capítulo 02

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Ecologia atual

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  • Captulo 02

    UMA NOVA PERSPECTIVA DA ECOLOGIA

    QUEM SABE NO TO NOVA

    ...estamos dentro da natureza e somos parte dela. Ela pode viver sem ns como o fez por bilhes de anos. Ns no podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental irreal. Ambos vm sempre juntos.

    (Leonardo Boff)

    Tarcisio Miguel Teixeira1

    Todos que tenham uma mnima proximidade com os estudos

    ambientais e ecolgicos concordam que devemos nos preocupar com a

    situao em que o planeta se encontra, especificamente pela ao do homem

    devido s necessidades de seu desenvolvimento econmico.

    Os livros didticos para crianas, adolescentes e jovens, ainda o

    material tcnico da maior envergadura cientfica que abordam o assunto

    ecologia, todos enfim, trazem esta mensagem: precisamos cuidar da natureza,

    a ao humana est promovendo tantas alteraes que o planeta no mais

    suportar e entrar em um colapso.

    Todavia, apesar de todos estes avisos e clamores de eclogos e

    educadores, o destino de nossa nave continua o mesmo. Estamos rumando

    para uma coliso irreversvel, o fim dos ecossistemas e consequentemente o

    prprio trmino da histria da humanidade.

    Perguntamo-nos: se a nossa prpria espcie que est

    ameaada, por que no paramos imediatamente?

    Parece uma verdadeira loucura, estamos todos sofrendo de uma

    psicopatia e rumamos para um suicdio coletivo. Sabendo que as aes

    humanas sobre a natureza esto nos conduzindo para um sinistro fim e mesmo

    assim no conseguimos parar.

    A resposta para esta aparente loucura chama-se alienao.

    Quando fazemos uso do termo alienao, quase que imediatamente, nos vem

    mente o conceito desenvolvido a partir da teoria marxista. Neste caso relativo

    alienao vinculada entre o operrio e seu trabalho (SANTOS, 1982). No

    1 Agrnomo, Bilogo, Filsofo, Mestre em Agronomia, acadmico de Direito, Aluno do curso para

    Doutorado em Direito Constitucional, Professor efetivo IFPR campus Umuarama.

  • pretendemos abandonar esta abordagem marxista, pois estaremos transitando

    pela ideologia capitalista ao tratarmos de como a humanidade tem visto a

    natureza, mas tambm no queremos restringir o conceito de alienao2.

    Utilizaremos do mais amplo conceito de alienao, aquela condio social e

    psicolgica em que o indivduo encontra-se sem domnio de sua individualidade

    e conscincia. O sujeito privado de saber e pensar por si mesmo, uma

    construo social de tal forma que o individuo no consegue discernir o

    contedo e os efeitos que suas aes podem promover no seu meio ambiente

    fsico e social (MORA, 1978, p. 10; CODO, 1985; DUARTE, 2004).

    A alienao para com a natureza articulada de tal forma que o

    homem passa a ser ver como algo fora da natureza. A sua atividade biolgica,

    socioeconmica e espiritual so de uma essncia absolutamente distinta da

    natureza comum3.

    A reproduo e alimentao humanas e, consequentemente, as

    atividades econmicas que mantm as primeiras possuem um status de

    primazia sobre os mesmos fenmenos biolgicos dos demais componentes

    vivos do planeta terra. Manter o ser humano (da forma que a sociedade

    capitalista quer) argumento o suficiente para desmontar e alterar totalmente a

    estrutura natural (lembrando que ela veio antes do ser humano).

    Com o resultado deste trabalho das foras alienantes fica muito fcil

    apresentar sociedade um sistema de desenvolvimento econmico que

    destruir todo o planeta e nenhum movimento contrrio de vulto significativo

    ocorrer. As pessoas acreditaro que normal o processo destrutivo e isto no

    alterar em nada nossas vidas, pois somos seres em separado do mundo

    fsico. A natureza unicamente para nos servir e da forma que nos aprouver,

    sem nenhuma necessidade de haver uma contrapartida da humanidade.

    O mximo que pode ocorrer nesta situao de alienao o

    surgimento de um sentimento de piedade para com a natureza. Ns seres

    humanos extra-natureza podemos em nossa bondade mpar prover o

    2 Tomando o devido cuidado de salientar que a alienao em Marx no um conceito restrito, ao

    contrrio, sua confeco e ramificao percorreu estgios da vida do pensador. 3 Entendam natureza comum como tudo que no se refere ao homem.

