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Isolamento e purificação de bioprodutos 1 Introdução Neste capítulo serão descritas e analisadas algumas das principais operações unitárias típicas usadas no isolamento e purificação “Downstream” de bioprodutos e realizadas após a descarga do fermentador ou biorreactor. A diversidade e crescente importância apresentada pelos produtos biotecnológicos incentivaram o desenvolvimento de vários processos e estratégias de purificação. Uma dessas estratégias baseia-se na introdução de modificações genéticas em novos microrganismos produtores com o objectivo de aumentar ou facilitar a purificação específica, em particular de proteínas, integrando estratégias de biossíntese e purificação no desenvolvimento de novos bioprocessos. A natureza dos produtos da indústria biotecnológica, designados por bioprodutos, bem como sua localização na célula produtora são muito diversificados (ex: ácidos orgânicos, antibióticos, polissacarídeos, hormonas, aminoácidos, peptídeos e proteínas, entre muitos outros). Como resultado dessa diversidade, não há processos de isolamento e purificação de aplicação geral pois exigem comprovação experimental prévia. O processo de isolamento e purificação de um dado bioproduto pode ser dividido em quatro etapas principais: - Separação de células e/ou fragmentos celulares do meio de cultivo (clarificação); - Concentração e/ou purificação de baixa resolução, a qual compreende a separação do bioproduto alvo, por exemplo uma proteína, em relação a moléculas com características físico-químicas significativamente diferentes (água, iões, pigmentos, ácidos nucleicos, polissacarídeos, lípidos, etc); - Purificação de alta resolução, a qual compreende a separação de classes de biomoléculas com características físico-químicas muito semelhantes ao bioproduto alvo, - Finalmente, operações para acondicionamento final do bioproduto que permitem a sua estabilidade durante meses ou anos. Para além destas operações típicas, no caso de produtos intracelulares ou associados às células, é necessário efectuar a rotura ou permeabilização celular, processo que é efectuado sobre um concentrado de células, também designado por pasta celular, obtido

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Isolamento e purificação de bioprodutos

1 Introdução

Neste capítulo serão descritas e analisadas algumas das principais operações unitárias

típicas usadas no isolamento e purificação “Downstream” de bioprodutos e realizadas após

a descarga do fermentador ou biorreactor. A diversidade e crescente importância

apresentada pelos produtos biotecnológicos incentivaram o desenvolvimento de vários

processos e estratégias de purificação. Uma dessas estratégias baseia-se na introdução de

modificações genéticas em novos microrganismos produtores com o objectivo de aumentar

ou facilitar a purificação específica, em particular de proteínas, integrando estratégias de

biossíntese e purificação no desenvolvimento de novos bioprocessos.

A natureza dos produtos da indústria biotecnológica, designados por bioprodutos,

bem como sua localização na célula produtora são muito diversificados (ex: ácidos

orgânicos, antibióticos, polissacarídeos, hormonas, aminoácidos, peptídeos e proteínas,

entre muitos outros). Como resultado dessa diversidade, não há processos de isolamento e

purificação de aplicação geral pois exigem comprovação experimental prévia.

O processo de isolamento e purificação de um dado bioproduto pode ser dividido em

quatro etapas principais:

- Separação de células e/ou fragmentos celulares do meio de cultivo (clarificação);

- Concentração e/ou purificação de baixa resolução, a qual compreende a separação do

bioproduto alvo, por exemplo uma proteína, em relação a moléculas com características

físico-químicas significativamente diferentes (água, iões, pigmentos, ácidos nucleicos,

polissacarídeos, lípidos, etc);

- Purificação de alta resolução, a qual compreende a separação de classes de biomoléculas

com características físico-químicas muito semelhantes ao bioproduto alvo,

- Finalmente, operações para acondicionamento final do bioproduto que permitem a sua

estabilidade durante meses ou anos.

Para além destas operações típicas, no caso de produtos intracelulares ou associados

às células, é necessário efectuar a rotura ou permeabilização celular, processo que é

efectuado sobre um concentrado de células, também designado por pasta celular, obtido

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após a separação ou clarificação do meio de cultivo.

A efectivação de cada etapa não necessariamente compreende a aplicação de uma

única operação unitária individual. Por exemplo, após uma precipitação específica de

impurezas, por adição de um sal, é necessária uma diálise para ajuste da força iónica a

valores adequados a uma purificação do bioproduto alvo, por exemplo, usando uma

cromatografia de troca iónica. Por outro lado, há bioprodutos (ex: ácidos orgânicos, enzimas

industriais, etc) cuja aplicação não requer elevado grau de pureza, de modo que operações

cromatográficas não são necessárias. Todavia, a redução do número de etapas é de fundamental

importância na viabilidade do processo industrial. Este facto é facilmente compreensível, por

exemplo, se a cada operação unitária o rendimento em produto for de 90%, a aplicação de nove

operações levará a um rendimento final de cerca de apenas 40%.

Na Tabela.1 são descritas algumas operações unitárias viáveis em escala industrial.

Tabela 1 — Operações unitárias viáveis em escala de produção industrial.

Etapa do processo Operações unitárias

Clarificação Filtração convencional; centrifugação; filtração tangencial;

floculação Rotura celular Homogeneização de alta pressão; moagem em moinho de bolas;

rotura celular por processos químico ou enzimático Isolamento e purificação Precipitação; ultrafiltração; extracção em sistemas de duas de baixa resolução fases liquidas imiscíveis Purificação de alta resolução Cromatografia de troca iónica; de afinidade (biológica ou química);

hidrofóbica; de fase reversa; filtração gel ou exclusão molecular ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Tratamento final Cristalização; liofilização; secagem

A definição das operações unitárias de um processo de isolamento e purificação de

um dado bioproduto depende do uso final da biomolécula alvo, das suas características

físico-químicas, bem como a natureza e importância das eventuais impurezas presentes na

formulação do bioproduto final. Produtos destinados a usos terapêuticos e analíticos são,

obviamente, os que requerem maior nível de pureza e, portanto, a complexidade do

processo de purificação é elevada. A principal consequência desta complexidade é o custo

Page 3: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

do processo de purificação em relação ao custo final do produto, o qual pode chegar a

80%.1

2. Processos de separação sólido-liquido

A separação das células de um meio de fermentação esgotado ou de uma suspensão

celular, mais ou menos concentrada, é frequentemente a primeira operação unitária do

processo de isolamento e purificação de um dado bioproduto. O meio resultante, praticante

isento de células, é denominado clarificado ou filtrado consequência respectivamente de

uma centrifugação ou filtração. Serão descritas aqui algumas operações unitárias de

clarificação viáveis em escala industrial: filtração convencional, filtração tangencial e

centrifugação. A Figura 1 apresenta a faixa de dimensão das células microbianas a serem

removidas e a respectiva operação unitária mais adequada.

Figura 1 - Classificação de operações unitárias de clarificação em função das dimensões de células microbianas.

2 1 Filtração A filtração convencional aplica-se à clarificação de grandes volumes de suspensões

celulares, em geral, previamente diluídas, da ordem de milhares de litros, contendo

bioprodutos extracelulares e situações nas quais condições de assépsia não são

absolutamente necessárias.2

Na operação de filtração da suspensão celular, sob pressão, é direccionada

perpendicularmente a um meio filtrante. A fracção volumétrica que atravessa o meio

filtrante é denominada filtrado, e da contínua deposição das células sobre o meio filtrante,

resulta a formação de um ‘bolo de filtração”.

O processo de filtração é descrito pela lei de Darcy, a qual correlaciona o fluxo de

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filtração (F) da fase líquida expresso, em geral, em litros por m2 de área e por hora,

(também designado por outros autores como velocidade do líquido- m/h) que permeia ou

atravessa o meio filtrante de acordo com a diferença de pressão aplicada (equação 1):

F = K.∆P / (µ.l) (1)

onde: F = fluxo de filtração da fase liquida (l /m2.s)

K = permeabilidade do leito (m2)

∆P = diferença de pressão através do leito (N/m2)

l = espessura do leito (m)

µ = viscosidade do líquido (kg/m.s)

l / K = resistência à filtração (1/m)

O fluxo de filtração da fase líquida que permeia ou atravessa o meio filtrante pode ser

determinado experimentalmente no laboratório ou num protótipo à escala piloto de acordo

com a equação 2.

F = dV / (A.dt) (2)

onde: A = área de filtração (m2)

V = volume de filtrado (L)

t = tempo de filtração (s)

As resistências da operação de filtração (l / K) são definidas como a soma das

resistências do meio filtrante (Rm) e do bolo de filtração (Rc) de acordo com a equação 3.

l / K = Rm +Rc (3)

A resistência do bolo de filtração, Rc depende da concentração de células na

suspensão, X (g/L), do volume filtrado até um certo instante, V, da área de filtração, A, e da

resistência específica do bolo de filtração, α (m/g), de acordo com a equação 4.

Rc = α X V / A (4)

Para os bolos de filtração compressíveis formado por micélio, de alguns fungos e

leveduras, a resistência específica α varia com a pressão de acordo com a equação 5:

α = α´ (∆P)s (5)

onde: α’= constante relacionada ao tamanho e forma das células,

S= compressibilidade do bolo de filtração (adimensional que varia de 0 a 1).

A compressibilidade S pode ser determinada através de ensaios de filtração em escala

de laboratório, com base na determinação de valores da constante α em função da pressão.

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A combinação das equações 1 a 5 resulta na equação 6, que representa o tempo

necessário à filtração (t) de um volume V de suspensão contendo células sujeitas à

compressibilidade, sob uma determinada diferença de pressão constante através de uma

área fixa A e quando Rm é desprezável em relação a Rc.

t = µ α´ X V / (2 ∆P(1-s) A2) (6)

Bolos de filtração rígidos apresentam S igual a zero e, portanto, exigem tempos de

filtração significativamente menores em relação aos bolos de filtração contendo fungos e

algumas leveduras ou bactérias na forma de micélio muito compressíveis, para as quais o

valor de S pode facilmente chegar a 0,8. Adjuvantes de filtração, normalmente terra

diatomácea, podem ser adicionados aos meios de fermentação compostos por suspensões

celulares deste tipo, mais ou menos diluídas, e/ou depositados na forma de uma fina

camada sobre o meio filtrante. A adsorção das células e, em particular micélio, sobre essas

partículas de adjuvante resulta na redução da compressibilidade do bolo de filtração, bem

como evita a penetração de células ou seus fragmentos celulares no meio filtrante, com

consequente entupimento do filtro.

O equipamento mais frequentemente utilizado na clarificação deste tipo de

suspensões celulares é o filtro rotativo a vácuo, FRV, apresentado na Figura 2. Consiste

num tambor oco e rotativo (1 rpm) coberto com uma malha metálica filtrante, a qual, por

sua vez, é coberta com uma camada de 5 a 20 cm de terra diatomácea e, neste último caso,

corresponde aproximadamente a uma carga de adjuvante de cerca 20 Kg/m2. O tambor fica

parcialmente submerso em um recipiente que contém a suspensão diluída e, em geral,

previamente tratada com adjuvante de filtração antes de ser filtrada, a qual é suavemente

agitada para evitar sedimentação das células e do adjuvante de filtração. Esta suspensão

celular previamente tratada é alimentada continuamente para dentro do recipiente

submergindo a mesma área externa do tambor e a reduzida pressão no interior do mesmo

promove a sucção do micélio adsorvido no adjuvante de filtração contra o meio filtrante e,

logo, a filtração. Verifica-se na Figura 2 que o FRV é dividido em zonas de imersão, de

lavagem, de secagem e de remoção contínua de uma fina camada de poucos milímetros do

bolo de filtração, que constitui vantagem deste tipo de filtro sobre os demais.

