adquiridos anteriormente, especialmente durante a formação
universitária, em relação aos instrumentos de trabalho (programas, livros didáticos, diretivas,
regras do estabelecimento, etc.) e, também, essa dimensão crítica, desempenha um papel
importante na autonomia profissional.
Temos assim, nessas escolas públicas mais prestigiadas da cidade, um corpo docente
com aproximadamente metade dos professores em fase de exploração e estabilização, ou seja,
ainda na fase da consolidação de suas práticas profissionais. Mas, a maioria dos professores já
fez um bom percurso na carreira profissional, o que era, de certo modo, esperado uma vez que
as E-R representam, para muitos, o ponto de culminância na trajetória profissional.
4.1.3. A formação continuada e em serviço
Na realidade local, os professores não restringem sua formação à licenciatura ou
bacharelado em Geografia. Além de alguns fazerem outros cursos ou licenciaturas e de
seguirem com a pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, têm uma participação acentuada
em encontros de interesse da profissão ou de atualização profissional.
Entre os cursos de graduação ou licenciatura realizados por eles, além da Geografia
estão os de Ciências Biológicas (P2, 1992), Pedagogia (P3, s/d), História (P13, 1990) e
Serviço Social (P1, 2004), em instituição pública ou privada. Um deles está cursando
Odontologia e outro, Direito em instituição privada.
A qualificação dos 25 professores se torna mais expressiva quando se constata que a
pós-graduação faz parte da trajetória da maioria deles: são três com a titulação de mestre e 13
com a especialização. O único professor que manteve como formação inicial apenas os
Estudos Sociais inclui-se entre os que fizeram especialização, ou seja, também aprofundou
sua qualificação formal no decorrer do desempenho profissional para além dos cursos ligeiros
de formação continuada. Enquanto os três professores que concluíram o mestrado o fizeram
em instituição pública, entre os treze com especialização, a maioria (oito) cursou instituição
particular.
Em relação a esses cursos de pós-graduação também é importante observar as
tendências das temáticas em que se aprofundaram. Entre as três dissertações de mestrado em
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Geografia não há temas diretamente relacionados ao ensino escolar, mas sim às
especificidades do conhecimento geográfico de determinadas áreas, como a Geografia urbana,
rural e ambiental7. O mesmo se constata em estudos sobre as outras licenciaturas como Letras,
Matemática e Biologia, elas se voltam mais às áreas de referência do que ao ensino8.
Entre os oito professores que fizeram o curso em instituições privadas, há quatro com
especialização em Meio Ambiente, dois em Psicopedagogia (um deles sobre a Inclusão
Social), um no campo específico da Geografia (movimento populacional) e somente um se
voltou para o ensino da Geografia. Entre os cinco professores que realizaram a especialização
em instituição pública, cada um optou por tema e área diferente: Educação Especial, Processo
de Ensino e Aprendizagem, Avaliação Ambiental de Usina Hidrelétrica, Sociologia9 e, apenas
um fez curso no âmbito do ensino da Geografia. Entre esses 13 professores com
especialização, pouco menos da metade (seis) focalizou temas relacionados ao campo escolar:
o ensino da Geografia (dois), o campo da educação em geral (dois) e a Psicopedagogia (dois).
Embora os mestrados tenham se aprofundado preferencialmente na Geografia
enquanto área de referência, no cômputo geral, entre os 16 professores com pós-graduação
lato ou stricto sensu, a maioria (dez) especializou-se em temáticas relacionadas à educação.
Em relação às temáticas do campo da Geografia, quatro convergem para o conhecimento da
ciência geográfica e dois se voltam para o ensino da Geografia. As funções docentes são,
portanto, exercidas por uma maioria de profissionais que aprofundou a sua formação ao longo
da vida profissional em cursos de maior fôlego. Trata-se de um corpo docente bem preparado
nos termos dos padrões brasileiros, embora os aspectos do ensino escolar não tenham
recebido a necessária atenção nesse esforço de qualificação.
Essa qualificação, assim como a formação inicial dos professores, se apresenta no
quadro a seguir.
7 Os temas são: Geografia Urbana (2005); Heranças culturais em comunidades agrárias (s/d); Reserva florestal na Serra da Canastra: nascente do rio São Francisco (s/d). 8 Ver estudos de GATTI, B. A.; NUNES, M. M. R. (Orgs.) Formação de Professores para o ensino fundamental: estudo de currículos das licenciaturas em Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. São Paulo: FCC, 2009. (textos FCC, n. 29). 9 A realização de cursos como o de Sociologia, de acordo com a legislação e a Superintendência de Ensino de Uberlândia, garante aos professores ministrarem concomitantemente Geografia e Sociologia, que é oferecida uma vez por semana no 2º ou 3º ano do ensino médio.
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QUADRO 4
Período da formação inicial e pós-graduação, instituição e tempo na carreira docente
Sujeitos
Período da Formação
Inicial
Tipo de Instituição
Início da carreira Tempo/magistério
Outros cursos Instituição Ano
Especialização Tipo de Instituição Ano
Mestrado Instituição
Anos 1970/80
P5 1978 - ? Privada 1984 – 26 anos Ensino e aprendizagem e os novos paradigmas educacionais Pública 2000
P7 1981 – 2007
Privada 1979 – 31 anos
Populações em movimento Privada 2007
P15 1983 – 1986
Pública 1984 – 26 anos Questão Ambiental Privada
P16 1983 –1986 Pública 1986 – 24 anos P13 1985 -1988 Pública 1995 – 15 anos História
Pública 1990
Psicopedagogia: Inclusão e em curso Inspeção Escolar Privada 2003
P23 1989/90 – 1995
Privada 1992 – 18 anos Educação Ambiental Privada
Anos 1990 P25 1991 Pública 1990 – 20 anos Sociologia
Pública Geografia Ambiental Pública
P20 1990 Pública 1995 – 15 anos P18 1996 Pública 1997 – 13 anos Geografia
Agrária Pública
P12 1997 Pública 2000 – 10 anos Psicopedagogia s/inf.
P14 1999* Pública 1987 * 23 anos Metodologia do Ensino de Geografia e o meio ambiente Privada 2000
P24 1999 Pública 1994 – 16 anos SECULO
XXI
P9 2002 Pública 2002 – 8 anos Geografia Urbana Pública, 2005
P2 2003 Pública 2003 – 7 anos Ciência Biológica Privada 1992
Educação Especial Pública, 2007
P6 2003 Pública 2007 – 3 anos Usina Capim Branco: reassentamento Pública/ 2005
P8 2003 Pública 2004 – 6 anos P11 2003 Privada 2004 – 6 anos Ed. Ambiental: o uso da água
na escola Privada 2006
P19 2004 Pública 2004 – 6 anos Gestão Ambiental Privada 2008
P1 2005 Pública 2006 – 4 anos Serviço Social Direito Privada 2004
Ensino de Geografia nas séries iniciais Pública
P10 2005 Privada 1998* 12 anos P21 2006 Privada 2006 – 4 anos P3 2006 Pública 2004 – 6 anos Pedagogia
s/ inf.
P17 2007 Privada 2007 – 3 anos P22 2007 Pública 2008 – 2 anos P4 2008 Pública 2008 – 2 anos 4 13 especialistas 3 Mestres
FONTE: Questionário, 2010
*Indicação de que lecionou sem habilitação na área específica
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Além da formação inicial e da inserção no processo de aperfeiçoamento por meio da
pesquisa acadêmica, 21 professores10 de Geografia do ensino médio das Escolas-Referência
indicam a participação, no período entre 2004 (inclusive) e 2010, em ações formativas, como
formação continuada e em serviço, que corresponde a atividades educacionais tais como
encontros, palestras e minicursos, projetos etc., que aqui denominamos pelo termo geral de
encontros. Esses encontros educacionais foram oferecidos pelas escolas em que trabalham,
pela Superintendência Regional de Ensino (SRE/MG), por instituições públicas, como a
Universidade Federal de Uberlândia e seu Instituto de Geografia, ou por instituições
particulares.
Os 21 professores indicam sua participação em 219 encontros relacionados à área de
Geografia, o que significa uma média de 10,4 encontros por professor e, nesse período de sete
anos, equivale à participação em mais de um encontro por ano na área de Geografia. O total
de 219 encontros nesse período de sete anos indica uma média de 31 encontros por ano e,
considerando apenas o ano de 2010, foram 24, em média, as atividades de que esses
professores indicam ter participado precisamente até outubro/novembro, que corresponde ao
período da aplicação do questionário.
Esses mesmos professores participaram de 110 encontros em outras áreas do ensino
ou da educação nesse período, o que significa em média a participação em 5,2 encontros por
professor, o que, durante os sete anos, equivale a menos de um encontro por ano na área da
educação escolar. Esses 110 encontros dão uma média de 15,7 por ano, nesse período de
2004 a 2010. No ano de 2010, eles informam ter participado de 24 eventos.
Esses dados revelam que há um esforço de formação continuada do corpo docente e,
pela oferta disponível aos professores, há um empenho de várias instituições públicas e
privadas que, em princípio, caminham no sentido de proporcionar condições de atualização e
desenvolvimento profissional dos professores da rede. Essa participação se distribui conforme
o quadro a seguir.
10 Entre os 25 professores, um (P6) respondeu efetivamente que não participa de nenhum encontro e três deixaram a pergunta 9 do questionário em branco (P5, P11, P17), embora dois deles, na pergunta seguinte, acentuem que participam e que são importantes. Sendo assim, consideramos os 21 professores que efetivamente responderam a pergunta 9.
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QUADRO 5 Participação em Encontros e expectativas docentes - período de 2004 a 2010
Número de eventos e âmbito de oferta
Área de Geografia
Atendimento das expectativas dos professores
Área do ensino escolar ou da
educação
Atendimento das expectativas dos professores
Instituição pública 169 118 28 25 Instituição privada 15 9 30 22 Superintendência Regional de Ensino
14 9 20 10
Escolas-Referência 21 9 32 19 Total 219 145 (66,2%) 110 76 (69%)
FONTE: Questionário, 2010
4.1.3.1. Encontros promovidos por instituições de ensino superior
Entre os 219 encontros relacionados à área de Geografia, 169 foram promovidos por
instituições públicas, como a Universidade Federal de Uberlândia e seu Instituto de
Geografia, dentre os quais 118 (69,8%) são indicados pelos professores como satisfatórios,
pois atenderam suas expectativas. Além dos cursos voltados especificamente para a área, a
mesma instituição ofereceu 28 dos 110 encontros que tratam da área do ensino escolar ou da
Educação, e, dentre eles, 25 encontros (89,2%) atenderam as expectativas dos professores.
Entre os encontros promovidos pelas instituições particulares nesse mesmo período,
15 correspondem à área de Geografia, entre os quais nove (60%) atenderam as expectativas
e, entre os 30 encontros na área da Educação dos quais participaram os professores, 22
(73,3%) foram bem avaliados pelos docentes que deles participaram.
Observa-se a concentração da oferta de encontros e a presença dos professores na área
de referência específica por parte da universidade pública. Embora exista essa diferença na
quantidade de encontros oferecidos por instituições pública e privada, o tipo de instituição não
implica diferença no atendimento das expectativas dos professores. No entanto, eles
demonstram que estão mais satisfeitos com os encontros voltados à área de educação, (89%
oferecidos por instituições públicas e 73% das particulares) do que os relacionados à área de
Geografia (69% oferecidos pela instituição pública e 60% pela privada).
Os cursos, as palestras, mini-cursos, entre outros encontros oferecidos pelas
instituições de ensino superior, aproximam os professores de Geografia do ensino médio da
academia como espaço ideal de contato com a ciência de referência. Permitem-lhes participar
das discussões sobre o conhecimento da Geografia e da Educação, conhecer novos estudos,
novas ideias e propostas para a disciplina, e situar-se em meio às mudanças de paradigmas e
às discussões atuais de outros temas interdisciplinares. Ou seja, os mantêm atualizados.
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Entretanto, para alguns professores o espaço acadêmico representa também um lugar de difícil
acesso e distante das suas vivências do espaço da sala de aula ou da escola, cujos problemas
concretos não são vistos como importantes; eles sentem seu trabalho desvalorizado.
A postura positiva do corpo docente em relação ao espaço da formação docente revela
o que alguns estudos sobre formação inicial e continuada têm apontado para a qualificação e
desenvolvimento profissional do professor, no sentido de aproximar as realidades das
licenciaturas e a das escolas, integrando num mesmo universo conceitual e prático os projetos
pedagógicos das instituições de formação e as escolas (REGO; MELLO, 2002). Além disso, a
própria legislação e as políticas de formação assumidas pela esfera federal e crescentemente
pelos governos dos estados têm acompanhado os estudos e debates educacionais sobre a
importância da formação entendida como um contínuo para o desenvolvimento profissional
do professor e necessária para a qualidade da educação.
4.1.3.2. Encontros programados pela SRE-UDI
Os encontros programados pela Superintendência Regional de Ensino –Uberlândia-
SRE-UDI são numericamente menores do que os promovidos pelas instituições superiores e
as escolas: 14 na área de Geografia e 20 na área do ensino escolar ou da Educação. Entre os
encontros na área de Geografia, 9 (64,2%) contemplaram as expectativas dos professores e,
entre aqueles na área do ensino escolar ou da Educação, 10 (50%).
A SRE-UDI como porta voz da Secretaria de Educação do Estado – SEE-MG quando
agenda os encontros traz definições sobre o currículo escolar, apresenta projetos e repassa às
escolas proposições que dizem respeito diretamente à vida profissional do professor. Nesses
momentos, os docentes, tendo acesso às informações, compartilham ponderações com os
colegas e definem sua postura diante das novas orientações das políticas educacionais.
