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1 CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. A geração de Orpheu – 1ª Fase Modernista O modernismo português é marcado inicialmente pela fundação da revista Orpheu (1915), constituindo a primeira manifestação de caráter vanguardista em Portugal no século XX. Alguns de seus integrantes (Mario de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, entre outros) mantinham contato com correntes vanguardistas como o futurismo e o cubismo e incorporaram atitudes que refletiam a intenção de minimizar as instituições e as formas de arte que estavam ligadas à uma cultura romântica e burguesa. Os diferentes tons, a subversão da estrutura tradicional dos textos e imagens e a subversão da linguagem foram elementos que, sem dúvida contribuíram para a impressão radical desta primeira geração do modernismo português. Durante esse período, outras revistas também tiveram a sua representatividade no movimento vanguardista, entre elas: Centauro (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926) e Athena (1924-1925). Vale ainda ressaltar que, durante este período da vanguarda, o ideário da revista Orpheu não causou uma importante impressão literária. Somente com o começo da publicação da obra de Fernando Pessoa e com a influência do grupo Presença a corrente modernista passa a ter o seu mérito reconhecido. 1 Neste primeiro momento do período modernista a manifestação artística propõe uma mescla entre tradição e modernismo e consegue retomar temas da tradição portuguesa e dar-lhes uma forma moderna. Banhados pela herança deixada pelo orphismo, a revista literária “Presença” proporciona uma continuidade dos ideais do período anterior, propalando uma literatura mais intimista. 1 Para maiores informações sobre a geração de Orpheu e o período presencista consultar FERREIRA, David-Mourão. OS FICCIONISTAS DA PRESENÇA, in Presença da presença, Porto, Brasília editora, 1977, p.45.

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CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA.

• A geração de Orpheu – 1ª Fase Modernista

O modernismo português é marcado inicialmente pela fundação da revista

Orpheu (1915), constituindo a primeira manifestação de caráter vanguardista em

Portugal no século XX. Alguns de seus integrantes (Mario de Sá-Carneiro, Almada

Negreiros, entre outros) mantinham contato com correntes vanguardistas como o

futurismo e o cubismo e incorporaram atitudes que refletiam a intenção de minimizar

as instituições e as formas de arte que estavam ligadas à uma cultura romântica e

burguesa. Os diferentes tons, a subversão da estrutura tradicional dos textos e imagens

e a subversão da linguagem foram elementos que, sem dúvida contribuíram para a

impressão radical desta primeira geração do modernismo português. Durante esse

período, outras revistas também tiveram a sua representatividade no movimento

vanguardista, entre elas: Centauro (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea

(1922-1926) e Athena (1924-1925).

Vale ainda ressaltar que, durante este período da vanguarda, o ideário da revista

Orpheu não causou uma importante impressão literária. Somente com o começo da

publicação da obra de Fernando Pessoa e com a influência do grupo Presença a

corrente modernista passa a ter o seu mérito reconhecido.1 Neste primeiro momento do

período modernista a manifestação artística propõe uma mescla entre tradição e

modernismo e consegue retomar temas da tradição portuguesa e dar-lhes uma forma

moderna. Banhados pela herança deixada pelo orphismo, a revista literária “Presença”

proporciona uma continuidade dos ideais do período anterior, propalando uma

literatura mais intimista.

1 Para maiores informações sobre a geração de Orpheu e o período presencista consultar FERREIRA, David-Mourão. OS FICCIONISTAS DA PRESENÇA, in Presença da presença, Porto, Brasília editora, 1977, p.45.

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• Revista Presença – 2ª Fase Modernista

A revista Presença é o marco da segunda fase modernista da literatura portuguesa.

Esta revista foi fundada no ano de 1927, em Coimbra, por José Régio, João Gaspar

Simões, Edmundo de Bettencourt e Branquinho da Fonseca. A revista Presença (54

números, 1927-40) instaura-se como o veículo de consagração do modernismo

português e em suas premissas sustenta uma literatura viva contra uma literatura

livresca, a favor de uma livre expressão do autor e contra o academismo, o espírito de

imitação e a rotina. O Presencismo mostra interesse em promulgar quaisquer novas

correntes e é contra o exclusivismo de modelos eternos ou de uma imposição

exclusivamente direcional. Esforça-se por propagar uma visão livre e vasta e mostra-se

contra uma arte comprometida política e socialmente, desvinculando, portanto, a arte

de um suposto compromisso econômico, filosófico ou religioso.

Uma das colaborações mais destacadas do grupo Presença foi a restituição dos

colaboradores do grupo Orpheu, como também a difusão das inovadoras propensões

contemporâneas, vindas da Europa e do continente americano. Entre elas vale destacar

os seguintes autores: André Gide (1869-1951), Marcel Proust (1871-1922), Guillaume

Apollinaire (1880-1918), Jean Cocteu (1889-1963), Max Jacob (1876-1944), Paul

Valéry (1871-1945), André Salmon (1881-1969), Luigi Pirandello (1867-1936), Pierre

Reverdy (1889-1960), entre outros.

Na edição de número 27 da revista Presença, no ano de 1930, Branquinho da

Fonseca abandona a direção da revista juntamente com Miguel Torga e Edmundo de

Bettencourt e posteriormente os três integrantes redigem e enviam uma carta ao

demais diretores da revista (datada de 16 de junho de 1930) na qual afirmam que a:

“Presença que se propunha, como folha de arte e crítica, defender o direito que assiste

a cada um de seguir o seu caminho, começou a contradizer-se”, e ainda que a:

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“Presença concebe mestres e discípulos com aquela interpretação convencional em que

os mestres fazem lições para os que se reputam alunos”. 2

• António José Branquinho da Fonseca

O autor da inquietante obra “O Barão”, que será o objeto de nossa análise,

nasceu no dia 04 de maio do ano de 1905, na cidade de Mortágua e faleceu em 16 de

maio de 1974.

Branquinho da Fonseca, que também utilizou o pseudônimo de Antônio

Madeira, foi uma figura notória durante a segunda fase do modernismo português e

destacou-se na novelística portuguesa. Foi organizador e o primeiro diretor do Serviço

de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1925,

participou da fundação da revista literária Tríptico e em 1927, na fundação da revista

Presença. Publicou poesia (Poemas, 1926; Mar coalhado, 1932), teatro (Posição de

guerra, 1928; Teatro I, 1939), romance (Porta de minerva, 1947; Mar santo, 1952), e

conto (Zonas, 1932; Caminhos magnéticos, 1938; O barão, 1942; Rio turvo, 1945;

Bandeira preta, 1957).

Ainda que tenha se dedicado ao teatro e à poesia, é na sua produção ficcional

que Branquinho da Fonseca atinge o ápice dentro da literatura portuguesa.

Se visualizarmos a obra de Branquinho da Fonseca de modo abrangente,

veremos que o apogeu de sua produção equivale à criação dos contos. Com exceção de

“Zonas” (1932), podemos perceber a sua inclinação pelo mítico e pelo simbólico, este

ligado a um incessante apelo pela aventura literária que se concretiza na

experimentação que o nosso autor realiza na efetivação de novas estruturas e situações,

aquele visto como uma faceta ou uma espécie da dimensão do real sem que se

transponha o limite do terreno e estando ao nível da natureza humana. Portanto, as

obras de Branquinho da Fonseca envolvem o mítico e a realidade, a consciência e a

2 SARAIVA, J.A; LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. 13° edição. Porto: Porto Editora, 1996. p.1056-1057

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subconsciência dos personagens, persistindo em uma constante fusão entre o irreal e o

real, entre as situações cotidianas e as situações oníricas.3

Como sabemos, é ao lado de José Régio e Miguel Torga, que Branquinho da

Fonseca torna-se um dos propulsores do movimento modernista português

denominado Presencismo e que possui como alicerce o olhar voltado para a exploração

do “eu” interior que mergulha nos aspectos psicológicos dos personagens. Certo será

reconhecer que a maestria de Branquinho da Fonseca faz com que a obra “O Barão”

seja apresentada como uma mescla entre a representação da realidade, a fantasia, o

lirismo e o grotesco. Elementos que se encontram fortemente interligados por toda a

estrutura narrativa e que por vezes nos incitam a sentir como reais as fantasias e como

líricas as estruturas que isoladas inevitavelmente representariam o grotesco.

Apesar de haver estudos relacionados e específicos que têm como centro a

análise não somente da obra “O Barão”4, mas também que contemplam o período

presencista e outras obras não somente do nosso autor em questão, mas daqueles que

investiram nos pressupostos teóricos que envolvem o estilo narrativo (e não-narrativo)

da época, propõe-se neste trabalho a análise minuciosa, dentro do escopo delimitado,

dos aspectos que fazem com que esta obra seja considerada como uma obra-prima de

Branquinho da Fonseca, como vemos a explícita referência elogiosa feita por Jacinto

do Prado Coelho, em seu Dicionário de Literatura: "uma das mais notáveis espécimes

da novelística portuguesa de todos os tempos”5.

3 Adolfo Casais Monteiro descrevia que a característica essencial de Branquinho da Fonseca consistia exatamente na “sutil fusão do concreto (um objetivismo que, com sóbria discriminação, sabe escolher o traço expressivo) e do sonho, que banha a sua prosa de um halo, sóbrio também, de poesia” (O ROMANCE TEORIA E PRÁTICA. Rio de Janeiro: José Olympo, 1964, p. 376)

4 FERREIRA, António Manuel. ARTE MAIOR: OS CONTOS DE BRANQUINHO DA FONSECA. 1° edição. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004 / FERREIRA, David-Mourão. PARA UMA LEITURA DE “O BARÃO”. In: Branquinho da Fonseca, O Barão: Lisboa: Portugália, 1969 / FERREIRA, António Manuel. CENTENÁRIO DE BRANQUINHO DA FONSECA: PRESENÇA E OUTROS PERCURSOS. 1° ed. Universidade de Aveiro, 2005.

5 Dicionário de Literatura. Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Galega, Estilística Literária, 2vols, 1971; 5vols, 1973; 7ª reimp., 1983.

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A leitura deste conto nos leva, sem dúvida, a perceber a transcendência do “eu”

que se realiza no âmago de cada personagem, proporcionando-nos uma visão múltipla

da unidade do ser. A análise que decorre desta leitura propiciará não apenas a

contemplação de estruturas narrativas, mas o entrelaçamento das mesmas, formando

uma única obra de múltiplas facetas.

Para tanto, torna-se necessário destacar alguns aspectos que são significantes

como elementos construtores desta narrativa. Quais sejam: a estruturação da narrativa

e a escolha léxica que nos direciona a um determinado percurso, caminho este

marcado pelas contradições e contraposições perceptíveis não somente no plano físico

/ material como também no plano emocional em busca do “eu” interior. Esta

composição estrutural engloba de maneira sucinta a figura do narrador que ocupa

desde um início dois momentos em sua narrativa: o papel de narrador e o papel de

protagonista, o estilo da narração em primeira pessoa, os jogos contraditórios que se

apresentam desde os primeiros parágrafos, as digressões que se mostram em situações

estratégicas, a inexatidão do local / personagem (de onde ocorre e de quem se fala),

mas que nos transmite a sensação ao mesmo tempo de universalização e de

individualização dos temas abordados.

