capítulo 4 - certificações ambientais e comércio internacional
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PATRÍCIA NUNES LIMA
CERTIFICAÇÕES AMBIENTAIS E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Dissertação apresentada no Curso de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Mestre em Ciências Humanas - Especialidade Direito
Orientador: Dr. Christian Guy Caubet
Florianópolis2001
PATRÍCIA NUNES LIMA
CERTIFICAÇÕES AMBIENTAIS E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós- Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina pela Banca Examinadora formada pelos professores:
Florianópolis, abril de 2001.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CERTIFICAÇÕES AMBIENTAIS E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Patrícia Nunes Lima
Prof. Dr. Christian Guy Caubet Professor Orientador
Prof. Dr. Christian Guy Caubet Coordenador do Curso
Florianópolis, abril de 2001.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo incentivo, confiança e amor incondicional.
Ao Alexandre Juliano Bianchi, pelo companheirismo e por tomar as coisas sempre mais
fáceis e mais bonitas.
Ao Prof. Christian Guy Caubet, orientador, pela paciência e dedicação na elaboração deste
trabalho acadêmico.
Aos amigos e irmãos, pelo apoio e alegria em todas as horas.
A todos os professores da Pós-Graduação em Direito pelos ensinamentos compartilhados e
pelo amor a esta louvável profissão que é a docência.
À CAPES pelo auxílio à pesquisa brasileira.
A todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta obra.
Muito obrigada!
RESUMO
O desenvolvimento econômico baseado no aumento do volume de comércio
internacional contribui para agravar a crise ecológica atual, sendo um dos maiores
responsáveis pelo aumento da entropia planetária. O tema das certificações ambientais tem
obtido cada vez mais destaque no comércio externo, em face da grande polêmica de qual seja
o seu verdadeiro objetivo: barreira comercial não tarifária, ou defesa do meio ambiente e
proteção contra o dumping ecológico.
Há dois âmbitos de controle ambiental: o primeiro é o controle exercido pelo
Estado mediante legislação interna; o segundo, mais recente, apresenta-se como controle
privado, ou seja, um controle voluntário e dependente da iniciativa das empresas. Está se
propagando a idéia de que o controle de atividades que causam danos ao meio ambiente deve
partir da iniciativa privada, seguindo a matriz neoliberal de que o mercado regula-se por si só,
ficando as questões ambientais cada vez mais submetidas às regras comerciais.
A ISO estabelece normas internacionais ambientais de caráter voluntário. No
entanto, a adesão a essas normas apresenta-se como um “passaporte” para o comércio
internacional; a certificação concedida pela ISO confere condições aos países desenvolvidos
para o estabelecimento e conservação de suas hegemonias no comércio externo. Assim, as
questões ambientais servem “de fachada” para a conquista e manutenção de interesses de
ordem econômica.
Países em desenvolvimento, carentes de recursos tecnológicos para a utilização das
chamadas “tecnologias limpas”, e geralmente sem a tradição de investimentos em pesquisas,
são impedidos de comercializarem seus produtos, por barreiras ecológicas presentes no
comércio internacional, pelo seu não “enquadramento” nos padrões estabelecidos por grupo
de países desenvolvidos, que assumem a preeminência no processo de elaboração dos
standards.
Em última análise, a padronização internacional de normas ambientais,
representada pelas certificações conferidas pela ISO, tem como finalidade a facilitação do
intercâmbio comercial entre os Estados, o que é incompatível com a sustentabilidade
ecológica, que, por sua vez, çequer um re-direcionamento das economias nacionais para o
âmbito local ou regional, com vistas à satisfação das necessidades locais, processo inverso ao
da globalização econômica.
ABSTRACT
Economical growth based upon increasing of international trade demand
contributes to aggravate the recent ecological crisis and it is one of the greatest causes of
Earth’s entropy rising. Environmental certification subject is achieving more relevance in
international trading, due to the controversy about its actual purpose: economical barriers free
of tariffs or environment care and protection against ecological dumping.
There are two kinds of environment control: the first one is the government control
by means of internal legislation; the other, the recent one, is the private control, meaning a
voluntary watch of companies’ actions. Nowadays, it is well spread the idea that harmful
actions to the environment are being watched closer by private means, according to the
neoliberal thought which states that market alone rules itself, submitting environmental
matters to commercial impositions.
ISO establishes voluntary international environmental patterns. However,
observance of these patterns is like a “passport” for international trading; ISO certification
provides ways for the establishment and conservation of developed countries hegemony in the
international trading. Thus, environmental matters work as a “mask” for conquering and
keeping economical interests.
Backward countries, which lack of technological resources to achieve “clean
technologies” and investments in research, are hindered of trading their products by
ecological obstacles found in the international commercial exchange, since they do not “fit” to
the standard established by developed countries which lead the process of patterns
elaboration.
In last instance, international environmental standard, represented by certifications
awarded by ISO, aims to make commercial interchange between nations easier. This is
incompatible with ecological sustaining, which demands a redirecting of national economy to
a local one in order to fulfil specific needs, the opposite of the global economic process.
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS.................................................................................................ix
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1
CAPÍTULO 1 - COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE...........................................10
1.1 - A origem dos problemas ambientais contemporâneos................................. 13
1.2 - A industrialização e o consumo moderno.................................................... 15
1 .3 -0 comércio internacional.............................................................................. 17
1 .4 -0 paradigma capital expansionista............................................................... 20
1 .5 -0 aumento da entropia...................................................................................25
1.6 - O desenvolvimento sustentável.....................................................................28
1.6.1 - Conceito............................................... ....................................................... 30
1.6.2 - As necessidades do mundo contemporâneo............................................... 32
1.7- Desenvolvimento tecnológico........................................................................34
1.7.1 - Tecnologia e meio ambiente.......................................................................36
1.8 - Economia do meio ambiente...................... ..................................................39
1.8.1 - Os recursos naturais................................................................................... 41
1.8.2 - Valoração dos recursos naturais................................................................ 42
1.8.3 - Políticas econômico-ambientais................................................................. 45
1.8.4 - A proposta ecoliberal................................................................................ . 47
1.8.5 - Política estatal de gerenciamento ambiental............................................. 49
1.8.6 - Controle público ambiental.........................................................................54
1.8.7 - Sistema de tributos ecológicos................................................................... 56
1.8.8 - Efeitos do sistema de tributos ecológicos.................................................. 57
CAPÍTULO 2 - A CARACTERIZAÇÃO DOS STANDARDS ISO..................59
2.1- Padronização global.......................................................................................62
2.2 - International Organization for Standardization - ISO...................................65
2.2.1 - Composição da ISO ..................................................................................... 67
2.2.2 - Recursos financeiros....................................................................................68
2.2.3 - As normas da série ISO............................................................................... 68
2.2.4 - Processo de elaboração das normas da série ISO .....................................70
2.2.5 - Normas previstas para futura publicação..................................................71
2.2.6 - O TC-207...................................................................................................... 74
2.2.7 - Estrutura e funcionamento do TC-207.......................................................75
2.2.8 - TC-207: subcomitês.....................................................................................76
2.3 - Normas da série ISO 14000........................................................................... 79
2.3.1 - ISO 14001 - Sistemas de gestão ambiental - Especificação e diretrizes
para uso ...................................................................................................................80
2.3.2 - ISO 14004 - Sistemas de gestão ambiental - Diretrizes gerais sobre
princípios, sistemas e técnicas de apoio............................................................... 100
2.3.3 - ISO 14010- Diretrizes para auditoria ambiental - Princípios gerais.... 104
2.3.4 - ISO 14011 - Diretrizes para auditoria ambiental - Procedimentos de
auditoria - Auditoria de sistemas de gestão ambiental........................................107
2.3.5 - ISO 14012 - Diretrizes para auditoria ambiental - Critérios de
qualificação para auditores ambientais............................................................... 109
2.4 - ISO - Brasil....................................................................................................110
2.4.1 - Grupo de Apoio à Normalização Ambiental - GANA............................... 111
2.4.2 - Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT................................ 113
2.4.3 - Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial -
SINMETRO............................................................................................................ 114
2.4.4 - O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
-INM ETRO ........................................................................................ :..................114
CAPÍTULO 3 - A LIBERALIZAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL. 116
3.1 - Efeitos da liberalização comercial............................................................... 125
3.1.1 - A degradação ambiental............................................................................ 125
3.2 - A OMC e a proteção do meio ambiente.......................................................128
3.2.1 - Acordos ambientais e a OMC ....................................................................132
3.2.2 - As barreiras ambientais ao comércio e a OMC .......................................136
3.2.3 - Acordo sobre barreiras técnicas ao comércio........................... .............. 139
3.2.4 - A OMC na gestão do meio ambiente......................................................... 142
3.3 - Protecionismo................................................................................................150
3.3.1 - Protecionismo: um recurso utilizado pelas grandes potências...............152
3.3.2 - A substituição de importações dos países em desenvolvimento...............156
3.3.3 - Alternativas ao comércio internacional.....................................................159
CAPÍTULO 4 - CERTIFICAÇÕES AMBIENTAIS E COMÉRCIO
INTERNACIONAL..................................................... ........................................ 166
4.1 - Certificações ambientais............................................................................... 167
4.1.1 - Alternativas das empresas frente à certificação................... ...................174
4.2 - Barreiras comerciais ambientais...................................................................176
4.2.1 - Os critérios de rotulagem/certificação........................................ ............. 177
4.2.2 - Harmonização internacional dos sistemas de certificação..................... 179
4.2.3 - A questão da soberania nos sistemas de certificações ............................. 182
4.3.- Dumping............... ........................................................................................ 184
4.3.1 - As práticas ou medidas antidumping........................................................186
4.3.2 - Conseqüências das medidas antidumping................................................ 190
4.3.3 - Dumping ecológico...................... ..............................................................191
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 194
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 199
ANEXO 1 .............................................................................................................. 204
ANEXO 2 .............................................................................................................. 209
LISTA DE SIGLAS
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas
BSI - British Standards Institution
CBC - Comitê Brasileiro de Certificação
CBs - Comitês Brasileiros
CBTC - Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio
CCA - Comissão de Certificação Ambiental
CCI - Câmara de Comércio Internacional
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina
CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
CFC - Cloro-Flúor-Carbono
CITES - Convention on the International Trade in Endangered Species
COMECON - Conselho de Assistência Econômica Mútua
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONMETRO - Conselho Nacional de Normalização e Qualidade Industrial
Dl - Direito Internacional
DIP - Direito Internacional Público
GANA - Grupo de Apoio à Normalização Ambiental
GATT - General Agreement on Tariffs and Trade
GRUPO MACI - Grupo de Medidas Ambientais e Comércio Internacional
IBGE - Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IEC - International Electrotechnical Commission
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
ISA - International Federation of the National Standardizing Associations
ISO - International Organization for Standardization
ITU - International Telecommunication Union
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
MMPA - Marine Mammals Protection Act
MSF - Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
NAFTA - North American Free Trade Agreement
NBR - Norma Brasileira Registrada
OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC - Organização Mundial do Comércio
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONS - Organismos de Normalização Setorial
ONU- Organização das Nações Unidas
PGD - Princípios Gerais do Direito
PIB - Produto Interno Bruto
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SAGE - Strategic Advisory Group on the Environmental
SGA - Sistema de Gestão Ambiental
SINMETRO - Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
TBT - Technical barreira Trade
TC - Technical Committee
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
WTO - World Trade Organization
INTRODUÇÃO
O objetivo da presente dissertação é verificar se as certificações ambientais
realmente são efetivos instrumentos de política ambiental, no âmbito das relações comerciais
internacionais, ou se estas certificações servem a outros interesses que não a proteção do meio
ambiente. Nestes termos, procurar-se-á, ainda, esclarecer em quê consistem tais certificações,
se estas são imprescindíveis, ou se representam a melhor solução, ou o melhor instrumento de
política ambiental, que venha a atuar de forma eficaz no sentido de manter-se um ambiente
natural em condições de atender às necessidades básicas das atuais e futuras gerações.
Para se chegar a uma resposta, procedeu-se à análise de alguns fenômenos
relacionados ao comércio internacional e ao meio ambiente, estudando-se, sobretudo, alguns
aspectos do liberalismo econômico e do protecionismo comercial. Estes serviram de subsídio
para um melhor entendimento das relações entre os países quando se trata de política
econômica, e como esta última está diretamente ligada à questão ambiental, portanto, não se
poderia furtar alusão e análise do assunto.
Nestes termos, no primeiro Capítulo deste trabalho, discute-se a relação entre essa
atividade humana, que é a prática comercial, e os problemas que a mesma pode acarretar para
o meio natural. Este assunto é objeto de debate desde o início da década de setenta, mas
obteve destaque, principalmente, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento - CNUMAD, em 1992, realizada no Rio de Janeiro; e também após a
criação da Organização Mundial do Comércio - OMC, em 1994. A referida Conferência
resultou em uma declaração que contém vinte e sete princípios, chamada “Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”.
Contudo, a Declaração do Rio revela a preocupação das partes com a
possibilidade de medidas de caráter ambiental tomarem-se “discriminações arbitrárias ou
injustificáveis ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional”. Nestes termos, deduz-
se que as partes presumiram a atividade comercial compatível com o desenvolvimento
sustentável.1 No entanto, o crescimento econômico baseado no aumento do volume de
comércio internacional contribui para agravar a crise ecológica atual.
A industrialização ocorrida nos países desenvolvidos teve conseqüências drásticas
para o meio ambiente. Seus efeitos são hoje sentidos mais intensamente se comparados à
época em que o processo foi iniciado. O esgotamento dos recursos não renováveis; a
dilapidação e contaminação de recursos renováveis; o efeito estufa; a destruição parcial da
camada de ozônio; entre outros problemas globais de ordem ecológica são exemplos dos
efeitos que o homem hoje vivência como resposta às suas insensatas atividades degradantes
do passado. Nesse sentido, acredita-se que a ação humana seja limitada pela própria natureza
que “responde” às agressões com a diminuição da qualidade de vida das pessoas.
Ainda cabe acrescentar que, apesar dos avanços da tecnologia, no sentido de
abrandar alguns efeitos nocivos ao meio ambiente, a industrialização ainda é responsável pelo
agravamento da crise ecológica, não só em seus efeitos diretos (poluição) como em seus
efeitos indiretos (o destino das mercadorias industrializadas ao comércio internacional). Este
último é um outro fator abordado como um dos grandes responsáveis pela crise ecológica
contemporânea.
As ações humanas que envolvem a expansão do comércio e o desenvolvimento
econômico contínuo estão fundamentadas no denominado “paradigma capital expansionista”.
Este paradigma baseia-se na maximização do comércio internacional. Suas características
gerais são que o desenvolvimento social é medido pelo conhecimento econômico; o
crescimento econômico é contínuo e assenta-se na industrialização e no desenvolvimento
tecnológico reputado infinito; os recursos naturais são valorizados enquanto insumos a serem
utilizados pelo setor produtivo entre outras.
Nesta dissertação, ver-se-á que, em virtude do paradigma capital expansionista, a
entropia planetária está aumentando. Aqui, cabe esclarecer que entropia significa a tendência
de um sistema para a desordem, ou a medida do grau em que a energia é inaproveitável. De
acordo com a lei da entropia, fundamentada na segunda lei da termodinâmica, a energia livre
de um sistema só poderá ser consumida, não podendo ser aumentada ou reproduzida. Os
processos econômicos utilizam recursos naturais como matéria-prima, essa matéria-prima é
transformada e, num último momento, vira lixo.
------------------------------------:-------- I
1 Desenvolvimento sustentável aqui deve ser entendido como aquele desenvolvimento econômico que inclui em seus pressupostos, medidas de caráter ecológico, que visem ao atendimento às necessidades “básicas” ou
Nas últimas décadas, tanto ecologistas quanto adeptos da liberalização comercial
vêm defendendo a idéia de “desenvolvimento sustentável”. Este conceito surgiu na década de
oitenta, e significa um modelo de desenvolvimento econômico que atenda às necessidades do
presente sem comprometer a satisfação das necessidades das futuras gerações. Contudo, o
desenvolvimento sustentável, pelo menos aquele expresso no relatório Brundtland não exclui
o crescimento da economia. As “necessidades” contidas no conceito de desenvolvimento
sustentável deveriam ser aquelas relativas ao atendimento das condições salutares de vida, ao
contrário daquelas necessidades “criadas”, presentes no mundo contemporâneo, e que
contribuem para o esgotamento e deterioração dos recursos naturais terrestres.
Comumente, aponta-se o desenvolvimento tecnológico como solução para os
problemas da produção insustentável. Contudo, o desenvolvimento tecnológico apresenta
duas faces: tanto pode servir como instrumento de política ambiental, contribuindo para a
amenização dos efeitos da degradação do meio ambiente; quanto pode representar um risco
para a saúde e vida humanas, como, por exemplo, os organismos geneticamente modificados,
onde não se sabe ao certo quais serão os seus efeitos em longo prazo.
Estudar-se-á, também, alguns aspectos relativos à economia do meio ambiente.
Esta trata das extemalidades negativas ou custos ambientais não computados no custo total da
produção econômica, assim como procura encontrar um modo para internalizar tais
extemalidades. Nestes termos, serão vistas algumas características dos recursos naturais e,
sobretudo, a irreversibilidade dos processos de degradação ambiental. Falar-se-á da valoração
destes recursos, entre outros aspectos considerados relevante para a conclusão do presente
trabalho.
Analisar-se-á, alguns exemplos de políticas econômico-ambientais, onde se
apresentará, algumas diretrizes da proposta ecoliberal, bem como a proposta de uma política
estatal de gerenciamento ambiental. Assim, dentro desta última proposta será abordado o tema
do controle público ambiental, onde se defende a idéia de que o Estado deve responsabilizar-
se por um programa de controle público ambiental, utilizando-se de instrumentos jurídicos, e
de instrumentos próprios do direito financeiro para que se possa promover a intemalização
salutares da vida humana, nos tempos atuais e futuros.2 O Relatório Brundtland é um relatório solicitado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que atribuiu aos componentes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA a tarefa de formular estratégias ambientais para o ano 2000 em diante. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, constituída para esta finalidade, subsidiou o PNUMA. O relatório da Comissão foi publicado em 1987, e foi designado como Relatório Brundtland como homenagem à presidente da Comissão, Gro Harlem Brundtland, Primeira-Ministra da Noruega àquela época; hoje presidente da OMS.
dos custos ambientais, fazendo valer, assim, a lógica do princípio poluidor-pagador. Nesse
contexto, uma opção seria a adoção de um sistema de tributos ecológicos. Quanto à adoção
desse tipo de sistema, algumas considerações serão feitas sobre os efeitos do mesmo,
sobretudo, no âmbito internacional.
Movimento contrário a um “controle” público do meio ambiente, exercido emI
âmbito nacional, está a harmonização das normas ambientais de todos os países do globo.
Esta harmonização das normas está bem representada pelos trabalhos até hoje desenvolvidos
pela ISO, dentro do sistema de padronização global. Assim, no Capítulo 2 desta dissertação,
primeiramente far-se-á a caracterização dos standards ou padrões elaborados no âmbito da
daquela organização, comparando-se os requisitos de uma regra considerada pelo Direito
Internacional Público como uma norma válida de direito internacional, com as características
das normas da série ISO. Estas últimas apresentam-se como acordos documentados,
estabelecidos consensualmente entre os membros da instituição, onde são estabelecidos
padrões internacionais e, posteriormente, publicados como norma internacional.
O sistema de padronização global foi fortalecido com a criação da International
Organization for Standardization - ISO, em 1947, organização esta que trabalha num campo
de abrangência que nenhuma outra possui. A ISO foi criada com a finalidade de unificar
padrões industriais no âmbito internacional. Trata-se de uma federação mundial formada por
grupos nacionais competentes na área de padronização. Atualmente, a organização congrega
representantes de cento e trinta países.
As normas elaboradas no âmbito da ISO são subsidiadas por recomendações dos
governos e por representantes do setor empresarial. Tais normas são elaboradas tendo em
vista três princípios básicos: o consenso, a abrangência internacional e a voluntariedade.
Neste último aspecto, cabe ressaltar que hoje essa voluntariedade é questionada em função da
“exigência” desses padrões, cada vez mais presentes nas relações comerciais exteriores, e que
funcionam como componentes essenciais à competitividade.
A organização é dividida em vários comitês técnicos que tratam da elaboração e
aprovação das normas de padronização. O comitê responsável pelas normas de gestão
ambiental é o TC-207, este é responsável pelas normas da série ISO 14000. Estas normas
possuem a finalidade de estabelecer um padrão de sistema de gestão ambiental dirigido a
empresas, mediante a implementação de uma política ambiental de melhoria contínua da
relação entre setor empresarial e meio ambiente.
Vários argumentos em favor da padronização internacional são utilizados,
principalmente pelos adeptos do liberalismo econômico, contudo, um dos principais é a
facilitação do comércio entre os países. No entanto, os critérios utilizados pela ISO para a
elaboração dos seus standards, por exemplo, são constantemente questionados em face da
predominância dos interesses dos países desenvolvidos no processo de elaboração das
referidas normas. Ambientalistas ainda argumentam que, como a padronização está associada
à liberalização comercial, ela seria um dos fatores responsáveis pela aceleração do processo
de degradação do meio ambiente.
As normas já publicadas pela ISO relativas à gestão ambiental e à auditoria
ambiental também fazem parte do conteúdo de segundo Capítulo deste trabalho. São elas: ISO
14001; ISO 14004; ISO 14010; ISO 14011; e ISO 14012. Dessa forma, os aspectos mais
significativos serão abordados de forma a informar o leitor do conteúdo de cada norma, e das
características gerais da mesma. Tratar-se-á, também, da relação da ISO com o Brasil. Este é
membro fundador da referida organização, e atua em nível de subcomitê, representado pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
No Capítulo 3 da dissertação “A Liberalização do Comércio Internacional”
procura-se demonstrar, de forma geral, que o processo de liberalização comercial contribui
para piorar ainda mais as condições do meio ambiente, ou seja, que a liberalização do
comércio internacional é incompatível com a conservação dos recursos naturais e com o
desenvolvimento sustentável.
Trata-se de um tema que teve origem com as teorias clássicas do liberalismo
econômico: teoria das vantagens absolutas, elaborada por Adam Smith, e a teoria das
vantagens comparativas de David Ricardo. Autores modernos afirmam que a teoria das
vantagens comparativas não consegue explicar as relações comerciais internacionais, pois esta
seria destruída pela capacidade de circulação de capital. Assim, a livre circulação de capital e
de bens, e não apenas de bens, como ocorria na época dos liberais clássicos, significa que hoje
se procura uma rentabilidade absoluta e não uma vantagem comparativa entre países. Dessa
forma, fatores como capital e trabalho tomaram-se bens ou serviços comercializáveis, o que
na época do liberalismo clássico era uma dotação fixa de determinada região.
O comércio internacional, dentro do contexto do liberalismo econômico, é
incentivado principalmente pela Organização Mundial do Comércio - OMC. Contudo, as
relações comerciais internacionais dão-se de maneira desigual, não só com relação aos atores
que participam dela, mas também com relação aos fatores que são comercializados, ou seja:
países desenvolvidos, detentores de tecnologia avançada, vendem seus produtos com valor
agregado, num preço relativamente caro; já os países em desenvolvimento comercializam
seus produtos, predominantemente agrícolas ou semielaborados, por um valor relativamente
baixo, num sistema de trocas onde os países ricos ficam cada vez mais ricos e os países
pobres, cada vez mais pobres.
Além disso, os efeitos da liberalização comercial no meio ambiente é um assunto
que deve assumir maior destaque na procura de soluções para o problema ambiental global,
pois os ecossistemas encontram-se saturados em face das ações humanas ligadas ao comércio
internacional. Ainda dentro do tema “liberalização comercial” estudar-se-á a Organização
Mundial do Comércio - OMC, em seus aspectos relativos ao meio ambiente, e ver-se-á que as
“preocupações” do GATT com relação a esse assunto remontam desde o início da década de
setenta, coincidindo com a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo,
Suécia.
Tratar-se-á, ainda, no Capítulo 3 desta dissertação, da relação entre os acordos
ambientais internacionais e as normas da OMC. Posteriormente analisar-se-á, as supostas ou
não, barreiras comerciais ambientais ao comércio, e o posicionamento da OMC com relação a
esse assunto. Nesse sentido, foi firmado no âmbito da organização o Acordo sobre Barreiras
Técnicas ao Comércio, assinado na Rodada Uruguai, que veio a confirmar a tendência
harmonizadora com relação às normas que vigoram no âmbito internacional. Por último,
dentro do tema da liberalização do comércio, tratar-se-á da OMC e sua gestão com matérias
relacionadas a questões ambientais. Assim, serão apresentados alguns casos que envolveram
questões ambientais, em que a OMC se manifestou como, por exemplo, o caso das
exportações dos Estados Unidos e do Canadá de carnes com hormônio de crescimento, onde
o Conselho de Apelação da OMC, órgão julgador da organização, manteve a decisão de que a
lei européia violava as regras de comércio internacional, pois a atitude da União Européia de
não permitir a importação de carnes com hormônio representava uma barreira ao comércio
internacional.
O protecionismo econômico, tema que se contrapõe à liberalização do comércio
internacional, está presente nas relações comerciais entre os Estados desde que estas relações
comerciais tomaram grandes proporções, em face do advento da Revolução Industrial. Neste
caso, as certificações ambientais perdem a sua razão de existir, pois políticas de caráter
protecionista pregam, de forma geral, a “proteção” das economias estatais mediante um
desenvolvimento endógeno, construído em âmbito local ou regional. Transpondo estas
diretrizes para o âmbito ambiental, conclui-se que as políticas ambientais também devem ser
elaboradas e postas em prática naqueles termos.
O protecionismo comercial foi um recurso muito utilizado pelos países hoje
desenvolvidos, que ainda hoje não abrem mão de “protegerem” setores considerados
estratégicos de suas economias internas. O fortalecimento de tais economias, mediante a
adoção de medidas protecionistas, deu-se principalmente em períodos de reconstrução das
duas Guerras Mundiais.
Na última década, observaram-se dois fatores paradoxais: a utilização de barreiras
não tarifárias, que representam novos instrumentos de políticas protecionistas e, por outro
lado, a liberalização comercial promovida pelo GATT/OMC. Cabe também mencionar o
protecionismo praticado por países em desenvolvimento, iniciado no primeiro quarto do
século XX e finalizado na dedada de oitenta. Este protecionismo foi fortemente representado
pela “substituição de importações” motivada, principalmente, pela retração do mercado de
importação em virtude das Guerras Mundiais, pois os países participantes das referidas
Guerras estavam em fase de reconstrução e não tinham condições de manterem as antigas
políticas de exportação.
Por último, apresentar-se-á algumas alternativas ao comércio internacional,
apontando-se para a necessidade de um comércio mais local e menos global, associado à
necessidade de um sistema democrático que envolva a participação da comunidade, de uma
forma organizada, na tomada de decisões políticas e na solução dos problemas “da região”.
Ainda falar-se-á da independência econômica dos Estados, com a promoção de uma quebra
no círculo vicioso das trocas comerciais desvantajosas para os países em desenvolvimento,
apresentando-se a idéia de que o Estado tem a responsabilidade de identificar os problemas
dentro de seu território, bem como desenvolver políticas que visem ao atendimento das
necessidades locais.
No Capítulo 4 da dissertação, que trata do tema “Certificações Ambientais e
Comércio Internacional”, ver-se-á que com o passar dos anos novas formas de protecionismo
foram surgindo. Esta prática vem sendo questionada pela Organização Mundial do Comércio -
OMC e por governos de alguns países. Nesse contexto, as certificações ambientais são objeto
de análises em diversos casos, dentro e fora de fóruns internacionais.
As certificações ambientais3 surgiram no início da década de setenta onde, nesta
mesma década, alguns países desenvolvidos conquistaram a obrigatoriedade de se colocar
informações nos rótulos dos produtos. Na década de oitenta, houve uma proliferação dos
sistemas de certificação e rotulagem ambiental. Com o advento da Convenção das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, a normalização ambiental
internacional ganhou grande impulso. Nesta ocasião, surgiu a idéia de se desenvolver, no
âmbito da ISO, normas relativas à gestão ambiental.
Atualmente, as certificações ambientais estão inseridas no marketing das
empresas, representam um diferencial no mercado externo e, muitas vezes, condição de
participação neste. É justamente neste último aspecto que as certificações são alvo de várias
controvérsias, pois podem perfeitamente representar uma barreira ao comércio internacional,
principalmente aos países em desenvolvimento. Estes acolhem empresas nacionais que não
possuem, na maioria das vezes, recursos financeiros e tecnológicos para se adequarem aos
padrões estabelecidos no âmbito externo.
A maior crítica feita aos selos e aos organismos de certificação ambiental é a de
que estes abrigam tendenciosidades e imprecisões, favorecendo setores produtivos dos países
desenvolvidos, trazendo prejuízos às empresas instaladas nos países em desenvolvimento.
Neste caso, as certificações representariam barreiras comerciais ao comércio internacional, e a
solução apresentada para esse caso, e que representa a posição da ideologia dominante, é a
harmonização das normas ambientais de caráter internacional. A organização que está sendo
apontada para a promoção dessa harmonização é a ISO. Cabe ressaltar que a OMC está entre
os que apoiam esta harmonização, já que isto facilitaria o intercâmbio comercial entre os
países.
No âmbito das relações comerciais internacionais, países desenvolvidos alegam
que os países em desenvolvimento lançam mão de práticas consideradas desleais
representadas pelo dumping. No aspecto ambiental, o dumping dar-se-ia com a não
intemalização dos custos sociais, produzidos pela degradação ao meio ambiente causada pelos
agentes produtivos. Isto caracterizaria o chamado “dumping ambiental” ou “dumping
ecológico”.
3 Aqui, o termo “certificações ambientais” está utilizado em lato senso, ou seja, refere-se não apenas à certificação de uma organização/empresa, mas também à rotulagem de produtos.
Por outro lado, os países em desenvolvimento argumentam que os países
desenvolvidos são adeptos de práticas protecionistas, muitas vezes utilizando-se de selos e
certificados ecológicos para sustentarem tais medidas.
Enfim, apresentar-se-á, essas duas faces das certificações ambientais: a alegação
de que estas representam medidas protecionistas, com relação a setores do mercado,
instalados principalmente em países desenvolvidos, que não conseguem mostrar-se
competitivos frente à vantagem comparativa existente nos países em desenvolvimento. Por
outro lado, os países desenvolvidos argumentam que a não adesão aos padrões estabelecidos
nas certificações ou rótulos ecológicos, adotando-se padrões supostamente inferiores de
gerenciamento ambiental, acarretaria numa prática desleal ao comércio internacional
designada como dumping ambiental.
CAPÍTULO 1 - COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE
A relação entre comércio e meio ambiente tomou-se tema de destaque, sobretudo
após a ECO-92, e também depois da criação da Organização Mundial do Comércio - OMC. É
claro que este assunto já chamava atenção na década de setenta com a instituição de selos
ecológicos na Europa, e em face, também, da Conferência realizada em 1972 em Estocolmo,
Suécia, entre outros eventos de grande projeção. A referida Conferência representou “[...] a
primeira tomada de consciência, em nível mundial, da fragilidade dos ecossistemas que,
integrados, sustentam a vida em nosso planeta e da conseqüente necessidade de que se
realizassem esforços para melhorar a qualidade de vida humana, proteger espécies ameaçadas
e utilizar de forma racional os recursos naturais não-renováveis.”4
Todavia, foi a partir da ECO-92 que as políticas sobre comércio e meio ambiente
começaram a ser fortemente discutidas, levando-se em consideração as respectivas
implicações sobre as possibilidades de um desenvolvimento sustentável. Essa Conferência
internacional realizada em 1992 produziu um documento denominado Agenda 21. Este
documento possui o objetivo de “"preparar o mundo para os desafios do próximo século' e
representa um ‘consenso mundial e um compromisso político no nível mais alto no que diz
respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental' (CNUMAD, 1996).”5
Contudo, a Declaração do Rio, firmada na ECO-92 (Anexo 1) reconhecendo “a
natureza interdependente e integral da Terra, nosso lar”, etc., proclamou vinte e sete
princípios. Dentre eles, o princípio doze, estabelece o seguinte:
“Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradação ambiental. Medidas de política comercial para propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para a imposição de discriminações arbitrárias ou injustificáveis ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional. Devem ser evitadas
4 BRASIL. Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. In: CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1993, Brasília. Relatório da Delegação Brasileira: Brasília: Fundação Alexandre Gusmão; Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 1993. p. 95 WIDMER, Walter Martin. O sistema de gestão ambiental NBR ISO 14001 e sua integração com o sistema de qualidade NBR 9002. 1997, p.7. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental).
ações unilaterais para o tratamento de questões ambientais fora da jurisdição do país importador. Medidas destinadas a tratar de problemas ambientais transfronteiriços ou globais devem, na medida do possível, basear-se em um consenso internacional”.6
Assim, com esta disposição inserida num documento que deveria ser de total
defesa da integridade e equilíbrio ecológico, percebe-se a submissão do ecológico ao
econômico. Daí a dificuldade de conciliar interesses econômicos com ambientais. A lógica
predominante, adotada pelos governos dos países, é de que tudo deve se submeter ao
desenvolvimento econômico, e que ecologia é extemalidade da economia. No entanto, a
economia deveria ser vista como parte da ecologia. Estas duas esferas interagem e, caso o
sistema econômico não seja analisado e visualizado nestes termos, ele aprofundará o process
destrutivo de degradação dos recursos naturais terrestres. ^
Alega-se que o comércio pode estar associado a um grau designado “ótimo” de
intemalização dos custos ambientais, dessa forma, diminuindo os efeitos nocivos dasn
atividades comerciais. Nestes termos, as alternativas corresponderiam basicamente à
instituição do princípio poluidor-pagador. Esse princípio está previsto na Declaração do Rio
de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), e proclama que “tendo em vista
que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades
nacionais devem procurar promover a intemalização dos custos ambientais e o uso de
instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer oo
comércio e os investimentos internacionais.” Dessa forma, essa intemalização dá-se com a
imposição de um “tributo” à atividade poluente que, por sua vez, repercutirá no preço dos
produtos os custos ambientais. Aqui, haveria a intemalização dos custos ambientais, e os
preços dos produtos refletiriam as extemalidades negativas na produção, consumo e
disposição final.
Ainda tratando-se sobre o princípio poluidor-pagador, Lacasta afirma que este
“garante também mais justiça social, redistribuindo custos entre produtores e consumidores, e
obrigando quem poliu a pagar pelos custos de prevenção da poluição, bem como, pelos danos
6 BRASIL. Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. In: CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1993, Brasília. Relatório da Delegação Brasileira: Brasília: Fundação Alexandre Gusmão; Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 1993. p. 141. (Sem grifo no original)7 Esta é a posição da OMC, e de autores como Dalia Maimon. Cf. MAIMON, Dalia. Passaporte verde: gerência ambiental e competitividade.
12
causados por essa mesma poluição.”9 No entanto, aqui não se leva em consideração a
irreversibilidade de alguns processos de degradação, e tais processos não são poucos. Dessa
forma, conseguir um grau “ótimo” no processo de intemalização dos custos ambientais,
muitas vezes é insuficiente para tratar problemas relativos ao meio ambiente. Exemplo disso é
efeito estufa, realidade vivenciada pela geração da segunda metade do século XX e início do
século XXI. Mesmo que os poluidores “paguem” pela poluição causada ao meio ambiente, o
índice de C02 continuará aumentando na atmosfera e o efeito estufa tende a agravar-se,
causando o aumento da temperatura da Terra, entre outras conseqüências negativas para o
meio.
Ainda assim, alguns autores defendem a adoção de políticas adequadas e
oportunas que possam vir a regular e retificar as distorções ambientais do livre mercado.
Nestes termos, o crescimento econômico e a abertura do comércio estariam ligados à proteção
do meio ambiente. Acredita-se que políticas econômicas que intemalizam os custos
ambientais, podem elevar o custo da produção e reduzi-las em determinadas áreas. Alega-se
que esta opção é preferível à degradação indiscriminada. Assim, a saída seria fazer com que
os preços dos produtos reflitam os custos ambientais, sem maiores condenações à atividade
econômica.
No entanto, é fato que o crescimento econômico baseado no aumento do comércio
internacional aumentará em grandes proporções as degradações, gerando entropia num ritmo
frenético. E este processo será um dos principais responsáveis por um futuro colapso
ambiental. Mesmo com a instituição do princípio poluidor-pagador, o problema ambiental
continuará se desenvolvendo causando transtornos para todos indistintamente. Com relação a
esse princípio Caubet assevera o seguinte: “o Princípio Poluidor-Pagador, antiga pedra
angular da construção de um mundo mais respeitoso do meio ambiente, estará assim reciclado
pela percepção mercantilista dominante no mundo, pois passará a ‘valer’ dinheiro em
transações comerciais cujo objetivo será de ‘otimizar’ economicamente os impactos das mais
diversas formas de contaminação.”10 O fato é que o problema ambiental requer uma solução
8 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial: uma reconstituição da Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1995. p. 172.9 LACASTA, Nuno Sanchez; NEVES, Manuel Andrade. Ambiente e desenvolvimento sustentado: princípios de direito internacional. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente/CIEL - US Center for International Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente: direito, economia e política, 1996. p. 16910 CAUBET, Christian Guy. A Irresistível Ascensão do Comércio Internacional: o meio ambiente fora da lei? Crítica Jurídica: revista latinoamericana de política, filosofia y derecho. n.17, p. 239, ago. 2000.
13
eficaz e urgente, e não apenas paliativos que protelam o mal maior representado pela total
impossibilidade da manutenção da qualidade de vida na Terra, qualidade esta que deveria ser
o principal objetivo do homem.
1.1 - A origem dos problemas ambientais contemporâneos
A despeito dessas discussões mais recentes sobre a relação entre comércio e meio
ambiente, a degradação ambiental passou a ser considerada um problema relevante de
projeção internacional após o advento do capitalismo industrial. Certamente houvel
degradações anteriores a esse período histórico, todavia, nada comparado aos efeitos da
industrialização sobre o meio ambiente.11 Essa agressão ao ambiente natural deu-se em
virtude de uma mudança de comportamento do homem na sua interação homem/natureza
física.
Quanto às degradações provocadas pela ação humana, Deléage ensina que, antes
da primeira revolução industrial, as florestas foram o principal alvo de destruições.
Lembrando da importância da natureza para a espécie humana, bem como de sua manutenção,
o citado autor lembra que foi em virtude de uma relação desarmônica que, provavelmente, a
civilização Maia sucumbiu. Sobre esse assunto comenta o autor:
“A história começa agora a dispor de meios de análise permitindo estabelecer correlações entre as contingências ecológicas e o destino das civilizações, particularmente no estudo daquelas em que as causas do declínio podem ser atribuídas ao esgotamento de determinados modos de exploração da natureza. [...] Esta foi a hipótese levantada para explicar a queda súbita, no início do século X, da Civilização Maia [...] na medida em que a degradação do ecossistema florestal e do ciclo da água teriam arruinado a agricultura Maia baseada no sistema milpa (cultura de milho sobre queimada com pousio de quatro a oito anos).”12
A partir do séculóx XVI, o) processo conhecido como revolução industrial
desenvolveu o comércio internacional e impulsionou a criação de estradas, novas rotas de
navegação, bem como o desenvolvimento de outros meios de transporte e meios de
1 1 0 comportamento destrutivo do homem com relação ao seu meio tomou-se mais evidente com o advento da industrialização, a partir do século XVI, e a sua expansão, a partir do século XIX. Cf. DELÉAGE, Jean Paul. História da ecologia: uma ciência do homem e da natureza.12 DELÉAGE, Jean Paul. História da ecologia: uma ciência do homem e da natureza. Rio de Janeiro: Publicações Dom Quixote, 1993. p. 215
14
comunicação, cujo objetivo era o de transpor as fronteiras e conquistar, cada vez mais, um
número maior de mercados.
Nesse contexto, começou a haver um posicionamento cada vez mais claro dos
países no sistema econômico mundial. Por um lado, países Europeus iniciavam um
desenvolvimento baseado na indústria e no avanço tecnológico, em detrimento de um
ambiente natural saudável garantidor de uma qualidade de vida satisfatória para as futuras1 1 / /
gerações. Por outro lado, os países da América Latina, Africa e Asia, com exceção do Japão,
foram continuamente pilhados e incentivados a desenvolver os seus mercados agrícolas
direcionados à exportação.
Dessa forma, a insustentabilidade ecológica era difundida tanto no norte
desenvolvido como no sul hoje subdesenvolvido. Há muito tempo esse fato já foi
diagnosticado e é consenso entre cientistas e leigos no âmbito internacional, no entanto, as
diretrizes desse processo continuam a ser praticamente as mesmas. Esse é um assunto
largamente discutido na área acadêmica, em congressos e conferências etc., mas pouco do que
se entende, como solução para o problema do subdesenvolvimento e da crise ecológica, toma-
se realidade na prática.
Nesse quadro, onde os países periféricos, além de sofrerem uma degradação
intensa por serem vistos como uma espécie de “ilha de natureza” ou “celeiro do mundo”,
ainda são vitimados pela posição que ocupam no comércio internacional, sendo que os
produtos que comercializam (matérias-primas, alguns produtos industrializados pouco
elaborados) possuem preços muito inferiores que aqueles provenientes dos países do Centro
capitalista, produtos estes caracterizados por possuírem valor agregado (feitos com tecnologia
de ponta).
Sobre a expressão “ilha de natureza” Derani afirma que “o mundo precisa ter
como recorrer a estas ilhas de natureza e não se produz apenas bens para o consumo massivo,
porém emite-se também muita matéria tóxica no meio ambiente ‘outputs’, requisitando-o,
pois, duplamente.” 14
São vários os fatores que contribuíram ao longo da história, e ainda contribuem,
para uma degradação desenfreada do meio ambiente, entre os mais graves estão, em primeiro
lugar, o incentivo ao aumento do volume do comércio internacional que leva,
13 Cf. CALDWELL, Malcolm. A riqueza de algumas nações. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.14 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo:. Max Limonad, 1997. p. 123
15
conseqüentemente, ao exercício de uma agricultura intensiva, destinada ao consumo de
humanos e de animais, e a um consumismo sem limites nos países ricos onde as pessoas
possuem uma renda que lhes permite usufruir as “novidades” criadas constantemente pela alta
tecnologia; e, em segundo lugar, os surtos de industrialização ocorridos no passado e a sua
propagação no presente, bem como o incentivo a um desenvolvimento econômico às custas da
harmonização do homem com a natureza física. Far-se-á uma análise destes assuntos nos itens
subseqüentes.
1.2 - A industrialização e o consumo moderno
A revolução termo industrial, com a extração intensiva da hulha (carvão) foi o que
realmente começou a provocar um colapso entre os ciclos biológicos e geológicos. Esse
período foi marcado pela maciça exploração dos recursos naturais para utilização como
matéria-prima no desenvolvimento do setor industrial.
Atualmente, este processo vem se espalhando por regiões onde antigamente não
havia industrialização, ou esta era pouco expressiva. O aumento da industrialização constitui
um dos principais fatores responsáveis pela degradação ambiental massiva, sobretudo pelo
fato de que este processo evoluiu para um sistema de produção pela produção, que leva a
processos irreversíveis de deterioração nos ecossistemas do planeta.
Em face disso, a idéia de limitação da ação do homem pela própria natureza é um
tema que vem ganhando cada vez mais destaque internacionalmente, especialmente pelo fato
de que muitos problemas sérios estão surgindo em face das constantes ações humanas que
contribuem para a degradação do meio ambiente. Catástrofes ecológicas são denunciadas por
veículos de comunicação muito eficientes, inimagináveis no século passado. No entanto, as
causas que deram origem às referidas catástrofes continuam ativas, como se ninguém pudesse
reverter o processo de um desenvolvimento insustentável e insensato.
As estimativas para o esgotamento das reservas dos combustíveis fósseis não são
nada otimistas.15 Os países que dependem das importações do petróleo, produto
imprescindível para a indústria, terão que agir de maneira decisiva para assegurar seus acessos
às últimas reservas do mundo. A guerra da aquisição do petróleo evidentemente será vencida
15 Cf. CALDWELL, Malcolm. A riqueza de algumas nações.
16
pelos mais fortes, e é pouco provável, observando-se a história da humanidade, que esta
disputa venha a ser pacífica. Na geopolítica mundial, petróleo e imperialismo sempre foram
fatores inseparáveis.
Além do problema da escassez dos produtos não renováveis, estes ainda são
considerados recursos responsáveis por grandes índices de poluição principalmente pelo
petróleo jogado no mar, sua combustão onde os resíduos são jogados na atmosfera; e, no caso
do carvão, o principal problema é a deposição de poluentes no ar atmosférico quando aquele
combustível fóssil é utilizado na indústria. A combustão prolongada de combustíveis fósseis
ainda é uma das responsáveis pelo aquecimento da temperatura atmosférica, causando o
chamado efeito estufa.
Hoje, no mundo inteiro constata-se a diminuição da qualidade do ar, do solo, da
água, tanto a potável, quanto à água dos mares, a cada temporada aumenta o número de praias
consideradas pelos órgãos de saúde imprópria para banho, em virtude do elevado grau de
poluição que põe em risco a saúde humana. Até mesmo a água da chuva em determinadas
regiões apresenta-se contaminada por ácidos expelidos pelas indústrias poluentes e pelos
veículos automotivos. Essa chuva é comumente conhecida como “chuva ácida.”
Tratando-se ainda dos principais problemas ambientais da atualidade, cabe
ressaltar as recentes alterações climáticas bruscas que ocorrem por todo o planeta. Cientistas
reconhecem que tais alterações são provocadas por vários tipos de ações humanas como, por
exemplo, a poluição atmosférica por emissão de C02. Com relação a esse assunto, Widmer
afirma que “os registros de temperatura dos últimos 100 anos revelam um aquecimento médio
global de 0,5 Celsius. Modelos matemáticos prevêem para 2050 um aquecimento de 2 a 5
Celsius. Caso este aquecimento realmente ocorra, o nível médio dos mares subiria cerca de 45
centímetros, afetando a maior parte da população mundial que vive em regiões costeiras.” 16
Importante ressaltar, que muitos problemas ambientais como estes anteriormente
citados estão ligados direta ou indiretamente ao sistema industrial contemporâneo que, apesar
de toda tecnologia utilizada no sentido de abrandar os efeitos nocivos causados ao meio
ambiente, continua sendo um grande problema que deve ser questionado nos seus
pressupostos mais básicos, para que se chegue a uma solução viável em todos os sentidos; não
só tendo em conta o sistema econômico, mas sempre se levando em consideração os recursos
mais importantes para a manutenção da vida terrestre, os recursos naturais.
16 Widmer, op. cit., p. 11
17
A seguir, tratar-se-á de um outro fator que figura entre aqueles considerados de
maior gravidade para o aprofundamento da crise ecológica atual, ou seja, o aumento
incentivado do volume de comércio internacional.
1 . 3 - 0 comércio internacional
Além da explosão da industrialização, com as duas revoluções industriais, um
segundo momento marcante na história da degradação dos recursos naturais, ocorreu a partir
da Segunda Guerra Mundial, com o aumento do volume de comércio entre os países. Ao tratar
dos acontecimentos pós Primeira Guerra Mundial, Size afirma que neste período ocorreu uma
“[...] enxurrada de mercadorias produzidas pelos donos do mundo. Venderam o que os povos precisavam e também o que não precisavam. Trouxeram conforto e criaram desconforto. Depois, quando acumularam tanto que não tinham mais o que fazer com seu capital, passaram a enviá-los outra vez. Só que desta vez financiaram guerras, indústrias inúteis e coisas como a Transamazônica, Angra I eII, e todo o tipo de empreendimento, por mais inconseqüente que fosse, que necessitasse de imensos capitais e desse boas garantias de retomo. Pensaram que iam viver de juros. Agora, vivem em pânico. O juro e a especulação tomaram conta de tudo. Um resfriado na Bolsa de New York provoca gripe em Tóquio e pneumonia em Frankfurt.”17
Nesse período, a teoria clássica econômica foi aplicada, onde os Estados, com o
intuito de desenvolverem-se, faziam valer a lógica da vantagem comparativa defendida pelos
intelectuais liberais clássicos. Com esse sistema, a degradação do meio ambiente foi
intensificada.
Sob a empolgação da liberalização do comércio, os países em desenvolvimento
abriram suas fronteiras agrícolas para a produção de gêneros alimentícios destinados à
exportação. Absurdos foram naturalmente cometidos em nome da maximização do comércio.
Sobre esse assunto, Caubet assevera:
“Nos últimos dez anos, a soja conquistou milhões de hectares, no Brasil, do Rio Grande do Sul ao Acre. Em 1992, 86% da produção foram exportados para fabricar rações alimentícias, essencialmente em prol do gado dos países europeus (Galinkin, 1996:34). Florestas nativas são derrubadas em condições de total insustentabilidade.
17 SIZE, Pierre. Dicionário da globalização: a economia de A a Z. Tradução Serge Goulart. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997. p. 15
18
Muitas vezes são substituídas por espécies exóticas economicamente mais rentáveis, em prejuízo da qualidade dos solos, das culturas de subsistência e dos ciclos hidrológicos, com conseqüências catastróficas para a qualidade de vida das populações locais e a manutenção das condições da biodiversidade original.” 18
Tratando-se ainda de exemplos absurdos, e de atrocidades cometidas em nome da
comercialização, Santos afirma que:
“Em 1954 os EUA iniciaram o programa de vendas subsidiadas de produtos alimentares designado Alimentação para a Paz sendo conhecido do público como um programa para combater a fome no mundo, a verdade é que, na lei que o estabeleceu, esse objetivo é referido em quarto lugar, sendo os três outros vinculados aos interesses econômicos dos EUA: aliviar os excedentes agrícolas, desenvolver mercados de exportação para as mercadorias agrícolas americanas e expandir o mercado internacional.” 19
O fato é que essas vendas causaram uma dependência alimentar, onde os
alimentos do Food for Peace eram destinados. O golpe final foi quando, no ano de 1972, os
Estados Unidos praticamente abandonaram o programa, substituindo-o por vendas comerciais.
Santos ainda afirma que “esta mudança de política surgiu num momento particularmente
difícil para o terceiro mundo. A índia e os países do norte da África viviam períodos de
grande seca, a produção mundial de cereais abrandou e os preços de fertilizantes subiram em
resultado da crise do petróleo”.20
Outro fator que provoca a degradação ambiental, que está diretamente ligado às
trocas comerciais entre os países, é o transporte realizado para fins de comércio internacional.
De acordo com Lang, “estima-se que o transporte envolvido no comércio internacional
corresponda a um oitavo do consumo de petróleo no mundo.”21 Os produtos comercializados
precisam ser transportados para chegarem aos seus destinos, isso exige inevitavelmente um
alto consumo de energia, além da produção de poluentes.
O transporte de uma mercadoria, pensado de forma isolada, poderia dar a
impressão de que os custos sociais causados pelo mesmo compensam. Sobre o assunto, Lang
dá um exemplo interessante para ilustrar o problema:
18 Caubet, op. cit., p.22819 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modemidade. São Paulo: Cortez, 1995. p. 29420 Ibidem.21 LANG, Tim, HINES, Colin. O novo protecionismo: protegendo o futuro contra o comércio livre. Tradução por Elisabete Nunes. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 109
19
“Existem diferenças consideráveis no tipo e na quantidade de poluição causada por diferentes meios de transporte. Mas se é eficaz em termos de custos continuar a trazer citrinos da América Latina, a qual dista mais de 15 mil quilômetros da Europa, enquanto os países do Meditérrâneo os deitam fora, é porque existe algo de errado com o sistema de custos. Este mesmo problema ocorre igualmente no interior do mercado único europeu. Senão vejamos o exemplo dos croissants. Numa mercearia no norte de Londres podemos encontrar numa prateleira uma caixa de croissants muito bem embalados vindos de Alicante, em Espanha. Do ouiro lado da rua está uma padaria que fabrica croissants. Será talvez lucrativo para a empresa de panificação em Alicante fabricar croissants em série e expedi-los numa viagem de quase 3 mil quilômetros até ao Reino Unido, mas é altamente destrutivo a nível do ambiente. Se comparássemos a energia despendida no fabrico dos dois croissants, o de Alicante só se justificaria financeiramente se o custo total de energia não estivesse incluído.” 22
No entanto, se o transporte for visto de uma forma global, ou seja, num contexto
que englobe todas as transações comerciais que são realizadas diariamente, verifica-se a
gravidade de um fator que normalmente é ignorado e que figura hoje como um dos grandes
responsáveis pela poluição do ambiente.
Atualmente, muitos meios de transporte utilizam combustíveis fósseis como o
petróleo, assim, eles poluem a atmosfera, causam a deposição de ácidos, e contribuem para o
agravamento do efeito estufa, além de obviamente, aceleram o esgotamento desse recurso
natural, que existe em quantidade limitada na natureza. É também dessa forma, e não só como
um eficaz e cômodo meio de locomoção, que o transporte, principalmente aquele realizado
quotidianamente a título de exportação e importação, deve ser visualizado. Ignorar esses fatos
contribui para agravar ainda mais o desequilíbrio ecológico. Além disso, quem paga os custos
desse transporte são os consumidores das mercadorias transportadas. Nesse sentido, Lang,
afirma o seguinte:
“Um estudo dinamarquês sobre o preço por quilo que os consumidores pagam pela farinha revelou que o lavrador recebe 21 por cento, a fábrica de moagem 11 por cento e que 46 por cento gastos na embalagem, transporte e venda a retalho. Do dinheiro que o consumidor paga pela água engarrafada apenas 8 por cento corresponde à água, 24 por cento à garrafa, 50 por cento à publicidade, transporte e venda a retalho, 13 por cento a impostos e apenas 5 por cento ao lucro do industrial.” 23
22 Idem, p. 11023 Idem, p. 111
20
Outro fator importante, que contribui para a degradação do meio ambiente,
também ligado à comercialização é a derrubada de árvores nativas. A destruição de florestas é
exercida por diversos motivos, no entanto, a desflorestação destinada ao comércio de madeira
assume grandes proporções nos países em desenvolvimento. Isso contribui para a redução da
biodiversidade, da qualidade dos solos, provoca alterações climáticas, contribuindo, assim,
para o aparecimento de desastres ecológicos. Essas derrubadas são encorajadas direta ou
indiretamente por aqueles que defendem a maximização do comércio. Com relação a esse
problema, Santos afirma que “a pressão para a intensificação das culturas de exportação
combinada com técnicas deficientes de gestão de solos levaram à desertificação, à salinização
e à erosão. A destruição das florestas tropicais, sobretudo no Brasil e na América Latina, mas
também na Indonésia e nas Filipinas, é apenas o exemplo mais dramático.”24
Tanto a intensificação da agricultura, quanto à derrubada de florestas produzem
custos que raramente são considerados como tal. No caso da intensificação de culturas
agrícolas, por exemplo, as águas são contaminadas por resíduos de fertilizantes utilizados no
processo, por resíduos de pesticidas, entre outras degradações que representam custos sócio-
ambientais. A produção agrícola de massa pode gerar uma alimentação mais “barata”,
entretanto, isto ocorre às custas da produção de extemalidades ambientais. Dessa forma, visto
sob uma perspectiva sistêmica, acredita-se que esta não seja a solução mais apropriada, nem
para os problemas ambientais, nem para os sociais.
A seguir, tratar-se-á do paradigma expansionista comercial, que possui uma
estreita relação com a degradação do meio ambiente e que, no entanto, faz parte da ideologia
dominante nas relações internacionais, e que, no entanto, precisa ser revisto para que se possa
realmente promover uma relação harmônica entre o homem e seu meio.
1 . 4 - 0 paradigma capital expansionista
O comércio internacional adquiriu grandes proporções, principalmente a partir de
1947 com a atuação do GATT, e hoje com a OMC. Estas instituições funcionam como porta-
24 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modemidade. São Paulo: Cortez, 1995. p. 296
21
vozes da ideologia dominante que prega o expansionismo comercial e o desenvolvimento da
economia.
Nesse contexto, o meio ambiente é visto como algo “importante” embora o
mesmo não deva servir de empecilho para o desenvolvimento e expansão das relações
comerciais entre os países.25 Esta situação é ainda mais preocupante para os países em
desenvolvimento, pois, estes possuem normas ambientais mais brandas comparadas às dos
países desenvolvidos. Por isso, apresenta-se como um lugar tentador para as indústrias
“sujas”. Geralmente, essas indústrias não podem poluir em seus países de origem e, para
reduzir seus custos, transferem-se para países em desenvolvimento.26
Toda atividade econômica causa alterações sobre o meio natural. Quando se
modifica a estrutura natural do ambiente, seja qual for a técnica utilizada, está-se causando
impacto ambiental. Dessa forma, transforma-se o meio quando as cidades são construídas,
quando devastamos um tipo de paisagem para substituí-la por outra, para construir um
edifício, etc.
O comércio internacional, por seu turno, abre a economia de um país à
concorrência externa, e modifica as condições do mercado. Como instrumento para promover
o crescimento econômico, reorientar os recursos e obter economias de escala, o comércio
internacional tende a modificar o comportamento dos agentes econômicos (investidores,
empresários e consumidores), ampliando ou restringindo as oportunidades de negócios e
empregos nos distintos setores comerciais ou industriais. Essas modificações, visto que se
realizam num ambiente natural determinado, produzem efeitos sobre o meio ambiente e os
recursos naturais.