Entre os projetos11 que fazem parte do plano de ação da SEE-MG, uma professora de
Geografia menciona sua participação no Programa Educacional de Atenção ao Jovem - Peas
Juventude, cujo objetivo é a promoção do desenvolvimento pessoal e social do adolescente
através de ações de caráter educativo e participativo, focadas nas questões da afetividade, da
sexualidade e da saúde reprodutiva e implementadas nos sistemas públicos de educação e de
saúde.
11 Alguns projetos lançados pela SEE-MG: Programa de Educação de Atenção ao Jovem – Peas Juventude (2008), Livro na Escola, Projeto Escola em Rede, Projeto Aluno de Tempo Integral, Projeto Escola Viva, Comunidade Ativa, Projeto Abrindo Espaços.
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Outros programas derivados das políticas educacionais, como o Programa Escolas-
Referência da SEE-MG, coordenado em Uberlândia pela Superintendência Regional,
oferecem capacitação docente. Esse é o caso do Programa de Desenvolvimento Profissional –
PDP, que busca capacitar os docentes por meio da constituição de Grupos de
Desenvolvimento Profissional – GDP, os quais devem desenvolver um trabalho colaborativo
e contam com “apoio científico-pedagógico e financeiro a projetos voltados para a melhoria
dos processos de ensino-aprendizagem” (Processo de Seleção SEE-MG, No.01/2008). As
propostas de projeto devem focalizar as seguintes áreas temáticas:
1. Alfabetização e Letramento 2. Avaliação Educacional e Institucional 3. Feiras de Cultura, Ciência e Tecnologia 4. Desenvolvimento do Ensino 5. Educação Ambiental 6. Educação Patrimonial
Entretanto, entre os professores das Escolas-Referência da cidade, apenas uma
informou no questionário que participou de um projeto no processo seletivo do PDP em
2009/10 e continua o desenvolvimento do trabalho por meio do GDP composto por 17
professores, incluindo o de Geografia, focalizando o Desenvolvimento do Ensino12.
A formação disponibilizada pelos órgãos do estado, assim como os encontros por eles
oferecidos, indicam que os discursos e os projetos não nascem propriamente da participação
direta do docente e parecem não ter origem primeira nas necessidades que os professores
acreditam ser relevantes, mas tratam de temas cujos objetivos são o de adequar a condução da
educação aos novos tempos, preparar o professor para implementar a reforma educativa,
disseminar em rede as políticas que já foram definidas pelas instâncias superiores. Entretanto,
cabe a esse o papel pró-ativo nesse tipo de projeto, participando da formulação de questões,
discutindo com os colegas em rede ou na própria escola, com ou sem apoio de consultoria
acadêmica, oportunizando o desenvolvimento dessas atividades junto com seus apoiadores.
Os professores participam pouco dos programas de capacitação da SEE-MG, segundo
eles, porque consideram que não se valoriza o professor e a sua participação na decisão dos
temas, além do que suas condições de trabalho não favorecem a sua frequência. Não há
sintonia entre o período da sua realização e a carga horária semanal de trabalho docente; eles
não dispõem de tempo necessário para o envolvimento. É difícil conciliar o trabalho e a vida
12 Foram feitas buscas por sites das E-R, entretanto apenas encontramos o site dessa escola que divulga seus projetos e a participação com projeto aprovado no GDP.
90
particular com projetos, que requerem viagens longas para participar das reuniões do grupo de
Uberlândia com outros grupos da região metropolitana de Belo Horizonte.
O sentido das queixas em relação aos programas de capacitação em serviço, tanto
aqueles oferecidos por instituições de ensino superior, quanto pelas escolas ou pela
Superintendência Regional de Ensino, por intermédio da Secretaria de Educação do Estado de
Minas Gerais, é o mesmo daqueles encontrados em outros estudos que focalizam formação
pois,
Em geral, os professores valorizam o potencial presente nas oportunidades de formação continuada, não apenas na perspectiva de desenvolvimento profissional, mas também com objetivos mais imediatos de melhoria de desempenho em sala de aula. Entretanto, com frequência o entusiasmo convive com sentimento de fastio, senão de rejeição, perante situações que são vivenciadas (...). [Eles] mantêm em relação à formação continuada uma expectativa ambígua: pedem respostas prontas e únicas ao mesmo tempo em que advogam valorização de sua experiência e criatividade e poder de decisão (GATTI, BARRETTO, 2009, p. 220 - 221).
4.1.3.3. Encontros oferecidos pelas escolas
Em se tratando de eventos oferecidos pelas escolas13 em que os professores
trabalham, houve nesse período 21 encontros relacionados à área de Geografia, quantidade
que supera aqueles oferecidos pela Superintendência Regional de Ensino –Uberlândia – MG
e pelas instituições particulares aos professores que se dispõem a participar deles por
iniciativa própria. No entanto, os temas que tratam da Geografia, quando incluídos entre os
momentos de formação na escola, não parecem ser bem acolhidos pelos professores, pois
apenas nove deles se dizem satisfeitos com o que se desenvolveu aí.
Também são essas mesmas escolas em que os professores trabalham as que mais
ofereceram (32) encontros na área de educação, superando a quantidade promovida pelas
instituições de ensino superior e pela Superintendência Regional de Ensino –Uberlândia –
MG. Mas nesse caso também nem sempre os professores se sentiram devidamente
contemplados, pois apenas 19 (59,3%) responderam afirmativamente.
Sem dúvida, com exceção aos encontros das instituições de ensino superior públicas, a
escola é onde os professores mais indicam sua participação em encontros, o que não significa
a correspondente satisfação.
13 Sabemos que alguns eventos oferecidos pela escola são programados pela Superintendência Regional de Ensino ou/e pela Secretaria Estadual de Educação. Os professores consideram que, independente desses órgãos e de outros, aqueles que acontecem na escola integram a política da direção e o projeto da escola.
91
Os encontros que acontecem na Escola geralmente ocorrem nos finais de semana e são
de presença obrigatória. Segundo os docentes, não se trata de atualização ou complementação
de conhecimentos, e nem sempre convergem para atender as expectativas da maioria. Alguns
reivindicam tratar das questões que vivenciam na escola. A escola se torna um lugar para
comunicar aos professores de diferentes disciplinas as novas concepções curriculares ou
interpretações de mudanças advindas de novas regulamentações institucionais, incluindo o
sistema de avaliação e o processo de ensino aprendizagem, com vistas a serem adotadas pelos
professores.
Alguns professores não desprezam sua relevância, pois precisam seguir a
regulamentação e estar preparados para as avaliações do sistema escolar, seja as avaliações
padronizadas do rendimento dos alunos pelo sistema nacional, seja as do SIMAVE, que,
embora nem sempre incluam a Geografia, envolvem o desempenho do professor da disciplina
juntamente com o de todos os outros docentes da escola no resultado da instituição.
Os estudos de Imbernón (2006a), Nóvoa (2009) e Ortega (2011) sobre formação
continuada de professores convergem para a ideia de que ela se desloque do atendimento
genérico aos professores das diferentes escolas da rede para centrar-se no atendimento às
necessidades específicas dos docentes de cada escola. O atendimento centrado na escola
envolve, pois, um trabalho conjunto dos professores de uma determinada escola com foco nas
demandas aí originadas, e com apoio dos formadores, o que implica um envolvimento mais
ativo dos docentes em busca de encaminhamentos e soluções para os problemas que
enfrentam.
Para Ávalos (2007), o estado da arte sobre a formação docente coincide quanto
reconhece a escola como um campo de ação para o desenvolvimento profissional, quando são
a favor de programas de formação de longo prazo e centrados nas práticas, situados nas
comunidades escolares, baseados em aprendizagem colaborativa e vinculados ao
“fortalecimento do conhecimento curricular”, considerado como a maior necessidade da
formação docente na América Latina e no Caribe (ÁVALOS, 2007, p. 28).
Entretanto, o que as respostas ao questionário constatam é que, no caso em apreço, a
escola deixa de representar um espaço privilegiado de formação e discussão sobre as
demandas dos novos tempos e as especificidades que caracterizam cada uma delas e se
restringe a veicular questões gerais da reforma educacional e do sistema de avaliação,
apresentando projetos amplos, nos quais os professores são chamados a se engajar sem criar
uma efetiva aderência às demandas e às necessidades próprias de cada escola. Na verdade
92
continuam a prevalecer as estratégias de ‘cima para baixo’, ainda que se haja discussões nas
escolas.
Do que foi apreciado até aqui, percebe-se que os encontros promovidos pelas
instituições do ensino superior contemplam melhor as expectativas docentes, uma vez que
tratam do conhecimento e de questões sobre o contexto social, educacional e político situando
melhor o professor.
Se a Superintendência Regional ligada à Secretaria do Estado define tarefas para os
professores do sistema da rede estadual de ensino de Minas Gerais e o espaço da escola tem
relação com a limitação da autonomia docente, o espaço acadêmico é aberto à autonomia do
fazer e do pensar, ampliando as concepções sobre as tarefas docentes. Mas ambos recebem
elogios e críticas dos professores e, como alguns estudos indicam,
há evidências de que as práticas pedagógicas do professor apresentam algumas das transformações pretendidas durante o processo de formação. Entretanto, findo este, a tendência é a de uma permanência reduzida das novas práticas ou mesmo de uma apropriação de tal ordem que elas não são mais reconhecidas (GATTI, BARRETTO, 2009, p. 209).
O corpo docente das Escolas-Referência aponta, em meio às várias respostas do
questionário, para alguns fatores que são entendidos como obstáculos para a formação
continuada ou capacitação profissional: ausência dos problemas concretos das escolas
trazendo propostas formativas, trabalho desvalorizado, profissionais desconsiderados em
decisões sobre a educação, tempo e condições de trabalho inadequadas para estudos. O que se
nota também na oferta desses encontros, que nem sempre podem ser considerados como
formação continuada ou em serviço, são a fragmentação e a descontinuidade. Os encontros
que ocorrem na realidade local não diferem do que foi verificado pelos estudos em termos
mais amplos em outras regiões e localidades do país. Por exemplo, encontros esparsos e não
sistemáticos promovidos pelos órgãos das secretarias e superintendências de educação e
reuniões nas escolas, bem como a falta de tradição no acompanhamento e apoio às atividades
docentes após os encontros de formação.
Esses obstáculos à efetividade da formação docente para mudança das práticas
correspondem a fatores que podem ser superados se considerados os ingredientes
fundamentais para o desenvolvimento profissional do professor apresentados por Vaillant
(2007): atenção ao contexto social e cultural do professor, condições de trabalho, valorização
profissional e gestão com acento na participação democrática e nas responsabilidades das
93
equipes dirigentes da administração central e intermediária, aos quais se poderia acrescentar
políticas integradas e sustentáveis.
4.1.3.4. Encontros recomendados pelos professores aos colegas
Ao solicitar aos professores que indicassem, entre os eventos de que haviam
participado, aqueles que recomendariam para os colegas do ensino médio, dez deles nada
indicaram, mas quatro, embora não respondessem à pergunta sobre a recomendação,
comentam que tais encontros são importantes para o professor (P11); que não há incentivos da
SEE-MG para participar de eventos (P18); que são poucos cursos na área de Geografia
oferecidos pela escola e pela SEE-MG e não tiveram oportunidade de participar (P19); e,
ainda, que “os eventos que acontecem no Centro de Referência do Professor, são bons”, mas
que não sabem onde estão acontecendo (P10).
Entre os 15 demais professores, a maioria (7) indica encontros voltados para o campo
da Geografia, tais como: Congresso Brasileiro de Geografia e Encontro Nacional de
Geografia (Goiás, 2004), Simpósio Nacional de Degradação de Terras (2005), Semana da
Geografia e Remanejamento do Meio Ambiente, Oficina de Desenho Urbano SBPC,
Geografia Médica e Ambiental, Cartografia e palestras e encontros culturais de extensão
oferecidos pela UFU. A maioria desses encontros é oferecida pelas instituições de ensino
superior, e, no caso, reforça a participação no campo específico da Geografia.
As outras indicações se dividem entre qualidade de vida, livro didático e a formação
docente. Três professores recomendaram as palestras relacionadas à qualidade de vida e
saúde, que integram o projeto “Viver Bem” (rede Globo de televisão), as quais trataram
especificamente sobre violência nas escolas, disciplina (comportamento) e relações inter-
familiares, auto-estima. As palestras com autores de livros didáticos oferecidas pelas editoras
que divulgam o trabalho de seus livros e autores foram recomendadas por três professores. A
formação continuada oferecida pela UFU e a participação de encontros na UFMG – Belo
Horizonte relacionados a Escolas-Referência foram recomendações de dois professores.
Os dados do questionário sobre a formação inicial, a pós-graduação e a participação
em ações formativas, em encontros oferecidos pelas escolas, pela Superintendência Regional
de Ensino, por instituições de ensino superior e aqueles eventos recomendados pelos
professores do ensino médio das Escolas-Referência evidenciam uma profusão de
oportunidades. No entanto, esse quadro de referências também nos leva a ponderar que essas
oportunidades da formação continuada ou em serviço não são sistemáticas. Em vários casos
94
são propostas com as quais o professor não está satisfeito, e o formato tradicional da maioria
delas faz supor que os efeitos sobre as práticas escolares com os alunos podem ser
superficiais, como apontam inúmeros estudos a respeito.
A propósito, temos a indicação de que “Una revisión de la literatura especializada
muestra que las iniciativas dirigidas a la actualización y la capacitación tuvieron, em general,
um impacto limitado en el logro educativo y tampoco dieron satisfacción a las expectativas de
los docentes” (ORTEGA, 2011, p, 3).