Ressalte-se ainda a necessidade de abordar a figura feminina como elemento

chave em determinadas situações da narrativa, permitindo a quebra e a continuidade da

representatividade narracional; a análise das figuras simbólicas e metafóricas. A

oscilação entre o passado e o presente, o contraponto entre a representação da

realidade e a fantasia, o vinho e o fogo como elementos transformadores, o embate

emocional demonstrado na luta metafórica entre Deus e o Diabo, o zoomorfismo, o

ressurgir das cinzas, a purificação e o encontro com o “eu” interior.

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CAPÍTULO 2 - ESTRUTURAS NARRATIVAS

O conto “O Barão”, publicado no ano de 1942, é um relato constituído por uma

reminiscência do personagem-narrador de uma determinada noite em que é hóspede no

velho solar medieval de um abastado proprietário de terras, numa região rural de

Portugal. Nesta narrativa, temos quatro personagens em destaque. São eles: o inspetor

de escolas (narrador-personagem); o Barão (personagem sobre o qual se estrutura toda

a narrativa memorialista); Idalina (uma mescla entre criada do velho solar e baronesa)

e a Bela-Adormecida (personagem feminina sobre a qual muito pouco nos é explicado,

e que surge sempre a partir das reminiscências do Barão).

O inspetor de escolas é enviado a fazer uma sindicância em uma escola de uma

aldeia portuguesa da serra do Barroso cujo nome afirma não lembrar-se. Através dessa

viagem por motivos profissionais o inspetor será recebido na pequena aldeia por uma

professora. O narrador-personagem tentará apreender a figura desta professora

primeiro lamentando o seu aspecto físico e achando-a inadaptável àquele ambiente

afastado da civilização. Contudo, após as argutas observações, o inspetor conclui que a

professora e o ambiente estão integrados e adaptados um ao outro, como se o ambiente

refletisse o “eu” da professora e vice-versa. Ainda conversando com a professora é que

o inspetor conhecerá o seu anfitrião e logo após o local onde passará a noite. Durante a

sua estadia no solar do Barão, o inspetor e seu anfitrião mergulharão pela noite

bebendo e também recordando o passado. O inspetor de escolas estabelecerá com o

Barão um misto de cumplicidade e fascinação e, no decorrer dessa noite escura, entre o

vinho, a música e as mulheres, se produzirá um ambiente que se concretiza no limiar

entre a embriaguez e a sobriedade, entre o passado e o presente.

Observemos de que forma ocorre a caracterização dos personagens aqui

apresentados (aqueles que de alguma maneira se manifestam nesta narrativa e,

portanto, excluindo, por enquanto, a referência a “Ela” – no momento devido

voltaremos a analisar este aspecto / personagem). Pode-se dizer que são personagens

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redondos6, ou seja, são personagens complexos, que apresentam um maior

aprofundamento na sua caracterização. Relacionaremos as variedades de

características que podem ser encontradas no texto. São elas:

a) Físicas – distinção de corpo, voz, gestos, roupas.

b) Sociais – manifestação das diferenças sociais como classe social, profissão e

atividades sociais relacionadas.

c) Psicológicas – inclui-se aqui as mudanças dos estados emocionais assim

como também o aprofundamento dos processos mentais dos personagens

que culminam na sua reestruturação.

d) Ideológicas – põe-se em evidência o modo de pensar do personagem, sua

filosofia de vida, sua religião.

e) Morais – sentencia o caráter dos personagens, daquilo que é considerado

bom ou mau, honesto ou desonesto, moral ou amoral, sempre sob um

determinado ponto de vista.

Caracterização física, social e psicológica da professora que recebe o narrador-

protagonista:

“Nova mas feia. Contudo simpática e com um olhar de inteligência que a

tornava atraente. “ (FONSECA, 1973, p. 11) – Caracterização física. “Disseram-me

que havia uma hospedaria ao fundo da rua. Era uma velha casa em ruínas. Entrei e fui

ter à cozinha, uma divisão comprida e escura, ao fundo da qual estava uma fogueira

acesa. (...) Não me senti à vontade.” (Ibid., p. 10-11) – A caracterização do ambiente

nos mostra a condição social em que está imersa a professora e provoca no inspetor

uma vontade súbita de tentar alterar a situação como podemos ver em: “Pensei em não

inquirir mais nada e fazer um extenso relatório a justificar e defender a professora que,

por manifesta superioridade de interesses intelectuais, era uma pessoa inadaptável

àquele meio.” (Ibid., p. 12-13)

6 JUNIOR, Benjamin Abdala. INTRODUÇÃO À ANÁLISE DA NARRATIVA. São Paulo: Editora Scipione, 1995.

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Contudo, na seqüência, movido pela comparação uma vez mais entre o

ambiente e o personagem que nele está inserido, o inspetor de escolas caracteriza

psicologicamente a professora, percebendo através do ato de beber um mau café a

integração entre professora e o ambiente decadente: “Entretanto veio um mau café em

grandes chávenas de chá, que não consegui beber. Mas ela bebeu-o. E de repente vi

que não era tão verdade como eu supunha a inadaptação ao meio.” (Ibid., p. 13).

Caracterizações físicas do personagem Barão: “... do vão escuro surgiu um

homem de enorme estatura, que teve de curvar-se para poder passar. De ombros

largos, com um grande chapéu na cabeça e todo embrulhado, até aos pés, num capote

preto,...” (...) “... tinha um aspecto brutal, os gestos lentos, como se tudo parasse à sua

volta...” (...) “... respondeu-me no mesmo tom de gracejo...” (...) “... Atirou-me com

desprezo...” (Ibid., 13-14). Por meio desta caracterização visualizamos uma figura

misteriosa, com ares de dominador, dono de si e de todos ao seu redor.

Caracterizações sociais do personagem Barão: “Vi que estávamos num velho

solar, de certa imponência. Uma fachada de muitas janelas perdia-se na escuridão da

noite.” (Ibid., p. 21). O local onde é a residência do Barão é caracterizado como um

velho solar que mantém a imponência de outrora. A própria forma como o narrador-

personagem se refere a essa figura, chamando-o “Barão”, remete à idéia da

sobrevivência de uma certa estirpe de origem medieval, um dono de terras e

acostumado a ter a todos dobrados aos seus pés.

Caracterização psicológica do personagem Barão: “Devia ter a necessidade de

convívio e vinha agarrar-me, apanhar-me como quem, enfim, encontra alguém num

deserto.” (Ibid., p. 15) (...) “De repente compreendi que tinha caído nas mãos de um

déspota, de uma pessoa habituada a vergar os outros aos seus caprichos.” (Ibid., p. 16)

(...) “Como depois compreendi, o Barão também era um homem em que lutavam Deus

e o Diabo” (Ibid., p. 24)

Caracterização ideológica do personagem Barão: “... Conhece Coimbra? Pois

claro! Quem é que não conhece Coimbra?! Até tive um cavalo que andou em Coimbra.

Quando cheguei ao terceiro ano da Universidade compreendi que aquilo era para

cavalos.” (Ibid., p. 18)

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Prossegue, logo após a essa referência ao cavalo e à Universidade, descrevendo

em tom sarcástico, o modo como seu cavalo foi igualmente intitulado doutor. Esta é,

portanto, uma caracterização ideológica do personagem Barão que está permeada pela

sua idéia de “atual” vulgarização do estudo e da banalidade com que este assunto

estaria sendo tratado.

Caracterização moral do personagem Barão: “As taras e os desequilíbrios

inferiores tinham-no vencido, submergindo o homem inteiro.”(Ibid., p. 24) (...)

“Coitadita. Era uma criança... e estava como tinha saído da barriga da mãe. Até custa a

acreditar. No fim ajoelhei a pedir-lhe desculpa...” (Ibid., p. 37) (...) “Eu às vezes

vendia as minhas amantes a meu pai... Ou trocava-as... Quando precisava de dinheiro...

Outras coisas... Mas vou... vou regenerar-me...”. (Ibid., p. 33-34)

Ainda que a caracterização moral do Barão esteja sempre correlacionada a

aspectos brutais, a taras, desequilíbrios, disputas com o pai, o narrador-personagem

consegue durante o processo de narração criar uma atmosfera de estranheza, mas

nunca de aversão à figura do Barão e, na maioria das vezes, o sentimos como fruto de

seu meio, sem alternativas para agir, e condescendemos com esta figura que ao mesmo

tempo é arrogante, déspota, intimidador e perdido em um tempo no passado em busca

de seu verdadeiro “eu”.

Caracterização social do narrador-personagem: “Mas sou inspetor das escolas

de instrução primária e tenho obrigação de correr constantemente todo o país.” (Ibid.,

p. 7). “Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além de ajudas de custo.”

(Ibid., p. 8). Esta caracterização, em confronto com a caracterização social do Barão,

se dá não apenas pela diferenciação de poderes aquisitivos, mas principalmente numa

alusão entre as diferenças entre passado (o tempo em que parece viver o Barão, no seu

antigo solar de imponência medieval) e o presente (inspetor de escolas como

representante da moderna civilização).

A caracterização psicológica e moral do inspetor de escolas se processa sempre

em relação àquilo que ele aponta como característica no outro, ou seja, ainda que

explicitamente não tenhamos um aprofundamento psicológico e moral no narrador-

personagem podemos perceber que ao longo da narrativa estas características se

compõem a partir do repúdio ou da aceitação das características de outrem.

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Caracterização física da personagem Idalina: “Entrou a criada. Uma mulher

alta, bem feita, de quarenta anos, com um vago ar desdenhoso e importante.” (Ibid., p.

30) (...) “... ela interrompeu-o num tom agressivo” (Id.) (...) Não era feia. Ou antes:

devia ter sido bonita.” (Ibid., p. 31)

Caracterização social da personagem Idalina: “E percebia-se facilmente que

andava ali como dona da casa, oscilando entre baronesa e serva.” (Ibid., p.31) – ainda

que este exemplo sirva para caracterizar o comportamento de Idalina, é uma mostra

clara de oscilação social entre o ser serva do Barão ou ser em si a própria baronesa,

com o tom e o ar de dominação assim como outrora fora caracterizado o Barão.

Em outro momento o narrador observará novamente a atitude de Idalina e,

portanto, a sua caracterização psicológica: “A criada mantinha-se firme, com um olhar

sereno, quase altivo; o Barão, passado o primeiro ímpeto perigoso, serenava e parecia

até hesitante. Ela já tinha tomado posse do terreno e perguntou com uma secura

arrogante: (...)”. (Ibid., p. 41)

A caracterização do ambiente se apresenta através da descrição física do

ambiente / espaço em que estão inseridos os personagens. O narrador-personagem faz

uso da descrição do ambiente para, como vimos anteriormente, identificar o ambiente

ao personagem e vice-versa, para provocar um ambiente tensional. Recordemos que,

neste conto, por meio da caracterização do ambiente é que temos a criação gradativa

do clímax do ritual dionisíaco e da purificação.