Hoje, graças ao GATT as economias mundiais abriram-se para as trocas
comerciais, abandonando o protecionismo econômico tão repudiado pelos liberais. De acordo
com Thorstensen, “as exportações mundiais, que representavam 12% do PND mundial em
1965, atingiram cerca de 15% em 1990. Confrontando-se a evolução das exportações
mundiais com a do produto, tem-se uma queda na taxa média de crescimento das exportações
no período 1980-85, que se deveu à crise do início da década de 80. Mas o crescimento das
25 Cf. Princípio n° 12, da Declaração do Rio de Janeiro, firmada na ECO-92.26 Cf. CAUBET, Christian Guy. A irresistível ascensão do comércio internacional: o meio ambiente fora da lei?
22
exportações no período 1985-90 é maior do que o de PND. Nos anos recentes, a tendência de
maior crescimento do comércio do que do produto se mantém.” 27
Os adeptos do liberalismo econômico, hoje denominados neoliberais, entendem
que todos os países necessitam transacionar mercadorias entre si. Ainda alegam que o
comércio entre nações aumenta a competitividade; aumentando a competição aumenta a
qualidade dos bens e serviços oferecidos e os preços decaem. Este assunto será visto com
mais propriedade no Capítulo 3 desse trabalho.
No entanto, a crescente expansão do livre comércio - tem trazido fortes
preocupações para as organizações ambientalistas não governamentais. Suas preocupações
nascem da percepção de que, em certos casos, as relações econômicas tendem a frustrar a
aplicação de leis nacionais relativas ao meio ambiente, além de inutilizar os acordos
internacionais sobre a proteção ambiental.
Atualmente sustenta-se um paradigma baseado na maximização da atividade
econômica, denominado paradigma capital-expansionista. Tratando das características deste
paradigma, Santos afirma o seguinte:
“O paradigma capital-expansionista é o paradigma dominante e tem as seguintes características gerais: o desenvolvimento social é medido essencialmente pelo conhecimento econômico; o crescimento econômico é contínuo e assenta na industrialização e no desenvolvimento tecnológico virtualmente infinito; é total a descontinuidade èntre a natureza e a sociedade: a natureza é matéria, valorizável apenas como condição de produção; a produção que garante a continuidade da transformação social assenta na propriedade privada e especificamente na propriedade privada dos bens de produção a qual justifica que o controle sobre a força de trabalho não tenha de estar sujeito a regras democráticas.”28
As instituições que tratam do comércio internacional, e que são adeptas dos
preceitos supracitados, trazem o tema “desenvolvimento sustentável” em seus estatutos, e se
defendem das acusações de ecologistas, afirmando que em suas práticas e diretrizes estão
levando em conta a conservação do meio ambiente. No entanto, refutando esses argumentos,
Caubet profere o seguinte:
“[...] o comércio e as normas jurídicas que o regem, tendem a excluir as exigências atinentes à sustentabilidade. Fatores contra o desenvolvimento sustentável: o aumento do consumo de recursos não
27 THORSTENSEN, Vera et al.. O Brasil frente a um mundo dividido em blocos. São Paulo: Nobel, 1994. p. 1728 Santos, op. cit., p. 336
23
renováveis; aumento da população; a tendência do aumento das trocas comerciais. Isso causa o aumento da entropia. [...] o comércio, por postulado ideológico e práticas reputadas acima de qualquer suspeita, está ‘naturalizado’ e utilizado como referencial absoluto, indiscutível, inquestionável, a pairar acima de considerações de quaisquer tipos. [...] O postulado da primazia do comércio não pode ser discutido, por ser um dogma; só pode ser justificado, apoiado, legitimado.”29
O dogma do expansionismo comercial tende a agravar ainda mais a crise
ecológica, que urge ser tratada com seriedade. As pressões sobre os recursos naturais além de
estarem diretamente ligadas ao crescimento populacional, ainda possuem um agravante que é
uma elevação dos níveis de consumo das populações. Hoje, sabe-se que é ecologicamente
insustentável a adoção pelos países em desenvolvimento do consumismo desfrutado nos
países do norte. A generalização do consumo seria insustentável sob o ponto de vista físico,
levando-se em conta o efeito degradante no meio ambiente causado pelas atividades
produtivas no âmbito econômico.
O freio aparente à lógica da degradação indiscriminada surgiu, sem dúvida, com a
“resposta” do ambiente natural às insensatas ações humanas. Nas últimas décadas ocorreram
diversas catástrofes ecológicas como, por exemplo: enchentes cada vez mais constantes,
degelo das camadas polares, destruição parcial da camada de ozônio, aumento da temperatura
do planeta, morte de rios, e vários outros exemplos. Tais catástrofes “obrigaram” as pessoas a
pelo menos discutirem o assunto, que se antes era sério, hoje é uma questão de sobrevivência
para a espécie humana.
Assim, aponta-se para a necessidade de mudança de paradigma. O paradigma
expansionista, que está associado ao princípio poluidor-pagador, não apresenta um grau de
sustentabilidade aceitável, ou seja, que garanta um meio ambiente sadio para as próximas
gerações. Apresenta-se, sim, como um paradigma utilizado por uma elite intelectual que
defende interesses egoístas de agentes do mercado, onde se induz o usufruto dos recursos
naturais, sem mantê-los conservados, sem o mínimo de ética ecológica na produção
econômica. Santos chama a atenção para a urgência de adotar-se um outro paradigma, ou seja,
o paradigma eco-socialista. Este paradigma, segundo o referido autor possui, dentre outras, as
seguintes características: “o desenvolvimento social afere-se pelo modo como são satisfeitas
as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, a nível global, quanto mais diverso e
29 Caubet, op. cit., p. 224
24
menos desigual; a natureza é a segunda natureza da sociedade e, como tal, sem se confundir
com ela, tão-pouco lhe é descontínua; [...].”30
Os defensores árduos da expansão do comércio internacional parecem esquecer ou
simplesmente ignorar os problemas e valores essenciais ou fundamentais da humanidade. O
maior valor do homem é a sua própria vida, e ele só consegue manter-se vivo pela existência
da natureza do qual ele faz parte.
Nestes termos, em muitos casos, é mais apropriado fazer valer o princípio da
precaução, também um princípio de direito ambiental, e que é muito mais indicado quando há
um risco para a saúde ou vida humanas. Este princípio está previsto na Declaração do Rio
(princípio n° 15), que estabelece que “de modo a proteger o meio ambiente, 0 princípio da
precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza
científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”31 Aqui a precaução é em
relação ao “risco” de danos graves ou irreversíveis, procurando-se garantir, com isso, uma
margem de segurança diante de alguma probabilidade de perigo. Com relação a esse
princípio, Derani afirma que, em face da dimensão temporal (relacionada com o futuro), e
também em virtude da complexidade da proteção do meio ambiente, é insuficiente que se
promova somente uma “intervenção periférica”. Neste caso a referida autora argumenta o
seguinte:
“[...] com base neste princípio, a política ambiental desenvolve-se não em normas rigidamente divididas numa denominada ordem do direito ambiental. Normas que denotam uma prática sustentável de apropriação de recursos naturais integram obrigatoriamente o planejamento da política econômica e, conseqüentemente, as normatizações da prática econômica. Precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica.”32
O princípio da precaução assegura a proteção do meio ambiente e da vida humana
no sentido de prevenir determinado perigo, incidindo “antes” da ocorrência do mesmo. Já o
30 Santos, op. cit., p. 33631 BRASIL. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Relatório da Delegação Brasileira/Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão; Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 1993. p. 14232 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 165-66
25
princípio poluidor-pagador incide após a degradação, ou seja, após a realização do perigo.
Cabe ainda ressaltar as seguintes palavras de Derani a respeito do princípio da precaução:
“Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade. O alcance deste princípio depende substancialmente da forma e da extensão da cautela econômica, correspondente a sua realização. Especificamente, naquilo concernente às disposições relativas ao grau de exigência para implementação de melhor tecnologia e ao tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora.”33
Importante ressaltar que a divisão entre ciências da natureza e ciências humanas é
prejudicial à compreensão dos novos problemas existentes na sociedade. Nestes termos, a
economia deve gravitar em tomo da ecologia, pois esta possui postulados que podem garantir
a existência mínima daquela, no sentido de que a natureza representa um instrumento
essencial para a atividade econômica, bem como para a vida humana. Assim, faz-se a seguinte
pergunta: será que o homem está, enfim, chegando a uma forma de equilíbrio com o seu meio
imposto pela própria natureza? Será que este equilíbrio tão almejado é compatível com o
paradigma capital expansionista? É provável que a resposta para as duas perguntas ainda seja
negativa.
Por fim, outros dois importantes fatores ligados à degradação ambiental são: o
desenvolvimento econômico cobiçado pelos países em desenvolvimento; e os níveis de
consumo existentes nos países desenvolvidos, que preocupa muitos estudiosos há décadas, e
que leva a um fator deveras ignorado nos processos econômicos. Trata-se da entropia do
sistema planetário, assunto a ser analisado a seguir.
1 . 5 - 0 aumento da entropia
O modemo sistema de produção econômica desenvolve-se e expande-se
ininterruptamente. Esse desenvolvimento econômico dá-se, teoricamente, em função do
33 Idem, p. 167
atendimento ao consumo de produtos ou bens. Todo esse processo consome energia livre, que
não poder ser totalmente recuperada, e esta energia “perdida” representa um custo ambiental
que geralmente não é computado nos processos produtivos.
A segunda lei da termodinâmica explica o sistema de produção econômica. Esta
lei demonstra que o sistema econômico é aberto e dissipativo; depende de energia livre e
matéria-prima, ou seja, recursos naturais. Isso leva à conclusão de que processos econômicos
são irreversíveis.
Tendo em vista esses problemas de ordem ecológica onde as fontes de energia,
aqui incluindo plantas verdes, entre outras, estão sendo continuamente degradadas pelo
homem, desenvolveu-se uma ciência em contraponto à ciência de forças e de trajetórias,
chamada “newtoniana” ou “cartesiana”. Esta nova ciência difere da tradicional por ser
observada sob uma perspectiva holística, onde se procurou estabelecer uma teoria geral dos
sistemas sobre uma base biológica. Neste caso, Caldwell assevera que:
“A primeira formulação dessa nova ciência foi a termodinâmica clássica, com sua célebre ‘Segunda lei’, a lei da dissipação de energia. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, [...] há uma tendência nos fenômenos físicos da ordem para a desordem. Qualquer sistema físico isolado, ou ‘fechado’, se encaminhará espontaneamente em direção a uma desordem sempre crescente. Para expressar essa direção na evolução dos sistemas físicos em forma matemática precisa, físicos introduziram uma nova quantidade denominada ‘entropia’.” 34
Toda atividade econômica produz alterações no meio ambiente, e tais alterações
contínuas estão diretamente ligadas à saturação dos ecossistemas face ao desequilíbrio
provocado por aquela atividade humana. Isso porque recursos naturais são, muitas vezes,
escassos, não renováveis, ou seja, limitados. Além disso, alguns recursos que, aparentemente,
são ilimitados por ainda existirem em abundância em alguns lugares do planeta, como a água,
apresentam-se inutilizáveis pelo homem face ao grau de contaminação que se apresentam.
Dessa forma, existe não só o problema da quantidade disponível, mas também da qualidade
apresentada pelos recursos naturais. Sobre esse assunto, Derani alerta que “[...] é fundamental
compreender que estabilidade no crescimento ou mesmo crescimento negativo bem como
processos de reciclagem de detritos não são capazes de impedir maior dilapidação dos
34 CALDWELL, Malcolm. A riqueza de algumas nações, p. 53-54
27
recursos naturais ou de repô-los, pois sempre há emprego crescente de energia para os
processos.”35
Nesse caso, o grande desafio é encontrar um equilíbrio na convergência do
sistema econômico e sistema ecológico. Todos os dias mais de noventa por cento da energia
utilizada nas atividades da sociedade moderna são de recursos não renováveis.36 O atual
sistema de produção gera uma quantidade alarmante de lixo. Produtos são elaborados pela
indústria, são modificados quimicamente, suas estruturas químicas apresentam-se estranhas ao
meio natural, muitas não são biodegradáveis, ou são há longuíssimo prazo.
O sistema econômico precisa ser encarado exatamente como ele é: um sistema
aberto que se vale dos recursos naturais para manter-se e desenvolver-se. A entropia,
fundamentada na segunda lei da termodinâmica, demonstra a irreversibilidade dos processos,
pois a energia mecânica é sempre dissipada sob a forma de calor, e este calor (energia) não
pode ser completamente recuperado. Por isso, alguns estudiosos utilizam a metáfora de que “o
mundo está deixando de funcionar, e finalmente acabará parando”. Cabe ainda esclarecer que
“nos dicionários entropia quer dizer a ‘medida da não-disponibilidade da energia termal de
um sistema para a conversão em atividade mecânica,’ ou ‘função do estado termodinâmico
dos sistemas que representa uma medida do grau em que a energia é inaproveitável.”’37 Dessa
forma, a energia livre de um sistema só poderá ser consumida, não podendo ser aumentada ou
reproduzida. Os processos econômicos utilizam recursos naturais como matéria-prima, essa
matéria-prima é transformada e, num último momento, vira lixo.38
Tendo em vista o processo de entropia em que a energia é consumida e não pode
ser posteriormente aproveitada, verifica-se um desequilíbrio no sistema natural da Terra onde
o uso inconseqüente de recursos naturais pode causar grandes prejuízos à vida no planeta.
Esses recursos vêm sendo há décadas manipulados de forma irracional e em detrimento da
qualidade de vida da maioria da população. Hoje o sistema ambiental responde a essa
agressão humana com problemas que não atingem um indivíduo de forma isolada, ou apenas
grupos isolados de pessoas, mas toda a coletividade. E é por esse motivo que, qualquer que
seja o plano proposto para a solução da problemática dos países
35 Derani, op. cit., p. 13836 Idem, p. 13937 Caldwell, op. cit., p. 5838 Aqui, se faz uma ressalva às energias denominadas “alternativas” como aquelas que utilizam o vento (eólica) e o sol (solar) etc.
28
desenvolvidos/subdesenvolvidos, a preocupação com o meio ambiente obrigatoriamente
deverá constar desse plano.
A seguir tratar-se-á de um assunto que permeia praticamente todas as questões
atinentes a desenvolvimento econômico e meio ambiente: o chamado “desenvolvimento
sustentável.”
1 . 6 - 0 desenvolvimento sustentável
Até a primeira revolução industrial as diferenças entre as regiões do planeta eram
predominantemente geográficas e culturais. No entanto, outras diferenças foram sendo
“criadas” com o advento da industrialização associada ao progresso tecnológico. Aqui, vale
lembrar que o crescimento dos países hoje desenvolvidos foi obtido às custas daqueles países
vítimas do imperialismo e colonialismo. A Grã-Bretanha foi pioneira no caminho de controle
dos produtos primários de economias dependentes, para processá-las em seu território eo q
reexportá-las para mercados exteriores. Dessa forma, verifica-se que mesmo que os países
em desenvolvimento queiram atingir o nível dos países desenvolvidos, atenta-se para o fato de
que aqueles estão partindo com uma base já dilapidada de recursos não-renováveis.
Nesse contexto, entra a questão da valorização dos recursos naturais. Estes são
considerados fator determinante de “riqueza” de uma nação, não somente por seu valor
monetário, mas principalmente em função da qualidade de vida que estes recursos podem
proporcionar em determinado país, caso eles sejam corretamente gerenciados. Sobre esse
assunto, Caldwell assinala que “a riqueza de uma comunidade está em sua renda de energia
disponível para os objetivos da vida.”40 Essa é uma visão aparentemente simplista no que
tange ao assunto “riqueza”, entretanto, hoje se energia disponível que uma nação possui não
for utilizada estritamente para atender a objetivos essencialmente vitais, haverá a médio e
longo prazo o comprometimento da vida do próprio homem.
Cabe ressaltar que a ação do Estado teve importância crucial para o início do
processo de desenvolvimento: primeiro por estabelecer uma proteção dos interesses das
potências emergentes na época contra as outras potências rivais, e segundo, por utilizar
39 CF. CALDWELL, Malcolm. A riqueza de algumas nações.40 Caldwell, op.cit., p. 241
29
suficiente poder militar e influência diplomática para garantir o livre acesso econômico em
todo o mundo.
O desenvolvimento econômico ocorrido em alguns países trouxe um significativo
aumento no nível de vida de suas respectivas populações, enquanto que naqueles países onde
o desenvolvimento não foi possível em virtude de diversos fatores, hoje há o desemprego, a
fome, a violência urbana entre outros infortúnios sociais. O fato é que o desenvolvimento de
alguns países com fundamento na exploração de outros, seja pela via comercial ou pela via
financeira (empréstimos), causou uma série de problemas que tendem a aumentar na medida
que o atual processo econômico desenvolve-se, num mundo onde as desigualdades são cada
vez maiores. No entanto, seja qual for o nível de desenvolvimento econômico dos países, este
deverá estar associado à sustentabilidade ecológica.
Esta idéia de associação do desenvolvimento econômico com a preservação do
meio ambiente, que deu origem à expressão “desenvolvimento sustentável”, surgiu na década
de oitenta. Widmer assinala o seguinte:
“O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu no início da década de 80, com a publicação, em 1980, do documento "Estratégia de Conservação Mundial: Conservação dos Recursos Vivos para o Desenvolvimento Sustentável’, elaborado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), pelo Fundo Mundial de Vida Selvagem (WWF) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).” 41
Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas solicitou ao Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA a elaboração de estratégias ambientais para
serem utilizadas a partir do ano 2000. Dessa forma, foi estabelecida a Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que, por sua vez, elaborou um relatório sobre o
meio ambiente global. O chamado Relatório Brundtland foi publicado em 1987, contendo a
idéia de desenvolvimento sustentável.42
41 Widmer, op.cit. p. 442 Cf. BRASIL. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Relatório da Delegação Brasileira/Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
30
1.6.1 - Conceito
O Conselho de Administração do PNUMA negociou a definição de
desenvolvimento sustentável, onde um dos pontos fortes foi que este modelo de
desenvolvimento deveria atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade
de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. Dessa forma, satisfazer as
necessidades do presente sem comprometer os recursos significa utiliza-los com o maior grau
de racionalidade possível, ou seja, para suprir as necessidades básicas, vitais ou essenciais da
vida humana. A idéia de sustentabilidade põe um freio, ou um limite à atividade econômica,
pois quando se utiliza recurso natural nos processos econômicos, há o risco do esgotamento
de tais recursos, bem como o risco de irreversibilidade de diversos danos causados ao meio
ambiente.
Soares afirma que desenvolvimento sustentável “[...] nada mais significa do que
inserir aos processos decisórios de ordem política e econômica, como condição necessária, as
considerações de ordem ambiental.”43 Contudo, o conceito de desenvolvimento sustentável
expressado no relatório Brundtland não exclui o crescimento da economia. Lacasta observa
que o aparecimento desse conceito “[...] provocou uma certa ofuscação das preocupações
ecológicas, ao condiciona-las como nunca a interesses econômicos e de desenvolvimento.
Como se disse, a natureza deixou de ser considerada enquanto um valor em si mesma, tendo
para tal contribuído a perspectiva de desenvolvimento sustentado, ao confirmar uma
abordagem antropocêntrica da proteção ambiental.”44
No entanto, desenvolvimento sustentável significa muito mais do que a simples
preocupação com a racionalização do uso da energia ou a substituição dos bens não
renováveis e o manejo adequado dos resíduos e a conseqüente intemalização dos custos
ambientais. É necessário entender-se que o problema ambiental é um problema sistêmico e
faz parte de vários problemas indissociáveis como, por exemplo, a pobreza, a deterioração do
meio ambiente, o crescimento populacional, etc. A solução desses problemas será inútil se
eles forem analisados de forma isolada, ou seja, fora do contexto a que pertencem.
Dois fatores estão diretamente ligados a este novo desenvolvimento: (i) o
suprimento das necessidades básicas; (ii) e a aceitação de que o progresso tecnológico não é
43 SOARES, Guido Fernando Silva. Aí responsabilidades no direito internacional do meio ambiente. Campinas: Komedi, 1995. p. 62-63
31
suficiente para assegurar qualidade de vida para as gerações futuras tendo em vista as
limitações dos recursos naturais. O conceito de desenvolvimento sustentável não postula a
preservação da natureza em seu estado original, mas a melhoria da qualidade de vida,
mediante o gerenciamento racional das intervenções sobre o meio ambiente, distribuindo de
forma eqüitativa e eticamente justificável os custos e benefícios entre as populações
envolvidas.
Contudo, os preceitos embutidos no conceito de desenvolvimento sustentável
deveriam ser aplicados a todos os países do Globo, já que, para atingir-se a sustentabilidade
planetária, é inútil que países adotem uma postura de sustentabilidade de forma isolada.
Assim, Deléage, referindo-se ao conceito de desenvolvimento sustentável, afirma:
“No entanto, até o Rapport Brundtland, a nova bíblia dos ecologistas ao identificar as estruturas sociais injustas como uma das principais fontes dos dramas ecológicos atuais, não escapa à ambigüidade. Especialmente ao retomar a seu cargo o conceito de desenvolvimento sustentável (sustainable) e aplicando-o, no essencial, aos países em via de desenvolvimento. Mas alarguemos a abordagem e apliquemos também este conceito ao Japão, que importa 99% de petróleo; aos países europeus, que apoiam uma política natalista, enquanto recusam a imigração; ou ainda os Estados Unidos que, com 5% da população mundial açambarcam um terço dos recursos do globo e lançam na atmosfera 25% do gás carbônico responsável pelo efeito estufa!”45
Além da aplicação ampla das diretrizes contidas no conceito de desenvolvimento
sustentável, ou seja, o comprometimento de “todos” os países com este desenvolvimento para
a solução dos problemas ambientais contemporâneos, é necessário sobretudo que o homem
faça questionamentos acerca da sua existência, suas necessidades bem como as necessidades
das futuras gerações. Deve-se promover uma revisão de valores, uma nova percepção do
homem como parte do seu meio natural, do qual depende a sobrevivência de sua espécie.
Capra46 atenta para o fato de que o homem sofre de uma “crise de percepção”. A solução
dessa crise, hoje, apresenta-se como uma das tarefas mais urgentes e mais difíceis que talvez o
homem já tenha enfrentado. Hoje, este é o grande desafio.
44 Lacasta, op. cit., p. 17045 Deléage, op. cit., p. 252-25346 Cf. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
32
1.6.2 - As necessidades do mundo contemporâneo
A palavra “necessidade” inserida no conceito de desenvolvimento sustentável
deveria ser aquela que atende às funções básicas de cada indivíduo, e não àquelas criadas pela
propaganda, pela mídia que, fatalmente, leva ao consumo excessivo de bens. Assim, o bem-
estar fica cada vez mais associado à aquisição de novos lançamentos como, por exemplo, um
modelo de carro mais atual, um computador de última geração, um aparelho de televisão mais
moderno e equipado etc. A produção mercadológica chegou a um ponto, onde algumas
pessoas compram produtos absolutamente desnecessários, se essa necessidade for vista dentro
de padrões éticos de sustentabilidade. Morin tratando da noção de desenvolvimento difundida
pelo planeta, afirma o seguinte:
“A noção de desenvolvimento, tal como se impôs, obedece à lógica da máquina artificial e a difunde pelo planeta. Acredita-se racionalizar a sociedade em favor do homem, racionaliza-se o homem para adaptá-lo à racionalização da sociedade. [...] As finalidades do desenvolvimento dependem de imperativos éticos. O econômico deve ser controlado e finalizado por normas antropo-éticas. A verdadeira finalidade do desenvolvimento deveria ser ‘viver melhor’, viver com compreensão, solidariedade, compaixão, sem ser explorado, insultado, desprezado.” 47
A pretensão de que o padrão de consumo de pessoas que vivem hoje nos países
desenvolvidos seja estendido aos países em desenvolvimento é uma ilusão. “Essa idéia
constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na
ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade
industrial.”48
Imagine-se a adoção de um meio de locomoção individual como o automóvel,
para a totalidade da população do planeta. Isso certamente beneficiaria a indústria automotiva,
e supriria as “necessidades” de cada indivíduo. Por outro turno, esse aumento de máquinas
automotivas consumiria incríveis quantidades de energia disponíveis limitadamente na
natureza. Aqui, além do problema da escassez dos recursos naturais ainda há a poluição
atmosférica e, hoje em dia, os altos índices de poluição apresentam-se como um dos grandes
causadores de doenças respiratórias no homem, sem contar os desagradáveis
47MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995. p. 95 e 11348FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 8-9 (ColeçãoCultura).
33
congestionamentos nas rodovias, comuns nas grandes cidades, que diminuem a finalidade
principal do produto que é diminuir o tempo da trajetória realizada. Nesse exemplo, existe um
conflito entre a satisfação da necessidade com a cobiçada qualidade de vida para todos.
Nesse sentido, Furtado assevera que se o desenvolvimento econômico chegasse
aos povos dos países em desenvolvimento, “[...] a pressão sobre os recursos não renováveis e
a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou, alternativamente, o custo do controle da
poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em40 /colapso.” E por isso que o estilo de vida adotado por países desenvolvidos sempre será
privilégio de uma minoria da população do planeta. Isso não só em função do próprio sistema
de capitalismo industrial que promoveu, e continua mantendo, uma divisão internacional do
trabalho, das exportações; mas também pelo fato de que o aumento excessivo do consumo
levaria a uma degradação de tal nível que a terra viraria um caos, onde certamente o homem
não sobreviveria.
Uma solução aqui apresentada para amenizar essa situação é a mudança dos
padrões de consumo dos países desenvolvidos, uma mudança em seus modos de vida, e
realizando ações pró-ativas na adoção de uma nova postura frente a esse grande problema.
Sobre esse assunto, Lang afirma o seguinte:
“O consumismo verde, o qual relega estas mudanças para os caprichos do mercado, não é suficiente. Os padrões de consumo - e aquilo que se encontra disponível para se consumir terão de ser alterados, para evitar arruinar a base dos recursos a nível mundial. O excesso de consumo pelos mais abastados no Norte terá de diminuir, encorajado por impostos sobre a riqueza e a poluição. O objetivo é um consumo de qualidade, acentuando a durabilidade e uma boa concepção, de modo a satisfazer as necessidades reais. Serviços de melhor qualidade, como habitações, transportes e serviços sociais ecologicamente mais apropriados melhorariam a qualidade de vida para todos.” 50
As economias desenvolvidas estão cada vez mais dependentes dos recursos
naturais dos países em desenvolvimento, principalmente dos recursos não renováveis, por
isso, a abertura comercial é extremamente vantajosa para aqueles países, dessa forma, pode-se
fazer a exploração dos recursos naturais em escala planetária por um grupo de países em
detrimento de outros. De acordo com Furtado, “como a política de defesa dos recursos não
reprodutíveis compete aos governos e não às empresas que os exploram, e como as
49 Idem, p. 10-11
34
informações e a capacidade para apreciá-las estão principalmente com as empresas, o
problema tende a ser perdido de vista.”51
Dessa forma, deve-se assumir uma postura preventiva frente ao problema do
desequilíbrio ecológico. Nesse sentido, os recursos naturais devem ser utilizados tendo
sempre em vista as necessidades potenciais das futuras gerações. De acordo com essa
premissa deverá haver um limite ao desenvolvimento já que muitos recursos naturais são
escassos ou, mesmo os abundantes, em face de tamanho grau de contaminação, apresentam-se
inutilizáveis.
Por fim, é improvável que o crescimento conquistado pelas nações hoje
desenvolvidas chegue aos países em desenvolvimento. Estes nem deveriam ter esta pretensão,
que é incabível não apenas por uma limitação de ordem econômica ou política, mas sobretudo
por um limite ecológico, onde há o risco real de a Terra tomar-se um planeta inabitável pelo
homem. Ao contrário disso, são os países desenvolvidos, grandes responsáveis pela atual crise
ecológica, que devem abdicar de seus insustentáveis modos de vida, contribuindo, dessa
forma, para o resgate da sustentabilidade ecológica.
No próximo item, analisar-se-á um aspecto importante que está associado à idéia
de desenvolvimento sustentável, que é o desenvolvimento tecnológico.
1.7 - Desenvolvimento tecnológico
Na década de setenta ocorreu a chamada “revolução tecnológica” nos países
desenvolvidos, refletindo em grandes mudanças na economia mundial. A microeletrônica, a
informática e a mecânica de precisão são um dos principais exemplos dessa revolução.
Em virtude do desenvolvimento tecnológico, a distância entre os países diminuiu
virtualmente, o computador aproximou as pessoas e provocou grande mudança no mercado
internacional de capitais. A respeito disso Thorstensen diz que “com a redução dos custos de
comunicações e de transporte, a convergência das capacidades tecnológicas entre países
desenvolvidos, a expansão das empresas multinacionais e o desenvolvimento do mercado
50 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 24851 Furtado, op. cit., p. 10-11
35
internacional de capitais, as fronteiras nacionais e as distâncias entre as nações estão deixando
de ter qualquer importância.”52
O paradigma tecnológico surge também para definir novos padrões de
competitividade entre os países. Caldwell atenta para o fato de que “a tecnologia moderna nas
mãos das potências imperialistas foi um instrumento de exploração, que não podia ser
transferido para outras mãos exceto sob rigorosa supervisão, com severas restrições e
limites.”53
A revolução tecnológica ainda figura como uma das características da
globalização econômica. Aquela surtiu efeitos na agricultura, com a biotecnologia e na
indústria com a robótica. No entanto, o aumento de produtividade em função do avanço
tecnológico contribui para uma maior distanciamento entre países em desenvolvimento e
desenvolvidos, isso em face dos investimentos financeiros, de recursos científicos, e da mão-
de-obra qualificada carentes nos países mais pobres.
O desenvolvimento tecnológico contribui para representar um diferencial entre os
países e, ainda, possui a finalidade de satisfazer as necessidades humanas. Contudo, a despeito
desse lado positivo do avanço tecnológico, este pode representar, freqüentemente, um risco à
saúde e à vida humana. Isso porque engenhos são construídos com várias finalidades, dentre
as quais a própria destruição da vida, como é o caso das armas nucleares, químicas etc. Além
desse aspecto, ainda ela produz tanto efeitos positivos quanto negativos no meio ambiente,
seja minimizando os efeitos da degradação, seja promovendo-a.
Por esses motivos é que alguns autores defendem um maior disciplinamento das
inovações tecnológicas pelo Estado, com o intuito de minimizar os riscos negativos trazidos
pelas mesmas. Nesse sentido, Derani afirma que “é dever do Estado minimizar os efeitos
negativos e os riscos apartados por novas tecnologias direcionadas a resultados privados,
fomentando o aumento da vantagem social dentro do lucro privado. O Estado deve disciplinar
este desenvolvimento tendo em vista uma economia global, procurando resguardar a
competitividade no mercado interno e externo e a utilidade social das inovações.” 54
Aqui, o direito exerceria papel fundamental como instrumento para o controle
tecnológico, para o fomento e incentivo à pesquisa, com o propósito de orientá-la num
52 Thorstensen, op. cit., p. 20, 2453 Caldwell, op. cit., p. 10854 Derani, op. cit., p. 178-179
36
processo de desenvolvimento que garanta o aumento da qualidade de vida mediante a
melhoria das condições do ambiente.
A tecnologia possui, entre outras, a função de satisfazer as necessidades humanas,
mais especificamente àquelas inseridas no conceito de desenvolvimento sustentável. Todavia,
até aonde vão as tais necessidades? Quem determina o que o homem precisa ou não? Existem
algumas necessidades que realmente são inegáveis como a alimentação, a manutenção de um
ambiente que ofereça condições salutares para a vida, entre outras. Por outro lado, há séculos
inúmeras necessidades foram “criadas” pelo homem no mesmo ritmo do desenvolvimento
tecnológico. Assim, referindo-se a estas necessidades “criadas”, Derani alerta que essas
invenções não podem aplacar como uma necessidade humana. Diz a referida autora:
“Estas invenções correspondem a satisfações outras, prazeres e comodidades, cuja ausência antes de seu invento dificilmente se fazia lastimar. Muito mais, estas invenções trouxeram novas necessidades, por onde foi possível o surgimento dos pressupostos econômicos para sua produção em massa. Esta capacidade de despertar necessidades desnuda o poder de modificador do universo incorporado pela técnica. Isto posto, uma vez que a técnica satisfaça necessidades existentes, ajusta-se ela à condição humana. Mas, quando a técnica cria necessidades, exercita ela seu poder, impondo uma adaptação do homem ao mundo como ambiente modificado pela técnica. Este poder revela-se em todo seu gigantismo, com a possibilidade de modificar-se o próprio homem pelos resultados das pesquisas genéticas.”55
As invenções técnicas trazem riscos conhecidos e muitas vezes desconhecidos
pelos seus inventores. Os efeitos da tecnologia podem não ser tão otimistas. A submissão da
natureza à técnica, muito pretendido pelo homem, poderá ser o motivo da grande derrocada.
1.7.1 - Tecnologia e meio ambiente
A tecnologia na produção econômica apresenta-se, hoje, como uma alternativa à
produção insustentável. Ela fornece os meios de melhor relação homem/natureza. Sobre esse
assunto, Derani assevera que “sinteticamente, a produção de tecnologias fornece os meios dos
quais o ser humano se vale para mediar sua relação com a natureza ou com o ambiente
55 Idem, p. 180
37
exterior que o circunda, com a finalidade de facilitar, otimizar e melhorar sua existência e a
daqueles submetidos aos seus efeitos.” 56
Quanto ao aspecto ambiental, a tecnologia apresenta-se com duas faces: serve
para amenizar os efeitos da degradação e para a evolução de um sistema de gerenciamento
ambiental eficiente; mas por outro lado, constitui um “risco” para a saúde e para o meio
ambiente. Com relação a esta última afirmativa, por exemplo, sabe-se muito pouco a respeito
do impacto da biotecnologia agrícola no meio ambiente, ou na saúde humana. Sobre esse
assunto, Santos afirma que:
“Se a produção pode aumentar excepcionalmente, fá-lo-á à custa da biodiversidade. Se plantas e animais podem ser sujeitos à engenharia genética para se tomarem mais resistentes às doenças, à seca, ou aos herbicidas, isso é no fundo um incentivo a tolerar e até a promover a degradação ecológica. Mas o aspecto mais saliente da biotecnologia agrícola do ponto de vista das relações Norte/Sul é que ela certamente agravará tanto a sobreprodução do Norte como a subprodução do Sul. A grande novidade da biotecnologia é que ela é levada a cabo por grandes empresas multinacionais que sujeitam as patentes às descobertas biotécnicas e que, por isso, privam dos seus benefícios todos os que não puderam pagar os direitos autorais (royalties).”57
A Revolução Verde, ocorrida a partir da década de sessenta, por exemplo,
compreendeu a inserção de sementes de alta produtividade desenvolvidas em laboratórios,
para a produção de cereais. Em princípio, a técnica parecia ser um sucesso, todavia, por se
basear em premissas e expectativas falsas, a revolução verde causou problemas alimentares na
população mundial, problemas que provocaram, exempli gratia, efeitos colaterais imprevistos
decorrentes da hibridação, do uso excessivo de fertilizantes, entre outros.
Isso demonstra o lado negativo do desenvolvimento tecnológico. Este tanto pode
aprimorar e otimizar processos produtivos, como pode significar um potencial destrutivo da
humanidade sem precedentes. A tecnologia, utilizada para estes fins destituídos de ética, neste
caso trata-se de ética de perpetuação, toma-se uma ameaça para a vida humana, produzindo
riscos que nunca existiram, mas que prontamente foram inventados pelo homem, ou seja,
risco da sua própria destruição em proporções catastróficas.
Por outro lado, a busca por tecnologias que otimizem as formas de produção
insustentáveis caracteriza-se como um modo de alocar custos. Tradicionalmente, o setor
56 Idem, p. 17757 Santos, op. cit., p. 292
38
privado não se sente estimulado para investir em tecnologias de controle ambiental que visam
atender ao interesse social. Em conseqüência disso, não há um bom gerenciamento, ou um
cuidado na utilização, por exemplo, da água, do solo e dos demais recursos naturais.
Reafirmando a proposição anterior, a tecnologia possui duas faces: primeiro,
aquela em que contribui para a degradação ambiental, e que causa potenciais de risco à
humanidade (armas químicas, engenhos não essenciais destinados ao mercado e motivados
pelo consumismo, etc.); a segunda é representada por um tipo de tecnologia que oferece
recursos que contribuem para a sustentabilidade ecológica. Dessa forma, o importante é que
haja um direcionamento do progresso tecnológico no sentido de orientá-lo acerca do
comprometimento com a ética em seus processos. Também no sentido de viabilizar o bem-
estar social e o desenvolvimento sustentável.
Nestes termos, é importante que o conhecimento técnico deixe de ser visto como
um conhecimento destituído de ideologia ou de valores, representativo puramente da “verdade
científica”. Quando se cria meios tecnológicos para atingir-se determinado fim, o processo é
composto por valores associados à finalidade da inovação tecnológica. Por isso, a tecnologiaCO
pode assumir vários papéis, pois ela pode ser preenchida por vários valores. Capra, ao tratar
do pensamento sistêmico como base para um novo paradigma, afirma o seguinte:
“A natureza é vista como uma teia interconexa de relações, na qual a identificação de padrões específicos como sendo ‘objetos’ depende do observador humano e do processo de conhecimento. Essa teia de relações é descrita por intermédio de uma rede correspondente de conceitos e de modelos, todos igualmente importantes. [...] O velho paradigma baseia-se na crença cartesiana da certeza do conhecimento científico. No novo paradigma é reconhecido que todas as concepções e todas as teorias científicas são limitadas e aproximadas. A ciência nunca pode fornecer uma compreensão completa e definitiva.” 59
Destarte, o Estado deve garantir a segurança da maioria da população em face dos
riscos apresentados por determinados ou eventuais engenhos, produtos de um
desenvolvimento científico destituído de ética. Por fim, no item a seguir analisar-se-á aspectos
gerais sobre economia do meio ambiente, que trata do sistema econômico associado à
preocupação de preservação ambiental.
58 Cf. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.59 Capra, op. cit., p. 49
39
1.8 - Economia do meio ambiente
Atualmente, a economia de mercado desenvolve-se numa relação de compra e
venda de bens e serviços, além de comportar investimentos puramente financeiros,
especulativos e volatilidade de capitais. Aqui cabe registrar a opinião de Size, que diz o
seguinte: economia de mercado “é o pseudônimo utilizado pelos capitalistas e pelos que os
sustentam para mascarar as relações de produção inerentes ao modo de produção capitalista.
Trata-se de uma mistificação buscando fazer crer que o mercado é uma lei natural à qual deve
se adaptar o conjunto do sistema econômico, em especial a produção. Esta noção tenta fazer
crer em um corte total entre produção e mercado.” 60
A prática econômica é caracterizada pelo princípio da obtenção do lucro, sendo
que este deve ser obtido na maior proporção possível, mediante manobras econômicas
variadas. Nos dicionários, economia significa “ciência que trata dos fenômenos tocantes à
produção, distribuição, acumulação e consumo dos bens materiais.”61 Por seu turno, Derani
afirma que “[...] o objetivo original da prática econômica, refere-se justamente à manutenção
da existência (manutenção das bases da vida - "Lebensorundlagen").”
A busca pelo desenvolvimento sustentável requer uma interação harmônica entre
objetivos econômicos e proteção ambiental. Assim, pode-se afirmar que no termo
“desenvolvimento sustentável”, a palavra “desenvolvimento” diz respeito à economia e o
termo “sustentável” refere-se à preservação do meio ambiente. Nestes termos, numa
perspectiva macroeconômica, esta preocupação com as questões ambientais associadas ao
desenvolvimento econômico exigirá determinadas modificações estruturais nas políticas de
desenvolvimento. Lacasta aponta algumas mudanças que deverão ser promovidas:
“Um re-equacionamento da noção de "riqueza', traduzida numa reformulação das contas públicas nacionais; [...] recentes escolas de pensamento propõem - ao lado das balanças comerciais e de capitais - a criação de uma "balança de recursos naturais' com contornos não monetários. Dessa forma, por exemplo, a um aumento de rendimento nacional provocado pela extração mineira corresponderia uma diminuição do patrimônio natural, o que, a longo prazo, corresponderia a uma diminuição efetiva da riqueza de uma nação.”63
60 Size, op. cit., p. 4861 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 17262 Derani, op. cit., p. 11663 Lacasta, op. cit., p. 164
40
Estas diretrizes dizem respeito ao aspecto macroeconômico de uma política
voltada para o desenvolvimento sustentável. O enfoque microeconômico desta problemática
refere-se à “economia do meio ambiente”, onde se estuda as extemalidades negativas ou
custos sociais. Assim, é a economia do meio ambiente que apresenta propostas para a
intemalização dos referidos custos (que não estão computados nos preço dos produtos ou
serviços produzidos), bem como o sistema de alocação dos recursos naturais disponíveis no
planeta.
Levando-se em consideração que o objetivo original da economia é a manutenção
da existência humana, hoje há um conflito entre este objetivo, com outro objetivo
prevalecente, que é o desenvolvimento econômico para obtenção de maiores vantagens
possíveis para os agentes do mercado, desconsiderando o efeito que tal procedimento acarreta
para a maioria, ou seja, para aqueles que não são detentores dos meios de produção. A
situação fica ainda mais grave quando pensada em termos ecológicos. Morin comenta que “a
economia, que é a ciência social matematicamente mais avançada, é a ciência social
humanamente mais atrasada, pois se abstraiu das condições sociais, históricas, políticas,
psicológicas e ecológicas inseparáveis das atividades econômicas.”64
A relação economia/ecologia é um tema exaustivamente debatido no meio
acadêmico, no entanto, os resultados desses debates são geralmente minados por uma
tendência do desenvolvimento econômico a qualquer custo, muitas vezes mascarados com a
inserção de alguns princípios de direito ambiental com fins puramente retóricos. Nestes
termos, Caubet afirma que “[...] continuam sem conseqüência prática, dentre outros, os
princípios adotados pelas ‘nações civilizadas’ na Conferência do Rio de Janeiro (1992) sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Humano.”65 Para ilustrar o caráter retórico de alguns
princípios adotados na referida Conferência, o autor supracitado apresenta os seguintes
exemplos:
“‘Princípio 8: Os Estados devem reduzir e eliminar padrões de consumo e produção considerados insustentáveis’. A comparar com as condições de instalação das montadoras de automóveis...‘Princípio 10: A participação pública no processo decisório ambiental deve ser promovida e o acesso à informação facilitado.’ A comparar com as observações de Tom Wathen (op. cit., p. 29): ‘[...] como outras instituições internacionais, as deliberações do GATT, continuam ocorrendo sem a participação da sociedade. Todos os
64 Morin, op. cit., p. 16065 Caubet, op. cit., p. 231
41
procedimentos do GATT, incluindo as negociações, disputas e deliberações dos conselhos, são feitos em reuniões fechadas. Até mesmo as decisões dos painéis de disputa permanecem em sigilo. [...] Esse sigilo é explicado pela necessidade de isolar a Diplomacia das pressões internas da opinião pública. [,..]’”66
O fato é que o atual modo de produção econômica não leva em consideração as
necessidades básicas e vitais das gerações futuras. Assim, age-se como se os recursos naturais
fossem inesgotáveis em nome do crescimento econômico contínuo. O questionamento
pertinente, neste caso, é se esse crescimento é válido numa região (Terra) onde os recursos
estão visivelmente se exaurindo, a qualidade daqueles que ainda existem está diminuindo e,
conseqüentemente, isto está diminuindo a qualidade de vida das pessoas. Neste caso, verifica-
se que o custo-benefício não compensa. No entanto, o economista trabalha num campo de
observação parcial, fechado, como se a economia fosse um valor em si sem comunicação com
o exterior, e sem influência nos ecossistemas e sobre os recursos naturais de uma forma geral.
Os recursos disponíveis no meio ambiente servem para a manutenção da vida
humana, e a forma como eles são utilizados é fundamental para que se possa cumprir ou não
os requisitos estabelecidos para a consecução de um desenvolvimento sustentável. Deste
modo, no próximo item, far-se-á algumas considerações sobre as características dos recursos
naturais, tratando-se, posteriormente, da valoração dos mesmos.
1.8.1 - Os recursos naturais
Os recursos naturais existem no meio ambiente para perfeitamente suprirem as
necessidades humanas, e dar condição à vida existente no planeta. Este é o objetivo
primordial da existência dos mesmos. Contudo, a maneira como estes recursos vêm sendo
gerenciados nas últimas décadas - sua exploração massiva, a poluição intensa, etc. - trouxe
muitas conseqüências negativas, que hoje ocasiona uma diminuição da qualidade de vida da
população do Globo.
Grande parte dos recursos naturais possui as seguintes características: i)
irreversibilidade - assim quando ocorre a degradação, as probabilidades de regeneração do
recurso são nulas ou mínimas; ii) incerteza - pois apesar de todo o conhecimento humano sobe
a natureza terrestre e dos ecossistemas nela inseridos, o homem sempre é surpreendido com
66 Ibidem. Sem grifo no original.
42
algo novo, inusitado e, muitas vezes, assustador: trata-se daqueles fenômenos naturais
incompreensíveis e imprevisíveis que podem ocorrer e que fogem ao domínio humano; e, por
fim, (iii) singularidade - esta característica está relacionada com a extinção de determinado
recurso. Este, quando extinto, não pode ser substituído na sua integridade dentro da função
que exerce no sistema ecológico.
Sobre a questão da irreversibilidade da degradação ambiental provocada pelo
homem, Marques diz o seguinte:
“[...] diferentemente da destruição do capital construído pelo homem, a degradação ambiental pode, com freqüência, tomar-se irreversível e os ativos ambientais em sua maioria não são substituíveis. A extinção de espécies não pode ser revertida, a proteção da irradiação ultravioleta, oferecida pela camada de ozônio, não tem substituto perfeito na prática. Estas propriedades únicas e singulares do ambiente indicam que não se pode aguardar que os recursos naturais tomem-se escassos e criem seus próprios mercados.”67
A escassez dos recursos naturais é algo preocupante, principalmente quando ela
entra como elemento de política econômico-ambiental, e mais especificamente, como fator
determinante dessa política. Assim, é com base nas características dos recursos naturais
(irreversibilidade, incerteza e singularidade) que a economia do meio ambiente propõe a
valoração desses recursos para que se possa promover a intemalização dos custos sociais
provenientes da degradação ambiental, assunto a ser tratado a seguir.
1.8.2 - Valoração dos recursos naturais
O dano ambiental, causado por um indivíduo ou uma empresa, não é
necessariamente eliminado quando se atribui um valor a pagar em função do mesmo. A
imposição de valor pecuniário a pessoas, físicas ou jurídicas, que provoquem um dano ao
meio ambiente é baseada num princípio de direito ambiental: o princípio poluidor-pagador.
No entanto, a aplicação desse princípio não elimina o efeito do dano, pelo menos não
completamente. Um exemplo prático é a poluição dos rios. Estes dificilmente terão suas
propriedades originais depois que forem contaminados por determinada ação humana. A
partir daí, a tendência é o aumento da poluição, obedecendo à lei da entropia.
43
Contudo, existe a necessidade de valorar os bens ambientais para que se possa
desenvolver um sistema onde se possa atribuir ao agente poluidor a responsabilidade pela
prática de um dano ambiental, bem como para a quantificação pecuniária desse dano. De
acordo com Derani:
“A dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de atribuir-se uma medida monetária ao recurso natural está sobretudo no fato de que lhe falta a soma de fatores inerentes à produção. Isto é, ele vale pela sua simples requisição para continuidade do processo produtivo. Sua valoração dispensa o fator custo de produção, estando sujeita teoricamente à quantidade ou escassez. Esta valoração é constituída por um raciocínio simplificado de preço, o qual partiria do zero - caso o recurso fosse abundante, por exemplo o ar - atingindo valores diversos na medida de sua escassez no mercado.” 68
Em regra, os preços atribuídos aos bens econômicos não correspondem ao valor
total dos recursos utilizados na sua produção. Isso ocorre, porque os mercados falham em
alocar os recursos com eficiência. Deste modo, de acordo com Marques, “as decisões tomadas
somente com base nos custos privados, assumindo custo zero para o recurso ambiental, fazem
com que a demanda pelo fator de custo zero fique acima do nível de eficiência econômica,
podendo levar aquele recurso à completa exaustão ou à degradação total.”69 Tratando da
dificuldade de imputar um valor aos recursos naturais, May assevera o seguinte:
“Um dos motivos pela falta de congruência entre percepções de valor é oriundo das incertezas sobre a causalidade entre fatores econômicos e ambientais. Tais incertezas existem porque ‘fenômenos físicos, biológicos, químicos e econômicos são difíceis de quantificar, nem sempre ocorrem de forma previsível e possuem estruturas ocultas instáveis’ (King, 1992). Neste sentido, os efeitos ambientais perversos do desenvolvimento econômico freqüentemente são difíceis de identificar, devido à multiplicidade de fontes, trajetórias
7flobscuras e interações ambíguas.”
Um outro aspecto que denota a dificuldade de valoração de um recurso natural dá-
se em virtude de que o mesmo vale pela demanda existente no mercado, e não pela sua
quantidade existente no mundo físico. Dessa forma, o valor de um recurso está em função de
67 MARQUES, João Fernando; COMUNE, Antônio Evaldo. A teoria neoclássica e a valoração ambiental. In: ROMEIRO, Ademar Ribeiro, et al. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. Campinas: UNICAMP, 1996. p. 2268 Derani, op. cit., p .11369 Marques, op. cit., p. 2370 MAY, Peter H. Avaliação integrada da economia do meio ambiente: propostas conceituais e metodológicas. In: ROMEIRO, Ademar Ribeiro, et al. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. Campinas: UNICAMP, 1996. p. 55
(
sua abundância ou escassez apresentada no setor mercadológico. Dito de outra forma, como
os recursos naturais não precisam ser necessariamente escassos, basta que pouca quantidade
do gênero seja apresentada no mercado; cria-se a escassez e obtém-se o lucro, pois, neste
caso, a abundância de recursos não traria lucro. Aqui, a dinâmica de preços funciona com uma
escassez controlada e produzida. Sobre esse aspecto, Derani faz um questionamento muito
pertinente, quanto ao tema da valoração dos recursos naturais, diz a autora:
“Por que, sabendo-se da esgotabilidade das reservas minerais como bauxita, ferro e petróleo, já inclusive estimado o tempo para sua desaparição definitiva do mercado, seus preços continuam sendo tão baixos, acessíveis a qualquer sujeito do mercado? Por que, também, consegue-se manter uma uniformidade e estabilidade no preço destes materiais por mais que se os utilize, sabendo que cada utilização do produto jamais é reposta aumentando-se a cada dia sua escassez? [...] Porque esta escassez é uma escassez real, não de mercado. Ao mercado não interessa transmitir a escassez real destes materiais que são a base de toda produção industrial. Seu preço deve ser garantido acessível, para que se reproduza as atividades industriais de uma forma constante e ascendente. Por isto, o mercado internacional de minerais depende de outros fatores e muitas outras determinantes, além do puro mecanismo da oferta e procura.” 71
A economia cria valor econômico às custas de processos irreversíveis de
degradação ambiental. Há quem acredite que o desenvolvimento tecnológico irá reverter os
efeitos negativos desse processo. De outro vértice, Furtado avalia como uma atitude ingênua
“[...] imaginar que problemas dessa ordem serão solucionados necessariamente pelo progresso
tecnológico, como se a atual aceleração do processo tecnológico não estivesse contribuindo
para agravá-los.”72 Assim, o afastamento das questões econômicas e ecológicas, provocado
por um sistema de valoração dos recursos naturais considerado ineficaz por não garantir um
meio ambiente sadio para a presente geração e para as gerações futuras, pode trazer
conseqüências desastrosas e insanáveis pelos progressos da tecnologia.
Nesse sentido, várias políticas foram desenvolvidas na tentativa de elaboração de
um sistema econômico que atenda às necessidades ecológicas atuais, e que mantenha a
qualidade de vida para toda a população do planeta. Assim, em seguida, falar-se-á sobre
algumas destas propostas de políticas econômico-ambientais.
71 Derani, op. cit., p. 113-11472 Furtado, op. cit., p. 12
/
1.8.3 - Políticas econômico-ambientais
A lógica do princípio poluidor-pagador está em encontrar uma ponderação entre a
atividade econômica e a sustentabilidade ecológica. Sobre esse assunto, Derani afirma que
“dentro desta perspectiva, a economia de mercado atinge seu grau ótimo quando realiza uma
satisfatória relação entre o uso de um recurso natural e sua conservação, encontrando um
preço que permita a utilização do bem ao mesmo tempo em que o conserva. Em outras
palavras, a relação uso e não uso deve atingir um estágio ótimo que permita a continuação
desta prática econômica, ou seja, a sustentabilidade do desenvolvimento.”73
Aqui entra a idéia de extemalidades negativas ou custos sociais causados pela
degradação do meio ambiente. De acordo com Serrano Moreno, “os problemas ecológicos,
pensados economicamente, seriam caracterizados como extemalidades, isto é, divergências
entre o que um agente econômico paga por produzir e os efeitos ambientais que causa seu
produto ou seu processo produtivo.”74 Portanto, os problemas ambientais são considerados
extemalidades negativas que a economia deveria internalizar, ou computar nos custos da
produção, para melhor representar o valor final do produto ou bem.
Acredita-se que esses preceitos possam dar conta das extemalidades ambientais, e
que a questão da sustentabilidade pode ser incorporada nesses mesmos termos, ao aplicar o
preço certo ao produto, trabalhando-se com os custos reais de produção. No entanto, a
intemalização das extemalidades negativas não é suficiente para a garantia de um
desenvolvimento sustentável que assegure um sistema ecológico equilibrado para gerações
seguintes, pois esta abordagem perde de vista a racionalidade na alocação dos recursos
naturais, ou seja, concentra sua atenção apenas nos efeitos da degradação ambiental sem
focalizar a captação do recurso em si.
Nesse sentido, ainda há a crença de que o progresso tecnológico irá superar
quaisquer limites que possam surgir ao crescimento em face da escassez dos recursos. Dessa
forma, o funcionamento do mercado dar-se-ia da seguinte forma: o mecanismo de preço seria
imposto em função da escassez real do recurso. Assim, quanto mais escasso o recurso, mais
caro seriam os produtos dependentes de sua utilização como matéria-prima. Além disso,
73 Derani, op. cit., p. 13174 SERRANO MORENO, José Luis. Ecologia y derecho: princípios de derecho ambiental y ecologia jurídica. Granada-Espana: Ecomares, 1992. p. 91. Tradução da Autora. “Los prloblemas ecológicos, pensados
46
premiar-se-ia as inovações tecnológicas alternativas para a sustentabilidade ecológica, como,
verbi gr atia, a descoberta de novas fontes energéticas. Neste caso, o mercado atingiria um
grau de eficiência considerado “ótimo”, na preservação dos recursos naturais.
Contudo, aqui ainda existe o fator entropia. Além disso, esta abordagem, onde os
recursos deveriam ser alocados de uma forma ótima ao longo do tempo, não é suficiente para
garantir a sustentabilidade ecológica, pelo fato do mercado não ser um processo previsível,
bem como pela existência de imperfeições no funcionamento do mesmo. A existência de
monopólios e oligopólios; a inexistência de mercados futuros ideais; além dos riscos e
incerteza, hoje tão comuns, são fatores que frustram este tipo de política. Portanto, esta
proposta apresenta-se ineficaz frente aos problemas relativos à economia do meio ambiente.
Neste caso, os neoclássicos propõem que o tratamento aos recursos naturais para
sustentar a economia deveria obedecer às seguintes regras: “(1) A taxa de extração dos
recursos renováveis deve ser menor que sua taxa de regeneração-, (2) A produção de resíduos
deve manter-se abaixo da capacidade de assimilação do ambiente. [...] tais regras associam-se
à idéia de estoque de recursos naturais constante no tempo, ou seja, à constância do Capital
Natural - que é o que os autores [neoclássicos] definem como seu ‘Critério de7c
Sustentabilidade’.” Todavia, estas regras aplicam-se aos recursos renováveis, mas não aos
recursos naturais exauríveis.
Importante ressaltar que recursos naturais não renováveis são limitados no mundo
físico, por isso, com a utilização dos mesmos, não há que se falar em sustentabilidade, pois
estes não serão obviamente “mantidos intactos” para as futuras gerações. Assim, fala-se em
“uso quase-sustentável” dos recursos exauríveis. Dessa forma, “o uso quase-sustentável dos
não-renováveis requer que todo investimento na exploração de um recurso não-renovável
deva ser acompanhado de um investimento compensatório em um substituto renovável (e.g.,
extração de petróleo acompanhada de plantações de árvores para álcool de madeira)”.76
Nesse contexto, questiona-se a relação entre otimização e sustentabilidade. Uma
melhor utilização do recurso não leva necessariamente a um desenvolvimento sustentável. O
critério de sustentabilidade é incompatível com a otimização neoclássica, pois no que tange a
economicamente, serían caracterizables como extemalidades, esto es, divergencias entre lo que un agente económico paga por producir y los efectos ambientales que causa su producto o su próprio proceso productivo.”75 AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Economia ambiental neoclássica e desenvolvimento sustentável. Disponível em: <www. ipea.gov.br/redepesp/produtos/anpec/anpec/MCAmazonas.rtf.>. Acesso em: 15 jan. 2001.76 Ibidem.
47
recursos exauríveis, a regra da taxa ótima implica que o estoque a ser mantido é o existente,
não restando espaço para a determinação de algum estoque ótimo a partir das preferências
individuais.