Por outro lado, ponderando sobre os avanços nas políticas e práticas de formação do
professor, diante de tantas ofertas para a capacitação para a profissão docente, Imbérnon
(2006, p. 41) ressalta que é necessária uma pausa reflexiva para
enfocar las nuevas capacitaciones docentes y destacar entre ellas las habilidades interpersonales, relacionales y comunicativas. (...), flexibilizar y adaptar la formación al profesorado (y no unicamente a las necessidades del sistema como se acostumbra a hacer sin tener en cuenta las necessidades prácticas y contextuales de los docentes) que hace años se reivindica y que há generado experiências y modalidades interesantes (formación en los centros, asesoramiento a centros, descentralización, proyectos de centro etc.) y las temáticas necessárias (nuevas tecnologias, resolución de conflictos, multiculturalidad, necesidades educativas, etc.) (IMBERNÓN, 2006, p. 46)
4.1.4. As condições de trabalho do professor
Os professores de Geografia do ensino médio das Escolas-Referência se diferenciam
por suas condições de trabalho e pelo tempo de carreira no magistério.
A carga horária semanal de aulas para 76% do corpo docente fica entre 18 a 39 horas.
Metade dos professores de Geografia leciona em uma só Escola-Referência, seja no ensino
médio, seja também nas últimas séries do ensino fundamental; a outra metade leciona em duas
escolas, sendo que um professor leciona também no ensino superior; apenas uma docente
ministra aula em três escolas, lecionando Geografia no ensino médio no turno da manhã, no
EJA, fundamental e médio, à noite, e ainda atua com pedagoga das séries iniciais do ensino
fundamental. Enfim, 48% lecionam exclusivamente no ensino médio. No magistério, 64%
deles são professores efetivos.
95
4.1.4.1. A organização da escola e a carga horária semanal de trabalho dos professores
A maioria das Escolas-Referência oferece a Geografia em dois dos três anos do ensino
médio. Em cada ano são ministradas em média duas aulas por semana14, por turma. Essa
grade curricular define o tempo de trabalho semanal do professor na escola.
Isso significa que um professor de Geografia não ultrapassa 25 horas semanais em
turno, o que equivale a 12 turmas de alunos, pois a grade curricular comporta 25 aulas (de 50
minutos cada) por semana e, num modelo de fluxo ideal, se a Geografia é oferecida duas
vezes por semana, o professor não encaixa no seu horário de trabalho mais do que 24 aulas
desse componente curricular ou 12 salas de aula. O modelo real da grade horária é mais
complexo, pois há necessidade de nela articular as várias turmas e os vários turnos de alunos,
a distribuição da carga horária de outros componentes curriculares e de outros professores,
assim como a carga horária dos componentes específicos do ensino fundamental na mesma
escola.
Isso implica, por um lado, que a rede de ensino tenha de contratar mais de um
professor de Geografia para atender a um turno, da mesma forma que os das outras
disciplinas, como a História, a Sociologia, a Filosofia, por exemplo, para complementar o
quadro docente do ensino médio em cada turno e de acordo com a organização curricular da
escola.
Por outro lado, o professor, para ter o salário referente ao que é denominado cargo na
rede estadual, precisa completar 24 horas semanais, sendo 18 horas de trabalho semanal em
sala de aula e 6 módulos, cada um de 50 minutos, distribuídos entre duas horas de reunião
semanal e quatro de planejamento de atividades de ensino (Lei Federal 7.109/13/10/1977)15.
14 A Superintendência Regional de Ensino de Uberlândia não nos forneceu essa informação. Ela foi obtida em visita às onze Escolas-Referência. Verificamos que a oferta do ensino de Geografia em cada um dos três anos do ensino médio não é regra.
No 1º ano as 11 escolas oferecem duas aulas semanais de Geografia por turma. No 2º ano seis oferecem duas aulas por semana, três oferecem três aulas por semana e duas, quatro aulas por semana. No 3º ano a Geografia é oferecida em sete escolas, sendo que em quatro há duas aulas por semana e em três delas há três aulas por semana. 15 Lei Federal mais recente, chamada Lei do Piso Salarial, de nº11.738/2008, contempla a reivindicação dos professores pelo horário remunerado fora da sala de aula e instituiu a dedicação de um terço da jornada de trabalho de 40 horas por semana para atividades extraclasse (para 24 horas semanais, 8 deverão ser reservadas às atividades extra-classe). Entretanto, o percentual referente ao tempo remunerado fora de sala de aula foi posto subjudice e, em 2011, foi aprovado pelo Superior Tribunal Federal. Resta agora que cada estado altere a
96
Isso significa assumir nove turmas de alunos. Caso a grade curricular não cubra essas
horas, o professor busca assumir outras turmas, em outro turno, em outro nível ou modalidade
da educação básica, ou em outras escolas da rede estadual. Alguns, por exemplo, com 6
turmas e duas aulas semanais, perfazem o total de 12 horas e, sem o número de aulas
requerido de 18 horas semanais para terem o direito aos módulos, seguem complementando a
sua grade de horário em outras escolas e/ou turnos. Com isso visam a completar o salário de
um cargo ou, muitas vezes, dobrar o cargo docente. Entre os sujeitos da pesquisa há
professores que lecionam em escolas municipais, particulares e uma leciona também no
ensino superior. A maioria dos sujeitos entrevistados leciona não só no turno da manhã, mas
também no turno da tarde, seja no ensino médio, nos anos finais do ensino fundamental ou,
ainda, nas séries iniciais ou no ensino noturno, na mesma escola ou em outra.
A organização da escola, da grade curricular, do quadro docente e do currículo escolar
exige, portanto, um corpo docente que se movimente. Cada professor procura encaixar-se no
fluxo do horário escolar e, de acordo com o arranjo da grade curricular da escola e do corpo
docente, da disponibilidade nos níveis de ensino, etapas ou turnos da educação básica, ele é
levado a fazer “complementações” da carga horária para integralizar o seu cargo docente.
Nem todos os sujeitos desta pesquisa têm cargo efetivo nas Escolas-Referência, mas a maioria
(16) efetivada por concurso.
O horário de módulo, isto é, de permanência extra-classe na escola, para 14
professores das Escolas-Referência é de 2 horas semanais; para nove deles são 4 horas
semanais e dois não participam dele por incompatibilidade de horário. A realização de
horários de módulo com a supervisora é feita apenas por quatro professores, uma vez por mês;
os demais realizam as reuniões com os colegas ou utilizam esse horário para atendimento aos
alunos.
Além do horário de módulo destinado a reuniões com colegas e supervisores, há outras
demandas para o trabalho docente que requerem disponibilidade de tempo. Em relação ao
tempo semanal empregado para planejamento, correção de trabalhos e avaliações, 16
professores indicam que utilizam entre 2 e 10 horas semanais.
Raramente os professores informam sua participação em reuniões e no
desenvolvimento de atividades propostas pela escola ou trabalho pedagógico que a sua ou
proporção de horas extra-classe na jornada escolar. Essa questão foi uma das reivindicações dos professores mineiros na greve e resultou na paralisação de escolas ou dias de trabalho durante o período de 8 de junho e 28 setembro de 2011.
97
outras disciplinas demandam, ou ainda em projetos escolares oficiais. Nove deles declaram
não participar dessas atividades por falta de tempo. Um deles justifica: “Os projetos oficiais
são os Grupos de Desenvolvimento Profissional - GDPs, que fazem parte do Programa de
Desenvolvimento Profissional dos Professores - PDP16. Só os coordenadores são remunerados
por esse trabalho, com 5 horas-aulas mensais; os demais participantes não têm remuneração e
a dedicação é de aproximadamente 20 horas” (P19). Entre os professores que afirmam
participar de outros trabalhos, além do horário de módulo e do planejamento das aulas, é
comum ressaltarem a dificuldade de tempo. Um deles “disponibiliza tempo para trabalho de
campo” (P5), outro participa, bimestralmente, de “projeto interdisciplinar da escola, que trata
da cidadania, meio ambiente e cultura” (P20).
Do que foi exposto pelos professores, a utilização do horário de módulo é feita pela
maioria dos professores, mas não é vista como suficiente e adequada às demandas do
trabalho.
O tempo de trabalho semanal em sala de aula dos professores de Geografia,
computando-se todas as aulas dadas, independente do nível, turma, turno ou tipo de
instituição, varia entre 12 e 54 horas aulas semanais. Há nesse intervalo três grupos: um
majoritário, de 19 professores, com uma carga horária semanal de trabalho entre 18 a 39
horas. Os demais se dividem entre o máximo e o mínimo de horas: três entre 12 e 17 horas
aulas e outros três, entre 45 a 54 horas. São poucos, três professores, os que têm apenas um
cargo, assim como os que têm três. Ainda que, quando a carga horária dos professores possa
não ser excessiva, a movimentação entre escolas, várias turmas e turnos não deixa de ser um
fator de desestímulo para eles quanto ao envolvimento em outras tarefas ou projetos que
exijam atividades além das da sala de aula e presume-se que se torne um elemento crucial nas
escolhas que fazem para trabalhar o currículo nas suas diferentes turmas.
A Geografia e a História tradicionalmente fazem parte do currículo da educação
básica. A inclusão da Sociologia e da Filosofia no ensino médio, em que pese a contribuição
desses campos de conhecimento para a formação do aluno, engessou o currículo para que a
grade curricular possibilitasse oferecer todos esses componentes da área de humanas. Embora
16 O Projeto de Desenvolvimento Profissional de Educadores – PDP se constitui de grupos organizados na perspectiva do “grupo Operativo” apontado por Pichon Rivière (1991) como uma técnica cujo objetivo é abordar problemas pessoais relacionados com a realização de uma tarefa proposta, levando o individuo a pensar. Para Rivière, esse é um exercício formador, pois lida com resistências e com a relação grupal para a realização de tarefas ou objetivos comuns, uma vez que o individuo aprende a pensar, passando de um pensar de senso comum para um pensar cientifico (BUENO, CASTRO, SILVA, 2005, p. 2479).
98
os PCNs de 1998 assegurassem o oferecimento dessas disciplinas de maneira interdisciplinar,
evitando fragmentar excessivamente o currículo ao permitir que elas fossem agrupadas a
critério das escolas em projetos e programas, com a Lei 11.684/08 elas passaram a ser
obrigatórias em todos os anos do ensino médio.
Lopes observa que
Na reforma da educação básica no Brasil, é possível identificar a prevalência de tradições acadêmicas na abordagem das disciplinas escolares. Ainda que tenham sido propostos temas transversais para o ensino fundamental, justificados pela relevância que seus conteúdos têm para a vida cotidiana dos alunos, sua inclusão no currículo é subordinada à lógica das disciplinas escolares, referenciadas nos saberes entendidos como legítimos, em virtude de sua articulação com tradições acadêmicas (Macedo, 1999). No ensino médio, tais tradições também são evidentes, na medida em que a proposta de uma organização curricular por áreas, estruturada com base nos princípios de interdisciplinaridade, contextualização e competências, não diminui a força do currículo disciplinar e mantém a definição dos conteúdos a partir das disciplinas tradicionalmente presentes no currículo (LOPES, 2006, p. 43 - 44).
O aumento do número de disciplinas no currículo na área de humanas, como a
Sociologia e a Filosofia, e também a inclusão da obrigatoriedade da Língua Espanhola como
uma das Línguas Estrangeiras e da Música no ensino de Arte, na área de Linguagens e
Códigos, ‘inchou’ o currículo do ensino médio induzindo a uma diminuição da carga horária
do conjunto das disciplinas específicas. Com isso se verifica a diminuição de aulas tanto da
História como da Geografia e, também, o oferecimento das disciplinas da área de humanas
diluído entre as várias séries e assumido em cada escola de uma maneira.
Essa configuração do currículo reforça a sua feição enciclopédica, servindo menos à
formação dos estudantes e mais ao aumento de postos de trabalho para os docentes, uma vez
que a oferta de cursos de licenciatura e a procura pela diplomação em nível superior
dependem basicamente da criação da disciplina correspondente na educação básica17.
Se em muitas ocasiões a participação dos docentes e suas associações nas decisões da
política educacional têm sido fundamentais para a ampliação das oportunidades de educação
para o conjunto da população como no caso da discussão da constituinte e do currículo para as
escolas de ensino fundamental na segunda metade dos anos de 1980 (BARRETTO, 1998, p.
36), no caso do aumento das disciplinas no currículo do ensino médio sua contribuição teve 17 Os cursos de licenciatura em Psicologia praticamente desapareceram em 2006 quando, por determinação do CNE, a disciplina não foi proposta para integrar o currículo do ensino médio (MEC/Inep, Sinopse Estatística da Educação Superior, 2006).
99
implicações contraditórias. De um lado foi incisiva para destacar a importância das ciências
humanas na formação geral do adolescente. Porém, de outro, contribuiu para a excessiva
fragmentação do currículo, o que pode ser um fator de desestímulo aos estudos e evasão dos
jovens.
O estabelecimento das disciplinas no currículo escolar é uma “contingência social e
histórica que faz com que o currículo seja dividido em matérias ou disciplinas, que o currículo
se distribua sequencialmente em intervalos de tempo determinados, que o currículo esteja
organizado hierarquicamente” (SILVA, 1999, p. 148).
Os conhecimentos considerados válidos e incluídos no currículo revelam a sua
construção social e política, as decisões e disputas que marcam as relações de poder entre
diferentes atores sociais. Nesse caso a tensão parece ter se estabelecido entre as entidades
científicas e profissionais que reivindicam sua representação nele, os vários segmentos que
representam e os órgãos executivos e legislativos, buscando, nessa relação de poder, tornar o
desenho curricular do ensino médio mais tolerável ou aceitável aos diferentes interesses dos
grupos da população que, por força de lei, agora devem obrigatoriamente passar por ela. Daí a
insistência dos documentos normativos em juntar os componentes curriculares em áreas do
conhecimento, e os esforços do MEC ao propor o Ensino Médio Inovador e o Ensino Médio
Integrado.
4.1.4.2. Os locais e as etapas de ensino em que trabalham os docentes
Em virtude da quantidade de aulas por semana disponíveis na grade curricular para a
Geografia, os professores se movimentam por diversas salas de aula, por turnos diferentes e,
frequentemente, por diversas escolas. Entre os professores de Geografia que trabalham nas
Escolas-Referência, 13 lecionam apenas na unidade, onze deles na Escola-Referência e em
outra instituição e apenas uma professora leciona em três instituições.