A descrição do ambiente pode ser apreciada em: “As pedras lavadas e soltas

pelos caminhos, as barreiras desmoronadas, algumas árvores com os ramos torcidos e

secos.” (Ibid., p. 10) (...) “Estes velhos palácios, quase abandonados, (...)” (Ibid., p. 21)

“Depois fomos para a sala de jantar, um enorme salão onde não apetecia estar, (...)”.

(Ibid., p. 25) Ou ainda: “Lá para os confins da noite caíam do céu badaladas de um

sino a dar horas e ouvia-se o resfolegar das corujas numa torre que eu não via, por

mais que olhasse para o céu, tentando penetrar as trevas.” (Ibid., p. 66)

Se pensarmos na questão temporal, identificaremos que o tempo narrativo é

uma mescla entre tempo cronológico e tempo psicológico. O tempo cronológico se

justifica pela linearidade do enredo das ações narradas. O tempo psicológico tem sua

base alicerçada pelos processos mentais que se confrontam, questionam e se legitimam

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nesta narrativa. E, portanto, o tempo psicológico não é um tempo linear, ao contrário

possui oscilações e não há como precisar de qual ponto partimos e para qual ponto nos

direcionamos. Ainda, a questão temporal se vê identificada por meio da caracterização

da época na qual ocorre o que está sendo exposto pelo nosso narrador-personagem.

Percebida, também, por essa insistente sensação de deslocamento, como se os

personagens estivessem vivenciando em um período que já não fazia parte do

momento narrativo, como se estivessem se nutrindo de um passado e se negassem a

abandoná-lo.

A análise da estrutura narrativa, narrador e foco narrativo tem como intuito

demonstrar de que forma a tecedura do texto, as escolhas lexicais e o foco concentrado

na figura do narrador-personagem fazem com que uma reminiscência se transforme,

aos olhos do leitor, em uma ação em tempo presente. Ressalte-se ainda a relevância

que os jogos textuais adquirem para a construção significativa do conto

proporcionando caminhos interpretativos na análise desta obra. É, sem dúvida, este

contraste inesperado entre as estruturas narrativas e especialmente o antagonismo no

interior do “eu” narrativo que justifica o papel do narrador como personagem central.

Este narrador é onisciente e nos narra (ou tenta narrar) os acontecimentos livres

de julgamentos, voltando a um estado inicial de descoberta e estupor.

Fundamentados, portanto, na delimitação definida anteriormente,

prosseguiremos a análise proposta.

A brevidade da primeira frase do conto “O Barão” nos revela uma das

principais características da personalidade de nosso narrador-personagem: “Não gosto

de viajar.” (Ibid., p. 7). Esta negativa, carregada de significação, prepara a condução

da narrativa e nos apresenta desde o início as oposições / embates que estão

começando a tecer-se.

A contraposição começa a edificar-se se pensarmos no efeito que produz esta

frase. O ponto final repentino produz um efeito de choque que em momento algum se

esvaece, ao contrário, fortalece-se não somente pelos confrontos diretos, mas também

pelas alusões que sugerem sentimentos opostos.

O tom narrativo parece estar em constante oscilação. Analisemos

detalhadamente este início de narrativa: “Não gosto de viajar. Mas sou inspetor das

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escolas de instrução primária e tenho obrigação de correr constantemente todo o país.”

(Ibid., p. 7) (...) “É uma instabilidade de eterna juventude, com perspectivas e

horizontes sempre novos. Mas não gosto de viajar. Talvez só por ser uma obrigação e

as obrigações não darem prazer.” (Id.) (...) “Entusiasmo-me com a beleza das

paisagens, ... Seja pelo que for, não gosto de viajar.” (Ibid., p. 7-8)

Nestes trechos destacados podemos verificar nitidamente a duplicidade do tom

narrativo. O tom firme, determinado, a voz altiva que repete uma e outra vez que não

gosta de viajar se reduz, como se sussurrasse para si mesmo uma justificativa

admissível, como se intimamente tentasse legitimar algo que começa a mostrar-se

como uma dualidade interior do narrador-personagem. A inquietude que o leva a

desfrutar de novas paisagens, a vitalidade retratada pela sensação de eterna juventude,

as saudades de sensações agradáveis confrontadas com as incertas causas do seu

desprazer por viajar são os contrapontos iniciais que fundamentam esse caráter duplo.

Logo em seguida, as imagens, que até então representativamente apontavam

para uma instabilidade circundante e interior, sofrem nova ruptura significativa, agora

não somente pelo vigor das palavras mas pela interrupção brusca do movimento em

direção a uma quietude absoluta como podemos ver pela justificativa que o inspetor

nos oferece ao fato de “não poder” viajar ao estrangeiro quando está de licença:

“Durante esse mês quero estar quieto, parado, preciso de estar o mais parado possível.

Acordar todas essas trinta manhãs no meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a

mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... “ (Ibid., p. 9)

A seqüência acima enuncia a tranqüilidade refletida na quietude, na repetição

impensada de atos cotidianos, na preservação do espaço e do tempo de reflexão do eu

interior. Contudo a voz narrativa opta por uma enunciação que contraria a imagem

proposta, com uma asserção enérgica e uma vitalidade que contradiz o literalmente

expresso pelas palavras. É então que, após criar uma atmosfera que repudia o gosto

pela viagem, o narrador-personagem novamente rompe com a expectativa do leitor e

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nos diz: “Mas não vou filosofar; vou contar a minha viagem à Serra do Barroso.”

(Ibid., p.10)7

O leitor começa a perceber as nuances dos embates do “eu interior” deste

narrador. Embates estes expostos logo nas primeiras linhas e que percorrerão, como

veremos, durante a análise dos símbolos e da relação dos personagens no capítulo a

seguir, toda a narrativa.

A voz narrativa, neste conto, é a voz narrativa em primeira pessoa. Percebemos

que esta é a voz que conduz o leitor a revelar os caminhos da significação.

Dependendo da atuação do narrador em primeira pessoa este pode ser

classificado como narrador-personagem e obrigatoriamente participa ativamente

daquilo que está sendo contado. O nosso narrador-personagem não se mostra

onisciente em relação ao narrado, mas é por meio de sua voz, de suas escolhas e de

seus recortes que se constrói a perspectiva narracional. É através do ponto de vista do

nosso narrador-personagem e da habilidade em estruturar a narrativa que se edifica a

totalidade das impressões que o leitor abrangerá durante a leitura e interpretação desta

obra.

Ainda pensando nos aspectos fundamentais utilizados para a realização desta

narrativa, devemos salientar que:

a) Este conto está composto por uma sucessão de acontecimentos.

b) Estes acontecimentos referem-se a ocorrências de interesse humano, cujo

foco é salientar aspectos humanos que adquirem significação e se organizam

em uma sucessão temporal estruturada e ambientada em uma mesma

unidade de ação.

c) Apresenta-se como uma narrativa compacta, estruturada na tensão,

condensação e concentração dos elementos que estão sendo narrados,

proporcionando força e clareza à narrativa.

7 A serra do Barroso localiza-se ao Norte de Portugal e é composta por uma paisagem agreste e bucólica, deixando transparecer um modo de vida rural caracterizado pela força de antigos usos e costumes, conservados pela tradição.

Page 14: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

14

Esta voz narrativa em primeira pessoa se expõe basicamente de dois diferentes

modos e concomitantemente se produz em dois instantes nitidamente demarcados. São

eles:

1. Quando a voz do narrador se identifica como tal e manifesta as disputas interiores

do seu próprio “eu”, ou seja, se manifesta no momento presente do ato de narrar e

pode remeter-se ao seu passado ou ao ato presente (a narração).

2. Quando a voz narrativa é utilizada pelo narrador-personagem para caracterizar e

julgar os acontecimentos passados e que estão sendo contados, um tom narrativo

capaz de descrever o entorno e de revelar os entraves emocionais postos em jogo,

ou seja, a voz que será a responsável pela caracterização psicológica dos

personagens, pelo aprofundamento dos processos mentais colocados em confronto.

Vejamos como isto ocorre: ”São os meus ideais impossíveis. Um velho solar de

paredes que tenham vivido muito mais do que eu, dessas paredes que têm fantasmas, e

em volta um grande parque de velhas árvores, com recantos onde nunca vai ninguém.”

(Ibid., p. 21)

Este trecho apresenta uma interrupção daquilo que está sendo narrado e é a voz

do narrador-personagem utilizando a imagem / situação do passado narrativo para

exprimir uma sensação / sentimento que faz parte do processo de caracterização do seu

“eu” interior.

No trecho: “Pareceu-me que as suas idéias não tinham continuidade. / Talvez as

minhas também não.” (Ibid., p. 86). Percebemos que utiliza a narração do

acontecimento ocorrido para sub-repticiamente manifestar o seu parecer no presente

narracional, ou seja, a enunciação de seu parecer se dá tendo como fundamento o

contexto total do que está sendo narrado e não o contado propriamente dito. Emite

julgamento daquilo que ocorreu de forma a que haja um entrelaçamento entre o

presente e o passado, pois, como veremos, há a transformação do âmago daquele que

narra.

Nosso narrador-personagem maneja o seu saber de acordo com os efeitos que

deseja causar. Neste caso a dualidade de seu “eu” é representada pela sua dúvida

Page 15: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

15

interior, por essa incerteza que será encontrada somente e quando o narrador estiver

discorrendo sobre estados psicológicos.

No trecho que segue, podemos corroborar que também utiliza esta voz em

primeira pessoa para descrever e julgar: “_Nunca deixes de ser meu amigo... Olha que

eu sou um pobre homem! (Tremiam-lhe as mãos; o olhar tinha perdido o brilho e

ficara vago e baço. Depois de uma pausa concluiu com um sorriso amargo8): Sou

um poeta...” (Ibid., p. 50)

No trecho acima, tem-se uma descrição do estado emocional do Barão: o tremor

das mãos, a reiteração da perda da vivacidade e da expressividade do olhar, a

importância da interrupção da ação e o modo como finda a sua enunciação

sentenciando como penoso o esboço de um sorriso, a insinuação da tentativa de

camuflar um desprazer emocional. Ou ainda: “_És um simples... As mulheres de quem

a gente não tem medo, não prestam para nada. (E acrescentou com melancolia)9: Faz

de conta que estamos de acordo...” (Ibid., p. 82)

Note-se que neste trecho há dois tipos de julgamentos: o primeiro refere-se ao

“e acrescentou”, ou seja, para o narrador o enunciado que vem logo após não é

absolutamente necessário para a compreensão do dito anteriormente e, portanto,

assinala que isto pode ser considerado como um devaneio do personagem. Contudo,

este adendo é feito de uma forma peculiar ao Barão, é feito de maneira lânguida, com

uma tristeza indefinida, retratando conseqüentemente o aprofundamento do “eu”

interior do Barão, caracterizando assim o segundo julgamento.