  • salvamento da natureza. Bastando para isto implementarmos alguns projetos

    do chamado desenvolvimento sustentvel4.

    Tambm no podemos esquecer que vivemos um momento de

    supervalorizao do indivduo e da prerrogativa da realizao dos interesses de

    cada um. Todo projeto que visa salvar a natureza muito bem vindo, desde

    que no comprometa a satisfao de meus desejos individuais.

    Outra face desta alienao refere-se prpria participao do individuo

    nos frutos do capitalismo. A nova verso do capitalismo com a participao do

    estado regulador e com uma maior diviso (aparente) dos lucros criou a

    alienao pelo sistema includente-excludente (TOYODA, 2010, p. 351).

    Includente porque o indivduo passa a ter acesso a maiores volumes de

    bens e servios do sistema. claro que a participao nestes bens e lucros

    implica na sua adequao s exigncias de sistema. Por exemplo, mulheres

    trabalhando tempo integral e no tendo tempo para seus filhos. Uma exigncia

    de preparo e dedicao ao trabalho que coopta todas as suas energias para a

    atividade laboral, simplesmente eliminando os outros aspectos da vida de um

    ser humano. No h mais espao para o homem que descansa, que l poesia,

    que acompanha a poltica ou mesmo para o homem encontrar-se consigo

    mesmo e com o divino. At mesmo o entretenimento est dentro deste pacote

    fornecido pelo sistema e o homem deve adequar seu tempo, sua famlia e sua

    cultura para desfrutar das atividades oferecidas.

    Excludente porque uma vez dentro desta engrenagem ou mquina o

    homem passa a exercer uma parcela da tarefa total da produo capitalista. A

    aplicao desta racionalidade capitalista promove uma forma de obter

    resultados financeiros, assegurar a continuidade do sistema e segmentar o

    poder da produo. O cidado comum est inserido porque recebe um salrio

    e pode usufruir de certas regalias5 que o sistema lhe proporciona. Por outro

    lado, est excludo porque sua vida e sua produo ocorrem nas periferias da

    mquina e, dificilmente, participar das decises realmente grandes.

    4 Reforando que a nossa opinio tcnica no contrria ao desenvolvimento sustentvel, alis ele ,

    provavelmente, a nossa sada. Porm, ele tem sido apresentado como uma espcie de salvador da

    ptria, digo do mundo, o homem a qualquer momento aplicar a tecnologia correta e tudo estar resolvido.

    5 Regalias que se tornam vantajosas quando o pas passa a ter importncia estratgica no cenrio da

    economia mundial.

  • Resumindo, o homem consumidor recebe alguns luxos, mas em

    compensao est excludo do crculo imediato de poder

    Esta posio confortvel a maioria das pessoas. Imagina-se um

    indivduo de sucesso profissional e financeiro, construtor do desenvolvimento

    do pas, gerador de outros empregos e ainda pode participar de campanhas

    para salvar o planeta. Porm, no percebemos que estamos alienados s

    decises realmente marcantes. Temos uma significncia medocre no processo

    de preservao do mundo.

    Qual seria uma forma de combater esta alienao que facilita tanto a

    vida dos exploradores inescrupulosos do planeta?

    Existem algumas opes, apresentamos uma que atua de forma

    pacfica e com eficincia comprovada: A Educao Ambiental.

    Sim, a boa e velha Educao. Esta mesma que serve de ferramenta

    para criar o sistema de incluso-excluso do novssimo sistema capitalista,

    tambm pode ser uma pedra no sapato dos pretensos dominadores

    econmicos do planeta.

    No estamos falando de uma Educao Ambiental patrocinada por

    componentes do sistema que visam somente criar uma atmosfera de falso-

    interesse pela preservao da natureza. Queremos sim, tratar aqui de um

    processo educacional que confronte a alienao tratada anteriormente e ajude

    a humanidade a se posicionar em busca de um comportamento que realmente

    possa respeitar as limitaes do planeta onde vivemos.