Entre os 13 que só trabalham na Escola-Referência, dez se concentram no ensino
médio, trabalhando nos turnos matutino e noturno, e outros três assumem o ensino médio e as
séries finais do ensino fundamental oferecidas no turno vespertino.
Além da Escola-Referência, onze professores lecionam Geografia em outra instituição.
Em outra escola pública, dois atendem o ensino médio; seis professores também atendem o
ensino fundamental e um acresce às suas tarefas as aulas de Sociologia. Há também dois
professores que ministram aulas não só de Geografia em instituição particular, seja no ensino
médio ou no ensino superior. Uma das professoras, além do ensino médio no turno da manhã
100
na Escola-Referência, atende uma turma da série inicial do ensino fundamental no período
vespertino em escola pública e, em outra escola pública, no turno da noite, dedica-se à
Educação de Jovens e Adultos – EJA.
4.1.4.3. As condições institucionais de trabalho
Além dos dez professores de Geografia do turno da manhã que somente lecionam no
ensino médio nas Escolas-Referência, outros dois professores também lecionam no ensino
médio, mas em outra escola pública. São, portanto, 12 professores que se dedicam
exclusivamente a esse nível de ensino.
Ao responder o questionário, os professores comentaram que esse fato se deve à sua
condição de efetivos, o que favoreceu sua escolha, podendo eles concentrar-se no ensino de
Geografia. Além disso, escolheram a escola por lhes convir pessoalmente, pelas condições de
trabalho serem melhores do que em outras e porque nelas estão construindo sua história
profissional que, para alguns, ali se iniciou e, para outros, significa a continuidade de uma
trajetória e de relações gratificantes com os colegas. Supervisores, vice-diretores e alguns
diretores com quem conversamos ao fazer contato com a escola afirmaram que, além de a
maioria ser efetiva e lotada na escola, ao longo do tempo de trabalho, muitos se identificaram
com ela e têm sua carreira aí construída, o que facilita as interações escolares. Salientaram
também o aspecto da qualificação dos professores, pois eles respondem às demandas do
sistema escolar e dos alunos, não só pela formação, mas também pela experiência docente.
No local em que trabalham os professores há também que se considerar as influências
institucionais, que, no caso dessas escolas, são atrativas não só para os alunos como para o
corpo docente do ensino médio. São escolas públicas que tradicionalmente contam com certo
reconhecimento pela qualidade de ensino, pelo programa Escolas Referência, em principio,
disponibilizar maiores subsídios ao trabalho pedagógico e, principalmente, para algumas, pelo
longo tempo de história, já dispõem de uma infra-estrutura e contam com condições
diferenciadas de funcionamento em relação às demais escolas da rede; além de que são
escolas, sobretudo, com número maior de professores efetivos em cada unidade escolar e
contam com um corpo docente qualificado do ponto de vista da formação que receberam. Os
professores consideram também que essas escolas têm a seu favor um clima institucional que
além de atrair os melhores alunos, produz interações de trabalho que parecem favorecer um
ambiente mais propício à aprendizagem, ainda que estas interações estejam longe de ser
aquelas dos ambientes de trabalho colaborativo tão defendidas na literatura atual
(HARGREVES, 1995; IMBERNÓN 2009; MARCELO, 2011).
101
Entretanto, a forma de organização da escola e da jornada escolar dos professores
especialistas das disciplinas escolares, à exceção provavelmente dos de Língua Portuguesa e
Matemática, os leva a um trabalho extremamente fragmentado em vista da diversidade de
turmas e turnos que têm de atender, ainda que isso se atenue um pouco, na melhor das
suposições, quando eles se atêm ao ensino da sua disciplina apenas no ensino médio.
Em meio as informações obtidas pelo questionário, foram frequentes as queixas sobre
a falta de tempo para se envolver em atividades outras que não estritamente as aulas, o seu
preparo e as correções e avaliações rotineiras dos alunos, ainda que o número de participações
em atividades de formação em serviço seja elevada, o que permite sugerir que em termos da
sua inserção no campo de conhecimento próprio da Geografia eles se mostrem conectados e
relativamente ao corrente com o que acontece.
4.2. O currículo e os materiais de referência utilizados pelo corpo docente
O sistema educativo e, por conseguinte, o ensino médio das Escolas-Referência está
submetido a um currículo prescrito para a escolaridade obrigatória, o qual atua como
referência para a ordenação dos currículos das escolas.
Por ser um país de organização federativa, os estados, seguindo as amplas orientações
nacionais, reelaboram as prescrições de currículo para as suas redes de ensino atendendo as
especificidades regionais, a própria história de seu sistema de ensino e as diferentes
características e demandas da sua população escolar.
A elaboração do Currículo Básico Comum – CBC das escolas de Minas Gerais se deu
concomitantemente ao processo de elaboração do Projeto e definição das Escolas-Referência
(março de 2004 a fevereiro de 2005) e, em seguida, consultores coordenados pela SEE-MG
elaboraram uma proposta curricular para cada disciplina escolar. A Secretaria criou o fórum
de disciplinas, pelo site de Suporte Pedagógico do Projeto Escolas-Referência, onde os
professores trocaram experiências, tiraram dúvidas e receberam monitoramento e a avaliação
do processo. Em Geografia a SEE-MG e os consultores se organizaram em duas equipes na
ordenação das diretrizes curriculares que referenciam o debate com os educadores dessas
escolas, sendo a leitura orientada da versão preliminar dessas diretrizes uma das primeiras
tarefas e a referência essencial para os GDPs iniciados em 2004. A interação entre
consultores, orientadores e coordenadores do GDP das E-R é prioritariamente virtual e
102
Os participantes dispõem de um Guia de Estudos onde todas as tarefas estão roteirizadas. Ao receberem as respostas, os orientadores consolidam dados e dão retorno aos coordenadores sobre os resultados alcançados, com sugestões de leitura, orientações gerais relacionadas às tarefas cumpridas e, se for o caso, com sugestões mais específicas ou aprofundadas. Esses resultados são divulgados no site, ressaltando a relação entre teoria e prática do ensino das diversas disciplinas do currículo escolar (BUENO, CASTRO, SILVA, 2005, p. 2481).
Ampliando o nível de detalhamento e atribuindo ênfases diferenciadas ao
desenvolvimento do currículo, foram produzidas outras orientações, desde então, tanto pela
SEE-MG como pela SRE-UDI para o currículo do ensino médio. As prescrições oficiais sobre
o currículo e as orientações específicas possuem propósitos diversos e não são indicações
meramente formais. Por meio de sugestões, atividades, palestras, textos, essas orientações são
colocadas à disposição dos coordenadores ou supervisores de ensino e professores, com o
objetivo de se obter melhor desempenho no processo de ensino e aprendizagem dos alunos e
de promover melhores resultados nas avaliações externas. Elas traduzem anseios das políticas
educacionais abraçadas pelos órgãos dirigentes e das instituições superiores a respeito do tipo
de formação que deve prevalecer nas escolas e, ainda que os professores não as conheçam em
detalhes, contribuem para criar uma cultura nas redes escolares que tende a pressionar o
trabalho docente em relação ao que se espera que os professores ensinem e que os alunos
aprendam.
Como o currículo prescrito no âmbito nacional e o CBC no âmbito estadual
constituem referências ainda bastante genéricas, considerando as necessidades das escolas e
as exigências do cotidiano das salas de aula, os professores não têm condições de planejar a
sua própria prática curricular apenas com base nessas orientações. Além do detalhamento
feito pelos órgãos intermediários do sistema de ensino ou pelas instituições de ensino
superior, existem subsídios formulados por outros agentes tais como os guias e livros
didáticos, que, segundo Sacristán, são responsáveis pela aproximação das prescrições
curriculares aos professores, trazendo elaborações mais concretas e precisas dos currículos
prescritos e que terminam sendo dispositivos intermediários, essenciais e indispensáveis no
atual sistema escolar (SACRISTÁN, 1998, p. 147 - 149).
Diante das demandas do currículo escolar do ensino médio, dos alunos e seus pais e
das pressões institucionais para a melhoria da qualidade do ensino e para o ingresso no ensino
superior, e em face da diversidade de referências que servem como fontes de conhecimento ou
de repertório bibliográfico para as opções sobre o trabalho escolar, duas perguntas se impõem:
quais são as referências que os professores utilizam para a sua ação em sala de aula? Por que
103
optam por elas? As respostas que os professores deram a elas são analisadas nesta segunda
parte do capítulo18.
Das alternativas que oferecemos aos professores não nos limitamos, contudo, ao
currículo prescrito, como é o caso dos PCN e dos CBC, aos guias de atividades oferecidos
pelas SEE-MG ou pela SRE-UDI.
Acrescentamos os diferentes subsídios para a implementação do currículo prescrito,
chamado “currículo apresentado aos professores” por Sacristán (1998), ou materiais
elaborados exclusivamente com o propósito explícito de subsidiá-los na prática, como é o
caso do livro didático. E, tentando cobrir materiais de outras fontes aos quais os professores
podem recorrer para dar aulas, incluímos a rede Internet e materiais apostilados19 (que
apresentam conteúdos, atividades e testes direcionados exclusivamente para diversos
processos seletivos de ingresso ao ensino superior) e os materiais que circulam na rede escolar
e são socializados entre os docentes.
Ainda entre as opções, consideramos os materiais organizados/elaborados por eles e os
conteúdos da própria formação que recebem os docentes. Isso porque, sendo o professor um
mediador do processo de desenvolvimento do currículo, com autonomia relativa, pois
depende das condições nas quais realiza o seu trabalho (as quais não seleciona), ele interpreta
as regulamentações, os guias, os livros e os materiais diversos etc. atribuindo-lhes
significados adquiridos da formação ou da experiência, organizando sua prática e, assim,
modela o seu plano de ensino, estabelecendo, nesse processo de planejar a prática, o que seria,
segundo Sacristán (1998), o “currículo modelado pelo professor”.
Considerando todos esses materiais como opções para o trabalho docente, de acordo
com as respostas e a importância que os professores lhes atribuem, seguem enumerados os
materiais de referência que fazem parte do currículo do ensino médio:
18 No questionário a pergunta nº 17 apresenta quinze opções de materiais de diversas fontes para o trabalho escolar e solicita que o professor as numere em ordem hierárquica decrescente, seguindo da mais importante para a menos importante. A pergunta seguinte, 18, pede ao professor que justifique as razões da escolha dos primeiros cinco materiais assinalados na pergunta anterior. 19 Em Uberlândia e cidades da região o termo apostilas se refere aos materiais produzidos pelas escolas particulares que abarcam conteúdos, atividades e questões voltadas quase que exclusivamente aos processos seletivos de ingresso ao ensino superior. Esse termo em muitos estados da federação é similar ao denominado “sistemas apostilados de ensino”, que se refere aos materiais didáticos que, criados por órgãos de secretaria de estado e utilizados pelas escolas públicas ao mesmo tempo produzem maior autonomia e servem de controle das práticas escolares.
104
QUADRO 6 Material de referência para uso em sala de aula
Ordem decrescente de escolhas
Frequência do item
Material de referência utilizado
1º 24 Livro didático adotado pelo Estado ou escolhido pelos professores 2º 18 Materiais diversos disponíveis na Rede Internet
18 Material elaborado/organizado pelo professor 3º 12 Materiais apostilados de outros sistemas de ensino que atendem
processos seletivos/vestibular 4º 11 Materiais que circulam e são socializados entre os colegas 5º 10 Os PCNs ensino médio e PCN+ 7º 8 Orientações curriculares ensino médio SEE/MG ou CBC
Superintendência Regional de Ensino Uberlândia 8 Material derivado de participação em formação continuada e
referências derivadas da formação inicial 8º 2 Material fornecido pela Supervisão/Coordenação da Escola-
Referência Fonte: Questionário dos professores, 2010
4.2.1. Livros didáticos
A referência quase unânime entre esses 24 professores é a do livro didático. Ele é o
material que se torna de certo modo uma das principais fontes de referência para o aluno e o
professor no que se refere à exposição e sistematização do conteúdo, aos exercícios e
atividades. Serve nas tarefas individuais dos alunos e no trabalho coletivo em sala de aula. Ele
orienta e desenha o que será ensinado e, em grande parte, como será ensinado: sua dosagem e
os exercícios de fixação e aplicação.
A importância desse material que circula entre professores e alunos de Geografia nos
levou a detalhar melhor a maneira como ele é escolhido e/ou adotado. A SEE-MG adota um
determinado livro didático para cada componente curricular, o qual é distribuído
gratuitamente (devolvido no final do ano) para todos os alunos da rede de ensino estadual. Os
professores recebem esses livros assim como têm acesso a outros livros didáticos fornecidos
por diversos editoras. A análise, avaliação, seleção e a adoção desses livros é um processo em
que as escolas, os professores e supervisores participam de forma diferenciada e,
naturalmente, nem sempre o livro didático adotado pelo Estado é aquele de preferência do
professor.
Entre os 24 professores, onze utilizam dois livros didáticos: um deles, o adotado pelo
estado e o outro, o escolhido pelo professor e o(s) colega(s). Outros onze professores utilizam
apenas um livro didático, que tanto pode ser o livro adotado pelo estado quanto o escolhido
pelo professor e o(s) colega(s) e, também, pode ser que o livro adotado pelo estado seja o
105
mesmo livro que foi escolhido pelo professor e o(s) colega(s). Dois professores não
especificaram como se deu a opção do livro, mas afirmaram que o utilizam.
Essa importância do livro didático parece indicar que, apesar de alguns estudos, como
o de Choppin (2000), apontarem a tendência à substituição do livro didático pelos modernos
meios tecnológicos, sua presença em diferentes níveis de ensino é uma constante, mas, ao
mesmo tempo, o mercado editorial se incrementa com materiais que esse autor denomina
“multimídia”, incorporando nas novas edições os recursos visuais que acompanham o
contexto das recentes linguagens com as quais convivem as novas gerações.