A voz narrativa em primeira pessoa é uma técnica extensamente utilizada pelo

nosso narrador-personagem, no entanto, não podemos esquecer que intercala este

recurso com a técnica do discurso direto e o discurso indireto.

8 Grifos meus

9 Grifos meus

Page 16: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

16

No discurso direto10 reproduz-se o registro integral da fala do personagem, da

forma particular como o personagem a emite, sem ter a intervenção do narrador que se

restringe apenas a introduzir a enunciação do personagem. Ou ainda, podemos ter o

discurso direto sem qualquer interposição do narrador.

No discurso indireto11 a voz do personagem é apresentada através da voz do

narrador, ou seja, o narrador é a ponte entre o dito pelo personagem e a narrativa em si.

Vejamos: “Disse-me que eu ficava sendo seu hóspede, e pôs termo às minhas evasivas

declarando, num tom de gracejo seco, que não admitia resposta:” (Ibid., p. 15)

No trecho acima constatamos um exemplo de discurso indireto, pois

percebemos que o enunciado é do personagem Barão permeado pela voz narrativa,

com todas as adequações gramaticais realizadas para essa concreção.

Já, na sentença: “_Quem manda aqui sou eu!”(Id.) é a realização do discurso

direto, com a voz e o tom do personagem impressos.

Cumpre-se desta forma o já previsto anteriormente, o estilo direto é utilizado

para reproduzir a tensão tal qual foi percebida no momento exato do acontecimento e o

estilo indireto banha-se da parcialidade da voz do narrador.

Saliente-se que o fato de afirmarmos que o discurso indireto está atravessado da

parcialidade da voz do narrador não exime que o mesmo ocorra com o discurso direto.

Qualquer que seja o recorte / técnica utilizada para a efetivação da narrativa é sempre

determinada pelo ponto de vista do “eu” narrador e que pode ser mais ou menos

visível dentro do texto narrado. Logo, neste conto, o processo narrativo empregado é

perpassado pela parcialidade da ótica daquele que narra: o inspetor de escolas.

Ainda, vale ressaltar que o enredo que nos é apresentado é basicamente um

enredo psicológico, seu motor é a questão do encontro com o “eu” interior dos

personagens, um encontro com os seus próprios fantasmas.

10 MALDONADO, Concepción. DISCURSO DIRECTO E INDIRECTO. Madrid: Taurus, 1991.

Page 17: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

17

CAPÍTULO 3 - SIMBOLOGIA E SIGNIFICAÇÃO

A condução da trama narrativa, o ambiente narracional, a utilização de signos

metafóricos, o valor evocativo e mítico dos elementos que estão sendo representados

gradativamente têm relevância notória no conto “O Barão”. É através dos jogos

efetuados pelo narrador ao nos apresentar estes elementos que se produz o clima

tensional que percorre a narração.

Portanto, é por meio desse foco que prosseguiremos nossa análise contemplando o

estudo da representatividade dos elementos simbólicos e metafóricos que seguem:

• o ritual dionisíaco que nos propõe o vinho e o fogo como elementos

transformadores e capazes de orientar os personagens em direção aos percursos

do inconsciente;

• a questão edípica; o estilhaçar das taças como figuração da mistura entre a

lucidez e a obsessão;

• a representação da Tuna e a simbólica purificação.

A apreciação dos elementos relacionados anteriormente se realizará sempre

englobando a análise da representatividade do ambiente no qual os personagens se

encontram, da simbologia da figura feminina e da importância que esta imagem

alegórica possui para a construção do sentido geral do texto.

11 Id.

Page 18: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

18

O Ritual Dionisíaco

A figura de Dionísio12, recorrente na arte ocidental, representa o deus da

natureza e da ebriedade. Sua representação tradicional vincula-o a todo um culto

religioso e, durante os séculos XIX e XX alcançou também a possibilidade de

representar a rebeldia artística contra a imposição racionalista.

O culto ao deus Dionísio está intimamente ligado à origem da tragédia. Os

rituais eram celebrados através de danças acompanhadas por música (especialmente a

flauta), orgias, máscaras (símbolo da representação teatral) e banquetes13.

Segundo a tradição, Dionísio morria a cada inverno e renascia na primavera.

Portanto, a representação deste renascimento cíclico que vem em conjunção com a

promessa de um novo florescer (a primavera) nos apresenta este deus que é ao mesmo

tempo o símbolo da ambigüidade e da renovação.

É necessário assinalar que a mitologia dionisíaca seria posteriormente

incorporada ao Cristianismo, e claramente podemos destacar alguns pontos de contato

entre as histórias difundidas sobre Dionísio e Cristo: ambos foram engendrados por

uma mulher mortal fecundada por um Deus, renasceram dentre os mortos e

transformaram a água em vinho.

Apesar de ser amplamente assinalado como o responsável pela invenção do

vinho, Dionísio leva consigo um significado mais complexo. Prova disso são os

diversos nomes pelos quais é conhecido. Além, é claro, dos dois mais populares, Baco

e Dionísio, também é chamado de Brômio (aquele que brama como as bestas

selvagens), Lysios e Eleuthereus devido à sua ação libertadora, Liknites que o

relaciona com o deus da fertilidade, Biformes por ter a capacidade de mostrar-se belo

ou horroroso conforme a necessidade, Omadio por amar a carne crua, Faleno

12 CARDONA, Francesc. Las mutaciones de Dionisio. In: MITOLOGIA GRIEGA. Barcelona: Edicomunicación, 1996. p.16-46

13 Exatamente como descreve Eurípedes na sua obra “As Bacantes”

Page 19: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

19

relacionado também a fertilidade, Floios como aquele que tem o espírito cortes,

Sabacio (nome alternativo de Baco no panteão).14

Tem a capacidade de causar a loucura, a mania e esse estado delirante que se

manifesta em seus adoradores por meio da dança frenética e da ingestão do vinho.

Ressalte-se, ainda, que o elemento feminino está continuamente presente no ritual

dionisíaco, a que vêm se agregar a música e o vinho, que se manifestam como

elementos de relaxamento e purificação da alma.

O ritual dionisíaco em “O Barão” tem início efetivamente no momento em que:

“... e bebeu um pequeno golo, começando de súbito a falar com entusiasmo, como se o

álcool lhe acordasse não sei que ocultas forças adormecidas.”. (Ibid., p. 25-26).

Contudo a caracterização do ambiente e da identificação do personagem Barão com o

deus Dionísio se dá desde o início da narrativa e é exatamente por meio do tom e do

ponto de vista de nosso narrador, o inspetor de escolas, que fragmentariamente

constituiremos não somente a figura do Barão / Dionísio, mas também reconstruiremos

a tensão proposta pela descrição dos ambientes, culminando na busca incessante pelo

“eu” interior e pelo clímax da purificação.

Segue, por conseguinte, a composição da narrativa tendo como fio condutor a

construção do ambiente / personagens em torno do mito do deus Dionísio.

Após o parágrafo introdutório no qual o nosso narrador-personagem nos

apresenta alguns aspectos da sua constituição psicológica, tem-se início (ainda que esta

apresentação diga muito e que seus conceitos sejam fundamentais para toda a

narrativa) a preparação do ambiente: “Foi no inverno...”. (Ibid., p. 10) É exatamente

nos três meses de inverno que os cultos dionisíacos são levados a cabo. Logo, estamos

na estação apropriada para que as forças maiores se apoderem das ações dos

personagens e permitam que eles desfrutem das inebriantes sensações que ficam entre

a lucidez e a ebriedade, porta de acesso para o inconsciente15.

14 Cardona, op.cit.

15 FREUD, Sigmund. A HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICOANALÍTICO. Volume XIV. Tradução de Themira de Oliveria Brito, Paulo Henriques Britto e Christiano Monteiro Oiticica.Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA.

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Constrói-se, na continuidade, a percepção das dificuldades que enfrentará o

narrador-personagem na busca e na transformação do seu “eu” interior ao lado do

Barão que personifica a imagem mítica de Dionísio: “As pedras lavadas e soltas pelos

caminhos, as barreiras desmoronadas, algumas árvores com os ramos torcidos e

secos.” (Id.)

Recordemos que a pedra16 é um símbolo do centro e da totalidade da psique

humana, representando, portanto, a realização do “eu” como consciência de

completude. Aqui, podemos interpretar a presença destas pedras como os obstáculos

que os personagens enfrentarão no percurso em busca do “eu”.

A primeira impressão que o inspetor de escolas tem da imagem do Barão é: “...

do vão escuro surgiu um homem de enorme estatura, que teve de curvar-se para

poder passar. De ombros largos, com um grande chapéu na cabeça e todo

embrulhado, até os pés, num capote preto...” (Ibid., p.13-14) (...) “... Era uma figura

que intimidava. Ainda novo, com pouco mais de quarenta anos, tinha um aspecto

brutal, os gestos lentos, como se tudo parasse à sua volta durante o tempo que fosse

preciso. O ar de dono de tudo. Avançando para mim, com passos vagarosos,

fitava-me friamente. De repente mudou de expressão, como quem deixa cair uma

máscara, e a rir perguntou-me donde eu vinha e quem era. Mas qual seria a

máscara?”17 (Ibid., p-14)

A descrição do Barão é assustadora tanto física como psicologicamente. A sua

constituição exterior pode ser notada como algo meio intimidador, dono de um poder

capaz de aniquilar e de provocar receio aos que estão à sua volta. Seus movimentos

apesar de serem descritos como lentos causam apreensão. Ele “avança” em direção ao

narrador-protagonista de uma forma agressiva, atemorizante.

Seu aspecto psicológico começa a ser desenhado e a dualidade, característica

marcante nesta narrativa, surge com a explícita menção à “máscara”. Como vimos

16 Os símbolos mencionados têm como fonte de consulta: BIEDERMANN, Hans. DICCIONARIO DE SÍMBOLOS. Barcelona: Paidós, 1996.

17 Grifos meus.

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21

anteriormente, os cultos dionisíacos eram marcados pela representação da teatralidade

através do uso das máscaras e o deus, de um modo geral, vestia-se com longos capotes

de pele que recobriam o seu corpo: “... Surpreendi-lhe então um olhar duro, logo

mudado numa expressão infantil e alegre...” (Ibid., p. 15) (...) “... compreendi que tinha

caído nas mãos de um déspota, de uma pessoa habituada a vergar os outros aos seus

caprichos.” (Ibid., p. 16) (...) “... e então ele teve um sorriso tímido e quase ingênuo,

como uma criança.” (Id.)