    Em nossos trabalhos do curso de Educao Ambiental optamos por

    apresentar aos educadores que ministrariam o curso e para os participantes a

    proposta idealizada pelo telogo e filsofo Leonardo Boff. A nossa opo

    justifica-se por entendermos ser esta uma proposta que respeita a natureza em

    sua totalidade e no omite o homem de suas reais responsabilidades para com

    a preservao do planeta.

    O professor Boff apresenta a ecologia como uma cincia com quatro

    dimenses: a Ecologia Ambiental, Social, Mental e Integral (BOFF, 2013).

    A primeira justamente aquela utilizada pelo sistema atual. Preocupa-

    se com as tcnicas de preservao, mas ainda v o homem e a sociedade fora

    da natureza.

  • A Ecologia Social aquela que quer o ambiente por inteiro. Insere o

    ser humano e a sociedade dentro da natureza. Respeita o homem como o ser

    mais complexo e singular da natureza, mas no exclui os fenmenos sociais e

    o homem do meio ambiente.

    Esta teoria ecolgica preocupa-se com a sociedade e com suas

    manifestaes como participantes da natureza. A injustia social vista como

    uma agresso ao homem e a natureza.

    Outro aspecto importante de Ecologia Social a sua preocupao com

    as geraes futuras e os seus direitos ao capital natural da Terra.

    Esta Ecologia fundamenta filosoficamente a Economia Ecolgica.

    Procuramos demonstrar a partir desta concepo que ao custo de produo

    dos bens econmicos deve ser acrescentado o que ficaremos devendo s

    geraes futuras quando gastamos os recursos exaurveis ou mesmo os

    renovveis acima da taxa natural de reposio dos mesmos. Tambm entram

    neste somatrio todas as externalidades do processo produtivo e que atingiro

    os interesses das novas geraes.

    A alienao capitalista nos apresenta a explorao atual da natureza

    como um presente que estamos proporcionando s geraes futuras. Para os

    lderes do processo atual, tudo que se altera e destri essencial para a

    sobrevivncia dos nossos descendentes. Os confortos tecnolgicos e o sistema

    de mdia so planejados para que a sociedade acredite que realmente est

    fazendo o melhor para o futuro.

    Isto um grande engodo. Exaurirmos os recursos naturais, poluirmos

    os rios, contaminarmos os lenis freticos e aqferos, entupirmos as ruas de

    veculos o grande presente que, bondosamente, deixaremos para nossos

    filhos e netos?

    Estamos deixando um planeta inabitvel para a maioria das espcies,

    inclusive a nossa. Continuando neste mesmo ritmo de ocupao e

    desenvolvimento econmico em poucas dcadas atingiremos o insuportvel.

    O prprio professor Boff nos apresenta um exemplo sobre a China, o

    gigante em pleno desenvolvimento. Ele questiona: o que aconteceria neste

    pas com todas as famlias tendo a mesma proporo de veculos que existem

    nos EUA?

  • Podemos estender este questionamento para o Brasil. sensvel a

    todos ns os problemas de trnsito das cidades grandes e mdias do pas.

    Calcados em uma promessa de que a venda de veculos estaria protegendo a

    nossa economia da crise mundial, simplesmente abarrotamos nossas ruas de

    veculos generosamente financiados e com descontos de impostos.

    A estratgia de vendas ao toque-de-caixa e uma grande mozinha

    do governo tirou muita gente da crise, principalmente as montadoras. Porm, e

    agora o que fazermos com as cidades? Quem cobrir as despesas para

    simplesmente refazermos a estrutura viria do meio urbano?

    So estas externalidades geradas pelos interesses dos grupos

    econmicos que atingiro em cheio a qualidade de vida das geraes futuras e

    devemos desenvolver a nossa responsabilidade sobre estes atos.

    Formando cidados crticos que tenham conscincia das estratgias do

    sistema capitalista e das suas conseqncias para as nossas vidas e dos

    futuros moradores deste planeta. Pessoas que se encontrem dentro do

    ambiente por inteiro e no fora do meio ambiente.

    Leonardo Boff apregoa que a humanidade precisa de uma Ecologia

    que direcione a sociedade para um verdadeiro desenvolvimento sustentvel.

    Aquele que atenda ao homem, aos demais seres vivos, s guas, aos solos e

    atmosfera6.

    Precisamos de um sistema ecolgico que direcione as atividades

    humanas para a conscientizao do que realmente somos: seres humanos

    totalmente pertencentes a esta natureza finita.