Assim conclui-se que, mesmo a união das duas abordagens provenientes da teoria
neoclássica, associando os procedimentos de otimização intertemporal, com a intemalização
das extemalidades, não é suficiente para estabelecer um uso sustentável dos recursos naturais,
de modo que se mantenha um ambiente sadio para as gerações futuras. Há que se lançar mão
de outros critérios que estabeleçam um processo constante pelas contínuas gerações, e que
assegure o equilíbrio do sistema ecológico. Contudo, tais preceitos aproximam-se muito da
solução ideal para o problema da crise ecológica.
1.8.4 - A proposta ecoliberal
A teoria ecoliberal propõe a mínima intervenção do Estado nas questões relativas
à adoção de uma política relacionada com a economia do meio ambiente. Nestes termos,
confiar-se-ia aos agentes do mercado a tarefa de primar pela sustentabilidade ecológica.
Tendo em vista a concepção ecoliberal, onde os próprios mecanismos do mercado
encontrariam uma forma de amenizar os efeitos nocivos ao ambiente, além de expressar a
disposição de pagar pelos danos causados ao mesmo, May assinala o seguinte:
“[...] negociações no contexto do mercado entre atores sociais na busca da resolução de tais danos, requerem que estas possuam uma percepção comum do mundo, um sistema de valores semelhantes, concordem quanto à extensão da natureza das perdas e estejam dispostas a fazer ajustes compensatórios em seu comportamento ou pagar para amenizar os custos ambientais. Requer ainda uma clara definição dos direitos de propriedade entre grupos que reivindicam o usufruto das benesses da natureza. Essas definições raramente são encontradas na realidade.”77
O eco-liberalismo, no intuito de resolver esse problema, reviu a teoria tradicional
do direito subjetivo, bem como a teoria dos direitos de propriedade (property rights). Dessa
forma, para se assegurar à viabilidade do programa ecoliberal é necessário que “todos” os
recursos naturais sejam possuídos por alguém. No entanto, o grande problema dessa
argumentação é que nem todas os recursos naturais são passíveis de valoração e,
77 May, op. cit., p. 54-55
48
conseqüentemente, de serem objeto de título de propriedade. Um exemplo de recurso que não
pode ser valorado é o ar atmosférico. É esse aspecto que denuncia a clara inviabilidade de um
programa de sustentação ecológica baseado nesses preceitos. Tratando dos problemas ou
extemalidades ambientais, May afirma o seguinte:
“Um crescente número de cientistas e leigos envolvidos no assunto desconfia que nem os mecanismos de mercado nem os governos seriam capazes de solucionar os problemas ambientais, cada vez mais catastróficos. Devido à ausência de instituições democráticas em pleno funcionamento ou da soberania do consumidor nos atuais mercados oligopólicos interdependentes, as decisões em relação aos trade-offs entre desenvolvimento e meio ambiente podem ser mal interpretadas pelos preceitos neoclássicos. A tendência global dos regimes em adotar uma postura de mercado liberal dentro do contexto da propriedade privada tende a tomar ainda mais difíceis as decisões coletivas de âmbito nacional ou internacional para proteger os recursos comuns. Existe um sentimento emergente de que haja necessidade de uma mudança de rumo no desenvolvimento econômico, o que irá requerer uma ‘virada paradigmática’.”78
As técnicas utilizadas para amenizar os efeitos da degradação ambiental, ou
mesmo para evitá-la, possuem custos geralmente muito altos. Por esse motivo, a iniciativa
privada procura eximir-se desse encargo. Nesse sentido, não seria viável deixar a questão da
sustentabilidade ecológica sob a responsabilidade dos agentes do mercado. O Estado ainda é o
mais indicado para a tutela dos bens ambientais, e para a manutenção de um meio ambiente
sadio. Não que a sua atuação tenha que se dar isoladamente, mas em conjunto com as
instituições privadas, numa gestão mais participativa possível.
No modelo ecoliberal, o Estado não deve intervir nas questões mercadológicas,
ficando também de mãos atadas com relação às questões ambientais ligadas ao mercado.
Assim sendo, acredita-se que a solução ecoliberal apresentada para o estabelecimento da
sustentabilidade do sistema ecológico, não é a mais apropriada para os reais e sérios
problemas causados pelo mercado ao meio ambiente. Todavia, este é o modelo atualmente
adotado pela maioria das nações do mundo, onde são incorporadas políticas legislativas de
caráter ecoliberal. Neste modelo, a proteção ambiental seria confiada aos indivíduos que
fazem parte das decisões do mercado, onde se defende a propriedade privada o que
dificultaria ainda mais a intemalização dos custos ambientais, por simples falta de
compulsoriedade por uma instituição superior.
78 Idem, p. 55-56
49
O fato é que, provavelmente, os detentores dos meios de produção, como o
responsável ou dono de uma empresa, por exemplo, não teriam repentinamente um acesso de
senso ético-ambiental, abrindo mão de parte dos seus lucros, e investindo em tecnologias
caras para a preservação do meio em que ele vive. A prática demonstra que isso realmente não
acontece. Exemplo dessa tendência são as transnacionais, que mesmo dispondo de recursos
financeiros para investirem em tecnologias limpas, preferem instalar-se, não em seus países
de origem (desenvolvidos), mas em países onde as legislações ambientais, bem como as
fiscalizações são menos rígidas (países em desenvolvimento).
A necessidade da sustentabilidade decorre de razões éticas, de uma ética de
perpetuação, razões relativas aos direitos das gerações futuras. Dessa forma, sendo a
abordagem ecoliberal insuficiente na promoção da sustentabilidade ecológica, há que se
lançar mão de outros valores que venham a suprir a deficiência ou a ineficiência desta
abordagem. Há, então, que se procurar uma solução socialmente melhor para o funcionamento
da economia do meio ambiente. Neste caso, o resultado sócio-ambiental mais eficiente não é
representado pela associação de preferências individuais, mas sim por critérios éticos sociais e
coletivos.
1.8.5 - Política estatal de gerenciamento ambiental
Uma alternativa para o problema da economia dos recursos naturais seria confiar
ao Estado, mediante uma planificação pública e adaptação do sistema jurídico, as questões
relativas ao meio ambiente. Haveria, assim, a intemalização dos custos sócio-ambientais por
esta via, bem como o pagamento pelas extemalidades negativas já produzidas. O sistema
jurídico ambiental teria a função de corrigir as eventuais falácias do mercado. Dessa forma,
quando os interesses privados sobrepuserem-se aos interesses comuns na esfera ambiental, o
direito asseguraria e eficiência ecológica em favor da sustentabilidade econômica.
Todavia, a questão da propriedade não pode ser excluída da discussão sobre um
programa político ambiental, pois esta questão está diretamente relacionada com a
extemalidade e intemalidade dos custos sociais. Em regra, os detentores do poder econômico
ou os donos dos meios de produção tendem a somar os lucros e a dividir os prejuízos e custos
da produção. Custos estes que trazem grandes prejuízos para um universo de pessoas que,
freqüentemente, assistem passivamente à degradação do seu ambiente e ao aumento da
entropia.
50
Como o título de propriedade dá ao seu possuidor o direito de utilizar o bem da
forma como lhe convém, isso numa situação de total abstenção de controle estatal. A solução
seria fazer-se usar a propriedade de forma que haja respeito ao meio ambiente, acatando-se ao
apelo de um presente e um futuro com qualidade de vida. Neste caso, existiria a função
ecológica da propriedade. Esta “implicaria, pois, a existência de uma limitação ao uso do
titular dum bem, exigível como obrigação jurídica deste, a partir da faculdade de outro de
exigir o respeito a um interesse ou bem (o ambiente) de que é proprietário como membro da
sociedade (por tratar-se de um direito subjetivo público) ou em virtude do direito subjetivo7Q(privado) que a ele o tenha reconhecido o ordenamento jurídico.”
Para Serrano Moreno, esta resposta jurídica à falácia de mercado dar-se-ia através
do sistema de responsabilidade civil, no sentido de prevenir danos e vítimas e não naquele
sentido tradicional de “indenizações” por danos causados. Esse autor ainda afirma que “o
principal problema da proposta contratual e, ao mesmo tempo, o primeiro requisito para a
eficácia de seu programa é que requer a existência de uma precisa delimitação e consignação
(destinação) legal dos direitos de uso dos recursos.”80
Assim, a decisão sobre o consumo ou conservação de determinado bem excederia
ao direito de apropriação sobre ele. Nestes termos, proprietário de um bem natural só
contribuirá para a sua conservação, à medida que os custos para evitar o dano ambiental
fiquem abaixo do custo de reparação do dano. Acima deste limite, perde-se o interesse por
prevenir-se dos danos ambientais.
Neste contexto, há duas opções para a conservação do bem: (i) ou o poluidor arca
com as despesas para a diminuição dos custos de substituição daquilo que causa a poluição,
ou; (ii) por uma avaliação política sócio-econômica, alivia-se o poluidor de tal encargo,
devendo os prejudicados arcar com ele (sobretudo via atuação do Estado). Neste último caso
ocorre uma subvenção do poluidor para que ele realize os investimentos necessários, a fim de
eliminar ou reduzir o dano ambiental produzido pelo mesmo.
79 Serrano Moreno, op. cit., p. 143. “La utilidad de una función ecológica de la propriedad implicaria, pues, la existencia de una limitación al uso dei titular de un bien, exigible como obligación jurídica de éste, a partir de la facultad de outro de exigir el respeto a un interés o bien (el ambiente) dei que es ‘ proprietário’ como miembro de la sociedad (por tratarse de un derecho subjetivo público) o en virtud dei derecho subjetivo (privado) que a él le haya reconocido el ordenamiento jurídico.”80 Idem, p. 192. “El principal problema de la propuesta contractual y, al mismo tiempo, el primer requisito para la eficacia de su programa es que requiere la existencia de una precisa delimitación y asignación legal de los derechos de uso de los recursos.”
51
Aqui seria mais indicada a aplicação do princípio do ônus social, onde os custos
da proteção do meio ambiente são divididos pela coletividade, mediante o estabelecimento de
impostos. Com relação a esse princípio Derani afirma o seguinte:
“Com base no princípio do ônus social, recaem sobre o Estado os encargos da proteção ambiental, sobretudo quando se trata do financiamento da diminuição da poluição ambiental, bem como no subvencionamento direto e indireto, estimulando um trabalho privado de proteção ambiental. Aqui se pode também identificar o princípio da subsidiaridade, pelo qual, por impossibilidade técnica e incapacidade de sobrevivência do mercado, o Estado responsabiliza- se por riscos da utilização de matéria e energia, capazes de gerar danos irreparáveis, por exemplo o fornecimento de energia através de usina nuclear.”81
Pelo exposto, a mudança no rumo do desenvolvimento econômico deve ser
promovida pelo Estado, que, por seu turno, promoveria uma orientação política de
atendimento às necessidades sócio-econômicas combinadas com a sustentabilidade ecológica.
Cabe ressaltar que “[...] o Estado é uma instituição social, influenciado por relações de poder.
Sua democratização só é possível à medida que apresente instrumentos para uma maior
participação da sociedade. A co-participação da comunidade abre um real espaço para
mudanças, as quais são instrumentalizadas e asseguradas pelo sistema jurídico.” 82 A atuação
do Estado deve ser observada de perto pelo número maior possível cidadãos, para que se
possa existir um grau máximo de democracia e, assim, seja garantida maior qualidade de vida
para a maioria da população.
No entanto, muitos autores argumentam que a aferição ao Estado da função de
implementador de políticas ambientais visando ao desenvolvimento sustentável o
sobrecarregaria. Com isso, promover-se-ia o aumento da burocracia, tomando as soluções
lentas ou mesmo inviabilizando-as. Dessa forma, o Estado tomar-se-ia ineficiente.
Certamente, o Estado não é uma instituição perfeita e possui suas limitações, e
não é seguro esperar que a solução para o atual problema ecológico venha somente dele. Os
diversos setores da sociedade, como Universidades, organizações não governamentais,
corporações de profissionais, sindicatos, etc., devem se fazer ouvir para que as necessidades
urgentes venham a ser atendidas. Para a elaboração das normas jurídicas, e também para a
fundamentação das decisões administrativas, todos os setores sociais devem estar
81 Derani, op. cit., p. 16082 Idern, p. 90
52
representados para que assim tenha-se uma visão geral, e não compartimentada, dos
problemas relativos ao sistema econômico e ao meio ambiente. Sobre esse assunto, May
prolata que:
“Para obter resultados eficazes, os processos analíticos devem levar em conta que os próprios pesquisadores representam um grupo de interesse (stakeholder), e que a ciência não seja livre de valores. Neste sentido, faz-se cada vez mais essencial um processo que contém, como componente central da elaboração de cenários, negociações entre stakeholders. A análise científica, isoladamente, raramente é capaz de fornecer soluções eficazes à rápida degradação dos recursos naturais e à iminência de catástrofes socioambientais que caracterizam a virada do século. Tais soluções requerem consenso entre os grupos interessados, cujas ações afetam o meio ambiente.” 83
Aqui, vê-se instituído o princípio da cooperação. Cooperação esta não apenas
entre Estados mas também dentro de cada Estado nacional. Este princípio estabelece uma
atuação conjunta do Estado e sociedade, na escolha de prioridades e nos processos decisórios.
Assim, para que este princípio possa reger uma política pública de defesa do meio ambiente
com eficiência, vários requisitos básicos devem ser atendidos, como, por exemplo, a criação
de normas que garantam a informação e educação ambiental para todos; criação de fóruns de
debates ou eventos similares para estimular a participação da população, inclusive a
participação no processo de decisão política relativa ao meio ambiente; entre outros requisitos
necessários à manutenção de um meio ambiente sustentado, dentro de um cenário político
democrático.
Em conclusão, por apresentar-se como uma alternativa de gerenciamento
ambiental eficaz e, em virtude dos mecanismos do mercado não serem adequados para
assumirem a tutela do meio ambiente, já que neste caso, trabalha-se com a idéia de interesses
privados e preferências individuais, o Estado deverá assumir a defesa dos interesses
considerados públicos, agindo como corretor da lógica do mercado. Os instrumentos para a
atuação não só do Estado, mas de toda a comunidade deverão estar inseridos no sistema
jurídico de cada Estado nacional. O direito ao meio ambiente sadio, para a atual e futuras
gerações, como um direito difuso deverá admitir a mais ampla possível legitimação
processual, para o exercício da cidadania na defesa de uma melhor qualidade de vida, e da
sustentabilidade ecológica.
83 May, op. cit., p. 59
53
Quanto ao sistema econômico, este deve desenvolver-se até a medida em que
atenda as necessidades básicas ou vitais de todos os indivíduos. O importante é que - mesmo
nesse sistema de desenvolvimento econômico, onde o crescimento seja limitado pela
necessidade de manter o ambiente apto a satisfazer também as necessidades básicas das
futuras gerações - deve haver a intemalização dos custos ambientais, pois, sabe-se que a
transformação dos recursos naturais gera entropia, e com isso, a diminuição das capacidades
naturais de regeneração do mundo físico.
Por isso, é necessário adotar-se uma planificação pública com o objetivo de se
garantir uma alocação racional e sustentada dos recursos naturais, que venha a inibir aos
agentes degradantes do mercado, e que venha a impor um limite à degradação ecológica
desenfreada. Com relação à planificação pública, Serrano Moreno afirma o seguinte: “[...] nós
os modernos, em nossa cultura da liberdade, resistimos à planificação pública. Nossas
referências culturais igualitárias nos advertem do risco das sociedades planificadas, a
subordinação, ainda que consista em submissão a um programa de sobrevivência da espécie,
nos parecerá reprovável.” 84
Cabe ainda ressaltar que o sistema jurídico deverá ser adaptado às atuais
necessidades de proteção ao meio ambiente, promovendo uma revisão no processo de
produção econômica e impondo-lhe limites de sustentabilidade ecológica. Na opinião de May:
“[...] normas de comportamento econômico referente ao uso dos recursos podem ser definidas mediante índices de importância relativa aos ecossistemas em questão e do grau de viabilidade de reverter as decisões uma vez tomadas. índices agregados da saúde ou integridade do ecossistema servem como base de mensuração da sua importância e viabilidade técnica e econômica da restauração das funções ecológicas perdidas, para medir a reversibilidade relativas das modificações induzidas pelo homem. A demarcação das fronteiras da fragilidade e importância do ecossistema, na aplicação de diferentes normas, deve basear-se nas negociações dentro da sociedade, no que diz respeito aos fatos e valores em questão, ou seja, na política.” 85
Por derradeiro, a sociedade civil exerce um papel de suma importância na
discussão e valoração das questões relativas ao meio ambiente, pois é pelo exercício da
84 Serrano Moreno, op. cit., p. 247-248. “[...] nosotros los modernos - en nuestra cultura de la libertad - nos resistimos a la planificación pública. Nuestros referentes culturales igualitarios nos advierten dei riesgo de las sociedades planificadas, la subordinación - aunque consista en sometimiento a un programa de supervivencia de la especie - nos parecerá reprobable.”85 May, op. cit., p. 58
54
cidadania, na eleição de governantes que se preocupem efetivamente com a questão social e,
mais especificamente, ecológica, que se pode encontrar o caminho para a elaboração e
aprovação de normas que visem à preservação do meio ambiente, a fim de que tais normas
garantam melhor qualidade de vida para a maioria da população. Assim, a sociedade civil
disporá dos instrumentos jurídicos necessários para fazer valer o direito já caracterizado como
norma jurídica.
1.8.6 - Controle público ambiental
A economia do meio ambiente, que se fundamenta na teoria neoclássica,
desenvolveu métodos para a valoração dos recursos naturais, criou instrumentos de política
ambiental, como, por exemplo, impostos ecológicos, permissões para poluir, subsídios, taxas,
padrões estabelecidos para gerenciamento ambiental, tudo isso para atingir-se a
sustentabilidade ecológica nos processos de desenvolvimento econômico. No entanto, alguns
autores como Serrano Moreno defendem a idéia de um controle público ambiental, exercido
pelo Estado com o apoio e participação da comunidade em geral. Esse controle público
ambiental seria promovido mediante a utilização, inclusive, dos instrumentos originados da
teoria neoclássica, como aqueles que promovem a intemalização das extemalidades negativas.
No âmbito internacional, está estabelecido no princípio 17 da Declaração do Rio
que “deve ser confiada às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar,
administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais do Estados, com o fim de
melhorar a qualidade do meio ambiente.”86 Esse traduz o princípio da descentralização, onde
as autoridades locais conduzem as opções de desenvolvimento, ao mesmo tempo, possuem a
função de encorajar o desenvolvimento das capacidades institucionais em nível local. Lacasta
afirma que “dessa forma, evita-se também a criação de estruturas internacionais,
necessariamente macrocéfalas e desprovidas de qualquer contato com as realidades nacionais,
as verdadeiras beneficiárias das políticas desenvolvimentistas.”87
Nesse sentido, Serrano Moreno afirma que há a necessidade de promover-se um
programa de controle ambiental nos seguintes termos:
86 Lacasta, op. cit., p. 16587 Ibídem.
55
“[...] o programa de controle público ambiental se apoiaria em dois pilares: em primeiro lugar instrumentos jurídicos que regulem diretamente o uso de recursos naturais mediante as técnicas próprias da sanção administrativa (estabelecimento de limites de emissão, características técnicas dos elementos do processo produtivo, etc., [..]); e, em segundo lugar, instrumentos próprios de direito financeiro tais como os subsídios [...], os bônus cambiáveis/permutáveis ou dívida pública ambiental [...] e os impostos, taxas, ou tributos em geral [,..].”88
Dessa forma, o agente causador do dano pode ser compelido pelo Estado a mudar
o seu comportamento ou a adotar medidas de diminuição da atividade degradante. No entanto,
aqui estaria também instituído o princípio poluidor-pagador de forma que o agente poluidor
teria a possibilidade de pagar para adquirir uma “licença” ou “taxa” para poluir. Essa taxa
existiria em função da potencialidade do dano.
O estabelecimento de um sistema fiscal de tributos ecológicos apresenta-se como
uma alternativa para a contenção da degradação do meio ambiente. Tal sistema fundamenta-se
em três elementos: subsídios, emissões públicas de bônus transferíveis e ecoimpostos ou
impostos ecológicos. De acordo Cherem, subsídio, na linguagem econômica, caracteriza-se
“[...] quando há contribuição financeira por parte do Estado, implicando transferência direta de fundos, potenciais transferências diretas de fundos ou obrigações; quando houver o perdão de receitas públicas ou as mesmas não forem recolhidas; quando, também, o governo fornecer bens ou serviços além dos que são destinados à infra-estrutura geral ou mesmo quando adquire bens, e, por fim, quando se constatar forma de apoio às empresas através de receita ou sustentação de preços.” 89
Em termos de economia do meio ambiente, subsídio apresenta-se como a
subvenção dada a empresas que trabalhem dentro dos parâmetros de sustentabilidade
ecológica. Esse mecanismo é uma forma de intemalização no sistema de preços, pois, o valor
do subsídio que o contaminante deixa de receber é o preço que ele paga por degradar. No
entanto, o sistema de subsídios exigiria que o Estado dispusesse de fundos para sustentá-lo,
88 Serrano Moreno, op. cit., p. 168. “[...] el programa de control público ambiental se apoyaría en dos pilares: en primer lugar instrumentos jurídicos que regulen directamente el uso de recursos naturales mediante las técnicas propias de la sanción administrativa (estabelecimiento de limites de emisión, características técnicas de los elementos dei proceso productivo, etc., [...] ); y, en segundo lugar, instrumentos propios dei derecho fmanciero tales como los subsidios [...], los bonos canjeables o deuda pública ambiental [...] y los impuestos, tasas, cânoneso tributos en general89 CHEREM, Giselda da Silveira. Subsídios. O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Organizador Welber Barrai. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 411
56
além de ter de investir em pessoal qualificado para a obtenção de informações acerca do
procedimento dos agentes poluidores.
Bônus cambiáveis são emissões de certificados de dívida pública àqueles que
causaram um determinado dano ambiental, deixando que o preço venha fixado pela demanda
dos que utilizam os recursos naturais. A seguir tratar-se-á do sistema de tributos ecológicos
como alternativa de instrumento para a manutenção da sustentabilidade ecológica.
1.8.7 - Sistema de tributos ecológicos
Os tributos ecológicos apresentam-se como uma carga fiscal aplicada a agentes
poluidores, como as empresas, até que se atinja um grau ótimo, ou seja, uma utilização
sustentável dos recursos naturais. A tributação, com fins de proteção do meio ambiente,
apresenta-se hoje como uma boa alternativa para ajudar a manter a qualidade ambiental
necessária ao bem-estar da sociedade. No atual progresso de degradação ambiental, este é um
recurso válido na tentativa de intemalização dos custos ambientais. Sobre esse assunto, Lang
afirma o seguinte:
“Nos últimos 15 anos, os impostos têm sido vistos como algo de mau, que estimula alguns Estados ‘ama’ ineficientes. O que é preciso reafirmar é que os impostos são socialmente necessários, mas a sua eficácia é determinada pela forma como são aumentados e pelo seu uso. Deveriam providenciar incentivos de forma a melhorar a normalização da proteção do ambiente e fundos para reestruturar a economia de um modo sustentável e mais eqüitativo, e permitir à sociedade fazer coisas que, de outro modo, não poderiam ser atingidas individualmente.”90
Destarte, o Estado na sua função de zelar pelo bem comum, promovendo ações
em favor da coletividade, deve tomar partido na condução de um desenvolvimento
sustentável, ao contrário dos defensores do livre comércio que não vêem com bons olhos a
figura dos impostos ecológicos nacionais. O grande problema é, sem dúvida, o fato de que
nem todos os bens ambientais serem passíveis de valoração, bem como a imposição de valor a
um dano também não é uma tarefa fácil. Contudo, deve-se criar mecanismos para que a
valoração seja feita, ou seja, é importante encontra-se uma forma de responsabilizar o agente
que promova a degradação, bem como atribuí-lo um encargo pecuniário, ou, no mínimo,
90 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 259
reverter o processo de degradação dentro dos recursos técnicos que houver. Sobre esse
assunto, Serrano Moreno assinala que:
“[...], não podemos avaliar e não podemos gravar fiscalmente nenhum ‘mar de extemalidades’ acumulado há séculos, nem o futuro, nem a incerteza. Isto significa que a figura do imposto é inútil? Provavelmente não; provavelmente significa que quando a avaliação de custos não é possível, devemos recorrer a uma simples cláusula que obrigue o produtor a livrar-se de seu próprio resíduo, bem a outro sistema de avaliação não crematística como por exemplo o direito penal, de maneira que outorguemos valor ao bem ambiental.” 91
No caso de responsabilização do agente causador do dano ambiental, as opções de
sanções são muito variadas. Dessa forma, pode-se desenvolver, dentro do sistema jurídico,
penas de caráter civil, penal, tributário, penas alternativas, enfim, sanções rígidas que venham
realmente a coibir a conduta danosa ao meio ambiente, assim como a sua restauração.92
1.8.8 - Efeitos do sistema de tributos ecológicos
Quanto aos efeitos do sistema de tributos ecológicos, no âmbito internacional, se
esse sistema for aplicado nos países desenvolvidos, empresas poluidoras migrarão para países
em desenvolvimento, diminuindo a qualidade ambiental e, por isso, a qualidade de vida
nesses países. Nos países em desenvolvimento, não há “obstáculos” à lógica da produção, no
sentido de que impostos de qualquer espécie e, principalmente, os de caráter ecológico não
são bem vistos pela comunidade produtora. Nesses países está convenientemente valorizada a
produção em massa, destinada ao mercado interno e externo, exercida pelas empresas
transnacionais instaladas em seus territórios, e subsidiariamente por empresas nacionais. Esse
processo de produção destituído de regras que possam garantir a sustentabilidade ecológica,
ocorre em detrimento de uma melhor qualidade de vida humana.
Por outro lado, com uma reforma fiscal nos país em desenvolvimento certamente
os agentes econômicos procurariam países com legislações ambientais mais tolerantes. É por
91 Serrano Moreno, op. cit., p. 176. “[...], no podemos evaluar y no podemos gravar fiscalmente ni ‘el mar de extemalidades’ acumulado en lo que va de siglo, ni el futuro, ni la incertudumbre.^Significa esto que la figura dei impuesto es unútil para una política ambiental? Pues probablemente, no; probablemente significa tan sólo que cuando la evaluación de costes no es posible, como en el ejemplo anterior, debamos recurrir bien a una simple cláusula que obligue al productor a hacerse cargo de su próprio residuo, bien a otro sistema de evaluación no crematística como por ejemplo el derecho penal, de manera que otorguemos ‘valor’ al bien ambiental.”92 Aqui, vale lembrar que muitos danos ao meio ambiente são de caráter irreversível, dessa forma, a reparação do dano seria impossível.
58
isso que esse sistema só atinge sua eficácia plena quando adotado por “todos” os países em
desenvolvimento, o que parece ser uma tarefa difícil e lenta, tendo em vista os interesses
econômicos prevalecentes nesses países. A instalação de empresas transnacionais, por
exemplo, nos países em desenvolvimento é considerado um prêmio para a região que a
acomoda. Todos os privilégios são concedidos a essas empresas, desde benefícios fiscais, atéQ-5
o “direito” de poluir a região onde ela ocupa.
Um outro aspecto relacionado com o sistema de tributos ecológicos é a questão da
justiça distributiva. Os impostos ecológicos devem se adaptar ao nível financeiro do agente
poluidor. Se assim não ocorrer, o grande empresário pode pensar que seja financeiramente
mais vantajoso arcar com o imposto e manter a atividade poluidora. No entanto, o
estabelecimento de um sistema de tributos ecológicos, bem administrado pelo Estado, de
modo que tais tributos sejam instituídos em graus condizentes com a realidade financeira do
agente poluidor, ou seja, tendo como base de cálculo a sua renda, por exemplo, serviria como
um importante instrumento de política ambiental e provavelmente aumentaria a eficácia das
normas que regulam o referido sistema.
Finalmente, na última década, surgiu um movimento internacional no sentido
promover-se o gerenciamento ambiental no âmbito da indústria, basicamente nos moldes da
gestão da qualidade. Nesse processo, deu-se o desenvolvimento de normas técnicas de cunho
ambiental que visa à padronização das referidas normas. Uma organização internacional não
governamental, a International Organization for Standardization - ISO desenvolveu uma
série de normas chamadas ISO 14000, assunto que será objeto de análise do próximo
Capítulo.
93 Cf. CAUBET, Christian Guy. A Irresistível Ascensão do Comércio Internacional: o meio ambiente fora da lei?
CAPÍTULO 2 - A CARACTERIZAÇÃO DOS STANDARDS ISO
A palavra norma, na linguagem jurídica e em sentido literal, significa uma “regra,
modelo, paradigma, forma ou tudo que se estabeleça em lei ou regulamento para servir de
pauta ou padrão na maneira de agir. [...] Nela, pois, está contida a regra a ser obedecida, a
forma a ser seguida, ou o preceito a ser respeitado.”94
O Direito ambiental internacional pode ser definido como “o conjunto de regras,
princípios que criam obrigações e direitos de natureza ambiental para os Estados, as
organizações intergovemamentais e os indivíduos.”95 As normas jurídicas pertencentes ao
Direito Internacional - Dl geral, incluindo aqui o Direito ambiental internacional, são aquelas
provenientes das “fontes” de Direito Internacional, fontes estas que, “constituem os modos
pelos quais o Direito de manifesta, isto é, as maneiras pelas quais surge a norma jurídica.”96
O Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabelece, em seu art. 38, as
referidas fontes, são elas: os tratados, o costume e os Princípios Gerais do Direito - PGD.
Cabe acrescentar que alguns autores modernos têm incluído os atos unilaterais e a lei
internacional (regras/declarações que posteriormente viram tratados), como fontes de Direito
internacional.
Deste modo, os instrumentos jurídicos acordados com base nas fontes do DIP,
somente serão considerados válidos e configurados como uma “obrigação legal”, se pactuados
entre sujeitos considerados capazes. Assim, um acordo formalizado no âmbito do DIP só terá
validade se praticado por aqueles considerados sujeitos de Direito internacional.
Nestes termos, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, em seu art. 2o,
define tratado, em sentido lato, como “um acordo internacional celebrado por escrito entre
Estados e regido pelo Dl, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação particular.” A Convenção de
Viena de 1986 estendeu a capacidade de firmar tratados às Organizações Internacionais.
94 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 250. v.3 e 4. Edição Universitária.95 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial, uma reconstituição da Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, p. 5
60
Dessa forma, por sujeitos de Direito internacional entende-se os Estados e as Organizações
Internacionais.
Quanto a estas últimas, consideradas sujeitos do DIP, Seitenfus as define como
“uma associação voluntária entre Estados, constituída através de um Tratado que prevê um
aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que
a compõem, com o objetivo de buscar interesses comuns, através da cooperação entre seus
membros.”97
Destarte, as normas de Dl são criadas, modificadas e desenvolvidas pelos Estados,
ou pelas organizações internacionais governamentais, através de acordo ou consenso geral
daqueles sujeitos. Sobre esse assunto Salcedo afirma que “a determinação dos princípios e
regras que constituem o Direito internacional geral está em função do assentimento geral dos
Estados, qualquer que seja a forma o procedimento técnico mediante o que dito consenso se
manifeste e expresse (tratados multilaterais; costume; Resoluções e Declarações da
Assembléia Geral das Nações Unidas).”98
Do exposto verifica-se que são consideradas “normas” fruto de uma obrigação
jurídica do DIP, todas aquelas que atendam aos requisitos presentes no próprio Direito. Uma
norma ambiental de caráter internacional deverá também atender as mesmas condições. Com
relação às normas ambientais de âmbito internacional, Almeida as define da seguinte maneira:
“Uma norma ambiental internacional é a tentativa de homogeneizar e padronizar conceitos, ordenar atividades e criar procedimentos que sejam reconhecidos internacionalmente por aqueles que estejam envolvidos em alguma atividade produtiva que gere impactos ambientais. O desenvolvimento desse tipo de norma responde às recentes exigências de um desenvolvimento sustentável da comunidade internacional, isto é, de acordo com as condições físicas e biológicas do planeta e com a sobrevivência condigna das gerações futuras.”99
Durante a ECO-92 foi proposta a criação, junto à ISO, de um grupo para elaborar
normas ambientais. Este evento foi considerado decisivo para o processo de normalização
ambiental internacional. Todavia, esta organização é formalmente caracterizada como uma
96 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 9. ed. São Paulo: Renovar, 1992, p. 1491 SEITENFUS, Ricardo Antonio. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997. p. 2798 CARRILLO SALCEDO, Juan Antonio. As Fontes do Direito Internacional. Madrid: Tecnos, 1991. p. 9299 ALMEIDA, Josimar Ribeiro de et al. Gestão Ambiental: planejamento, avaliação, implantação, operação e verificação. Rio de Janeiro: Thex, 2000. p. 53
61
organização internacional não governamental, cujo objetivo principal é criar normas
internacionais para determinar padrões a serem seguidos internacionalmente. Esta
organização é formada por entidades nacionais de padronização, que podem ou não ter caráter
governamental.100
De acordo com a ISO, padrões (standards) “são acordos documentados,
constituídos de especificações técnicas ou outros critérios estabelecidos para serem usados
coerentemente como regras, orientações, ou definições de características, para assegurar que
materiais, produtos, processos e serviços .estejam estritamente aptos aos seus propósitos.”101
Assim, dos trabalhos da ISO resultam acordos internacionais os quais são publicados como
padrões. Tais padrões resultam de acordos autocaracterizados como consensuais, realizados
entre os atores econômicos do setor industrial interessado, envolvendo: fornecedores,
consumidores, e, muitas vezes, governos.
Assim, juridicamente os padrões ou “normas” elaboradas pela ISO não possuem
valor normativo, mais especificamente, não possuem caráter de obrigatoriedade. Trata-se de
uma organização auto-intitulada como não governamental, e este tipo de organização não é
considerado sujeito do DIP. O sucesso de implementação das normas daquela organização é
supostamente em função de dois fatores: (i) pela preocupação crescente com os problemas
ambientais de caráter global; (ii) pela importância crescente da “padronização”, seja em qual
for o setor, no comércio internacional. E, sem dívida, por essa última proposição que as
empresas de praticamente todos os países do mundo estão adotando os padrões elaborados
pela ISO, já que a não adoção das referidas normas poderia causar muitos prejuízos em face
da concorrência estabelecida no atual cenário econômico globalizado. Sobre esse aspecto,
Caubet observa que a ISO “[...] é uma entidade privada, sem poder coercitivo ou jurisdicional
para exigir a implementação dos padrões (standards) que ela define. No entanto, as exigências
da concorrência internacional fazem com que a certificação de conformidade às exigências
formuladas pela série ISO, tome-se a verdadeira e única chave para ter acesso ao mercado dos
países que promovem a adoção dessas normas.”102
100 Contudo, a maior parte dos integrantes é forma da por organismos governamentais e entidades regulamentadas pelos governos nacionais, com forte representação dos interesses das grandes empresas dos respectivos países.101 Cf. ISO. Apresenta textos sobre normas internacionais de padronização. Disponível em: <www.iso.ch/infoe/intro.htm> Tradução da Autora. Acesso em: 12 out. 2000.102 Caubet, op. cit., p. 237-238
62
Tais normas estão se tomando cada vez impositivas, apresentando-se na esfera
internacional como uma espécie de instrumento mercadológico que faz a diferença no
sistema da concorrência. Nesse contexto, cabe verificar se a adoção dos standards,
declaradamente utilizados em nome de um desenvolvimento sustentável, revele-se
prioritariamente como uma nova forma de protecionismo econômico, assunto a ser tratado
especificamente no Capítulo 4 deste Trabalho.
No próximo item, analisar-se-á alguns pontos relativos à padronização global,
tendência marcante nas relações internacionais, mas precisamente no comércio internacional.
2.1 - Padronização global
A padronização internacional teve início, em 1906, no ramo da eletrotécnica com
a criação da International Electrotechnical Commission - DEC. Em 1926, foi fundada a
International Federation of the National Standardizing Associations - ISA, com ênfase em
trabalhos no ramo da engenharia mecânica. No entanto, as atividades da ISA cessaram em
1942 com o advento da Segunda Guerra Mundial, a ISO foi fundada oficialmente em 1947,
como a terceira organização internacional de padronização de grande porte, e vem
trabalhando na elaboração de standards numa abrangência jamais vista anteriormente.
Essas organizações foram criadas para determinarem padrões a serem seguidos
internacionalmente. Exemplo de um standard ou padrão elaborado pela ISO é o formato de
cartões de crédito e cartões telefônicos. A conseqüência prática desse tipo de padronização é
que no caso dos cartões, por exemplo, podem ser usados em todo o mundo.
Os argumentos em favor da padronização vão desde a afirmação de que a não
adoção de padrões poderia dar ensejo ao estabelecimento de barreiras técnicas ao comércio
internacional, até a necessidade da padronização em nome da concorrência comercial
internacional. Além disso, afirma-se a necessidade de “racionalização” do comércio
internacional. Este, inclusive, foi um dos motivos originais para o estabelecimento da ISO.
Atualmente, a padronização mundial da indústria vem impondo-se como condição
de existência dentro de cada setor industrial, onde a grande maioria dos produtos ou serviços
está obedecendo aos mesmos padrões. Tais padrões resultam de acordos consensuais,
realizados entre os atores econômicos do setor industrial interessado, envolvendo
fornecedores, consumidores e governos. Estes atores acordam especificações e critérios a
63
serem aplicados na escolha e classificação de materiais, na fabricação de produtos, e no
abastecimento de serviços.
Um dos maiores objetivos da padronização é facilitar o comércio, bem como a
transferência de tecnologia, para com isso: realçar a qualidade do produto e a confiabilidade
num preço razoável; melhorar a saúde, segurança e proteção ambiental, e redução do
desperdício; maior compatibilidade e interoperabilidade de mercadorias e serviços; redução
do número de modelos, e conseqüente redução de custos; aumento da distribuição eficiente, e
facilidade de manutenção.
Além disso, adeptos da generalização dos padrões alegam que os consumidores
possuem mais confiança em produtos e serviços que estão de acordo com normas de padrões
internacionais. A garantia de conformidade com estas normas internacionais pode ser
fornecida por declarações de empresas, ou por auditorias realizadas por grupos ou
organizações independentes.
Argumentos para a generalização de normas de padronização, mais
especificamente as da série ISO, são expostos a seguir:103
• aumento da liberalização comercial - a economia de livre mercado vem
encorajando o crescimento das fontes de fornecimento e proporcionando
oportunidades para a expansão de mercados. Tratando-se de tecnologia, a
justa competição nessa área precisa ser baseada na identificação das
mesmas por referências comuns, que possam ser reconhecidas num país ou
noutro, ou numa região e noutra. Uma indústria de caráter global, adepta
de padrões internacionais reconhecidos internacionalmente, padrões estes
desenvolvidos pelo consenso entre as interessados no comércio, servem,
portanto, à linguagem mundial do comércio.
• Interpenetração de Setores - atualmente nenhuma indústria no mundo
pode afirmar ser totalmente independente ou auto-suficiente, com relação
a produtos, componentes, regras de aplicação, etc., que tem sido
desenvolvidos em outros setores. Vários componentes são utilizados tanto
na aviação quanto na maquinaria agrícola. Produtos e processos reputados
103 Cf. ISO, op. cit.
64
ambientalmente corretos, e embalagens ditas recicláveis ou biodegradáveis
estão invadindo as empresas do mundo contemporâneo.
• Sistemas de Comunicação Mundial - a indústria de computadores é um
bom exemplo de tecnologia que precisa ser padronizada no âmbito global.
Toda compatibilidade entre abertura de sistemas promove uma competição
saudável entre produtores, e oferece opções reais para consumidores, ainda
sendo isso um poderoso catalisador para a inovação, melhorando a
produtividade e reduzindo os custos.
• Padrões Globais para Tecnologias Emergentes - programas de
padronização são completamente novos nessa área, e estão começando a se
desenvolver recentemente. Estas áreas incluem avanço material, meio
ambiente, vida científica, urbanização e construção. Num estágio
prematuro do desenvolvimento tecnológico, aplicações podem ser
imaginadas mas protótipos funcionais não existem. Aqui, a necessidade de
padronização está na definição terminológica e acumulação de banco de
dados da quantidade de informação.
• Países em desenvolvimento - defensores da liberalização comercial, bem
como da padronização global ainda afiram que agências de
desenvolvimento estão cada vez mais convencidas de que a padronização
da infra-estrutura é a condição básica para o sucesso das políticas
econômicas direcionadas à busca do desenvolvimento sustentável.
Segundo eles, a criação de infra-estrutura em países em desenvolvimento é
essencial para o aumento da produtividade, competitividade
mercadológica, e capacidade de exportação.
Contudo, os critérios utilizados para a elaboração de padrões são constantemente
questionados, assim como a participação e a influência dos agentes que participam desse
processo. Um outro fator considerado negativo da padronização global, é que ela está
associada à liberalização comercial que, segundo ambientalistas, contribui para a degradação
do meio ambiente.
Por último, existe o argumento de que os padrões estabelecidos por organizações
internacionais originadas nos países desenvolvidos estejam excluindo, do mercado externo,
pequenas e médias empresas, principalmente dos países em desenvolvimento, que não
65
conseguem ou não pretendem se adequar àquelas regras. No próximo item, estudar-se-á a
ISO, organização de padronização global em diversos setores da indústria, inclusive padrões
relacionados à questão ecológica mundial.
2.2 - International Organization for Standardization - ISO
Em 1946 foi realizada uma reunião em Londres com representantes de 25 países
decididos a criar uma nova organização de caráter internacional, com o intuito de unificar os
padrões industriais. Desse encontro nasceu a ISO, que foi estabelecida oficialmente em 23 de
fevereiro de 1947.104
A ISO é uma federação mundial composta por grupos nacionais, públicos e
privados, competentes na área de padronização. Atualmente é formada por representantes de
130 países, existindo um grupo para cada país. A ISO intitula-se como uma organização não
governamental, e possui sua sede em Genebra/Suíça.
Cabe atentar para o fato de que se observa uma falta de correspondência entre a
sigla ISO, e o nome da organização por extenso (International Organization for
Standardization). Contudo, “ISO” é uma sigla derivada do grego “isos” que significa “igual”.
O prefixo “iso” foi escolhido para ser a sigla da organização, principalmente pelo fato de ela
permanecer a mesma em todo o mundo, evitando excessos de acrônimos resultantes da
tradução do nome da organização em cada língua nacional diferente. Assim, se fosse adotada
as iniciais de cada idioma, em inglês, a sigla da organização seria (International Organization
for Organization - IOS); em francês seria (Organisation Internationale de Normalisation -
OIN). Dessa forma, com a convenção adotada pelos criadores da organização, a sigla ISO
possui forma invariável, seja qual for a língua em que a organização seja mencionada.
O objetivo declarado pela instituição é a promoção do desenvolvimento mundial
no ramo da padronização e atividades relacionadas, de forma a facilitar o intercâmbio
internacional de mercadorias e serviços e desenvolver cooperação nas áreas intelectual,
científica, tecnológica e econômica. Vale esclarecer, que dos trabalhos da ISO resultam
acordos internacionais os quais são publicados como padrões internacionais. O trabalho é
exercido com alta descentralização, por cerca de 2850 comitês técnicos, subcomitês e grupos
66
de trabalho. Nesses comitês, representantes habilitados do setor industrial, de institutos de
pesquisa, autoridades governamentais, representantes de grupos de consumidores, e de
organizações internacionais de todo o mundo “discutem” o tema da padronização global.
A ISO apresenta-se, dessa forma, como uma instituição que promove a
normalização internacional referente a padrões. Esse trabalho é realizado por vários comitês
técnicos, ou Technical Committee - TC, compostos por especialistas dos diversos países
membros. O comitê técnico responsável pela proposição das normas ambientais é de número
207. Este comitê, que trata da Gestão Ambiental, conta com a participação de cerca de 56
países.
A preocupação da ISO, com questões relacionadas ao meio ambiente, vem desde
1971. No entanto, até a criação do comitê técnico TC-207, a referida instituição havia
produzido algumas em normas técnicas avulsas e específicas, restringindo-se aos seguintes
comitês técnicos: “Qualidade do Ar (1971); ISO/TC-147 - Qualidade da Água (1977) e
ISO/TC - 190 - Qualidade do Solo (1985).”105 Com o advento do TC 207, formado para
atuar na área da gestão ambiental de uma forma geral, a ISO ampliou de forma extraordinária
a sua atuação na área do meio ambiente.
As reuniões realizadas pelos comitês técnicos e subcomitês são convocadas pelo
Secretariado Central, órgão da ISO que coordena todas as reuniões realizadas pela instituição
normalizadora. Assim, cada membro interessado em determinado tema tem o direito de ser
representado num comitê. Dessa forma, organizações internacionais, governamentais ou não
governamentais ligadas à ISO também podem participar do trabalho.
O âmbito de abrangência da referida organização é muito extenso, cobrindo todos
os campos de normalização, exceto engenharia elétrica e engenharia eletrônica, que são
responsabilidade de uma outra entidade internacional, a International Electrotechnical
Comission - IEC.106
A ISO faz parceria com algumas instituições que atuam internacionalmente como
a IEC, com quem divide atividades complementares. Essas duas instituições ainda cooperam
104 O primeiro padrão ISO foi publicado em 1951 com o título “Standard reference temperature for industrial length measurement.”105 Almeida, J. op. cit., p. 57106 A padronização internacional promovida pela ISO está difundida em diversas áreas como, por exemplo: processamento de informação e comunicação, têxteis, embalagem, construção naval, serviços financeiros e bancários, etc. A tendência anunciada pela própria organização é de que a padronização deverá ser estendida para todo o tipo de atividade industrial.
67
com a International Telecommunication Union - ITU.107 As três organizações têm forte
colaboração na padronização nas áreas de tecnologia de informação e telecomunicações.
Importante acrescentar que a ISO está firmando uma estratégica parceria com a OMC, com o
objetivo comum de promover um “justo e livre comércio global.” Como uma organização
internacional que produz normas no campo da padronização, a ISO tem sido reconhecida
como fornecedora de um suporte técnico especial no relacionamento para a novo programa de
expansão da OMC. Além disso, a ISO possui parceiros no âmbito regional que promovem a
cooperação com umas 500 organizações internacionais e regionais interessadas em questões
específicas relativas a padrões.108
2.2.1 - Composição da ISO
A ISO congrega atualmente 130 países membros representados por entidades
nacionais de padronização, que podem ou não ter caráter governamental. No entanto, a maior
parte dos integrantes é formada por organismos governamentais e entidades regulamentadas
pelos governos nacionais, com forte representação dos interesses das grandes empresas dos
respectivos países. Os membros da ISO são divididos em três categorias, com base nos
diferentes graus de participação no processo de formulação das normas. Membro-total,
geralmente representado pelo órgão nacional de normalização mais representativo de um país.
Esses membros possuem a responsabilidade de: a) informar potenciais partes interessadas em
seus países da relevância da padronização internacional; b) assegurar que o conjunto de
interesses de cada país seja apresentado durante as negociações internacionais levando a
acordos de padronização; c) providenciar a cota de seus países para o suporte financeiro para
operações centrais da ISO, através do pagamento da cota de seus sócios. Cabe mencionar que
o Membro-total exerce direito de voto em qualquer comitê da ISO.
Membro-correspondente, que é usualmente representado por uma organização de
um país em desenvolvimento, que ainda não tem seu próprio órgão nacional de padronização.
O Membro correspondente não participa das atividades dos comitês, pode apenas manter-se
informado sobre o trabalho de seu interesse. E, por último, Membro-assinante, que é aquele
representante de um país cuja economia é pouco representativa. Membros-assinantes pagam
107 Cabe esclarecer que a IEC é uma organização não governamental como a ISO. Já a ITU faz parte da Organização das Nações Unidas - ONU.108 Cf. ISO, op. cit.
68
reduzidas taxas, mediante as quais lhe é dada a permissão de manter o contato com o sistema
de padronização internacional no âmbito da ISO.
2.2.2 - Recursos financeiros
O financiamento do Secretariado Central deriva de oitenta por cento, em função
das subscrições dos membros da ISO; e vinte por cento, por meio da renda obtida com a
venda de normas da organização e outras publicações. As subscrições requeridas dos
membros para financiamento e operação do Secretariado Central são expressas em unidades e
calculadas em francos suíços. O número de unidades que cada membro é convidado a pagar é
calculado com base em indicadores econômicos do país que o membro é nacional: Produto
Interno Bruto - PIB, e valor de importações e exportações. O valor da unidade de subscrição é
fixado a cada ano pelo Conselho da ISO.
Os grupos de membros da ISO arcam com os gastos necessários para a operação
das secretarias técnicas individuais pelas quais eles são responsáveis. Geralmente é avaliado
que o gasto operacional do Secretariado Central represente um em cinqüenta (1 em 50) do
total dos custos de financiamento das operações administrativas da ISO. Cabe mencionar,
ainda, a existência de contribuições voluntárias. Sobre esse as contribuições voluntárias,
consta no endereço eletrônico da organização a observação de que “[...] apesar de que não
tenha sido apurado o valor exato do montante das contribuições voluntárias, este tipo de
contribuição é fundamental para o trabalho da ISO, tendo em vista que os gastos da
organização somam várias centenas de milhões de francos suíços a cada ano.” 109
2.2.3 - As normas da série ISO
As normas de padronização são desenvolvidas pela ISO, subsidiadas por
recomendações do governo, dos setores produtivos e quaisquer outros segmentos que estejam
interessados na formulação de regras de padronização. Os trabalhos técnicos resultam em
acordos internacionais, que são finalmente publicados como normas internacionais. De acordo
com Moura,
109 Ibidem.
69
“A primeira das normas da série é a ISO 14.001, que fixa as especificações para a certificação e avaliação de um sistema de gestão ambiental de uma organização. Essa norma foi fortemente inspirada na norma inglesa BRJTISH STANDARD 7750, Specification for Environmental Management Systems (Especificação para Sistemas de Gerenciamento Ambiental). Essa norma foi editada em caráter experimental em 1992, passou dois anos sendo avaliada pelas empresas e pela BSI, e teve sua edição definitiva publicada em 1994, [...].”no
A produção das Normas ISO assenta-se sobre três princípios fundamentais: o
consenso, a abrangência internacional, e a voluntariedade.
a) Consenso: dessa forma todos os interesses devem teoricamente ser levados em
consideração - fabricantes, vendedores e usuários, grupos de consumidores,
laboratórios de testes, governos, engenheiros, organismos de pesquisa - enfim,
a opinião de todos os interessados devem ser levadas em conta. Embora a
definição das normas tenha por base a busca de consenso entre as partes, de
acordo com Soares, “os países desenvolvidos e sobretudo as grandes empresas
ali sediadas exercem influência decisiva nas deliberações da ISO, tendo
inclusive participação direta no suporte financeiro das atividades dessa
organização.”111
b) Abrangência Internacional: as normas devem ter ampla aplicação para os
setores aos quais se destinam; nesse contexto, soluções devem possuir caráter
global para a satisfação das indústrias e clientes mundiais.
c) Voluntariedade: isso quer dizer que a adesão às normas ISO é voluntária. É a
dinâmica do mercado que impulsiona à adesão, e não a sua compulsoriedade.
No entanto, a despeito do declarado caráter voluntário das normas da série
ISO, a adesão às regras da organização está tomando-se cada vez mais
necessária, principalmente para as empresas que pretendam competir no
mercado extemo. Assim, Soares comenta que “é indiscutível que nos últimos
anos a posse do certificado se transformou em instrumento fundamental para
garantir o acesso ao mercado internacional. [...] Analistas consideram,
110 MOURA, Luiz Antônio Abdalla de. Qualidade e gestão ambiental: sugestões para implantação das Normas ISO 14.000 na empresas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 54-55
70
inclusive, que a nova série ISO 14.000 deverá se tomar um dos instrumentos-
chave da competitividade para empresas de todo o mundo.”112
O fato é que as normas elaboradas pela ISO, apesar de não terem caráter
obrigatório no que concerne à sua adesão, vêm aliando-se à tendência da liberalização
comercial, assim como todas as regras que o próprio mercado impõe. Tais normas são a cada
dia mais adotadas pela empresas de todo o mundo, apresentando-se no âmbito internacional
como uma espécie de instrumento mercadológico, com um forte trabalho realizado na mídia
patrocinado principalmente por aqueles que pioneiramente determinaram o estabelecimento
destes padrões, e incluíram-no no sistema do comércio internacional. Nesse contexto, a
grande questão é que se corre o grande risco de que a adoção dos standards, declaradamente
utilizados em nome de um desenvolvimento sustentável, revele-se prioritariamente como uma
nova forma de protecionismo econômico.
Importante ressaltar que, nesse processo, as médias e, principalmente, pequenas
empresas são as maiores prejudicadas, ainda com maior intensidade aquelas nacionais dos
países em desenvolvimento. Isso porque elas detêm poucos recursos tecnológicos e
financeiros, diminuindo suas chances de competir no “livre mercado”, além da quase ausência
de representação dos interesses desses pequenos agentes comerciais no âmbito de elaboração
das normas de padronização ambiental.
2.2.4 - Processo de elaboração das normas da série ISO
O processo de elaboração das normas da série ISO é composto por três principais
fases: a primeira fase começa com a necessidade de normalização, que é comumente
expressada pelo setor industrial, o qual comunica sua pretensão para o respectivo grupo
nacional, membro da organização. Uma vez reconhecida a necessidade de normalização
internacional relativa à padronização, e sendo esta formalmente acordada, há a definição de
caráter técnico do futuro padrão. Essa fase é geralmente administrada por grupos de trabalho
formados por especialistas técnicos dos países interessados no tema proposto.
111 SOARES, Maria Clara Couto. ISO 14000: defesa do meio ambiente ou estratégia comercial? IBASE 15 - Políticas Ambientais, v. 4, n. 12, set./nov.l996. p. 4112 Idem, p. 3
71
A segunda fase do processo de elaboração de um standard é aquela que, após
chegarem num acordo preliminar, as negociações continuam acerca dos detalhes das
especificações relativas aos padrões. Esta é a fase da construção do consenso entre os
membros.
Na terceira e última fase ocorre a aprovação final, resultante do draft (rascunho)
da norma internacional. Vale esclarecer que o critério utilizado para a aprovação do rascunho
final da norma é de dois terços dos membros da ISO que têm participação ativa no processo
de desenvolvimento de padrões, e, ainda, aprovação de setenta e cinco por cento de todos os
membros votantes. Após a aprovação definitiva, o texto é publicado como uma norma ISO.
Até agora, os trabalhos da ISO resultaram em 12.000 normas internacionais em diversas
áreas, representando mais de 300.000 páginas em inglês e francês, sendo que a terminologia é
muitas vezes fornecida em outras línguas.113
Durante esse período de elaboração de uma norma da série ISO, vários
documentos são, sucessivamente, preparados e submetidos à aprovação dos membros da ISO,
esses documentos são: Rascunho de Trabalho, Work Draft - WD; Rascunho do Comitê,
Committee Draft - CD; Rascunho de Norma Internacional, Draft International Standard -
DIS; Rascunho Final da Norma Internacional, Final Draft International Standard - FDIS;
Norma Internacional, International Standard - IS.
Por fim, cabe esclarecer que a maioria das normas requer revisões periódicas em
face das evoluções tecnológicas, dos novos métodos ou materiais, ou das novas exigências de
qualidade e segurança. Esta revisão é geralmente realizada em intervalos não superiores há
cinco anos. Eventualmente, é necessário rever uma norma em período inferior ao estimado.
2.2.5 - Normas previstas para futura publicação
As normas da série ISO já em vigor, assim como as previstas para serem lançadas
futuramente sobre assuntos ligados ao meio ambiente são:
- 14001 que versa sobre Sistemas de Gestão Ambiental - Especificação e
diretrizes para uso. Atualmente apresenta-se como norma internacional,
aprovada e publicada pela ISO. NBR ISO 14.001, emitida em out/96;
113 Cf. ISO, op. cit.
72
- 14004 que regula Sistemas de Gestão Ambiental - Diretrizes gerais sobre
princípios sistemas e técnicas de apoio. É norma internacional, aprovada e
publicada pela ISO. No Brasil, apresenta-se como NBR ISO 14004, emitida em
out/96;
- 14.010 que trata de Diretrizes para auditoria ambiental - Princípios gerais.
Também é uma norma internacional. Apresenta-se, no Brasil, como NBR ISO
14010, emitida em novembro/96;
- 14.011 que versa sobre Diretrizes para Auditoria Ambiental - Procedimentos de
auditoria - Auditoria de sistemas de gestão ambiental. Editada no Brasil como
NBR ISO 14011, nov./96. Já é, portanto, norma internacional, aprovada e
publicada pela ISO;
- 14.012 que trata de Diretrizes para auditoria ambiental - Critérios de
qualificação para auditores ambientais. Apresenta-se como norma
internacional, aprovada e publicada pela ISO. Apresenta-se como NBR ISO
14012, emitida em nov./96;
- 14.014 que apresenta Diretrizes para Auditoria Ambiental - Diretrizes para a
realização de avaliações iniciais. Esta norma foi interrompida;
- 14.015 que oferece Diretrizes para auditoria ambiental - Guia para a avaliação
de locais e instalações. Os trabalhos também foram interrompidos;
- 14.020 que trata de Rotulagem Ambiental - Princípios Básicos. Atualmente
encontra-se como Rascunho ou minuta de trabalho (working draft - WD), fase
em que os especialistas que compõem o grupo de trabalho (working group)
elaboram a primeira minuta da norma;
- 14.021 que versa sobre Rotulagem Ambiental - Definições para Aplicação
Específica e autodeclarações. Apresenta-se como Minuta do Comitê
(Committee Draft- CD), fase em que a minuta da norma foi revisada, sendo
votada pelo comitê da ISO responsável (ou TC); .