Nos aspectos ressaltados nos trechos acima, verificamos como a dualidade é

representada constantemente e tem a função de encenar um embate emocional dentro

do “eu” interior do personagem do qual se fala e dentro também do interior do

narrador-personagem que se põe a falar sobre estes aspectos. A relação entre inspetor e

Barão se apresenta, portanto, como uma relação de alteridade, onde a presença / atitude

do outro os fazem pensar em si próprios.

Nos excertos que seguem, constatamos que a descrição do ambiente colabora

uma vez mais para a construção das tensões que se manifestarão uma e outra vez

através das características psicológicas dos personagens. O ambiente pode ser visto

como um pseudopersonagem, sendo, por diversas vezes, priorizado em detrimento de

personagens secundários. Como se o ambiente de repente ganhasse um aspecto

antropomórfico capaz de interagir com o narrador-personagem e influenciar o Barão,

enquanto personagens figurantes não são percebidos com a mesma intensidade: “...

Olhei em volta, mas a noite estava tão escura que não vi nada e senti um cão a cheirar-

me as pernas.” (Ibid., p. 20) “... vi que estávamos num velho solar, de certa

imponência. Uma fachada de muitas janelas perdia-se na escuridão da noite.” (Ibid., p.

21)

Ou ainda, o ambiente ligado à busca do “eu” interior: “Estes velhos palácios,

quase abandonados,...” (Id.) (...) “São os meus ideais impossíveis. Um velho solar de

paredes que tenham vivido muito mais do que eu...” (Id.) (...) “Ah! Isso, sim, é que me

dava outras possibilidades de ser, de compreender e de ir pelo meu caminho.” (Ibid., p.

22)

Ou quando se fala diretamente da constituição psicológica: “... o Barão também

era um homem em que lutavam Deus e o Diabo.” (Ibid., p. 24). Há neste momento

Page 22: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

22

uma relação de proximidade momentânea entre o inspetor de escolas e o “senhor

medieval” que é posta em questão na seqüência: “Mas não nos podíamos entender. As

taras e os desequilíbrios inferiores tinham-no vencido, submergindo o homem inteiro.”

(Id.) (...) “Parecia outra pessoa que estava afundada dentro dele próprio...” (Id.) (...)

“Era um senhor medieval, sobrevivendo á sua época, completamente inadaptado, como

um animal de outro clima.” (Id.) (...) “... havia nele qualquer coisa de animal feroz, no

olhar, nos gestos, até na fala. Porém numa fusão estranha, com não sei quê de cândido

e de afável.” (Ibid., p; 24-25)

Nestes trechos podemos identificar alguns aspectos importantes que marcam

definitivamente o conto. No momento em que o narrador-personagem se vê através do

Barão imediatamente aclara que ainda que em ambos os embates emocionais se

fizessem presentes e constantes, havia naquele senhor medieval algo que o fazia

experimentar mudanças ocasionadas pelo seu próprio “eu” , como uma certa

incapacidade de se adaptar ao mundo em que vivia, tentando de maneira ineficaz

manter-se distanciado desse novo mundo.

É neste trecho ainda que se reitera de forma mais marcada a característica

zoomórfica do Barão. Não sendo, contudo, a primeira vez na narrativa que o elemento

“animal”, seja na caracterização do personagem, seja de forma literal, surja posto em

evidência.

Anteriormente, já temos a atenção voltada para o cavalo Melro, e depois os cães

na noite escura. Pensando de uma forma generalizada, podemos afirmar que os

“animais”18 simbolizam os poderes do inconsciente e estão ligados à impulsividade

instintiva, já seja uma impulsividade agressiva ou libidinosa. O cavalo está associado

ao tema do instinto sexual, e na mitologia está relacionado às deusas-mãe e ao fluxo da

vida e da morte. O cachorro era considerado, na antiguidade, o guardião da vida eterna.

Também estava relacionado com a morte e com a fidelidade no relacionamento.

Portanto, aspectos estes que se vêem refletidos tanto no Barão como no narrador-

personagem.

18 BIDERMANN, op.cit

Page 23: CAPÍTULO 1 – MODERNISMO. A GERAÇÃO DE PRESENÇA. • A

23

O vinho, que outrora já havia sido convocado a ser parte integrante da narrativa

e, sobretudo a ser observado como elemento transformador, terá sucessivas aparições

durante o descortinar dos encontros conflitivos em busca do “eu” mais íntimo dos

personagens.

O inspetor que em um princípio desejou o silêncio e afirmou que somente dessa

quietude rotineira poderia advir “... uma calma interior...” (Ibid., p. 9) se sentirá

deslocado e nos mostrará essa dualidade interior: “... pesava cada vez mais um silêncio

que eu nunca tinha sentido: inquietante...” (Ibid., p. 26) e “... a verdadeira fome

começava a torturar-me” (Ibid., p. 27). Esta “verdadeira fome” pode e é sentida

ambiguamente, refere-se num primeiro momento à fome relacionada a uma

necessidade de alimento, mas neste caso também entendida como a voracidade, a

avidez em encontrar o seu próprio caminho. É por causa desta avassaladora fome que

a personagem Idalina entra na narrativa. Não é a primeira figura feminina que está

representada na narrativa, mas sem dúvida é a primeira figura feminina que nos

proporciona uma quebra no tom narracional e nos proporciona a possibilidade de, por

meio de sua ação / passividade, visualizar as mudanças que se processam no interior do

“eu” dos personagens Barão e inspetor.

Note-se, de imediato, que Idalina é a única personagem que é caracterizada pelo

nome. Sua entrada nesta parte da narrativa tem dupla função. Primeiramente esta

criada foi chamada para que preparasse aquilo que saciará a fome (alimentícia) do

inspetor, e mais tarde, se verá que esse saciar terá projeções libidinosas, ainda que

sejam apenas projeções. Em um segundo plano, não menos importante, a figura de

Idalina nos é mostrada como: “Uma mulher alta, bem feita, de quarenta anos, com um

vago ar desdenhoso e importante.” (Ibid., p. 30) Ou seja, idade similar ao Barão e de

características psicológicas de mesma tendência.

De acordo com o nosso narrador-personagem temos que: “Percebia-se

facilmente que andava ali como dona da casa, oscilando entre baronesa e serva. Saiu

num passo elástico, deixando ficar atrás dela um momento de silêncio.” (Ibid., p. 31).

Nota-se, portanto, que em Idalina também havia embates interiores e, que, é a sua

representação capaz de provocar mudanças nos estados de espíritos dos que com ela

interagem.

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24

É na seqüência que evidenciamos a tensão provocada pela sua presença, muito

mais do que pela sua ausência: “O Barão, contra o seu costume, bebeu vários golos,

com pequenos intervalos, sem dizer nada. Não compreendi porque é que aquela

mulher, uma simples criada, tinha deixado ali aquele silêncio difícil.” (Id.) (...) “...

naquele momento esmagava-o um desalento repentino, não tinha força de vontade,

ficara abatido e mole como um leão ferido de morte.” (Ibid., p. 33)

E, ainda: “– Esta mulher faz-me lembrar certas coisas” (Id.) (...) “Até que

serenou e começou a falar de outra mulher, uma mulher por quem tinha tido uma

paixão, e a quem se referia chamando-lhe apenas ‘Ela’ ”. (Ibid., p. 35)

Constatamos que a presença de Idalina, ainda que rápida, foi o suficiente para

afundar o Barão na divagação em busca dos seus próprios fantasmas. É através dela

que se evidencia a questão edipiana e ocorre a representação alegórica do estilhaçar de

Dionísio. E, principalmente, é motivado pelas recordações que Idalina lhe causa, que

Ela, a Bela-Adormecida, será mencionada pela primeira vez e se transformará em um

dos fios condutores deste conto.

A busca interior o fará relembrar dos momentos em que as “suas mulheres”

eram vendidas ou trocadas com o seu pai. Como se essa lembrança o fizesse sentir um

mal-estar, o Barão assume uma possível mudança comportamental: “Mas vou... vou

regenerar-me...”. ( Ibid., p. 34)

Na seqüência desta clara manifestação das disputas que se processam no

interior do Barão, o nosso narrador-personagem está atento para os nuances do

protagonista, e registra, permeando as atitudes do personagem através do seu ponto de

vista, as mudanças que ocorrem no “eu” interior do Barão e são manifestadas por meio

de nuances ou tons distintos. Essas nuances também são representadas através do tom

narrativo e não é sem razão que produz-se aqui uma quebra narracional, vejamos: “Fez

uma pausa e, como se acordasse de repente, olhou para mim, endireitou-se na cadeira,

bebeu um golo de vinho e bateu com o copo com tal força sobre a mesa que o fez em

estilhas. Então continuou noutro tom de voz completamente diferente, firme, lúcido.”

(Id.)

Através deste parágrafo podemos verificar a intencionalidade do narrador,

quando sutilmente faz esta quebra no tom narracional, reduzindo o ímpeto das

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25

emoções que são postas em cena e ao mesmo tempo permitindo que o estilhaçar da

taça represente não somente a impulsividade dionisíaca como também a mudança

comportamental do personagem. É, na continuidade dessa introspecção, que o Barão

fará com que “Ela” se faça presente pela primeira vez. Vale recordar que a mudança de

tom narracional, como se houvesse simplesmente diminuído a intensidade da narrativa,

ao mesmo tempo mantém a força daquilo que é dito. O transbordar das emoções do

Barão referidas à sua relação com o pai e à sua relação com a “Única” faz-se sentir por

meio do impacto causado pela presença de Idalina.

O Barão segue a buscar em suas recordações os feitos dos quais se envergonha

e se vangloria ao mesmo tempo e mais uma vez vem a tona a disputa entre pai e filho

pela posse de uma “mulher”.

Uma espécie de louvor é entoado ao vinho e vê-se a si mesmo como um animal

“Sou um animal, uma pura besta.” (Ibid., p. 38). Explicitamente refere-se à

característica dionisíaca, o bramar das bestas, a animalização.

Após celebrar o vinho e identificar-se com o lado selvagem dos animais, o

Barão informa ao seu hóspede que vai ouvir a Tuna. Para que isto ocorra, chama-se

novamente a criada e outra vez mais a tensão é evidenciada:

E sentou-se na minha frente, de costas para a criada, como se ali se refugiasse do seu olhar duro.

Pegando no copo, ergueu-o num gesto brusco. Receei que agredisse aquela arrogante mulher,

que a esmagasse com uma cadeira na cabeça. Mas não. Dominava-se mais do que parecia por

vezes. Contudo, era preciso coragem, ou outra qualquer força qualquer, para afrontar assim as

violentas iras do fidalgo. Havia um mistério entre ambos, era evidente. (Ibid., p. 41-42)

Idalina, ainda que seja a criada, é a figura feminina que marca o embate

psicológico do Barão (e posteriormente marcará também o do inspetor de escolas).