Estes filtros podem funcionar durante várias horas (16 a 18 horas) mas antes de

esgotar a camada de adjuvante de filtração depositada em cima do meio filtrante. Antes de

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iniciar uma nova etapa de filtração o FRV tem de ser lavado e revestido com nova camada

de adjuvante de filtração que pode levar algumas horas (ex: 6 a 8 horas). Estes tempos de

funcionamento e preparação do filtro têm de ser considerados quando se pretende escolher

o FVR mais adequado para um dado bioprocesso.

Figura 2 Filtro rotativo a vácuo com adjuvante de filtração.

Com esse objectivo é conveniente começar por definir o caudal operacional (Qop) do

“batch” a filtrar, isto é, volume a filtrar (Vfilt) pelo tempo disponível de filtração (Tdisp)

antes de chegar a este sector da fábrica um novo “batch” a filtrar.

Qop = Vfilt / Tdisp

Assim, a área do FRV pode ser estimada a partir do Qop e se se tiver determinado

num protótipo à escala laboratorial ou piloto o fluxo de filtração (F) que atravessa o bolo de

filtração com as mesmas características e submetido à mesma diferença de pressão.

A = Qop / F

No caso de se pretender escolher um equipamento de série de algum fabricante

credenciado neste tipo de aplicações o FRV pode ser escolhido no catálogo do fabricante

com uma área superior ao estimado após um sobredimensionamento de 20%.

No caso do micélio não ser muito compressível nas condições de funcionamento

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optimizadas na escala laboratorial e piloto então, neste caso, usa-se outro tipo de FRV com

uma tela filtrante aderente ao meio de filtrante do tambor pois não é necessário o uso de

adjuvante de filtração. Neste caso, após a aderência do micélio à tela filtrante por sucção, o

micélio é lavado na zona de lavagem e, posteriormente, parcialmente seco (30 a 50%) na

zona de secagem. Por último, este tipo de micélio é removido continuamente da tela

filtrante por simples acção da gravidade quando a tela filtrante dá uma volta de cerca de

180º antes de ser de novo encaminhada ao recipiente contendo a suspensão celular a filtrar

(Figura 3).

Figura 3 FRV com tela filtrante.

2.2 Centrifugação

Células em suspensão em um meio líquido sofrem sedimentação por acção da força

da gravidade, processo denominado sedimentação cujo tempo depende principalmente do

tamanho das células, da diferença de densidade em relação ao meio líquido, da

concentração celular e, também da viscosidade da suspensão celular.

A centrifugação compreende a aceleração dessa sedimentação, por acção de um

campo gravitacional centrífugo.

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Suspensões celulares, de bactérias e leveduras, com dimensões muito pequenas para

serem separadas eficientemente no FRV ou não podem ser tratadas facilmente com

adjuvantes de filtração (por exemplo, quando o bioproduto é intracelular) ou exigirem

condições de assepsia (por exemplo, quando se trabalha com microrganismos patogénicos)

então, nestes casos, as células podem ser clarificadas ou separadas do meio de fermentação

através da centrifugação.

Da centrifugação resultam sempre novas suspensões celulares mais concentradas (ex:

até 120 a 250 g peso seco/l) em relação à original (ex: 2 a 100 g peso seco/l), também

designada por pasta celular. Esta pasta celular mesmo muito concentrada está em grande

contraste com o bolo de filtração onde as células estão parcialmente secas, apesar de

estarem relativamente húmidas (20 a 50%), o que constitui vantagem desta última operação

unitária em relação à centrifugação.

A centrifugação destas células baseia-se na diferença de densidade entre a célula (ρc)

e o meio líquido (ρ), na viscosidade do meio líquido (µ), na força motriz [dada pelo produto

entre o quadrado da rotação angular (w - rad/s) e a distância radial desde o centro da

centrífuga até a célula (r) sedimentada no extremidade, em geral, cónica da centrifuga] e no

diâmetro da partícula, d, de acordo com a equação 7, onde vc, representa a velocidade de

sedimentação da célula no campo centrifugo.2

vc = d (ρc - ρ) w2 r / (18 µ ) (7)

A razão entre a força motriz, w2 r, e a aceleração padrão da gravidade, g, representa

um múltiplo desta última e é dada pela equação 8. Fc representa, portanto, o incremento da

força da acção da gravidade na sedimentação forçada em um campo centrífugo.

Fc= w2

r / g (8)

O valor da variável Fc deve ser mencionado na caracterização de uma centrifugação,

juntamente com o tempo adoptado para se obter um determinado grau de clarificação. Por

exemplo, para a centrifugação de leveduras, valores da ordem de 3.000g e alguns minutos

são suficientes para obter sedimentação completa das células.

Na clarificação de suspensões microbianas, é comum a utilização de centrífugas

tubulares e centrífugas de discos (Fig. 4). As primeiras podem operar sob refrigeração e

com valores de Fc bastante elevados, da ordem de 13.000 a 17.000g, embora a sua

capacidade seja limitada a algumas dezenas de litros na extremidade cónica de

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sedimentação da centrífuga e o modo de operação seja descontínuo. As centrífugas de

discos, embora operem sob valores menores de Fc, de 5.000 a 15.000g, permitem

processamento contínuo até 200 m3/h. A inclusão dos discos aumenta a área de

sedimentação, reduzindo o tempo em relação a uma centrífuga sem discos.

Figura 4- Dois tipos básicos de centrífugas. Centrífuga de discos (a) centrífuga tubular (b).

Devido à natureza descontínua e contínua do modo de operação das centrífugas

consideradas, a tubular aplica-se a suspensões celulares com o máximo 30 g/l de células

enquanto a centrífuga de discos usa-se para suspensões celulares mais concentradas e maior

volume a processar. Valores de concentração celular até 100 g/l resultam de cultivos em

alta concentração celular ou de operações prévias de floculação das células pelo uso de

floculantes para agregar as células bacterianas mais pequenas (ex: Escherichia coli)

aumentando o tamanho e/ou densidade destas novas partículas celulares.

Estes floculantes tiram partido do facto de as células microbianas serem

caracterizadas por uma carga global negativa na sua superfície.

Um critério qualitativo simples pode ser utilizado no projecto da operação de

centrifugação em escala industrial. Baseia-se na manutenção do valor do produto entre Fc

(equação 8) e o tempo (t).2

Para operar a centrífuga industrial com a mesma eficiência obtida a nível laboratorial

ou à escala piloto procura-se manter o mesmo valor constante de Fc . t . Por exemplo, se

3.000g durante cinco minutos são suficientes para a obtenção de um sedimento compacto e

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um sobrenadante de turbidez aceitável, 1.500g durante dez minutos, na centrífuga

industrial, deverão resultar um sobrenadante e um sedimento de mesmas características em

relação àquele obtido em laboratório ou escala piloto.

A clarificação de suspensões de leveduras por centrifugação é eficientemente

realizada enquanto para bactérias a reduzida dimensão das partículas exige valores de Fc

significativamente maiores e, portanto, quando possível o uso de agentes floculantes ou

recomenda-se uma comparação com a microfiltração quanto a desempenho e custo.

As centrífugas tubulares podem funcionar durante algum tempo até atingir a

capacidade máxima de volume de células sedimentadas no seu interior. Nesta altura a

centrífuga tem de parar para ser removido sedimento celular e isto pode levar algum tempo

diminuindo a produtividade do equipamento antes de este voltar a estar em condições

operacionais.

Assim, para escolher o modelo para um dado bioprocesso é necessário saber o

volume das células microbianas produzidas e existente no final da fermentação (Vcélulas) e a

capacidade volumétrica na centrífuga tubular de modo a calcular o número de

sedimentações necessárias.

De acordo com o tempo disponível (tdisp) até recepcionar outro lote (“batch”) neste

sector da fábrica e tendo em conta o tempo de centrifugação (tcent) para atingir a capacidade

máxima e o tempo de descarga (tdesc) do sedimento será então possível estimar o número de

centrifugações a processar neste período.

Nº ciclos centrifugação = tdisp / (tcent + tdesc)

Então a capacidade da centrifuga tubular a operar eficientemente num dado

bioprocesso seria de:

Capacidade centrífuga tubular = Vcélulas / Nº ciclos centrifugação

No caso de se ter um volume de fermentação ou uma concentração celular muito

elevada então temos um grande volume de células para sedimentar, neste caso, o melhor é

escolher uma centrífuga de discos que opera com descarga contínua ou descargas

intermitentes na forma de uma pasta celular mais concentrada do que a suspensão celular

original.

Na escolha do modelo mais adequado da centrífuga de discos de um dado fabricante

com experiência de fabrico deste equipamento e já validado em aplicações semelhantes tem

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de saber-se o caudal operacional exigido pelo bioprocesso.

O caudal operacional (Qop) é calculado pela razão do volume a processar por batch

(Vferm) e o tempo disponível (tdisp) para processar o lote ou batch de fermentação. Este

tempo disponível é o tempo real de centrifugação eficiente descontando o tempo para

atingir o estado estacionário de funcionamento, isto é, atingir a força g correcta e após

terminada a centrifugação lavar e limpar os discos e rectificar se está tudo bem antes de

novo funcionamento (em projecto pode considerar-se cerca de 6 a 8 horas).

Qop = Vferm / tdisp

Com base nos caudais nominais definidas pelo fabricante para aplicações

semelhantes então escolhe-se o modelo de centrífuga com um caudal nominal cerca do

dobro do caudal operacional definido anteriormente.

2.3 Microfiltração de filtração tangencial

Microfiltração de filtração tangencial (Figura 5) é o termo empregado para definir os

processos de microfiltração nos quais o fluido de alimentação escoa tangencialmente à

superfície do meio filtrante em oposição à filtração perpendicular, por exemplo, que ocorre

no FRV. Nesses processos a tensão de torque do fluido minimiza a acumulação de células e

seus fragmentos na superfície da membrana.1,3,4,5

Figura 5. Esquema de uma filtração tangencial.

O desempenho de uma filtração tangencial é, em geral, caracterizado por duas

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variáveis: fluxo de filtrado e coeficiente de retenção de sólidos em suspensão ou solutos. O

fluxo de filtrado (J) em microfiltração varia de 50 a 100 l/h.m2 e é definido pela equação 9:

J = Qfil / A (9)

onde: Qfil = Caudal operacional de filtrado (L/h)

A = área da membrana (m2)

A determinação do coeficiente de retenção (R) de solutos ou sólidos R é dada pela equação

10.

R = 1 – Cf / Cr (10)

onde: Cf = concentração de solutos ou sólidos no filtrado

Cr = concentração de solutos ou sólidos no concentrado ou retentado.