- 14.022 que regula a Rotulagem Ambiental - Simbologia para os rótulos.
Encontra-se atualmente como uma proposta de trabalho (New work item
proposal - NP), fase em que ela é analisada e proposta para votação para se
verificar a viabilidade de se trabalhar na norma em questão;
- 14.023 que versa a respeito da Rotulagem Ambiental - Metodologias para testes
e verificações. Ainda não foi iniciada;
- 14.024 que trata da Rotulagem Ambiental - Procedimentos e critérios para
certificação. Minuta do Comitê (Committee Draft - CD), fase em que minuta da
norma foi revisada, sendo votada pelo comitê da ISO responsável (ou TC);
- 14.031 que versa a respeito da Avaliação de Desempenho Ambiental. Encontra-
se hoje como rascunho ou minuta de trabalho (working draft - WD), fase em que
os especialistas que compõem o grupo de trabalho (working group) elaboram a
primeira minuta da norma;
- 14.032 que trata da Avaliação de Desempenho Ambiental de Sistemas
Operacionais. Apresenta-se como rascunho ou minuta de trabalho (working
draft - WD);
- 14.040 que versa sobre a Análise do Ciclo de Vida - Princípios Gerais.
Apresenta-se como Minuta ou Projeto de Norma Internacional {Draft o f
International Standard - DIS), etapa em que a norma já pode ser colocada
experimentalmente em aplicação, e está pronta para ser formalmente votada
pelo comitê responsável na ISO;
- 14.041 que trata da Análise do Ciclo de Vida - Inventário. Está em fase de
Rascunho de trabalho (working draft - WD);
- 14.042 que versa sobre a Análise do Ciclo de Vida - Análise dos impactos.
Apresenta-se atualmente como proposta de trabalho (New work item proposal -
NP), fase em que ela é analisada e proposta para votação para verificar-se a
viabilidade de se trabalhar na norma em questão;
- 14.043 que cuida da Análise do Ciclo de Vida - Usos e aplicações. Apresenta-se
em estágio inicial de trabalhos (preliminary work item), fase em que fica
decidido que o grupo ou subcomitê poderá se dedicar a analisar aquele assunto;
- 14.050 que trata da Gestão Ambiental - Termos e Definições - Vocabulário.
Apresenta-se na fase Working Draft -WD;
- 14.060 que é um Guia de Inclusão dos aspectos ambientais nas normas para
produto. Guide 64. Apresenta-se como um projeto de norma internacional
{Draft o f International Standard - DIS), etapa em que a norma já pode ser
colocada experimentalmente em aplicação, e está pronta para ser formalmente
votada pelo comitê responsável na ISO.
2.2.6 - O TC-207
Em agosto de 1991, foi formado pela ISO o Strategic Advisory Group on the
Environmental - SAGE. Esse grupo foi criado para desenvolver estudos sobre gestão
ambiental tendo como marco inicial os princípios relativos à gestão da qualidade, ou às
normas da série ISO 9000. O SAGE formou um grupo de especialistas para estudar sistemas
de gestão ambiental já disponíveis em alguns países, além de promover estudos também na
área da rotulagem ambiental. Ao todo foram criados seis grupos de trabalho: Sistema de
Gestão Ambiental, Avaliação de Performance Ambiental, Rotulagem Ambiental, Auditoria
Ambiental, Análise de Ciclo de Vida e Aspectos Ambientais em Normas de Produtos.
Nesse processo de investigação a respeito de padronizações relativas a normas
ambientais, é importante mencionar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, reunida no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, que representou
um grande impulso para o processo de normalização ambiental internacional. Foi durante essa
Conferência que foi proposta a criação, no âmbito da ISO, de um grupo que teria a função de
desenvolver estudos e trabalhar na elaboração normas de gestão ambiental.
Como resultado dessa pretensão formalmente estabelecida na ECO-92, alguns
meses depois, em março de 1993, criou-se o ISO TC-207, trata-se de um comitê técnico
pertencente ao sistema de padronizações ISO criado para elaborar a série de normas de gestão
ambiental, de caráter internacional. Tais normas são as normas da série ISO 14000. Estas
normas têm o propósito de estabelecer um padrão de sistema de gestão ambiental dirigido a
empresas, mediante a implementação de uma política ambiental de melhoria contínua da
relação entre setor empresarial e o meio ambiente.
O Comitê TC-207 é formado por grupos de representantes de países membros da
ISO, incluindo representantes da indústria, organizações normativas, governamentais e
ambientais. Cabe acrescentar que, segundo Cavalcanti, “a criação do TC-207, de Gestão
Ambiental, realizou-se com a participação de representantes de 30 países-membros114 e 14
114 Atualmente são 42 países-membros: África do Sul, Argentina, Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Coréia do Sul, Cuba, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia,
75
observadores, que passariam a trabalhar em um projeto normativo, baseado na Norma
Britânica de Gestão Ambiental, a BS-7750. A Secretaria e a Presidência do TC-207, desde a
data de sua criação, estão sob a responsabilidade do órgão técnico de normalização do
Canadá, o SCC - Standards Council o f Canada."115
2.2.7 - Estrutura e funcionamento do TC-207
O TC-207 divide-se em dois principais âmbitos de abrangência: (i) Avaliação da
Organização, subdividida em sistema de gestão ambiental, avaliação da performance
ambiental e auditoria ambiental; e (ii) Avaliação do Produto, que se subdivide em avaliação
do ciclo de vida, rotulagem ambiental e termos e definições.
Cada subdivisão das duas grandes áreas forma um Subcomitê Técnico - SC,
como, por exemplo, o subcomitê do sistema de gestão ambiental. Cada subcomitê é
coordenado por um país sede, e seu organismo nacional de normalização. Internamente, os
subcomitês são constituídos por Grupos de Trabalho (WG) também coordenados por, no
mínimo, um país. Os membros participantes dos grupos de trabalho são responsáveis pela
elaboração das propostas de normas. Quando os referidos grupos de trabalho chegam a um
consenso acerca de uma proposta de norma técnica (Committee Drafts), esta é enviada aos
Comitês Técnicos, onde é apreciada e votada pelos representantes dos países participantes e,
caso seja aprovada, tomar-se-á Draft International Standard - DIS. Após esta fase, essas
minutas ou rascunhos passarão por uma nova votação no Comitê Coordenador, e pelo TC-
207, para se tomarem uma norma internacional, ou International Standard - IS.
Dessa forma, os trabalhos desenvolvidos pelos subcomitês são, progressivamente,
analisados e aprovados, de acordo com a dinâmica da ISO e, no momento, as normas
referentes ao sistema de gestão ambiental e à auditoria ambiental estão aprovadas e podem,
portanto, serem utilizadas pela comunidade empresarial.
França, índia, Indonésia, Irlanda, Israel, Itália, Jamaica, Japão, Malásia, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Reino Unido, Rússia, Suécia, Suíça, Tailândia, Tanzânia, Tchecoslováquia, Trinidad, Turquia, Uruguai e Venezuela. E são 14 países observadores: Argélia, Egito, Hong Kong, Islândia, Iugoslávia (antiga), Lituânia, Líbano, Polônia, Portugal, Eslováquia, Sri Lanka, Ucrânia, Vietnã e Zimbabue. (Hemenway & Gildersleeve, 1995)115 CAVALCANTI, Rachel Negrão. As Normas da Série ISO 14000. In: ROMEIRO, Ademar Ribeiro et al. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. Campinas: UNICAMP/IE, 1996. p. 209
76
2.2.8 - TC-207: subcomitês
Resumidamente, a função dos subcomitês é elaborar propostas para submetê-las à
aprovação do TC-207, e, por fim, tomarem-se normas internacionais. Cada subcomitê do
comitê técnico número 270 é coordenado por uma entidade de normalização de um país
membro da ISO. Vale ressaltar que “todos” os seis subcomitês, mais dois subcomitês
especiais são secretariados por representantes dos países desenvolvidos. Cada subcomitê é
caracterizado por um número, são eles:
a) Subcomitê 01 (SC01) que trata do Sistema de Gerenciamento Ambiental. Este
subcomitê é coordenado pelo Reino Unido através de seu órgão de
normalização, British Standards Institution - BSI. É composto por dois
grupos de trabalho (Working Group - WG): o WG-1, para Especificações,
coordenado por Inglaterra e França; e o WG-2, para Diretrizes Gerais,
coordenado pelo Canadá e pelos Estados Unidos. As normas de
gerenciamento ambiental elaboradas por este subcomitê estabelecem os
principais elementos de um sistema de gestão, tais como a política ambiental a
ser adotada pela empresa, o planejamento, implantação e operação,
monitoramento e ação corretiva, tendo em vista ao aprimoramento contínuo
do sistema de gestão ambiental.
As normas que estão sendo desenvolvidas sob a responsabilidade deste subcomitê,
são: ISO 14001, que trata do Sistema de Gestão Ambiental - Especificações com orientação
de uso; e ISO 14004: Sistemas de Gerenciamento Ambiental - Orientações gerais sobre os
princípios, sistemas e técnicas de apoio.
b) Subcomitê 02 (SC02) que versa sobre Auditoria Ambiental, e é coordenado
pelos Países Baixos através da administração do Nederlands Normalisatie
Instituí - NNI. Possui quatro grupos de trabalho: o WG-1, para os Princípios
de Auditoria Ambiental, coordenado pela França e pelo Canadá; o WG-2, para
Procedimentos de Auditoria, coordenado pela Alemanha e pelos Estados
Unidos; o WG-3, para Qualificação de Auditores, coordenado pela Inglaterra;
e o WG-4, para Outras Investigações Ambientais, coordenado pela Holanda.
Esse subcomitê busca definir regras relativas à auditoria, a serem aplicadas às
empresas certificadoras, para que estas realizem avaliações de empresas interessadas. As
77
normas desenvolvidas sob sua responsabilidade são: - ISO 14010 - Diretrizes para Auditoria
Ambiental - Princípios Gerais; ISO 14011- Diretrizes para Auditoria do Sistema Ambiental -
Procedimentos de Auditoria - Auditoria de Sistemas de Gestão Ambiental; ISO 14.011/2 -
Procedimentos para Auditoria de Desempenho/Cumprimento; ISO 14.011/3; Procedimentos
para Auditorias de Declarações Ambientais; ISO 14.012: Diretrizes para Auditoria Ambiental
- Critérios de Qualificação para Auditores Ambientais; ISO 14.013 - Gerenciamento de
Programas de Auditoria Ambiental; e ISO 14.015 - Avaliação Ambiental das Instalações.
c) Subcomitê 03 (SC03) que trata da Rotulagem Ambiental, é coordenado pela
Austrália, administrado pelo seu órgão normalizador, Standards Australia -
SAA. É composto por três grupos de trabalho: o WG-1, para Princípios para
Administradores de Programas, coordenado pela França e pela Suécia; o WG-
2, para Rotulagem Ambiental, coordenado pelo Canadá; e o WG-3, para
Princípios para Programas de Rotulagem Ambiental; coordenado pelos Estados
Unidos.
O objetivo geral deste subcomitê é desenvolver padrões no campo da rotulagem
ambiental, criando mecanismos que levarão à certificação, de acordo com as normas
propostas dentro do sistema de gestão ambiental.
Este subcomitê é o responsável pela formulação das seguintes normas: ISO 14021
- Rotulagem Ambiental - Autodeclarações Ambientais, Termos e Definições; ISO 14022 -
Rotulagem Ambiental - Símbolos; ISO 14023 - Rotulagem Ambiental - Metodologias de
Teste e Verificação; ISO 14024 - Rotulagem Ambiental - Programas Profissionais, Práticas,
Princípios de Diretriz e Procedimentos de Certificação de Programas Múltiplos; ISO 14025 -
Metas e Princípios Rotulagem Ambiental.
d) Subcomitê 04 (SC 04) que cuida da Avaliação de Desempenho Ambiental,
coordenado pelo EUA através da American National Standards Institute -
ANSI. Possui dois grupos de trabalho: o WG-1, para Avaliações Gerais de
Performance Ambiental, coordenado pelos Estados Unidos; e o WG-2, para
Avaliação de Performance Ambiental do Setor Industrial, coordenado pela
Noruega e pelo Japão conjuntamente.
E de sua responsabilidade a área de Avaliação do Desempenho Ambiental. O SC
04 cuida do desempenho e da avaliação ambiental de determinado setor industrial, tendo
78
como escopo a padronização dos critérios e metodologias a serem utilizadas pelas empresas
para medir, avaliar e comunicar seu desempenho ambiental.
O subcomitê 04 é responsável pelo desenvolvimento das seguintes normas: ISO
14031 - Avaliação do desempenho ambiental do sistema de gerenciamento e sua relação com
o ambiente; e ISO 1403X - Avaliação do desempenho ambiental do sistema operacional e sua
relação com o meio ambiente.
e) Subcomitê de Análise de Ciclo de Vida (SC 05). Este subcomitê é
coordenado pela França, por meio de seu órgão normalizador Association
Française de Normalisation - AFNOR. Compõe-se de cinco Grupos de
Trabalho (WG): WG 1, que trata dos Princípios Gerais e Procedimentos,
coordenado pelos Estados Unidos; WG 2, para Análise e Inventário Geral do
Ciclo de Vida, coordenado pela Alemanha; WG 3, para Análise do Inventário
Específico do Ciclo de Vida, coordenado pelo Japão; WG 4, para Avaliação
do Impacto no Ciclo de Vida, coordenado pela Suécia; WG 5, para Avaliação
da Melhoria do Ciclo de Vida.
O SC 05 tem como objetivo central avaliar os efeitos ambientais relacionados a
produtos, processos ou atividades, através da constatação e quantificação do consumo de
energia, dos materiais usados, resíduos liberados no meio ambiente, etc. Esta avaliação
englobará todo o ciclo de vida do produto, processo ou atividade desde a extração dos
recursos naturais, processamento, fabricação, transporte, uso, reutilização, reciclagem e
disposição final.
As normas de responsabilidade do subcomitê 05 são: ISO 14040 - Avaliação de
Ciclo de Vida - Princípios e Orientações; ISO 14041 - Avaliação de Ciclo de Vida - Análise
do Inventário do Ciclo de Vida; ISO 14042 - Avaliação do Ciclo de Vida - Avaliação do
Impacto; e ISO 14043 - Avaliação do Ciclo de Vida - Interpretação.
f) Subcomitê Termos e Definições (SC 06) coordenado pela Noruega, e seu
órgão normalizador Norges Standardseringsforbund - NSF. Esse subcomitê é
responsável pela harmonização e padronização das normas proposta por todos
os demais subcomitês. O SC 06 ajudará a solucionar diferenças ou
divergências durante o desenvolvimento dos trabalhos do TC 207. Não está
dividido em grupos de trabalho.
79
A norma de sua responsabilidade é a ISO 14050 - Termos e Definições - Guia
dos princípios para trabalho terminológico.
g) Subcomitês Especiais. Há mais dois grupos que executam trabalhos
relacionados ao desenvolvimento da série ISO 14000. O primeiro, coordenado
pelo Canadá através de seu órgão normalizador, Standards Council o f Canada
- SCC, é responsável pela interligação do TC-207 e do TC-176 (ISO 9000),
visando uma futura unificação, com a inclusão de aspectos ambientais na
gestão da qualidade. O segundo é coordenado pela Alemanha, através do
Deutsches Instituí für Normung - DIN. Este último desenvolve princípios de
inclusão de elementos ambientais em produtos, ou seja, trata dos aspectos
ambientais em normas de produto. Seus trabalhos são de grande utilidade aos
outros comitês técnicos da ISO.
Esses dois subcomitês são os responsáveis pela formulação de uma norma única, a
ISO 14060, que tratará de estabelecer critérios relevantes para o processo de desenvolvimento
de “normas de produto” da série ISO.
2.3 - Normas da série ISO 14000
As normas da série ISO 14000 têm o escopo de estabelecer um padrão de sistema
de gestão ambiental dirigido a empresas, mediante a instituição de uma política ambiental de
melhoria contínua da interação setor empresarial e meio ambiente.
Importante ressaltar o caráter sistêmico das normas da série ISO 14000. Aqui,
cabe esclarecer que o estudo formal dos sistemas iniciou-se, e sobretudo obteve destaque com
a obra “Teoria Geral dos Sistemas”, do biólogo alemão Ludwig Von Bertalanffy, publicada
em 1968.116 A partir da década de vinte, Bertalanffy dedicou-se a substituir os fundamentos
mecanicistas pela visão holística, buscou, ainda, elaborar uma Teoria Geral dos Sistemas com
fundamentos em preceitos de base biológica. Deste modo, Capra afirma que “a visão de
Ludwig Bertalanffy de uma ‘ciência geral de totalidade’ baseava-se na sua observação de que
116 Cf. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
80
conceitos e princípios sistêmicos podem ser aplicados em muitos diferentes campos de
estudo.”117
De acordo com Widmer, um sistema pode ser definido como “'uma estrutura
organizada, cujos elementos são bem definidos e cujo funcionamento segue uma lógica
determinada' (PALADINI, 1995). Segundo esse autor, os elementos que caracterizam um
sistema são: entradas, saídas, interação organizada das partes, princípios básicos de1 1 Q
funcionamento, busca de objetivos comuns e realimentação.”
Dessa forma, fundamentado na teoria dos sistemas, no sistema de gestão
ambiental a atenção passa da parte para o todo. As referidas entradas (inputs) são informações
como a política ambiental, diretrizes e normas ambientais. A saída (output) do sistema é um
produto produzido de forma sustentável ecologicamente. A interação entre as partes toma a
forma de uma malha ou rede e não mais uma linha seqüencial de operação. Os princípios são
os procedimentos internos e a orientação para o cliente. O objetivo comum é um bem ou
produto elaborado com respeito ao meio ambiente, atendendo-se a uma exigência do mercado.
E, por último, a realimentação consiste em verificar constantemente o mercado consumidor e
atuar de forma preventiva nos defeitos detectados.
Isto posto, a seguir, estudar-se-á as normas da série ISO 14000 que visam o
gerenciamento ambiental no processo produtivo da empresa, e não o produto em si. Até o
presente momento foram publicadas cinco normas da série ISO 14000, relativas à gestão
ambiental e à auditoria ambiental, são elas: ISO 14001; ISO 14004; ISO 14010; ISO 14011; e
ISO 14012.
2.3.1 - ISO 14001 - Sistemas de gestão ambiental - Especificação e
diretrizes para uso
A proteção ambiental tradicionalmente é tratada como uma obrigação legal, com
normas exclusivamente elaboradas pelo Estado. A regulamentação de questões ambientais por
organizações internacionais pode ser considerada recente, sendo que ela começou com o
desenvolvimento das normas ISO 14000, na década de noventa.
117 Capra, op. cit., p. 55118 Widmer, op. cit., p. 19
81
As normas da série ISO desenvolvidas para o gerenciamento ambiental são
direcionadas às empresas que tenham a pretensão de adequar-se aos padrões ou normas
elaboradas pela International Organization for Standardization, com a finalidade de
melhorar o desempenho ambiental da empresa, seguindo uma diretriz do ecoliberalismo, onde
o Estado já não é a figura mais importante na defesa do meio ambiente. As normas da série
ISO, de uma forma geral, são direcionadas a todo o tipo de organização, assim, não importa se
a empresa é de grande ou pequeno porte, nem sua condição geográfica, entre outras
características.
No próximo item tratar-se-á o tema “gestão ambiental,” para, logo após, entrar-se
especificamente no texto da norma ISO 14001 - Sistemas de gestão ambiental -
Especificação e diretrizes para uso.
2.3.1.1 - Gestão ambiental
Durante o período preparatório à Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentado, a Câmara Internacional de Comércio (ICC)
divulgou, em 1991, a Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, (Anexo 2) que
estabelece dezesseis princípios de gestão ambiental. Foi com base nesses dezesseis princípios
e na experiência desenvolvida durante a elaboração dos sistemas de gestão da qualidade, que a
British Standards (BS), órgão normalizador britânico, lançou, em 1992, a norma BS7750 que
buscou ordenar os procedimentos de gestão ambiental já existentes e, ao mesmo tempo,
permitir a certificação dos sistemas de gestão ambiental.
Assim, foi a partir de 1992 que a gestão ambiental começou a ser apresentada
como um fator de sucesso para as empresas, no que diz respeito à aceitação dos seus produtos
no mercado externo, apresentando-se, muitas vezes, um fator decisivo para a sobrevivência de
muitas delas. Com essa nova visão “privada” da gestão do meio ambiente, as empresas
passaram a ter uma nova preocupação a ser encarada seriamente: a competitividade e, em
última análise, o lucro.
Esse novo sistema instituído pela ISO traz novas e velhas idéias, como a de que os
resíduos industriais acarretam em perda de matérias-primas e insumos e representam
ineficiência e desperdício nos processos produtivos. Dessa forma, para assegurar a qualidade
ambiental, “deve-se prever, já na fase de concepção de um produto e no desenvolvimento do
respectivo processo produtivo, soluções para os resíduos que são gerados. [...] A qualidade
82
ambiental engloba também a utilização de forma consciente tanto das matérias-primas quanto
da energia e dos insumos necessários ao processo.”119
De fato, o impacto ambiental causado pelo setor industrial foi, e continua sendo,
uma das grandes preocupações dos ecologistas. Almeida observa que “no final da última
década, segundo a OCDE (Organization for Economic Cooperation and Development), o
setor industrial nos países desenvolvidos foi responsável por 50% do efeito estufa, por 40 a
50% das emissões de óxido de enxofre e por 25% das emissões de óxido de nitrogênio.”120
Infelizmente, a questão ambiental nunca foi bem vista pelos empresários
industriais. Muito pelo contrário, este assunto possui a tradição de ser tratado como uma
“pedra no sapato” daqueles que certamente buscam o lucro máximo. Exemplo disso é fato das
grandes empresas globais que transferem suas fábricas a países em desenvolvimento, onde a
legislação ambiental é seguramente menos rígida, e onde a fiscalização tampouco é eficiente.
Uma nova idéia está sendo difundida pelos adeptos da idéia de “privatização” da
gestão ambiental como é o caso das normas ISO relacionadas com a questão: o meio ambiente
é visto como um potencial de recursos mal aproveitados, assim ele passa a ser visto também
como uma oportunidade de negócios, um potencial gerador de lucro para o empresário. Um
exemplo disso é a reciclagem de resíduos, que os transformaria em produtos com valor
agregado. A conservação de energia, por exemplo, representaria uma redução de custos de
produção.
Assim, defende-se que “proteção ambiental é boa para o negocio”. Todavia, sabe-
se que o investimento em tecnologias limpas, e a implementação de um sistema de gestão
ambiental podem custar caro para uma empresa, dependendo do porte e das condições da
mesma. Mas está-se difundindo a idéia de que abdicar dessa nova postura, hoje
internacionalmente imposta, pode custar ainda mais caro.
A questão sobre a harmonização dos setores econômico, ambiental e social vem
sendo debatida desde a construção da idéia e do conceito de desenvolvimento sustentável
contida no Relatório Brundtland, de 1987, que pugna por um “[...] uso racional dos recursos
naturais, de forma a evitar comprometer o capital ecológico do planeta. Trata-se, em ultima
119 Moura, op. cit., p. 3120Almeida, J. op. cit., p. 28
83
análise, de incluir considerações de ordem ambiental no processo de tomada de decisões
econômicas, com vistas ao desenvolvimento.”121
Na última década, ocorreu uma mudança do sistema just-in-case, de base fordista
(norte-americano), para o sistema just-in-time, de base toyotista (japonês) onde, Almeida
afirma que as novas regras são: “flexibilidade dos processos de trabalho e de produção,
decisões delegadas e descentralizadas, proximidade com os clientes, surgimento da corporal
virtual, desenvolvimento de parcerias e a redução do ciclo de vida dos produtos/serviços.”122
Com essa mudança, o fator “qualidade” passou a servir de padrão de concorrência, incluindo
a variável ambiental.
Outro fato interessante, é a invenção de alguns termos considerados “recentes”
que são relacionados com a competitividade comercial e o meio ambiente, como por exemplo
Benchmarking Ambiental, Ecobusiness, Ecomarketing, etc. Cabe esclarecer que, de acordo
com Almeida:
“O benchmarking ambiental, pode ser entendido como um processo contínuo e sistemático de reconhecimento, avaliação e adoção/adaptação dos melhores métodos e práticas utilizados por empresas reconhecidas como líderes no comprometimento com o meio ambiente. O benchmarking compreende a identificação dos materiais, processos e condicionantes de todo o ciclo de vida do produto/serviço, bem como suas propriedades mecânicas e físicas, fatores do meio ambiente, suprimento, custos, certificações, acabamento e reciclagem.” 123
Maimon define como ecobusiness “um mercado relativo às novas oportunidades
de negócios - criação e difusão de novos produtos e serviços - cuja demanda depende da
difusão da consciência ecológica.” 124 Exemplo de empresas que se enquadram no ecobusiness
são aquelas que fabricam equipamento de controle de poluição, com filtros de resíduos
tóxicos; as empresas que prestam serviços serviço de despoluição do ar e da água, etc. Aqui,
cabe acrescentar ainda os serviços de consultoria na área ambiental, e os produtos que são
vendidos utilizando-se da imagem ecológica.
121 BRASIL. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Relatório da Delegação Brasileira/Divisão do Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão; Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 1993. p. 13122 Almeida, J. op. cit., p. 16-17123 Idem, p. 19124 MAIMON, Dalia. Passaporte verde: gerência ambiental e competitividade. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1996. p. 30
84
Vale ressaltar, que essas mudanças de comportamento, no que diz respeito ao
tratamento dos recursos naturais, está ocorrendo mais em função do mercado, do que
propriamente em nome da conservação do meio ambiente como condição de qualidade de
vida para as pessoas. Por fim, em meio a tantos acontecimentos relacionados às questões
ambientais está a gestão do meio ambiente, assunto a ser tratado no próximo item.
2.3.1.2 - Conceito e características
O termo “gestão ambiental” pode ser definido como “a forma pela qual a empresa
se mobiliza, interna e externamente, na conquista da qualidade ambiental desejada.”125 Para a
realização desse objetivo, a empresa deve implementar um sistema de gestão ambiental.
A norma ISO 14001 define sistema de gestão ambiental, em seu item 3.5, como “a
parte de um sistema de gestão global que inclui estrutura organizacional, atividades de
planejamento, responsabilidades, práticas, procedimentos, processos e recursos para
desenvolver, implementar, atingir, analisar criticamente e manter a política ambiental.”126
Assim, a gestão do meio ambiente apresenta-se como um conjunto de
procedimentos definidos, que possuem a finalidade última de reduzir e controlar os impactos
produzidos por uma empresa sobre o meio ambiente. Aqui, defende-se a idéia de melhoria
contínua da relação da empresa ou organização com o meio em que ela interage. Além disso,
todos os setores. da administração e da produção devem necessariamente integrar-se na
implantação do sistema de gestão ambiental para que o resultado final seja satisfatório com
relação aos objetivos inicialmente propostos pela empresa.
Usualmente são apontados como benefícios potenciais externos, trazidos pela
implementação de um sistema de gestão ambiental como, por exemplo, (i) a melhoria da
imagem da empresa; (ii) o fortalecimento da competitividade, principalmente no mercado
externo já que a certificação ambiental está sendo o diferencial das empresas que competem
internacionalmente; (iii) maior facilidade junto a bancos e seguradoras, já que a credibilidade
da empresa aumenta, e os riscos ambientais dos clientes atingem direta e indiretamente
bancos e seguradoras; (iiii) e pode-se acrescentar, ainda, um melhor relacionamento entre
empresa e órgãos ambientais, pois se subentende que uma empresa que possui um sistema de
125 Almeida, J. op. cit. p. 52
85
gestão ambiental facilite a atuação de fiscalizadores, entre outros agentes de órgãos
ambientais, pelo fato de que geralmente possuem documentação devidamente organizada,
com documentos disponíveis e de fácil acesso para quando houver necessidade de obtê-los,
dispõem de pessoal treinado, entre outras vantagens.
2.3.1.3 - Conteúdo da norma ISO 14001
Um sistema de gestão ambiental, de acordo com Silva, caracteriza-se como “um
conjunto de procedimentos que visam gerir ou administrar uma empresa, com a finalidade de
obter através de uma melhoria contínua o melhor relacionamento com o meio ambiente. No
sistema de gestão ambiental, a alta direção da empresa define o seu comportamento face às
questões ambientais.”127
A norma ISO 14001 estabelece requisitos relativos ao Sistema de Gestão
Ambiental - SGA, levando em conta os requisitos legais e tendo em vista as informações
relativas aos impactos significativos causados no meio ambiente. Trata-se de uma norma
aplicável aos aspectos ambientais sobre os quais a empresa tenha influência.
A seguir apresentar-se-á os requisitos do sistema de gestão ambiental exigidos
pela norma em questão.
2.3.1.4 - Requisitos do sistema de gestão ambiental
Os requisitos do sistema de gestão ambiental são divididos em requisitos gerais
(que apenas introduz o leitor ao assunto e o encaminha para os requisitos de fato), requisitos
legais e outros requisitos. Estes requisitos, exceto os legais - que são estabelecidos por órgãos
de normalização que não a International Organization for Standardization ou aqueles
elaborados pela própria empresa - estão contidos no texto da norma ISO 14001.
Esse assunto será objeto de análise dos itens subseqüentes.
126 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997127 SILVA, Márcia Maria Pinheiro da. Curso sobre Normas Ambientais ISO 14000. OAB/CE Comissão do Meio Ambiente. Disponível em < www.daterranet.com.br/~pinheiro/isol4000.htm> Acesso em: 17 fev. 2001.
Política Ambiental
A norma NBR ISO 14001, item 4.2, estabelece o seguinte:
“A alta administração deve definir a política ambiental da organização e assegurar que ela: a) seja apropriada à natureza, escala e impactos ambientais de suas atividades, produtos e serviços; b) inclua o comprometimento com a melhoria contínua e com a prevenção de poluição; c) inclua o comprometimento com o atendimento à legislação e normas ambientais aplicáveis e demais requisitos subscritos pela organização; d) forneça a estrutura para o estabelecimento e revisão dos objetivos e metas ambientais; e) seja documentada, implementada, mantida e comunicada a todos os empregados; f) esteja disponível para o público.”128
Dessa forma, a primeira providência de uma organização é a de adotar uma
política ambiental que contenha o reconhecimento da alta administração da empresa a respeito
da responsabilidade ambiental da mesma. A política ambiental representa um
comprometimento da organização com relação ao meio ambiente.
Nesse sentido, Widmer afirma que “a norma NBR 14001 exige que a política faça
referência ao compromisso da empresa com a prevenção da poluição, com a melhoria
contínua e com o atendimento a legislação ambiental pertinentes. Exige também que a política
seja coerente com a natureza e com o grau de impacto das atividades da empresa, seja
conhecida e compreendida por todos os funcionários e seja divulgada ao público em geral.”129
De acordo com a definição extraída da norma ISO 14001, item 3.9, a política
ambiental constitui uma “declaração da organização, expondo suas intenções e princípios em
relação ao seu desempenho ambiental global, que provê uma estrutura para ação e definição
de seus objetivos e metas ambientais.”130
Segundo a análise de Dyllick,131 a política ambiental tem a finalidade de definir os
objetivos fundamentais gerais e de longo prazo e princípios de conduta da organização na área
ambiental. Assim, essa política apresenta três funções especificas: (i) ela é a expressão
especifica da autoconsciência ambiental e representa um autocomprometimento da direção da
organização, e atua tanto internamente quanto externamente à organização; (ii) seu efeito
128 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997.129 Widmer, op. cit., p. 42130 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997131 Dyllick, op. cit., p. 52
87
interno deriva da definição das condições de contorno e balizamento para as decisões e ações
ambientalmente relevantes na empresa. Em face disso ela proporciona orientação e transmite
segurança de postura; e, finalmente, (iii) seu efeito externo baseia-se na documentação da
responsabilidade ambiental. Ela, ainda visa à construção de uma imagem de confiabilidade
para os grupos de interesse importantes para a organização.
Planejamento
O planejamento pode ser dividido em dois grandes momentos: (i) uma análise das
condições ambientais; (ii) e a decisão da alta administração, que com os dados da referida
análise estará apta a tomar as decisões para tomar o seu SGA mais eficiente. Dessa forma, é a
partir da análise ambiental que serão definidos os objetivos a serem alcançados e as medidas a
serem adotadas.
A norma ISO 14001 contém quatro exigências relativas ao planejamento. São
elas: aspectos ambientais; requisitos legais e outros requisitos; objetivos e metas e programa
de gestão ambiental.
a) Aspectos Ambientais - A norma NBR ISO 14001, em seu item 4.3.1,
estabelece:
“A organização deve estabelecer e manter procedimento (s) para identificar os aspectos ambientais de suas atividades, produtos ou serviços que possam por ela ser controlados e sobre os quais presume-se que ela tenha influência, a fim de determinar aqueles que tenham ou possam ter impacto significativo sobre o meio ambiente. A organização deve assegurar que os aspectos relacionados a estes impactos significativos sejam considerados na definição de seus objetivos ambientais.
A organização deve manter essas informações atualizadas.”132
A ISO 14001, item 3.3, define aspecto ambiental como “elemento das atividades,
produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente”. Segundo
Dyllick, “os aspectos ambientais são as causas controláveis pela organização, por exemplo,
certos processos de produção ou produtos, enquanto os impactos ambientais são os efeitos no
132 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental:especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997
meio ambiente causados isoladamente ou não, por exemplo, na forma de poluição das águas
ou existência de riscos.”
Várias áreas devem ser consideradas no que diz respeito à abrangência dos
aspectos ambientais. A própria norma especifica e recomenda, em seu anexo A, item A.3.1,
que no processo de identificação dos aspectos ambientais sejam considerados: emissões
atmosféricas; lançamentos em corpos d’água; gerenciamento de resíduos; contaminação do
solo; uso de matérias-primas e recursos naturais; outras questões locais relativas ao meio
ambiente e à comunidade.
De acordo com Widmer, “cada aspecto pode causar uma alteração no estado atual
do meio ambiente, sendo que essa alteração é chamada de impacto ambiental. Os impactos
podem ser positivos ou negativos, se melhoram ou pioram o estado do meio ambiente,
respectivamente.”134 Importante acrescentar que esta é uma recomendação não exaustiva da
norma, e a investigação de identificação é de aspectos ambientais relacionados não só com as
atividades da empresa em si, mas também com relação a seus produtos e serviços.
Para a redução de impactos ambientais geralmente são utilizadas tecnologias para
atenderem a determinado padrão permitido por determinações legais. Aqui nasce a
necessidade não só de consciência ambiental, mas também envolve custos, seja pela via de
investimento em pesquisa ou por aquisição de tecnologia estrangeira. No entanto, para cada
atividade da empresa deve-se levantar os impactos ambientais produzidos. Deve-se, ainda,
classificar estes impactos (positivos ou negativos). Dessa forma, identificar-se-á qual das
atividades produzem impactos ambientais “significativos”, e é sobre estas atividades que
recairão as ações futuras.
b) Requisitos Legais e Outros Requisitos - O item 4.3.2 da norma NBR ISO
14001, prescreve o que segue:
“A organização deve estabelecer e manter procedimento para identificar e ter acesso à legislação e outros requisitos por ela subscritos, aplicáveis aos aspectos ambientais de suas atividades, produtos e serviços.”135
Após a identificação dos seus aspectos ambientais, a empresa deve dedicar-se ao
atendimento dos requisitos legais, e demais requisitos relevantes à sua atividade, por estarem
133 Dyllick, op. cit., p. 58-59134 Widmer, op. cit., p. 42
89
relacionados a seus aspectos ambientais identificados. Conforme observa Dyllick, “os
requisitos legais abrangem não só leis e prescrições da união, estados, municípios e acordos
federais internacionais, mas também disposições concretas ou concessões de órgãos públicos.
[...] Outros requisitos são, por exemplo, regras de conduta e princípios dos setores
econômicos em que atuam, acordos com órgãos públicos ou normas que não estão incluídas
em lei.” 136
Em diversos pontos, a ISO 14001 estabelece exigências a respeito do
cumprimento das normas de direito ambiental. Esses pontos correspondem aos seguintes itens
da norma: item 4.2; item 4.3.2; item 4.3.3; item 4.4.6; 4.5.1; e item 4.6. O Capítulo VII, da
Constituição do Brasil, as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA,
o Código Florestal, as legislações dos Estados e Municípios relativas ao meio ambiente, são
exemplos de legislação ambiental básica que dever ser atendida. O cumprimento dessa
legislação apresenta-se como o ponto de partida para empresas que pretendem instituir um
sistema de gestão ambiental nos padrões da ISO 14001.
Aqui, a função dos certificadores é constatar se o SGA está estruturado de forma a
atender ao cumprimento dos requisitos legais relativos ao meio ambiente. Para isso, ele
verifica os procedimentos estabelecidos pela empresa e os procedimentos adotados estão
suprindo as exigências legais. Os certificadores verificarão, dessa forma, o cumprimento da
legislação ambiental através de testes em amostras fornecidas pela própria empresa. Caso seja
constatada alguma irregularidade, a certificação não será conferida à organização.
c) Objetivos e Metas - Com relação a objetivos e metas, o item 4.3.3 da norma
NBR ISO 14001 estabelece o seguinte:
“A organização deve estabelecer e manter objetivos e metas ambientais documentados, em cada nível e função pertinentes da organização. Ao estabelecer e revisar seus objetivos, a organização deve considerar os requisitos legais e outros requisitos, seus aspectos ambientais significativos, suas opções tecnológicas, seus requisitos financeiros, operacionais e comerciais, bem como a visão das partes interessadas. Os objetivos e metas devem ser compatíveis com a política ambiental, incluindo o comprometimento com a prevenção de poluição.”137
135 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997136 Dyllick, op. cit. p.68-69137ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997
90
Este item determina que a organização deve estabelecer e manter objetivos
ambientais, em harmonia com as diretrizes de política ambiental, e em função dos impactos
ambientais, da percepção ambiental que compradores e grupos de interesse têm da
organização e outros fatores relevantes.
Conforme o item 3.7, da norma ISO 14001, objetivo ambiental é o “propósito
ambiental global, decorrente da política ambiental, que uma organização se propõe a atingir,
sendo quantitativo sempre que exeqüível.”138 Sobre esse assunto Almeida assinala que
“Os objetivos e metas são estabelecidos de forma que a empresa controle seus aspectos ambientais, minimizando seus impactos sobre o meio ambiente. Ao traçá-los, deve-se levar em consideração: Correspondência ao expresso na política ambiental. Pertinência aos aspectos e impactos ambientais identificadores. Possibilidades de avaliação por indicadores numéricos. Participação de todos os empregados responsáveis pelo seu cumprimento.”1 9
d) Programa (s) de Gestão Ambiental - A norma NBR ISO 14001, estabelece
em seu item 4.3.4:
“A organização deve estabelecer e manter programa (s) para atingir seus objetivos e metas, devendo incluir: a) atribuição de responsabilidades em cada função e nível pertinente da organização, visando atingir os objetivos e metas; b) os meios e o prazo dentro dos qual eles devem ser atingidos.”140
Os programas são destinados a atingir os objetivos e metas delimitadas pela
organização. Para isso, a atribuição de responsabilidades dentro de uma empresa é de suma
importância para que cada responsável comprometa-se formalmente com o sistema de gestão
ambiental. Os programas devem fornecer os meios e os instrumentos necessários para que os
objetivos do sistema sejam alcançados. Nesse sentido, Almeida afirma que “o plano de ação
corresponde ao que a ISO 14001 estabelece como programa de gestão ambiental e deve ser
elaborado para que a empresa viabilize os seus objetivos e metas estabelecidas e, dessa forma,
garanta o cumprimento de sua Política de Meio Ambiente. Na concepção do plano, devem ser
considerados os cronogramas de implantação, os recursos necessários e as atribuições e
responsabilidades. Isto é: quem ai faz o quê, como e quando.” 141
138 Ibidem.139 Almeida, J. op. cit., p. 66140 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997141 Almeida, J. op. cit., p. 67
91
A norma ainda estabelece, dentro desse tópico, que “para projetos relativos a
novos empreendimentos e atividades, produtos ou serviços, novos ou modificados, o (s)
programa (s) deve (m) ser revisados, onde pertinente, para assegurar que a gestão ambiental
se aplique a esses projetos.” Portanto, um plano de ação deve ser elaborado para que se possa
tingir os objetivos e as metas propostas pela organização. As responsabilidades, os prazos, os
meios e recursos necessários devem ser definidos e documentados.
Implementação e Operação
Para o estabelecimento do programa ambiental é preciso criar estruturas
apropriadas de pessoal, de organização, enfim, criar condições para que o programa seja
implementado e operado. Dessa forma, para que ocorra uma eficiente implementação do
programa de gestão ambiental devem ser levados em consideração os seguintes elementos:
estrutura e responsabilidade; treinamento conscientização e competência; comunicação;
documentação do sistema de gestão ambiental; controle de documentos, controle operacional;
e preparação e atendimento a emergências. Estes tópicos serão analisados a seguir.
a) Estrutura e Responsabilidade - A norma NBR 14001, no item 4.4.1,
estabelece o seguinte:
“As funções, responsabilidades e autoridades devem ser definidas, documentadas e comunicadas a fim de facilitar uma gestão ambiental eficaz. A administração deve fornecer recursos essenciais para a implementação e o controle do sistema de gestão ambiental, abrangendo recursos humanos, qualificações específicas, tecnologia e recursos financeiros. A alta administração da organização deve nomear representante (s) específico (s) que, independentemente de outras atribuições, deve (m) ter funções, responsabilidades e autoridades definidas: a) assegurar que os requisitos do sistema de gestão ambiental sejam estabelecidos, implementados e mantidos de acordo com esta Norma; b) relatar à alta administração o desempenho do sistema de gestão ambiental, para análise crítica, como base para o aprimoramento do sistema de gestão ambiental.”142
Definição de responsabilidades, fornecimento de recursos, investimentos em
tecnologias, entre outros, são aspectos importantes na montagem da estrutura de um sistema
142 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistem as de gestão ambiental:especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997
92
de gestão ambiental. Uma gestão ambiental bem estruturada dentro de uma empresa deve
estabelecer-se em todos os níveis hierárquicos da mesma.
b) Treinamento Conscientização e Competência - A norma NBR ISO 14001,
item 4.4.2, prescreve:
“A organização deve identificar as necessidades de treinamento. Ela deve determinar que todo o pessoal, cujas tarefas possam criar um impacto significativo sobre o meio ambiente, receba treinamento apropriado. A organização deve estabelecer e manter procedimentos que façam com que seus empregados ou membros, em cada nível e função pertinente, estejam conscientes: a) da importância da conformidade com a política ambiental, procedimentos e requisitos do sistema de gestão ambiental; b) dos impactos ambientais significativos, reais ou potenciais, de suas atividades e dos benefícios ao meio ambiente ao meio ambiente resultantes da melhoria do seu desempenho pessoal; c) de suas funções e responsabilidades em atingir a conformidade com a política ambiental, procedimentos e requisitos do sistema de gestão ambiental, inclusive os requisitos de preparação e atendimento a exigências; d) das potenciais conseqüências da inobservância de procedimentos operacionais especificados. O pessoal que executa tarefas que possam causar impactos ambientais significativos deve ser competente, com base em educação, treinamento e/ou experiência apropriados.” 143
A ISO 14001, em seu Anexo A,144 item A.4.2, recomenda que a empresa
estabeleça e mantenha procedimentos para verificação das necessidades de treinamento, e
ainda que a organização exija de seus prestadores de serviços sejam capazes de demonstrar
que seus respectivos empregados tenham o treinamento adequado para a tarefa solicitada.
Widmer comenta que, neste caso, os funcionários “[...] devem ser capazes de
compreender os princípios descritos na política ambiental e os demais requisitos do SGA.
Devem ter consciência da importância que as suas atividades representam para a qualidade
ambiental e as conseqüências dos impactos ambientais negativos. Devem também possuir o
conhecimento de como fazer para que suas atividades se adeqüem as exigências do SGA.”145
Por seu turno, Dyllick, assevera que “a eficácia do sistema de gestão ambiental
somente é assegurada, se os colaboradores estiverem envolvidos no sistema e conscientes de
143 Ibídem.144 Cabe esclarecer que os Anexos desta norma são de caráter informacional, sendo constituído de “recomendações”.145 Widmer, op. cit., p. 44
93
tarefas e responsabilidades, bem como apresentarem as qualificações necessárias. Por este
motivo deve-se desenvolver ações de motivação e especialização.”146
c) Comunicação - O item 4.4.3, da norma NBR ISO 14001, estabelece que:
“Com relação aos seus aspectos ambientais e sistema de gestão ambiental, a organização deve estabelecer e manter procedimentos para a) comunicação interna entre vários níveis e funções da organização; b) recebimento, documentação e resposta a comunicações pertinentes das partes interessadas externas. A organização deve considerar os processos de comunicação externa sobre seus aspectos ambientais significativos e registrar sua decisão.”147
Este item estabelece processos de comunicação interna e externa sobre os temas
da gestão ambiental. A comunicação interna viabiliza a implementação do sistema de gestão
ambiental em todos os níveis, fazendo com que as pessoas envolvidas no processo percebam
suas responsabilidades. Já a comunicação externa proporciona transparência e aumenta a
credibilidade do sistema externamente.
d) Documentação do Sistema de Gestão Ambiental - A norma NBR ISO
14001, item 4.4.4, estabelece o seguinte:
“A organização deve estabelecer e manter informações, em papel ou em meio eletrônico, para a) descrever os principais elementos do sistema de gestão e a interação entre eles; b) fornecer orientação sobre a documentação relacionada.”148
No sistema de gestão ambiental deve-se definir e documentar todos os elementos
constitutivos. A abrangência e o tipo de documentação podem variar segundo o tamanho e a
complexidade de uma organização.
O Anexo A da norma, item 4.3, ainda recomenda que as empresas implementem
um procedimento para recebimento e documentação das informações, além de um
procedimento para o atendimento das partes interessadas.
e) Controle de Documentos - A norma ISO NBR 14001, em seu item 4.4.5,
prescreve o que:
“A organização deve estabelecer e manter procedimentos para o controle de todos os documentos exigidos por esta Norma, para
146 Dyllick, op. cit., p. 88147 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997148 Ibídem.
94
assegurar que a) possam ser localizados; b) sejam periodicamente localizados, revisados quando necessário e aprovados, quanto à sua adequação, por pessoal autorizado; c) as versões atualizadas dos documentos pertinentes estejam disponíveis em todos os locais onde são executadas operações essenciais ao efetivo funcionamento do sistema de gestão ambiental; d) documentos obsoletos sejam prontamente removidos de todos os pontos de emissão e uso ou, de outra forma, garantidos contra o uso não-intencional; e) quaisquer documentos obsoletos retidos por motivos legais e/ou para preservação de conhecimento sejam adequadamente identificados.
A documentação deve ser legível, datada (com datas de revisão) e facilmente identificáveis, mantida de forma organizada e repetida por um período de tempo especificado. Devem ser estabelecidos e mantidos procedimentos e responsabilidades referentes à criação e alteração dos vários tipos de documentos.”149
Nestes termos, para que os documentos de uma empresa possam ser perfeitamente
controlados, deve haver a observância dos procedimentos acima descritos. São fatores
importantes para um bem funcionamento do sistema de gestão ambiental a disponibilidade
dos documentos, sua atualização, verificação constante da vigência dos mesmos, organização,
etc. Neste caso, Dyllick argumenta que “Documentos atualizados aumentam a segurança nos
procedimentos, possibilitam a ausência de erros e transmitem aos colaboradores confiança nos
objetivos e nas instruções da organização. Deve-se ambicionar um controle de documentos
cuidadoso, sem que disso resultem procedimentos dispendiosos.”150
Por fim, os documentos relacionados com o sistema de gestão ambiental devem
ser devidamente arquivados, seja na forma eletrônica ou na forma física, onde possam ser
prontamente localizados em suas versões atuais, antigas, e obsoletas. Assim, informações
como data, número da revisão do documento, tempo de retenção entre outros, devem constar
dos documentos relativos ao SGA.
f) Controle Operacional - O item 4.4.6, da norma NBR ISO 14001, estabelece o
seguinte:
“A organização deve identificar aquelas operações e atividades associadas aos aspectos ambientais significativos identificados de acordo com sua política, objetivos e metas. A organização deve planejar tais atividades, inclusive manutenção, de forma a assegurar que sejam executadas sob condições específicas através a) do estabelecimento e manutenção de procedimentos documentados, para abranger situações onde sua ausência possa acarretar desvios em
150 Dyllick, op. cit., p. 99
95
relação à política ambiental e aos objetivos e metas; b) da estipulação de critérios operacionais nos procedimentos; c) do estabelecimento e manutenção de procedimentos relativos aos aspectos ambientais significativos identificáveis de bens e serviços utilizados pela organização, e da comunicação dos procedimentos e requisitos pertinentes a serem atendidos por fornecedores151 e prestadores de serviços.” 152
Este item propõe a identificação, o planejamento e a administração das operações
e de outras atividades que estejam relacionadas à política, objetivos e metas ambientais da
organização.
A empresa, mais precisamente a alta administração precisa ter pleno
conhecimento de suas atividades para melhor controlá-las no que tange aos impactos
ambientais significativos, para, dessa forma, melhor cumprir a legislação ambiental e os
requisitos estabelecidos na ISO 14001.
g) Preparação e Atendimento a Emergências - A norma NBR ISO 14001, em
seu item 4.4.7, estabelece o seguinte:
“A organização deve estabelecer e manter procedimentos para identificar o potencial e atender a acidentes e situações de emergência, bem como para prevenir e mitigar os impactos ambientais que possam estar associados a eles. A organização deve analisar e revisar, onde necessário, seus procedimentos de preparação e atendimento a emergências, em particular após ocorrência de acidentes ou situações de emergência. A organização deve também testar periodicamente tais procedimentos onde exeqüíveis.”153
As possibilidades de situações adversas devem ser consideradas pela empresa,
bem como a solução a ser adotada no caso de uma real ocorrência. Aqui, a prevenção é a
melhor escolha no caso de emergências. Isto ainda é mais sério, quando se trata de questões
relativas ao meio ambiente, pois dependendo da situação criada por um fator qualquer
inesperado, as conseqüências poderão ser irreversíveis. As ações para a minimização dos
riscos da empresa apresentam-se como um fator de grande importância na implementação de
um sistema de gestão ambiental. Sobre esse assunto, Dyllick observa o seguinte:
“Os bancos e seguradoras também exigem cada vez mais de seus clientes que utilizem os procedimentos de gerenciamento de riscos.
151 Para os efeitos desta Norma, “fornecedor” corresponde ao “subcontrato” ou “subfomecedor” da NBR ISO 8402152 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997153 Ibidem.
96
Ter a disposição um atendimento útil a emergências e um planejamento adequado de preparação faz parte dos benefícios que um SGA traz para a organização. A indiferença as obrigações legais pode atrair sanções consideráveis, cujas conseqüências materiais e imateriais podem enfraquecer a competitividade da organização e em casos graves ate ameaçar sua existência.” 154
Alguns impactos ambientais podem ser amenizados com maior eficiência, ou até
mesmo evitados se a empresa estabelecer procedimentos emergenciais claros e acessíveis, que
resolvam o problema inesperado da melhor forma possível.
Verificação e Ação Corretiva
As atividades realizadas por uma empresa que podem ter efeitos ambientais
potenciais devem ser constantemente medidas e verificadas. É importante e necessária, para a
eficiência do sistema de gestão ambiental, uma verificação daquelas atividades que possam
causar danos ao meio ambiente. Somente após uma completa verificação é que se pode
proceder a uma ação corretiva para o estabelecimento da situação objetivada pela
organização.
A verificação e a ação corretiva envolvem os seguintes elementos: monitoramento
e medição; não conformidade e ações corretiva e preventiva; registros; e auditoria do sistema
de gestão ambiental.
a) Monitoramento e Medição - A norma NBR ISO 14001, item 4.5.1, estabelece
o seguinte:
“A organização deve estabelecer e manter procedimentos documentados para monitorar e medir, periodicamente, as características principais de suas operações e atividades que possam ter um impacto significativo sobre o meio ambiente. Tais procedimentos devem incluir o registro de informações para acompanhar o desempenho, controles operacionais pertinentes e a conformidade com os objetivos e metas ambientais da organização. Os equipamentos de monitoramento devem ser calibrados e mantidos, e os registros desse processo devem ficar retidos, segundo procedimentos definidos pela organização. A organização deve estabelecer e manter um procedimento documentado para avaliação
154 Dyllick, op. cit., p.107
97
periódica do atendimento à legislação e regulamentos ambientais pertinentes.”155
0 controle deverá dar-se de forma sistemática, a direção da empresa deve
estabelecer procedimentos de monitoramento e medição a fim de que os objetivos do sistema
sejam alcançados e para que a conformidade legal exigida pela ISO 14001 seja assegurada.
Widmer afirma que “é necessário monitorar as características das atividades
identificadas como potencialmente impactantes. É preciso que se registre os valores do
monitoramento, para que se possa avaliar a conformidade destes valores com os objetivos
ambientais e com a política ambiental estabelecidos. Os equipamentos utilizados no
monitoramento precisam ser aferidos e calibrados, gerando-se também registros destas
atividades.”156
b) Não-conformidade e Ações Corretiva e Preventiva - O item 4.5.2 da norma
NBR ISO 14001 prescreve que:
“A organização deve estabelecer e manter procedimentos para definir responsabilidade e autoridade para tratar e investigar as não- conformidades, adotando medidas para mitigar quaisquer impactos e para iniciar e concluir ações corretivas e preventivas. Qualquer ação corretiva ou preventiva adotada para eliminar as causas das não- conformidades, reais ou potenciais, deve ser adequadas à magnitude dos problemas e proporcional ao impacto ambiental verificado. A organização deve implementar e registrar quaisquer mudanças nos procedimentos documentados, resultantes de ações corretivas e preventivas.”157
O Anexo A.5.2 da norma, recomenda que no processo para o estabelecimento de
procedimentos para investigação e correção de não-conformidades sejam incluídos os
seguintes elementos: “(a) identificação da causa da não conformidade; b) identificação e
implementação da ação corretiva necessária; c) implementação ou modificação dos controles
necessários para evitar a repetição da não-conformidade; d) registro de quaisquer mudanças
em procedimentos descritos resultantes da ação corretiva.”158
A idéia aqui é conferir rapidez ao procedimento, para que a ação corretiva tenha
máxima eficiência. A empresa deve desenvolver ações preventivas que permitam detectar
155 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997156 Widmer, op. cit., p. 45157 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997158 Ibídem.
98
rapidamente eventuais situações que estejam fora das condições normais de funcionamento da
organização. Com isso, assegura-se a conformidade com os objetivos, metas e programas de
gestão ambiental da empresa, contribuindo para tomar o sistema de gestão ambiental eficaz.
c) Registros - A Norma NBR ISO 14001, item 4.5.3, assim prescreve:
“A organização deve estabelecer e manter procedimentos para a identificação, manutenção e descarte de registros ambientais. Estes registros de treinamento e os resultados de auditorias e análises críticas. Os registros ambientais devem ser legíveis e identificáveis, permitindo rastrear a atividade, produto ou serviço envolvido. Os registros ambientais devem ser arquivados e mantidos, de forma a permitir sua pronta recuperação, sendo protegidos contra avarias, deterioração ou perdas. O período de retenção deve ser estabelecido e registrado. Os registros devem ser mantidos, conforme apropriado ao sistema e à organização, para demonstrar conformidade aos requisitos desta Norma.” 159
O estabelecimento de registro figura aqui como mais um requisito da ISO 14001,
sem o qual a situação da empresa passa a ser caracterizada como de não-conformidade. As
informações relativas ao sistema de gestão ambiental devem estar disponíveis e ter fácil
acesso. Através dos registros é que se informa o desempenho do sistema de gestão ambiental
aos órgãos públicos, ou outras partes interessadas.
O item A.5.3., do Anexo, ainda recomenda que “os procedimentos para
identificação, manutenção e descarte de registros sejam focalizados naqueles necessários à
implementação e operação do sistema de gestão ambiental e para registro do nível de
atendimento aos objetivos e metas planejados.”160 Além dessa recomendação, sugere-se a
inclusão de alguns elementos nos registros como, por exemplo, registros de reclamações,
registros de treinamento, relatório de incidentes, etc. E, também, que as informações
confidenciais da empresa sejam tratadas de “forma apropriada.”
d) Auditoria do Sistema de Gestão Ambiental - A norma NBR ISO 14001, em
seu item 4.5.4, estabelece:
“A organização deve estabelecer e manter programa (s) e procedimentos para auditorias periódicas do sistema de gestão ambiental a serem realizadas de forma a a) determinar se o sistema de gestão ambiental 1) está em conformidade com as disposições planejadas para a gestão ambiental, inclusive os requisitos desta Norma; e 2) foi devidamente implementado e tem sido mantido; b)
159 Ibidem.160 Ibidem.
99
fornecer à administração informações sobre os resultados das auditorias.”161
Assim, deve-se estabelecer previamente a freqüência em que as auditorias do
sistema de gestão ambiental serão realizadas, para avaliações periódicas do sistema. A
auditoria relativa ao SGA é um importante instrumento para mediar a eficiência do sistema de
gestão adotado pela empresa. Cabe mencionar o item A.5.4, do Anexo A, da norma ISO
14001, que recomenda que o programa e os procedimentos de auditoria abranjam: “a)
atividades e áreas a serem consideradas nas auditorias; b) a freqüência das auditorias; c) as
responsabilidades associadas à gestão e condução de auditorias; d) comunicação de resultados
de auditorias; e) competência dos auditores; e) de que forma as auditorias serão
conduzidas.”162
O Anexo A ainda informa que as auditorias do sistema de gestão ambiental
podem ser realizadas por pessoal da própria empresa e/ou pessoal externo por ela escolhido.