Para os professores que se apoiam em dois livros didáticos, o livro adotado pelo
estado é uma “fonte mais próxima do manuseio do aluno” (P13) e, durante o ano, “é o
material mais acessível ao aluno, onde ele encontra a matéria”, uma vez que há dificuldade de
acesso a materiais específicos da área de Geografia, como os de cartografia, que não estão
sempre disponíveis (P23). Torna-se, pois, mais fácil “utilizar um material que, teoricamente,
todos os alunos têm em sala” (P1); “todo aluno tem à sua disposição” (P18).
Um segundo livro, escolhido pelo professor e seus colegas, oferece a “acessibilidade
de outra fonte” (P13), “por apresentar conteúdos complementares” (P3), ou “uma forma de
complementar o material disponível” (P22), “para enriquecimento do conteúdo” (P24).
Também ele pode ser outra “referência [para o aluno] sobre o tema a ser trabalhado” (P19).
Além de servir ao aluno, o livro didático serve ao professor. O docente é colocado
como uma figura importante nos livros didáticos e em todos eles são encontradas longas
apresentações dirigidas a ele, explicando a obra, o conteúdo. Enfim, os autores de livros
didáticos afirmam que sua obra é uma ferramenta de trabalho do professor e flexibilizam a
decisão de como utilizá-lo na aula com os alunos.
O livro didático adotado pelo estado atende os professores “por ser um material de
acesso dos alunos e apresentar o conteúdo proposto pelo CBC e PAAES” (P3), além do que
ele “norteia” o trabalho do professor (P21), ou “é a base para seguir o programa previsto para
o seguimento didático do ano” (P5). Os professores argumentam que ele é um “recurso de boa
qualidade e, além de possuir grande parte do conteúdo, traz vários exercícios importantes”
(P4) e representa “um amparo aos objetivos propostos” (P22). Isso pode ser interpretado
como um subsídio de fundamental importância oferecido pelo Estado porque seleciona,
ordena e troca em miúdos os propósitos do que deve ser ensinado, além de sugerir atividades
em que é possível ocupar ou envolver os alunos.
106
O uso de outro livro, escolhido pelo professor e seus colegas, contribui para o trabalho
do professor trazendo “orientação e visões diversas sobre um mesmo tema, pesquisa assistida
e análise crítica” (P19), permitindo “ter um consenso e apreciações do conteúdo e a
possibilidade de todos os conteúdos serem aproveitados em todas as séries” (P5).
Argumentam ainda os docentes que “se trabalha paralelamente, complementando ou
enriquecendo os conteúdos” (P23), o que proporciona “facilidade de acompanhamento e
debates de um material já conhecido” (P1). Enfim, contando com mais material, os
professores admitem que “eles complementam o trabalho” (P21) e abrem a possibilidade de
escolha de exercícios nos “vários livros didáticos, tanto dos próprios professores como nos da
biblioteca da escola” (P4).
O ensino da Geografia nas escolas requer uma série de recursos que muitas vezes o
professor encontra apenas no livro didático: o conteúdo integrado a imagens e fotos,
esquemas, gráficos, tabelas, croquis, cartas, mapas etc., além de atividades diversas, com
frequência sugerindo filmes, documentários, charges, obras de arte e literárias, músicas, textos
de jornais etc. A cartografia se faz presente em meio à linguagem textual, com símbolos e
pictogramas com funções específicas para leitura e cujas cores reforçam a leitura espacial.
O fato de vários professores lançarem mão de mais de um livro didático dá indícios de
uma certa autonomia profissional, uma vez que geralmente se trata dos livros pelos quais o
professor tem preferência. Além disso, essa prática sugere que eles não se atrelam
necessariamente à versão exclusiva de determinado autor e que o seu próprio domínio do
conteúdo lhes permite uma versatilidade de escolhas para trabalhar com os alunos, o que
certamente é facilitado pela oferta de diferentes livros didáticos na própria escola.
Entre os onze professores que optam por utilizar apenas um livro didático, quatro
justificam que utilizam o oficialmente adotado pelo estado por ser o “único material auxiliar
em sala” (P2) e porque, sendo “oferecido pelo estado, é o material mais prático e mais barato”
(P12). Além disso, ele é o “recurso mais acessível a todos os alunos” (P8) e, em casa, “é o
apoio didático que o aluno possui para consulta” (P14). Os três professores que utilizam
apenas o livro didático escolhido pelo professor e seus colegas justificam o seu uso porque o
livro disponibilizado pelo estado nem sempre é o ideal para determinadas escolas, assim como
“não aborda o conteúdo e questões para serem resolvidas, como o professor deseja” (P17).
Para outros quatro professores há coincidência entre o livro escolhido pelos professores e o
adotado oficialmente e suas justificativas para utilização são semelhantes às já apresentadas: é
107
acessível e pode-se “aproveitar textos, mapas, gráficos, gravuras que enriquecem a
aprendizagem e as oportunidades de interpretação” (P 7).
Independente da forma como foi escolhido o livro didático, ele é uma referência
importante, talvez a mais importante, no trabalho em sala de aula. Pelo que foi dito pela
maioria dos professores, os livros são imprescindíveis para acompanhar as inovações
curriculares, as avaliações dos alunos e preparar as aulas, tendo em vista as condições da
escola e as múltiplas tarefas que envolvem o cotidiano do professor. Ao mesmo tempo, não
podemos deixar de registrar que, para alguns poucos, o livro didático representa “um recurso
como o quadro, um complemento” (P6) e “um apoio para leitura e pesquisa em sala de aula”
(P11).
O predomínio do uso do livro didático, considerando a diversidade do corpo docente
das Escolas-Referência, por um lado, pode sugerir que a preferência independe do perfil
desses docentes e reflete antes uma condição de trabalho na rede de ensino que favorece o uso
desse material, viabilizando o seu trabalho com várias turmas de alunos. Por outro lado, o uso
do livro didático como suporte para as atividades com os alunos, segundo Munakata (2010a,
p. 224), não pode ser tomado como índice de despreparo do professor ou da falência da
escola, pois
“os materiais “alternativos”, preparados pelo professor ou pela escola, não deixavam de ser uma espécie de livro didático, contendo, muitas vezes, cópias (por sinal, não-autorizadas) desses livros de circulação comercial. A relação entre o livro didático e a escola é estrutural e, para compreendê-la, é fundamental elucidar o conceito de ‘forma escolar’.
Embora o livro didático seja o referencial que predomina entre os professores e as
justificativas para o seu uso no ensino da Geografia se aproximem, a forma como ele é
utilizado podem não ser as mesmas, pois, segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete, ele
às vezes permite que o alunos façam uma reflexão sobre o espaço; muitas vezes, trabalhando com a Geografia de modo tradicional e não reflexivo. A variação de usos em sala de aula depende da relação existente entre os vários fatores: a formação geográfica e pedagógica do professor, o tipo de escola, o público que a freqüenta e as classes sociais a que atende (PONTUSCHKA, PAGANELLI e CACETE, 2007, p. 339).
Os livros didáticos sempre foram objeto de estudo. Nos anos de 1970, segundo
Choppin (2004, p. 558), eram analisados sob a abordagem de cunho metodológico. Com a
renovação provocada pela Geografia crítica(s), eles não só trouxeram novos
108
conteúdos/métodos para o ensino da Geografia nos anos de 1980, como foram analisados no
seu aspecto ideológico, pelo discurso de seus conteúdos, ideias, imagens, metodologia da área
de conhecimento, concepção pedagógica e pela visão educacional de como ensinar. Foi nesse
período que, mesmo diante de muitas críticas que o enxergavam sobretudo como instrumento
que transmitia o que era de interesse de uma classe, reforçando o conhecimento da cultura
dominante, e limitador da autonomia docente, ele se tornou mais acessível aos professores,
pois o mercado editorial se expandiu, assim como a sua distribuição. Após os anos de 1990,
além da preocupação com o tipo de conhecimento veiculado pelos livros e a quem servem,
passaram a ser objeto de análise as categorias geográficas e, como os livros didáticos
começaram a ser avaliados pelo sistema educacional, maior atenção foi dada à sua aderência
às orientações curriculares oficiais. Esse material se tornou objeto de direito para todos os
alunos e professores.
Para Munakata (2010, p. 223), os estudos sobre o livro didático concentram-se
basicamente na análise dos conteúdos que veiculam, abstraindo o seu uso escolar, como se
ele, pelo simples fato de ser didático, dispensasse uma análise do ponto de vista do ensino.
Para Bittencourt (2004), o livro didático contém conhecimentos escolares propostos pelos
currículos educacionais, é importante na constituição da disciplina e do saber escolar e deve
ser entendido “como um veículo de um sistema de valores, de ideologias, de uma cultura de
determinada época e de determinada sociedade” (p. 301 – 302).
Entre os vários aparatos elaborados por diferentes instâncias que traduzem o currículo
prescrito, tornando-os currículos apresentados aos professores, Sacristán observa que, à
medida que o professor aceita os materiais que estruturam conteúdos, atividades e aceita
objetivos definidos, e seu papel se torna o de gestor de tarefas e, com isso, reduz sua busca
por alternativas para a prática pedagógica voltada às necessidades dos seus alunos (1998, p.
155). Ao depositar nos materiais a capacidade de estruturar o conteúdo e os processos
educativos, ressalta esse autor, qualquer projeto de melhora do ensino irá passar pela melhora
desses recursos, ou melhor, pela qualidade de tais materiais (p. 156).
O livro didático cumpre para os professores, na perspectiva de Sacristán (1998), o
papel de planejador da prática e, portanto, “a competência profissional de desenvolver o
currículo, em principio uma das atribuições verdadeiras do professor, é compartilhada,
quando não monopolizada, pelos mecanismos de produção de materiais em que há por trás de
um número reduzido de firmas comerciais” (SACRISTÁN, 1998, p. 154). Lembra o autor
que, ao sustentar a inovação do ensino pela elaboração de novos materiais pedagógicos, pode-
109
se deixar para trás recursos variáveis e potencialmente poderosos para professores e alunos,
como o trabalho interdisciplinar de pesquisa, de experimentação e de depuração na prática (p.
158).
Como consequência, afirma Sacristán, há a perda de competência a favor de quem
produz os materiais didáticos e a suposição de que aos professores resta controlar melhor os
alunos na obediência à sequência e ao plano proposto. Segunda consequência, configura um
estilo profissional individualista e, terceira, limita a capacidade do professor para usar seu
próprio conhecimento pessoal na direção da aprendizagem ou adaptação às necessidades dos
alunos (SACRISTÁN, 1998, p. 156 - 157).
Sabemos que cada disciplina tem suas exigências diante do seu objeto de estudo e das
linguagens que permitem o entendimento dele. No caso do ensino e aprendizagem da
Geografia, não basta a linguagem textual, específica e escrita por especialistas. Também é
imprescindível a inclusão de linguagens que representem o espaço geográfico e que as
representações gráficas e cartográficas interajam com o texto, complementando-os ou
servindo para a organização pedagógica das aulas. Portanto, como afirmam Pontuschka,
Paganelli e Cacete (2007, p. 340), “Não se pode estudar Geografia sem essas linguagens” e
essa exigência é levada em conta pelo professor ao escolher o livro com o qual vai trabalhar.
Essas autoras ressaltam que,
Em relação aos atuais livros de Geografia, há propostas mais avançadas que incluem, além de textos dos próprios autores, textos de jornais e revistas e mesmo de outros autores, o que permite ao aluno o contato com linguagens não exatamente didáticas que sejam ampliadoras da capacidade de leitura dos estudantes, não os limitando à leitura didática e a somente uma proposta de ensino. Há livros que inserem textos literários, o que contribui para a formação geral do aluno, ao ter a oportunidade de conhecer autores como João Cabral de Melo Neto, Castro Alves, Guimarães Rosa e muitos outros. Os poemas, as músicas e todos os textos impregnados de poesia são importantes, porque muitos deles foram construídos com base no conhecimento e na reflexão sobre realidades locais ou regionais que, em interação com os eixos temáticos da Geografia e seus conceitos básicos, permitem fazer um trânsito entre diferentes disciplinas (Pontuschka et alii, 2007, p. 340 – 341).
4.2.2. Rede Internet
Mas os professores das Escolas-Referência não se limitam ao uso intensivo dos livros
didáticos no seu trabalho. Os diversos materiais disponíveis na rede Internet são apontados
por 18 docentes como recursos utilizados para subsidiar suas aulas20. A rede Internet permite
20 Entre os 18 professores que indicam a rede INTERNET entre as cinco opções mais relevantes, três a situam em 1º, 2º e 3º lugar; 7 a posicionam em 4º lugar e 8, em 5º lugar.
110
“trazer para a vida prática os conhecimentos disponíveis na mídia” (P7) e, sendo um “recurso
altamente atualizado” (P8), divulga material que “é atualizado” (P2). A rede permite a “busca
de novas informações para atualização de conteúdo” (P4) e lá se encontram “textos sobre
assuntos atuais que estão disponíveis” (P12), temas e “informações atuais, tais como fatos da
geopolítica” (P17), atualizam o conteúdo geográfico “através de estatísticas e noticiários
recentes” (P5), pois a Internet “se constitui uma ferramenta de trabalho e dispõe de notícias
atuais referentes à Geografia e questões de vestibulares” (P3) e o material da rede “apresenta
maior riqueza de detalhes e atualidades” (P25).
O uso desses materiais também é justificado como “apoio para pesquisa e leitura dos
alunos” (P11) e um “meio de informação básico para um melhor aprendizado” (P20). Para os
professores, outra razão para o recurso à rede está na “facilidade de obter exercícios já
prontos” (P1); na “facilidade de acesso” (P9), sendo que “a Internet é um apoio para a
elaboração de exercícios e pesquisa em diferentes assuntos” (P9 e P23) e admitem que “hoje
na área de Geografia a rede Internet é a base das fontes de pesquisa escolar” (P21).