O fluxo de filtrado e o coeficiente de retenção de solutos ou sólidos são influenciados pelos

fenómenos de concentração de polarização (formação de um gradiente de concentração de

células ou solutos próximos à superfície da membrana) e “fouling” (bloqueio ou

estreitamento dos poros da membrana resultante da deposição de solutos ou sólidos no

interior do meio filtrante). O fenómeno de concentração de polarização é reversível com

uma simples alteração das condições de operação do processo, como por exemplo o

aumento da velocidade tangencial, da pressão ou a variação do pH. No caso do “fouling”,

estas alterações no processo não podem resolver o problema e, por isso, para recuperar o

fluxo tem de se proceder a lavagens com diferentes agentes alcalinos ou detergentes, água

quente, e “backwashing”, isto é, fluxo de água e outros agentes de limpeza no sentido

contrário ao convencional da operação de filtração.1. Os efeitos da concentração de

polarização e do “fouling” podem ser minimizados, quando se conduz a filtração a uma

velocidade de escoamento da suspensão (ve) da ordem de 0,2 a 0,5 m/s para módulos de

membrana placas e quadros, de 2 a 5 m/s para filtros tubulares e a uma pressão

transmembranar (∆PTM) na faixa de 100 a 500kPa.1,4,6,7,8,9 A velocidade de escoamento da

suspensão, ve, e a pressão transmembranar são definidas pelas equações 11 e 12.

ve = Qa /At (11)

onde: Qa = Caudal de alimentação do meio (m3/h)

At = A área da secção transversal do canal de escoamento da suspensão (m2)

∆PTM = (Pa + Pr) / 2 - Pf (12)

onde: Pa = pressão de alimentação (N/m2)

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Pr = pressão no retentado (N/m2)

Pf = pressão do filtrado (N/m2)

Os fenómenos de “fouling” e concentração de polarização aumentam a resistência à

passagem da fase liquida e, logo, diminuem fluxo de filtrado através da membrana

representada pela equação 13.

J = ∆PTM / (µ (Rm +Rcp +Rf)) (13)

onde: µ = viscosidade do fluido de alimentação

Rm = resistência da membrana

Rcp = resistência devido à concentração de polarização

Rf = resistência devido ao “fouling”

Uma grande variedade de membranas e equipamentos para filtração tangencial está

disponível no mercado. A escolha da membrana e do filtro mais adequado vai depender do

material a ser filtrado e do processo global de purificação.3 As membranas de microfiltração

são fabricadas, em geral, na forma de tubos constituídos por fibras ocas ou tubos paralelos

concêntricos (Fig. 6) ou de placas e quadros (Fig. 7). Os filtros com membranas do tipo

fibras ocas, assim como os do tipo placa e quadro, possuem uma elevada área filtrante por

unidade de volume do filtro, porém são bastante susceptíveis a entupimentos nos canais de

escoamento da suspensão celular. Os filtros com membranas de tubos paralelos

concêntricos, possuem pequena área filtrante por unidade de volume, porém podem ser

operados em regime turbulento e são de limpeza fácil.

Figura 6. Filtro tubular dotado de várias fibras ocas.

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Figura 7. Filtro tipo placa e quadro.

As variáveis de um processo de filtração são as mesmas em qualquer escala.

Portanto, a partir de estudos realizados em laboratório, obtém-se a velocidade tangencial de

alimentação, a pressão transmembranar e a capacidade de filtração (J). Após definidas essas

condições de trabalho, poderá ser feita a ampliação de escala em função do volume a ser

processado. O processo de filtração tangencial pode ser conduzido utilizando-se um ou

mais filtros. No caso de ser utilizado somente um filtro, é necessário instalar um sistema de

recirculação quando se desejar um retentado mais concentrado. Para os sistemas

constituídos por mais de um filtro, o sistema pode ser configurado em série ou em paralelo

sem essa recirculação.

Os diferentes módulos de microfiltração funcionam durante algum tempo em estado

transiente mas rapidamente se forma a camada de concentração de polarização e “fouling”

e, então, atinge-se um fluxo de filtração mais ou menos constante (50 a 100 l/m2. h) de

acordo com o tipo de condições operacionais, em particular, de diferença transmembranar,

caudal de alimentação, viscosidade da suspensão celular, distribuição do tamanho das

células e fragmentos celulares, presença de agentes tensioactivos como antiespumas, óleos,

etc.

Após finalizada a separação das células ou a concentração da suspensão celular tem

de proceder-se a um período (em falta de tempos reais e em projecto admitir cerca 6 a 8 h)

de lavagem e regeneração das membranas com soluções de hidróxido de sódio, detergentes,

água quente, e “backwashing” no final do qual se faz um teste de fluxo de filtração com

água para avaliar a eficiência da membrana antes de poder voltar a operar novo ”batch” de

meio de fermentação.

Na escolha de uma unidade de microfiltração para separação das células de bactérias

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e leveduras ou esterilização de meios de cultura usam-se membranas com 0,2 a 0,45 µm de

diâmetro médio de poro. Para escolher o número de filtros necessários de acordo com o

fabricante com provas dadas neste tipo de aplicações e com equipamento de série precisa-se

de saber qual o caudal operacional (Qop) a processar, isto é, saber o volume a processar

(Vproc) e o tempo real de microfiltração (tmicrofilt) disponível para processar o “batch”.

Qop = Vproc / tmicrofilt

Se dividir este valor pelo fluxo de filtrado da microfiltração (J) obtido

experimentalmente em escala laboratorial ou piloto podemos então estimar a área de

filtração:

A = Qop / J

Se não se souber qual o fluxo de filtrado obtido na microfiltração pode admitir-se um

valor mínimo de 50 l/m2.h e ter, assim, uma primeira estimativa do valor da área do módulo

de microfiltração. Com este valor, em geral, sobredimensionado cerca de 20%, pode-se

então estimar o número de filtros de um dado fabricante a funcionar em série ou em

paralelo que constituem o sistema de microfiltração de acordo com os prossupostos

anteriores.

3 Rotura das células

A libertação dos produtos intracelulares, biossintetizados e acumulados no interior

das células microbianas, requer a rotura ou permeabilização das células com recurso a

operações conduzidas sobre o concentrado obtido após a clarificação.3,10,11,12 A rotura ou

permeabilização celular para a recuperação de produtos intracelulares termolábeis ou

sujeitos a acção de proteases deve ser conduzido rapidamente e a baixas temperaturas.

Há diferentes estruturas de paredes celulares (Fig. 8). As células animais possuem

membranas frágeis e fáceis de serem rompidas enquanto as bactérias, leveduras e outras

formas de fungos possuem paredes rígidas e que exigem elevadas tensões de corte para o

conseguir.10

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Figura 8. Diferentes estruturas de paredes celulares de microrganismos.

Os métodos de rotura ou permeabilização celular podem ser classificados como:

mecânicos (homogeneizador de alta pressão, moinho de bolas, sonicação ou ultrassons),

não mecânicos (choque osmótico, congelamento e descongelamento, secagem); químicos

(com agentes alcalinos, solventes, detergentes e ácidos) e enzimáticos (lise enzimática ou

inibição da síntese da parede celular).11

Para se definir o processo de rotura ou permeabilização celular a ser utilizado, alguns

factores são levados em consideração, como: rendimento, especificidade, necessidade de

controlo de temperatura, custo da operação unitária e capital a investir.10,11

3.1 Métodos enzimáticos

Métodos enzimáticos de rotura celular são adequados para a recuperação de

Page 17: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

biomoléculas sensíveis à tensão de corte ou pressão de trabalho geradas pelos métodos

mecânicos. Há enzimas específicas que são capazes de hidrolisar paredes celulares de

células microbianas. Quando uma certa porção de parede extracelular é fragilizada

(permeabilizada) ou removida, a pressão osmótica interna rompe a membrana

citoplasmática, permitindo que o conteúdo intracelular seja liberado para o meio externo.

As paredes celulares de leveduras são muito diferentes das bactérias e, portanto, os sistemas

enzimáticos para a lise celular são específicos para cada grupo particular de microrganismo.

As paredes celulares de leveduras possuem duas camadas principais (Fig. 8), sendo

uma camada externa que compreende o complexo proteína-manano e uma camada mais

interna de glucano. O sistema enzimático para a rotura celular de leveduras é composto,

portanto, de diferentes enzimas como glucanases, proteases e mananases. Estas enzimas

atuam sinergeticamente na lise da parede celular, mas somente duas delas são essenciais

para a rotura completa da célula: uma protease para degradar a camada externa de proteína-

manana e uma glucanase para degradar a camada interna de glucano.

A composição das paredes celulares das bactérias varia com o facto de elas serem

gram-positivas ou gram-negativas. Nas bactérias gram-positivas os peptidioglicanos estão

em maior proporção na parede e estão associados com ácido teicóico e polissacarídeos. As

bactérias gram-negativas têm uma parede celular de dupla camada, composta por

peptidioglicano, proteínas, fosfolipídeos, lipoproteínas e lipopolissacarídeos. As principais

enzimas bacteriolíticas são: glucosidases, acetilmuramilalanina amidases, endopeptidases e

proteases.

Algumas vantagens desse tipo de rotura celular são: facilidade no controlo do pH e

temperatura, baixo investimento de capital e alta especificidade para degradação da parede

celular. As principais desvantagens são: o elevado custo das enzimas e a variação da

eficiência da lise enzimática com o estado fisiológico do microrganismo.1,3,5,8,10

3.2 Métodos mecânicos

Embora existam muitos exemplos específicos de rotura celular por processos

químicos e enzimáticos, são os métodos mecânicos que têm sido mais utilizados

industrialmente. O tamanho e a forma das células, assim como a estrutura da parede celular,

Page 18: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

são factores determinantes para a definição do tipo de processo a ser utilizado para a rotura

celular por processos mecânicos. De entre os equipamentos que podem ser utilizados

industrialmente, destacam-se o homogeneizador de alta pressão e o moinho de bolas.3,12

Os homogeneizadores são, basicamente, constituídos de pistões projectados para

aplicar altas pressões à suspensão celular, forçando sua passagem através de um orifício

estreito seguida de colisão contra uma superfície em uma câmara de baixa pressão (Fig. 9).

A queda instantânea de pressão associada ao impacto, provoca uma eficiente rotura celular

sem danificar proteínas. Nesse tipo de rotura mecânica as células maiores rompem-se mais

facilmente, assim como pressões mais elevadas aumentam a eficiência da rotura celular.

Pressões de 5.000 a 20.000 psi e velocidades de alimentação na faixa de 180 a 280 m/s

(caudal de alimentação a dividir pela secção recta do tubo de acesso à câmara de

homogenização) são comumente utilizadas para a rotura celular (Fig. 9). O processo

conduzido a pressões elevadas proporciona altos rendimentos de recuperação, usando

somente uma etapa do processo. No entanto, rotura celular em múltiplas etapas de

homogeneização podem ser utilizados para aumentar o rendimento do processo.8,10 Do

mesmo modo, um melhor controlo da temperatura por arrefecimento prévio da suspensão

celular dá melhor resultados antes de voltar a proceder a nova etapa de homogenização.

Figura 9. Homogenizador de alta pressão utilizado na rotura de células.