Análise Crítica pela Administração
a) Avaliação pela alta administração - A norma NBR ISO 14001, no item 4.6,
prescreve:
“A alta administração da organização, em intervalos por ela predeterminados, deve analisar criticamente o sistema de gestão ambiental, para assegurar sua conveniência, adequação e eficácia contínuas. O processo de análise crítica deve assegurar que as informações necessárias sejam coletadas, de modo a permitir à administração proceder a esta avaliação. Esta análise crítica deve ser documentada.
A análise crítica pela administração deve abordar a eventual necessidade de alterações na política, objetivos e outros elementos do sistema de gestão ambiental à luz dos resultados de auditorias do sistema de gestão ambiental, da mudança das circunstâncias e do comprometimento com a melhoria contínua.”163
161 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14001: sistemas de gestão ambiental: especificações e diretrizes para uso. Rio de Janeiro, 1997162 Ibídem.163 Ibídem.
100
De acordo com Dyllick, uma das funções da alta administração, é “verificar e
avaliar periodicamente o SGA para garantir sua constante adequação e eficácia. Em
conseqüência das informações por ela colhidas e dos resultados das auditorias, ela deve
solicitar as mudanças necessárias, considerando especialmente o compromisso de
aperfeiçoamento constante do SGA e do desempenho ambiental.”164
Assim, para assegurar a melhoria contínua do sistema é importante que a alta
administração da empresa realize análises críticas periodicamente. O conteúdo desta análise
deverá abranger todos os componentes do sistema de gestão ambiental. A norma, em seu
Anexo A, item A.6, recomenda que as análises críticas incluam: a) os resultados das
auditorias; b) o nível de atendimento aos objetivos e metas; c) a contínua adequação do
sistema de gestão ambiental em relação a mudanças de condições e informações; d) as
preocupações das partes interessadas pertinentes.
Ainda recomenda-se que as constatações e conclusões sejam documentadas para
fundamentar futuras ações a serem implementadas.
Por fim, importante ressaltar que todas as etapas estabelecidas como requisitos de
conformidade com a norma ISO 14001 têm o objetivo principal de promover a melhoria
contínua da empresa que adota o seu sistema de gestão ambiental baseado em seus padrões.
Esse processo ocorre de forma dinâmica, e sistêmica, onde se realiza permanentemente o
SGA, na busca de uma relação cada vez melhor com o meio ambiente.
2.3.2 - ISO 14004 - Sistemas de gestão ambiental - Diretrizes gerais
sobre princípios, sistemas e técnicas de apoio
jA norma ISO 14004 possui o objetivo geral de oferecer às organizações subsídios
para a implementação ou aprimoramento de um sistema de gestão ambiental. Vale esclarecer,
que apenas a norma ISO 14001 possui requisitos suscetíveis de serem auditados para fins de
certificação, registro ou autodeclaração. O conteúdo da norma 14004 auxilia na
implementação de um sistema de gestão ambiental, mas não possui requisitos passíveis de
serem auditados.
164 Dyllick, op. cit., p. 50
101
Os “princípios” essenciais para orientar os responsáveis pela implementação ou
aprimoramento de um sistema de gestão ambiental incluem: a) reconhecer que a gestão
ambiental se encontra entre as mais altas prioridades da organização; b) estabelecer e manter
comunicação com as partes interessadas internas e externas; c) determinar os requisitos legais
aplicáveis e os aspectos ambientais associados às atividades, produtos ou serviços da
organização; d) desenvolver o comprometimento da administração e dos empregados no
sentido da proteção ao meio ambiente, com uma clara definição de responsabilidades e
responsáveis; e) estimular o planejamento ambiental ao longo do ciclo de vida do produto ou
do processo; f) estabelecer um processo que permita atingir os níveis de desempenho visados,
de forma contínua; g) avaliar o desempenho ambiental com relação à política, objetivos e
metas ambientais da organização, buscando aprimoramentos, onde apropriado; h) estabelecer
um processo de gestão para auditar e analisar criticamente o Sistema de Gestão Ambiental -
SGA e para identificar oportunidades de melhoria do sistema e do desempenho ambiental
resultante; i) estimular prestadores de serviços e fornecedores a estabelecer um SGA.165
A ISO 14004 contém orientações para a implementação e desenvolvimento de
princípios e sistemas de gestão ambiental, bem como sua coordenação com outros sistemas de
gestão. Assim como a ISO 14001, esta norma não é dirigida a um determinado tipo de
empresa, podendo ser aplicada a qualquer organização que pretenda implementar oü
aperfeiçoar seu sistema de gestão ambiental.
PRINCÍPIOS E ELEMENTOS DE UM SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL - SGA
Os princípios de um sistema de gestão ambiental, listados a seguir, correspondem
às etapas de implementação de um sistema de gestão ambiental.
a) Princípio 1 - Comprometimento e Política: NBR ISO 14004 - “É
recomendado que uma organização defina sua política ambiental e assegure o
comprometimento com o seu SGA.”166
166 Ibídem.
165 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 1404: sistemas de gestão ambiental:diretrizes gerais sobre princípios sistemas e técnicas de apoio, Rio de Janeiro, 1997
102
Deve-se, primeiramente, focalizar a conformidade legal da organização. Para que
o SGA comece a ser visualizado e a se desenvolver, deve-se detectar os pontos onde devem
ser implantadas tecnologias e demais programas de melhoramento no desempenho ambiental.
As decisões tomadas no âmbito da organização devem levar em conta as considerações
ambientais obtidas pelo SGA.
É de crucial importância para o sucesso de um sistema de gestão ambiental o
comprometimento e a liderança da alta administração. Deve-se proceder a uma avaliação
ambiental inicial, promovendo-se a identificação das interações da organização com o meio
ambiente, levando-se sempre em conta não apenas as condições normais de funcionamento da
empresa, mas também se prevendo possíveis incidentes e situações de emergência.
Deve-se, ainda, estabelecer uma política ambiental. Esta, por sua vez, “estabelece
um senso geral de orientação e fixa os princípios de ação para uma organização. Determina o
objetivo fundamental no tocante ao nível global de responsabilidade e desempenho ambiental
requerido da organização, com referência ao qual todas as ações subseqüentes serão
julgadas.”167
Usualmente, é de responsabilidade ou competência da alta administração da
empresa o estabelecimento e implementação de uma política ambiental. A alta administração
ainda deve fornecer as condições e os elementos necessários para a formulação da referida
política.
b) Princípio 2 - Planejamento: NBR ISO 14004 - “É recomendado que uma
organização formule um plano para cumprir sua política ambiental.”168
Os elementos os SGA relativos ao planejamento incluem: “identificação dos
aspectos ambientais e avaliação dos impactos ambientais associados; requisitos legais;
política ambiental; critérios internos de desempenho; objetivos e metas ambientais; planos
ambientais e programa de gestão.” 169
c) Princípio 3 - Implementação: NBR ISO 14004 - “Para uma efetiva
implementação, é recomendado que uma organização desenvolva a
167ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 1404: sistemas de gestão ambiental: diretrizes gerais sobre princípios sistemas e técnicas de apoio, Rio de Janeiro, 1997168 Ibídem.169 Ibídem.
103
capacitação e os mecanismos de apoio necessários para atender sua política,
seus objetivos e metas ambientais.”170
Para que os objetivos ambientais da empresa sejam efetivamente atingidos, é
necessário que a empresa capacite seu pessoal, organize seu sistema, elabore uma estratégia,
lance mão dos seus recursos a fim de criar uma estrutura que permita uma efetiva
implementação da política ambiental.
d) Princípio 4 - Medição e Avaliação: NBR ISO 14004 - “É recomendado que
uma organização meça, monitore e avalie seu desempenho ambiental.”171
São atividades de suma importância num sistema de gestão ambiental, é esse
mecanismo de medição e avaliação que irá demonstrar que a organização está de acordo com
o programa de gestão ambiental previamente definido.
e) Princípio 5 - Análise Crítica e Melhoria: NBR ISO 14004 - “É recomendado
que uma organização analise criticamente e aperfeiçoe constantemente seu
sistema de gestão ambiental, com o objetivo de melhorar seu desempenho
ambiental global.”172
É importante objetivar uma melhoria contínua do sistema de gestão ambiental da
empresa, para que ocorra a melhoria global do desempenho ambiental.
A ISO 14004 possui um Anexo A, meramente informativo, onde há exemplos de
princípios orientadores internacionais sobre o meio ambiente. A norma ainda define
princípios orientadores como “declarações formais com base nas quais uma política ambiental
pode ser definida e que servem de base para ações a serem adotadas.”173 O item A .l do
referido anexo traz a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; e o item
A.2 traz a Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável da Câmara de Comércio
Internacional - CCI.
170 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14004: sistemas de gestão ambiental: diretrizes gerais sobre princípios sistemas e técnicas de apoio. Rio de Janeiro, 1997171 Ibídem.172 Ibídem.173 Ibídem.
104
2.3.3 - ISO 14010 - Diretrizes para auditoria ambiental - Princípios
gerais
As auditorias ambientais começaram a ser conduzidas nos países desenvolvidos
na década de 70. Grandes impactos ambientais motivaram algumas industrias a realizar
inspeções para a identificação de programas de controle de risco e avaliação do potencial de
ocorrência de acidentes. De acordo com Cavalcanti, “exigências de caráter ambiental
evoluem, tanto em termos de complexidade quanto de abrangência, e os instrumentos para
assegurar conformidade com a legislação se tomam mais comuns: em uma pesquisa
conduzida pela Opinion Research Coorporation em Maio de 1979, 68% entre as 150 maiores
indústrias americanas afirmam possuir programas internos de auditoria ambiental.” 174
Destarte, a auditoria busca identificar os problemas ambientais associados a
produtos, processos ou à prestação de serviços antes que estes se tomem objeto de exigências
por parte dos organismos de fiscalização da área ambiental, investidores, banqueiros ou
seguradores, ou seja, a auditoria tem um caráter nitidamente preventivo e constitui um
instrumento fundamental para o aperfeiçoamento do sistema de gestão ambiental das
organizações.
A norma ISO 14010 trata dos princípios gerais relativos ao processo de auditoria
ambiental. No entanto, antes de analisar-se o conteúdo da referida norma, entende-se que seja
oportuno verificar alguns aspectos atinentes à auditoria ambiental. Assim, a seguir, a análise
dos tópicos, “definição e características” e “tipos de auditoria” será feita, antes do estudo
principal que é o da norma ISO 14010.
2.3.3.1 - Conceito e características
A ISO 14010 define auditoria ambiental, em seu item 2.9, como um “processo
sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de forma objetiva,
evidências de auditoria para determinar se as atividades, eventos, sistemas de gestão e
condições ambientais especificados ou as informações relacionadas a estes estão em
conformidade com os critérios de auditoria, e para comunicar os resultados deste processo ao
cliente.”
105
A auditoria ambiental é uma investigação documentada, independente e
sistemática, de fatos, procedimentos, documentos e registros relacionados com o meio
ambiente. Ela pode ser usada para atender a objetivos da própria empresa ou de clientes,
governo, investidores, seguradoras, bancos etc., o que definirá seu escopo, critérios de
aplicação e resultados. Os procedimentos seguidos em sua aplicação são semelhantes. O
objetivo da auditoria ambiental define sua classificação.
23.3.2 - Tipos de auditoria
Os tipos de auditoria estão diretamente relacionados com o propósito da auditoria.
Dessa forma, uma auditoria a ser realizada por solicitação de uma empresa de seguros, será
caracterizada como uma “auditoria de riscos de seguro”; quando se trata de verificar a higiene
de instalações, por exemplo, deve-se fazer uma “auditoria de higiene e segurança” para
avaliação de aspectos relativos à higiene (saúde) e segurança.
De acordo com Almeida, usualmente, os tipos mais aplicados são: “auditoria de
conformidade legal usada para identificar a conformidade da unidade auditada com a
legislação e os regulamentos aplicáveis. Auditoria de sistema de gestão ambiental - avalia a
conformidade do SGA da empresa com requisitos específicos, por exemplo, com os princípios
dá ISO 14001.”175
As auditorias ainda podem ser classificadas como de (i) Primeira parte; (ii) de
Segunda Parte; e (iii) de Terceira Parte. Com relação a essa classificação, Silva esclarece:
“Auditorias ambientais de Primeira Parte são realizadas pela própria organização para determinar se o sistema e os procedimentos estão possibilitando e melhorando progressivamente o desempenho ambiental da organização de acordo com os seus objetivos. Auditorias de Segunda Parte são auditorias nos fornecedores em potenciais ou nos prestadores de serviço, tem como objetivo exercer pressão para melhorar o desempenho ambiental não só dos produtos e serviços como também a forma como o fornecedor gerencia as suas operações. Auditorias de Terceira Parte são normalmente remuneradas como um serviço e executadas por uma organização que seja independente da auditada, como uma empresa de consultoria ou
174 Cavalcanti, C. op. cit., p. 4175 Almeida, J., op. cit., p. 110
106
um auditor especialista. É o caso das certificadoras para o Sistema de Gestão Ambiental ISO 14000.”176
Vale acrescentar que, a certificação de conformidade do sistema de gestão
ambiental por organismos de terceira parte toma-se cada vez mais necessário como
diferencial de competitividade. A auditoria realizada por um organismo independente, sem
vínculos com a empresa auditada está sendo cada vez mais valorizada. Cabe, ainda, destacar
que, neste tipo de auditoria, o auditor examina, basicamente, se (i) os documentos cumprem
as exigências da norma de certificação; (ii) se as operações são executadas conforme a
documentação; (iii) se os registros estão em conformidade com os documentos.
Finalmente, a auditoria ambiental possui a função de verificar e,
conseqüentemente, ajudar a aprimorar o desempenho ambiental. A ISO 14010 fornece
diretrizes para orientar as empresas, auditores e seus clientes acerca dos princípios gerais
comuns à execução de auditorias ambientais. Esta norma é aplicável a qualquer tipo de
auditoria ambiental. Os princípios contidos na referida norma serão apresentados na seqüência
deste trabalho.
2.3.33 - Princípios gerais
a) Objetivos e Escopo: A auditoria deve ser baseada em objetivos definidos pelo
cliente. O escopo é determinado pelo auditor-líder mediante consulta ao
cliente. Dessa forma, é o escopo que vai “delimitar” a auditoria.
b) Objetividade, Independência e Competência: Objetividade do processo de
auditoria. Membros da equipe: independentes das atividades por eles
auditadas. Devem ainda agir com objetividade e liberdade de preceitos durante
o processo. “É recomendado que os membros da equipe de auditoria possuam
uma combinação apropriada de conhecimentos, habilidades e experiência
condizentes com as responsabilidades da auditoria.”177
c) Profissionalismo: relativo aos auditores. Isso além da eficiência, habilidade e
julgamento.
176 SELVA, Márcia Maria Pinheiro da. Curso sobre Normas Ambientais ISO 14000. OAB/CE Comissão do Meio Ambiente. Disponível em <www.daterranet.com.br/~pinheiro/isol4000.htm>. Acesso em: 17 fev. 2001177ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14010: Diretrizes para auditoria ambiental: princípios gerais. Rio de Janeiro, 1997
107
d) Procedimentos Sistemáticos: De acordo com as diretrizes estabelecidas na
norma ISO 14011.
e) Critérios, Evidências e Constatações de Auditoria: Estabelece os critérios
como etapa preliminar. Critérios devem ser bem detalhados, objeto de acordo
entre auditor-líder e cliente, havendo comunicação posterior ao (s) aditado (s).
f) Confiabilidade das Constatações e Conclusões de Auditoria: todas as
auditorias ambientais contêm um elemento de incerteza. As evidências, dados
coletados são apenas uma amostra das informações disponíveis, pois a
auditoria é realizada num período de tempo limitado e com recursos também
limitados.
g) Relatório de Auditoria: Envia-se ao cliente um relatório escrito. É
recomendável que o auditado também receba um exemplar.
2.3.4 - ISO 14011 - Diretrizes para auditoria ambiental -
Procedimentos de auditoria - Auditoria de sistemas de gestão
ambiental
A organização deve demonstrar sua responsabilidade ambiental. Esta norma
apresenta-se como mais um instrumento para auxiliar a empresa em suas políticas, seus
objetivos e demais requisitos ambientais. A ISO 14011 possui o escopo de conduzir as
auditorias do sistema de gestão ambiental; e é aplicável a todos os tipos de portes de
organizações que implementem um sistema de gestão ambiental. Assim, “esta norma
estabelece procedimentos que permitem planejar e executar uma auditoria de um SGA, a fim
de terminar sua conformidade com os critérios de auditoria de SGA.”178
Sobre auditoria do sistema de gestão ambiental, o item 3.2. da norma estabelece
que o “processo sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de
forma objetiva, evidências de auditoria para determinar se o sistema de gestão ambiental de
m ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14011: diretrizes para auditoriaambiental: procedimentos de auditoria: auditoria de sistemas de gestão ambiental,. Rio de Janeiro, 1997
108
uma organização está em conformidade com os critérios de auditoria do sistema de gestão
ambiental e para comunicar os resultados desse processo ao cliente.”179
De acordo com o item 3.3., os critérios de auditoria do sistema de gestão
ambiental são “políticas, procedimentos ou requisitos, tais como os definidos na NBR ISO
14001 e, se aplicável, quaisquer requisitos adicionais do SGA, em relação aos quais o auditor
compara as evidências da auditoria, coletadas sobre o sistema de gestão ambiental da
organização.”180
Os objetivos da auditoria estão especificados no item 4.1, e são os seguintes: a)
determinar a conformidade do SGA do auditado em relação aos critérios de auditoria de SGA;
b) determinar se o SGA do auditado vem sendo adequadamente implementado e mantido; c)
identificar áreas de potencial melhoria no SGA do auditado; d) avaliar a capacidade do
processo interno da análise crítica pela administração, para assegurar a contínua adequação e
eficácia do SGA; e) avaliar o SGA de uma organização quando existir o desejo de estabelecer
uma relação contratual, como, por exemplo, com um potencial fornecedor ou um parceiro em
uma “joint venture” Além disso, nesta norma estão estabelecidas as responsabilidades no que
tange à auditoria no SGA. O escopo da auditoria está estabelecido no item 5.1.1. da norma
ISO 14011:
“O escopo descreve a extensão e os limites da auditoria em termos defatores tais como a localização física e as atividades da organização,bem como a forma como se inter-relacionam. O escopo da auditoria édeterminado pelo cliente e pelo auditor-líder. É recomendado que oauditado normalmente seja consultado quanto à determinação doescopo da auditoria. Qualquer modificação subseqüente no escopo da1 81auditoria requer um acordo entre o cliente e o auditor-líder.”
A norma estabelece todos os procedimentos a serem seguidos, desde o início até o
encerramento da auditoria.
179 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14011: diretrizes para auditoria ambiental: procedimentos de auditoria: auditoria de sistemas de gestão ambiental,. Rio de Janeiro, 1997180 Ibídem.181 Ibídem.
109
2.3.5 - ISO 14012 - Diretrizes para auditoria ambiental - Critérios
de qualificação para auditores ambientais
Esta norma foi elaborada para dar suporte à aplicação de sistemas de gestão e de
auditoria ambiental. O item 1 da norma prescreve o seguinte:
“Esta norma estabelece diretrizes relativas aos critérios de qualificação para auditores e auditores-líderes ambientais, sendo aplicável tanto a auditores internos quanto a externos. Os critérios para seleção e composição de equipes de auditoria não são incluídos. Estes assuntos são tratados na (NBR ISO 14011).
Nota - Esta norma foi elaborada paralelamente ao desenvolvimento das Normas Internacionais sobre princípios gerais de auditoria ambiental (NBR ISO 14010) e especificamente sobre diretrizes para auditoria de sistemas de gestão ambiental (NBR ISO 14011). É possível que uma revisão seja necessária, se e quando a ISO desenvolver diretrizes detalhadas sobre outros tipos de auditorias ambientais.”182
A norma faz referência à educação e experiência profissionais relativas aos
auditores, recomendando que os mesmos tenham, pelo menos, educação secundária completa,
e que tenham experiência profissional apropriada, ou seja, na área de especialidade do meio
ambiente, como, por exemplo, no ramo de tecnologias ambientais, sistemas de gestão, etc.
A ISO 14012 ainda trata do treinamento de auditores; atributos e habilidades
pessoais, bem como outras características necessárias à pessoa do auditor como, por exemplo,
o profissionalismo. Também faz parte do texto normativo um Anexo A, informativo que
cuida da “avaliação das qualificações de auditores ambientais”; e um Anexo B, também de
caráter informativo, que versa a respeito do “organismo de certificação de auditor ambiental.”.
No próximo item, verificar-se-á a relação que a ISO tem com o Brasil, o
organismo encarregado de representar o país na organização, as entidades envolvidas,
algumas empresas que estão participando ou acompanhando o processo de normalização no
âmbito da ISO, entre outros.
182 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14012: D iretrizes para auditoriaam biental - Critérios de qualificação para auditores ambientais, Rio de Janeiro, 1997
110
2.4 - ISO - Brasil
No Brasil, as questões relativas ao meio ambiente são vistas de forma secundária
se contrapostas a temas econômicos. Aqui, não há seriedade na implementação de políticas
ambientais: não há uma tradição de educação ambiental; não existe “vontade política” para
uma solução dos problemas ambientais; enfim, este país continua sendo um “bom lugar” para
a instalação de multinacionais poluidoras, empresas estas cujos países de origem possuem um
controle ambiental rigoroso, e não toleram os impactos ambientais produzidos pelas mesmas.
Para ilustrar esse assunto, Caubet cita o seguinte exemplo, com relação ao Brasil:
“Para definir a localização dessas novas indústrias [automobilísticas], houve intensas negociações e verdadeiros leilões interestaduais de ofertas de benefícios às montadoras. No caso da instalação da GM na região de Porto Alegre, um dos raros em que houve algumas dissonâncias no coro dos laudatários do empreendimento, o Estado do Rio Grande do Sul ofereceu à empresa as seguintes vantagens: financiamento de todo o ICMS [...] para a aquisição de máquinas e equipamentos importados, mesmo com similar nacional; compensação de qualquer alteração na legislação tributária estadual ou federal; instalação de uma ligação de gás natural até o complexo automotivo; garantia de fornecimento preferencial de energia elétrica e telefonia por fibra óptica; instalação de linhas de efluentes sanitários e industriais, tratamento dos efluentes de resíduos sólidos; construção de um terminal fluvial completo de uso preferencial da GM na Grande Porto Alegre; [etc...].” 18
Alguns autores atentam para o fato de que problemas ambientais brasileiros estão1 84.relacionados com a pobreza. Nesse sentido, Almeida argumenta que “o meio ambiente, é,
assim, virtualmente saqueado em função das necessidades básicas dos mais carentes. Esse
processo pode adquirir proporções gigantescas quando começam a produzir-se grandes
concentrações de populações marginais, decorrentes da migração campo-cidade, do
desemprego, dos desastres, naturais (seca, inundações, terremotos).”185
Este pode ser considerado um fator relacionado com a degradação ambiental, no
entanto, é praticamente irrelevante se comparado à devastação causada por culturas agrícolas
destinadas à exportação; ou ainda, se comparado com a poluição causada direta e
183 Caubet, op. cit., p. 228-29184 Cf. ALMEIDA, Josimar Ribeiro de et al. Gestão Ambiental, planejamento, avaliação, implantação, operação e verificação; MUNOZ, Heraldo. A nova Política Internacional; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: <www.wto.org>185 Almeida, J. op. cit. p 188
111
indiretamente pelas grandes empresas, que durante muito tempo degradaram o ambiente, em
face principalmente da ausência de uma política ambiental mais rígida, e de uma efetiva
fiscalização do poder público. Além disso, a alegação de que a pobreza é um fator relevante
na degradação do meio ambiente é, sobretudo, um estereótipo sem fundamento científico. O
maior poluidor não é a miséria. O maior poluidor é o luxo, a riqueza ou o simples “conforto”.
Destarte, para a classe empresarial, principalmente aquela dirigida a mercados
exteriores, a preocupação que mais pesa quando se trata de preservação ambiental, é o risco
de perda de mercados externos. Dessa forma, é em função do “mercado” que as empresas aqui
instaladas estão implementando sistemas de gestão ambiental e obtendo certificações que lhes
permitem ter acesso a uma fatia no mercado. Esse fato por si só é um paradoxo, já que a
prática do comércio internacional em sua configuração atual, é insustentável para o meio
ambiente. Este assunto será tratado no Capítulo 3 deste trabalho.
Com vistas à permanência ou à inserção no comércio em nível global, algumas
empresas brasileiras tomaram iniciativa para atenderem às exigências da comunidade
internacional dos países desenvolvidos. Dessa forma, o Brasil tomou-se membro fundador da
ISO, e é representado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, Fórum
Nacional de Normalização. Cabe acrescentar que a ABNT possui direito de voto nas reuniões
da ISO. Em 1995 foi criado um Grupo de Apoio à Normalização Ambiental - GANA, no
âmbito da ABNT. Este grupo, que possui a finalidade de acompanhar e interceder junto aos
trabalhos desenvolvidos pela ISO, será analisado no próximo item.
2.4.1 - Grupo de Apoio à Normalização Ambiental - GANA
O Grupo de Apoio à Normalização Ambiental - GANA foi criado em 1995, por
um grupo de empresas, como a Riocell, entidades governamentais, etc. De acordo com Soares,
participam do GANA: “[...] empresas (Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás, Fumas,
Albrás, Cosipa, Usiminas etc.), entidades empresariais, (Abiquim, Instituto Brasileiro de
Siderurgia), entidades governamentais (Inmetro, Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São
Paulo) e a Coppe/UFRJ. Este grupo, juntamente com a ABNT, tem analisado os documentos
de formulação das normas e enviado representantes para as reuniões do TC 207.” 186
186 Soares, M., op. cit., p. 5
112
Cabe informar que a Companhia Vale do Rio Doce exerce a presidência do
GANA. Esta empresa foi a responsável pela estruturação e formação do grupo. Além disso, o
Ministério do Meio Ambiente tem promovido reuniões com os ministérios envolvidos e
apoiou a realização da reunião internacional da ISO no Rio de Janeiro, onde foram aprovadas
as cinco primeiras normas ISO 14.001 e 14.004 (sobre sistemas de gestão ambiental) e ISO
14.010, 14.011 e 14.012 (sobre auditorias ambientais).
A participação brasileira na ISO dá-se em nível de subcomitê. O GANA, é o
principal articulador da série ISO no Brasil. Os objetivos do GANA são os seguintes: 187 (i)
acompanhar as discussões no âmbito do TC-207 da ISO; (ii) avaliar o impacto das
proposições sobre a competitividade nacional. Essa avaliação deverá contemplar as
discrepâncias ou divergências em relação à legislação brasileira e às convenções
internacionais firmadas pelo Brasil, em especial as que regulam as relações comerciais
(GATT/OMC) e as questões ambientais de interesse geral (Clima, Biodiversidade, Poluição
Marítima, etc.); (iii) propor alternativas que atendam aos interesses nacionais. Cada norma
avaliada e julgada impactante aos interesses nacionais deverá ser alvo de proposição
alternativa, tecnicamente embasada, de forma a permitir a apresentação aos subcomitês do
TC-207. O rito processual da ISO deverá ser rigorosamente observado, o que determina o
atendimento a normas e prazos preestabelecidos.
O GANA trabalha na defesa dos interesses dos empresários brasileiros,
procurando evitar “tendenciosidades” ou privilégios dos interesses dos países desenvolvidos.
De acordo com Cavalcanti, “tais circunstâncias agravariam a situação dos países do terceiro
Mundo, se forem consideradas as diferenças representadas pelo consumo de matéria-prima e
energia dos países desenvolvidos, que representa 80 % do consumo mundial, ao lado da
necessidade premente que o Terceiro Mundo tem de resolver seus graves problemas
socioeconômicos, o que certamente demandará significativo aumento no consumo de
recursos.”188
Cabe ainda mencionar o desequilíbrio de forças existente entre países
desenvolvidos e países em desenvolvimento no âmbito da ISO. Aqueles possuem grande
influência no processo de elaboração das normas da série ISO, átravés, principalmente, da
coordenação de todos os subcomitês do TC-270. Essa forte representação obviamente reflete
187 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental: O Brasil e a futura série ISO 14000, Rio de Janeiro, 1994. p. 14188 Cavalcanti, R. op. cit., p. 217
113
no resultado dos trabalhos, trazendo um questionamento do caráter democrático do processo
de padronização.
2.4.2 - Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT
A ABNT é uma entidade civil sem fins lucrativos, fundada em 28 de setembro de
1940, e considerada de utilidade pública pela Lei 4.150/62. “Seu objetivo é a elaboração de
normas técnicas e atividades afins em âmbito nacional. Visando a facilitar as trocas de bens e
serviços e promover o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da indústria e do comércio
no país.”189
A ABNT integra o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial - SINMETRO (Lei n° 5966/73), e é reconhecida como Fórum Nacional de
Normalização, através das Resoluções n° 6 e 7 - CONMETRO, de 24 de agosto de 1992. É o
único Fórum de normalização do País. O Conteúdo das normas brasileiras é de
responsabilidade dos Comitês Brasileiros - CBs e dos Organismos de Normalização Setorial -
ONS. Tais normas são elaboradas por comissões de estudo formadas por representantes dos
setores interessados, como: produtores, consumidores, universidades, entre outros.
Na opinião de Barbosa, é importante que o Brasil acelere o processo de
desenvolvimento de seus sistemas de certificação ambiental. Segundo este autor, “o trabalho
desenvolvido pela ABNT, por exemplo, representa investimento importante para assegurar a
posição de nossas empresas num ambiente de comércio internacional marcado por competição
cada vez mais acirrada.”190
Do ponto de vista internacional, a ABNT representa o Brasil em diversas
organizações internacionais e regionais de normalização, dentre as quais a ISO. Cabe
acrescentar que a ABNT está habilitada a certificar produtos e sistemas, esta instituição ainda
foi fundadora da ISO em 1947, é considerada membro permanente (membro total) e, por isso,
possui direito de voto no fórum internacional de normalização.
189 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental: O Brasil e a futura série ISO 14000, Rio de Janeiro, 1994. p. 13190 BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, globalização e meio ambiente. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente/CIEL - US Center for Internacional Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente: direito, economia e política, 1996. p. 146
114
2.4.3 - Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial - SINMETRO
O SINMETRO é um sistema de normalização federal. O órgão executor desse
sistema é o Conselho Nacional de Normalização e Qualidade Industrial - CONMETRO, que,
por seu turno, é responsável pelo estabelecimento das políticas e diretrizes, a serem seguidas
nessas áreas. O CONMETRO é formado por representantes de vários Ministérios, como por
exemplo da Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Relações Exteriores, etc.
Esse órgão executor atua através de seis comitês, entre os quais os de
normalização, certificação e metrologia. Esses comitês são abertos a instituições não
governamentais, que podem opinar das questões discutidas nas reuniões. Existe, ainda, o
Comitê Brasileiro de Certificação - CBC, que contém o Comitê de Certificação Ambiental,
que, por sua vez, possui a finalidade de estabelecer os critérios de conformidade para a área
do meio ambiente. Esse comitê é formado por trinta e duas entidades, incluindo entidades não
governamentais.
2.4.4 - O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial - 1NMETRO
O INMETRO, é um órgão que tem a finalidade de fornecer a estrutura para o
credenciamento de organismos de certificação de sistemas de gestão ambiental, de
organismos de certificação ambiental de produtos e de auditores ambientais, garantindo, dessa
forma, a conformidade com as referências internacionais de padronização. Cabe esclarecer
que os organismos de certificação “são organismos, também sem fins lucrativos (exigência
legal) que, segundo os critérios do INMETRO e as normas (da ABNT, ou normas vindas do
exterior como a BS 7750 e ISO 14.001) realizam as auditorias nas empresas e, verificando a
conformidade com as normas, emitem um ‘Certificado’.” 191
De acordo com Moura, o INMETRO é “[...] um órgão de respeitada atuação que
atua sobretudo realizando a habilitação dos organismos certificadores, estabelecendo critérios
191 Moura, op. cit., p. 193
115
e verificando o desempenho daqueles organismos para decidir sobre a manutenção do seu
credenciamento.”
Dentro dessa estrutura criada para o credenciamento de órgãos de certificação, foi
criada a Comissão de Certificação Ambiental - CCA, comissão esta coordenada pelo
INMETRO. Este órgão recomenda ao CBC os procedimentos, critérios e regulamentos que
serão utilizados no credenciamento de organismos de certificação nas áreas de: gestão
ambiental, certificação de auditores ambientais, cursos para auditores ambientais.
A CCA é composta por representantes de instituições com atuação relevante na
área ambiental brasileira, tais como ABNT, FURNAS, INMETRO, Companhia de Tecnologia
de Saneamento Ambiental - CETESB, etc. Atualmente ela conta com três grupos de trabalhos:
“grupo A”, que trata dos critérios para credenciamento de organismos de certificação
ambiental; “grupo B”, que responde sobre a qualificação e certificação de auditores
ambientais e credenciamento de organismos de treinamento de auditores ambientais; e “grupo
C”, responsável pela certificação de produtos.
No Capítulo 4 deste trabalho estudar-se-á o papel da ISO 14000 no comércio
internacional, ou seja, procurar-se-á saber se esta certificação apresenta-se como uma forma
viável e autêntica de gerenciamento ambiental, ou se ela mais se aproxima de um instrumento
de política protecionista dos países desenvolvidos.
No entanto, antes é necessário discutir os aspectos mais importantes de dois
fenômenos aparentemente contraditórios, mas que convivem no cenário do comércio
internacional, e que, ainda, dará suporte para melhor entender o último Capítulo. Está-se
falando da liberalização comercial e do protecionismo econômico, assunto que será objeto do
próximo Capítulo.
192 Idem.
CAPÍTULO 3 - A LIBERALIZAÇÃO DO COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Antes de a teoria liberal ser adotada em praticamente todo o mundo, o modelo
econômico vigente era o mercantilista. Conforme o mercantilismo, um país que, em condições
desfavoráveis para a produção, ou seja, que não possuísse um bem em abundância apto a ser
comercializado, ou que importasse mais e exportasse menos, apresentaria um déficit em sua
balança comercial, trazendo prejuízos econômicos. Neste caso, a solução era aplicar tarifas
protecionistas e, eventualmente, proibições de importação de determinados produtos. Nesse
modelo, as exportações eram bem vistas pois estimulavam a indústria nacional e
proporcionavam a acumulação de divisas que serviria para a aquisição de metais preciosos. Já
as importações eram um peso, pois acarretavam uma diminuição da demanda de produtos da
indústria doméstica, além de causarem a diminuição da quantidade de metais preciosos de
uma nação.
O liberalismo econômico, modelo econômico que sucedeu o mercantilismo,
surgiu no século XVIII e XIX, baseado nos argumentos da teoria dos autores clássicos Adam
Smith, idealizador da teoria da vantagem absoluta, e David Ricardo, mentor da teoria da
vantagem comparativa.193 Estas teorias serão objeto de análise do próximo item.
a) Teorias Clássicas do Liberalismo Econômico
Com relação à teoria das vantagens absolutas, Adam Smith apresentou uma
hipótese para explicar como o comércio poderia ser benéfico para todos os que participassem
dele. Nestes termos, se um país pudesse produzir artigos de vestuário, por exemplo, melhor
que outro país e se, por outro lado, um outro país produzisse soja, melhor que o país produtor
de vestuário. Isso levaria os dois países a concentrarem sua produção no bem que melhor
produzem, ou seja, que possuem vantagem absoluta. Dessa forma, esses países ao exportarem
seus produtos para seu parceiro comercial, promoveriam o aumento do consumo entre ambos.
Aqui, existe o pressuposto de que o principal objetivo do comércio é o aumento do consumo.
193 Cf. JOHANNPETER, Guilherme. Antidumping: prática desleal no comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.
117
Já a teoria das vantagens comparativas funciona nos seguintes termos: para um
determinado país é vantajoso exportar menos e importar mais um produto, que ele não dispõe
de condições favoráveis de produção no âmbito interno. Mais ainda: mesmo para países com
boas condições de produção, pode ser mais vantajoso determinar a importação de tais
produtos de países que tenham condições comparativamente mais favoráveis de produção.
Neste caso, Johannpeter traz o seguinte exemplo: “[...] um diretor de uma fábrica, mesmo
sendo o melhor digitador de seu Estado, pois ganhara uma competição, contrata uma
secretária para digitar suas cartas, porque julga mais produtiva sua dedicação aoi x • *»194gerenciamento do negocio.
Dessa forma, como se produziria tudo a menores custos, todos ganhariam com
isso. De acordo com essa teoria, os Estados deveriam intercambiar produtos que dispusessem
em abundância, ou em que fossem especializados. A “mão invisível” das forças de mercado
orientaria cada membro da sociedade e cada nação, usando a potência do interesse próprio,
individual. As condições de produção tomam-se relativas em função da comparação das
condições de produção apresentada por outros países. Essa teoria ainda prega a não
intervenção dos governos na economia, pois a divisão internacional da produção no comércio
internacional dar-se-ia naturalmente, e todos os países ocupariam os seus respectivos espaços
na economia mundial. Assim, o mercado se auto-regularia e a prosperidade para todos seria
inevitável. Paulo Roberto de Almeida acrescenta que “os clássicos, entretanto, assim como
diversos economistas contemporâneos (como Mill, Marshall, Viner, Haberler), não deixaram
de sublinhar os efeitos positivos do comércio exterior para fins de crescimento econômico:
ampliação dos mercados, melhoria dos processos produtivos - via economias de escala e
disseminação de novas tecnologias - e redução dos monopólios domésticos.” 195
Contudo, a pretensa ‘auto-regulamentação’ do mercado capitalista não ocorre na
realidade. A teoria do liberalismo econômico trabalha num processo sob condições de perfeita
concorrência e de total informação, desprezando a presença de monopólios, oligopólios,
cartéis, acordos cuja finalidade é a prática de dumping, etc. Cabe esclarecer que estas duas
últimas práticas são consideradas práticas desleais no comércio internacionais, no entanto,
existem e não podem ser ignoradas.
b) Uma nova Teoria para Explicar as Relações Comerciais Internacionais?
194 Idem, p. 23195 ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. (Coleção Direito e Comércio Internacional), p. 189-190
118
Vários estudiosos defendem que, atualmente, a teoria da vantagem comparativa de
Ricardo não explica as relações internacionais comerciais. Esta, seria hoje destruída pela
capacidade de circulação de capital, visto que muitas economias exercem um controle do
capital sem regulamentações, principalmente em nível internacional. De acordo com Lang:
“Hoje em dia, o capital português fluiria primeiro para a indústria vinícola, aumentando a sua produção, o que levaria à queda dos preços. Então, o capital circularia para a indústria têxtil, onde Portugal tem igualmente uma vantagem comparativa. Como conseqüência, registrar-se-ia uma tal baixa de preços nos tecidos portugueses que os de Inglaterra acabariam por ser forçados a ser retirados do mercado devido às importações mais baratas provenientes de Portugal. O capital inglês circularia de igual forma para Portugal, juntando-se ao capital português, o que tomaria ainda mais inevitável que tanto o vinho como os tecidos fossem produzidos em Portugal.” 19
A livre circulação de capital e de bens, e não apenas de bens, como ocorria na
época dos teóricos liberais clássicos, significa que o investimento é agora governado por uma
rentabilidade absoluta e não pela vantagem comparativa entre países. Eles imaginavam que o
capital permaneceria no seu local de origem, e ainda acreditavam que é do interesse pessoal
do capitalista investir no seu país, o que não acontece nos dias de hoje onde investimentos
estrangeiros são muito comuns. Dessa forma, quando o capital é investido num país em busca
de maior lucro ou de uma “rentabilidade absoluta”, o país de origem do capital perde o
capital, além dos postos de trabalho que o mesmo poderia gerar.
Fatores como capital e trabalho tomaram-se bens ou serviços comercializáveis, o
que na época do liberalismo clássico era uma dotação fixa de determinada região. Thorstensen
atenta para o fato de que hoje há uma nova teoria do comércio internacional. Assim, com
relação a esses dois fatores atualmente comercializáveis (capital e trabalho), a autora diz que:
“A chamada nova teoria do comércio internacional procura dar conta desses fatores, desenvolvendo explicações dos padrões de comércio e da competitividade a partir do exame das interações estratégicas das empresas e de governos. Nesses modelos, o comércio e os investimentos internacionais ocorrem em mercados imperfeitamente competitivos - oligopólios ou competição monopolística - em que fatores como barreiras à entrada, diferenciação de produtos, economias de escala, learning-by-doing e progresso tecnológico têm papel importante.”197
196 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 46197 Thorstensen, op. cit., p. 24
119
Além desse aspecto importante da inserção de novos fatores comercializáveis no
comércio internacional, ainda como argumento de que os padrões de especialização comercial
não são necessariamente derivados das vantagens comparativas naturais (ou pelo menos da
“dotação global de recursos” de um determinado país), Almeida fala sobre a existência de
outros fatores que influenciam consideravelmente no comércio internacional, fatores estes
considerados pelo autor “arbitrários”, são eles: “[...] eventos históricos, efeito eventual de
processos cumulativos, mudanças tecnológicas e, porque não? Choques econômicos
temporários.”198
Mesmo com várias críticas dirigidas à teoria liberal, alguns autores apontam
algumas alternativas com fins de “complementação” da mesma, para que sejam confirmadas
as vantagens da promoção do livre comércio. Entre essas “complementações” está a
constituição de uma economia de escala, e uma produção desenvolvida com base na
diferenciação dos produtos. Alega-se que este tipo de comércio satisfaria o gosto pela
diversidade, bem como aumentaria a renda real do produtor.
Sobre esse assunto, Thorstensen acrescenta que evidências mostravam que “a
teoria tradicional das vantagens comparativas precisava ser complementada por outras
hipóteses, como economias de escala, economia de escopo, fatores do lado da demanda como
diferenciação de produto, tecnologia e domínio de mercado, devido à competição imperfeita e
política governamental.”199
c) Os Fatores Naturais de Produção
Quanto à diferença dos fatores naturais de produção, estes não são garantia de
prosperidade de um país, isso dentro do atual sistema econômico mundial. Hoje, as
conjunturas econômicas mundiais alteram-se constantemente. O efeito da aplicação da teoria
desenvolvida pelos liberais clássicos foi um grande distanciamento entre os países designados
de “centro” com relação àqueles chamados “periféricos”. Isso pelo fato de que a atividade
industrial tende a concentrar grande parte do capital excedente em poucas mãos, produzindo o
que foi nomeado por Marx como “mais valia”. Esse processo ainda determinou a divisão
internacional do trabalho, o que traria grandes conseqüências negativas para os países hoje
“em desenvolvimento”.
198ALMEIDA, P., op. cit., p. 197199 Thorstensen, op. cit., p. 24
120
A desvantagens com relação aos produtos trocados internacionalmente é inegável.
Os países em desenvolvimento, tradicionais fornecedores de bens primários, ficam defasados
ao participarem do sistema do comércio internacional, adquirindo bens mais caros, pois estes
possuem valor agregado gerado pelo desenvolvimento tecnológico existente nos países
desenvolvidos. Com relação a esse assunto, cabe registrar a opinião de Williamson que afirma
o seguinte:
“[...], o nível de renda está menos associado ainda ao fato de os países serem ou não exportadores líquidos de produtos primários em vez de manufaturados do que costumava estar: e isto não só porque alguns (se bem que nem todos) dos exportadores de petróleo sejam ricos, mas também porque alguns dos países desenvolvidos mais ricos (como a Austrália e a Nova Zelândia) continuam sendo exportadores de produtos primários, ao passo que os NICs são hoje predominantemente exportadores de manufaturados. O que continua sendo verdade é que quase todos os países desesperadamente pobres ainda são quase que inteiramente exportadores de produtos primários que não o petróleo, embora, mesmo entre eles, o Egito, a índia e a Indonésia sejam importantes exceções.” 200
Neste caso, o autor supracitado refere-se a algumas exceções, extremamente
escassas, onde a regra é que exportadores de produtos primários, ou seja, países menos
industrializados estão em desvantagem, em termos de trocas comerciais, no âmbito do
comércio internacional. Ainda que tais produtos sejam de suma importância para os países
desenvolvidos.
d) O Atual Programa de Liberalização do Comércio e as Desigualdades
Inerentes ao Sistema
O programa de liberalização do comércio possui como um dos principais
fundamentos a eliminação de tarifas alfandegárias. Este processo é promovido principalmente901pela OMC, organismo multilateral que promove a liberalização comercial. Contudo, esse
processo traz muitas conseqüências, entre elas a redução das receitas dos Estados nacionais,
repercutindo num déficit orçamentário, num desequilíbrio fiscal além de impedirem as
autoridades de “racionar” seletivamente (por meio de tarifas e cotas) o uso das escassas
divisas estrangeiras. Com relação a esse assunto, Chossudovsky assinala o seguinte:
200 WILLIAMSON, John. A economia aberta e a economia mundial: um texto de economia internacional. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 13201 Aqui, cabe lembrar que a redução tarifária é também praticada pelos blocos econômicos regionais, como, por exemplo, pelo Mercosul, União Européia, etc.
121
“Enquanto a eliminação de cotas e a redução de barreiras tarifárias de proteção destinam-se a ‘tornar a indústria nacional mais competitiva’, a liberalização do comércio leva invariavelmente ao colapso a manufatura doméstica (voltada ao mercado interno). As medidas também alimentam o influxo de bens de luxo, enquanto a carga tributária dos grupos de renda mais alta é reduzida, em conseqüência da redução do imposto de importação sobre automóveis e bens de consumo duráveis. Os bens de consumo importados não se limitam a tomar o lugar da produção doméstica: esse frenesi consumista sustentado com dinheiro emprestado (através dos vários empréstimos de rápido desembolso) contribui, em última análise, para avolumar a dívida externa.”202
Além desses problemas, e até em conseqüência dos mesmos, o atual sistema de
liberalização comercial dificulta a prática de um processo de desenvolvimento nacional,
endógeno, que atenda aos interesses da nação e não apenas aos interesses daqueles que ditam
o processo a ser seguido pelos países periféricos. Ainda sobre esse sistema criado no século
XVIII pelos ingleses, e intensificado após a Segunda Guerra Mundial pelos norte-americanos,
o renomado especulador Soros, citado por Chossudovsky, e que reuniu um montante de US$
1,6 bilhões em ganhos especulativos, com o colapso da libra esterlina, em 1992, afirma que
“[...] estender o mecanismo de mercados a todos os domínios é potencialmente destruir a
sociedade.”203
Os Estados competem no comércio internacional de forma desigual não somente
em termos de produtos (com ou sem valor agregado) mas também com relação ao volume de
comércio. Destarte, com relação ao volume de comércio internacional Lang apresenta os
seguintes dados: “os países industrializados detêm 71,5 por cento, as economias em vias de
desenvolvimento 21 por cento, e a China, juntamente com a Ásia de planejamento
centralizado, a Europa Central e de Leste e a URSS, a fasquia enorme de 7 por cento. Três
quartos do comércio e investimento mundiais ocorrem entre países industrializados.”204
Cabe acrescentar que a manipulação dos mercados é um fato que agrava ainda
mais essa desigualdade. Assim, a política mundial ainda é dominada, principalmente, pelo
poder dos Estados Unidos da América, pela União Européia, e pelas grandes empresas
transnacionais. Dessa forma, dentro desse esquema previamente estabelecido, sobra muito
pouco a ser feito para os países em desenvolvimento, recentemente designados como países
202 CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. Tradução Marylene Pinto Michael. São Paulo: Moderna, 1999. p. 54-55203 SOROS apud CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das reformas do FMI e do Banco Mundia/. Tradução Marylene Pinto Michael. São Paulo: Moderna, 1999. p. 54-55
122
“emergentes”. Estes não possuem poder de barganha, ou possuem muito pouco, frente àquelas
potências, e ainda possuem seus produtos desvalorizados (matérias-primas). Daí ser
desvantajoso para estes países competirem internacionalmente em termos de comércio
internacional.
O fato é que a relação de força entre os Estados contemporâneos é equilibrada
entre algumas potências, e muito desigual quanto a todo o cenário internacional. Vive-se em
tempos diferentes daqueles da época da colonização. Dessa forma, não há mais necessidade
dos exércitos dos países do centro invadirem os países periféricos para pilarem seus
territórios, para dizimarem parte de suas populações, ou utilizarem seus recursos naturais para
suprirem as necessidades da metrópole. Hoje os mecanismos são bem diferentes, no entanto,
bem visíveis. Sobre esse aspecto, e comentando sobre o atual e hegemônico modelo
econômico mundial, Chossudovsky afirma o seguinte:
“O controle dos bens produtivos, do trabalho, dos recursos naturais e das instituições, pode ser realizada de modo impessoal a partir da sala da diretoria das corporações: ordens são despachadas de um terminal de computador ou de um telefone celular. Os dados importantes são instantaneamente retransmitidos aos principais mercados financeiros - freqüentemente resultando em rupturas imediatas no funcionamento de economias nacionais. A ‘operação de guerra financeira’ aplica também instrumentos especulativos complexos, incluindo a gama de comércio derivado, transações futuras de câmbio exterior, opções de moeda, fundos de compensação, fundos de índice etc.”205
Os agentes econômicos lançar-se-iam numa disputa por um espaço na ordem
econômica nacional e internacional, e num mundo assolado por tantas desigualdades esta
disputa toma-se quase sempre desumana, e aumenta ainda mais os problemas sociais. De
acordo com Derani, “ao contrário do que previam os liberais clássicos, a perseguição de
interesses individuais não conduz apenas ao aumento dos benefícios públicos - extemalidades
positivas -, mas também, tragicamente, à destruição da base comum de manutenção da vida.
A razão individual transmuda-se no seu efeito final em irracionalidade social. Deseconomias
externas se materializam em descarga para uns e carga para outros.”206
Dentro desse novo mundo, onde o modelo econômico defendido pelos liberais não
apresentou até agora uma solução real para os problemas básicos da humanidade,
principalmente para aqueles relativos ao âmbito social e ecológico, segue-se com instituições
204 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 38205 Chossudovsky, op. cit., p. 290206 Derani, op. cit., p. 108
123
de caráter global que incentivam o desenvolvimento desse processo com incríveis promessas
de desenvolvimento econômico para todos os países e, ainda, a sustentabilidade ecológica.
Por outro lado, apesar de tradicionalmente o comércio internacional ser encarado
como algo realizado entre Estados, a expansão do comércio internacional foi exercida nas
últimas décadas pelas companhias transnacionais. Estas empresas promovem a seleção dos
locais mais vantajosos para desenvolver as suas atividades. As transnacionais, dotadas de um
poder de intervenção global e se beneficiando da mobilidade crescente dos processos de
produção podem facilmente pôr em concorrência dois ou mais Estados ou duas ou mais
regiões dentro do mesmo Estado sobre as condições que decidirão da localização do
investimento por parte da empresa multinacional. Entre partes com poder tão desigual, atores
globais, por um lado, e atores nacionais por outro, a negociação não pode deixar de ser
desigual. Sobre esse assunto, Chossudovsky assinala o seguinte:
“Num sistema que gera superprodução, as corporações internacionais e as sociedades mercantis só podem ‘expandir’ seus mercados solapando ou destruindo concomitantemente a base produtiva doméstica dos países em desenvolvimento, por meio da desorganização e aniquilamento da produção local destinada ao mercado interno. A expansão das exportações desses países baseia-se na diminuição do poder de compra interno. A pobreza é um item introduzido no lado da oferta.”207
Conforme dados do Banco Mundial, “as companhias transnacionais controlam 70
por cento do comércio mundial. Em 1990, as 350 maiores companhias transnacionais a nível
mundial correspondiam a 40 por cento do comércio de mercadorias mundial, o que então
totalizava 3485 bilhões de dólares. Além disso, mais de 40 por cento do comércio908internacional realiza-se no âmbito das companhias transnacionais.”
Esse sistema gera várias conseqüências às empresas nacionais. Estas são levadas à
falência, e as que são estatais são privatizadas ou fechadas. O autor supracitado ainda
comenta:
“O sistema econômico global, portanto, caracteriza-se por duas forças contraditórias: a consolidação de uma economia de mão-de-obra barata global e a procura de novos mercados consumidores. A primeira solapa a segunda. A ampliação de mercados para a corporação global requer a fragmentação e a destruição da economia doméstica. As barreiras para o movimento de dinheiro e mercadorias
207 Chossudovsky, op. cit., p. 12208 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 65
124
são removidas, o crédito é desregulamentado, a terra e os bens do Estado são assumidos pelo capital internacional”209
A ação das grandes empresas dos países desenvolvidos está estruturada em
oligopólios, são líderes quando o assunto é tecnologia, e são os verdadeiros elementos
motores no plano internacional. Furtado afirma que “[...] as relações comerciais entre países
cêntricos e periféricos, mais ainda do que entre países cêntricos, transformaram-se910progressivamente em operações internas das grandes empresas.”
Quanto ao aspecto ambiental, pelo fato de as transnacionais geralmente
instalarem-se onde lhes oferecem condições mais propícias à maior obtenção de lucro, isso
traz conseqüências muito drásticas com relação ao problema da crise ecológica. Com relação
a esse assunto, Lang apresenta o seguinte exemplo a título de ilustração desse fato:
“companhias transnacionais européias produzem e comercializam os pesticidas filipinos há
muito proibidos na Europa; os fabricantes de automóveis e de mobílias deslocam-se ao
México para escaparem aos custos da legislação ambiental dos seus países, enquanto
envenenam os lençóis freáticos e os rios do México; as empresas madeireiras japonesas
desflorestam os países do Pacífico de uma forma que seria inimaginável no Japão.”211
Todavia, é importante ressaltar que as companhias transnacionais estabelecem
uma relação muitas vezes paradoxal com relação às normas ambientais. Isso porque elas nem
sempre optam por se adequarem às normas internacionais mais rígidas, apesar do seu suporte
tecnológico. Muitas vezes elas defendem normas mais exigentes com o propósito de excluir
as pequenas e médias empresas da concorrência externa.
Finalmente, Lang apresenta uma alternativa para limitar o poder das empresas
transnacionais e a sua atuação cada vez mais hegemônica no comércio internacional. Para
estes autores, deveria se promover um exame internacional quanto ao papel e poder daquelas
companhias. Os autores ainda sugerem a fundação de uma “[...] Comissão de Monopólios e
Fusões (ou Anti-Trust) a nível internacional, que acabasse com os cartéis e as companhias
transnacionais e que estabelecesse e executasse uma estrutura que analise as companhias
transnacionais e que proporcione critérios sociais e ambientais para a tomada de decisões em919relação às dimensões das empresas.”
Idem, p. 13210 Furtado, op. cit., p. 43211 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 70212 Idem, p. 246
125
Os governos dos países que acolhem as empresas transnacionais devem
desenvolver mecanismos de controle efetivos das atividades das referidas empresas. Este
controle seria exercido em assuntos relativos a normas de caráter ambiental, social, fiscal, ou
seja, nenhum privilégio deve ser concedido a essas empresas em detrimento das empresas
nacionais.
3.1 - Efeitos da liberalização comercial
Alguns dos efeitos causados pelo processo de liberalização comercial são: a
degradação ambiental, causada pelo aumento do consumo e, por conseqüência, da utilização
dos recursos naturais; a poluição, causada não só pelo setor produtivo orientado para produzir
em larga escala, mas também pelo transporte envolvido nas operações comerciais;
aparecimento de bolsões de desemprego, em face do fechamento de pequenas e médias
empresas e do fator tecnologia que, aos poucos diminui a necessidade de mão-de-obra
humana; e conseqüente aumento das desigualdades entre os agentes do mercado, assim como
no âmbito social de cada Estado nacional. A seguir, tratar-se-á do efeito que possui mais
importância para este trabalho: a degradação do meio ambiente.
3.1.1 - A degradação ambiental
Muitos autores defendem a idéia de compatibilidade da liberalização do comércio,y t -3
com a conservação dos recursos naturais. Esse discurso vem sempre embalado com os
dizeres “desenvolvimento sustentável”. Todavia, hoje esse discurso é totalmente insustentável
e seus defensores baseiam-se em diretrizes que contribuem para a manutenção de um processo
mundial de insustentabilidade ecológica. Sobre esse assunto, Caubet comenta que:
“[...] fenômenos como crescimento econômico contínuo, generalização dos padrões de vida das populações do hemisfério norte e bem-estar socio-ambiental (ou: qualidade de vida de tipo norte-ocidental/G7, para todos os habitantes do planeta) são objetivos incompatíveis entre si, mesmo que a população permaneça estável; o que ainda não é o caso. Contra este tipo de evidência crítica,
213 Cf. por exemplo, ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico; BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente etc.
126
cientificamente comprovada e, portanto insuscetível de refutação, só cabe içar a necessária primazia do comércio à condição de dogma: o comércio é intocável, o resto deve ajustar-se e o conjunto só pode melhorar.” 214
Interessante observar o discurso de algumas instituições internacionais que
defendem um meio ambiente equilibrado e sadio, mas, por outro lado, também defendem
obstinadamente a liberalização comercial, como se esses dois objetivos fossem perfeitamente
compatíveis. O autor supracitado ainda comenta que
“Por ser financeiramente total e economicamente global, o mundo também é ecologicamente letal. O atual estado do meio ambiente, em âmbito planetário, é conseqüência de uma cultura que ignora a raiz dos problemas e que não abre espaço, ou muito pouco, à percepção das inúmeras dimensões da crise. A obsessão do lucro é o parâmetro mais relevante das relações internacionais, quer na paz, quer na guerra. Não é, portanto, de se estranhar muito que os setores da atividade econômica que menos se sujeitam a normas, sejam os das finanças e do comércio.”215
Nesse contexto, com o fim de protelar soluções que efetivamente dê bons
resultados com relação ao atual problema ecológico planetário, propõe-se alguns recursos ou
instrumentos para a administração de tal problema. Porém, sempre com a condição de que o
setor econômico permaneça “intocável”, caracterizando, assim, a subordinação do ecológico
ao econômico, tudo tem que se ajustar a este último, no atual sistema capitalista globalizado.