Temos, portanto, a maioria do corpo docente das Escolas-Referência, com toda a
diversidade de condições de trabalho, formação e tempo de carreira, em contato com a rede
Internet. Mais do que os livros didáticos, a Internet é por eles considerada fonte de pesquisa
escolar e fonte de atualização. Por sua vez, assim como em relação aos livros didáticos, a
busca na Internet é importante porque oferece textos, dados estatísticos e exercícios já prontos
ou apoio para formulá-los. Ou seja, supre em parte a necessidade que os professores têm de
propor atividades aos alunos.
4.2.3. Materiais elaborados/organizados pelo professor
Igual à opção pela rede Internet, 18 professores indicam ter como referência para o
trabalho em sala de aula material que eles próprios elaboram21. Essa opção pela elaboração de
um material próprio, entretanto, não significa uma produção de autoria do professor,
correspondendo, na verdade, a um conjunto de materiais que são escolhidos e organizados por
eles.
Esse entendimento se expressa quando afirmam: “apostila, livro: material organizado
por mim, para atender o programa e facilitar a aprendizagem” (P7) ou “material o qual
21 Cinco deles os colocam em 1º lugar, quatro em 2º, cinco em 3º, três em 4º e um professor os situam em 5º lugar.
111
elaboro com mais cuidado com o auxílio dos itens anteriores, de acordo com os objetivos de
cada conteúdo” (P4), sendo que, para tanto, “utilizo conhecimentos que já tenho” (P18).
A elaboração, ou melhor, seleção e organização de materiais, é considerada pelo
professor como “importante ferramenta de trabalho” (P20) e é sempre atualizada, segundo
alguns. Esse material atende “os objetivos dos alunos e da ciência que estudamos” (P22) e
“geralmente é utilizado no quadro com aulas expositivas” (P17).
Segundo os professores, essa iniciativa se deve às demandas de conteúdo.
Argumentam que “é necessário o enriquecimento na sala de aula e por isso deve ser elaborado
conteúdo para completar o programa” (P5). Sendo assim, “elaboro material para acrescentar
conhecimentos que estão a desejar no livro didático” (P12) e, também, “o material é
elaborado como forma de complementar o livro didático com o CBC” (P14). O material
permite, portanto, “complementar o conteúdo principalmente por buscar assuntos da
atualidade” (P3); consiste em um “recurso mais atualizado, mais próximo ao conteúdo
(preparação para processos seletivos)” (P8).
Também os estudantes são motivo para esse esforço de elaboração por parte do
professor. Seja para a “adequação do conteúdo à realidade do aluno e às exigências da UFU”
(P9), seja para fornecer a eles “materiais diversos jornais, revistas, livros e apostilas; a visão
critica e debate na sala de aula” (P11). E, ainda, o uso desse material se justifica porque,
“diante das imposições do estado e da realidade dos meus alunos e da redução de carga
horária, faço adaptações no programa” (P25).
Os materiais selecionados, elaborados e organizados pelo professor os auxiliam no
trabalho, pois atendem a sua “necessidade de estudar, aprimorar, planejar para ensinar e
aprender” (P10), e, com isso, “promovem a confiança de ter um trabalho feito por nós
mesmos” (P1), favorecendo a atualização (P2).
Da mesma forma que a maioria do corpo docente das Escolas-Referência utiliza a rede
Internet, também ele busca elaborar, organizar seus próprios materiais, ainda que variem as
suas condições de trabalho, de formação, de experiência e tempo de carreira.
O fato de indicarem a busca pela rede Internet para a obtenção de informações e
atualização e, na mesma proporção, indicarem a elaboração/organização do seu próprio
material pedagógico pode significar que eles procuram modelar as elaborações intermediárias
do currículo, ir além de gestores de tarefas, mostrando ter autonomia na escolha e organização
dos materiais disponíveis para o ensino.
112
4.2.4. Materiais “apostilados”
Doze professores apontam ter como referência para as aulas os materiais apostilados
ou apostilas de escolas da rede de ensino particular que atendem processos
seletivos/vestibular22
.
Os materiais apostilados ou as apostilas, esclarecemos, são nesta pesquisa fragmentos
de materiais pedagógicos de cursos preparatórios de concursos, principalmente os dos
chamados cursos pré-vestibulares ou pré-PAAES/UFU e, mais recentemente, preparatórios
para o ENEM.
Na linguagem dos professores dessa região, os termos apostilas ou materiais
apostilados ainda estão, portanto, relacionados ao material didático concebido originalmente
nos cursinhos preparatórios para exames vestibulares nos anos de 1980 e que até hoje são
elaborados e utilizados em escolas particulares23. Eles são obtidos entre os colegas que
trabalham com esse material em escolas particulares ou os professores têm acesso a eles pelas
mãos dos filhos que estudam nessas escolas
Esses materiais representam o resultado de um apanhado de livros didáticos de
diferentes autores, de textos das próprias aulas de professores desses cursinhos voltados
explicitamente para os processos seletivos de ingresso no ensino superior, bem como
apresentam uma seleção de questões reproduzidas de processos seletivos anteriores.
Para os professores, “as apostilas possuem grande variedade de exercícios de
vestibular, ótimos para trabalhar com os alunos” (P4), e há uma “abrangência do conteúdo e
contato com exercícios de outras instituições” (P9). Com isso, argumentam que “os textos e
exercícios de outras escolas [particulares] preparam e mostram aos alunos como é a cobrança
do conteúdo em vestibular” (P23), contribuem “para que os alunos entendam melhor o
processo seletivo e façam adequações no tempo de respostas” (P25). Assim, “sempre trazem
22 Esse material utilizado por doze professores assim se situa entre as opções no trabalho: três professores situam esse material em 2º lugar; quatro em 3º lugar entre as suas opções, dois outros em 4º lugar e outros três em 5º lugar. 23 Em Uberlândia – MG a partir dos anos de 1980 crescem o número de escolas particulares interessadas em oferecer cursos preparatórios para o ingresso o ensino superior e, atualmente, a maioria delas também oferece a educação básica. São as mais antigas e principais das escolas privadas: Anglo e Objetivo (originários de São Paulo), o COC (de Ribeirão Preto – SP); o sistema Pitágoras (de Belo Horizonte); o sistema Positivo (de Curitiba – PR); e, originário na própria cidade e com certo destaque entre os demais pelo número de alunos desde a educação infantil ao ensino médio e cursos preparatórios para o ensino superior, o curso Nacional. Com menor porte estão presentes o Colégio Etapa, Ápice, Colégio Batista Mineiro, Colégio Metodista, Colégio Marista e a Rede Adventista de Ensino, entre outros.
113
novidades aos alunos e enriquecem o vocabulário” (P11), colaboram “com a aprendizagem
dos alunos por facilitar a compreensão de questões no vestibular, ENEM e concursos” (P7).
Dessa maneira, os professores se interessam por esses materiais porque proporcionam
uma visão do conteúdo sob a perspectiva de como ele pode ser solicitado nas avaliações para
ingresso no ensino superior, além de disponibilizar de forma organizada perguntas dos
processos seletivos. Também porque incluem questões acompanhadas da cartografia e, de
maneira atualizada, essa parte cartográfica se apresenta diagramada e colorida permitindo
obter cópias para utilizar no power-point em sala de aula ou distribuir aos alunos das E-R.
Os professores ainda afirmam usar esses materiais como um parâmetro para “verificar
como andam outras instituições” (P2) e buscar “nivelar o estado com a rede particular” (P14),
para auxiliá-los na “função de tentar preparar ao máximo o aluno para os processos seletivos
atuais” (P19) e aos alunos, pois “têm questões que abrangem processos seletivos importantes
para a sua formação” (P20). Enfim, esses materiais diversos auxiliam, sobretudo, o
desempenho da função propedêutica do ensino médio. Isso indica que os professores
acentuam menos os objetivos da proposta curricular da SEE-MG e assumem como referência
os materiais que atendem aos processos seletivos para ingresso ao ensino superior.
Esses materiais didáticos, ao qual se referem os professores diferem daqueles que têm
origem nos ‘sistemas de ensino apostilados’. Embora o professor da rede estadual tenha
menos acesso aos materiais de ‘sistema de ensino’, também é possível encontrar entre eles
alguns de seus fragmentos.
Segundo Adrião et al. (2009), os materiais do “sistema de ensino apostilados” provêm
de empreendedores privados (nem sempre da área de educação) e são vendidos pela
logomarca em consignação e/ou adotados como currículo escolar por redes de ensino
particular, assim como por redes públicas24. Abrangem algumas ou todas as áreas do currículo
e definem objetivos, formas de abordagem, estratégias de aprendizagem e formas de
avaliação. Apresentam detalhes fotográficos, editoriais e de publicidade atrativos e são
vendidos para o meio escolar conveniado pelo sistema de franquia. Segundo essa autora, o
professor tende a tornar-se mero executor de tarefas, devendo submeter-se a essas e não às
orientações mais genéricas provenientes do sistema público.
24 Esse é o caso de centenas de redes municipais do Estado de São Paulo, e também de outros estados que adotam material didático produzido por grandes empreendimentos privados que atuam na área educacional (ADRIÃO, 2007, p. 2; ADRIÃO et al., 2009).
114
As empresas privadas oferecem às administrações públicas um conjunto de serviços e
produtos que incluem materiais didáticos destinados a estudantes e docentes e assessorias às
redes de ensino. As assessorias podem incluir rápidos “treinamentos” para uso do material,
cursos de maior duração para professores, avaliação de rendimento escolar, orientações
regulares aos gestores municipais e palestras. Em algumas circunstâncias os serviços podem
incluir graduação para docentes. De toda forma, o termo sistema de ensino designa uma
articulação de ações para além da simples comercialização de material didático, com
incidência sobre a organização do trabalho na rede de ensino local (ADRIÃO, et al., 2009).
Os professores das E-R parecem sentir-se mais satisfeitos e reconhecidos por pais e
alunos quando os estudantes são aprovados nos processos seletivos. Esse reconhecimento
parece maior do que a satisfação obtida pelos bons indicadores nas avaliações de sistema que
auferem a qualidade do ensino básico, como o IDEB ou o SIMAVE. Dessa maneira, eles
utilizam esses materiais que visam o ingresso no ensino superior como referência para seu
trabalho em sala de aula. O que há em comum entre eles é o fato de serem oriundos do ensino
superior público e terem pós-graduação, sugerindo que entre os docentes com maior preparo
acadêmico, a orientação para um ensino propedêutico seria claramente acentuada.
4.2.5. Materiais que circulam e são socializados entre os docentes
Onze professores mencionam valer-se também de materiais que têm origem na troca
de ideias entre colegas, sendo fruto de elaboração conjunta ou simplesmente fornecidos por
colegas25. São considerados como materiais socializados entre o corpo docente, que os
auxiliam na organização do trabalho e na adoção de estratégias de sala de aula.
Os materiais sugeridos por colegas são adotados por cinco professores porque “sempre
trazem uma visão particular” (P18) e se “encaixam nos conteúdos a serem ministrados” (P14),
além de poder ser “xerocados na escola, são acessíveis aos alunos” (P9) e servem como
“complementação de trabalhos do professor” (P2).
Quanto aos materiais elaborados com os colegas, os quatro professores vivenciam a
“troca de ideias, que é importante” (P10), a “troca de materiais” (P14), a “troca de
experiência” (P24) e “esses materiais são um resumo de tudo de bom que retiramos de
diversos livros e revistas, Net etc.” (P21). Quando os materiais são fornecidos pelos colegas,
25 Esse material ocupa o 3º lugar para sete professores, dois o situam em 4º lugar e outros dois em 5º lugar.
115
podem “complementar o conteúdo” (P19) e são “materiais já prontos e elaborados por pessoas
responsáveis” (P1).
Entre os professores que socializam materiais e os utilizam como uma referência para
o trabalho em sala de aula há desde os iniciantes na profissão até os mais experientes (entre
dois e 26 anos de magistério).
4.2.6. Orientações curriculares de âmbito nacional e estadual
Em torno de 15 professores mencionam reportar-se aos currículos prescritos em
âmbito nacional (PCNs/PCN +) e/ou estadual (CBC) no seu trabalho com os alunos, às vezes
valendo-se só das fontes federais, às vezes das referências estaduais, ou ainda combinando as
orientações federais com as estaduais.
QUADRO 7 Recurso às orientações curriculares nacionais e estaduais
PCN (10 profs.) P3 P5 P10 P13 P15 P16 P17 P19 P20 P22 PCN e CBC
P13 P15 P16 P19 P20
CBC (8 profs.) P8 P13 P15 P16 P18 P19 P20 P23 CBC e SRE-UDI
P8
CBC e Supervisão Esc-Refer.
P15
Supervisão Esc-Refer.
P21
Fonte: Questionário dos professores, 2010
Os que recorrem aos materiais institucionais de âmbito nacional justificam a sua
utilização por que eles “indicam a relação entre objetivo e abordagem do conteúdo” (P22),
para “tomá-los como base para elaboração da avaliação anual do PROEB-SEE/MG” (P5), ou
para servir de “embasamento para o processo seletivo dos alunos” (P10). Há quem considere
que os textos sobre a Geografia podem contribuir, pois, “sempre que possível, estudo os
PCNs, embora o que esse documento aborda esteja distante da realidade” (P17).
Os que tomam como referência apenas o CBC, o fazem “para não trabalhar em
desacordo com o grupo” (P18) e porque “é o programa de Minas que orienta ao longo do ano
e atende as avaliações externas” (P23).