Vários factores operacionais afectam o desempenho de um homogeneizador de alta

pressão: pressão de operação, temperatura, fase de crescimento do microrganismo,

condições de cultivo, tipo de célula e concentração celular.3,12 Um modelo matemático de

primeira ordem permite descrever a libertação da proteína intracelular a partir de uma

Page 19: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

célula cuja concentração máxima intracelular equivalente [Protm] obtêm-se no final com a

libertação total.

d[Prot]/dt= k (∆P)α n

Da sua integração para n passagens da suspensão celular no homogenizador resulta a

equação 14, que representa a variação da eficiência desse processo de rotura celular em

função do número de passagens (n) através da válvula do homogeneizador e da pressão

(∆P), fixadas as condições de operação como temperatura e tipo de célula.13

log ([Protm]/ ([Protm]– [Prot])) = k (∆P)α n (14)

onde: [Protm,] = concentração máxima de proteína disponível para ser liberada (g/l)

[Prot] = concentração de proteína liberada (g/l)

k = constante de rotura celular que depende da temperatura, da concentração e do tipo

de célula (min-1)

α = constante que é função do tipo de célula e das condições de crescimento (varia de

0,86 a 2,9)3,12

Na ampliação de escala do processo de rotura celular em homogeneizador de alta

pressão, alguns parâmetros devem permanecer constantes como: velocidade de

alimentação, pressão e temperatura de operação, número de passagens através da válvula do

homogeneizador, viscosidade e concentração celular da alimentação.

Para escolher o homogenizador de alta pressão a usar na rotura celular industrial

deve-se então ter em conta o caudal operacional (Qop) a processar, isto é, volume da

suspensão celular e o tempo disponível para processar cada “batch”. Neste caso tem de se

ter em conta que no caso de múltiplas etapas de homogeneização (n) para além do tempo

efectivo de homogeneização (thomog) tem de se considerar o tempo necessário para proceder

ao arrefecimento (tarref) da suspensão celular antes de efectuar nova etapa e após terminada

a homogeneização o equipamento deve ser limpo (tlimpeza) como seja uma operação rápida

com água quente e alguma solução alcalina.

tdisp = n . (thomog + tarref) + tlimpeza

A escolha do modelo de homogenizador de alta pressão de um dado fabricante com

provas dadas neste tipo de aplicações, nas mesmas condições de pressão e temperatura,

pode ser efectuado com base no caudal nominal do fabricante em relação ao caudal

operacional sobredimensionado cerca de 20%.

Page 20: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

4. Processos de concentração de bioprodutos

4.1 Precipitação

O processo mais simples na concentração de bioprodutos seria usar processos de

desidratação como evaporação contudo para além do gasto de energia associado a esta

operação, ela também é incompatível com muitos bioprodutos termolábeis. Assim, a

precipitação de bioprodutos em meios aquosos é um dos métodos tradicionais de

concentração deste tipo de bioprodutos.

A precipitação não apresenta elevada capacidade de separação de bioprodutos com

propriedades físico-químicas muito semelhantes como sejam diferentes proteínas, razão

pela qual é considerado um método baixo ou moderado em termos de poder de purificação.

A precipitação de um dado bioproduto depende essencialmente da sua solubilidade

como sejam: concentração e pI do bioproduto e impurezas, força iónica, temperatura, tipo e

natureza dos iões, presença ou adição de solventes ou co- solventes, entre outras variáveis.

Do mesmo modo também é esta variável (solubilidade) que permite o passo reversível de

redissolução de um dado bioproduto entretanto precipitado. Nestas duas etapas sequenciais

obtêm-se a eliminação de algumas impurezas que não precipitam ou não redissolvem com o

bioproduto alvo e, por outro lado, procura-se simultaneamente no passo de redissolução

concentrar também o bioproduto alvo em relação à solução original.

Por exemplo, a solubilização de proteínas precipitadas pode ser dimensionada de

modo a promover a redução do volume inicial e, portanto, levar ao aumento da

concentração. Em função desta possibilidade, a precipitação/redissolução pode anteceder

processos de elevada resolução, como a cromatografia.

O aumento de escala desta operação de precipitação depende então do volume a

processar e da solubilidade do bioproduto alvo nas condições experimentais optimizadas à

escala laboratorial ou piloto e, do modo como será possível remover o precipitado (ex:

centrifugação ou filtração) e efectuar de seguida a sua redissolução. Contudo, os

rendimentos de precipitação e redissolução de qualquer bioproduto devem ser elevados (>

90%) de modo a não afectar gravemente o rendimento global do bioprocesso.

A precipitação de proteínas resulta normalmente numa modificação da sua estrutura

Page 21: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

tridimensional. Trata-se, portanto, de método agressivo para essas moléculas, pois sua

função bioquímica depende da estrutura. A aplicação desse método somente é viável,

portanto, quando a adequada conformação da proteína é recuperada no passo de

redissolução.

A precipitação de proteínas em altas concentrações salinas dá-se o nome de “salting-

out”. A adição de sais a concentrações de 1,5 a 3,0 M reduz a disponibilidade de água,

devido a hidratação dos novos iões adicionados e dissolvidos na solução de precipitação.

Em consequência, reduz-se a disponibilidade de moléculas de água que circundam as zonas

hidrófobas da superfície da proteína, criando-se condições para a agregação e consequente

precipitação, a qual ocorre principalmente por interacção entre as zonas hidrófobas de

diferentes moléculas de proteína. Estas interacções entre as proteínas conduzem à formação

de agregados proteicos cuja dimensão pode ser facilmente separada da solução de

precipitação por centrifugação ou filtração.

Uma descrição quantitativa clássica do “salting-out” é dada pelo modelo de Cohn 14

(equação 15), no qual o parâmetro β é uma constante que representa a solubilidade da

proteína em um sistema com força iónica zero, e é função do tipo da proteína, pH e

temperatura, com valor mínimo no ponto isoelétrico. O parâmetro Ks é chamado constante

de “salting-out” e é função do tipo de agente de precipitação e da proteína, sendo

independente do valor do pH e da temperatura.

Log S = β - Ks I (15)

onde: S = solubilidade da proteína (M)

I = força iónica do meio (M)

β = constante que representa a solubilidade da proteína quando I é zero (M)

Ks = constante de “salting-out”

Misturas de diferentes proteínas não obedecem a essa equação, já que a solubilidade

de uma determinada proteína é reduzida pelas demais moléculas estruturalmente

semelhantes e pode inclusive ocorrer então a co-precipitação, ou seja, a agregação de

diferentes proteínas.

Os sais mais adequados são aqueles que apresentam elevada solubilidade, aumentam

a tensão superficial do solvente, resultando menor nível de hidratação das zonas hidrófobas

e, portanto, aumentam a probabilidade de interacção entre estas zonas. Os sais mais

Page 22: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

empregados são: citrato de sódio, sulfato de sódio e sulfato de amónia.

Vários solventes orgânicos miscíveis em água, particularmente os álcoois e a acetona,

promovem também a precipitação de proteínas. O principal efeito é a redução da actividade

da água pela diminuição da constante dieléctrica do meio (Fig. 10).

Figura 10 Agregação de proteínas por interacções electrostáticas entre superfícies com

cargas de sinal oposto em meio aquoso contendo solvente orgânico.

As consequências da redução da constante dieléctrica do meio de precipitação podem

ser descritas da seguinte forma: imobilização parcial das moléculas de água através da

hidratação do grupo polar do solvente orgânico, com simultâneo deslocamento das

moléculas de água das zonas hidrofílicas do bioproduto e, consequentemente, redução da

densidade da camada de hidratação e da parcela de solubilidade conferida por estas zonas.

Ainda, devido à redução da constante dieléctrica do meio de precipitação resulta,

assim, uma maior disponibilidade de cargas superficiais da proteína (antes neutralizadas por

iões de sinal contrário em solução) para interacções electrostáticas com outras moléculas de

proteínas. Finalmente, ocorre atracção electrostática entre diferentes moléculas de proteína,

através das cargas superficiais de sinal contrário com formação do precipitado e agregados

proteicos mais fáceis de separar da solução de precipitação. A redução da constante

dieléctrica ou polaridade do meio de precipitação interfere, portanto, na fracção da

solubilidade da proteína conferida pelas interacções iónicas e hidrofílicas com o solvente

Page 23: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

aquoso, por exemplo, a água ou tampão.

O solvente polar afecta a camada de hidratação que se localiza próxima às zonas

hidrófobas da proteína e passa a circundá-las, devido à maior solubilidade destas em meio

de precipitação com solvente. Esse tipo de interacção do solvente com as zonas hidrófobas

internas causa alteração irreversível da conformação da proteína. A redução da temperatura

até valores da ordem de 0°C ou menores, minimiza esse efeito, pois a flexibilidade da

molécula proteica é menor, o que reduz a capacidade de penetração do solvente. Para altas

temperaturas, a molécula proteica possui uma flexibilidade natural e permite o contacto do

solvente polar com os resíduos internos hidrófobos da proteína, causando desnaturação.

A precipitação da enzima amiloglucosidase produzida por Aspergilius awamori em

cultura submersa, por acção de etanol (60% v/v), promoveu aumento de 67% da actividade

específica (razão entre a actividade enzimática Act e a concentração de proteína total

[Prot]), o que significa que houve real purificação da enzima. Recuperação de 100% da

actividade enzimática foi obtida quando a temperatura foi controlada em 5°C.15 Isto

significa que nestas condições experimentais ocorreu a precipitação total da

amiloglucosidase enquanto uma parte (33%) das impurezas, proteínas não enzimáticas,

permanecem em solução nestas condições experimentais.

1,67 = Actespi / Actespo = {Acti/[Proti] / Acto/[Proto]}

Como não houve perda de actividade então

Acti = Acto

e, logo,

1,67 = [Proto] / [Proti]

isto é, redução de 33% na quantidade de proteína não enzimática.

Uma vantagem significativa do uso de solventes é a redução da densidade do meio

líquido, o que favorece a sedimentação do precipitado, podendo-se eliminar inclusive a

necessidade do uso de uma centrífuga.

Na precipitação por acção de solventes, o parâmetro crítico na ampliação de escala

do processo é o controlo da transferência de calor para baixar e manter a temperatura baixa

na solução de precipitação. Perdas no rendimento e na qualidade final do produto são

frequentemente verificadas. O processo contínuo, em reactores do tipo CSTR ou de fluxo

tipo pistão, pode apresentar vantagens no controlo desses parâmetros, resultando um

Page 24: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

fraccionamento mais preciso e redução de perdas por desnaturação.

Já na precipitação por "salting-out”, as características do precipitado são o factor

fundamental para a adequada ampliação de escala do processo. Nesse caso, manter

constante a potência transmitida por unidade de volume durante a agitação e o tempo do

processo, é recomendável. O objectivo é não modificar a tensão de corte imposta no

agitador, de modo a obter agregados de precipitados de densidade e tamanho constante.

Factores como a concentração do agente de precipitação, pH e temperatura do

processo, obviamente são mantidos constantes no aumento de escala do processo.

5 Ultrafiltração

No caso de proteínas e outros bioprodutos afins nem sempre é conveniente e possível

recorrer à precipitação como processo de concentração devido às potenciais alterações

conformacionais irreversíveis da sua estrutura tridimensional ou desactivação no caso de

enzimas. Por isso, a ultrafiltração (UF) tem sido uma operação muito estudada na

concentração de proteínas, enzimas, anticorpos, hormonas, e outros bioprodutos afins, em

geral, também termolábeis.