Dessa forma, há quem considere o progresso tecnológico como a salvação da
humanidade com relação às ameaças apresentadas pelos riscos ambientais. Esse fato é
extremamente intrigante quando visto da seguinte maneira: a lógica que se institui é a de que
se pode ou deve-se sujar, poluir, pilhar, enfim, degradar, para, depois, utilizar os recursos
tecnológicos para promover a “limpeza” do ambiente. Isso seria “aceitável” se não fosse o
fato de que alguns processos de degradação são absolutamente irreversíveis. Contudo, admite-
se que o progresso tecnológico, ou as chamadas tecnologias limpas têm contribuído para a
redução de poluentes emitidos na atmosfera. Essa alternativa pode, no máximo, ser encarada
como um paliativo, mas não como solução eficaz para o problema ecológico.
O livre comércio entre os países não é compatível com a sustentabilidade
ecológica. Com ele ocorre o aumento da degradação, em virtude do intenso aumento do
volume de transporte; congestionamentos das rodovias; o uso excessivo dos recursos naturais;
214 Caubet, op. cit., p. 225215 Idem, p. 238
127
contribuindo, assim, para alterar as condições ideais de vida no Planeta. Nesse sentido, Lang
ilustra essa idéia afirmando que “o Concorde supersônico pode ter umas linhas atrativas, mas
é barulhento, poluente e o último grito em esquemas de transporte de minorias, quando os
esquemas locais de transporte das massas são uma necessidade muito mais urgente para
bilhões de pessoas.”216
A despeito de todas as evidências, os partidários do livre comércio põem em
dúvida a afirmação de que liberalização comercial ou o serviço da dívida externa levariam à
sobre-exploração dos recursos naturais e, conseqüentemente, á degradação ambiental.
Afirmam ainda que poderá haver até efeitos positivos sobre o meio ambiente. Sobre o assunto
Munoz afirma o seguinte:
“A análise dos casos do Chile e do México permite concluir que o impacto ambiental dos processos de liberalização econômica não é uniforme, nem tampouco por si só prejudicial ou favorável ao equilíbrio ecológico. Nos dois países analisados foram observados efeitos positivos sobre o meio ambiente derivados do crescimento e da abertura comercial. Mas resulta falsa a alternativa livre comércio versus proteção ambiental, pois a essência mesma do conceito de desenvolvimento sustentável é, justamente, a necessidade de harmonizar e conciliar ambos os propósitos.” 217
Todavia, este argumento é passível de várias críticas. O fato é que o aumento do
comércio internacional está fazendo com que a degradação do meio ambiente causada pelas
grandes empresas, tradicionalmente concentrada nos países industrializados, transfira-se para
a periferia, com a conseqüente diminuição da qualidade de vida das populações residentes
nestas regiões. Isto ocorre porque tais empresas procuram instalar-se em países onde a
produção terá menores custos, isso inclui uma legislação ambiental menos rígida, e incentivos
fiscais governamentais. Contudo, países como os Estados Unidos, por exemplo, ainda
continuam sendo um dos maiores responsáveis pelos altos índices de poluição do planeta.
Defensores da abertura comercial alegam que a maior exposição à concorrência
leva a um aumento da eficiência econômica. Uma maior eficiência econômica levaria ao
fechamento de empresas ineficientes que utilizam tecnologia ultrapassada e, com isso, a
poluição diminuiria, e também o consumo de energia. No entanto, uma pesquisa realizada
com base em dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e da
COPPE/UFRJ, demonstra que na primeira metade da década de noventa a economia brasileira
216 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 263217 Munoz, op. cit., p. 102
128
especializou-se em produzir bens e serviços intensivos em carbono. De acordo com Young:
“Em termos setoriais, esse resultado deriva principalmente de um conjunto de atividades
intensivas em energia que estão direta ou indiretamente associadas aos bens de exportação
mais importantes. Destacam-se transportes, siderurgia, química, e agropecuária (o aumento de
emissões no setor agropecuário é conseqüência da expansão da mecanização, que resultou em
aumento considerável no consumo de combustíveis).”218
Assim, verifica-se que uma maior abertura comercial e um fluxo maior de capital
não aumentou a eficiência produtiva em termos de qualidade ambiental. Tais fluxos de
investimentos acabam, muitas vezes, por esconder a transferência de atividades poluentes não
mais permitidas nos países desenvolvidos. Países em desenvolvimento apresentam um nível
baixo de controle ambiental justamente para garantir os investimentos externos. Uma
alternativa para esse problema é a normalização ambiental internacional ligada ao comércio
internacional, como a ISO 14000. Esse tipo de normalização, teoricamente, elevaria a
qualidade do ambiente, assegurando uma produção “limpa”, com base em tecnologia de
última geração. No entanto, países em desenvolvimento não possuem recursos para
implementar uma política que venha atender aos requisitos impostos por representantes dos
setores produtivos, entre outros, situados no norte desenvolvido. Neste caso, uma opção dada
aos países em desenvolvimento é a promoção de uma mudança gradual do rumo de suas
políticas econômicas, direcionando-as para o âmbito local.
No próximo item, analisar-se-á a relação da OMC com as questões relativas ao
meio ambiente, com o fim de esclarecer alguns pontos, dentro ainda do processo de
liberalização comercial, só que agora especificamente no que diz respeito àquela organização
multilateral, que possui a incumbência de promover tal liberalização.
3.2 - A OMC e a proteção do meio ambiente
O General Agreement on Tariffs and Trade - GATT foi assinado por 23 países,
em 1947. De acordo com Thorstensen, “em 1994 já eram mais de 120 países. Os princípios
básicos de comércio internacional foram estabelecidos por rodadas de negociações. O GATT
218 YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann, BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda, INSTITUTO de Economia da UFRJ. Comércio internacional, política econômica e poluição no Brasil. Disponível em <www.ipea.gov.br.redepesc/produtos/anpec/anpec/CEFYoung.rtf>. Acesso em 15 jan. 2001
129
já organizou 8 rodadas. Os principais atores dentro do GATT são a UE, os EUA, o Japão e a
Austrália pelos países desenvolvidos, e a índia e o Brasil pelos países em
desenvolvimento.”219 O principal objetivo do GATT é a promoção do comércio livre como
meio para atingir-se o crescimento econômico. Apresenta-se como um fórum de negociações
entre os Estados partes, onde faz o papel de supervisor dos acordos firmados em seu âmbito.
As controvérsias existentes são encaminhadas aos painéis que, por sua vez, podem autorizar
determinadas sanções aos que não cumprirem suas regras. Sobre esse aspecto, Thorstensen
afirma que “apesar de não ter força de um tribunal, o GATT exerce forte pressão, obrigando
politicamente o cumprimento das regras preestabelecidas.” 220
A relação entre comércio e meio ambiente desperta interesse no âmbito do GATT
desde o início da década de setenta. Durante os preparativos da Conferência sobre o Meio
Ambiente Humano em Estocolmo, solicitou-se a colaboração da Secretaria do Acordo Geral
sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). Como contribuição para aquela Conferência, a
Secretaria do GATT apresentou um estudo cujo título era “Luta contra a Poluição Industrial e
Comércio Internacional”, onde o assunto principal era as repercussões das políticas de
proteção ambiental no sistema de comércio internacional e, dentro deste assunto, já havia a
preocupação naquela época de que políticas ambientais pudessem representar obstáculos ao
comércio e constituir uma nova forma de protecionismo.
Principalmente em face da preocupação do surgimento de uma nova forma de
protecionismo no comércio internacional, é que, em novembro de 1971, o Conselho de
Representantes do GATT decidiu criar um grupo para melhor estudar o problema. Dessa
forma, naquela data criou-se o Grupo de Medidas Ambientais e Comércio Internacional -
GRUPO MACI. Ficou estabelecido que as reuniões do Grupo somente se realizariam por
solicitação de algum membro do GATT. Cabe informar, ainda, que a primeira reunião só
ocorreu em 1991.
Durante a Rodada Tóquio (1973-1979), os participantes questionaram até que
ponto as medidas ambientais (em forma de regulamentos técnicos e normas) poderiam
constituir barreiras técnicas ao comércio. Fruto das negociações empreendidas foi o Acordo
sobre Barreiras Técnicas ao Comércio. Nele se propugnam, entre outras coisas, a não
discriminação na preparação, adoção e aplicação de regulamentos técnicos e normas, e sua
transparência.
219 Thorstensen, Vera e ta l ., op. cit., p. 34
130
Em face do aumento dos conflitos existentes entre defensores do livre comércio e
ambientalistas, em 1991, o secretariado do GATT iniciou estudos que culminaram, em 1992,
num relatório sobre o comércio e o ambiente. Tal relatório representou uma tentativa de
conciliação entre a dita liberalização do comércio com os problemas ambientais. Nesse
relatório, alega-se que o comércio livre intensificará a proteção do meio ambiente através do
aumento de riqueza que poderá ser usada para otimizar a degradação ambiental produzida
pelos efeitos da liberalização. De acordo com Lang, este argumento utilizado pelo GATT é
um “contra-senso inteligente”. O referido autor ainda questiona o seguinte:
“Para quê sujar primeiro o quintal, só para depois se proclamar as virtudes de o limpar? Além disso, ignora o fato de que a capacidade do Norte para proceder à industrialização, aumentar o desenvolvimento e riquezas teve um impulso sem precedentes históricos no período colonial, primeiro nas Américas e depois Extremo Oriente e em África. As limitações ambientais impossibilitarão esses níveis de desenvolvimento, mas seguir por tal caminho será garantir que o conflito potencial entre a expansão do comércio e a degradação do ambiente ainda avulte ameaçadoramente.”221
Durante a Rodada Uruguai (1986-1994), as questões ambientais relacionadas com
o comércio foram abordadas. Foram feitas modificações no Acordo de Barreiras Técnicas ao
Comércio, e introduzidos determinados elementos relacionados com o meio ambiente no
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, e nos Acordos sobre Agricultura, Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias - MSF, Subvenções e Medidas Compensatórias e Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio. Nesta Rodada, também foi
criada a OMC.
Ao finalizar a Rodada Uruguai, em 1994, os Ministros de Comércio dos países
participantes decidiram promover um programa de trabalho geral sobre o comércio e meio
ambiente na OMC. Estabeleceram, assim, o Comitê de Comércio e Meio Ambiente que serviu
para incluir no trabalho da OMC as considerações ambientais e desenvolvimento sustentável.
Deste modo, uma outra tentativa daquele órgão multilateral de comércio em
abrandar as questões problemáticas entre meio ambiente e comércio internacional, foi a
inclusão, no preâmbulo do acordo da OMC, da proteção ambiental e do desenvolvimento
sustentável entre os objetivos da organização. Conforme assinala Runyan, “o acordo também
220 Thorstensen, Vera et al., op. cit., p. 35221 Lang, Tim; e Hines, Colin, op. cit., p. 100
131
inclui o compromisso do Comitê do Comércio e Meio Ambiente de analisar a relação entre a
liberalização comercial e a proteção ambiental e recomendar modificações nas regras da
OMC, que se façam necessárias para que os dois objetivos sejam mutuamente compatíveis.
Porém, mais de cinco anos depois, o comitê produziu muita conversa e pouca ação.”222 No
Preâmbulo do Acordo de Marraqueche os membros da OMC reconhecem:
“Que suas relações na esfera da atividade comercial e econômica devem tender a elevar os níveis de vida, a garantir o pleno emprego e um volume considerável e em constante aumento de ingressos reais e demanda efetiva e a acrescentar a produção e o comércio de bens e serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais de conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e procurando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para faze-lo, de maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico.”223
A despeito da compatibilidade do desenvolvimento econômico e da
sustentabilidade ecológica defendida pelos membros do GATT, já em julho de 1970, uma
equipe de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts se empenhou no estudo
dos efeitos e dos limites do crescimento mundial continuado e chegou à conclusão de que,
considerando a hipótese mais otimista sobre os avanços tecnológicos, o mundo não poderia
suportar as atuais taxas de crescimento econômico e demográfico mais além de algumas
décadas. No entanto, os defensores da liberalização comercial, membros do GATT/OMC,
acreditam que os avanços tecnológicos, a economia dos recursos naturais, a função
desempenhada pelos preços na constatação da escassez relativa dos recursos, as preferências
dos consumidores, bem como a destinação eficaz desses recursos, tomaria obsoleto o
paradigma dos limites do crescimento.
Outra posição do GATT/OMC a respeito das questões ambientais é a
identificação da pobreza como uma das causas mais importantes da degradação ecológica.
Nesse caso, a solução apresentada para os problemas de ordem ambiental é um maior
; crescimento econômico, impulsionado pelo aumento do comércio internacional, para se obter
recursos necessários para combater a “contaminação da pobreza”.
222 RUNYAN, Curtis. Ação na Linha de Frente: organizações não-govemamentais em todo o mundo estão se proliferando num ritmo fenomenal, poderão esses grupos compensar as limitações dos governos e corporações? World Watch, nov. /dez. 1999, p. 23223 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: <www.wto.org/indexsp.htm> Acesso em: 27 jan. 2001
132
Essa posição do GATT/OMC foi adotada contra as evidências dispensadas pela
vida real, pois não é a “pobreza” que degrada o meio ambiente. Este item comparado ao que o
comércio internacional; aos altos padrões de consumo difundidos pela liberalização
comercial, entre outros, possui pouca projeção. Esse discurso é absolutamente insustentável e
serve apenas para justificar medidas de caráter econômico.
Por fim, uma das discussões mais recentes da OMC diz respeito à relação entre as
medidas comerciais adotadas pelos tratados ambientais multilaterais e o Artigo XX do GATT,
que permite a adoção de medidas necessárias para a proteção da vida e da saúde humana,
animal ou vegetal e relativas à conservação de recursos naturais exauríveis, desde que estas
sejam adotadas em conjunto com restrições para a produção ou uso domésticos, assunto a ser
tratado a seguir.
3.2.1 - Acordos ambientais e a OMC
O GATT foi estabelecido numa época em que poucos países possuíam leis
ambientais significativas, e não havia acordos regionais ou bilaterais que disciplinassem a
conduta para exploração dos recursos naturais. Hoje, as regras do GATT/OMC se confrontam
com acordos internacionais, como, por exemplo, o Protocolo de Montreal para proteção da
camada de ozônio. De acordo com dados da OMC:
“Na atualidade estão em vigor 200 acordos internacionais (à margem da OMC) relativos a diversas questões ambientais multilaterais. Aproximadamente 20 destes acordos incluem disposições que podem afetar o comércio: por exemplo, proibindo determinados produtos ou autorizando aos países a limitarem o comércio em determinadas circunstâncias. Entre eles figuram o Protocolo de Montreal relativo à proteção da camada de ozônio, o Convênio da Basiléia sobre o controle dos movimentos transfronteiriços dos resíduos perigosos e sua eliminação, e a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (CITES).” 224
Deste modo, vários acordos ambientais multilaterais impõem restrições ao
comércio internacional com o fim de preservar o meio ambiente, na CITES e na Convenção
da Basiléia, por exemplo, as restrições comerciais podem modificar o fluxo de bens no
comércio internacional, a fim de controlar o impacto sobre os bens ambientais, objeto de
224 Ibidem.
133
proteção de cada acordo ambiental citado, ou seja, a extinção da vida silvestre e a eliminação
de resíduos. Por seu turno, no Protocolo de Montreal as medidas comerciais são aplicadas no
sentido de promover a redução dos efeitos negativos da produção, ou ainda, na correção das
extemalidades negativas, e na causa de tais extemalidades produzidas no processo produtivo,
como, por exemplo, evitar a utilização de produtos químicos que contribuam para a destruição
da camada de ozônio terrestre.
Podem ocorrer dois tipos de restrições ao comércio, fundamentados em requisitos
ambientais. Primeiro, restrições com base na natureza de um produto, como o que acontece
com refrigeradores que contém Cloro-flúor-carbono - CFC e que afetam a camada de ozônio.
A OMC tende a aceitar estas restrições desde que aplicadas também domesticamente. O
segundo tipo de restrição é sobre o processo ou modo de produção.
As duas restrições são previstas pelo Protocolo de Montreal e ambas são
importantes para o meio ambiente. No entanto, a OMC não está disposta a aceitar restrições
ao comércio com base em processos, mesmo que adotadas internamente pelo país que
restringe.
A parte mais preocupante da expansão dos poderes da OMC é provavelmente a
possibilidade de pôr em perigo os acordos internacionais para a proteção do ambiente. De
acordo com Lang, “O Protocolo de Montreal para a eliminação de substâncias destruidoras da
camada do ozônio, como é o caso das emissões de Clorofluorocarboneto - CFC, contém
cláusulas com sanções comerciais para os países que não obedecerem ao Protocolo. Ainda
não se recorreu a estas medidas, mas, se tal acontecesse, entrariam em conflito com o GATT,
e os países que quebrassem o Protocolo de Montreal poderiam exigir a sua proteção.”225
Dessa forma, os esforços realizados em nível internacional para que os problemas
internacionais relativos ao meio ambiente sejam resolvidos, como é o caso dos acordos que
estabelecem regras para que o aquecimento global retroceda ou, pelo menos cesse, estão
ameaçados, pois diversos tratados ambientais envolvem sanções comerciais como as que
limitam, por exemplo, a emissão de poluentes na fabricação de determinado produto. Assim,
esses dispositivos, na visão da OMC podem significar barreiras comerciais não tarifárias,
colocando em choque, mais uma vez, liberalização comercial e meio ambiente. Nesse sentido,
Caubet observa que “[...] a lógica de base é cristalina: os acordos comerciais têm primazia e
os acordos ambientais, por melhores que sejam suas premissas, devem subordinar-se. É a
225 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 98-99
134
lição que resulta das soluções encontradas em diversas controvérsias internacionais.”226 Por
seu turno, o Comitê da OMC declara que
“Os princípios da OMC de não discriminação e de transparência não entram em conflito com as medidas comerciais necessárias para proteger o meio ambiente, incluídas as adotadas em virtude dos acordos ambientais. As cláusulas que figuram nos acordos sobre bens, serviços e propriedade intelectual autorizam aos governos a dar prioridade a suas políticas ambientais internas. [...] Recorrer às disposições de um acordo ambiental internacional é melhor que pretender um país isoladamente mudar as políticas ambientais de
997outros países. ”
Nestes termos, a condição primordial é que as políticas ambientais adotadas pelos
países não sejam discriminatórias. Cabe esclarecer que até agora não houve nenhum caso em
que uma medida de caráter comercial tenha sido adotada em virtude de um acordo ambiental
internacional. A preocupação do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC é se um país
invocar um acordo ambiental para adotar medidas contra outro país que não tenha firmado
dito acordo.
Na prática, se determinado país adotar medidas de caráter comercial (taxação,
restrição de quotas de importação, etc.) em virtude de acordo ambiental, e outro país se
contrapor, a posição da OMC é a seguinte: (i) se ambas as partes na disputa tiverem firmado o
acordo, ditas partes devem tratar de utilizar o acordo ambiental para resolver o dissídio; (ii) se
uma parte não tiver firmado o acordo ambiental, a OMC apresenta-se como o único foro
possível para a solução. Isto não significa que não se levaria em conta as questões ambientais.
Os acordos da OMC permitem que os grupos especiais que examinam um dissídio peçam o
assessoramento de especialistas no que diz respeito às questões ambientais.228
Contudo, no caso de haver alguma incompatibilidade entre acordos ambientais
multilaterais e normas do GATT/OMC, existem vários recursos a serem adotados. Uma das
alternativas é invocar os princípios de Direito Internacional Ambiental amplamente aceitos
pela totalidade de Estados do Globo como, por exemplo, o princípio 2 da Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que proclama o seguinte:
“Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de
226 Caubet, Christian Guy, op. cit., p. 235227 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: <www.wto.org/indexsp.htm> Acesso em: 27 jan. 2001228 Ibidem.
135
explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou áreas além dos limites da jurisdição nacional.”229
Assim, os preceitos estabelecidos nos princípios de Direito Internacional podem
ser utilizados numa eventual incompatibilidade entre normas de caráter comercial e normas
ambientais. Nesse sentido, o princípio acima transcrito poderia contrariar a visão da OMC que
o reduzisse à condição de obstáculo ao comércio internacional.
Uma leitura mais ampla do Artigo XX do GATT/OMC, referente às exceções,
serviria para evitar tal conflito. Por exemplo, se as partes que ratificaram o Protocolo de
Montreal utilizarem mecanismos de natureza comercial para evitar que outro país (signatário
ou não) destrua a camada de ozônio, então o Artigo XXXI, 3, alínea ‘c’ da Convenção de
Viena, que trata da regra geral de interpretação de tratados, sugeriria que a ampliação do
artigo XX do GATT serviria para prevenir conflitos entre normas internacionais.
Se a regra de interpretação a ser aplicada for a da lei posterior, os acordos
multilaterais de proteção ambiental, vigentes após a constituição do GATT, devem prevalecer.
Sobre esse assunto, Housman afirma que “caso prevaleça o entendimento de que a Rodada
Uruguai retém o texto original e portanto sua data de conclusão, então os acordos ambientais
devem se sobrepor ao GATT, enquanto que, se entendermos a Rodada Uruguai como um
corpo legal novo, então as disposições cabíveis devem ser primazia sobre os acordos de
proteção ambiental.”
Por outro lado, caso se considere que a Rodada Uruguai retém o texto original do
GATT/1947, pelo princípio da lex specialis, os acordos ambientais passariam a operar como
preenchimento de lacunas deixadas pelas normas do GATT/OMC. A Convenção de Viena
também trata, em seu artigo 38, da possibilidade de regras de um tratado tomarem-se
229 Brasil, op. cit., p. 139230 Neste artigo está estabelecido que “as políticas que afetam o comércio de mercadorias destinadas a proteger a saúde, a vida das pessoas e os animais ou para preservar os vegetais ficam isentas, em determinadas condições, das regras normais do GATT.”231 Neste caso, a Convenção de Viena estabelece que um tratado “deve ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum dos termos do tratado em seu contexto, à luz de seu objeto e finalidade”; o item “3” estabelece que “Será levado em consideração, juntamente com o contexto: [...] c) qualquer regra pertinente de direito Internacional aplicável às relações entre as partes.”232 HOUSMAN, Robert e GOLDBERG, Donald M. Princípios jurídicos pertinentes à composição de conflitos ente acordos multilaterais de proteção ambiental e o GATT/OMC. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente/CEEL - US Center for International Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente: direito, economia e política, 1996. p. 91-92
136
obrigatórias para terceiros Estados como regra costumeira de Direito Internacional,
reconhecida como tal. Cabe ressaltar, ainda, a importância do artigo 53 da referida
Convenção, que estabelece o seguinte:
“E nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional geral da mesma natureza.”
São as normas de jus cogens, estas normas prevalecem sobre as demais pelo fato
de serem “aceitas” e “reconhecidas” pela comunidade internacional. Deste modo, em face do
destaque alcançado pelos tratados ambientais multilaterais na última década, bem como pela
relevância que o tema possui para a própria manutenção da vida na Terra, é possível afirmar
que alguns acordos em matéria ambiental podem ser considerados como norma internacional
imperativa, oponível erga omnes. Contudo, este exemplo apresenta-se como uma
possibilidade mais remota de interpretação, no caso de um efetivo conflito entre normas de
caráter ambiental e comercial.
Finalmente, Housman comenta que “[...] as regras de interpretação de tratados de
solução de conflitos não fornecem respostas definitivas quanto à necessária conciliação entre
normas gerais do GATT/OMC e aquelas previstas em acordos ambientais internacionais.
Estas questões encontram-se numa espécie de limbo jurídico que persiste, em parte, porque
tratados ambientais e de comércio internacional continuam percorrendo caminhos
paralelos.”233
3.2.2 - As barreiras ambientais ao comércio e a OMC
A certificação e o selo ambiental constituem importantes instrumentos de política
ambiental. Para a OMC o ponto fundamental é que as exigências e práticas destes selos e
certificações não devem discriminar - entre interlocutores comerciais (tratamento da nação
mais favorecida) ou entre bens ou serviços de produção nacional e bens e serviços
importados.
233 Idem, p. 92
137
Quanto às políticas ambientais adotadas pelos Estados membros da OMC, estes
devem informar à organização tais políticas quando estas possam trazer conseqüências para o
sistema de comércio internacional. Deste modo, a Secretaria da OMC, mediante seu Registro
Central de Notificações, reunirá toda a informação sobre as medidas ambientais relacionadas
com o comércio que tenham apresentado os membros, que se introduzirá numa só base de
dados a que tenham acesso todos os membros da OMC.
Com relação às restrições ao comércio internacional em função de medidas de
caráter ambiental, a OMC proíbe restrições comerciais com base em “processos”, salvo raras
exceções, previstas principalmente no artigo XX, do GATT. Contudo, a regra geral é a não
discriminação entre produtos similares com base no seu método de produção.
As tarifas ou as exportações subsidiadas, independentemente das razões pelas
quais foram criadas, são vistas como barreiras ao comércio livre. Dessa forma, um subsídio
concedido como apoio à proteção ambiental não seria bem visto dentro do atual quadro de
liberalização comercial. De acordo com Lang,
“A resultante ameaça à concorrência é então usada pelas empresas para se oporem ao aumento dos custos provocado pela política de preços ambientalista. Em 1992, fez-se uso deste argumento para impedir que a CE introduzisse unilateralmente um imposto sobre o carbono/energia como forma de reduzir os níveis de dióxido de carbono. De igual forma, os esforços para controlar a ‘free riders', isto é, todas as indústrias que, por força das normas ambientais brandas no país anfitrião evitam incorporar os custos ambientais, são potencialmente impedidos por estas regulamentações do GATT.”234
Dessa forma, a OMC toma mais difícil para os países manter ou implementar
normas ambientais rígidas e proteger a competitividade da sua indústria nacional. O
estabelecimento de tributos pelo Estado, para o exercício do controle das extemalidades
negativas produzidas pela degradação ambiental, seria uma alternativa para otimizar os efeitos
da atividade industrial no meio ambiente.
No entanto, essa subvenção do Estado não é bem vista pela OMC, uma vez que
esta organização limita o direito dos governos para implementar tarifas ou utilizar subsídios.
Lang ressalta que “qualquer nação que decida fazê-lo poderá ter de enfrentar uma retaliação
por criar ‘restrições ao comércio’. Ao abrigo das novas regulamentações propostas, retirar-se-
á aos governos nacionais e locais e à comunidade, grande parte da autoridade para proteger o
234 Lang, Tim e Hines, Colin. op. cit., p. 164
138
ambiente, os produtos agro-alimentares, os empregos ou as pequenas empresas, a qual se
transferirá para os ministérios do comércio, as companhias transnacionais e a WTO.”235
Tratando-se ainda das atividades consideradas, pela OMC, barreiras ao comércio
internacional, Tom Wathen observa o seguinte:
“‘Historicamente o GATT tem visto a proteção ao meio ambiente apenas em termos de barreiras ao comércio.’ O autor lembra que o último projeto aprovado na Rodada de negociações do GATT (Uruguai Round), sob a coordenação do então Diretor Geral da instituição, Arthur Dunkel, ‘tem o propósito de controlar as leis ambientais nos países-membros do Acordo, alinhando as normas de direito ambiental nacional e internacional com os princípios de comércio internacional do GATT.’”236
Quanto ao projeto, denominado Projeto Dunkel, onde um dos principais objetivos
é o controle das leis ambientais dos países membros da organização, para adequar as normas
ambientais, adotadas nacionalmente e internacionalmente, com as regras estabelecidas no
âmbito do GATT/OMC, Tom Wathen comenta que:
“Esse esforço se fundamenta em três princípios amplos: 1) multilateralismo: as ações que afetem o comércio entre os diversos países devem ser tomadas em consonância com regras internacionais amplamente aceitas; 2) não discriminação: todos os parceiros comerciais devem ser tratados igualitariamente e as empresas estrangeiras devem ter os mesmos direitos que as nacionais; 3) harmonização: para obedecer aos princípios de multilateralismo e da não discriminação, as leis comerciais nacionais não podem exceder os padrões internacionais’ (Tom Wathen, 1996, p. 26-27).”237
Assim, mais uma vez verifica-se a intenção de subordinar as questões ambientais
aos princípios do livre comércio. O fato é que a OMC é uma organização, onde o objetivo
principal é a supressão de barreiras ao comércio internacional. Como as normas ambientais
podem perfeitamente representar um tipo de barreira ao comércio, seja de forma intencional
ou não, o conflito está lançado, e a solução apresentada pela OMC é a harmonização das
normas ambientais.
No âmbito da OMC, existe um acordo específico sobre barreiras comerciais que
envolvem questões relativas ao meio ambiente. Trata-se do Acordo sobre Barreiras Técnicas
ao Comércio.
235 Idem, p. 97236 Wathen, apud Caubet, op. cit., p. 226237 Idem, p. 235
139
3.2.3 - Acordo sobre barreiras técnicas ao comércio
Na rodada de negociações do GATT, denominada Rodada Tóquio, foram
negociadas, pela primeira vez, barreiras não tarifárias ao comércio internacional. Contudo, foi
na Rodada Uruguai que as negociações culminaram na assinatura do Acordo sobre Barreiras
Técnicas ao Comércio - TBT. Assim, na OMC, os documentos que regulam a eliminação das
barreiras não tarifárias são o TBT e um acordo relativo às medidas sanitárias e fito-sanitárias.
O objetivo principal desses dois instrumentos é a harmonização das regras que cuidam da
proteção do meio ambiente, bem como da saúde pública.
Como a maioria dos Estados já faz parte da OMC, e, por isso, estão sofrendo um
processo de redução tarifária mediante rodadas de negociações promovidas por esta
organização, conseqüentemente lança-se mão de subterfúgios dos mais variados, dentre eles
as barreiras técnicas mascaradas sob a forma de regras internas que devem ser cumpridas
pelos que fornecem produtos ou serviços estrangeiros, a título de exportação. Neste caso,
além do cumprimento das regras internas, o exportador ainda tem que comprovar o seu
enquadramento nas rigorosas regras estabelecidas pelo país importador. Vale esclarecer que
esse “enquadramento” de produtos e serviços nas referidas regras chama-se “Avaliação de
Conformidade”, e essa avaliação abrange certificações (produtos e serviços) e sistemas de
gestão de qualidade e ambiental.
A solução encontrada pela OMC foi a de harmonização das normas, sendo que o
requisito principal é de que estas devem ser internacionalmente aceitas. Todavia, cabe
esclarecer, que o Acordo sobre Barreiras Técnica ao Comércio, é um dos acordos objeto de
maior questionamento no Órgão de Solução de Controvérsias na OMC, em face das suas
disposições consideradas muito genéricas, dando ensejo a variadas interpretações.
O TBT possui como um dos objetivos principais o de harmonizar o mais
amplamente possível os regulamentos técnicos dos Estados membros da OMC. No preâmbulo
do acordo TBT está expresso o desejo de “assegurar que os regulamentos técnicos e as
normas, inclusive para embalagem, marcação e rotulagem, e procedimentos para avaliação de
conformidade com regulamentos técnicos e normas não criem obstáculos desnecessários ao
comércio internacional.” Ainda no preâmbulo do referido acordo reconhece-se que
“[...] não se deve impedir nenhum país de tomar medidas necessárias a assegurar a qualidade de suas exportações, ou para a proteção [...] do meio ambiente ou para a prevenção de práticas enganosas, nos
140
níveis que considere apropriado, à condição que não sejam aplicadas de maneira que constitua discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevaleçam as mesmas condições ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional, e que estejam no mais de acordo com as disposições deste Acordo;”23
Aqui a proteção do meio ambiente está condicionada à não discriminação entre os
Estados, ou restrição disfarçada ao comércio internacional. Todavia, existe uma grande
dificuldade na comprovação da “intenção” de uma medida de caráter ambiental adotada pelo
governo de um país membro da OMC. Tais medidas podem perfeitamente ser adotadas, por
exemplo, em consonância com o princípio da precaução, com vistas a assegurar a proteção
contra um dano iminente ou provável. Por outro lado, elas podem também ser utilizadas como
barreiras comerciais, daí o esforço da OMC para promover a harmonização destas normas.
O artigo 2, do TBT, que trata de regulamentos técnicos e normas, estabelece, em
seu item 2.1, que “os membros assegurarão, a respeito de regulamentos técnicos, que os
produtos importados do território de qualquer Membro recebam tratamento não menos
favorável que aquele concedido aos produtos similares de origem nacional e a produtos
similares originários de qualquer outro país.” Neste caso, esta disposição contempla o
princípio da não discriminação, princípio este que figura como um dos pilares da OMC. Já no
item 2.2, do mesmo artigo, está estabelecido o seguinte:
“Os Membros assegurarão que os regulamentos técnicos não sejam elaborados, adotados ou aplicados com a finalidade ou efeito de criar obstáculos técnicos ao comércio internacional. Para este fim, os regulamentos técnicos não serão mais restritivos ao comércio do que o necessário para realizar um objetivo legítimo, tendo em conta os riscos que a não realização criaria. Tais objetivos legítimos são, inter alia: imperativos de segurança nacional; a prevenção de práticas enganosas; a proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do meio ambiente. Ao avaliar tais riscos, os elementos pertinentes a serem levados em consideração são, inter alia: a informação técnica e científica disponível, a tecnologia de processamento conexa ou os usos finais que se destinam os produtos.”
Este dispositivo, sob o ponto de vista ecológico, contraria o princípio da
precaução que estabelece o seguinte: “a falta de total certeza científica não deve ser desculpa
para se adiar medidas de prevenção contra a degradação ambiental, sempre que haja
possibilidade de se ter danos sérios ou irreversíveis ao meio ambiente.” Neste caso, esta regra
238 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Acordo sobre barreiras técnicas ao comércio.Disponível
141
procura sobrepor-se a um princípio de Direito Ambiental Internacional, para assegurar que o
comércio não tenha como obstáculo medidas que venham a tratar da preservação do meio
ambiente, mas que careçam de “certeza científica” na sua comprovação.
Destarte, essas disposições demonstram que o objetivo do TBT é impedir que as
normas ou regulamentos técnicos tornem-se barreiras não tarifárias ao comércio internacional.
Neste caso, quem recusar a importação de determinado produto por alegar que este causa
danos ao meio ambiente ou à saúde, deverá apresentar “prova inequívoca” do alegado.
O artigo 4 do acordo, que trata da elaboração, adoção e aplicação de normas,
estabelece que “os membros assegurarão que suas instituições de normalização do governo
central aceitem e cumpram o Código de Boa Conduta para Elaboração, Adoção e Aplicação
de Normas contidas no Anexo 3 a este Acordo [,..].”239 O anexo 3, que versa sobre o Código
de Boa Conduta, em suas disposições gerais, letra “c”, estabelece o seguinte:
“As instituições de normalização que tenham aceito ou denunciado este Código notificarão este fato ao Centro de Informações da ISO/BEC em Genebra. [...] A notificação poderá ser enviada seja diretamente ao Centro de Informação ISO/ IEC, seja por meio da instituição nacional Membro da ISO/IEC, seja preferivelmente, por meio do Membro nacional ou afiliado internacional pertinente da ISONET, conforme apropriado.”240
Já nas disposições substantivas do Anexo 3, letra “e”, está escrito que “A
instituição de normalização assegurará que as normas não sejam elaboradas, adotadas, ou
aplicadas com vistas à, ou com efeito de, criar obstáculos desnecessários ao comércio
internacional.”
Cabe acrescentar que o serviço de informação da OMC sobre normas é
coordenado pelo Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio - CBTC que, por seu turno, é
composto de representantes de cada um dos membros do acordo TBT. O serviço de
informação da OMC é operado pela International Organization for Standardization - ISO, e
pela IEC. Esse serviço de informação existe para reunir e dar informações sobre os órgãos de
normalização.
Como parte das ações empreendidas pelo GATT/OMC no estabelecimento do
livre comércio e, conseqüentemente, pela retirada de qualquer obstáculo às relações de
em: <www.inmetro.gov.br/astb.htm> Acesso em 17 fev. 2001.239 Ibídem.240 Ibídem.
142
comércio, aquela organização já se manifestou em alguns casos que envolveram questões
ambientais, agindo, assim, como “gestora” de determinadas questões que lhe foram
apresentadas por seus membros.
3.2.4 - A OMC na gestão do meio ambiente
Há muito tempo existe o conflito entre questões ambientais de caráter global e
comércio internacional. Em 1971, o GATT criou o GRUPO MACI, com a missão de
considerar: implicações comerciais contidas em acordos ambientais multilaterais (Protocolo
de Montreal, CITES, Convenção de Basiléia, etc.); transparência multilateral de regras
ambientais nacionais que tenham implicações comerciais; conseqüências comerciais de novas
regras de embalagem e rotulagem que objetivam proteger o meio ambiente.
No final da Rodada Uruguai a OMC criou o Comitê de Comércio e Meio
Ambiente, com a finalidade de estudar a relação existente entre comércio e meio ambiente,
assim como formular recomendações sobre os acordos ambientais que podem surtir efeitos
nos acordos comerciais. Enfim, desde 1971, numa época de preparação para a Conferência
sobre Meio ambiente em Estocolmo, até os dias de hoje, as questões ambientais preocupam
aqueles que defendem a liberalização do comércio, e que estão organizados no âmbito da
OMC.
Questões que envolvem temas ecológicos já foram, diversas vezes, objeto de
análise do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Nestes termos, sobre a participação
da OMC nas questões relativas ao meio ambiente, Barrai afirma o seguinte:
“[...] deve-se observar que o vínculo entre comércio e meio ambiente vem se tomando bastante visível e se manifestou inclusive em algumas decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Assim, os temas ambientais deverão ocupar uma parte crescente das negociações, e mesmo que seja excluído das futuras negociações, o tema comércio e meio ambiente será certamente objeto de controvérsias futuras, em razão das normas ambientais, que se multiplicam, na ordem jurídica intema dos países desenvolvidos.”241
Ao referir-se ao sistema de solução de controvérsias da OMC, Lafer assinala que
“é precisamente para evitar unilateralismo de interpretação e conter a ‘auto-ajuda’ na
241 BARRAL, Welber et al. O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 33
143
aplicação de normas através de represálias ou retaliações comerciais que o sistema de solução
de controvérsias da OMC foi criado. Foi estruturado como um mecanismo regido por normas,
na linha grociana, concebidas para ‘domar’ tendências unilaterais impulsionadas pela vocação
do poder da ‘razão-de-estado’.”242
Nesse sentido, o órgão de solução de controvérsia da OMC promoveria a defesa
daqueles Estados que sofrem ingerência de outros Estados, ou que são vítimas de
arbitrariedades no âmbito internacional. Todavia, a OMC não é uma organização
supranacional, e a sua função original é de tratar da liberalização comercial mediante a
redução tarifária entre os países membros. Ocorre que este propósito não é compatível com a
preservação do meio ambiente ou com o “desenvolvimento sustentável”. Daí não ser a OMC
o fórum mais apropriado para julgar causas ambientais internacionais. De acordo com
Runyan, “até mesmo The Economist, que normalmente advoga uma agenda de livre comércio
com um fanatismo quase religioso, reconhece que a OMC de apenas 4 anos está numa
encruzilhada. Tomou-se uma entidade quase jurídica, um governo mundial embrionário.
Todavia, está hoje sendo chamada a arbitrar questões intensamente políticas. Ela carece de
legitimidade para fazê-lo.” 243
Assim, muitos pesquisadores defendem que a OMC não é a organização mais
indicada para decidir questões que envolvam bens tão necessários à vida, que são os bens
ambientais. A tentativa de conciliar os objetivos de liberalização comercial e aumento do
volume de comércio com a proteção do meio ambiente apresenta-se como um discurso
ultrapassado e retórico.
Mesmo sob o aspecto estrutural, a OMC não possui condições de opinar acerca de
tais questões, muito menos de proferir decisões que envolvam questões ambientais, mesmo
que estas estejam relacionadas com questões comerciais. Sobre esse assunto, Caubet
argumenta o seguinte:
“[...] 1) os peritos dos painéis e os árbitros do GATT, hoje os da OMC, só chegam a ocupar suas funções em razão de sua dedicação total à defesa dos interesses do comércio; além disso, seus conhecimentos de ecologia ou questões ambientais são nulos; 2) a OMC não inclui, para julgar os casos, pessoas que estejam totalmente dedicadas à defesa do meio ambiente, ou da sustentabilidade das atividades comerciais, ou dos direitos das gerações futuras; 3) a OMC
242 LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 30243 Runyan, op. cit., p.27
144
já possui seu próprio sistema de solução de controvérsias, porém nenhum de seus membros está empenhado em promover a criação de um mecanismo internacional equivalente à OMC, para a defesa do meio ambiente ou a promoção do equilíbrio das condições de produção.”244
Outro ponto importante a ser levado em consideração, é que ao privilegiar a
expansão do comércio em detrimento da precaução ambiental, a OMC pode causar prejuízos
irreversíveis para as pessoas e para o meio ambiente. Exemplo disso é sua posição quanto aos
alimentos transgênicos. Neste caso, a OMC solapa o princípio da precaução, porque coloca o
ônus da prova sobre aqueles que querem proteger o meio ambiente e a saúde, em vez de exigi-
lo da indústria. O sistema instituído pela OMC com relação às questões ambientais, ainda dá
condição, aos países de utilizar as regulamentações daquela organização para questionar
legislações ambientais nacionais ou regionais, fato que pode agravar ainda mais a
implementação de políticas ambientais mais eficientes em determinados países.
A seguir analisar-se-á alguns casos relacionados ao meio ambiente, onde há o
posicionamento da OMC com relação ao assunto.
a) Hormônio Carne - O caso polêmico das carnes com hormônio começou
quando a União Européia - UE não permitiu a importação de carnes norte-americanas com
hormônios de crescimento. Em virtude desse fato, os EUA, que entenderam a decisão da UE
como uma regulamentação sanitária desnecessária, passaram, a título de represálias
comerciais, a aplicar tarifas de 100% num montante de US$ 116,8 milhões de importações
européias. Com relação a esse caso, Caubet afirma que “a base jurídica alegada, foi o
desrespeito que a decisão européia evidenciava, por ignorar a decisão da OMC -, de que a
proibição era uma barreira desleal às exportações de carne norte-americanas e canadenses.”245
A recusa da União Européia em comprar carnes com hormônio de crescimento
desafiou a OMC, que considerou tal atitude uma barreira desleal às exportações de carne dos
EUA e do Canadá. Todavia, como reação à atitude dos Estados Unidos, que promoveu
represálias contra a UE, alguns países europeus organizaram protestos. Sobre esse assunto,
Runyan comenta que “na França, vários restaurantes McDonald's foram alvo de protestos.
Numa simbólica retaliação, o prefeito de um vilarejo francês, St. Pierre-de-Trivisy, no
244 Caubet, op. cit., p. 236245 Idem, p. 227
145
coração da região do queijo Roquefort, decidiu dobrar o preço da Coca-Cola vendidas nos
parques e centros recreativos municipais.”246
O fato é que, desde os anos oitenta, os Estados Unidos e a União Européia têm
estado em desacordo quanto aos hormônios de crescimento aplicado no gado destinado à
exportação. De acordo com Lang, “a CE proibiu o seu uso no gado em meados dos anos 80,
devido às preocupações dos consumidores com a saúde. Conseqüentemente proibiram-se as
importações de carne dos EUA, onde as substâncias que estimulam o desenvolvimento das
hormonas são largamente utilizadas.”247
O caso foi resolvido no mês de fevereiro do ano de 1998, quando o conselho de
apelação da OMC, órgão julgador da organização, manteve a decisão de que a lei européia
violava as regras da organização. Neste caso, o órgão julgador de apelação considerou a
avaliação de risco inadequada. Sobre essa decisão, Runyan comenta que “o conselho rejeitou
o argumento da UE de que a restrição à importação era justificada pelo princípio preventivo.
A decisão da OMC sobre hormônios na carne solapa as prerrogativas democráticas dos países
de resguardarem a saúde e o bem-estar de seus cidadãos.”248
Este exemplo demonstra, na prática, que a OMC está descomprometida com o
princípio ambiental da precaução, o que pode trazer grandes prejuízos futuros na esfera
ambiental, trazendo conseqüências negativas no que diz respeito à qualidade de vida humana.
b) Transgênicos - Há um outro caso polêmico que envolve questões de saúde e
questões ambientais de uma forma direta: é o caso dos Organismos Geneticamente
Modificados - OGMS, mais conhecidos como transgênicos.
Neste episódio, mais uma vez a polêmica gira em tomo das duas grandes
potências mundiais: União Européia e Estados Unidos. Tudo começou com a alegação das
empresas americanas de que as exigências da União Européia de identificação dos produtos
geneticamente modificados são barreiras comerciais. Cabe ressaltar que tanto o govemo
americano quanto o canadense estão defendendo esse ponto de vista na OMC e em outros
fóruns internacionais.
Nesse sentido, a OMC é acusada de sabotar a Convenção Internacional da
Biodiversidade, assinada durante a ECO-92. Os Estados Unidos e o Canadá propuseram à
246 Runyan, op. cit., p. 23247 Lang, Tim; Hines, Colin., op. c i t p. 184248 Runyan, op. cit., p. 26
146
OMC a criação de um grupo de trabalho para harmonizar as políticas referentes aos
transgênicos, e o Japão, que anunciou um modelo de rotulagem, propôs outro grupo para
tratar do tema. O Greenpeace e outras entidades querem que estas medidas sejam suspensas,
pois elas vão impedir, restringir ou atrasar a adoção de um sistema de biossegurança que está
sendo negociado pela Convenção de Biodiversidade no âmbito das Nações Unidas.
Runyan comenta que “essa florescente guerra alimentícia transatlântica é
emblemática de um novo tipo de conflito comercial global, no qual várias leis ambientais e de
saúde estão agora em jogo, ao invés das questões tradicionais como tarifas, cotas e 'dumping'
de mercadorias como aço ou trigo.”249
Aqui, outra vez, o princípio da precaução não está sendo observado, isso porque
não se sabe os efeitos que esses alimentos geneticamente modificados poderão causar, em
longo prazo, no ser humano. E, com relação à Convenção da Biodiversidade, se esta não for
respeitada, mais uma vez ter-se-á a prova de que acordos comerciais prevalecem sobre os
ambientais, no âmbito da OMC.
c) Atum/Golfinho - Em 1991, uma controvérsia entre México e Estados Unidos
manifestou, mais uma vez, a relação existente entre as políticas de proteção ambiental e o
comércio. O caso se referia à proibição de importar nos Estados Unidos, atum do México
capturado mediante redes de cerco que causavam a morte acidental de golfinhos. O México
interpôs recurso no GATT alegando que a proibição era incompatível com as normas de
comércio internacional.
Ocorre que, desde 1972, os Estados Unidos têm uma lei, chamada Marine
Mammals Protection Act - MMPA, cujo objetivo é proteger os golfinhos dos excessos da
pesca ao atum no leste do Pacífico, onde os golfinhos e o atum têm como habitat natural.
Todavia, Lang assinala que apesar da existência da MMPA:
“[...] mais de sete milhões de golfinhos foram mortos pelos processos de pesca, de forma que, - 1988, alterações na MMPA estabeleceram condições quanto à entrada nos EUA de atum importado que tenha sido pescado pelo método do cerco. Ao abrigo destas alterações, os países exportadores de atum para os EUA, como o México, estavam autorizados a matar 1,25 vezes o valor da matança de golfinhos dos EUA, mas o México, a Venezuela e o Vanuatu
249 Idem, p. 23
147
ultrapassavam essa taxa, e os EUA puseram um embargo às importações da albacora.”250
Assim sendo, o México instaurou processo no GATT contra os Estados Unidos
em fevereiro de 1991, o qual foi decidido a seu favor em setembro do mesmo ano. O painel de
arbitragem do GATT determinou que o embargo contra o atum mexicano, imposto conforme
a lei de proteção aos mamíferos marinhos, dos EUA, violava o acordo do GATT. Aqui, a
justificativa para a decisão do GATT foi que a discriminação com relação ao “processo”
utilizado para a captura do atum não era válida. Sobre esse assunto Runyan afirma o seguinte:
“Os árbitros decretaram que a lei americana era ilegal nos termos do GATT, pois era o processo pelo qual o atum era capturado, e não o atum propriamente dito, que estava sendo rejeitado pelos Estados Unidos. [...] Uma vez que a pesca do atum mexicano ocorreu fora das águas territoriais americanas, os árbitros consideraram o embargo como uma imposição dos Estados Unidos de suas leis e valores ambientais sobre o resto do mundo. Este ponto de vista encontrou eco com muitas pessoas, especialmente no mundo em desenvolvimento, que vêem a regulamentadora OMC como um freio aos Estados Unidos de brandir seu poder econômico unilateralmente.” 251
O órgão de solução de controvérsias favoreceu o México pelas seguintes252razões: (i) primeiro porque o a proibição norte-americana não tinha a ver com o produto
comercializado (atum), mas com seu processo de produção, nesse caso, o modo de captura.
Com relação às normas do GATT, o Grupo Espacial de Solução de Controvérsia determinou
que os Estados Unidos estavam obrigados a dispensar ao atum mexicano (como produto) um
trato não menos favorável do que o concedido ao atum pescado nos Estados Unidos (também
como produto) independente do modo de captura utilizado; (ii) quanto à capacidade de um
país para adotar medidas que tivessem efeitos fora da sua jurisdição, o grupo especial
observou que o Acordo Geral não especificava com claridade se os recursos objeto de
proteção poderiam tratar-se fora da jurisdição do governo que adotava as medidas de controle
ambiental, ainda quando os membros do GATT pudessem adotar medidas que normalmente
seriam incompatíveis com o Acordo Geral (em virtude da cláusula de Exceções Gerais do
artigo XX do GATT) para proteger o meio ambiente ou conservar os recursos naturais não
renováveis.
250 Lang, T im e Hines, Colin, op. cit., p. 117-118251 Runyan, op. cit., p. 24252 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO. Disponível em: www.wto.org/indexsp.htm. Acesso em: 27 jan. 2001
148
Para resolver esse problema, o Grupo Espacial estudou os trabalhos preparatórios
da seção pertinente do artigo XX e chegou à conclusão de que seus redatores só pretendiam
que se aplicasse a jurisdição do país que adotava a medida. Ainda que o informe do Grupo
Especial não tenha sido adotado pelos membros do GATT, seu conteúdo foi duramente
criticado por grupos de ecologistas, que consideram que as normas comerciais eram um
obstáculo para a proteção do meio ambiente.
Lang argumenta que “esta decisão eliminou o único mecanismo de cumprimento
disponível - sanções econômicas - para proteger este habitat e recursos naturais, pondo assim
em perigo a Convention on the International Trade in Endangered Species - CITES e
qualquer convenção sobre o clima.” O referido autor ainda afirma que, neste caso, não se
trata de os Estados Unidos querer impor o seu poder econômico unilateralmente. Segundo ele,
“A CITES tem uma lista de mais de 100 espécies em relação às quais o comércio é proibido, exceto em casos limitados. Permite o uso de sanções comerciais como forma de penalizar os não signatários ou mesmo os signatários relutantes, havendo assim a possibilidade de ser contestada ao abrigo do GATT. De igual forma, as restrições às importações baseadas em métodos de produção foram proibidas, sendo que, no que diz respeito ao GATT, os impactos ambientais associados aos métodos de produção utilizados são irrelevantes.”254
Seguindo-se esse raciocínio, poder-se-ia usar o argumento do GATT/OMC que
desconsidera os “métodos” de produção de determinado bem comercializável, para contestar
medidas comerciais que façam discriminação entre, por exemplo, madeira tropical produzida
de forma sustentável e a que não é produzida deste modo; ou produtos manufaturados
similares das indústrias que controlam a poluição e as que são altamente poluentes. Isso
certamente geraria muitas controvérsias no âmbito internacional.
O caso atum/golfinho mais uma vez demonstra a condicionamento das questões
ambientais às questões de caráter econômico. Segundo os árbitros do GATT, a lei americana
desrespeitava as exigências do GATT pelo fato de ela definir a exclusão da importação de
atum, com base no “processo” de captura, e não em função do produto: o próprio atum.
Este é um problema em que ainda não é despendida a devida importância às
questões ambientais por alguns estudiosos, e principalmente pelos que defendem as regras do
GATT/OMC. No entanto, se essa premissa de desconsiderar-se “processos” de produção for
253 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 118254 Idem, p. 119
149
aplicada a um campo maior de incidência, verifica-se que o espaço de manobra que é dado ao
Estados para que se produza de forma insustentável para o comércio internacional é muito
grande. Assim, com essa posição do GATT/OMC, os seus membros possuem mais um
instrumento que os possibilita assegurar o comércio livre e de forma insustentável
ecologicamente.
d) Tartaruga/Cam arão - Em 1988, a OMC decidiu contra uma lei norte-
americana cujo objetivo era o de proteger a mortalidade eventual da tartaruga marinha no
processo de pesca do camarão. A disputa teve início em 1986 quando o Tribunal de Comércio
Internacional ordenou aos Estados Unidos a implementação de certos dispositivos da Lei das
Espécies Ameaçadas, destinados à proteção das tartarugas marinhas. Ocorre que, segundo
Runyan,
“As disposições da legislação em questão fecharam o lucrativo mercado de camarões dos Estados Unidos aos países que não obrigam seus pescadores a utilizar equipamentos de exclusão das tartarugas (chamados TEDs). O TED é um equipamento simples mas altamente eficiente que evita que a tartaruga se emaranhe nas redes de camarão. Seu uso é obrigatório na pesca de camarão por pescadores americanos desde 1988.”255
Assim, os Estados Unidos promoveram um embargo comercial a dezesseis países,
onde treze eram países latino-americanos. Cabe ressaltar, que mesmo adotando
obrigatoriamente o uso dos TEDs, a Tailândia entrou com processo na OMC, apoiando a
índia, o Paquistão e a Malásia, contra o embargo dos Estados Unidos. Neste caso, o Conselho
de árbitros da OMC concluiu, em abril de 1998, que a medida violava regras da OMC. A lei
norte-americana teria que ser alterada, para se adequar às regras da OMC. O órgão de
apelação manteve a decisão do Conselho. Na opinião de Runyan,
“Sob o ponto de vista ambiental, o raciocínio legal utilizado pelo conselho de apelação foi um avanço, comparado com decisões anteriores, pois reconheceu que os países podem, em certos casos, aplicar medidas comerciais para proteger os recursos naturais. Porém o conselho discordou com a forma pela qual a lei americana havia sido implementada, argumentando que foi aplicada de forma arbitrária, deixando de tratar os países de forma igualitária.”256
255 Runyan, op. cit., p. 24256 Idem, p. 25
150
Contudo, a decisão da OMC é, inter partes, ou seja, não obrigará os países a
exigirem o uso de TEDs durante a pesca do camarão que for destinado a outro país,
aplicando-se esta decisão apenas quando a exportação for para os Estados Unidos.
O Órgão de Apelação reconheceu que os governos têm todo o direito, isso
conforme as normas da OMC, de proteger a saúde, a vida das pessoas e dos animais ou
preservar os vegetais assim como adotar medidas para conservar os recursos esgotáveis. A
OMC não tem que “autorizar” para exercer este direito. Contudo, os Estados Unidos perderam
o caso porque a medida se aplicava às importações de forma discriminatória. Neste caso, a
exigência dos Estados Unidos foi considerada arbitrária e não poderia ser estendida a todos os
países do Globo unilateralmente.
Ambientalistas norte-americanos protestaram contra a atitude do seu país,
movendo uma ação no Tribunal Internacional de Comércio dos Estados Unidos. Eles
alegaram que o governo não está implementando adequadamente a Lei das Espécies
Ameaçadas. Numa decisão preliminar, em abril de 1999, o Tribunal Internacional de
Comércio dos Estados Unidos acatou o interesse dos grupos ambientais, colocando a lei
nacional em conflito com a decisão da OMC.
Neste Capítulo, até o presente momento tratou-se de questões relativas à
liberalização do comércio internacional. No próximo item, abordar-se-á algumas questões de
um fenômeno inverso: o protecionismo econômico.
3.3 - Protecionismo
O protecionismo econômico está presente nas relações comerciais entre os
Estados, desde que estas relações tomaram grandes proporções, com o advento da Revolução
Industrial. Com a prática protecionista, as certificações ambientais perdem a sua razão de
existir, pois políticas de caráter protecionista pregam, de forma geral, a “proteção” das
economias estatais mediante um desenvolvimento endógeno, construído em âmbito local ou
regional. Transpondo estas diretrizes para o âmbito ambiental, conclui-se que as políticas
ambientais também devem ser elaboradas e postas em prática naqueles termos.
No âmbito econômico, o termo proteção refere-se, normalmente, a “uma
vantagem oferecida aos produtores locais que concorrem com as importações nos mercados
domésticos, embora uma interpretação ampla do conceito também pudesse abarcar a
151
promoção das exportações.” No comércio internacional, exemplo de prática protecionista
comum é a imposição de uma tarifa sobre as importações no momento em que elas entram no
país.