Conseqüentemente, é por meio de sua presença, de seus atos, de sua caracterização

psicológica e inclusive pela sua ausência que visualizamos notoriamente o processo

transformador pelo qual passa o nosso protagonista. O Barão não a confronta

diretamente e dela se refugia, como que uma força emanasse de Idalina fazendo-o

recuar, como a um animal ferido. Ao mesmo tempo, a presença de Idalina vem

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marcada sempre com um tom de agressividade. A agressividade é representante do

lado obscuro da personalidade, do instinto e da impulsividade.

Continua a narração afirmando: “Dominava-se...” e “Havia um mistério entre

ambos...”. Esta dominação refere-se uma vez mais à dualidade psicológica que se dá

no interior do personagem, ou seja, na dualidade psicológica. Contudo o fato de que o

narrador afirme que entre o Barão e Idalina há algo maior que os une, como uma força

superior, esse mistério que não é possível desvendá-lo, que não é a relação de serva

nem de baronesa, que faz com que o Barão tente redimir-se de seus atos e que lhe tema

e que lhe afronte, é esse mistério que intensifica ainda mais o clima dionisíaco.

A ingestão do vinho começa então a provocar a sensação de bem-estar em

nosso narrador: “Eu devia estar já convencido de que aquelas coisas de tão divino

perfume não faziam mal; que, pelo contrário, era absorver néctares do Paraíso.” (Ibid.,

p. 43-44) Nesta afirmação peculiar podemos verificar como o efeito do vinho já

começava a transformar o caminho pela busca do “eu” do narrador-personagem. As

palavras que utiliza para se referir ao vinho são simplesmente poéticas, é mais do que

uma simples referência, é uma reverência: divino – aquilo que vem ou pertence a

Deus, sobrenatural, sublime, encantador; néctares – a bebida dos deuses; Paraíso – o

lugar dos deuses. É desta forma que o inspetor se sente: desfrutando da bebida sagrada

tendo como companhia a personificação de Dionísio em meio de um ambiente que

outrora já havia sido descrito como: “... um sonho de conforto, de intimidade e de

bem-estar: de estabilidade na vida.”. (Ibid., p. 21) Mais do que estabilidade na vida,

significa a estabilidade emocional, a busca pelo caminho da descoberta do “eu”

interior, pela sua purificação.

Entre constantes golos de vinho novamente temos a referência às mulheres e

neste momento o Barão aponta mais uma das características que nos fazem identificá-

lo com Dionísio: “Sabe bem com a carne... Eu sou carnívoro...” (Ibid., p. 44) (vale

lembrar aqui do epíteto Omadio, também dado a Dionísio).

Lembremos que anteriormente o narrador-personagem nos havia dito que o fato

de o Barão beber constantemente não significava que estava embriagado, mas sim que

estava sob pressão, como que alimentando-se continuamente dessas forças que outrora

já foram denominadas de forças superiores ou ocultas. No entanto, é entre o momento

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em que o Barão ordena a vinda da Tuna a Idalina que o inspetor de escolas, através da

sua narrativa, retarda as informações e inclui a tensão provocada pela

presença/ausência de Idalina, pelas recordações do anfitrião, e inclusive afirmará pela

primeira vez que: “Já estávamos ambos embriagados.” (Ibid., p. 45). Será dessa forma,

embriagados, que farão um brinde à Ela, a Única. Neste brinde ocorrerá parte do ritual

dionisíaco19 que pode ser identificado pelos aspectos que seguem: ruptura do gargalo

da garrafa que faz com que jorre por ela a espuma branca - a espuma que simboliza a

purificação; o gesto de erguer a taça que transborda – o transbordar simboliza os

embates do “eu” interior; a quebra das taças – que representa o estilhaçar de Dionísio e

simboliza também a mudança / dualidade no interior dos personagens, vejamos:

“Pareceu-me outro homem. Era, na verdade, outro homem, aquele que estava ali agora

diante de mim. Não o tinha compreendido, não o tinha visto ainda.”. (Ibid., p. 47)

Provocados por esse clima dionisíaco, serão envolvidos por uma nebulosidade, por um

ambiente tenso e impreciso, pela possível confusão entre fantasia e realidade. Segue:

“Não sei bem por onde andamos e não sei mesmo o que fizemos naquela divagação

melancólica.” (Id.) (...) “… que me lembram como um sonho fantástico.” (Ibid., p.

48). Ou ainda: “Quanto tempo isto durou, não sei.” (Id.)

Raro seria não perceber esta confusão narracional que reflete sem dúvida

alguma a confusão emocional que os personagens estão percorrendo. A narrativa nada

mais é do que o espelho do interior dos personagens e se neste momento o narrador

escolhe deixar claro esta imprecisão é porque também dentro dele e do Barão estavam

sendo processadas as mudanças no “eu” de cada personagem. E dessa mesma forma

que se sentiam, confusos e imprecisos, percorrendo caminhos obscuros, física e

emocionalmente, à procura de compreender e de ir pelo seu próprio caminho.

A ruptura no tom da narrativa novamente é provocada pela “fome” desta vez do

Barão e pela presença / ausência de Idalina. A figura de Idalina é tão forte e tão

motivadora nesta narrativa que não é necessário que haja uma manifestação verbal por

parte da criada. Apenas sua presença seguida pelo seu afastamento da cena faz com

19 Digo parte do ritual porque posteriormente se dará o ritual dionisíaco por completo.

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que tudo seja percebido diferente. Ela é o eixo de mudança ao mais puro estilo

dionisíaco.20 Por exemplo: “Encheu um copo de vinho tinto e bebeu dos golos.

Agarrou na campainha e tocou. Veio a criada com o seu ar altivo. (...) Gritou, mas

quando ela saiu começou a rir, a rir, (...)”. (Id.)

Logo após esta cena o narrador-personagem nos indica uma mudança

comportamental e registra-a da seguinte forma: “Antes de se sentar veio ao pé de mim

e poisou a mão no meu ombro, com melancolia, tratando-me por tu. “ (Ibid., p. 50) A

forma de tratamento é ressaltada para que se possa perceber novamente a mudança que

ocorre dentro do personagem do Barão. È uma relação agora de amizade e de

confiança, uma relação de desabafo e de procura.

Recordemos então que desde que o Barão ordenou que Idalina fosse chamar a

Tuna até este momento não houve menção ao fato. Isto ocorre porque a técnica

narrativa utilizada faz com que o leitor se envolva de uma forma tal que chegue a

confundir-se entre o passado (que é exatamente o que está sendo narrado) com o

presente do narrador-personagem, motivo pelo qual o narrador utiliza a desaceleração

da narrativa provocando a tensão e repassando a sensação vivenciada pelo inspetor,

como se não soubesse o que ocorre no instante seguinte, transferindo, portanto, a

expectativa para a narração.

É com a aparição e a apresentação da Tuna que se tem o ritual dionisíaco

completo. Vejamos quais são as características que despontam e qual o significado de

cada uma delas: “... neste momento ouvimos ao fundo do corredor, ainda longe, um

barulho como o rolar de um trovão que se aproxima.”. (Ibid., p. 51) Nitidamente é uma

caracterização do ambiente que os rodeia como algo que é inesperado (ainda que tenha

sido chamada anteriormente, o nosso narrador-personagem não sabe neste momento

20 Note-se que não se exclui o plano narrativo em busca do apaziguamento do “eu” interior em relação à Bela Adormecida, apenas estou neste momento ressaltando a importância de Idalina para o aparecimento dos embates emocionas, das quebras narracionais e inclusive para o surgimento do embate vinculado à “Ela”;

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que este barulho é proveniente da Tuna, inclusive não sabe o que é a Tuna21), como

algo estrondoso e assustador. “Eu fiquei atônito e imóvel. (Id.) (...) “Não tive medo…”

(Id.) (…) ”…(assustado não estava)….” (Id.). Percebe-se pela forma com que o

inspetor descreve a situação que ocorria algo que lhe era desconhecido e intrigante.

Reitera a força daquilo que presenciava: “Parecia-me um pesadelo aquele desfile de

figuras tão estranhas, que formavam um friso diante de mim e continuavam a passar

interminavelmente, fazendo uma vênia até o chão.” (Ibid., p.53)

Há também a zoomorfismo dos integrantes da Tuna: “Os tamancos soltos nos

pés faziam-nos caminhar como ursos. (...) Eram ursos.” (Ibid., p. 54). O urso

representa a divindade mais antiga do mundo e representa o símbolo do inconsciente e

de nossos instintos. A vestimenta dos integrantes da Tuna são representações

simbólicas também de Dionísio: “A alguns mal se lhes via a cara, porque tinham a

cabeça metida dentro de enormes capuzes, como frades.” (Id.)

Em seguida temos a descrição de parte do ritual dionisíaco que pode ser

também interpretado como uma face do ritual cristão: “A criada tinha posto sobre a

mesa três grandes copos, de litro cada um, e umas três ou quatro broas. Pôs também

duas facas. Depois encheu os três copos com vinho tinto, de um garrafão que estava

debaixo da mesa e saiu. Tudo isto fora feito num silêncio absoluto como um ritual

respeitado.” (Ibid., p. 55)

Destaquemos que a Igreja utilizou no decorrer do tempo o pão e o vinho para a

celebração do banquete do Senhor, sendo que o vinho dever ser natural e puro, sem

misturas de substâncias estranhas. Para a religião cristã o pão é o símbolo básico da

21 Surgiu no ano de 1212, na Espanha, o primeiro "Studium Generale" que seria o antecessor das atuais Universidades. Em 1285, D. Diniz manda construir os Estudos Gerais de Lisboa que posteriormente foi transferido à Coimbra, surgindo assim primeira Universidade Portuguesa. Jovens de todo o país acediam aos Estudos Gerais e surgiu desta forma os Sopistas (dessa forma denominados na Espanha) que seriam os predecessores dos atuais Tunos. Os Sopistas eram estudantes pobres que utilizavam a música para percorrer as casas nobres, conventos, ruas e praças com o intuito de receber em troca um prato de sopa ou uma ajuda financeira para custear os estudos. Utilizavam longas capas negras para poderem se esconder dos policiais. No século XVI formaram-se as Tunas. Julga-se que receberam este nome, pois as atitudes dos integrantes eram semelhantes a um califa, boêmio e mulherengo, de Tunes. As Tunas em Portugal surgiram apenas em meados do século XX.

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humanidade, é aquele que satisfaz a fome, fortalece e é o símbolo da vida. Inclusive

por ter essa representação durante o primeiro século a Eucaristia foi denominada

“fração de pão”. Já o vinho é a bebida por excelência. Humanamente o vinho fala de

amizade e de comunhão com os demais, proporciona alegria e nos dá inspiração. No

antigo testamento podemos verificar que quando se refere aos tempos messiânicos há a

referência a festas de vinhos e manjares. O vinho é considerado um símbolo do sangue

de Cristo e partilha com o rito dionisíaco a propriedade de reconciliação e comunhão.