A ultrafiltração consiste no transporte de soluções através de membranas com poros

de diâmetros de 0,001 a 0,1 µm, sob pressão transmembranar de 100 a 500 kPa e fluxo de

filtrado de 10 a 200 l/h.m2, e são usadas para concentrar macromoléculas como proteínas ou

polissacarídeos. Nesse processo, a água e outras moléculas pequenas (menores que os

diâmetros dos poros) passam pela membrana enquanto moléculas com tamanhos superiores

ao diâmetro nominal de separação do poro da membrana (também designado “cut-off”)

ficam retidas no concentrado. “Diâmetro nominal de separação” é a melhor forma de

expressar o tamanho do poro de uma membrana de ultrafiltração. Ele é definido como a

massa molecular mínima de uma molécula globular que é retida pela membrana.1,3,5,16

Os tamanhos dos poros das membranas de ultrafiltração não são uniformes e

apresentam uma distribuição normal ao redor do tamanho médio do poro. A faixa dessa

distribuição varia de acordo com o método de fabricação da membrana e, também, entre

fabricantes. Por isto, o “cut-off” da membrana a ser utilizada deve ser 20% menor que a

massa molecular da proteína alvo mas pode atingir os 50%.5

Page 25: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

Concentrar proteínas por ultrafiltração tem várias vantagens, a saber: separar

bioprodutos de caldos fermentados diluídos, promover a concentração de compostos a

baixa temperatura e pressão, possibilitar a retirada de sais e outras moléculas pequenas e

manter constante o pH do meio.5,16

A ultrafiltração pode também ser aplicada para a purificação de proteínas de acordo

com o tamanho das moléculas. Apesar de ser um método atractivo de purificação, na

prática a resolução ou seja a purificação obtida com esta técnica é baixa. Isso ocorre porque

a distribuição do tamanho dos poros não é uniforme, as moléculas lineares passam mais

facilmente pela membrana que as globulares e a concentração de polarização e o “fouling”

reduzem o “cut-off” da membrana.5

O aumento de escala segue os mesmos procedimentos delineados na microfiltração e

no caso de não se saber o fluxo de filtração experimental pode assumir, em termos de

projecto, o valor de 25 l/h.m2.

6. Extracção com duas fases líquidas imiscíveis

6.1 Extracção com sistemas de duas fases líquidas, uma aquosa e outra de solvente orgânico

A extracção de biomoléculas em sistemas de duas fases líquidas imiscíveis,

constituídas de uma fase aquosa e outra de um solvente orgânico (ex: metilisobutil cetona –

MIK), é utilizada em escala industrial há cerca de 60 anos na purificação de antibióticos,

ácidos orgânicos e outros bioprodutos afins.2

Esta operação unitária tem, em geral, como principal objectivo a concentração dos

bioprodutos na fase de solvente orgânico e eliminação de muitas impurezas também

extracelulares presentes nos meios de fermentação.

A extracção de um dado bioproduto depende essencialmente da sua solubilidade nas

duas fases imiscíveis (orgânica vs aquosa) de acordo com vários factores principais como

sejam: natureza do solvente orgânico, temperatura, pI, pH do meio aquoso, cargas

superficiais, concentração do bioproduto, força iónica, presença de agentes complexantes

como tensioactivos ou detergentes, entre outros. Estes últimos tendem a neutralizar as

cargas dos bioprodutos como moléculas complexas e multifuncionais como os antibióticos

Page 26: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

permitindo, desse modo, a sua acumulação na fase orgânica.

O aumento de escala desta operação de concentração resultante da extracção depende

da potência de agitação necessária para dispersar uma fase imiscível na outra, da razão

volumétrica das duas fases a processar, do coeficiente de partição (Kpart) do bioproduto alvo

entre as duas fases imiscíveis e da eficiência com que se separam as duas fases após a

extracção por simples sedimentação ou centrifugação.

Kpart = [Bioproduto]org / [Bioproduto]aq

O rendimento da extracção depende muito do diagrama de fases obtido no equilíbrio

assim como das condições optimizadas na escala laboratorial e piloto que levaram à

maximização do coeficiente de partição.

6.2 Extracção em sistemas de duas fases líquidas aquosas

No caso de bioprodutos serem proteínas, altamente sensíveis à desnaturação do

solvente orgânico, podem ser purificadas em sistemas constituídos por duas fases aquosas

imiscíveis, resultante de uma partição diferenciada da molécula alvo e impurezas entre as

fases líquidas aquosas. O elevado teor de água, 75 a 80% em massa, garante o

microambiente ideal para a manutenção das propriedades biológicas das proteínas. Em

1956, Albertsson17 propôs o uso de sistemas de duas fases aquosas para a purificação de

proteínas e partículas celulares. Desde então, este tipo de extracção tem sido aplicada à

purificação de produtos obtidos em células animais, vegetais e microbianas, na separação

de vírus, organelos e ácidos nucleicos.

Nos sistemas de duas fases líquidas aquosas, a molécula alvo e as impurezas são

também separadas, como resultado de suas diferentes solubilidades nas duas fases líquidas

aquosas imiscíveis. São factores decisivos as propriedades superficiais das proteínas, como

carga eléctrica e hidrofobicidade, além da massa molecular. 1,17

Sistemas de duas fases aquosas são formados pela utilização de determinados

polímeros (ex: dextrano - Dx, polietilenoglicol - PEG) em uma mesma solução ou ainda,

polímeros (ex: PEG) em combinação com solutos de baixa massa molecular (ex: tampões e

sais). Alguns exemplo de sistemas deste tipo de extracção mais comuns são

polietilenoglicol (PEG)/dextrano (Dx), polipropilenoglicol(PPG)/Dx, sulfato de dextrano de

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sódio/PPG; PEG/ fosfato de potássio, PEG/sulfato de magnésio, PEG/citrato de sódio.

Actualmente são muito utilizados os sistemas PEG/sal, por apresentarem rápida

separação das fases, baixo custo e, principalmente, maior selectividade na separação deste

tipo de biomoléculas.

O sistema de duas fases aquosas também é representado em um diagrama de fases, no

qual a ordenada representa a composição em massa da molécula que apresenta maior

concentração na fase superior (fase de menor densidade) e a abscissa representa a

composição da molécula de maior concentração na fase inferior (fase de maior densidade).

Composições representadas por pontos acima da curva de equilíbrio levam à formação de

duas fases e, abaixo da curva, a uma só fase. A formação de um sistema de duas fases

aquosas depende, portanto, da concentração dos componentes do sistema. A Figura 11

apresenta a curva binodal de um diagrama de fases em um sistema PEG/fosfato.

Figura 11 - Curva binodal de um sistema PEG/fosfato(% m / m).

No equilíbrio, o sistema de composição inicial M, passa a apresentar as composições

indicadas pelos pontos T (fase superior) e B (fase inferior), de tal modo que ambos os

componentes do sistema estão presentes nas fases líquidas. A recta TMB é chamada linha

de equilíbrio (“tie-line”). Sistemas cuja composição inicial encontra-se sobre uma mesma

linha de equilíbrio, possuem a mesma composição final (fases superior e inferior), porém, a

relação de volumes entre as fases é diferente para cada composição inicial e, logo, conduz a

rendimentos de extracção diferentes. A razão entre os segmentos TM e BM é igual à razão

entre os volumes de fase inferior e superior. As diversas linhas de equilíbrio existentes são

Page 28: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

paralelas entre si.

Quanto maior for a massa molecular do polímero, menor a concentração necessária

para a formação de duas fases, ou seja, a curva binodal desloca-se no sentido da região

monofásica. Valores de pH, tipo de sal e temperatura também são variáveis que influem a

curva binodal.

A literatura apresenta diagramas de fases para diversos sistemas de duas fases

aquosas, principalmente PEG/dextrano e PEG/sal. Porém, como os diagramas são

específicos para cada sistema e condição (pH, temperatura e massa molecular dos

polímeros), frequentemente é necessário determiná-lo ou comprová-lo

experimentalmente.17

A partição de proteínas ou outras biomoléculas entre as duas fases aquosas imiscíveis

é regida pela condição de menor potencial químico ou maior solubilidade, isto é, a

biomolécula apresentará maior concentração na fase onde seu potencial químico for menor.

Frequentemente, determina-se o coeficiente de partição, Kpart, para avaliação da eficiência

da extracção (equação 16). Esse coeficiente é dado pela relação entre as concentrações de

uma determinada biomolécula nas fases superior e inferior, no equilíbrio. Coeficientes de

partição para a molécula de interesse e para as demais moléculas, significativamente

distintos, indicam ocorrência de purificação.

Kpart= Csi / Cii (16)

onde: Csi = concentração do soluto i na fase superior

Cii = concentração do soluto i na fase inferior

Como as biomoléculas distribuem-se entre as fases em conformidade com suas

solubilidades, características físico-químicas das proteínas (hidrofobicidade e carga

superficial) e da solução (pH e força iónica), serão determinantes para o valor do K.

Por exemplo, para sistemas formados por fosfatos ou sulfatos, a solubilidade das proteínas

é significativamente reduzida pelo mecanismo de “salting-out”, já que concentrações de 0,5

a 2 M são necessárias para o estabelecimento das duas fases. Consequentemente,

deslocamentos da composição do sistema para longe da curva binodal resultam em aumento

do efeito de “salting-out” e, portanto, redução da solubilidade das moléculas, com

consequências sobre os valores de Kpart.17

O tipo de polímero e sua massa molecular também influem no valor de Kpart. Por

Page 29: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

exemplo, em sistemas constituídos por PEG de massa molecular superior a 1.500 Da, a

partição de proteínas pode ser favorável à fase salina, devido ao mecanismo da exclusão

molecular. A magnitude desse fenómeno é directamente proporcional à massa molecular

das proteínas.1

A clarificação para remoção de células e seus fragmentos pode ser executada em um

sistema de duas fases aquosas. Como a centrifugação requer valor elevado de Fc (factor de

centrifugação) para promover a sedimentação de sólidos de pequena dimensão, os sistemas

de extracção podem ser vantajosamente aplicados, pois ainda podem reduzir o número de

operações unitárias do processo, já que através de uma etapa de extracção pode-se clarificar

o meio e fraccionar proteínas. As células e seus fragmentos, geralmente localizam-se na

interface do sistema ou na fase líquida inferior.

O equilíbrio é rapidamente atingido após a agitação e mistura dos diferentes

componentes para formação de fases. A completa separação das fases em sistemas

PEG/dextrano requer 5 a 30 minutos, dependendo da concentração e massa molecular do

polímero. Nos sistemas PEG/fosfato esse tempo é inferior a 5 minutos. Embora sejam

intervalos de tempo bastante reduzidos, a separação das fases usualmente é acelerada

através do uso de centrífugas.

A repetida aplicação da extracção em sistemas de duas fases aquosas é recurso

vigoroso na purificação de proteínas. Na purificação de amiloglucosidase extracelular

produzida por Aspergilius awamori, através de uma sequência de duas extracções em

sistemas PEG/fosfato, a maior parte dos contaminantes foi gradativamente extraída na fase

superior, enquanto a enzima permaneceu na fase salina e foi totalmente recuperada.18 Essa

estratégia é particularmente importante na purificação de meios muito complexos, por

exemplo, meios contendo proteínas diversas, ácidos nucleicos, polissacarídeos e pigmentos

oriundos da rotura celular.