De acordo com Williamson, “a maioria dos economistas, desde a época de Adam
Smith, tem sido hostil à proteção. O argumento básico é que existem outros métodos melhores
para se atingir os objetivos macroeconômicos que podem ser promovidos pela proteção
tarifária, enquanto que esta implica a aceitação de distorções microeconômicas na produção e
no consumo e limitações à concorrência, tudo isso envolvendo uma diminuição do bem-
estar.”258
Os adeptos da liberalização comercial possuem vários argumentos que
fundamentam sua aversão às medidas protecionista. Entre estes argumentos está o fato de que
tais medidas reduzem a especialização internacional do trabalho; diminuem a riqueza global;
perpetuam a produção em áreas não muito propícias para determinada atividade econômica,
impedindo economias maiores em escala e eficiência. Em conseqüência disso, haveria a
diminuição dos níveis de vida das populações dos países que adotassem tais medidas, pois em
virtude destas os bens e os serviços ficariam mais caros. Além disso, nestes países a indústria
ineficiente seria protegida, privilegiada.
Deste modo, a lógica econômica de quem promove a liberalização comercial é a
de que as barreiras comerciais devem ser eliminadas, para que os preços diminuam e,
conseqüentemente, aumente o consumo. Ocorre que esse raciocínio não conta com aquelas
chamadas “falhas do mercado”, como é o caso da extemalização dos custos ambientais. Pois,
neste caso, sabe-se que o aumento do consumo certamente levará ao aumento da entropia,
piorando as condições de vida do homem no planeta.
Contudo, o termo “proteção” tão repudiado, numa época onde a ordem é a
globalização, possui muitos pontos positivos, principalmente no que diz respeito a
sustentabilidade ecológica. Destarte, a seguir, tratar-se-á do protecionismo, inclusive
demonstrar-se-á que este foi utilizado por muito tempo (e ainda continua sendo) como recurso
de política comercial pelos países hoje desenvolvidos.
»>257
257 Williamson, op. cit. p. 70258 Idem, p. 81-82
152
3.3.1 - Protecionismo: um recurso utilizado pelas grandes potências
No início do processo de industrialização, período coincidente com a difusão do
liberalismo econômico, a Grã-Bretanha, bem como os Estados europeus que a seguiram nesse
processo tiveram o cuidado de “proteger” alguns setores econômicos, como, por exemplo,
algumas atividades agrícolas, que não ofereciam vantagens comparativas no cenário
internacional.259
Esses Estados trataram de fortalecer suas economias internas, estabelecendo uma
base econômica capaz de suprir as necessidades nacionais. Mais tarde, esta industrialização, já
bem desenvolvida no âmbito nacional, seria expandida para o mercado externo, em busca de
novos mercados. A partir daqui, iniciava-se um processo de trocas comerciais entre países
industrializados e países não industrializados ou com industrialização precária. Deste modo,
os primeiros eram fornecedores de produtos elaborados, e os países hoje em desenvolvimento
eram fornecedores de matérias-primas para a indústria estrangeira, já que eram ricos em
recursos naturais.
A crise econômica internacional criada pelas duas Grandes Guerras, de 1914 a
1945, quebrou o círculo vicioso do sistema importação de produtos industrializados e
exportação de produtos primários de alguns países em desenvolvimento que, em face do fraco
fluxo de comércio internacional provocado pela reestruturação e protecionismo dos países
desenvolvidos nessa época. A reconstrução da Europa deu-se com base na proteção de suas
indústrias, incentivos financeiros dos governos etc. Dessa forma, os países hoje desenvolvidos
praticaram políticas protecionistas, aplicando tarifas elevadas aos produtos estrangeiros, com
o intuito de proteger suas indústrias nascentes. Sobre esse assunto, Guedes comenta o
seguinte:
“[...] sabe-se que a industrialização nos países desenvolvidos deu-se com o exercício de uma política protecionista onde barreiras tarifárias elevadas impediam a entrada de produtos estrangeiros, como um estímulo à indústria nascente. Após a fase de implantação industrial,
259 Como reação ao desenvolvimento da indústria britânica, outros Estados Europeus passaram a investir em suas economias nacionais. Aqui, o Estado assumiu uma posição mais ativa na condução do processo de acumulação de capital e consolidação de parques industriais. Esta se configura como a segunda fase do capitalismo industrial, onde Estados europeus, designados como centro, realizavam intercâmbios comerciais com outros Estados da Ásia, África e América, chamados de periferia. A gênese desse processo é caracterizada por um sistema de trocas comerciais extremamente vantajoso para os países do centro, em virtude das transações serem realizadas com produtos primários fornecidos por países periféricos, e produtos industrializados provenientes de Estados europeus.
153
inicia-se o período de aperfeiçoamento da qualidade das mercadorias. Nesse momento, é imprescindível que as barreiras às importações sejam reduzidas, sendo facilitada a entrada de mercadorias, principalmente bens de capital, no território nacional.”260
Após a Segunda Guerra mundial, as disputas no comércio internacional tornaram-
se cada vez mais acirradas. As formas de eliminação de concorrência foram se diversificando,
monopólios, oligopólios, tarifas, subsídios, e, mais recentemente barreiras comerciais não
tarifárias.
Num período onde as economias dos países participantes das Guerras Mundiais
estavam em acelerado crescimento, e suas estruturas industriais bem encaminhadas, isso nas
décadas de cinqüenta e sessenta, verifica-se que o desenvolvimento atingido, principalmente
pelos Estados europeus, bem como pelo Japão foi extraordinário. Todavia, houve vários
fatores que deram causa a essa reconstrução acelerada, entre eles estão: dinamismo
tecnológico, energia barata, investimento em educação, entre outros. Aqui, também a
participação do Estado foi decisiva na condução do processo de desenvolvimento e na
administração dos problemas sociais e econômicos, incluindo aqui a “proteção” a diversos
setores da economia nacional. O setor agrícola europeu, por exemplo, foi fortemente
protegido por ser um setor estratégico na Europa, principalmente em épocas de guerra.
No entanto, os “custos” deste crescimento acelerado evidenciaram-se mais tarde
com os transtornos causados pela degradação ambiental contínua e, muitas vezes, irreversível,
bem como, no âmbito econômico, com índices cada vez mais altos de inflação. Com relação a
esses problemas, Williamson comenta que “[nessa época] a opinião geral era a de que estes
males eram curáveis com atenção (e recursos) suficientes e que as principais causas de
preocupação eram o perigo de que a expansão pudesse um dia ser detida por limitações de
recursos e por uma participação inadequada de alguns países nos frutos do crescimento.”261
Aqui se evidencia a forte dependência que os países desenvolvidos possuem com
relação aos recursos naturais. Verifica-se, também, um certo descaso naquela época quanto à
questão da preservação do meio ambiente, pois a meta principal era, sobretudo, o
desenvolvimento econômico. Como estes países são atualmente carentes de recursos naturais,
em virtude das duas revoluções industriais e também do período de reconstrução do pós-
guerra, eles necessitam de fornecedores de bens primários para manterem sua condição de
260 GUEDES, Josefina Maria M.M; PINHEIRO, Silvia M. Anti-dumping, subsídios e medidas compensatórias. São Paulo: Aduaneiras, 1993. p. 21261 Williamson, op. cit. p. 9
154
desenvolvimento, e seus altos padrões de consumo. Nestes termos, conclui-se que, na posição
que ocupam no comércio internacional, os países em desenvolvimento se aderirem aos
preceitos do liberalismo econômico, certamente correm o risco de continuarem exercendo o
papel que sempre exerceram, ou seja, produtores de bens primários a baixos custos para a
satisfação das “necessidades” dos países importadores do primeiro mundo. As economias dos
países em desenvolvimento participam de um processo onde vendem cada vez mais, com
menos lucro.
Lang dá o exemplo da juta e do café, produtos que se enquadram entre aqueles
não transformados em que o fornecimento aumenta e o preço cai no mercado externo. Sobre
esse assunto, o referido autor argumenta ainda que esse processo levoü os países em
desenvolvimento “[...] nas últimas décadas a um retomo descendente: caíram no ciclo vicioso
de terem de vender mais e de obter menos lucro. Outro problema que existe quanto às
economias especializadas é a sua vulnerabilidade face a novas invenções. Um exemplo disto é
a cana-de-açúcar, já ameaçada pelos adoçantes artificiais e açúcares derivados do milho, mas
agora ainda mais pelo impacto da biotecnologia.” 262
A partir da década de oitenta, as relações econômicas/comerciais entre os países
foram desestabilizadas por diversos fatores, num cenário de crescente interdependência entre
as nações. Nesse sentido, Chossudovsky assinala que:
“A existência de uma "crise financeira global' é fortuitamente negada pela mídia ocidental; seus impactos sociais são minimizados ou distorcidos; as instituições internacionais, entre elas as Nações Unidas, negam a onda ascendente da pobreza mundial: "o progresso
7 na redução da pobreza durante o [final do] século XX é notável e semprecedentes O ‘consenso’ é de que a economia ocidental é'saudável' e de que as ‘correções do mercado’ em Wall Street são em grande parte atribuíveis à "gripe' asiática e à sofrida "transição da Rússia para uma economia de livre mercado'.”263
Além disso, os países recuperavam-se das duas crises do petróleo ocorridas na
década de setenta, nos anos de 1973 e 1979, o que agravava ainda mais a situação. Contudo,
em termos de inserção econômica internacional, os países em desenvolvimento continuaram
em desvantagem. Neste caso, vale lembrar algumas exceções como alguns países emergentes
da Ásia-Pacífico, principalmente a ascensão comercial e tecnológica dos tigres asiáticos, são
eles: Coréia, Hong-Kong, Taiwan e Cingapura. Por outro turno, a África e a América Latina
262 Lang et al, op. cit., p. 31263 Chossudovsky, op. cit. p. 288
155
apresentavam grandes problemas de ordem econômica, política e social. Este último
continente ainda sofreu grandes transformações políticas, passando do regime militar
autoritário para um regime democrático.
De acordo com Thorstensen, “a análise empírica da experiência de
desenvolvimento de diversos países na década de 80 mostra que existe de fato uma correlação
entre desempenho das exportações e taxas maiores de crescimento. Essa correlação é maior
nos países onde ocorreu a abertura econômica genuína, medida pelo crescimento conjunto de
exportações e importações em relação ao PIB (M. Agostin; D. Tussie, 1993).”264 Por seu
turno, Lang afirma que
“No estudo que realizou sobre a atuação da CE, do Japão e dos EUA na economia mundial atual, o Professor Thurow da Sloan School of Management do Massachusetts Institute o f Technology (MIT) chama a atenção para a descida da taxa de crescimento econômico. A taxa de crescimento do mundo não comunista era de 4,9 por cento nos anos 60, 3,8 por cento nos anos 70 e 2,9 por cento nos anos 80. Para os anos 90, o prognóstico é corretamente mais baixo. O Professor Thurow resume o problema da seguinte forma: ‘O capitalismo tem virtudes e vícios. E uma espantosa máquina produtora de bens e serviços em abundância, mas é difícil pô-la a funcionar.’”265
Já na década de noventa, houve uma estruturação dos blocos econômicos de
alguns países em desenvolvimento, apontando a integração econômica como uma saída para a
crise vivenciada naqueles países. No entanto, estes blocos não fazem frente aos existentes na
Europa e na América do norte, por exemplo. Dessa forma, compete-se numa relação desigual,
em que quem pode mais, ganha mais.
No âmbito do comércio internacional, na década de noventa ocorreram dois fatos
paradoxais: a utilização de novas barreiras não-tarifárias, instrumentos de políticas
protecionistas comerciais devidamente camufladas por fundamentos de outra ordem, que não
a autêntica proteção dos mercados internos. De acordo com Lang , nos países desenvolvidos o
protecionismo ainda vigora. Segundo os referidos autores,
“Tanto o Reino Unido como os EUA, países ativos na promoção das maravilhas do comércio livre, protegeram as suas indústrias têxteis, o que atrasou, com o apoio governamental, a conclusão do MFA estabelecido há duas décadas atrás como um ‘acordo temporário’. A lista dos setores protegidos é extensa e inclui a indústria dos computadores em França, a indústria das máquinas de escrever na
264 Thorstensen, Vera, op. cit., p. 18-19265 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 53
156
Itália e a dos televisores de alta definição na Europa. A questão fundamental é: quem estabelece a normalização e para que fins. Os acordos de comércio livre podem ajudar de forma evidente os meios e fins dos poderosos e não necessariamente os interesses do cidadão médio.”
Por outro lado, há a liberalização comercial promovida pelo GATT, hoje pela
OMC em suas rodadas de negociações. Assim, verifica-se que apesar de lançarem-se no
comércio internacional - começando com condições favoráveis, no sentido de que seus
produtos eram “mais caros” por possuírem valor agregado em função de suas inovações
promovidas pelo seu desenvolvimento tecnológico - os países hoje desenvolvidos nunca
abriram mão de suas políticas protecionistas, pelo menos com relação a setores da economia
em que consideravam estratégicos.
Depois das duas Guerras Mundiais, alguns países hoje considerados em
desenvolvimento iniciaram uma tentativa de desenvolvimento voltado para o mercado interno,
promovendo a substituição das importações, desenvolvendo parques industriais, e adotando
políticas de caráter protecionista. Este assunto será objeto de estudo do próximo item.
3.3.2 - A substituição de importações dos países em desenvolvimento
No primeiro quarto do século XX, os países periféricos lançaram-se numa
tentativa de desenvolvimento endógeno, representado, entre outras medidas, pela substituição
de importação. Vale ressaltar que a substituição de importações deu-se em parte pelo fato de
uma redução compulsória das importações em virtude da Guerra e, em parte, em nome de
uma tentativa de desenvolvimento daqueles países. No entanto, essa industrialização, além de
alguns obstáculos representados pela falta de capitais, dificuldade de acesso à tecnologia, e
limitações do mercado interno, foi financiada por capital estrangeiro, ou mesmo realizada
diretamente por oligopólios internacionais.
A substituição de importações tinha suas bases na Comissão Econômica para a
América Latina - CEPAL, sediada em Santiago, no Chile, cujo maior idealizador era o
economista argentino Raul Prebisch. De acordo com Williamson, “Prebisch desempenhara
um papel de destaque como orientador das políticas heterodoxas bastante bem-sucedidas
266 Idem, p. 191
157
adotadas pelo Banco Central da Argentina na década de 30, de modo que já estava bem
familiarizado com um caso bem-sucedido de substituição de importações.”267
Os primeiros resultados dessa política pareceram promissores. Entretanto
dificuldades subseqüentes levaram a um exame mais minucioso de tais experiências. Outros
países romperam com essa política mais ou menos na mesma época em que o estágio fácil
tinha sido completado, tendo adotado, em seu lugar, uma estratégia de abertura comercial, que
favorecia o crescimento de exportações não-tradicionais. Exemplo desses países foram Hong
Kong (que na verdade nunca teve uma fase inicial protetora), Coréia, Cingapura e Formosa.
Sobre esse modelo de substituição de importações, onde ao governo dos Estados “protegiam”
as indústrias nacionais, Lang comenta o seguinte:
“Após uma fase inicial de desenvolvimento da indústria mudam, em teoria, para as exportações, e competem nos mercados mundiais. Este modelo tem sido, em parte, responsável pelo surgimento de economias celebradas, como as do Brasil e da Coréia do Sul, mas com desigualdades sociais chocantes e com custos consideráveis para o ambiente. O Brasil, por exemplo, tem o pior hiato entre ricos e pobres do mundo. A faixa pertencente aos 20 por cento que ganham mais no Brasil recebe 6,6 por cento do rendimento nacional, enquanto os 20 por cento do extremo oposto ganham 2,4 por cento.”268
Na opinião de Lafer, “[...] o modelo de substituição de importações, implantado
com sucesso no Brasil desde 1930, mas em crise a partir dos anos 80, tinha esgotado as suas
virtualidades. Daí a convicção, que começou a generalizar-se, de que não há, nas condições
atuais do mundo, permeado pela ‘lógica da globalização’, desenvolvimento possível em
isolamento autárquico.”269
Importante acrescentar que esta afirmação de impossibilidade de desenvolvimento
fora da lógica da globalização, apresenta-se hoje como o discurso da ideologia dominante,
defendido principalmente por organizações como a OMC. Comumente afirma-se que os
países em desenvolvimento necessitam mais do sistema globalizado, para darem seguimento
aos seus processos de desenvolvimento econômico, do que os países desenvolvidos. No
entanto, se assim realmente fosse, a liberalização comercial não seria tão solicitada aos países
em desenvolvimento e, por outro lado, tantas barreiras comerciais não seriam impostas pelos
países desenvolvidos. Chossudovsky assinala que o lema dos defensores da liberalização
comercial é:
267 Williamson, op. cit. p. 245268 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 240
158
“[...]‘Morrer ou exportar’ [...], ‘substituição de importações’ e ‘produção para o mercado interno’ são conceitos obsoletos. ‘Aos países devem se especializar de acordo com a vantagem comparativa’, que repousa na abundância e no baixo preço de sua mão-de-obra; o segredo do ‘sucesso econômico’ é promover a exportação. Sob o olhar atento do Banco Mundial e do FMI, as mesmas exportações ‘não tradicionais’ são promovidas simultaneamente em um grande número de países em desenvolvimento.”270
Na opinião do autor supracitado, “o ajuste estrutural transforma economias
nacionais em espaços econômicos abertos e países em territórios. Estes são ‘reservas’ de mão-271de-obra barata e de recursos naturais.”
Além disso, uma vez que o processo de liberalização comercial é baseado no
incentivo à demanda e ao consumo mundial, as exportações dos países em desenvolvimento
só podem ter sucesso em um número limitado de locais com mão-de-obra barata. Isto porque
o desenvolvimento simultâneo de novas atividades de exportação num grande número de
países ocasiona uma maior competição entre os países em desenvolvimento. Sendo que a
demanda mundial não está se expandindo, a “nova” capacidade de produção criada em alguns
países será acompanhada por um declínio econômico nos locais respectivos. Isso levará várias
empresas à falência e, conseqüentemente, acarretará grande número de demissões.
O fato é que os países mais ricos participam desse sistema justamente na medida
dos seus interesses nacionais, num jogo desigual promovido por agentes em desigualdade de
condições (transnacionais, blocos econômicos bem estabelecidos, etc.); por fatores históricos
diferenciados; isso tudo além da dependência financeira que, por sua vez, acarreta
intervenções decisivas nas políticas nacionais dos países em desenvolvimento.
Contudo, um dos problemas do protecionismo econômico adotado pelos países
em desenvolvimento, é que aquele foi utilizado em benefício de determinadas elites e algumas
empresas nacionais pertencentes a grupos seletos da burguesia, quando o objetivo primordial
deveria ser o de se promover à satisfação do interesse comum ou coletivo, diminuindo, assim,
as desigualdades sociais, tão comuns nos países em desenvolvimento. Assim, o protecionismo
deveria de dar em função da proteção dos interesses públicos, e não de uma elite, seja esta
pertencente ao setor público ou privado. Nestes sentido, deve-se priorizar projetos e ações que
269 Lafer, op. cit., p. 42270 Chossudovsky, op. cit. p. 66-67271 Idem, p. 67
159
envolvam a saúde, a preservação do meio ambiente, o estabelecimento de normas de
segurança, o combate à pobreza entre outras.
Finalmente, a política protecionista em si não foi a principal responsável pelos
infortúnios sócio-econômicos e políticos dos países em desenvolvimento, no período em que
houve a tentativa de desenvolvimento endógeno. O grande problema é que juntamente com o
protecionismo instalava-se um cenário político antidemocrático, com a formação de grupos,
como as oligarquias (proprietários de grandes extensões de terras) e a burguesia urbana, além
de grupos formados dentro da própria estrutura do Estado. Assim, esse foi um momento
histórico de muita fragmentação e pouca organização política, social e econômica. Tais
grupos trataram de defender interesses próprios, e não os da nação. Em conseqüência desses
dentre outros motivos, a política econômica protecionista não obteve sucesso, e até hoje é
discriminada como exemplo isolado de má conduta econômica.
No próximo item, tratar-se-á de algumas alternativas ao comércio internacional,
com um direcionamento à adoção de um protecionismo que, no entanto, pretende-se diferente
daquele, considerado por Lang, como “velho protecionismo”.
3.3.3 - Alternativas ao comércio internacional
Tendo em vista a necessidade de frear o aumento do volume de comércio
internacional que, por sua vez, traz muitos infortúnios principalmente sócio-ambientais, é
necessário promover-se uma virada paradigmática para que tal propósito possa ser posto em
prática. No entanto, além de obstáculos ideológicos existem outros problemas que dificultam
uma solução alternativa à liberalização do comércio internacional, como, por exemplo, os
direitos adquiridos, uma visão limitada da economia (que extemaliza os custos ambientais e
humanos, por exemplo), entre outros.
Uma alternativa ao comércio internacional foi posta em prática por alguns países
que pararam de comercializar, construindo uma economia-forteleza. Assim ocorreu com os
antigos blocos do Leste, como a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS e os
países do Conselho de Assistência Econômica Mútua - COMECON, que seguiram este
caminho com muitos resultados socialmente opressivos, além de degradações ambientais
realizadas em grandes proporções. Neste caso, Lang assinala que “a estratégia resultou na
estagnação econômica e na perda tanto da produtividade como da inovação. A natureza
160
repressiva destes regimes políticos e a corrupção dos seus sistemas econômicos não nos
devem cegar para o potencial de uma área tão vasta e rica como a antiga União Soviética se
tomar amplamente auto-suficiente em termos de recursos, alimentação e produtos
manufaturados. ”272
Este exemplo mostra a importância, dentro do sistema político, da democracia
aliada a um controle eficaz das atividades do govemo, para que se possa ter condições de se
estabelecer um sistema econômico com uma base nacional bem sedimentada, próspera no
sentido de atender às necessidades das populações locais, e de oferecer postos de trabalho
para a população.
No entanto, aquele modelo histórico apresenta-se como uma dentre várias opções
a serem adotadas, na escolha de uma política econômica que venha a atender as necessidades
mais básicas das populações nacionais de cada Estado. Assim, a seguir, apresentar-se-á
algumas diretrizes que apontam para um comércio alternativo àquele praticado atualmente, ou
seja, algumas idéias que podem servir de base para reflexão e construção de uma ordem
econômica mais eqiiitativa.
a) Comércio Local - Uma das alternativas ao comércio internacional seria fazer
das regiões, dentro dos países, o centro da atividade econômica. Assim, ao invés de organizar
a economia de forma a tomá-la cada vez mais competitiva internacionalmente, promover-se-
ia o desenvolvimento das economias em âmbito local e, eventualmente, regional, dando
ênfase à satisfação das necessidades locais pela produção local, e promovendo a cooperação
em vez da concorrência. Esse processo dar-se-ia num sentido contrário à globalização
econômica.
Com o atual sistema, as economias locais são desestruturadas ou destruídas, os
postos de trabalho são reduzidos em determinadas regiões, onde as comunidades locais ficam
sem ter condições mínimas de vida digna. Já numa economia local, organizada pelo govemo e
pela comunidade conjuntamente, os postos de trabalho são gerados localmente, assim como a
distribuição dos recursos. Os problemas identificados nestas unidades podem ser identificados
com maior facilidade e, pela proximidade, podem receber melhor tratamento.
Com esse processo, se perderia, por exemplo, os benefícios econômicos das
economias de escala. De qualquer forma, qualquer subida nos custos econômicos é
272 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 240-41
161
compensada pelas vantagens sociais obtidas, pelo fato de as pessoas estarem empregadas,
produzindo bens e serviços necessários à comunidade local.
Nesse sentido, os países desenvolvidos teriam que recuar em determinados
aspectos de sua política econômica, já que o atual modelo econômico parece levar a um beco
sem saída. Estes países teriam que promover e incentivar o setor agrícola, procurando dessa
forma atingir a auto-suficiência em alimentos. Sobre esse assunto, Derani comenta que
“É de se remarcar que um fator dentro da teoria do crescimento não é tomado em consideração, o fator solo. Fator sempre presente nas teorias clássicas e que chegou a ter o papel central e determinador do desenvolvimento econômico na teoria dos fisiocratas. Solo aqui é natureza, a parte designa o todo. A economia neoclássica coloca o início da produção econômica não a partir da apropriação da natureza, mas com a criação de crédito - quantidade de dinheiro necessária para iniciar a produção.” 273
Essa diretriz teria que ser acompanhada por uma campanha de eliminação dos
desperdícios e uso racional de energia, além da utilização de energias alternativas como a
solar, a hidráulica, assim como uma boa administração das reservas de recursos exauríveis. O
comércio internacional seria muito reduzido, apenas para o atendimento das necessidades
básicas, e para a aquisição de recursos muito escassos ou não disponíveis no território
nacional.
Nos países em desenvolvimento, estas mudanças não poderão ocorrer dentro da
estrutura do atual sistema de propriedade da terra, onde existem muito latifúndios
improdutivos contrastando com uma grande parte da população destituída de qualquer
propriedade seja urbana ou rural. O subdesenvolvimento só poderá ser superado mediante
uma mudança estrutural dos países pobres e dependentes.
Tomar o comércio realizável num plano mais local, agrupar-se-ia uma diversidade
de opções para empreendimentos nesta área, onde a riqueza seria produzida em âmbito local.
Cabe ressaltar que esse processo certamente é realizável em longo prazo, e necessita de um
planejamento muito criterioso por parte dos governos nacionais. O fato é que o caminho
atualmente seguido pelas nações do mundo está causando colapso principalmente na esfera
ambiental e social de uma forma generalizada. É necessária uma mudança de direção para que
se possa promover o desenvolvimento de uma forma sustentável e eqüitativa dentro de cada
unidade política estatal.
273 Derani, op. cit., p. 99
162
b) Democracia e Controle Local - Outro propósito a ser seguido é estabelecer a
democracia e o controle sobre a tomada de decisões econômicas, principalmente sobre as
companhias transnacionais e os organismos mundiais, de forma efetiva. Além de tomar mais
rigorosas as normalizações, em função da gravidade de alguns problemas como, por exemplo,
os de caráter ambiental. Sobre os atuais organismos de normalização internacional Lang
afirma que “os organismos internacionais de normalização como a Codex e a ISO, deveriam
ser mais abertos, mais democráticos, e os seus níveis de normalização deveriam ser um
‘mínimo’ e não os máximos para as normas nacionais.”274
Sem a democracia, que envolve a participação da comunidade de uma forma
organizada na tomada de decisões políticas e na solução dos problemas da região onde vivem,
dificilmente uma política econômica nos moldes protecionista obteria sucesso. Por outro lado,
o controle exercido pelo Estado, também com o auxílio da comunidade, numa gestão
participativa, é de suma importância para que o sistema cumpra com o seu escopo principal
que é a satisfação das necessidades básicas da população.
c) Contenção do Consumismo - Há que se promover a inversão de algumas
características encontradas principalmente nos países desenvolvidos. Sabe-se que os atuais
padrões de consumo desses países são ecologicamente insustentáveis. O fenômeno do0 7 c
consumismo precisa ser recuado, para o real exercício de uma política econômica que leve
em consideração a questão da sustentabilidade ecológica, com a finalidade de garantir maior
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.
Para prover o desenvolvimento econômico, são utilizados os fatores de produção
capital trabalho e tecnologia. Contudo, um fator é comumente desprezado: os recursos
naturais. Este é tão necessário, ao desenvolvimento econômico, quanto os outros fatores
acima citados. Sobre esse assunto, Derani observa o seguinte:
“O crescimento não é somente explicado pelo desenvolvimento técnico, porém é ele conseqüência do aumento de uso da matéria- prima natureza, ou seja, da exploração deste reservatório não renovável. Isto não significa outra coisa senão que o terceiro fator da função da produção econômica deve ser decomposto em dois - desenvolvimento técnico e exploração dos recursos naturais,
274 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 246275 Por consumismo aqui se entende 0 consumo muito além das necessidades básicas do ser humano, o consumo pelo consumo, aquele induzido pela mídia, pela propaganda.
163
integrando um reservatório que alimenta a expansão industrial e a massa do PIB.”276
Dessa forma, os recursos naturais não podem continuar sendo utilizados de forma
a atender aos surtos de consumismo presente nas regiões mais ricas do Globo. Os elevados
padrões de consumo requerem grandes quantidades de recursos, e este fato está diretamente
ligado ao aumento da entropia. Os efeitos desse procedimento já podem ser sentidos pelas
catástrofes ambientais ocorridas em virtude do desequilíbrio ecológico provocado por
atividades humanas, incluindo aqui o fator consumismo. Por fim, se este não for contido,
principalmente nos países desenvolvidos, estes países certamente não terão as mínimas
condições de aproximarem-se de uma auto-suficiência em recursos, além de continuarem
agravando ainda mais a crise ecológica planetária.
d) Independência Econômica - É também importante promover-se, nesse
contexto de inversão do processo liberalizante, uma menor dependência possível do comércio
internacional. Há que se quebrar o círculo vicioso de trocas comerciais, onde os países em
desenvolvimento são um pouco mais do que fornecedores de matérias-primas, incluindo
alguns produtos semi-elaborados, num campo onde a desigualdade de condições em face de
fatores históricos, políticos, sociais, e culturais, condena estes países a não atingirem tanto a
sustentabilidade ecológica, quanto um quadro social mais homogêneo, com menos diferenças
entre as classes.
Uma outra proposta é que, aqui, o sucesso do novo sistema econômico em nível
mais local seja acompanhado por mecanismos de medição mais realistas que os atuais, e mais
completos, de modo que forneça o verdadeiro perfil da comunidade em que ele funcione.
Nesse sentido, Lang sugere o seguinte:
“Indicadores como a mortalidade infantil, a esperança de vida, a diferença entre os quintos da população mais rica e os mais pobres numa sociedade, a instrução, a segurança do emprego, a poluição do ar, a perda de solos, a destruição da camada de ozônio e a produção de gás do efeito de estufa dizem-nos muito mais acerca de uma sociedade. A taxa de aumento ou diminuição da diferença entre ricos e pobres, menos desperdício de matérias-primas e uma redução da poluição e dos lixos também se pode demonstrar com relativa facilidade.”277
276 DERANI, op. cit., p. 101277 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 228
164
Dessa forma, um país não seria bem visto mundialmente somente pelo fato de ter
uma economia considerada forte. Exemplo disso é o Brasil, que figura entre as dez principais
potências econômicas do Globo, com base na avaliação de seus respectivos produtos e
populações. No entanto, o Brasil é um país de grandes desigualdades sociais, os níveis de
desemprego, violência urbana, e pobreza são assustadores.
A atividade do comercio internacional dever ser questionada, repensada. Deve-se
ter em vista seus efeitos de uma forma geral, e não apenas quanto ao aspecto dos dados ou
estatísticas econômicas. Há que se considerar muito mais do que os índices de crescimento da
atividade econômica. Aqui, o poder público de cada Estado tem a responsabilidade de
identificar os problemas de desenvolvimento de cada região nacional, equilibrando os
benefícios, promovendo a satisfação das necessidades da população, num regime democrático
e participativo. Deve-se ainda identificar os instrumentos que levarão ao cumprimento dos
objetivos iniciais, promovendo-se um profundo questionamento sobre as atuais diretrizes que
prejudicam um desenvolvimento ecologicamente sustentável. Nesse sentido, Winter afirma o
seguinte:
“A participação do Poder Público [...] não se direcionaria exatamente à identificação e posterior afastamento dos riscos de determinada atividade. À pergunta ‘causaria A um dano?’, seria contraposta a indagação ‘precisamos de A T . Não é o risco, cuja identificação toma-se escorregadia no campo político e técnico-científico, causado por uma atividade que deve provocar alterações no desenvolvimento linear da atividade econômica. Porém, o esclarecimento da razão final do que se produz seria o ponto de partida de uma política que tenha em vista o bem-estar de uma comunidade.”279
Assim, o questionamento a ser feito é o seguinte: para que se precisa de comércio
no âmbito internacional? Será realmente que existe a necessidade dessa atividade
desenvolver-se? Será que essa atividade seria importante, ou mesmo, determinante para que
se estabeleça a paz mundial, como argumentam alguns autores que defendem a sua
liberalização? No questionamento sobre a própria razão de existir de uma determinada
atividade, se colocaria o início da prática do princípio da precaução.
Dentro dessa visão de comércio local, processo inverso à liberalização comercial,
as certificações ambientais para fins de comércio internacional perdem o seu propósito, já que
278 ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. [Coleção Direito e Comércio Internacional]. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 283279 WINTER apud DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 167- 68
165
as questões ambientais seriam tratadas no âmbito de cada unidade estatal. Neste caso,
problemas ambientais de caráter global podem ser resolvidos mediante a assinatura de
tratados internacionais firmados por aqueles que genuinamente se dispõem a preservar o meio
ambiente, e pôr em prática o conceito de desenvolvimento sustentável.
Por derradeiro, após ter-se analisado neste Capítulo alguns pontos do fenômeno da
liberalização do comércio internacional e, dentro desse tema, questões relativas ao
GATT/OMC; e, ainda, ter-se feito algumas considerações sobre o protecionismo econômico,
seguido da apresentação de algumas “alternativas” ao atual sistema de comércio globalizado,
tratar-se-á, com mais propriedade, do papel que exerce atualmente as certificações, mais
especificamente da ISO 14000, no comércio internacional. Assunto objeto do próximo
Capítulo.
CAPÍTULO 4 - CERTIFICAÇÕES AMBIENTAIS E
COMÉRCIO INTERNACIONAL
As mudanças estruturais em curso na economia mundial têm motivado a busca
por novas formas de protecionismo e de disputas geopolíticas, podendo ser destacados os
movimentos dos blocos comerciais como a União Européia, o North American Free Trade
Agreement - NAFTA (ou Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e o Mercado
Comum do Sul - MERCOSUL; as normas de caráter técnico, as certificações, etc. Munõz
comenta que “[...] está acontecendo uma formidável mudança na correlação global de forças,
particularmente no âmbito econômico. Assim, por causa especialmente do avanço asiático,
estima-se que nos próximos anos, pela primeira vez na história, os países industrializados
responderão por menos da metade da produção mundial.” 280
Neste cenário econômico mundial em formação, seja de forma isolada ou em
blocos econômicos, os governos dos países desenvolvidos sofrem pressões internas para que
os governos nacionais fixem barreiras comerciais. Tais pressões são exercidas para que se
promova a proteção de alguns setores da economia interna; para a manutenção de emprego;
para que não se exponha determinada atividade comercial à concorrência internacional, o que
poderia levar à falência algumas empresas, entre outros interesses dos nacionais.
Nos países desenvolvidos, esses grupos de interesse se uniram em função de um
objetivo comum: protegerem suas atividades comerciais nacionais da concorrência externa. A
influência desses grupos, assim como a existência nestes últimos anos de atividades
comerciais tendo objetivos ambientais duvidosos, suscitaram inquietações, sobretudo, nos
países em desenvolvimento.
Dessa forma, nos países em desenvolvimento, tanto os governos quanto os setores
produtivos, adotaram posturas que variam da prudência à oposição em relação à possibilidade
de incluir condições ambientais nas regras relacionadas ao comércio internacional. Contudo,
este assunto apresenta-se cada vez mais complexo, pois hoje não envolve somente os setores
produtivos dos diferentes níveis de países, mas também organizações não governamentais que
trabalham na área ambiental de todos eles; os consumidores, principalmente os dos países
280 Munõz, op. cit., p. 27
167
ricos; entre outras implicações. Estes fatos, sem dúvida, favorecem o sistema de certificação
ambiental originalmente elaborados nos países desenvolvidos.
Destarte, com o intuito de desvendar alguns pontos-chave relacionados com as
certificações ambientais e o comércio internacional, analisar-se-á, a seguir, alguns aspectos
que estão diretamente ligados ao tema em questão. Primeiramente ver-se-á o significado das
certificações e quando elas surgiram. Em seguida, apresentar-se-á estas certificações sob o
ponto de vista dos produtores e consumidores, respectivamente. Logo após serão apontadas
algumas alternativas às certificações ambientais para, ao final, tratar-se da seguinte questão:
as certificações representam barreiras comerciais ambientais, ou o não enquadramento das
empresas no sistema das certificações dá ensejo ao chamado dumping ecológico?
4.1 - Certificações ambientais
Um rótulo ecológico “é a certificação de produtos com qualidades ambientais, que
atesta (através de uma marca colocada no produto ou na embalagem) que determinado
produto, adequado ao uso, apresenta o menor impacto ambiental em relação a outros produtos•yo i
‘comparáveis’ disponíveis no mercado.” Já a Certificação de Sistema de Gestão Ambiental
tem por objetivo certificar que uma empresa adota um Sistema de Gestão Ambiental
implantado em conformidade com determinada norma, como por exemplo a ISO 14000. Cabe
esclarecer que as normas desta série, até então publicadas, são relativas à certificação de
empresas, mas também se está desenvolvendo selos ou rótulos para produtos.
O primeiro selo ecológico foi concebido na Holanda, em 1972, com pouca
repercussão em âmbito nacional e internacional. No entanto, este marco serviu de base para
uma grande variedade de selos adotados posteriormente. Assim, conforme afirmam Graedel e
Allemby (1995), “em 1978, a Alemanha lançava o selo ecológico ‘Blau Angel’, que identifica
na embalagem os produtos ambientalmente responsáveis, de acordo com critérios de
avaliação formalmente definidos. Inúmeros países seguiram na mesma direção, como EUA
(Green Seal), Japão (Ecomark), Canadá (Environmental Choice), entre outros.”282
281 ABNT. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental. O Brasil e a futura série ISO 14000. Rio de Janeiro, setembro de 1994. p. 5282 Graedel & Allemby apud WIDMER, Walter Martin. O sistema de gestão ambiental NBR ISO 14001 e sua integração com o sistema de qualidade NBR 9002. 1997, (Dissertação Mestrado em Engenharia Ambiental), p. 4
168
De acordo com Barbosa, “nos anos 70, a grande conquista foi a obrigatoriedade
da inclusão de informações sobre os produtos, sobretudo alimentos, que poderiam ter
relevância para a saúde do consumidor.”283 Esse processo vem associado a uma preocupação
crescente com o consumidor, pois este interessa-se cada vez mais por produtos elaborados “de
forma ambientalmente correta”. Nestes termos, o selo passou, a partir da década de setenta, a
representar novo fator de competitividade, dentro dos países desenvolvidos, e nas práticas
comerciais internacionais dos países em desenvolvimento.
Na década de oitenta, principalmente no âmbito dos países desenvolvidos, houve
um processo de regulamentação ambiental destinado à atividade industrial. Essa multiplicação
de normas relativas ao meio ambiente causou uma proliferação de entidades certificadoras de
caráter nacional, cujo objetivo maior era o controle das atividades do setor produtivo no que
tange à sua adequação às normas ambientais. Os sistemas de certificação e de rotulagem
ambiental cresceram de tal maneira que, em 1992, vinte e dois países da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE que realiza a coordenação de políticas
econômicas entre os países mais “desenvolvidos” - adotavam programas de rotulagem
ambiental.
Em agosto de 1991, foi formado pela ISO o SAGE, criado para desenvolver
estudos sobre gestão ambiental. O SAGE formou um grupo de especialistas para estudar
sistemas de gestão ambiental já disponíveis em alguns países, além de promover estudos
também na área da rotulagem ambiental. Importante ressaltar que a ECO-92 representou um
grande evento que impulsionou o processo de normalização ambiental internacional. Durante
essa Conferência foi proposta a criação, no âmbito da ISO, de um grupo que teria a função de
desenvolver estudos e trabalhar na elaboração normas de gestão ambiental.
Assim, as certificações e rótulos ambientais passaram a fazer parte das políticas
ambientais dos países, como um instrumento auxiliar na implementação dessas políticas; além
de auxiliar os consumidores na escolha de produtos ecologicamente “sustentáveis”,
produzidos de forma “ecologicamente correta”. Sobre esse assunto, Barbosa comenta que “o
Reino Unido constitui bom exemplo de como o consumismo verde influencia a ação
governamental. As importações de mogno brasileiro vêm declinando constantemente - de
283 BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente. In: Governo do Estado de São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente/CIEL - US Center for Internacional Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente. Direito, Economia e Política, 1996. p. 144
169
100.000 metros cúbicos em 1987 para 25.000 em 1995 - essencialmente como resultado de
campanhas movidas por organizações não-govemamentais.” 284
Mais recentemente, esses instrumentos passaram a integrar o marketing da
empresa que possui o certificado, representando um diferencial a mais no mercado. Assim,
nos dois itens subseqüentes, analisar-se-á os processos de certificação e rotulagem sob a ótica
de produtores e consumidores.
a) Produtores
Antigamente, os custos ambientais ou extemalidades negativas não eram
assumidos pelos produtores, e hoje muitos ainda não intemalizam tais custos. Estes recaem
sobre a comunidade que tem que suportar a degradação e a diminuição da qualidade de vida.
Nesse sentido, Motta comenta que “[...] o uso do meio ambiente gera extemalidades (custos
ambientais) não captados pelo sistema de preços e, portanto, externos às funções de custo e de
demanda. Conseqüentemente, o mercado não gera incentivo apropriado para o uso eficiente
dos recursos naturais, os quais, tratados como recursos livres ou de custo muito baixo, tendem
a ser superexplorados.” Ainda de acordo com o referido autor,
“Embora contrarie a visão de alguns setores ambientalistas, o dilema da sustentabilidade é encontrar o trade-off entre estes custos ambientais e o benefício do processo produtivo, medido pelo valor do produto disponível para o consumo que gera estas perdas ambientais. O princípio econômico é simples: o ótimo da degradação é aquele no qual o custo ambiental não supera o custo imposto à sociedade pela redução de consumo não ambiental gerado no processo produtivo.”286
Ocorre que a sociedade, principalmente nos países mais ricos, está consumindo
produtos elaborados com a observância de determinadas normas ambientais, e o cumprimento
destas normas também é exigido dos exportadores estrangeiros. Assim, a certificação
ambiental apresenta-se hoje como um requisito essencial à competitividade. Este novo
diferencial nas relações econômicas tem obrigado as empresas (produtores) a adequarem-se a
novos padrões ambientais estabelecidos por “autoridades” de países do hemisfério norte.
Na opinião de Cavalcanti, dentro de uma proposta de “desenvolvimento
sustentável”, bem como de uma intercomunicação entre os aspectos sociais ambientais e
284 Idem, p. 145285 MOTTA, Ronaldo Serôa da e MENDES, Francisco Eduardo. Instrumentos Econômicos na Gestão Ambiental: aspectos teóricos e de implementação. In: ROMEIRO, Ademar Ribeiro et alli. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. Ademar Ribeiro Romeiro; Bastiaan Philip Reydon; Maria Lúcia Azevedo Leonardi, org. - Campinas: UNICAMP. IE, 1996. p. 127
170
econômicos, “[...] a elaboração da série ISO 14.000 representa uma das respostas dadas pelo
setor produtivo. Resposta esta que é fruto da forte articulação de grandes organizações
econômicas do mundo desenvolvido, ante a ameaça representada pelo crescente volume de
legislação, regulamentos e exigências ambientais impostas recentemente pelos governos
locais.”287
Rappaport e Dillon (1991) identificam os fatores chave que estimulam o setor
privado da economia a buscar uma maior eficiência ambiental.288 Esses fatores são:
regulamentação governamental; responsabilidade por danos ambientais; seguro; imagem
pública; lucratividade; comprometimento da alta administração; e grau do impacto ambiental
da atividade da empresa.
O governo, mediante a elaboração de normas de caráter ambiental, pode fazer
com que o setor produtivo se adapte às regras de sustentabilidade. Uma outra forma de
incentivar uma produção, com eficiência ambiental, seria a de subsidiar determinadas
atividades que envolvam a otimização do processo produtivo em termos ambientais.
Quanto à responsabilidade por danos ambientais, este fator decorre da própria
legislação ambiental, e certamente levará os produtores a tomar medidas a fim de minimizar o
risco de ter que arcar com eventuais prejuízos. Nestes termos, as seguradoras das empresas
apresentam-se cada vez mais exigentes, com relação às questões ambientais, inclusive o valor
desse tipo de seguro hoje é considerado bastante elevado.
A imagem pública da empresa representa um fator que leva o produtor a instituir
uma produção eficiente sob o aspecto ambiental. Aumenta, cada vez mais, a preocupação dos
produtores com a imagem pública da organização, nas relações comerciais contemporâneas.
Sobre esse fator Widmer assinala que “o risco de uma empresa ter associada a sua marca à
imagem de poluidora ou destruidora do meio ambiente tem feito com que as empresas como
Polaroid, Du Pont e 3M e muitas outras não só incrementem cada vez mais suas iniciativas de
defesa do meio ambiente, como também divulguem publicamente os resultados e as metas das
atividades de proteção ambiental.”289
De fato, o avanço dos meios de comunicação e a mídia contribuem para obrigar as
empresas a adequarem-se às atuais regras de certificação e rotulagem ambiental. Movimentos
286 Idem, p. 128287 CAVALCANTI, R. op. cit., p. 218288 Rappaport apud Widmer, op. cit,. p. 8289 Ibídem.
171
que divulgam a importância de um comportamento ambientalmente correto influem na
preferência dos consumidores, principalmente daqueles pertencentes aos países mais ricos,
impulsionando, com isso, uma mudança no setor produtivo. De acordo com Moura,
“Uma pesquisa realizada em abril de 1990 pela Opinion Rearch Corporation nos Estados Unidos indicou que 71% das pessoas consultadas disseram que tinham mudado de marca devido a considerações de cunho ambiental e 27% afirmaram ter boicotado produtos por causa de maus antecedentes ambientais do fabricante. Existe inclusive um guia de grande circulação dirigido aos consumidores denominados ‘shopping for a better world’, no qual as empresas são classificadas em uma série de tópicos (promoção de minorias e mulheres, doações beneficentes, etc.) inclusive quanto ao desempenho ambiental.” 290
O marketing ecológico está sendo cada vez mais utilizado pelos produtores para
atingir grupos de consumidores preocupados com a crise ecológica. Nestes termos, Moura
apresenta os seguintes exemplos relacionados a empresas que estão adotando posturas
ambientalmente corretas:
“[...] CULTURAL SURVIVAL, que importou produtos de povos indígenas com habitat ameaçado (nozes, óleos da floresta, alimentos e cosméticos, botões de madeira, com movimentos de 30 milhões de dólares em vendas. [...] A Nike desenvolveu tecnologia voltada à reciclagem de tênis e a Kodak investiu fortemente na modificação de processos produtivos e reaproveitamento de materiais poluentes como toner de máquinas copiadoras.”291
Outro fator que estimula uma produção ambientalmente correta é a lucratividade,
ou seja, empresas que possuem melhor condição financeira têm menos dificuldade em
investirem em tecnologias limpas do que aquelas que não têm situação financeira muito
promissora, e encontram dificuldades para implementar os instrumentos necessários para a
prática de uma política ambiental eficaz como, por exemplo, recursos humanos e
tecnológicos.
Por fim, o comprometimento da alta administração de uma empresa é essencial
para que uma política ambiental seja implementada com sucesso. Widmer observa que “este
comprometimento serve de exemplo, liderança e motivação para que o pessoal de todos os
níveis da empresa acompanhe a melhoria ambiental. Além disso, uma direção sensibilizada
290 MOURA, Luiz Antônio Abdalla de. Qualidade e gestão ambiental: sugestões para implantação das Normas ISO 14.000 na empresas, p. 21291 Idem, p. 25-26.
172
contribui para que aumente a disponibilidade de recursos financeiros e humanos relacionados
com questões ambientais.”292
Na prática, os motivos que levam o setor privado a adotarem sistemas eficientes
de gestão ambiental nas empresas variam, não só com os fatores acima descritos e algumas
combinações deles, mas também varia de país para país, conforme seu grau de
desenvolvimento econômico, social e político.
Importante ressaltar que as empresas que obtém a certificação ambiental e
acrescentam em seus produtos os rótulos ecológicos conseguem ganhar mercados
consumidores onde a renda destes últimos é relativamente alta, mas em lugares onde a renda
dos consumidores é baixa, o que realmente conta é o preço do produto. Gradativamente o selo
ecológico está exercendo o seu papel nos países em desenvolvimento, todavia, nada
comparado ao efeito que ele produz nos países desenvolvidos.
b) Consumidores
A idéia de que as certificações ambientais e os rótulos ecológicos têm o poder de
alterar os hábitos dos consumidores é algo que não pode ser negado. Isso é mais evidente nos
países desenvolvidos. Por outro turno, no caso dos países em desenvolvimento, os
instrumentos de política ambiental, e também de política econômica, influenciarão muito mais
o setor produtivo do que propriamente os consumidores, isto em face do incentivo à produção
para fins de exportação o que requer uma adaptação aos padrões de certificação estabelecida
internacionalmente. Nestes termos, é importante esclarecer o seguinte:
“Os selos ecológicos não são novos e já se tornaram padrão de referência respeitado pelos consumidores de alguns países, como Alemanha, sendo nova, porém, a sua dimensão internacional, impulsionada pela ECO-92, em sua Agenda 21. Esse documento sugere que os governos e instituições internacionais desenvolvam indicadores que informem aos consumidores sobre o impacto ambiental de todas as fases do ciclo de vida dos produtos, como obtenção das matérias-primas, produção, utilização e disposição final.”293
Sem dúvida, os consumidores dos países desenvolvidos assumem a vanguarda na
defesa do meio ambiente, fato esse explicável pelos diferenciais educação e informação que
estes países detém. Por outro lado, fato que contribui para a alienação dos consumidores dos
países em desenvolvimento é que estes possuem problemas que não acometem os
292 Rappaport apud Widmer, op. cit., p. 8
173
consumidores do norte. Assim, nos países periféricos, grande parte dos consumidores não tem
a possibilidade de escolher produtos ambientalmente corretos, pelo simples fato de que seu
primeiro critério é o preço. Nestes países, a fome, as moléstias relacionadas com a saúde, a
violência urbana, a pobreza são temas que são considerados “mais relevantes” do que a
preservação ambiental. Associado a esse problema está o fato de que grande parte da
população desses países não possui sequer educação básica. Neste caso, educação ambiental é
praticamente inacessível para a maioria dos consumidores.
Quanto às nações desenvolvidas, essas possuem recursos suficientes para atender
as reivindicações dos seus consumidores, o que não significa que se chegue a atendê-los. Para
os consumidores desses países, a questão da preservação do meio ambiente figura entre as
maiores preocupações da atualidade. De acordo com Moura, na Alemanha foram realizadas
pesquisas a respeito de “qual seria o maior problema da atualidade”, o resultado da pesquisa,
conforme o referido autor, foi o seguinte:
“[...] para 56% das pessoas seriam ‘problemas do meio ambiente’, 34% a ‘manutenção da paz’ e 8% a ‘situação econômica’, ou seja, questões sérias como o desemprego, etc., ficam abaixo das questões ambientais. Outra pesquisa, realizada em 25 países pelo IEML (International Environmental Monitor Limited), com sede no Canadá, constatou que mais de 70% das pessoas acham que a saúde de seus filhos seria prejudicada por problemas ambientais.” 294
Numa outra pesquisa, realizada nos Estados Unidos, verificou-se que “[...] 0,5%
dos produtos novos lançados no mercado em 1985 tinham algum rótulo indicando serem
‘ambientalmente sadios’. Em 1990, essa participação alcançou 9,2%, patamar vinte vezes
superior. No Reino Unido, um ‘Guia do Consumidor Verde’, publicado em 1988, manteve o
primeiro lugar na lista dos mais vendidos durante nove meses e foi traduzido para 10
línguas.” Esses dados demonstram a importância da preservação ambiental para os
consumidores dos países desenvolvidos e, conseqüentemente, o reflexo dessa preferência no
setor produtivo que se aperfeiçoa cada vez mais nesta área para atender às exigências
daqueles consumidores.
293 ABNT. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental. O Brasil e a futura série ISO 14000. Op. cit., p. 8294 MOURA, Luiz Antônio Abdalla de. Qualidade e gestão ambiental: sugestões para implantação das Normas ISO 14.000 na empresas.Op. cit., p. 18295 BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente. In: Governo do Estado de São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente/CIEL - US Center for Internacional Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente. Direito, Economia e Política, 1996. p. 144
174
4.1.1 - Alternativas das empresas frente à certificação
A OMC não permite restrições ao comércio com base em processos, salvo poucas
exceções. São permitidas as restrições comerciais apenas a produtos, desde que tais restrições
também sejam adotadas domesticamente. Levando-se em conta que os países do Globo
possuem realidades diferentes: seus níveis de degradação variam; seus ecossistemas são
diferentes; seus critérios de sustentabilidade não são os mesmos entre outros, quando um país
desenvolvido cria um sistema de certificação ambiental ou de rotulagem ecológica, que
envolve processos produtivos com fundamento em “seus próprios critérios”, tais instrumentos
de política ambiental podem transformar-se em instrumento de política econômica,
caracterizando as barreiras comerciais não tarifárias.
Destarte, apesar de restrições comerciais não poderem considerar processos, a
concessão de um rótulo ecológico é baseada em uma avaliação de ciclo de vida, que considera
na sua matriz os processos de obtenção de matéria-prima e de fabricação dos produtos. Ou
seja, na prática, a concessão de um selo ou certificado considerará os processos envolvidos.
Outro fato relevante é a dificuldade das empresas dos países em desenvolvimento em se
adequarem a esses sistemas.
As atitudes de uma empresa frente aos programas de certificação ou rotulagem
ambiental podem ser: (i) a indiferença a tais programas; (ii) a adoção dos programas
pressionada pela possível perda de competitividade, e todas as conseqüências advindas deste
fato; (iii) a busca da certificação, procurando influenciar na produção de normas.
Os produtores de países em desenvolvimento, em sua maioria, e pelo menos no
âmbito do mercado interno, objetivam segmentos do mercado que optam pelo fator “preço”,
portanto são indiferentes à existência de rótulos ecológicos. Assim sendo, os fabricantes de
países em desenvolvimento podem adotar uma estratégia de indiferença ao rótulo ecológico,
ou melhor não adotar estratégia alguma. Neste caso, apostam na existência de um mercado
diferenciado unicamente pelo preço e por outras qualidades do produto, que não aquelas
associadas à preservação do meio ambiente. Os produtos originados daqueles países são
muitas vezes barrados no mercado externo, por não cumprirem normas estrangeiras de caráter
ambiental.
Importante assinalar, que a ausência de rótulo num produto não quer dizer,
fundamentalmente, que o mesmo não seja produzido de forma sustentável ecologicamente. O
175
selo apenas atesta a informação para o consumidor do comprometimento do produtor com
determinadas regras ambientais. Contudo, a postura de ignorar as certificações pode contribuir
para o agravamento da crise ecológica por, muitas vezes, dispensar os cuidados necessários
com o meio ambiente em função de uma maior lucratividade.
O segundo tipo de estratégia é a de adaptação às exigências. Esta postura requer
investimentos em tecnologia apropriada, pessoal capacitado, enfim, recursos humanos,
financeiros e tecnológicos para o financiamento e implementação de uma política ambiental
em determinada empresa. Assim, o cumprimento dos requisitos impostos pelas organizações
produtoras de normas como as da série ISO, requer que a empresa tenha condições financeiras
para arcar com as despesas de um sistema de gestão ambiental, exatamente nos moldes
elaborados por aquela organização de normalização. A estratégia de adaptação às normas de
certificação ou rotulagem, é a mais utilizada pelas empresas, isso, é claro, com relação
aquelas que dispõem de recursos para tal.
Uma terceira opção seria a de aderir ao sistema de certificação ambiental,
procurando participar do processo de elaboração das normas ambientais, fazendo valer os seus
interesses e necessidades, a fim de tornar este procedimento mais democrático. Aqui, cabe
lembrar que na ISO, por exemplo, todos os subcomitês que tratam da elaboração das normas
de caráter ambiental são coordenados por representantes dos países desenvolvidos. Dessa
forma, é difícil manter um processo democrático de elaboração de normas ambientais, em
face do privilégio que esses países possuem a começar pela posição que ocupam na
organização.
Por fim, os selos atestam a qualidade ambiental de produtos, e as certificações
atestam que a empresa possui um sistema que cumpre determinadas normas de caráter
ambiental. No entanto, estes instrumentos de política ambiental possuem critérios diferentes
de avaliação da referida qualidade. Deste modo, eles podem ser utilizados como barreiras
comerciais não tarifárias. Se por um lado as certificações ambientais ajudam a promover uma
produção “ambientalmente correta”, por outro existem vários pontos desse tema que precisam
ser analisados com cuidado, pois apesar de serem defendidas por muitos, também não são
poucos os que criticam essas certificações, seus critérios, sua eficácia, seus efeitos etc.
A seguir far-se-á a análise de um aspecto que, nas últimas décadas, vem sendo
associado à utilização desses rótulos/certificações. Trata-se da utilização destes como
barreiras ao comércio internacional.
176
4.2 - Barreiras comerciais ambientais
Uma preocupação do setor produtivo, principalmente daqueles provenientes dos
países em desenvolvimento, é que a rápida proliferação de rótulos e certificações ecológicas
possa criar barreiras comerciais, intencionais ou não, ao comércio internacional.
A maior crítica feita aos selos e aos organismos de normalização ambiental é de
que estes “[...] abrigam tendenciosidades e imprecisões, favorecendo setores produtivos,
invariavelmente situados no primeiro mundo, acarretando em severos prejuízos aos
concorrentes instalados nos países em desenvolvimento.”296
Este novo tipo de barreira comercial está conduzindo a um processo de
harmonização de normas ambientais internacionais relativas ao meio ambiente e, nesse
processo, a organização que está sendo indicada para assumir essa tarefa é a ISO. Cabe
acrescentar que a OMC está entre os que apoiam essa harmonização, já que esse
procedimento facilitaria o intercâmbio comercial entre os países.