Os professores que utilizam concomitantemente materiais como os PCNs e o CBC,
reconhecem que há uma relação entre eles e, assim, procuram: “estar em conexão com o
programa proposto pela SEE-MG e este do estado pode promover uma integração com um
currículo nacional com objetividade” (P13). Há também aqueles que consultam ambas as
referências curriculares porque “são parte do planejamento obrigatório para o ensino médio”
(P20, P16). Outro argumento para a consideração dos dois referenciais é que “existem as
116
provas avaliativas sobre o trabalho do professor e com base neles é realizada a avaliação
institucional, sendo que há materiais (da rede do Estado de Minas que a supervisão indica)
preparados para desenvolver habilidades exigidas na área da educação” (P19). O uso
concomitante do CBC com material diretamente fornecido pela SRE-UDI se deve ao fato de
eles atenderem especialmente “as exigências e avaliações externas” (P8), como, por exemplo,
do PAAES/UFU.
Há, também, professores que não mencionam o uso de referenciais curriculares, mas
citam materiais que estão direcionados à avaliação, seja às avaliações padronizadas, muitos
dos quais são disponibilizados pela própria escola e apresentam atividades semelhantes às
utilizadas nas avaliações do estado (P15), seja às avaliações que atendem a outros processos
seletivos de interesse dos alunos: “pois com esses materiais faço pesquisa [promovo estudos]
com os alunos” (P21).
Entre as justificativas para o uso dos currículos prescritos e materiais relacionados a
eles como referência para o ensino da Geografia, os docentes ressaltam o objetivo de preparar
os alunos para as avaliações externas, tanto as avaliações da educação básica de âmbito
federal (IDEB: SAEB e Prova Brasil) e estadual (SIMAVE: PROEB, PAAE-SEE/MG) como
as que se voltam para o processo seletivo para ingresso no ensino superior (PAAES/UFU).
Cada uma das Escolas-Referência já conquistou um status na sua trajetória ou está
buscando se afirmar como uma referência, o que se expressa por meio dessas avaliações
externas. Em algumas dessas escolas, que por tradição têm seus alunos aprovados em
processos seletivos da universidade pública, no caso atual do ENEM e do PAAES/UFU. os
supervisores e professores valorizam bastante esse fato. Em outras escolas, muitas delas da
periferia, os supervisores e professores privilegiam as avaliações mais genéricas, voltadas
para o rendimento do aluno na escola básica, como as do estado de Minas Gerais, a Prova
Brasil e o IDEB, que situam a escola em melhor posição quanto à qualidade da educação na
sua própria rede e no conjunto das redes de ensino.
Essa situação provoca tensão entre os professores, pois, se a partir das avaliações do
ENEM ou do PAAES/UFU se decide o ingresso do aluno no ensino superior e isso, de certo
modo, expressa a competência do corpo docente da escola de ensino médio, as avaliações
como o IDEB ou o PAAE-SEE/MG expressam a qualidade do ensino nas escolas da rede
pública e são importantes para auferir recursos que lhes podem ser disponibilizados.
117
Se considerarmos os 18 professores que afirmam consultar materiais institucionais
para o trabalho, prevalecem dez que recorrem aos de âmbito nacional sobre oito que se
apoiam nos materiais do estado (da Secretaria do Estado de Minas e da Superintendência
Regional). Não obstante, a sua utilização parece estar muito motivada pelos processos
avaliativos do rendimento dos alunos realizados com base nesses referenciais.
Os professores que utilizam como referência os parâmetros nacionais, as diretrizes
estaduais e as orientações de supervisores e programas locais têm entre dois e 26 anos de
carreira no magistério, são formados em diferentes tipos de instituição e a maioria deles
possui apenas o curso de graduação. Não é possível observar algum ponto em comum entre os
professores que afirmam consultar os próprios currículos prescritos.
Até aqui temos que, entre os materiais do currículo apresentado aos professores, como
foi visto, o predomínio é do livro didático; que aproximadamente 18 professores utilizam de
materiais elaborados pelos próprios docentes; que um número um pouco menor dos sujeitos
da pesquisa, 14 deles, consultam diretamente as orientações curriculares provenientes dos
órgãos do Estado em diferentes âmbitos.
4.2.7. Materiais selecionados dos cursos de formação docente
A formação docente é uma primeira referência que se impõe para verificar o seu peso
no trabalho docente, principalmente, como foi visto, pela expressiva qualificação profissional
do corpo docente das Escolas-Referências. Entretanto, os saberes da experiência que se
expressam no trabalho cotidiano do professor parecem dizer que as referências da formação
docente figuram sobretudo como um substrato básico da sua atuação. São poucas as
indicações26 de que eles costumam recorrer diretamente aos materiais dos cursos de
licenciatura e, menos ainda, aos obtidos da participação em atividades de formação
continuada, embora essas sejam mais recentes que os cursos iniciais e possivelmente mais
presentes na sua memória. Apenas oito professores afirmam utilizar textos ou materiais
provenientes da formação como referência para a ação em sala de aula.
Para os professores, a formação inicial é “onde foi adquirida a base da formação”
(P18) e é possível “pesquisar o material organizado em portfólio, facilitando o entendimento
dos temas” (P17). Esses materiais “transmitem conhecimentos, conceitos, normas, leis, regras,
mostram o que é ‘correto’, como deve ser feito” (P7), além do que “a didática já está
26 A formação docente e os materiais que derivam de curso de licenciatura e da formação continuada são assim situados na hierarquia: um professor situa esses materiais em 2º lugar, dois em 3º, dois em 4º lugar e três professores os situam em 5º lugar.
118
aperfeiçoada” (P11). Os materiais provenientes da formação continuada, da participação em
eventos ou cursos são, por sua vez, um complemento “de estudo e de conhecimentos de outros
assuntos” (P11), são atualização “dos assuntos de maneira mais realista” (P13).
Para esses professores, a sua formação lhes forneceu conhecimentos, seja como uma
base para trabalhar na escola, seja para complementar o que sabem. O fato de não fazerem uso
frequente de materiais em que eles próprios estudaram não permite afirmar que o que
aprenderam na faculdade é para ser deixado do lado de fora da sala de aula, porque como
alguns expressaram, é a formação que lhes possibilita discernir o que deve ser feito.
Entretanto, a baixa frequência de respostas dos docentes em relação aos quesitos
relativos à formação pode ser indicativa da distância entre os próprios currículos de formação
docente e as demandas da educação básica, tantas vezes apontada pelos estudos sobre o
ensino de Geografia e pelos mais gerais sobre a formação docente (CACETE,
2003; CASTELLAR, 2003; CAVALCANTI, 2006; PONTUCHKA, 2006).
Mais preocupante é ainda a menor frequência de respostas em relação aos cursos de
formação continuada. A despeito de, na maioria das vezes, os docentes se declararem
satisfeitos com os cursos e outras formas de atividades de formação continuada, pelas
respostas obtidas seu impacto na mudança das práticas docentes parece incipiente.
Não se evidencia relação aparente entre as respostas referentes à utilização de
materiais provenientes dos cursos de formação e o fato de os professores terem se formado em
instituição pública ou privada, terem feito o curso em diferentes contextos e em períodos
diferentes, serem recém-formados ou formados há muitos anos e possuírem pós-graduação.
Considerando as respostas ao questionário, constata-se que o sujeito professor convive
com múltiplas referências para o seu trabalho com o currículo, mas se acerca de algumas de
maneira mais constante. Se menos da metade dos professores de Geografia das Escolas-
Referência afirmam fazer uso das referências que se originam na formação docente, uma
proporção maior se apoia em documentos institucionais que derivam diretamente dos
currículos prescritos. A maioria deles elabora/organiza e intercambia materiais didáticos para
utilizar em sala de aula e recorre à rede Internet e há um número razoável que também utiliza,
esporadicamente, materiais apostilados mais voltados ao preparo aos processos seletivos. O
que é unânime entre as escolhas dos docentes é que todos utilizam o livro didático.
119
4.3. Fala o professor: o que mais o auxilia no planejamento e desenvolvimento do currículo
Após identificar as referências nas quais se apoiam os docentes e por que as escolhem
para sua ação em sala de aula, buscamos, por meio de uma pergunta aberta, fazer com que
eles se expressassem sobre o que mais os auxilia no trabalho de planejar e desenvolver o
currículo.
As descrições dos professores reafirmam o uso de materiais como livro didático e a
rede Internet, assim como “as informações adquiridas em revistas especializadas [no campo
da Geografia e da educação], na internet, nas mídias em geral” (P4), ou seja, se referem a
materiais de cunho acadêmico, como as revistas especializadas, e salientam o uso dos
produtos da mídia impressa, televisiva e os recursos visuais (dos jornais, revistas, rádio,
filmes, documentários, slides, etc.). Da mesma forma reafirmam o uso dos documentos
curriculares. O currículo prescrito, assim como os materiais dele derivados, se constituem
como referências que são reforçadas pelos professores, em especial aqueles que mais
diretamente formam subsídios para orientar o seu trabalho com vistas às avaliações de âmbito
federal e estadual e, também, aos exames vestibulares. Fica, dessa forma, evidenciada uma
preocupação explícita dos professores com as avaliações externas e com o desempenho que
nelas terão os seus alunos. As avaliações parecem, pois, balizar as escolhas dos conteúdos e
os modos de transmiti-los e, assim, tendem a ser decisivas para definir a escolha de materiais
para o ensino.
As respostas do corpo docente também realçam a importância da formação que
receberam sobre o conhecimento específico e das suas experiências de vida e culturais.
A importância da formação é descrita de diversas maneiras, mas há um destaque na
relação com o conhecimento e com a demanda constante pela sua atualização: “O que facilita
as aulas é o conhecimento prévio e livros didáticos que servem de apoio para abordar os
temas propostos” (P17); “a bagagem adquirida nos cursos já realizados, o estudo continuado,
a busca por saberes e novas informações” (P1); “Os conhecimentos adquiridos no curso de
licenciatura, como a didática e metodologia, o conhecimento sobre os assuntos que serão
abordados nas aulas (...) os minicursos, dentre outros” (P3). “Jornais, revistas, textos e artigos
de graduação e pós-graduação, além de livros, rádio etc.” (P11).
Os professores não negam ter como referência os conhecimentos acadêmicos mas,
como afirma Tardif,
120
a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das hipóteses, um muro contra o qual vêm se jogar e morrer conhecimentos universitários considerados inúteis, sem relação com os contextos concretos de exercício da função docente (TARDIF, 2010, p. 257).
As referências em que os professores se apoiam para ensinar estão relacionadas
também, segundo eles, às experiências que vivenciaram com outros professores ou no seu
cotidiano de maneira geral.
Assim como apontam muitos estudos, a importância do exemplo de professores
formadores e de colegas como referência para a prática, também neste estudo foi salientada:
“eu sigo esse parâmetro, tive exemplos de ótimos professores que fizeram com que eu me
espelhasse e os tivesse também como exemplo tanto profissional como na relação com meus
alunos” (P10). Dizem eles que “a experiência de vida, da sala de aula, da cobrança nos
‘concursos’ e ‘avaliações’ (vestibulares, ENEM) ajuda em o que e como transmitir tal
conhecimento” (P7). Os professores consideram importante “a vivência com os diversos tipos
de avaliação” (P14), pois “na realidade o que conta é apenas o esforço do professor, sabendo
que não há estímulo e ultimamente aumentam as cobranças por resultados, aprovações, enfim
tudo aquilo que deixa o aluno bem folgado, cada dia menos dedicado” (P18).
Em um contexto nacional em que vem sendo crescentemente acentuado o peso das
avaliações externas, o que tende a estreitar os objetivos do currículo, preocupa a situação dos
alunos, como muitos estudos têm apontado (GATTI, BARRETTO e ANDRÉ, 2011, p. 41). A
sua realidade como ponto de partida para o desenvolvimento do currículo ou a reinterpretação
do conhecimento escolar para atender a realidade escolar e a cultura dos alunos não estão
enfatizadas e o currículo dirigido a propósitos mais específicos pode conduzir a resultados que
não contemplem o conjunto do alunado.
A pesquisa na escola, como requisito para professores e alunos que buscam não se
restringir à transmissão de conhecimentos e desenvolver, entre outras habilidades, a
orientação, a independência para estruturar um trabalho sistematizado e para analisar
informações e conhecimentos sobre vários temas, figura nas respostas como uma atividade
pontual de alguns professores: “Livros da área, jornais, revistas e pesquisa” (P2); “Leitura de
jornais, revistas e livros. Pesquisa escolar sobre os temas do conteúdo” (P9). Alegam os
docentes que a pesquisa discente e todas as tarefas que envolvem seu desenvolvimento no
espaço escolar, assim como os trabalhos interdisciplinares, são difíceis de serem
implementados na escola. As condições de trabalho e a estrutura escolar os sobrecarregam e,
121
além do mais, o modelo subjacente das práticas escolares que informa a sua atuação, e no qual
eles próprios foram socializados enquanto alunos, é o que reproduz o ensino centrado no
professor.
Não obstante, uma professora afirma que “alguns programas institucionais auxiliam no
contato com os alunos e no conhecimento de problemas que os afastam da escola e dos
estudos” (P25), o que acena para alguma abertura da escola para levar em conta as demandas
do aluno na ordenação do currículo.
Considerando que há diversidade no corpo docente das Escolas-Referência, não é
possível estabelecer uma relação linear entre algumas especificidades do perfil dos sujeitos,
sua formação, carreira e condições de trabalho docente e a escolha ou decisões sobre os
materiais curriculares que compõem as referências para trabalhar no ensino médio. Entretanto,
pelo que ficou exposto até aqui, parece que o contexto externo das avaliações e as demandas
institucionais, bem como as dos alunos e da comunidade, dirigem a ação docente e o
desenvolvimento do currículo escolar para a realização de provas e exames. A propósito,
lembramos as palavras de Imbernón quando, verificando o crescimento no número de estudos
sobre os professores e as informações por eles geradas, ressalta:
En los documentos aparece una tendencia a no ver al profesorado como artífice único de la calidad educativa, sino que tambíén se ortoga importancia al entorno em que trabaja. Es interesante resaltar esta cuestión ya que desde hace tiempo hemos ido valorando (por la experiencia y las investigaciones) que para cambiar la educación no sólo es necesario cambiar al profesorado (impartiendo más formación, por ejemplo, que es el instrumento que más se utiliza para esse cambio), sino potenciar también el cambio em los contextos donde el profesorado desarrola su cometido: las escuelas, la normativa, el apoyo comunitário, los procesos de decisión, la comunicación, etc. (IMBERNÓN, 2006, p. 42).