Modificações nos sistemas de duas fases aquosas para a partição de proteínas por

afinidade podem aumentar a resolução na purificação. Normalmente utiliza-se um polímero

ligado a algum componente que tenha afinidade pela proteína de interesse. Por exemplo,

sendo a molécula alvo uma enzima, o substrato pode ser acoplado ao polímero.

No aumento de escala, valores idênticos do coeficiente de partição (Kpart) em relação

à escala de laboratório podem ser obtidos, desde que as composições e proporções dos

Page 30: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

volumes de fases sejam mantidas, além da promoção de condições adequadas à completa

homogeneização para que o equilíbrio entre as fases seja atingido. A purificação em

extractores centrífugos, de volumes de 10.000 1itros de meio contendo insulina produzida

em E. coli, tem sido estudada em empresas como a Genentech Inc.19

São diversas as vantagens apresentadas pelos sistemas de duas fases aquosas para a

purificação de proteínas e outras biomoléculas afins: possibilidade de operação contínua em

larga escala à temperatura ambiente; manutenção das proteínas em solução em fases de

polímeros ou sais que as protegem da desnaturação; possibilidade de eliminação de

algumas etapas do processo de purificação para moléculas intracelulares, devido à

extracção de células e seus fragmentos simultânea ao fraccionamento de proteínas e outras

biomoléculas.

7 Processos de purificação de bioprodutos

7.1 Cromatografia

Nos processos cromatográficos, os bioprodutos presentes numa fase líquida são

adsorvidos em um suporte de material poroso. A posterior remoção gradual dos

bioprodutos por acção de uma fase líquida móvel (eluente), resulta na separação das

diferentes moléculas (Fig. 12).

Figura 12. Ilustração de um processo cromatográfico genérico, onde trA, trB e trC

representam os tempos de retenção das moléculas A, B e C.

A configuração física geral é a de uma fase estacionária (suporte ou matriz sólida)

Page 31: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

empacotada em uma coluna, através da qual a fase móvel circula, em geral, com recurso a

uma bomba pistão ou de seringa que cria pressão positiva e empurra o líquido para dentro

da coluna onde contactar com o suporte sólido. A fase estacionária é constituída por um

suporte polimérico poroso, que se apresenta em partículas esféricas de aproximadamente

100 µm, embebidas em um dado solvente, o qual pode constituir a maior parte desta fase

(~90%).

O cromatograma é um gráfico que representa a concentração das biomoléculas no

eluente que sai da coluna, medida em termos de absorvância, por exemplo a 280nm ou

valor do índice de refracção, em função do tempo ou do volume de eluente que passou pela

coluna. O volume que passa pela coluna até o instante de saída de uma certa biomolécula

(instante este representado por uma curva ou pico no cromatograma) é o volume de

retenção, Vr, específico daquela biomolécula. Alternativamente ao volume de retenção,

utiliza-se o tempo de retenção, tr, e relacionados entre si pelo caudal da fase móvel que

atravessa a coluna (Figuras 12 e 13).

Figura 13 Representação ilustrativa de um cromatograma e variáveis típicas de um processo

cromatográfico.

Na Figura 13 representam-se algumas grandezas utilizadas na avaliação do

desempenho de processos cromatográficos. A concentração das biomoléculas A, B e C é

determinada mediante a comparação do valor da área abaixo das respectivas curvas, com os

valores obtidos com uma recta de calibração obtida com a biomolécula pura.

A eficiência da purificação pode ser avaliada em função do grau de separação das

biomoléculas, o qual é denominado resolução cromatográfica, Rs. Na separação de duas

Page 32: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

moléculas, A e B, Rs é determinado pelos valores dos tempos de retenção e pela grandeza

Wb (definida na Fig. 12), conforme a equação17:

Rs = (trB - trA) / ((1/2) . (WbA-WbB)) (17)

Para valores de Rs < 1 as biomoléculas são incompletamente separadas; valores de Rs

iguais a 1, as curvas tocam-se nas bases (situação das moléculas A e B na Fig. 12); e para

valores de Rs > 1 as duas moléculas encontram-se totalmente separadas, situação

representada na Figura 12 para as moléculas B e C.

A seguir, descrevem-se os processos cromatográficos industrialmente mais utilizados,

como: a filtração gel ou também designada cromatografia de exclusão molecular, baseada

na separação de moléculas em função do seu volume efectivo na fase móvel, e a troca

iónica, baseada na adsorção das biomoléculas ao adsorvente. Processos como a interação

hidrofóbica10 (baseada na adsorção de zonas mais hidrófobas de biomoléculas sobre

ligandos hidrofóbicos ou alquilicos covalentemente ligados ao suporte cromatográfico) e a

cromatografia de afinidade20 (baseada em interacções especificas entre determinados

resíduos de aminoácidos e ligantes associados à matriz ou, interacções bioquímicas

específicas) vêm ganhando cada vez mais uso e, portanto, também devem ser considerados

no desenvolvimento de um processo de purificação de proteínas e biomoléculas afins.

7.2 Filtração Gel

As diferentes biomoléculas são inicialmente retidas nos poros de uma matriz de

porosidade definida, em função de seu tamanho ou volume efectivo. Moléculas cujo

volume efectivo excede o volume do poro, são expulsas da coluna rapidamente no chamado

volume espacial, Ve, o qual representa o volume de eluente presente nos interstícios da

matriz. Em contrapartida, biomoléculas com volume efectivo mais pequeno em relação ao

volume dos poros, penetram nos mesmos e, em seguida, são arrastadas pelo eluente, o qual

é uma solução tampão adequada à manutenção da estabilidade da biomolécula alvo. Em

face deste comportamento, a ordem de recuperação selectiva das moléculas no fluxo de

eluente tem início com as maiores biomoléculas, prosseguindo em direcção às de menor

dimensão resultando na prática na colecta de fracções de eluente com biomoléculas

diferentes volumes efectivos. As diferentes moléculas são, portanto, excluídas do leito em

Page 33: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

função de seu tamanho ou volume efectivo (Fig. 14)

.

Figura 14 Recta calibração de proteínas numa coluna de filtração gel

Condições que resultem da exclusão da biomolécula de interesse (ex: proteína) e

retenção das impurezas (ou vice-versa), são as mais apropriadas. Essas situações

pressupõem diferenças significativas entre o volume efectivo da biomolécula alvo e das

impurezas, o que nem sempre ocorre.

Há vários modelos na literatura que descrevem o mecanismo de separação na

filtração gel em função das dimensões dos poros do gel e tamanho da biomolécula alvo.21

As matrizes para filtração gel de alta resolução são constituídas de polímeros

vinílicos hidrofílicos ou agarose com elevada proporção de ligações cruzadas, em partículas

de 5 a 50 µm. Aumentos de resolução e reduções do tempo de separação são obtidos com o

uso de pequenas partículas.

No desenvolvimento do processo devem ser consideradas as seguintes variáveis: pH e

eluente compatíveis com o produto, selecção do gel com base na sua porosidade e

compatibilidade com o pH a ser adoptado.

7.3 Cromatografia de troca iónica

A cromatografia de troca iónica é das mais frequentemente utilizadas, pois as resinas

Page 34: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

empregadas apresentam elevada capacidade de adsorção de biomoléculas (ex: proteínas).

Este é um processo de separação baseado na interacção que zonas de uma

biomolécula têm com os sítios iónicos de carga oposta na matriz sólida. A fase estacionária,

ionicamente carregada, tem a capacidade de reter solutos que estão na fase móvel e

apresentam cargas de sinais opostos. Para ocorrer a adsorção dos iões da fase móvel na

estacionária, controlam-se factores como pH e força iónica.10 De acordo com o grupo

iónico ligado covalentemente à matriz sólida, os suportes ou adsorventes iónicos são

classificados em aniónicos e catiónicos. Os suportes aniónicos trocam aniões e apresentam,

portanto, grupos iónicos positivos ligados à matriz enquanto os suportes catiónicos,

inversamente, trocam catiões e apresentam grupos iónicos negativos ligados à matriz.1

Após serem adsorvidos à matriz, os bioprodutos podem ser subsequentemente eluídos por

deslocamento competitivo com outros iões, com a mesma carga da proteína adsorvida,

porém com maior força de interacção com a fase sólida estacionária. Os diferentes graus de

interacção electrostática entre o suporte e os iões da fase móvel regem esse tipo de

cromatografia.22

Esse método tem uma aplicabilidade muito ampla, pois considera-se que todas as

biomoléculas (ex: proteínas) são electricamente carregadas quando expostas a um

determinado pH. Mesmo proteínas com pontos isoelétricos idênticos podem ser separadas

de uma mistura, pois o sítio de anexação da proteína à matriz de troca iónica é determinado

pela carga superficial da proteína e a sua proximidade de outras cargas e não pela sua carga

global.3 É comum encontrar condições de adsorção da proteína alvo à matriz, enquanto a

maioria das impurezas, com a mesma carga iónica global, são eluídas.23,24

A matriz de um suporte iónico é constituída de um material poroso, natural ou

sintético, inerte, insolúvel em água e em solventes orgânicos, apresentando ligações

covalentes a grupos funcionais iónicos. Quanto à natureza dos materiais, os adsorventes são

classificadas em inorgânicos e orgânicos, podendo, estes últimos, serem naturais ou

sintéticos. Em geral as resinas orgânicas são mais eficientes, altamente polimerizadas, com

ligações cruzadas e amplamente utilizadas.

A capacidade total de um suporte iónico é medida pela quantidade de moléculas

carregadas na fase móvel, que podem ser adsorvidas por unidade de volume ou massa de

adsorvente. Por exemplo, a capacidade ou massa de proteína adsorvida depende da

Page 35: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

porosidade e do tamanho dos poros da resina. Para uma determinada proteína, a capacidade

de adsorção do adsorvente pode ser determinada somente após ensaios laboratoriais. Poros

maiores tornam os sítios carregados mais acessíveis que poros menores, pois facilitam a

difusão de proteínas no interior dos poros do suporte. Nesse caso, o tamanho do poro é

normalmente descrito pelo seu limite de exclusão, isto é, a maior proteína globular (medida

em daltons) que pode ser absorvida pelo poro.10

Os tipos de grupos ligados à matriz classificam os suportes iónicos em fortes, médios

e fracos. Os suportes iónicos fortes são aqueles que estão completamente ionizados em

grande faixa de pH. Os suportes iónicos fracos e médios são aqueles que dependem do grau

de dissociação do grupo funcional ligado covalente à sua estrutura e, logo, a sua capacidade

é influenciada pelo valor do pH na fase móvel. Por outro lado, não há diferença se uma

resina de troca iónica é fraca ou forte em termos de disponibilidade de carga. É importante

notar que os termos “fraco” e “forte” não se referem à interacção de ligação da proteína à

resina e nem à estabilidade da matriz; eles se referem somente à extensão da dissociação

dos grupos funcionais na matriz no sentido clássico da química ácido-base e função do

valor do pH.10,22

A cromatografia de troca iónica é processada de forma descontínua em quatro ou

cinco etapas principais (Fig. 15).