Ocorre que a ISO está longe de representar uma organização que não abriga
tendenciosidades. A fraca participação dos países em desenvolvimento nos processo de
elaboração das normas é apenas um fator que aguça a preocupação do setor produtivo
pertencente aos países em desenvolvimento. Dessa forma, observa-se que
“A questão fundamental é evitar que a nova série ISO venha a abrigar tendenciosidades, prestigiando práticas aplicáveis ao primeiro mundo, cujos níveis de consumo de matéria e energia representam cerca de 80% do consumo global. As emissões de poluentes e, conseqüentemente, os níveis de controle devem ser muito mais rigorosos do que os exigidos dos países em desenvolvimento, que reconhecidamente, precisam minimizar graves problemas sócio- econômicos, o que impõe aumento nos níveis de consumo.”297
Nesse contexto, vê-se que um dado importante a ser analisado é o critério, ou os
critérios utilizados pelos organismos de certificação e rotulagem ambiental, na formulação das
normas e dos requisitos a serem cumpridos pelas empresas. Esse aspecto é fundamental na
elaboração de uma política ambiental em conformidade com a realidade de cada Estado
soberano. Dessa forma, são os “critérios” adotados para a elaboração dos sistemas de
296 ABNT. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental. O Brasil e a futura série ISO 14000. Op. cit., p. 10297 Idem, p. 11
177
certificação e selos ambientais os maiores alvos de críticas, assunto a ser tratado no próximo
item.
4.2.1 - Os critérios de rotulagem/certificação
Os critérios de rotulagem/certificação utilizados para a elaboração de normas
ambientais são fortemente influenciados pelos setores produtivos onde tais normas são
elaboradas, ou seja, nos países desenvolvidos. Esses critérios correm o grande risco de
favorecer setores produtivos daqueles países, além de negligenciarem os dados, estatísticas e
necessidades presentes nos países em desenvolvimento. Dessa forma, os referidos critérios
tomar-se-ão normas de certificação e rotulagem que, por seu turno, poderão representar uma
medida de caráter protecionista disfarçada por motivos de ordem ecológica, cultural e
ideológica.
Produtores domésticos podem influenciar a escolha de novas categorias de
produtos para rotulagem, que não incluam categorias de produtos que são de interesse de
fornecedores estrangeiros, particularmente os de países em desenvolvimento. Isso ocorre
porque as propostas para a criação de novas categorias de produtos para rotulagem, em sua
grande maioria, vêm do setor industrial.
Como os critérios para rotulagem levam em conta as preocupações ambientais e
comerciais dos fabricantes domésticos, o resultado final pode não ser o de maior ganho
ambiental. Em março de 1992, o Conselho de Ministros do Meio Ambiente da União
Européia definiu vinte e cinco tipos de produtos para os quais estão sendo elaborados critérios
para a concessão de um selo ecológico europeu, o “EU ecolabel”.298 Tais critérios serão
elaborados de modo a atender às necessidades dos empresários europeus ou, pelo menos, de
acordo com a realidade ambiental característica da Europa. Sobre esse assunto, Barbosa
comenta o seguinte:
“Pelo menos seis importantes setores exportadores brasileiros figuram entre as categorias de produtos selecionados: papel, embalagens, têxteis, cerâmica, calçados e refrigeradores. Um dos primeiros casos examinados mostrou claramente o risco que o esquema representa para o Brasil. Os critérios aprovados para a outorga do selo ambiental a produtos de papel privilegiam a
298 Cf. BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente.
178
reciclagem em detrimento da celulose virgem, colocando em desvantagem a indústria brasileira de celulose - importante fornecedora do mercado europeu - cuja produção deriva do manejo sustentável de florestas com uso de técnicas avançadas de controle ambiental”299
A característica de uma floresta manejada e sustentável, no conceito europeu, é de
possuir certa variedade de espécies. Conceito este que considera o reflorestamento com uma
única espécie insustentável ecologicamente. O consumo de recursos não renováveis, por
exemplo, não considera a matriz energética de países com recursos predominantemente
hídricos, como no caso do Brasil. Dessa forma, critica-se ainda que:
“As contribuições para o efeito estufa são calculadas como se todos consumissem energia elétrica gerada na Europa, à base de combustíveis fósseis, ainda que em países como o Brasil a energia hidráulica tenha um papel preponderante. E todos são penalizados como se contribuíssem para a chuva ácida na Escandinávia, mesmo os produtos de países distantes como o Brasil. [...] Esses critérios, embora polêmicos, não puderam ser discutidos pelos produtores de fora da União Européia em virtude de um processo não transparente, que durante muito tempo omitiu informações e não permitiu a participação de países não europeus.”300
Trata-se de uma situação de grande risco para produtores dos países em
desenvolvimento que não participam da formação dos critérios, e são impedidos de
comercializarem seus produtos por determinação unilateral de blocos econômicos mais
estruturados ou países desenvolvidos. A aplicação de penalidades resultantes desses critérios a
um país como o Brasil não modificará o problema europeu, e criará mais uma barreira a um
exportador que possui uma realidade ambiental e sócio-econômica diferente. Assim, verifica-
se que alguns critérios penalizam a produção de alguns países em desenvolvimento, tirando-
lhes as vantagens competitivas.
Para a solução desse problema, a proposta que tem sido apresentada é a
harmonização das normas ambientais no âmbito internacional, assunto a ser tratado a seguir.
299 BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente. In: Governo do Estado de São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente/CIEL - US Center for Internacional Environmental Law. Comércio e Meio Ambiente. Direito, Economia e Política, 1996. p. 145300 ABNT. Grupo de Apoio à Normalização Ambiental. O Brasil e a futura série ISO 14000. Op. cit., p. 9
179
4.2.2 - Harmonização internacional dos sistemas de certificação
Muitos estudiosos defendem a idéia de que, para ser efetivo, o rótulo necessita de
harmonização internacional, pois a necessidade de adaptar-se a diferentes critérios e
categorias de produtos pode tomar o processo desnecessariamente caro para o fabricante,
podendo representar uma barreira comercial.301
Teoricamente, o papel da OMC é dificultar a fixação dessas barreiras comerciais
sem justificativas plausíveis. Para isso, está-se a difundir a idéia de harmonização de normas
e, dentro deste tema, a harmonização de normas ambientais. Há o reconhecimento que, a
despeito das medidas de liberalização comercial unilateral e dos resultados das rodadas de
negociações multilaterais, persistem medidas não-tarifárias protecionistas, as quais, muitas
vezes, se apresentam na forma de normas e regulamentos técnicos. As propostas convergem
para sua harmonização, dando-se prioridade às normas voluntárias, de cooperação técnica e
compatibilização com normas e acordos internacionais. Sobre esse assunto, Munõz comenta o
seguinte:
“Os governos de países em desenvolvimento orientados para o comércio exterior tendem a apoiar o papel desempenhado pelo GATT na preservação do comércio livre e limitação do protecionismo, já que suas normas e decisões mostravam uma inclinação mais favorável à promoção do livre comércio do que à promoção do meio ambiente. Portanto, aqueles que valorizam a liberalização comercial pensam que um melhorado Código de Normas do GATT deveria continuar constituindo o principal marco para regulamentar os aspectos relacionados com o comércio e o meio ambiente.”302
Recentemente, com a evolução dos acordos da Rodada Uruguai do GATT
(Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e a criação da OMC, vem ocorrendo um grande
crescimento do comércio internacional e da interdependência comercial e financeira dos
países. De acordo com Moura, mesmo que o objetivo divulgado pela OMC seja o de eliminar
as barreiras comerciais, sempre haverá o risco de elas existirem. Conforme o referido autor,
“[essas barreiras são, via de regra] resultantes de interesses de industriais que impressionam os governos na defesa de seus interesses (dumping, ameaças de desemprego, desatualização tecnológica, etc.). E como as barreiras tarifárias são proibidas pelos acordos, sempre haverá o risco de que ‘problemas ambientais’ sejam
301 Cf. BARBOSA, Rubens Antônio. Brasil, Globalização e Meio Ambiente; MAIMON, Dalia. Passaporte verde: gerência ambiental e competitividade etc.302 MUNOZ, Heraldo. A nova Política Internacional, op. cit., p. 84
180
os motivos reais ou fictícios para a imposição de barreiras (não tarifárias) aos produtos brasileiros.”303
O posicionamento do GATT/OMC com relação aos sistemas de certificação e
rotulagem ambiental baseia-se em dois princípios: o princípio da transparência e o princípio
da não discriminação do produto estrangeiro. Assim, pelo princípio da transparência normas e
regulamentos que afetam a venda de produtos num determinado mercado devem ser do pleno
conhecimento de governos e empresas. A transparência é condição indispensável para a
credibilidade dos sistemas de certificação e rotulagem. Sobre esse posicionamento da OMC,
onde se defende a transparência e a não discriminação com relação aos sistemas de
certificação e rotulagem ambiental, Barbosa assinala que “mesmo assim, uma das maiores
críticas ao selo europeu aponta para a ausência de consulta a terceiros países.”304 Este fato
denuncia tanto a falta de transparência, quanto a discriminação a terceiros países no processo
de elaboração do referido selo.
Uma outra regra que tem de ser observada, no âmbito da OMC, é a de que
produtos importados por um país devem receber tratamento não menos favorável ao
dispensado aos produtos nacionais, no que diz respeito às normas que regulamentam sua
venda. Neste caso, Barbosa comenta o seguinte:
“Basta, por exemplo, que se façam exigências que aumentem os custos de produção além de certo ponto, ou que sejam inexeqüíveis em determinado país, para que o produto se veja em situação desvantajosa. No caso do selo europeu para papel, os critérios revelam um marcado eurocentrismo na medida em que embutem padrões de consumo de energia e reciclagem que neutralizam as vantagens comparativas da indústria brasileira.”30
A harmonização dos padrões ambientais vem sendo defendida para facilitar o
comércio internacional. Não que esse tipo de solução seja fundamentalmente a mais indicada
para a resolução de problemas de ordem ecológica. Com a unificação dos padrões ambientais,
aumentaria a facilidade de entrada dos produtos em mercados estrangeiros. Nesse processo, a
ISO está sendo indicada como a organização mais apropriada para exercer o papel de
normalizadora na área do meio ambiente.
303 MOURA, Luiz Antônio Abdalla de. Qualidade e gestão ambiental: sugestões para implantação das Normas ISO 14.000 na empresa Op. cit., p. 16304 BARBOSA, op. cit., p. 145305 Ibidem.
181
Alguns questionamentos devem ser feitos com relação a essa proposta. O primeiro
diz respeito a que os países desenvolvidos teriam que nivelar por baixo seus padrões ou suas
regras relativas à preservação ambiental. O segundo diz respeito ainda aos critérios a serem
adotados mundialmente, com realidades tão diversas entre os Estados nacionais. E um terceiro
ponto a ser questionado é a própria instituição encarregada de fazer esse trabalho, ou seja, a
ISO. Com relação às normas elaboradas por esta organização, Caubet comenta o seguinte:
“[...] as exigências da concorrência internacional fazem com que a certificação de conformidade às exigências formuladas pela ISO, tome-se a verdadeira e única chave para ter acesso ao mercado dos países que promovem a adoção dessas normas. De pouco adiantará observar que ditas normas não refletem exigências de ordem ecológica, que são elaboradas por empresários e para empresários, que não há a participação de membros da sociedade civil nas reuniões da ISO, e que tampouco os países em desenvolvimento conseguem ter uma participação que respeite sua importância. As séries 9000 e 14000 da ISO representam provavelmente a possibilidade de criar a mais importante matriz do comércio internacional do século XXI.”306
Além disso, existe ainda o potencial de risco representado, principalmente para a
maioria das pequenas e médias empresas dos países em desenvolvimento, com a
harmonização das normas internacionais de caráter ambiental. Nesse sentido, Cavalcanti
afirma que o papel a ser desempenhado pelos governos desses países é fundamental. Segundo
a referida autora, os governos “[...] deverão se responsabilizar por: formular mecanismos
eficazes de promoção e difusão de pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos em áreas
consideradas estratégicas; estabelecer mecanismos que facilitem o acesso à tecnologia
disponível; estimular o intercâmbio científico e tecnológico com instituições de pesquisa e
indústrias de países que disponham do conhecimento necessário.”307
Convém, contudo, assinalar que, nos países em desenvolvimento, esta situação foi
utilizada por alguns setores para justificar as atitudes irresponsáveis em relação ao meio
ambiente e à saúde. Cita-se, por exemplo, o caso das empresas florestais estrangeiras, que,
para obterem lucros em curto prazo, transferem suas atividades para países onde as leis sobre
o meio ambiente são menos exigentes. Assim, ficam livres para explorar as florestas sem ter
que assegurar um desenvolvimento sustentável. Saem do país deixando para trás o mínimo de
riquezas possíveis e grandes devastações ambientais. Há, ainda, casos precisos de abusos
306 CAUBET, Christian Guy. A irresistível ascensão do comércio internacional: o meio ambiente fora da lei? p. 237-38307 CAVALCANTI, R. op. cit., p. 207-08
182
ocorridos na área do tratamento e evacuação de resíduos perigosos. Certas empresas possuem
o hábito de depositar resíduos industriais em países menos desenvolvidos, de maneira müito
econômica e inadequada, porque custa mais caro em seu país de origem, em face dos
regulamentos vigentes.
Ainda quanto à universalização dos critérios relativos à produção de normas
ambientais, no momento em que o cumprimento de uma norma internacional ambiental
apresenta-se como requisito para a entrada de produtos estrangeiros em determinado país, esta
questão passa a ter implicações com relação à soberania dos Estados nacionais, que se
desdobra no direito de elaborarem suas próprias políticas e normas dentro de seus territórios,
desde que não causem danos além de suas fronteiras. Este assunto será objeto de análise do
próximo item.
4.2.3 - A questão da soberania nos sistemas de certificações
Cada país apresenta condições próprias relativas aos seus ecossistemas, além de
particularidades culturais e sócio-econômicas. Estas características são cruciais para o
estabelecimento de políticas de desenvolvimento e proteção do meio ambiente. Não se pode
pretender que as normas ambientais possam ser iguais para todos, dado que as características
dos ecossistemas e as prioridades sócio-econômicas são diferentes.
Assim, levando-se em consideração tais diferenças, pode-se implementar
programas, regulamentos e objetivos que tenham uma característica própria. A compreensão e
o respeito dessa diversidade são essenciais para se estabelecer relações comerciais eqüitativas.
Cada país deve ser consciente de suas responsabilidades e valer-se de sua
soberania estabelecendo suas próprias leis, regulamentos e programas de proteção ambiental,
de forma a respeitar e a fazer respeitar tal legislação em seu território. Este princípio deverá
contudo ser baseado sobre um processo democrático de informação, participação e decisão,
onde as pessoas envolvidas poderão exercer uma influência bastante determinante sobre as
decisões quanto às políticas ambientais que possam prejudicar a qualidade de vida, e possuir
os meios eficazes de processar e exigir das autoridades a aplicação fiel das leis.
No mesmo espírito, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, exprime o princípio de soberania (número 2). Este confere a cada país a
183
responsabilidade de não afetar o meio ambiente de um terceiro Estado ou de regiões fora de
sua jurisdição nacional. Diz o referido princípio:
“Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente dos outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.”
Fato relevante a ser considerado, quando se trata de soberania dos países
participantes do sistema de certificações ambientais, é a observância do esquema instituído
pela ISO. Sobre esse assunto Soares afirma que “no Comitê Técnico que coordena as
atividades da ISO, todos os subgrupos são coordenados por países desenvolvidos, e até 1995,
apenas o Brasil, o México e o Chile participavam como observadores. A fraca representação
não apenas dos interesses empresariais dos países em desenvolvimento como também de
representantes da sociedade civil, cria potencialmente sérios riscos. Isto porque não há- jrv o
equilíbrio de interesses.”
Por outro lado, existe o problema dos países desenvolvidos que desejam aumentar
a qualidade de suas normas ambientais, e são impedidos por essa forte tendência de
harmonização de tais normas. Assim, isso seria um fator impeditivo da evolução das normas
relativas ao meio ambiente. É em decorrência disso que se defende a competência dos
governos nacionais de elaborarem suas próprias normas. Por seu turno, Lang chama a atenção
para um outro aspecto:
“Apesar de os defensores do comércio livre se afirmarem a favor da desregulamentação na maioria das vezes, outras há em que fomentam as regulamentações. A sua lógica para as instituições mundiais tem sempre a ver com as palavras de ouro: harmonização das normas mundiais. A normalização é apresentada ao consumidor como uma vantagem porque acaba com o fardo de a indústria ter de ir ao encontro de diferentes normas nacionais.”309
Assim, as normas nacionais estariam representando obstáculos ao processo de
liberalização comercial, ao processo de globalização econômica. O fato é que esta tendência
harmonizadora de normas ambientais pode representar um agravante para o problema da
degradação ecológica, problema este que, neste caso, fica relegado em segundo plano, onde o
308 SOARES, M. op. cit., p. 4309 Lang, Tim; Hines, Colin, op. cit., p. 52
184
objetivo principal é que o comércio atinja a maior distância possível e não encontre barreiras
nas fronteiras nacionais.
Nenhum consenso foi obtido, até os dias atuais, a respeito do limite existente
entre, por um lado, a promoção legítima dos benefícios comerciais assegurando a proteção do
meio ambiente, e, por outro lado, a das atividades com interesses protecionistas. Contudo,
observa-se que o processo de harmonização das normas ambientais em âmbito internacional
não respeita a diversidade natural dos países que participam desse sistema, assim como
esbarra no direito soberano de cada Estado elaborar e implementar sua própria política
ambiental.
Até agora, foram feitas algumas considerações sobre protecionismo comercial,
sob a roupagem de barreira não tarifária de caráter ambiental. Esta forma de protecionismo é
comumente atribuída aos países desenvolvidos. Por outro turno, estes últimos acusam os
países em desenvolvimento de praticarem um tipo de prática econômica considerada desleal
designada “dumping ambiental”. Analisar-se-á esse assunto ainda neste Capítulo, entretanto,
para facilitar o entendimento do dumping ambiental, far-se-á breves considerações sobre as
práticas convencionais de dumping, assunto a ser tratado no próximo item.
4.3 - Dumping
Atualmente, vive-se numa verdadeira guerra comercial, onde os agentes
econômicos põem em prática alguns tipos de medidas comerciais desleais. Entre elas está a
utilização de preços com dumping, cuja definição em termos gerais dada por Guedes é “a
colocação de mercadoria em outro país a preço inferior ao praticado no mercado doméstico do
país exportador, com o fito de desestabilizar a concorrência.”310
De acordo com Barrai, dumping é uma prática que pode ser definida como “a
discriminação de preços entre dois mercados nacionais, entre o mercado exportador e o
mercado importador. Entre outras palavras, o preço demandado por um determinado bem,
pelo mesmo produtor, difere entre dois mercados, desconsiderando-se os fatores relacionados
a transporte, tributos, etc.”311
310 Guedes, Josefina Maria M.M.; Pinheiro, Silvia M., op. cit., p. 22311 Barrai, op. cit., p. 391
185
Para que a prática de dumping seja caracterizada, deve-se considerar os seguintes
requisitos: o preço de determinado produto, por exemplo, deverá ser menor no mercado
exportador, do que no mercado de origem ou importador; o país importador deverá provar que
tal fato provocou “dano” ou “ameaça de dano” à sua indústria nacional; e, ainda, deverá
provar que existe um nexo de causalidade entre o dano e a suposta prática de dumping
exercida pelo exportador. Caso todos esses requisitos sejam atendidos, o país importador de
mercadorias sob o efeito de dumping possui o direito de estabelecer medidas antidumping
sobre a mercadoria importada.
Johannpeter observa que “sob o aspecto macroeconômico, pesquisadores de
formação liberal como Deardorff (1989), da Universidade de Michigan, declaram que o
fenômeno dumping é bastante propenso a ocorrer quando a empresa é a única, ou uma das
únicas vendedoras daquele produto no seu mercado doméstico, sendo ainda protegida por
barreiras naturais ou artificiais de comércio.” 312 Nestes termos, a empresa teria inicialmente
as condições necessárias para vender sua mercadoria abaixo do preço de mercado ou abaixo
do preço de custo da produção.
A despeito do fato de que tal instrumento restritivo à liberdade de comércio
apenas possa ser adotado segundo procedimentos específicos, regulados estritamente pelo
GATT/OMC, num passado ainda recente países desenvolvidos apresentavam uma tendência a
invocá-los em caráter relativamente freqüente, fazendo um uso abusivo dessas medidas,
apresentando motivações claramente protecionistas a pretexto de suposto prejuízo aos
produtores nacionais. O “dano efetivo”, por exemplo, requisito para adotar medidas
antidumping, pode em alguns casos ser habilmente construído, a partir da presunção de
subsídios “indevidos” ou de preço “anormalmente” baixo.
Contudo, direitos antidumping estão regulados pelo GATT/OMC, artigo VI do
Acordo Geral, que outorga às partes contratantes o direito a aplicar medidas antidumping, ou
seja, medidas contra as importações de um produto cujo preço de exportação é inferior a seu
“valor normal” (geralmente, o preço do produto no mercado interno do país exportador),
quando as importações objeto de dumping causem dano a uma produção nacional do território
da parte contratante importadora.
O processo de aplicação das medidas antidumping requer uma investigação
ampla, com a participação de todas as partes interessadas, onde os dados e informações são
312 Johannpeter, op. cit., p. 82
L
186
conferidos e opiniões são confrontadas. Após cumprir-se todos os requisitos estabelecidos no
âmbito da OMC, as decisões têm que ser levadas ao conhecimento público através de ato
subscrito pelas autoridades competentes e o país, caso questionado internacionalmente, terá
que aceitar pedidos de consultas e, eventualmente, defender sua posição em painéis na OMC.
Cabe assinalar, ainda, que as práticas antidumping não são bem vistas por alguns
autores de cunho liberal, pois estas podem sugerir um protecionismo emergente o que vem
contra os preceitos da teoria do livre comércio. Estas práticas serão objeto de análise do item
subseqüente.
4.3.1 - As práticas ou medidas antidumping
Desde a primeira normalização relativa ao tema “práticas desleais no comércio
internacional”, no século XIX, as leis dos Estados foram por várias vezes modificadas, com o
intuito de adequação às novas conjunturas impostas pelo sistema econômico mundial. A
primeira tentativa de uniformização dessas legislações deu-se com o advento do GATT. Além
de mais adiante, o GATT também ser o responsável pela tentativa de inibição do uso
indiscriminado de defesa contra essas práticas desleais. Aqui, cabe dizer que os Estados
Unidos é recordista nas ações antidumping. Quanto ao Brasil, Almeida assinala que:
“O processo de abertura comercial motivou o Brasil a adotar leis e medidas administrativas que pudessem proteger suas indústrias de práticas consideradas como desleais do ponto de vista do comércio internacional, mas uma primeira legislação a esse respeito já se encontrava disponível desde 1987. Até essa data, o Brasil já tinha sido acionado dezenas de vezes por norte-americanos e europeus, sem que dispusesse de legislação apropriada nesse terreno. Curiosamente, a demanda pelo conjunto de práticas e medidas relativas a dumping tomou-se, como seria de se esperar, mais vocal à medida que a liberalização comercial expôs a situação pouco concorrencial de muitas empresas brasileiras.” 313
Apesar de a legislação antidumping já existir desde 1904, de acordo com Barrai,
“o temor de que as medidas antidumping fossem utilizadas como barreiras ao comércio já era
uma preocupação durante as negociações do GATT, e uma primeira regulamentação
internacional se materializou no Artigo VI do GATT 1947, que reconhecia a existência do
313Almeida, P. op. cit., p. 213
187
dumping condenável e permitia a aplicação de medidas antidumping desde que presentes os
requisitos normativos (dumping, dano e nexo causal).”314
Até as negociações do GATT que duraram de 1964 a 1968, designada como
Rodada Kennedy, tinha discutido-se apenas a questão da redução das tarifas. Foi a partir dessa
Rodada que se iniciaram discussões sobre as barreiras não-tarifárias ao comércio
internacional. Dessa forma, na Rodada Kennedy se tentou atingir uma uniformização entre as
diferentes legislações antidumping utilizadas pelos países desenvolvidos.
Vale ressaltar que a Rodada Kennedy foi finalizada com a assinatura do
Agreement on the Implementation o f the Article VI o f the GATT. Esse acordo era o código
antidumping, uma espécie de consenso entre as normas dos diversos países membros do
GATT. A partir desse acordo, regras para a determinação do dumping e do dano à indústria
local ficaram mais claras e precisas e, a partir daqui, deveria haver uma “causa substancial” de
dano à indústria nacional para que se utilizassem medidas antidumping.
Depois de muitas discussões sobre o assunto, no âmbito do GATT, na Rodada
Tóquio reviu-se o código antidumping de 1968. De acordo com Guedes,
“A revisão alterou o conceito de causalidade. Segundo os códigos recém-aprovados, a pratica do dumping e de subsídios não deve ser causa substancial de dano à indústria doméstica. Ou seja, para a apuração do dano pelo código antidumping anterior aprovado pela Rodada Kennedy, procedia-se a uma comparação entre os fatores conjunturais causadores de dano a uma indústria e a pratica desleal. Após o que, verificava-se de forma comparativa se a pratica desleal seria a causadora principal do dano. Segundo o novo dispositivo, os demais fatores de conjuntura econômica do país não devem ser levados em consideração.” 315
Assim, durante esta rodada elaborou-se um novo código antidumping, na tentativa
de esclarecer os termos obscuros do artigo VI, que permitiam uma grande discricionariedade
às autoridades nacionais, autorizando-lhes a escolha da metodologia na investigação do
dumping. Dessa forma, o código antidumping - art. VI do GATT - aprovado na Rodada
Tóquio entrou em vigor em Io de 1980, para os países que inicialmente o aprovaram. Esta lei
não é vista como forma de protecionismo desde que seja aplicada na exata medida do que
estabelece o GATT sobre o assunto.
314 Barrai, op. cit., p. 392315 Guedes, op. cit., p. 40
188
No entanto, estava clara a impossibilidade do GATT de impedir a imposição de
barreiras não-tarifárias. Estas se apresentavam como uma forma de frustrar o acordo, e
precisava-se pensar numa solução para o problema. Assim, o tema barreiras não tarifárias foi
abordado na Rodada Tóquio, nos chamados códigos de barreiras não-tarifárias.
Na Rodada Uruguai, o tema “prática antidumping” voltou a ser discutido. Isso em
face do protecionismo exercido pelos Estados Unidos na década de oitenta, com excessiva
utilização do dispositivo que autoriza estas medidas. Essa controvérsia foi resolvida com o
estabelecimento de um acordo denominado Acordo Antidumping da Rodada Uruguai
(AARU). Este acordo tem como objetivo a delimitação de alguns pontos relativos à matéria,
além de ter adicionado alguns requisitos sobre a aplicação das medidas antidumping pelos
membros da OMC. Sobre o Acordo Antidumping firmado na Rodada Uruguai afirma-se o
seguinte:
“O acordo revisado pela Rodada Uruguai prevê normas mais claras e pormenorizadas no que se refere ao método para determinar que um produto é objeto de dumping, aos critérios que têm que ser levados em consideração para emitir uma determinação de que as importações objetos de dumping causam dano causam dano a uma produção nacional, aos procedimentos que se tem de seguir para iniciar e realizar as investigações, e à aplicação e duração das medidas antidumping. Ademais, o novo Acordo esclarece a função que corresponde aos grupos especiais de solução de controvérsias nos litígios sobre medidas antidumping adotadas pelas autoridades nacionais.”316
O novo Acordo estabelece ainda os requisitos para que todas as partes
interessadas tenham oportunidade de apresentarem provas. Uma novidade apresentada no
Acordo foi que “as medidas antidumping expiram depois de transcorridos 5 anos desde a data
de sua imposição, a menos que se decida que, se as medidas se derrogam, é provável que o
dumping ou o dano continuem ou reapareçam.”317
No entanto, sobre esse assunto, Barrai comenta que “a intenção de limitar a
aplicação de medidas antidumping pelo AARU, se é que existia, não pode ser reputada um
dos sucessos da Rodada Uruguai. Com efeito, nos últimos anos mais e mais países adotam,
316ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: www.wto.org/indexsp.htm. Acesso em: 27 jan. 2001317 Ibidem.
189
em suas respectivas legislações internas, mecanismos para aplicação dessas medidas.” 318
Ainda tratando-se do AARU, Johannpeter afirma o seguinte:
“Embora as leis domésticas sejam sempre calçadas nas normas da OMC relativas à matéria - Acordo de Implementação do artigo VI do GATT/1994, ou seja, o Código antidumping - na prática, sua implementação segue procedimentos diferentes nos diversos países ou mercados, com resultados obviamente distintos (Legislação, 1993). Tal situação é decorrente de as regulamentações dos Acordos internacionais serem diferentes em certos pontos, de forma a dar aplicabilidade diante do caso concreto.”319
Dessa forma, alguns órgãos administrativos nacionais cometem algumas
arbitrariedades. Na prática, o simples anúncio de um exame relativo a dumping muitas vezes
leva a limitações “arbitrárias” à exportação, restrições discriminatórias às importações e
outras medidas de política comercial incompatíveis com as regras pactuadas no GATT/OMC.
Nestes termos, Almeida observa o seguinte:
“Uma parte contratante que se sinta lesada por alegado dumping estava autorizada a tomar medidas compensatórias, na forma de uma taxa antidumping, de maneira a trazer o preço do produto importado ao nível do que seria o seu preço ‘normal’. Por fatores econômicos diversos, está claro que muitos países em desenvolvimento produzem bens cujo preço ‘normal’ é inferior ao de mercadorias semelhantes produzidas nos países desenvolvidos, nesse caso a imposição de quaisquer medidas compensatórias violaria os princípios de comércio eqüitativo.”320
Além desse aspecto, existe um outro fator que denota uma desvantagem dos
países em desenvolvimento: sua capacitação técnica quanto aos procedimentos relativos ao
dumping. Os países em desenvolvimento estão em desvantagem com relação à utilização
dessa medida de proteção econômica pois, segundo Barrai “[...] sua capacidade técnica de
atuação, sobretudo na fase de investigação, poderá gerar irregularidades procedimentais, que
tomem as medidas incompatíveis com as regras da OMC. Os casos decididos até agora
demonstram que esta assertiva não constitui mera especulação.”321
318 Barrai, op. cit., p. 393319 Johannpeter, op. cit., p. 68320Almeida, P. op. cit., p. 212321 Barrai, op. cit., p. 406
190
4.3.2 - Conseqüências das medidas antidumping
Apesar do código antidumping tentar limitar a arbitrariedade geralmente
característica da parte supostamente lesada, ele acaba muitas vezes conferindo instrumentos
para o exercício da prática protecionista. Alguns economistas entendem que as práticas
antidumping fazem parte de uma nova estratégia protecionista, que protege indústrias
ineficientes contra a competição externa.
De acordo com Barrai, “[...] a delimitação e restrição das medidas de defesa
comercial seria vantajosa. Sobretudo a restrição das medidas antidumping, cujo efeito pode se
tomar extremamente perverso para a economia nacional (em termos de custos sócio-
econômicos do protecionismo) como para a ordem internacional (em termos instabilidade do
sistema e de promoção de retaliações entre os membros da OMC.”322 O referido autor ainda
afirma que as conseqüências da aplicação das medidas antidumping podem ser das mais
variadas, dependendo do setor afetado, bem como de sua configuração no cenário
internacional. Assim, segundo ele,
“Genericamente, este impacto é negativo, e as medidas antidumping são reputadas como mais prejudiciais ao conjunto da economia nacional do que a concessão de subsídios ou a aplicação de salvaguardas. Mais que isto, as medidas antidumping podem gerar um custo social elevado, quando se referem a um produto-insumo de linha de produção, ou quando aplicados para proteção de indústria ineficientes ou para proteger mercados cartelizados. Esta geralmente é uma situação identificável.”323
Por outro turno, Barrai ainda afirma que “a aplicação de medidas antidumping
será positiva, para o conjunto da economia nacional, quando impedir o intuito predatório de
produtores estrangeiros. Em mercados abertos, esta última hipótese, embora possível, é de
difícil configuração A crítica acadêmica, portanto, se refere à aplicação indiscriminada das
medidas antidumping, sem critérios que possam orientar sua racionalidade econômica.” 324
Neste caso o autor sugere a aplicação de medidas fundamentadas em princípios do direito
antitruste, no lugar da aplicação de medidas antidumping.
Outro fator importante na discussão da legislação antidumping, segundo
Johannpeter, é de que “no cenário mundial, de competição cada vez mais acirrada, não se
322 Barrai, op. cit., p. 406323 Idem, p. 395324 Idem, p. 396
191
compete só com preço, mas em serviço, qualidade e atendimento, o que toma a aplicação da
legislação antidumping ainda mais crítica.”325
Mais um aspecto a ser observado quanto à aplicação de uma medida antidumping
é o fato de que uma empresa que desenvolve suas atividades no mercado externo preocupa-se
com a sua imagem frente aos seus clientes. Nesse sentido, uma investigação de prática de
dumping é algo extremamente negativo para a empresa, podendo até resultar em graves
prejuízos como, por exemplo, o cancelamento de pedidos, bem como o descrédito perante os
clientes e consumidores. Assim, as conseqüências negativas para a empresa investigada
podem tomar grandes proporções, pois tanto a abertura quanto à conclusão das investigações
são atos públicos. No caso do Brasil, tais atos são publicados no Diário Oficial da União. Vale
esclarecer, que quem sofre diretamente com a prática antidumping é a empresa exportadora,
mas somente o Estado pode apresentar reclamações ao Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC.
De fato, as dificuldades de aplicação das medidas antidumping são muitas, pois o
código antidumping continua sendo interpretado sob variados pontos de vista, aliado, ainda, a
uma aplicabilidade debilitada do código em alguns países que possuem estrutura institucional
administrativa inexperiente e lenta. No entanto, a aplicação de medidas antidumping,
conforme os Acordos da OMC, está legitimada. Diante disto, se a prática comercial do país
exportador estiver enquadrada nas circunstâncias do código antidumping, poderá este sofrer
medida em montante capaz de neutralizar o dano sofrido indústria doméstica do país
importador. Cabe ressaltar ainda que, nos últimos anos, os maiores usuários de medidas
antidumping deixaram de ser os países desenvolvidos, pois os países em desenvolvimento
passaram a ser maioria no exercício de práticas antidumping.
4.3.3 - Dumping ecológico
A alegação de dumping ecológico ou ambiental é bastante utilizada pelos países
europeus contra países que supostamente não se enquadram em determinadas normas de
caráter ambiental como, por exemplo, a sobre-utilização dos recursos naturais, um manejo
insustentável desses recursos, etc.
325 Johannpeter, op. cit., p. 66
192
Barrai define dumping ambiental como a “tendência de transferência do parque
produtivo das indústrias poluidoras para países com menor grau de exigências ambientais e
portanto menor custo relativo à degradação do meio ambiente.”326 O tema “dumping
ambiental” tomou-se recorrente na OMC, sendo que, segundo o referido autor, a inclusão do
conceito suscita “[...] uma oposição ferrenha dos países em desenvolvimento, para quem (i) o
tema não poderia sequer ser abordado na OMC, (ii) constituiria nova barreira protecionista e
(iii) seria limitadora do crescimento econômico dos países em desenvolvimento.”327
Cabe ressaltar que as certificações ambientais estão diretamente ligadas ao
chamado dumping ecológico. Estas certificações possuem a finalidade de assegurar que
determinada empresa cumpre normas de controle ambiental, e intemalizam os custos
ambientais. Nestes termos, na opinião de Johannpeter, “a empresa que exporta seus produtos
deve estar invariavelmente em dia com as obrigações ecológicas, sob pena de incorrer em
sanções fruto do protecionismo disfarçado por parte de seus clientes europeus.”328 Ainda
segundo Johannpeter,
“Na área florestal, sabidamente as exportações de móveis feitos com certos tipos de madeira têm sido motivo de proibição diante da discricionariedade por parte das autoridades européias. Entretanto, os europeus ignoram o fato de que alguns países utilizam madeira plantada especialmente para fins industriais, devendo, portanto, reavaliar seus critérios de análise, pois tais políticas prejudicam o livre comércio e constituem barreiras indesejáveis a países economicamente competitivos neste mercado.”329
A aplicação do princípio poluidor-pagador, com a intemalização dos custos
ambientais constitui regra básica numa política ambiental, onde se pretenda concretizar uma
sustentabilidade ecológica. No caso do dumping ambiental, o raciocínio funciona da seguinte
forma: aqueles produtores que não intemalizam os custos ambientais e, por isso, produzem de
forma mais barata, teoricamente seus preços também serão mais baixos. Isso constituiria uma
vantagem competitiva desleal, pois se competiria com empresas onde se intemaliza os
referidos custos, o que vai refletir num encarecimento do produto final. Sobre esse assunto,
Munõz assinala o seguinte:
“Com esse raciocínio [intemalização dos custos ambientais] procura- se justificar a imposição de barreiras comerciais àqueles produtos
326 Barrai, op. cit., p. 33327 Ibídem.328 Johannpeter, op. cit., p. 88329 Ibídem.
193
importados que não satisfazem os níveis mais altos de proteção do meio ambiente. Os produtores dos países desenvolvidos freqüentemente promovem a aplicação de tais medidas para fazer oposição aos que acreditam no ‘dumping ecológico’, ou simplesmente para conseguir uma vantagem competitiva elevando o custo de produção de seus competidores estrangeiros.”330
Acredita-se que esse argumento poderá servir aos interesses dos que, com base
nas regras do capitalismo, não conseguem manter-se competitivos. Estes, por um lado,
defendem a eliminação das barreiras não-tarifárias e harmonização das normas, regulamentos
técnicos e procedimentos de avaliação da conformidade para o desenvolvimento do comércio.
Por outro lado, são adeptos ferrenhos de práticas protecionistas no comércio internacional.
São dois movimentos contraditórios existentes no âmbito das relações comerciais
internacionais, onde as vantagens ou desvantagens desse sistema estão sendo discutidas no
mais recente fórum mundial de solução de dissídios: a OMC. Todavia, essa harmonização
pode ser oportuna para facilitar o comércio entre os países, mas não que ela represente a
melhor alternativa para a concretização da sustentabilidade ecológica.
330 Munoz, op. cit., p. 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento econômico, a par do aumento do volume de comércio internacional,
causa entropia e acelera os processos de degradação ecológica. O princípio poluidor-pagador
prima pela otimização dos impactos ambientais causados por diversas formas de
contaminação. No entanto, tal princípio não leva em conta a irreversibilidade de alguns
processos de degradação, bem como a necessidade de reparação do dano causado.
Com a lógica do sistema de vantagens comparativas, a degradação do meio
ambiente foi intensificada. Também o transporte realizado para fins de comércio
internacional, por exigir um alto consumo de energia além de produzir poluentes, apresenta-se
como um ponto negativo no que diz respeito aos problemas ecológicos atualmente
vivenciados.
O princípio da precaução deve sempre estar associado ao princípio poluidor-
pagador. Aquele proclama que, em caso de danos graves ou irreversíveis, a ausência de
certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para o adiamento da adoção de medidas
efetivas visando prevenir a degradação do meio ambiente. A adoção do princípio da
precaução exige, contudo, uma nova postura dos agentes do mercado com relação ao
desenvolvimento da atividade econômica.
O GATT/OMC apresenta-se como uma instituição porta-voz da ideologia
dominante, que defende o expansionismo comercial e o desenvolvimento da economia. Esse
fato engloba vários fatores que agravam o processo de degradação dos recursos naturais do
Planeta, dentre os quais o aumento do consumo de recursos não renováveis, sustentado pelo
incentivo ao consumo de “bens de luxo”, fabricados para o atendimento de algumas
necessidades “criadas” pela mídia, e por instituições sociais, políticas e econômicas.
O conceito de desenvolvimento sustentável não exclui o crescimento da economia,
entretanto, inclui a otimização dos efeitos degradantes, seguindo a lógica do princípio
poluidor-pagador. No entanto, a crise ecológica apresenta-se como um problema de ordem
sistêmica, sua causa e sua solução estão ligadas a vários problemas indissociáveis como, por
exemplo, o aumento das trocas comerciais aliadas ao consumismo; o crescimento
populacional; a falta de planejamento e de um efetivo controle no que diz respeito às questões
ambientais etc.
195
O desenvolvimento tecnológico, por exemplo, fornece instrumentos para a
otimização dos efeitos nocivos causados pelo homem no meio ambiente; entretanto, este
desenvolvimento não é suficiente para garantir um meio ambiente sadio para o ser humano, a
longo prazo. Várias outras medidas devem ser adotadas para uma solução mais eficaz na luta
por um mundo menos contaminado, que ofereça maior qualidade de vida pata todos.
A intemalização dos custos ambientais não é suficiente para a garantia de um
desenvolvimento sustentável que assegure um sistema ecológico equilibrado para as gerações
seguintes, pois esta abordagem perde de vista a racionalidade na alocação dos recursos
naturais, ou seja, concentra sua atenção apenas nos efeitos da degradação ambiental sem
focalizar a captação dos recursos em si.
Assim, deve haver uma mudança no rumo do desenvolvimento econômico, uma
política estatal de gerenciamento de questões relativas ao meio ambiente, mediante uma
planificação pública e adaptação do sistema jurídico. Haveria uma proposta de função
ecológica da propriedade, onde seria inevitável a limitação ao uso do proprietário em nome da
sustentabilidade ecológica. Dessa forma, a decisão sobre o consumo, o uso ou conservação de
um bem extrapolaria as funções e conseqüências tradicionais do Direito de propriedade.
Contudo, atuando de forma isolada o Estado terá grandes dificuldades na sua tarefa
de servir de “organizador” das atividades na busca da sustentabilidade ecológica, assim, é
necessária uma co-participação da comunidade em geral, incluindo aqui setor privado e
universidades, na promoção das mudanças, as quais são instrumentalizadas e asseguradas pelo
sistema jurídico.
As normas da série ISO 14000 surgiram para promover a sustentabilidade pela via
do setor privado, proposta contrária à idéia de planificação pública de gerenciamento
ambiental. Tais normas foram elaboradas por empresários e para empresários. Elas
apresentam-se com cada vez mais respeitabilidade e adesão servindo como uma pré-condição
para a entrada de produtos estrangeiros em determinados países. Todavia, os critérios
utilizados para a elaboração das normas ISO 14000 são passíveis de vários questionamentos.
O comitê técnico responsável pela elaboração de normas de gestão ambiental é o TC-207, que
se subdivide em seis subcomitês. Os países “desenvolvidos” coordenam todos esses
subcomitês, causando inevitavelmente um desequilíbrio de forças entre os que participam da
organização. A forte representação dos países “desenvolvidos” influenciam no resultado dos
trabalhos da ISO, colocando em dúvida o caráter democrático do sistema de padronização.
196
A ISO 14000 veio para facilitar a liberalização comercial. Com este certificado
bem difundido pelo mundo, haverá maior facilidade de intercâmbio de mercadorias entre os
países. Essa lógica é defendida por muitos intelectuais e pela OMC. Por outro lado, a adoção
dos padrões ou standards, declaradamente utilizados em nome de um desenvolvimento
sustentável, muitas vezes revela-se como uma nova forma de protecionismo econômico. O
grande problema é que os critérios e as mudanças defendidas pela ISO estão ocorrendo mais
em função do mercado, do que propriamente em nome da conservação do meio ambiente
como condição de qualidade de vida para as pessoas.
Viu-se, neste trabalho, que os Estados competem de forma desigual. A
liberalização do comércio traz vários efeitos negativos como, por exemplo, a degradação do
meio ambiente. É fato que a liberalização do comércio e a promessa de um elevado padrão
econômico para todas as nações do Globo, nos moldes dos países desenvolvidos, é um
propósito incompatível com a sustentabilidade ecológica.
Nesse contexto da liberalização, a OMC deu os primeiros passos na condução de
causas ambientais relacionadas com o comércio internacional. Aquela organização possui até
mesmo um comitê especial para tratar desse assunto. Ocorre que a OMC não se apresenta
como uma organização adequada para tratar de causas ambientais. O principal motivo de
existência da organização não pode ser ignorado, ou seja, ela existe para promover, mediante
a redução ou eliminação de tarifas alfandegárias em rodadas de negociações, uma progressiva
liberalização do comércio internacional. Deste modo, não é coerente e nem legítimo o
envolvimento dessa organização em questões que abarquem problemas ecológicos, pois numa
divergência entre o que é bom para o meio ambiente, e o que é bom para o comércio, a OMC
deve ser considerada, ex officio, suspeita para promover a instrução do caso.
Defende-se, assim, que questões ambientais sejam tratadas por cada Estado e,
subsidiariamente, por uma organização internacional intergovemamental que se ocupe apenas
com este assunto. Questões ambientais de caráter global devem ser resolvidas, ainda, com
mais propriedade, pela assinatura de tratados internacionais relativos à matéria.
Os países do globo possuem realidades diferentes: seus níveis de degradação
variam; seus ecossistemas são diferentes; seus critérios de sustentabilidade não são os
mesmos, além de particularidades culturais e sócio-econômicas. Estas' características são
cruciais para o estabelecimento de políticas de desenvolvimento e proteção do meio ambiente.
Quando um país desenvolvido cria um sistema de certificação ambiental ou de rotulagem
ecológica, com fundamento em seus “próprios critérios”, tais instrumentos de política
197
ambiental podem transformar-se em instrumento de política econômica, caracterizado como
barreiras comerciais não tarifárias. Neste caso, organismos internacionais de normalização
acabam por favorecer setores produtivos invariavelmente situados no primeiro mundo,
acarretando severos prejuízos aos concorrentes instalados nos países em desenvolvimento.
Este novo tipo de barreira comercial está conduzindo a um processo de
harmonização de normas ambientais internacionais relativas ao meio ambiente e, nesse
processo, a organização que está sendo indicada para assumir essa tarefa é a ISO. Cabe
esclarecer que a OMC está entre os que apoiam essa harmonização. A harmonização é
defendida para facilitar o comércio internacional, não que essa proposta seja
fundamentalmente a mais indicada para tratar do problema da crise ecológica. Contudo a
própria ISO abriga tendenciosidades, e deixa dúvidas quanto à eficácia de seus trabalhos na
área ambiental.
Existem algumas alternativas ao comércio internacional. Uma delas é o
estabelecimento da atividade comercial no âmbito local, com ênfase à satisfação das
necessidades locais pela produção local, promovendo-se a cooperação em vez da
concorrência. Nestes termos, é também importante o estabelecimento da democracia e a
consecução de um controle sobre a tomada de decisões econômicas. A contenção do
consumismo, presente principalmente nos países desenvolvidos, ainda é uma outra
providência a ser tomada, ao contrário do incentivo do mesmo, invertendo as características
típicas do mundo contemporâneo globalizado, onde vivem pessoas cada vez mais
influenciadas pelos meios de comunicação, mídia e propaganda.
Nenhum consenso foi obtido, até os dias atuais, com relação às certificações
ambientais a respeito do limite existente entre, por um lado, a promoção legítima dos
benefícios comerciais assegurando a proteção do meio ambiente, e, por outro lado, a das
atividades com interesses protecionistas, envolvendo aqui as alegações de dumping ambiental.
Contudo, observa-se que o processo de harmonização das normas ambientais em âmbito
internacional não respeita a diversidade natural dos países que participam desse sistema,
assim como esbarra no direito soberano de cada Estado elaborar e implementar sua própria
política ambiental.
Por fim, as normas “harmonizadoras” da série ISO 14000, relativas à gestão do
meio ambiente, não representam a melhor opção na consecução do desenvolvimento
sustentável, ou seja, aquele desenvolvimento que venha a garantir a satisfação das
necessidades básicas das atuais e futuras gerações. Este processo deve ser observado, de
198
perto, para que se possa obter uma conclusão mais clara quanto à eficácia daquelas normas na
proteção do meio ambiente.
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ANEXO 1
DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO HUMANO
A Conferência Das Nações Unidas Para Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Tendo-se reunido no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992,
Reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela,
Com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global por meio do
estabelecimento de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores chave da
sociedade e dos indivíduos,
Trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que se respeitem os
interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e
desenvolvimento,
Reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lugar,
Proclama:
Princípio 1 - Os seres humanos estão no centro das preocupações com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com
a natureza.
Princípio 2 - Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e
com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios
recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a
responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos
ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.
Princípio 3 - 0 direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir
que sejam atendidas eqüitativamente às necessidades de gerações presentes e futuras.
Princípio 4 - Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio
ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser
considerada isoladamente deste.
Princípio 5 - Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito
indispensável para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de
erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender
às necessidades da maioria da população do mundo.
Princípio 6 - A situação e necessidades especiais dos países em desenvolvimento,
em particular dos de menor desenvolvimento relativo e daqueles ambientalmente mais
vulneráveis, devem receber prioridade especial. Ações internacionais no campo do meio
ambiente e do desenvolvimento devem atender os interesses e necessidades de todos os
países.
Princípio 7 - Os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para
a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.
Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm
responsabilidades comuns porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a
responsabilidade que têm na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista
das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e
recursos financeiros que controlam.
Princípio 8 - Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de
vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e
consumo e promover políticas demográficas adequadas.
Princípio 9 - Os Estados devem cooperar com vistas ao fortalecimento da
capacitação endógena para o desenvolvimento sustentável, pelo aprimoramento da
compreensão científica por meio do intercâmbio de conhecimento científico e tecnológico, e
pela a intensificação do desenvolvimento, adaptação, difusão e transferência de tecnologias,
inclusive tecnologias novas e inovadoras.
Princípio 10 - A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a
participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada
indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades
perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de
tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação
pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a
mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito a compensação e
reparação de danos.
Princípio 11 - Os Estados devem adotar legislação ambiental eficaz. Padrões
ambientais e objetivos e prioridades em matéria de ordenação do meio ambiente, devem
refletir o contexto ambiental e de desenvolvimento a que se aplicam. Padrões utilizados por
alguns países podem resultar inadequados para outros, em especial países em
desenvolvimento, acarretando custos sociais e econômicos injustificados.
Princípio 12 - Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema
econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao
desenvolvimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais
adequado dos problemas da degradação ambiental. Medidas de política comercial para
propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para imposição de discriminações
arbitrárias ou injustificáveis ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional. Devem
ser evitadas medidas unilaterais para o tratamento de questões ambientais fora da jurisdição
do país importador. Medidas destinadas a tratar os problemas ambientais transfronteiriços ou
globais devem, na medida do possível, basear-se em um consenso internacional.
Princípio 13 - Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à
responsabilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais. Os Estados
devem ainda cooperar de forma expedita e determinada para o desenvolvimento de normas de
direito internacional ambiental relativas a responsabilidade e indenização por efeitos adversos
de danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua
jurisdição ou sob seu controle.
Princípio 14 - Os Estados devem cooperar de modo efetivo para desestimular ou
prevenir a realocação ou transferência para outros Estados de quaisquer atividades ou
substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde
humana.
Princípio 15 - De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução
deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não
deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.
Princípio 16 - Tendo em vista que o poluidor deve em princípio, arcar com o
custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a
intemalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida
conta o interesse público sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.
Princípio 17 - A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional,
deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo
considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional
competente.
Princípio 18 - Os Estados deverem notificar imediatamente os outros Estados de
quaisquer desastres naturais ou outras emergências que possam gerar efeitos nocivos súbitos
sobre o meio ambiente destes últimos. Todos os esforços devem ser empreendidos pela
comunidade internacional para auxiliar os Estados afetados.
Princípios 19 - Os Estados devem prover oportunamente, a Estados que possam
ser afetados, notificação prévia e informações relevantes sobre atividades potencialmente
causadoras de considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, devem
consultar-se com estes tão logo quanto possível e de boa fé.
Princípio 20 - As mulheres desempenham papel fundamental na gestão do meio
ambiente e no desenvolvimento. Sua participação é plena, portanto, essencial para a promoção
do desenvolvimento sustentável.
Princípio 21 - A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem
ser mobilizados para forjar uma parceria global com vista a alcançar o desenvolvimento
sustentável e assegurar um futuro melhor para todos.
Princípio 22 - As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras
comunidades locais, têm papel fundamental na gestão do meio ambiente e no
desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados
devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses dessas
populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do
desenvolvimento sustentável.
Princípio 2 3 - 0 meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos à
opressão, dominação e ocupação devem ser protegidos.
Princípio 24 - A guerra é, por definição, contrária ao desenvolvimento
sustentável. Os Estados devem, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à
proteção ao meio ambiente em tempos de conflito armado, e cooperar para seu
desenvolvimento progressivo, quando necessário.
Princípio 25 - A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são
interdependentes e indivisíveis.
Princípio 26 - Os Estados devem solucionar todas as suas controvérsias
ambientais de forma pacífica, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a
Carta das Nações Unidas.
Princípio 27 - Os Estados e os povos devem cooperar de boa fé e imbuídos de um
espírito de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para
o desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento
sustentável.
ANEXO 2
Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável - Princípios de Gestão
Ambiental
A carta de princípios da Câmara de Comércio Internacional - CCI, dirigida às
empresas foi publicada em 1991, por ocasião da Segunda Conferência Mundial da Indústria
sobre a Gestão do Meio Ambiente. A Carta tem como objetivo comprometer um amplo leque
de empresas com a melhoria ambiental, por meio da adoção de programas de gestão
ambiental. Seus 16 artigos expressam os princípios propostos pela Carta e estão a seguir
transcritos na versão para a língua portuguesa preparada pela própria CCI.
Io - Prioridade na Empresa - Reconhecer a gestão do ambiente como uma das
principais prioridades na empresa e como fator dominante do desenvolvimento sustentável;
estabelecer políticas, programas e procedimentos para conduzir as atividades de modo
ambientalmente seguro.
2o - Gestão Integrada - Integrar plenamente em cada empresa essas políticas,
programas e procedimentos, como elemento essencial de gestão em todos os seus domínios.
3o - Processo de Aperfeiçoamento - Aperfeiçoar continuamente as políticas, os
programas e o desempenho ambiental das empresas, levando em conta os desenvolvimentos
técnicos, o conhecimento científico, os requisitos dos consumidores e as expectativas da
comunidade, tendo como ponto de partida a regulamentação em vigor; e aplicaras mesmos
critérios ambientais no plano internacional.
-4o - Formação do Pessoal - Formar, treinar e motivar o pessoal para desempenhar
suas atividades de maneira responsável face ao ambiente.
5o - Avaliação Prévia - Avaliar os impactos ambientais antes de iniciar nova
atividade ou projeto e antes de desativar uma instalação ou abandonar um local.
6o - Produtos e Serviços - Desenvolver e fornecer produtos ou serviços que não
produzam impacto indevido sobre o ambiente e sejam seguros em sua utilização prevista, que
apresentem o melhor rendimento em termos de consumo de energia e de recursos naturais,
que possam ser reciclados, reutilizados ou cuja disposição final não seja perigosa.
7o - Conselhos de Consumidores - Aconselhar e, em casos relevantes, propiciar a
necessária informação aos consumidores, aos distribuidores e ao público, quanto aos aspectos
de segurança a considerar na utilização, transporte, armazenagem e disposição dos produtos
fornecidos; e aplicar considerações análogas à prestação de serviços.
8o - Instalações e Atividades - Desenvolver, projetar e operar instalações tendo
em conta a eficiência no consumo da energia e dos materiais, a utilização sustentável dos
recursos renováveis, a minimização dos impactos ambientais adversos e da produção de
resíduos e o tratamento ou disposição final desses resíduos de forma segura e responsável.
9o - Pesquisas - Realizar ou patrocinar pesquisas sobre impactos ambientais das
matérias-primas, dos produtos, dos processos, das emissões e dos resíduos associados às
atividades da empresa, e sobre os meios de minimizar tais impactos adversos.
10 - Medidas Preventivas - Adequar a fabricação, a comercialização, a utilização
de produtos ou serviços, ou a condução de atividades, em harmonia com os conhecimentos
científicos e técnicos, para evitar a degradação grave ou irreversível do ambiente.
11 - Empreiteiros e Fornecedores - Promover a adoção desses Princípios pelos
empreiteiros contratados pela empresa, encorajando e, em casos apropriados, exigindo a
melhoria de seus procedimentos de modo compatível com aqueles em vigor na empresa; e
encorajar a mais ampla adoção destes Princípios pelos fornecedores.
12 - Planos de Emergência - Desenvolver e manter, nos casos em que exista risco
significativo, planos de ação para situações de emergência, em coordenação com os serviços
especializados, as principais autoridades e a comunidade local, tendo em conta os possíveis
impactos transfronteiriços.
13 - Transferência de Tecnologias - Contribuir para a transferência de tecnologia
e métodos de gestão que respeitem o ambiente, tanto nos setores industriais como nos de
administração pública.
14 - Contribuição para o Esforço Comum - Contribuir para o desenvolvimento
de políticas públicas, de programas empresariais, governamentais e intergovemamentais, e de
iniciativas educacionais que valorizem a consciência e a proteção ambiental.
15 - Abertura ao Diálogo - Promover a abertura ao diálogo com o pessoal da
empresa e com o público, em antecipação e em resposta às respectivas preocupações quanto
ao risco e impactos potenciais das atividades, produtos, resíduos e serviços, incluindo aqueles
de significado transfronteiriço ou global.
16 - Cumprimento de Regulamentos e Informação - Aferir o desempenho das
ações sobre o ambiente, proceder regularmente a auditorias ambientais e avaliar o
cumprimento das exigências internas da empresa, dos requisitos legais e destes Princípios; e
periodicamente fornecer as informações pertinentes ao Conselho de Administração, aos
acionistas, ao pessoal, às autoridades e ao público.