Sabemos que as avaliações fazem parte das conversas cotidianas dos professores, da
prática docente, das suas experiências e, por isso, nos parece que tais avaliações, seus
contextos e concepções deveriam também fazer parte da formação continuada como
conhecimento necessário para situar as experiências docentes e repensar as suas práticas,
considerando a sua importância relativa, as suas limitações e a necessidade de tomá-las como
instrumentos importantes para o desenvolvimento de um currículo voltado ao
desenvolvimento do aluno e não como substitutas do próprio currículo.
122
4.4. Fala o professor: o que ocasiona as dificuldades que ele encontra em sala de aula e o que pode contribuir para enfrentá-las 27
Na prática cotidiana os professores se deparam na escola com situações não
previsíveis, diversas e adversas, e vivenciam dificuldades diante das quais se posicionam de
diferentes maneiras.
Entre os 24 docentes que responderam sobre as dificuldades que encontram, 21 deles
destacam o desinteresse dos alunos e a indisciplina. Estas também têm sido as dificuldades
mais apontadas pelos professores em vários outros estudos sobre docentes, tal como observam
Fanfani (2011) e Fanfani e Tedesco (2004). Assim se manifestam alguns dos professores:
Falta de interesse dos alunos, falta de materiais específicos da área, indisciplina, falta de tempo para poder investir na carreira, falta de recursos financeiros. Depende de mim em quase todos os aspectos e quando são situações graves de indisciplina, a direção escolar ajuda. A contribuição familiar está bem precária de maneira geral e não vem a contribuir em quase nada (P2).
Salas bastante cheias, desinteresse por parte dos alunos, falta reunião envolvendo profissionais da mesma área. Procuro envolver os alunos e organizar trabalhos para ser apresentados por alguns e pedindo aos demais alunos para fazerem relatórios. Utilizar técnicas das aulas de colégios particulares, onde os colegas auxiliam-me no sentido de ganhar experiência. Atividades avaliativas não tradicionais feitas em sala (P17).
O sistema direta ou indiretamente não permite que o professor ‘cobre’ dos alunos conhecimentos, pois ele não se interessa, exige duzentos dias letivos, o que é demais se não oferece uma possibilidade de trabalhar melhor com esse aluno, o que deixa o aluno apático (dou razão). Cansado e sem interesse pela escola, é obrigada a vir à escola. Dependemos do nosso próprio estímulo. Sinto que a educação no governo de Minas só é bonita na TV. Se investigar a realidade, você vai encontrar uma estrutura falida, salários baixos, profissionais insatisfeitos, pouca valorização do estado, da sociedade, enfim, buscamos estímulos até onde não tem para continuarmos (P18).
A falta de uma política que incentive o professor, nossa aprovação é por percentual que satisfaça o governo, falta de material didático, salas inadequadas, alunos indisciplinados e não contamos com a ajuda dos pais para resolver os problemas dos filhos. Há interação da direção e supervisão em casos de indisciplina, recentemente, a solução foi comprar material didático para fazer uma aula diferenciada (P20).
“Muitas vezes a dificuldade de material didático e livros atualizados, alunos indisciplinados, dificuldades diversas. Uma boa orientação pedagógica e ajuda de colegas da área” (P21).
O desinteresse maior por parte dos alunos. A indisciplina, a utilização de materiais não autorizados pela escola como celulares, fones de ouvido, a falta de educação dos alunos, os embates constantes de alunos desinteressados, a falta de valores e princípios éticos. O desrespeito. O que ajuda é a minha formação moral, a presença de espírito, alimentação da paciência, o pensamento de que é meu trabalho, e de que é dele que eu sobrevivo (P1).
27 Refere-se às perguntas de número 20 e 21 da quarta parte do questionário.
123
A falta de motivação dos alunos e o comportamento ruim de grande parte deles. Busco a motivação profissional (pessoal), o esforço pessoal em melhorar sempre e a motivação dos alunos interessados (P4).
O não reconhecimento, por parte dos alunos, da importância do meu conteúdo para sua formação. O que acaba gerando falta de interesse pelo mesmo. Busco relacionar o ensino ao contexto histórico e principalmente à atualidade, tentando despertar o interesse e a curiosidade (P8).
Muitas têm sido as causas da indisciplina na escola, como as de ordem social, cultural
e as relativas à própria maneira de atuar da escola.
Como tem sido apontado pelos estudos sobre a questão (AQUINO, 1996; CANDAU,
1999; SILVA, 2010) e se reitera neste, a expansão da escolaridade básica para o conjunto da
população fez que ela perdesse importância relativa na sociedade, o que contribui para
explicar, em parte, o desprestígio da escola e o desinteresse dos alunos.
Por sua vez a imposição de um determinado padrão cultural pela escola sem levar
devidamente em conta os padrões culturais diversos da população que a frequenta é também
geradora de indisciplina e de resistência por parte dos alunos, que muitas vezes se manifestam
na forma de apatia e desinteresse.
Essas dificuldades que enfrenta o magistério, uma profissão fundamentalmente
relacional, incidem particularmente na relação com o aluno e tendem, no mais das vezes, levar
os docentes a culpabilizá-lo e a sua família, o que também pôde ser constatado neste trabalho:
A falta de compromisso dos alunos. Falta de consciência (importância da disciplina) do aluno no desenvolvimento escolar e cotidiano. Faltam cursos. Eu incentivo a participação na aula e nas atividades avaliativas. Busco ajuda de supervisor, converso com pais e parabenizo-os, pois às vezes faz bem e levanta a estima, a educação não é prioridade, é só avaliação (P10).
Oito dos professores que enfrentam situações de indisciplina e desinteresse com os
alunos buscam apoio dos colegas e gestores e creditam geralmente ao próprio esforço e
desempenho o enfrentamento das dificuldades que mencionam.
Observe-se que nesta pesquisa os professores tendem particularmente a atribuir as
dificuldades apontadas a fatores institucionais, como a sobrecarga de trabalho e a falta de
tempo para investir na carreira, as salas superlotadas, a falta de recursos didáticos tradicionais
e tecnológicos e, em especial, falta de recursos materiais próprios da área específica do
conhecimento geográfico.
124
Falta interesse dos alunos, participação da família no processo de ensino aprendizagem, apoio pedagógico, a estrutura escolar é precária, material didático escasso, sobrecarga de trabalho, quantidade de alunos por sala, não há como se dedicar à formação continuada e falta incentivo governamental e institucional. A atenção dispensada a essas questões é mínima, uma vez que somos reféns de leis, normas e regras. A escola não dispõe de um quadro de pessoal satisfatório e há uma sobrecarga de trabalho em vários setores da escola. Existe um analista educacional que tem a função de fiscalizar, mas não acrescenta no processo de ensino aprendizagem. Acredito que a escola está perdendo a função de ensinar e se tornando uma empresa que apresenta números para satisfazer o governo. A preocupação é com o aprender para a avaliação e não com o ensinar geografia (P19).
Em alguns casos a falta de interesse e comprometimento por parte de alguns alunos se deve a essa estrutura escolar que não está adequada para o desenvolvimento de algumas atividades que os jovens requerem (P3).
Há falta de ferramentas para planejar aulas mais dinâmicas, não há disponibilidade de recursos audiovisuais, pois na escola tem apenas o power point do ‘anfiteatro” e, por isso, todos procuram “agendar com muita antecedência o uso desses meios para as aulas (P6).
Há falta de estrutura nas escolas, laboratórios, mapas, copiadoras ultrapassadas, salas de internet, bibliotecas, além de espaço para poder questionar e debater política, pois nossos alunos estão presos mecanicamente a conteúdos que não os levam a críticas e questionamentos e sua família não colabora para o entendimento. Há que se ter paciência, mesmo não sendo reconhecido. O que dá força é gostar de ser professor de Geografia e sonhar que um dia a educação básica vai melhorar em todos os sentidos (P11).
Também há “dificuldades de acesso a materiais importantes para a Geografia, materiais áudio-visuais e, até, material básico, ex. atlas e globo, o que fazer! (P12).
Além de atlas e globo, há dificuldades de desenvolver a cartografia: “apresentar a técnica cartográfica de forma legível para elaboração de textos criativos, enfim, deixa a desejar, a cartografia para elaboração de textos criativos, cuja ausência de material cartográfico e de exposição, de atlas na biblioteca ou de compra pelo aluno. Vale até promover jogos para arrecadar recursos: fazer bingos para conseguir material cartográfico para que seja manuseado pelo aluno de forma concreta, explorar campo de cores, gráficos, etc. (P13).
Desinteresse dos alunos, analfabetismo geográfico, falta de ferramentas didáticas disponíveis. A escola ainda se resume ao século passado, com os mesmos instrumentos disponíveis (lousa, giz e didática) (P22).
Além da dificuldade de acesso ao material, há a dificuldade do domínio das inovações tecnológicas, e a administração do tempo, mas contam com “a ajuda dos colegas, em busca de informações, estudo (P23).
Alguns se referem mais especificamente a dificuldades ligadas ao conteúdo escolar,
como a adequação entre o conhecimento do aluno e a série que frequenta. Repete-se o
argumento da falta de pré-requisitos como impedimento para novas aprendizagens.
O conteúdo de Geografia é uma dificuldade para um professor, no sentido de que há uma repetição, tudo que já foi visto no ensino fundamental precisa ser repetido para alguns e, para outros, não é novidade, então, desperta pouco interesse da turma.
125
Tento inovar, mostrar com outro foco, pedir seminários elaborados pelos alunos que preparam ‘coisas’ maravilhosas para apresentar (P7).
Falta de embasamento teórico dos alunos. Falta de recursos áudiovisuais (data-show, DVD). Falta de mapas e livros atuais. Falta de um espaço físico adequado para debates, discussões. A escola tem se mostrado interessada e comprometida com a resolução do problema. Busca de elementos alternativos para a explicação do conteúdo (P9).
A falta de interesse dos alunos e também a ausência de pré-requisito de conteúdo. A resposta está na criatividade que os anos me proporcionam (P14).
O desafio de motivar os alunos para os estudos não é contudo uma questão que
dependa exclusivamente do esforço individual de cada docente. Ele está imbricado com
questões mais complexas que envolvem diferenças nos padrões de socialização dos
adolescentes e jovens na sociedade contemporânea e o modelo de socialização pressuposto na
atuação da escola e do professor.
Enquanto a maioria dos professores elenca várias dificuldades e, entre elas, se repetem
as que têm a ver com o comportamento dos alunos, uma minoria não cita as dificuldades que
vivencia em sala de aula e no cotidiano escolar, mas ressalta o que compreende como
necessário para responder aos diversos desafios da escola. No caso, a capacitação. Essa
demanda está explícita nas respostas de três professores que relacionam as dificuldades à
capacitação inadequada ou requerem a capacitação docente para atender as novas demandas
da escola:
Há dificuldade de encontrar programas de capacitação que atendam a demandas dos professores, programas que valorizem o professor, pois o esquema das universidades não atende a realidade atual da conjuntura política e social. O que ajuda é o trabalho de equipe da escola (P15).
Não existe capacitação, programas que valorizem os profissionais. O esquema da UFU no mestrado não tem nenhuma oportunidade para o pessoal do ensino, são mundos diferentes e distantes. Diante disso busco a relação de solidariedade dos colegas da área (P16).
Tudo está difícil! Busco programas e projetos da rede estadual e da universidade, ou palestras que de qualquer forma contribuam para o meu aprimoramento e atualização no ensino de Geografia e, também, faço parte do PEAS – Programa de Educação Afetiva e Sexual. Através dele tenho um maior contato com os alunos e os problemas que às vezes os afastam da vontade de estudar (P25).
Essas últimas observações provêm de docentes mais experientes, que têm entre 20 e
26 anos na carreira. Na perspectiva geral do que foi até aqui apresentado, as dificuldades, a
compreensão sobre elas e os encaminhamentos são diversos e não há aspectos do perfil dos
professores que sirvam como preditores de seu posicionamento.
126
O que se constata é que diante das dificuldades vividas pelos professores na escola, é
comum eles contarem mais com o apoio dos colegas e da equipe escolar para auxiliá-los do
que com a formação como suporte para os novos e frequentes desafios escolares. É diante
dessa característica atual da profissão docente que a criatividade, a sensibilidade e o
compromisso ético com a aprendizagem dos alunos se manifestam como elementos
indispensáveis ao seu exercício.
As dificuldades e as práticas relatadas pelos docentes remetem às considerações de
Tardif (2010). Os saberes profissionais não devem ser confundidos com os conhecimentos
adquiridos no âmbito da formação universitária, nem tampouco são eles meras reproduções
determinadas pela estrutura social ou pela cultura dominante, embora os professores não
sejam imunes a essas realidades e tais confluências devam ser compreendidas no espaço
escolar. (TARDIF, 2010, p. 256 –259).
O conhecimento escolar veiculado pelos professores no currículo resulta, portanto, de
uma construção ativa dos profissionais do ensino e da sua interação com os colegas e alunos.
Esse processo não é estático e, ao longo de sua construção, o currículo se torna um campo em
que se entrecruzam múltiplos tipos de práticas: políticas, administrativas, de produção de
materiais institucionais, pedagógico, de controle etc.; múltiplos agentes, com competências
divididas em proporção diversa, que incidem sobre a prática pedagógica, e forças que se
expressam em sua configuração, incidindo sobre aspectos distintos. Trata-se de um processo
de ‘construção curricular’, em que se detectam pontos nevrálgicos que afetam a sua
transformação processual que, por sua vez, podem incidir na prática (SACRISTÁN, 1998, p.
104).