No primeiro caso as etapas são: de carga da amostra, eluição do bioproduto e

regeneração seguida de uma etapa de equilíbrio da fase sólida enquanto, no segundo caso,

há que acrescentar mais uma etapa de lavagem da matriz que antecede a etapa de eluição

para eliminar as impurezas não adsorvidas com utilização dea mesma solução usada

previamente na etapa de equilíbrio do suporte iónico e a eficiência de lavagem pode ser

relacionada com a recuperação da linha de base de absorvância da fase móvel medida por

um espectrofotómetro à saída da coluna.

Na primeira ou duas primeiras etapas (carga e lavagem do adsorvente) a proteína alvo

é adsorvida e impurezas não adsorvidas são eliminadas da fase sólida pela lavagem. Na

etapa de eluição aplica-se um eluente (por exemplo, NaC1 1M) para promover a desorção

da proteína da fase sólida. Na etapa seguinte consiste na desorção e eliminação de todas as

proteínas e outras impurezas que ainda permanecem ligados à coluna através da

regeneração do adsorvente através do uso de agentes alcalinos em soluções salinas (ex:

Page 36: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

NaOH 0,5 M em NaCl também 0,5M). Por último, procede-se à etapa de equilíbrio pelo

uso de uma solução tampão de modo a repor o pH e a força iónica que promovem a

máxima adsorção do bioproduto alvo.10

Figura 15. Cromatograma típico de uma coluna com monitorização A280nm.

No aumento de escala de um processo cromatográfico aumenta-se o volume da

coluna. Em geral, o seu comprimento permanece constante, de tal forma que o aumento do

volume do processo implica no aumento do diâmetro da coluna. A velocidade superficial

linear da fase móvel (caudal dividido pela área da secção recta da coluna) deve ser a mesma

nas duas escalas. O grau de resolução cromatográfica e o rendimento do processo são

definidos nas colunas em pequena escala. Se todas as outras variáveis são mantidas

constantes, o desempenho do processo, em maior escala, deverá ser muito próximo àquele

obtido à escala de laboratório.10

O aumento de escala pode então ser estimado de acordo com a massa de

biomoléculas alvo a processar (o produto da concentração da biomolécula alvo pelo volume

Page 37: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

a carregar na coluna) em relação à capacidade de adsorção do suporte (g biomolécula/ml ou

g de adsorvente) determinado no laboratório ou escala piloto. Com base na estimativa do

volume de suporte ou adsorvente e fixado a altura da coluna calcula-se o diâmetro da

coluna mas não esquecendo que tem de se manter constante a velocidade superficial linear

(vl) optimizado em pequena escala.

Com base no diâmetro da coluna e da velocidade superficial linear é então possível

calcular o caudal operacional que pode atravessar a coluna à escala industrial.

Qop = vl π D2/ 4

Nos suportes cromatográficos da Pharmacia à base de géis de agarose os volumes

típicos admitidos à coluna nas 5 etapas principais são, em geral:

- O volume de equilíbrio corresponde, em geral, 3 a 5 volumes de coluna de modo a

garantir que o adsorvente se encontra nas condições ideais (ex: cargas iónicas) para a

adsorção do bioproduto alvo.

- O volume de carga não deve exceder a capacidade de adsorção e, em geral, a nível

industrial não deve conduzir a um rendimento da etapa de adsorção e lavagem inferior 90 -

95%.

- O volume de lavagem com a mesma solução usada na etapa de equilíbrio da coluna

corresponde a cerca de 3 a 5 volumes de coluna para eliminar as impurezas não adsorvidas

e recuperar a linha de base de monitorização da absorvância da fase móvel.

- O volume de eluição do eluente corresponde também a cerca de 3 a 5 volumes da coluna

de modo a fraccionar o bioproduto alvo das outras impurezas que também tinham sido

adsorvidas. Convêm identificar na colecta a fracção de eluente com maior pureza e

concentração em bioproduto alvo e, em geral, a nível industrial também convêm obter um

rendimento de eluição equivalente a 90 a 95% da quantidade de biomolécula adsorvida.

- O volume de regeneração corresponde também entre 2 e 5 volumes de coluna de modo a

garantir que o bioproduto, mas principalmente impurezas, são eliminadas na sua totalidade

da coluna e, desse modo, não afectam negativamente a eficiência da coluna na próxima

etapa de adsorção e eluição do bioproduto alvo.

Com base nestes volumes admitidos à coluna e caudais operacionais pode-se então

estimar os gastos de reagentes e recursos humanos calculando o tempo de ciclo completo

do processo cromatográfico.

Page 38: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

tciclo = tcarga + tlavagem + teluição + tregeneração + tequilibrio

Assim, de acordo com o tempo disponível para processar um determinado lote ou

“batch” e o tempo de ciclo completo do processo cromatográfico é então possível calcular o

número de ciclos possíveis efectuar no tempo para processar um “batch”. No caso de ser

possível fazer mais do que um ciclo de cromatografia e o bioproduto em solução está em

condições de elevada estabilidade isto significa que se pode reduzir o volume do adsorvente

e, logo, a coluna estimado anteriormente subdividindo o volume de batch a aplicar pelo

número de ciclo. Esta optimização é importante pois permite diminuir o investimento na

coluna cromatográfica fazendo vários ciclos no tempo disponível entre processamento de

dois lotes de produção consecutivos.

8 Tratamento final

O grau de pureza necessário de um produto biotecnológico depende de sua aplicação

final. A simples secagem de microrganismos cultivados para produção de proteína celular é

suficiente para a sua comercialização. Extractos enzimáticos impuros, ou parcialmente

purificados, podem ser utilizados como catalisadores em conversões químicas industriais

como, por exemplo, na produção de xarope enriquecidos de frutose utilizando a enzima

glucose isomerase. No entanto, uma purificação praticamente total é necessária para grande

parte dos produtos biotecnológicos, especialmente aqueles de uso farmacêutico e analítico.

Neste caso os bioprodutos devem estar puros, secos, cristalinos ou amorfos. Para tanto,

devem ser submetidos a alguns tratamentos finais como a cristalização ou a liofilização.2

A liofilização é o processo de remoção de um solvente, tipicamente a água, de uma

solução por sublimação. Nesse processo a amostra é congelada e, em seguida, submetida a

baixa pressão para sublimação da água livre e os solutos são concentrados na forma sólida e

secos. Como resultado as propriedades físico-químicas (pH, força iónica, viscosidade,

ponto de congelamento, tensão superficial e interfacial) da fase não congelada alteram-se

significativamente. Os materiais liofilizados são apresentados na forma de pó e as

actividades biológicas mantêm-se estáveis por muito mais tempo, quando comparada com a

conservação em solução aquosa. Por esse motivo, muitas proteínas comerciais estão

disponíveis na forma liofilizada. Porém, se a liofilização não for adequadamente planeada

Page 39: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

pode ocorrer desnaturação da enzima.3,5 Embora seja uma técnica amplamente empregada

na conservação de muitos materiais, em sua maioria biológicos, há uma série de factores

envolvidos na liofilização, que devem ser manipulados de forma a obter-se um material de

boa qualidade.25

A cristalização é o processo de nucleação e crescimento ou agregação de cristais de

bioprodutos presentes em soluções homogéneas supersaturadas. É uma técnica vulgarmente

utilizada na fase final dos processos de purificação de antibióticos, ácidos orgânicos,

proteínas, entre outras biomoléculas. A cristalização é de grande importância em processos

biotecnológicos, pois permite a armazenagem estável destes bioprodutos durante meses ou

anos. Na etapa final de purificação de bioprodutos estes devem estar em um grau

relativamente elevado de pureza apesar da cristalização pode ocorrer em misturas impuras.

Após a cristalização, o bioproduto (ex: antibiótico) pode ser recuperado por filtração ou

centrifugação seguido de secagem. Bioprodutos cristalizados são estáveis, pois as

moléculas estão imobilizadas. No caso da cristalização de enzimas a partir de soluções

proteicas impuras, por exemplo contaminadas por proteases, têm sua actividade preservada

uma vez que a enzima também cristaliza.2,24

É importante destacar que algumas proteínas podem ser desnaturadas com a

cristalização. Uma alternativa simples é precipitar a proteína com sulfato de amónio e obter

um precipitado amorfo. Esse procedimento proporcionará a maioria das vantagens da

cristalização, excepto que não haverá garantia da inactivação pelas proteases e, ainda, será

necessário remover o sal imediatamente antes da reutilização da proteína.2 Outra opção para

a estabilização de proteínas é mantê-las em glicerol, sorbitol ou sacarose na concentração

de aproximadamente 50% e armazenar a -50ºC. Caso a amostra congele, as proteínas serão

protegidas pelos agentes estabilizantes (ex: glicerol, sorbitol, sacarose, etc) dos danos

causados pelos cristais de gelo formados.24

9 Rotinas analíticas

A percentagem de recuperação e o grau de purificação da biomolécula alvo devem

ser monitorizados em cada etapa do processo de isolamento e purificação.

Rotinas que levam à medição directa de uma certa quantidade de bioproduto (ex:

Page 40: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

proteína) presente num determinado volume, isto é, a sua concentração, viabilizam a

determinação de balanços de massa e, portanto, as percentagens recuperadas em cada etapa

do processo. No caso de antibióticos, ácidos orgânicos, e outros bioprodutos similares a sua

quantificação é feita com recursos a processos analíticos simples como métodos

espectrofotométricos, titulação, cromatografia (ex: HPLC, entre outros). No caso de

bioprodutos como as enzimas a sua quantificação indirecta é obtida com relativa facilidade,

quando a biomolécula considerada apresenta actividade biológica específica, como por

exemplo, actividade enzimática ou antigénica.

A actividade enzimática é por definição a velocidade inicial da reacção específica

catalisada pela enzima, determinada em condições padronizadas de pH, temperatura, força

iónica e concentração do substrato; portanto, condições facilmente reprodutíveis. Define-se,

em geral, uma unidade de actividade enzimática como sendo a quantidade de produto

liberado ou substrato consumido (µmol) em um minuto nas condições do ensaio. Dessa

forma, em cada etapa do processo, determina-se a capacidade biológica da molécula

considerada (unidades de actividade enzimática) a qual, associada aos volumes envolvidos,

permite determinar a percentagem recuperada quando comparada com a quantidade

disponível após a etapa isolamento ou purificação anterior.

O exemplo que segue representa um balanço de actividade enzimática realizado em

um processo de extracção em sistema de duas fases aquosas, muito embora os princípios

adoptados neste exemplo, apliquem-se a qualquer outro método de purificação. É frequente

expressar a actividade enzimática especificamente em relação a um volume, Actinicial (U/L),

conforme se apresenta no exemplo que segue. Na equação 18, Vinicial refere-se ao volume de

meio contendo enzima e impurezas, a ser submetido à extracção, e o termo ACTinicial,

representa a actividade enzimática total contida no meio.

ACTinicial (U) = Actinicial (U / L) x Vinicial (L) (18)

Após a extracção, a enzima distribui-se entre os volumes das fases superior, Vfase

superior e inferior, Vfase inferior em conformidade com sua solubilidade, conforme foi discutido

anteriormente. A actividade enzimática total, ACT, em cada fase pode ser determinada

pelas equações 19 e 20.