    A mstica de que a revoluo tcnico-cientfico-informacional sempre

    resolver todos os problemas deve ser desfeita. No podemos mais acreditar

    na mentira que o processo alienante nos mostra, que sempre seremos capazes

    de refuncionalizar7 a natureza para que se adque s nossas pretenses.

    Quanto a Ecologia Mental, O professor Boff, salienta que temos em

    nossa constituio um arqutipo primitivo composto de violncia e desejos de

    dominao. Este desejo de dominao e violncia manifesta-se em nossa

    6 A atmosfera no tem sido tratada como um componente deste grande sistema que a Terra. Precisamos

    resgatar este aspecto no nosso processo educacional. 7 O termo refuncionalizar a natureza utilizada pelo professor Carlos Alberto Franco da Silva da

    Universidade Federal Fluminense.

  • mente de forma que desenvolvemos uma verdadeira guerra com a Terra para

    submet-la a ns.

    Estamos nos colocando em uma posio extremamente perigosa,

    como Reis e Rainhas e tudo existe para o nosso bel-prazer e que a natureza s

    tem sentido quando ordenada ao ser humano.

    Esta viso antropocntrica nos impede de praticarmos a solidariedade

    csmica e estamos destruindo o nosso veio de vida, a Terra.

    O telogo tambm salienta a importncia de resgatarmos no ser

    humano o vis do feminino, aquela capacidade que podemos desenvolver

    como seres que gostam de cuidar daquilo a que pertencemos.

    Tambm no podemos esquecer nos estudos da Ecologia Mental do

    resgate do sagrado em nossas vidas. esta anteposio do homem violento e

    dominador ao Criador e Ordenador da natureza que impe os limites

    manipulao do mundo. A sociedade comporta-se como se estivesse em um

    ambiente totalmente livre em sem limitaes, mas Deus nos posicionou em um

    sistema com cercas e a humanidade deve escolher estar dentro ou fora desta

    cerca. Atualmente, com este modelo de explorao ambiental, estamos do lado

    errado da cerca.

    Leonardo Boff continua descrevendo na Ecologia Integral que o homem

    e o cosmo esto em uma perene gnese (formao continua). Portanto,

    precisamos desenvolver uma pacincia com o processo global, com os outros

    e para consigo, pois no estamos totalmente prontos.

    Sobre este segmento da Ecologia ele conclui que formamos uma

    totalidade orgnica, dinmica, diversa, tensa e harmnica, um cosmo e no um

    caos.

    Como dito em nosso ttulo queremos apresentar uma nova ecologia.

    Esta que respeita o homem (todos eles) e tambm os outros componentes do

    planeta, que aceita a ideia da existncia de algo maior do que a vida humana

    sobre a terra e que simultaneamente respeita as geraes futuras.

    Queremos uma Educao Ambiental que permita ao homem estar no

    centro das decises importantes e no como simples figurante, que os homens

    no sejam meras engrenagens, mas sim, juntamente com a natureza, sejam a

    prpria fora motriz do modelo de convivncia que escolherem.

  • Porm uma Ecologia no to nova, porque a nossa proposta do curso

    de Educao Ambiental no cria uma nova Ecologia, mas sim resgata algo que

    j esteve presente na nossa cultura, na verdade em nossa criao, a

    capacidade de cuidarmos de nosso maior presente, a vida.

  • REFERNCIAS

    BOFF, L. As quatro dimenses da Ecologia. Disponvel em: . Acesso em: 13 nov. 2013. CODO. W. O que alienao. Coleo primeiros passos, 141. 6. ed. So Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 104 p. DUARTE, N. Formao do indivduo, conscincia e alienao: O ser humano na psicologia de A. N. Leontiev. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 44-63, abril 2004. Disponvel em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 13 nov. 2013. MORA, J. F. Dicionrio de Filosofia. Traduo Antnio Jos Massano; Manuel Palmerim. Lisboa: Publicas Dom Quixote, 1978. 302 p. SANTOS, L. G. dos. Alienao e Capitalismo. So Paulo: Editora Brasiliense, 1982. 95 p. TOYODA,H. A apologia dos direitos humanos e a razo perversa do capitalismo: do sujeito de direitos falcia das garantias. Revista de Direito Econmico e Socioambiental, Curitiba PR, Volume 1, nmero 2, p. 333-366, julho/dezembro 2010.