Por meio da voz do Barão é apresentada a Tuna. Note-se aqui a demonstração

da arrogância do Barão refletida na ordem dada para a vinda da Tuna já madrugada

adentro. A primeira toada que é pedida por ele é o Verde-Gaio22 que reflete o espírito

do ritual marcado pela cantoria, pela alegria, pela isenção de responsabilidade,

demonstrando o deleite e o prazer daquele momento. Logo após a partilha de pão e

vinho, pede que se toque o Tum-Tum (ambas são toadas populares portuguesas).

Enquanto é executada a toada, a dança desperta os instintos de nossos personagens.

Vejamos quais são as impressões do inspetor e o que representam: “Eu estava

maravilhado. Ainda hoje conservo nítida essa sensação de estranheza que me deu a

sessão da Tuna.” (Ibid., p. 60)

No trecho acima, observamos que o narrador-personagem afirma o seu

assombro por todo esse espetáculo com um certo tom de admiração pelo vivenciado

naquela noite. Percebemos também que há neste discurso a opinião “atual” do narrador

(aquela que estará presente ainda no momento em que recorda aquela noite decisiva e

narra tais acontecimentos). É uma lembrança que marcou definitivamente o inspetor.

Seguem entoados pela música incessante, a dançar o Barão, a criada e o

inspetor. Aqui se descreve uma cena erótica: “A criada caiu também no meio da casa e

22 Hei-de cantar hei-de rir [bis] / hei-de ser muito alegre [bis] / hei-de mandar a tristeza [bis] / para o demo que a leve [bis] / Verde gaio verde gaio verde guito [bis] / agora é que vai a meio / o rapaz do casaquito / agora é que vai a meio / o rapaz do casaquito / O meu amor quer que eu tenha [bis] / juizo capacidade [bis] / tenha ele que é mais velho [bis] / eu sou de menor idade [bis] / verde gaio ... / Sei um saco de cantigas [bis] / e mais uma saquetinha [bis] / quando as quero cantar [bis] / desato-lhe a baracinha [bis] O meu amor quer que eu tenha [bis] / juizo capacidade [bis] / tenha ele que é mais velho [bis] eu sou de menor idade [bis] / verde gaio... / Sei um saco de cantigas [bis] / e mais uma saquetinha [bis] / quando as quero cantar [bis] / /desato-lhe a baracinha [bis]

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ficou com as saias para cima, mostrando as pernas até às coxas.” (Ibid., p. 60-61). O

erotismo desta cena está marcado pela mistura de elementos que despertam os

impulsos inconscientes. A cena é descrita com sobriedade, mas vem carregada de

vinho, música, estranheza e lentidão narracional provocando o erotismo pedido pelo

ritual proposto. Consideremos também que a dança é um símbolo ligado à sexualidade

que leva ao êxtase erótico.

É, sem dúvida, que na seqüência desta narrativa ocorrerá o clímax do conto.

Analisaremos como isso ocorre: “... começou lentamente a despejar sobre a cabeça

uma cascata de vinho branco que me fazia inveja” (Ibid., p. 61) (...) ”Mas vi-o crescer

como um gigante e reparei que ele tinha na cara e no fato uns estranhos reflexos

metálicos. Já não era o Barão, era o seu fantasma, um autômato de ferro e lata que me

fazia calafrios de terror ”. (Ibid., p. 62)

Nos excertos acima vemos claramente o processo de transformação do “eu”

interior do Barão que por assimilação pode ser estendido ao inspetor. Há aqui a

transformação física do Barão: gigante, reflexos metálicos; e também a transformação

psicológica: era o seu fantasma. Logo adiante o Barão vai confirmar essa

transformação e novamente teremos outro ponto de contato com o ritual cristão, note-

se: “-Estou purificado!...” (Ibide., p. 63) ou ainda “O baptismo purifica!...” (Id.)

O batismo é o elo de purificação com o ritual cristão. O batismo na Igreja

representa a purificação do ser humano e a sua transformação espiritual. A

transformação psicológica se dá pela liberação dos pecados compreendidos

inconscientemente. A imersão na água está relacionada simbolicamente à regressão ao

útero e representa a regeneração daquele que é submetido ao ritual. Neste trecho o

Barão reproduz, de acordo com o ritual dionisíaco, o batismo que o purifica e o

transforma. Prova dessa transformação será o ímpeto de ir em busca da Bela-

Adormecida: “_Vem!... Vou ao castelo da Bela-Adormecida...” (Id.)

A transformação também pode ser percebida no inspetor: “Do meu subconsciente

começava a comandar-me uma voz de libertação e em passo de marcha cantei a

Marselhesa”. (Ibid., p. 65) A Marselhesa foi entoada pela primeira vez em 30 de julho

de 1792. Os revolucionários franceses marcham desde Marselha a Paris entoando o

então canto de guerra. Três anos após o fato, a Marselhesa tornou-se o Hino Nacional

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da França, uma canção revolucionária que expressa o orgulho nacional e a liberdade.

Sua menção aqui reitera o próprio sentimento de libertação do “eu” interior vivido

pelo inspetor.

Ou ainda, podemos constatar essa transformação no trecho que segue: “...

lembro-me que tentei, inutilmente, escalar um alto portão de ferro, ...” (Ibid., p. 65-66)

(...) “Como não conseguia e caí duas vezes, resolvi ir procurar outra saída, pois estava

naquela fase em que não se desiste de nada e em que os obstáculos são um desafio que

nos redobra as forças.” (Ibid., p. 66)

Na cena acima, o narrador reflete a busca incessante pelo “caminho” que deve

seguir, por essa transformação que, como todas, encontra obstáculos, considerados

elementos importantes para que a transformação se legitime. È entre os obstáculos e a

sensação de estar perdido em meio à escuridão que Idalina entra em cena como

elemento importante tanto na mudança de tom da narrativa como também no

reconhecimento de mudanças interiores. Na seqüência vemos o embate produzido pela

tensão sexual e que remonta a uma possível disputa entre Pai, Barão e mulheres, só

que agora personalizada por Barão, inspetor e Idalina. Nesta comparação podemos

associar a figura do pai com a figura atual do Barão; a figura do Barão (passado) com

a figura do Inspetor e as mulheres com Idalina: “Falei-lhe como se estivesse

apaixonado por ela, com as suas mãos outra vez agarradas nas minhas, ajoelhado na

terra, implorando seu amor. Ela apenas se defendia por palavras. (...)” (Ibid., p. 68)

“_Está doido... O Barão matava-o. Cale-se com isso! Venha. Vá... Está doido... O

Barão matava-o... Vá...” (Id.)

Na continuação a esta cena temos a transformação pelo fogo. O fogo é um

símbolo da libido. O calor que o fogo irradia desperta a mesma sensação que

acompanha o estado de excitação sexual e não é sem motivo que logo após a conversa

entre o inspetor e Idalina o quarto em que repousava o inspetor pega fogo. A

constatação dessa transformação e dessa renovação faz parte também do ritual e

define-se em: “Na verdade tinha escapado de morrer queimado, graças ao barulho que

ele fizera a bater na porta. Devia-lhe talvez a vida. / _Deves-me a vida!” (Ibid., p. 74)

Constitui-se, conseqüentemente o renascimento de um novo homem. Após as

duas transformações terem sido processadas o Barão irá em busca de flores para a

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“Única”. No diálogo tecido entre o inspetor e o Barão, o primeiro questiona: “_São

para a “Madona do Campo Santo”?” (Ibid., p. 79) em uma explícita intertextualidade

com o conto Madona do Campo Santo, de Fialho D’Almeida. Conforme podemos

verificar na análise realizada por José Maria Rodrigues Filho23, o conto Madona do

Campo Santo, foi escrito e publicado no ano de 1882, onde encontramos o personagem

de nome Artur. Artur se apaixona por uma mulher idealizada (Judite) que o observa

desde a janela e que se alimenta de rosas brancas. Retomemos, ligeiramente, as

características que são postas em paralelo através da análise citada. São elas: o amor

cortês banhado pela idealização da mulher, que remonta aos tempos medievais de um

amor distante, inalcançável; a explicita menção do título do conto de Fialho

D’Almeida: “São para a <<Madona do Campo Santo>>?”, lembrando que não

somente o cita, mas o destaca entre aspas; os recursos retóricos utilizados em ambos

contos para se referirem à amada: frescura, ligeireza, graça, criancice, casta e

virgindade (Madona do Campo Santo) e Ela, Única, Outra e Bela Adormecida (O

Barão), circundando-as de lugares inatingíveis, soberanos e inexpugnáveis. Ainda,

podemos ressaltar que em ambos textos têm a referência ao hino francês (A

Marselhesa), posto em momentos estratégicos da narrativa e carregados de

significação distinta. Na época do autor Fialho D’Almeida o hino era um símbolo para

os republicanos e para a época de Branquinho da Fonseca o mesmo hino refletia os

ideais da resistência à ditadura salazarista.24 Além da intertextualidade percebemos

também que o campo é um local caracterizado por representar o oposto ao Inferno,

podendo ser visto como um símbolo do Paraíso.

O Barão colheu uma rosa para ir deixá-la na janela da sua Bela-Adormecida. A

flor é a representação simbólica da virgindade e também da alma. A rosa

especificamente representa a mulher amada e o amor puro. Enquanto o caminho era

percorrido podemos evidenciar alguns caminhos trilhados pelo inconsciente: “Íamos

23 Para maiores explicações em relação a esta intertextualidade ver: FERREIRA, António Manuel. CENTENÁRIO DE BRANQUINHO DA FONSECA: PRESENÇA E OUTROS PERCURSOS. 1° edição. Universidade de Aveiro, 2005. p. 19-41. 24 Id.

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calados, marchando ao lado um do outro, agora apressando o passo, sem eu estranhar,

como se soubesse o que íamos fazer.” (Ibid., p. 82)

A cena acima caracteriza a cumplicidade entre os dois personagens, como se a

presença de um permitisse a aceitação do outro, numa comunhão de atitudes e

sentimentos. O fato de que essa caminhada seja qualificada como uma “marcha”

remete à Marselhesa invocando uma vez mais a libertação do fluxo de consciência em

direção ao mais profundo “eu” interior.

Mais tarde, após a separação de percursos dos dois personagens, o inspetor de

escolas depois de muitas divagações sobre o ocorrido naquela noite escura, consegue

voltar ao amanhecer para a casa do Barão. Quando chega à casa contam-lhe o ocorrido

com o Barão. Contudo, o inspetor somente sabe que o Barão havia sofrido um desastre

e que para compreender melhor o que sucedera deveria ter com Idalina. Vê-se

novamente que Idalina é sim o meio pelo qual ocorrem as transformações no interior

do Barão e por isso um elemento fundamental na narrativa. Sem ela não seria possível

o surgimento de toda a trama e da realização dos percursos do inconsciente nos

personagens. O Barão está ferido por um tiro e sua cabeça foi atingida ocasionando-lhe

fratura de crânio. Vejamos o que representa essa cena simbolicamente.