ACTfase superior (U) = Actfase superior (U / L) x Vfase superior (L) (19)

ACTfase inferior (U) = Actfase inferior (U / L) x Vfase inferior (L) (20)

Page 41: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

As percentagens recuperadas e extraídas em cada fase, atingido o equilíbrio, Rfase superior e

Rfase inferior podem ser determinadas através da equação 21, onde ACTfase representa a

actividade enzimática na fase considerada.

R(%)=ACTfase / ACTinicial x100 (21)

Eventuais perdas do produto, físicas ou por desnaturação, são determinadas através da

equação 22. Tais perdas, é importante frisar, podem ocorrer em qualquer etapa do processo

de purificação de enzimas.

ACTperda = ACTinicial - ACTfase superior - ACTfase inferior (22)

A purificação refere-se à variação da fracção da biomolécula alvo em relação às

outras impurezas, isto é, razão da concentração do bioproduto alvo em relação à

concentração das impurezas. Um aumento dessa fracção significa o enriquecimento do

meio em relação à biomolécula alvo.

Quando a biomolécula é uma enzima, a pureza em cada etapa pode ser definida como

sendo a razão entre a actividade enzimática Act (U/ml) e a concentração de proteína total,

[Prot] (mg/ml), razão essa também denominada actividade específica, Actesp (equação 23).

Nesse caso, o grau de pureza, GP, será dado pela variação do valor de Actesp entre duas

etapas de isolamento ou purificação consecutivas ou reportada em relação ao meio inicial,

conforme se descreve na equação 24:

Actesp (U/mg)= Act / [Prot] (23)

GP = Actesp i / Actesp o (24)

onde: Actesp i = actividade específica em uma certa etapa do processo

Actesp o = actividade específica no meio inicial

A determinação de concentração total de proteína é possível com recurso a vários

métodos analíticos, por exemplo, biureto-reagente alcalino de cobre; Lowry-Folin-

Ciocalteau; absorção de raios UV a 280nm (aminoácidos aromáticos) ou a 205-220nm

(peptídeos); ácido bis-cincrônico; Bradford, Biureta, etc. Cada um desses métodos baseia-

se em princípios diferentes, razão pela qual os resultados obtidos não são iguais e, portanto,

não devem ser comparados. Além disso, mesmo que se adopte uma única metodologia, o

resultado obtido somente expressará a verdadeira concentração de proteínas se a curva de

calibração for determinada com solução de proteínas de composição idêntica à solução

alvo.26 Para minimizar esta situação usa-se uma proteína como a Albumina de Soro Bovino

Page 42: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

(BSA), como proteína padrão (“standard”).

No caso de purificação de proteínas, a electroforese é rotina comum no

acompanhamento de processos de purificação. Consiste na separação das proteínas por

acção de um campo eléctrico que força o movimento das moléculas electricamente

carregadas através de um gel de poliacrilamida ou agarose. As proteínas apresentam

mobilidade em conformidade com sua carga total, massa molecular e intensidade do campo

eléctrico. Segue-se a detecção, a qual compreende a coloração das proteínas distribuídas

sobre o gel, geralmente com o corante “Coomassie Brilliant Blue”, embora outros corantes

possam ser utilizados. Como resultado, visualiza-se uma sequência de traços (bandas) azuis

e supõe-se que a cada banda corresponda uma proteína. A introdução de padrões permite

estimar a massa molecular das proteínas da amostra, bem como identificar a banda

correspondente à proteína alvo. O número de bandas obtidas está directamente relacionado

à pureza da amostra e, portanto, a uma completa purificação corresponde uma única banda,

relativa à biomolécula alvo.27 A análise electroforética da Figura 16 representa a evolução

da concentração intracelular de uma proteína heteróloga (troponina C) no cultivo de

Escherichia coli.

Figura 16 Gel de electroforese típico indicando a evolução da acumulação da proteína

intracelular troponina C (TnC) em Escherichia coli. À esquerda do gel estão indicadas as

massas moleculares dos padrões (kDa) e abaixo, o tempo de cultivo em horas.

Ao lado das rotinas de monitorização de um processo de purificação, deve-se

também adoptar rotinas destinadas a determinar as principais características das moléculas

Page 43: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

presentes no meio a ser purificado. Essa caracterização do meio deverá nortear a selecção

adequada de operações do processo de purificação.

Um procedimento básico consiste no fraccionamento das proteínas presentes no meio

em um sistema de filtração gel preparativa, isto é, um sistema capaz de processar volumes

da ordem de vários mililitros. A aplicação de rotinas específicas para a detecção da

molécula alvo nas diversas fracções, associada à determinação da concentração de proteína

total em cada fracção, permite determinar a proporção em massa das moléculas que

constituem as impurezas.

Impurezas de massa molecular significativamente distintas em relação à massa

molecular da molécula alvo, podem ser eliminadas por filtração gel ou ultrafiltração. A

massa molecular pode ser estimada de duas formas: através de uma curva de calibração

(Fig 14) com moléculas de massas moleculares conhecidas no sistema de filtração gel

acima mencionado (são variáveis desta curva, a massa molecular ou volume efectivo das

moléculas e o volume de eluição de cada uma delas); injectando-se no gel de electroforese

moléculas de massa molecular conhecida juntamente com as fracções obtidas na filtração

gel.

Grandes diferenças entre a solubilidade da molécula alvo e impurezas, são um

indicativo de que métodos como a extracção em sistemas de duas fases aquosas ou

precipitação devem ser explorados. Uma forma simples de avaliar a solubilidade de

proteínas é submetê-las à precipitação com (NH4)2SO4. As proteínas que exigirem menor

concentração do sal para precipitarem totalmente, são as de menor solubilidade. Assim, é

possível ordenar as moléculas fraccionadas na filtração gel preparativa de acordo com a sua

ordem de solubilidade.

A cromatografia de troca iónica é das mais utilizadas, devido ao elevado poder de

resolução e capacidade de processamento. A opção por esta cromatografia obviamente deve

considerar a capacidade de adsorção das moléculas sobre uma determinada resina catiónica

ou aniónica. Essa capacidade é determinada através de curvas de titulação electroforética.

Na curva de titulação electroforética, determina-se a velocidade de migração de uma

proteína, denominada mobilidade, em um campo eléctrico sob determinadas condições

(temperatura, tampão, composição do gel). Trata-se de uma electroforese conduzida em um

gel que apresenta um gradiente de pH formado entre um cátodo e um ânodo, estando o

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cátodo sob valor de pH maior em relação ao ânodo. As proteínas, por apresentarem carácter

anfotérico, terão carga positiva sob valores de pH abaixo de seu ponto isoeléctrico (pI) e

carga negativa sob valores de pH acima do ponto isoelétrico. Dessa forma, onde quer que

as proteínas estejam em relação ao gradiente de pH, elas migrarão em direcção ao seu ponto

isoelétrico em conformidade com a sua carga. Proteínas com mobilidades electroforéticas,

isto é, distâncias percorridas, muito diferentes na região de valores de pH abaixo do pI

provavelmente sofrerão separação eficiente em uma resina trocadora de catiões.27

10 O processo integrado de purificação

Conforme mencionou-se anteriormente, as etapas iniciais do processo de purificação

compreendem as operações unitárias, destinadas à remoção de células e seus fragmentos

celulares seguidas de operações de concentração e purificação da biomolécula alvo. A

determinação das características do produto e das principais impurezas é fundamental no

sucesso da selecção das operações subsequentes de purificação propriamente dita, uma vez

que o fraccionamento está baseado nas propriedades físico-químicas das moléculas

envolvidas (Tabela 2).

Tabela 2 Características relevantes de microrganismos e seus produtos ao processo de purificação em escala industrial. Operação unitária Características determinantes

Centrifugação Densidade e tamanho das células; viscosidade do meio Filtração convencional Compressibilidade e tamanho das células Microfiltração Tamanho das células ou partículas Homogeneização de alta pressão

Resistência física da parede celular ao gradiente de pressão

Moinho de bolas Resistência física da parede celular à tensão de corte Extracção e precipitação Solubilidade de proteínas Cromatografia de troca iónica

Mobilidade electroforética de proteínas

Ultrafiltração, filtração gel Massa molecular

Alguns critérios norteiam a escolha das operações de clarificação e homogeneização

de alta pressão. Grandes volumes de suspensões de leveduras são eficientemente

clarificados por centrifugação enquanto para volumes moderados de suspensões bacterianas

Page 45: capitulo 2 isolamento e purificacao de bioprodutos a

uma comparação entre a centrifugação e a filtração tangencial merece ser efectuada.

Microrganismos filamentosos, por outro lado, são clarificados através de filtração

convencional, devido à reduzida velocidade de sedimentação destes organismos de baixa

densidade e elevada viscosidade associadoa este tipo de suspensões celulares.

A modificação da estrutura de moléculas é um recurso importante para o aumento do

poder de resolução de determinadas operações de purificação e, consequentemente, redução

do número de etapas envolvidas.28 Por exemplo, a introdução de sequências terminais à

estrutura da proteína alvo que a transferiram e acumulem no espaço periplásmico e

implementação destas modificações via engenharia genética, possibilita a extracção apenas

das moléculas do espaço periplásmico, o que significa menor contaminação do bioproduto

alvo.

A adsorção em leito expandido tem sido cada vez mais adoptada, pois possibilita a

redução do número de etapas, uma vez que a captura de proteínas se dá a partir de meios

que contêm partículas, procedimento que viabiliza a clarificação de uma suspensão ou de

um homogeneizado de células e a purificação da molécula alvo em uma única operação.

Além disso, a redução do tempo de processamento diminui a possibilidade de hidrólise da

molécula alvo por acção de proteases, normalmente presentes quando se trata de produtos

intracelulares.30

A caracterização prévia do produto e impurezas, descrita anteriormente, é

fundamental à selecção das operações de purificação, pois quanto mais reduzido for o

número do reduzido número destas operações menor é o custo do processo e maior é o

rendimento do produto.

Além da caracterização das moléculas, também devem ser consideradas

características inerentes às operações. Por exemplo, na filtração gel ocorre diluição

significativa, isto é, a concentração das moléculas nas fracções colectadas é menor que a

concentração na amostra injectada na coluna. Por essa razão, a filtração gel é empregada na

última etapa de um processo de purificação, pois ao contrário, acarretaria aumento do

volume de meio a ser tratado ao longo do processo. No final do processo, pode-se empregar

a ultrafiltração para ajuste da concentração. A cromatografia de troca iónica, ao contrário

da filtração gel, promove o aumento da concentração das moléculas.

Em resumo, pode-se dizer que o sucesso técnico e económico do processo de

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produção de um bioproduto alvo está relacionado à selecção adequada das técnicas de

isolamento e purificação e da ordem de aplicação das mesmas. As seguintes regras gerais

podem ser consideradas para uma abordagem inicial do problema: escolha de processos de

purificação baseados nas diferenças apresentadas em uma dada propriedade físico-química

das moléculas (produto e impurezas); remoção das impurezas presentes em maior

concentração nas etapas iniciais do processo; aplicação de técnicas de alta resolução em

relação ao produto, nas etapas finais do processo.31