Temos aqui o Barão ferido por um tiro. O revólver ou o efeito proveniente de

seu poder representa o aspecto sexual ou o conflito erótico pelo qual o personagem

passa. Já o problema relatado com a sua cabeça é o símbolo que corresponde à

separação entre a compreensão e o sofrimento que a alma padece.

O inspetor de escolas, contrariamente à caracterização do seu “eu” interior no início da

narrativa, encerra a narração de sua viagem à Serra do Barroso com um tom saudosista e

confirmador das transformações manifestadas em busca do caminho do seu próprio “eu”:

“Sim, Barão!... Hei de voltar, um dia. E havemos de tornar a perder-nos pelos caminhos

sombrios do nosso sonho e da nossa loucura; e mais uma vez havemos de cantar às estrelas, e

dar a vida para ires depor outro botão de rosa lá na alta janela da tua Bela-Adormecida!...”

(Ibid., p. 103-104)

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CAPÍTULO 4 - CONCLUSÃO

No decorrer desta análise constatamos que é através do narrador-personagem e

por causa deste narrador que se produz a narração da viagem à Serra do Barroso e os

seus desdobramentos.

Há visivelmente dois planos inter-relacionados que são:

1 - a busca pelo verdadeiro caminho do “eu” interior e a mudança do “eu” que ocorre

nos personagens Barão e inspetor de escolas;

2 – os embates com a presença da figura feminina, que aparece como uma das

motivações dessa vontade de mudança e da própria mudança em si.

Não devemos esquecer que esses dois planos estão marcadamente perpassados

pelo ritual dionisíaco e por todos os elementos simbólicos utilizados na realização do

ritual, inclusive a identificação do Barão com Dionísio como foi estudado

anteriormente. O ritual dionisíaco, ainda que não o tenhamos classificado como um

dos planos narrativos, o que pode vir a soar estranho uma vez que vimos como esses

elementos são importantes para a compreensão do que está sendo narrado, inclui aqui a

identificação do leitor com este conto aceitando como verossímil uma história

incrementada por elementos míticos e que beiram o fantástico.

Em relação ao primeiro plano narrativo mencionado, podemos afirmar que,

tanto o Barão como o narrador-personagem, sofrerão gradualmente a mudança no “eu”

interior e ativamente procurarão os verdadeiros caminhos que devem percorrer.

Vejamos como o inspetor expõe de forma direta ao leitor a sua angústia e a sua

necessidade de encontrar o “verdadeiro” caminho: “Quantas pessoas, porém, tenho

encontrado que são como eu, quase como eu: negadas a si próprias, paradas no

encontro das forças contrárias, afinal sem a decisão de quem simplesmente caminha

para algum sitio onde pensou chegar.” (Ibid., p. 23)

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Ou ainda, podemos perceber a vontade de busca do personagem Barão nas

palavras do inspetor:

Era-lhe talvez indiferente que eu o ouvisse: contava para si, ouvia as suas próprias palavras e

relembrava aqueles dias como um sonho realizado. Eu era só o pretexto, só para não falar

sozinho, como um doido. Senti quanto aquilo era para ele um prazer vivo mas doloroso. A

princípio falava com um ar desprendido e irônico, mas, pouco a pouco, foi tomado de uma

emoção profunda, que já não podia disfarçar. Era uma espécie de saudade de si próprio. (Ibid.,

p. 27)

É por meio das intervenções das mulheres, do vinho, da dança, da simbólica

purificação e dos demais símbolos já expostos que se realiza a mudança no “eu”

interior dos personagens. A seguir temos dois exemplos da mudança dos percursos da

consciência: “No meu estado de meia-inconsciência pareceu-me ter compreendido o

que ele dissera, ou antes, pareceu-me compreender o que ia fazer, como se, na

verdade, me tivesse dito naquelas poucas palavras mais alguma coisa do que apenas

aquilo que elas disseram. Mas de repente, como se abrisse os olhos, vi que não me

tinha dito o que ia fazer, e isso pareceu-me injustificável. Agora reconheço que o

não era.” (Ibid., p. 64)

Neste trecho é importante ressaltar dois aspectos fundamentais que se

concretizam na explícita afirmação da mudança de percepção / eu interior: “Agora

reconheço que o não era.”. E é exatamente por marcar essa mudança temporalmente

que temos novamente a referência ao passado e ao presente concomitantemente sem

que haja quebra narracional.

Ou ainda, a transformação simbólica do inspetor, o regresso do Inferno através

do ressurgimento por entre o fogo que lhe havia ameaçado a vida: “Fomos dar outra

vez à sala de jantar e o Barão quis festejar o meu regresso do Inferno com mais

champanhe.” (Ibid., p. 74)

Em relação à real mudança do Barão podemos confirmá-la com o fato de que

após todos os percursos que foram desenhados neste conto, durante essa noite escura e

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nebulosa, regada pelos efeitos do vinho, permeada pela fantasia e por elementos

míticos, o personagem consegue ir depor a rosa no beiral da janela de sua Bela-

Adormecida. Ou seja, consegue finalizar aquilo que durante o processo de mudança

lhe é despertado novamente, como a concretização dos ideais do passado. Para que isto

ocorra, não somente é necessário que se faça todo o ritual, mas que também esteja

totalmente purificado para poder receber a benção de tal ação. Contudo é uma ação

que o faz sofrer emocionalmente, o que se explicita na condição física em que se

encontra ao terminar a narrativa com “... um tiro num ombro e fratura de crânio.”

(Ibid., p.103) , mas ainda lúcido o suficiente para que confirmasse o término do

processo iniciado, pelo menos do processo interior que neste momento estava sendo

narrado.

Ainda pensado no processo de transformação é importante ressaltar o que

segue:

E o champanhe continuava a transbordar das taças e a erguer-se em brindes a tudo o que nos

lembrou, a todos os nossos desejos, sonhos, ambições, a todas as nossas saudades, desilusões,

a todos os nossos amigos, a tudo quanto nos ocorreu naquele momento de sinceridade. Esses

brindes foram verdadeiras confissões, como o abrir das nossas almas.

E, na verdade, a quem podemos falar com mais franqueza do que a um desconhecido que

nunca mais veremos? (Ibid., p. 74-75)

É importante perceber que no excerto acima se realiza a purificação simbólica,

com o champanhe que transborda e é erguido em brinde, a enumeração ao que se

brinda, que são processos que se desenvolvem no interior e no inconsciente do “eu”

dos dois personagens. A possibilidade de contar as histórias do passado, como já

afirmara: “O passado!... mas o que somos, senão o passado?” (Ibid., p. 28) e ver nessas

histórias a purificação de suas almas.

Portanto, podemos afirmar que o narrador-personagem está neste momento (no

momento em que escreve o conto e este entra em contato com o leitor) fazendo a

mesma coisa que nessa noite escura num velho solar medieval fizera anteriormente,

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falando com franqueza a alguém desconhecido, que não poderá julgá-lo, livre de

repressões, purificando-se e sentindo saudades de si mesmo.

Em relação à figura feminina podemos concluir que são figuras extremamente

importantes, em especial Idalina e a Bela-Adormecida, que permitem que o ritual

dionisíaco e a transformação no interior do “eu” do Barão e do narrador-personagem

se realizem. Ainda que as duas personagens femininas que mais relevância têm para o

progresso da narrativa sejam as já citadas, sentimos que todas sem exceção causam

repercussão dentro do conto.

Vemos qual é a impressão do inspetor de escolas em relação à professora que

veio recepcioná-lo quando da sua chegada a uma aldeia, cujo nome não soube revelar:

Falou-se da sindicância e da vida na aldeia. Ela entristeceu. Mas reagiu no mesmo instante.

Vi que estava ali uma mulher forte, otimista e infeliz. Compreendi o drama daquela pobre

rapariga. Ela tinha razão, sob o seu ponto de vista pessoal tinha razão.

Pensei em não inquirir mais nada e fazer um extenso relatório a justificar e defender a

professora que, por manifesta superioridade de interesses intelectuais era uma pessoa

inadaptável àquele meio. Entretanto veio um mau café em grandes chávenas de chá, que não

consegui beber. Mas ela bebeu-o. E de repente vi que não era tão verdade como eu supunha a

inadaptação ao meio. (Ibid., p. 12-13)

Esta observação a respeito da professora diz muito do próprio “eu” do narrador-

personagem, e revela a sua própria inadaptação ao seu meio, à sua minuciosa

observação do comportamento dos que o rodeiam e a percepção da dualidade tanto no

interior da professora como a sua dualidade.

A próxima menção às mulheres será feita por parte da voz do Barão em que diz:

“Eu às vezes vendia as minhas amantes a meu pai... Ou trocava-as...” (Ibid., p. 33-34)

É precisamente essa frase que faz com que o Barão expresse pela primeira vez o seu

desejo de regeneração, de purificação, portanto, há a constatação da dualidade

enfrentada.

Idalina, como apontamos anteriormente, é a personagem feminina dionisíaca

por excelência. Ela é a representante da sensualidade e da sexualidade durante a dança

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da Tuna. É por meio de sua presença / ausência que se evidenciam as quebras das

tensões narrativas. E é ela quem provoca o instinto sexual no narrador-personagem. É

com a intenção de possuí-la que o inspetor irá realmente purificar-se e renascer após o

episódio do fogo. É por ela, Idalina, que todas as outras mulheres (com exceção da

professora) serão lembradas. È por meio de suas idas e vindas no salão que fará

despertar os fantasmas do Barão e de seu hóspede, trazendo à tona uma gama de

dualidades e de caminhos desconhecidos. Inclusive a atmosfera criada em torno à

Bela-Adormecida, com todos os significados apontados no decorrer deste estudo,

torna-se efetiva pelas lembranças provocadas por Idalina que se constitui numa espécie

oscilante entre baronesa e criada, com a sua própria dualidade de comportamento.

A Bela-Adormecida é sem dúvida a representação dos ideários medievais, da

donzela que se percebe distante, em um lugar soberano e fora do alcance do poder do

Barão. É a sua “presença” que, ao mesmo tempo, provoca o contraste com a figura de

Idalina e proporciona o equilíbrio do triângulo apresentado Idalina – Barão – Bela-

Adormecida. Destacamos aqui a palavra presença, pois efetivamente não se pode

sentir a figura da Bela-Adormecida como um personagem totalmente real e cabe,

portanto, a dúvida de que seja um fruto da imaginação do Barão, como uma referência

a um passado não resolvido que se eterniza no objeto de desejo, o amor ideal e

idealizado.

Recordemos ainda que o término da narrativa se dá com a confirmação do

desejo do narrador-personagem em voltar ao solar medieval e mais uma vez perder-se

em meio dos sonhos e das loucuras em busca de seus verdadeiros caminhos.

É um final que nos permite pensar em um processo cíclico, não somente em

relação aos sucessos ocorridos, mas principalmente se pensarmos em um processo de

transformação do “eu” como algo continuo e oscilante.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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