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CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO Entre o Paradigma da Destruição e os Caminhos de Reconstrução

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CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO

Entre o Paradigma da Destruição eos Caminhos de Reconstrução

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1ª edição — janeiro, 20061ª edição — 2ª tiragem, julho, 20071ª edição — 3ª tiragem, dezembro, 20082ª edição — setembro, 2015

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MAURICIO GODINHO DELGADO

CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO

Entre o Paradigma da Destruição eos Caminhos de Reconstrução

2ª edição

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R

EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.brNovembro, 2015

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUXProjeto de capa: Fábio GiGLio impressão: bARTiRA

Versão impressa — LTr 5363.9 — iSbN 978-85-361-8606-1Versão digital — LTr 8829.4 — iSbN 978-85-361-8650-4

Todos os direitos reservados

Índice para catálogo sistemático:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara brasileira do Livro, SP, brasil)

Delgado, Mauricio Godinho Capitalismo, trabalho e emprego : entre o paradigma da destruição e os

caminhos de reconstrução / Mauricio Godinho Delgado. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015.

bibliografia.

1. Capitalismo 2. Direito do trabalho 3. Emprego (Teoria econômica) 4. Exclusão social 5. Globalização 6. Trabalho e classes trabalhadoras i. Título.

15-07898 CDU-34:331.6:330.82

1. Capitalismo, trabalho e emprego : Direito do trabalho 34:331.6:330.82

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Dedico este livro, nesta 2ª edição, aos meus interlocutores fundamentais, em cursos, palestras e eventos

acadêmicos desenvolvidos ao longo das últimas décadas.

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Sumário

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

CAPÍTULO I

GLOBALIZAÇÃO E HEGEMONIA:Cenários para a desconstrução do primado do trabalho e do emprego no

capitalismo contemporâneo

I — Introdução .......................................................................................................... 15

II — Globalização: conceito ....................................................................................... 15

III — Globalização: pressupostos e requisitos ............................................................. 16

1. Pressupostos da globalização ........................................................................... 17

A) Generalização do sistema capitalista ........................................................... 17

B) Nova revolução tecnológica ......................................................................... 18

C) Hegemonia financeiro-especulativa .............................................................. 19

2. Requisitos da globalização................................................................................ 20

A) Pensamento econômico hegemônico .......................................................... 22

Liberalismo readequado .............................................................................. 24

B) Hegemonia política ultraliberal .................................................................... 25

C) Ausência de contraponto eficaz .................................................................. 26

a) Contraponto externo ............................................................................... 26

b) Contraponto interno ............................................................................... 26

D) Internalização dependente do ultraliberalismo ............................................ 28

IV — Derruição (ainda que relativa) do pensamento crítico na recente hegemonia político-cultural capitalista ................................................................................. 30

1. Núcleo social e ético do pensamento crítico: primado do trabalho e do emprego no capitalismo ................................................................................................. 30

2. A tentativa de desconstrução do primado do trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo ............................................................................. 32

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8 Mauricio Godinho delGado

CAPÍTULO II

O FIM DO TRABALHO E DO EMPREGO NO CAPITALISMO ATUAL:Realidade ou mito?

I — Introdução .......................................................................................................... 35

II — O mundo do trabalho na conjuntura capitalista da virada dos séculos xx e xxI — condições do “desemprego estrutural” .............................................................. 35

1. Fatores de impacto no trabalho e no emprego: síntese .................................... 36

III — Inovações e alterações tecnológicas (terceira revolução industrial) ................... 37

1. Avaliação crítica ............................................................................................... 39

IV — Reestruturação empresarial ............................................................................... 42

1. Estrutura organizacional das empresas ............................................................. 42

2. Organização do processo de trabalho .............................................................. 43

A) Redução de cargos e funções ...................................................................... 44

B) Terceirização trabalhista .............................................................................. 44

C) Novos sistemas de gestão da força de trabalho ........................................... 46

Toyotismo/Ohnismo .................................................................................... 47

3. Reestruturação empresarial: avaliação crítica ................................................... 49

V — Acentuação da concorrência capitalista.............................................................. 53

1. Avaliação crítica: adendos ................................................................................ 54

VI — Matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego ....... 56

1. Avaliação crítica ............................................................................................... 58

VII — Alterações normativas trabalhistas ................................................................... 60

1. Avaliação crítica ............................................................................................... 65

VIII — O enunciado do fim do emprego no capitalismo atual — omissão singular ...... 66

CAPÍTULO III

CAPITALISMO SEM RECIPROCIDADE:A política pública de destruição do emprego

I — Introdução .......................................................................................................... 68

II — Política pública de destruição do emprego — traços recorrentes da atual fase cultural, política e econômica do capitalismo ..................................................... 69

1. Hegemonia ultraliberal na virada dos séculos xx e xxI — síntese ..................... 70

III — Construção cultural da hegemonia ultraliberal — montagem de um suposto pensamento único ............................................................................................ 71

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9Capitalismo, trabalho e emprego

1. A matriz teórica liberal no sistema capitalista ................................................... 71

Liberalismo econômico originário ................................................................ 73

2. A matriz econômica keynesiana: meio século de hegemonia ............................ 74

3. A retomada da hegemonia cultural do liberalismo extremado .......................... 77

A) Políticas econômicas ultraliberais ................................................................. 79

B) Atuação concertada de organismos internacionais ...................................... 82

C) Tendência à homogeneização acadêmica .................................................... 83

D) Uniformização ultraliberal dos meios de comunicação de massa ................. 86

E) Uniformização ultraliberal das burocracias estatais ...................................... 88

F) Intercâmbio de influências ultraliberais......................................................... 90

IV — Construção cultural da hegemonia ultraliberal — fragmentação de parcelas do pensamento crítico ........................................................................................... 91

1. O primado do trabalho e do emprego: cerco e rendições ................................. 92

2. Elementos da fragmentação crítica .................................................................. 95

3. Tecnologia, organização e mercado ................................................................. 96

A) Tecnologia .................................................................................................. 96

B) Organização ................................................................................................ 97

C) Mercado...................................................................................................... 98

V — Construção política da hegemonia ultraliberal .................................................... 99

1. Vitórias político-eleitorais ultraliberalistas .......................................................... 99

2. Desarticulação do contraponto ao capitalismo desenfreado ............................. 101

A) Derrocada do império soviético ................................................................... 102

B) Enfraquecimento das forças políticas do primado do trabalho ..................... 103

VI — Construção econômica da hegemonia ultraliberal ............................................. 106

1. Exacerbação do ultraliberalismo ....................................................................... 109

VII — Hegemonia ultraliberal e política pública de destruição do emprego — síntese . 111

CAPÍTULO IV

DIREITO DO TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL:O desafio brasileiro

I — Introdução .......................................................................................................... 114

II — O papel do Direito do Trabalho no capitalismo ................................................... 115

1. Generalização na ordem econômico-social ....................................................... 120

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10 Mauricio Godinho delGado

III — Recusa brasileira à generalização do Direito do Trabalho e consequente exclusão das grandes maiorias ......................................................................................... 122

1. Dados históricos ............................................................................................... 124

2. Cenários da exclusão social brasileira................................................................ 127

3. Período iniciado em 1990: novas formas de exclusão ....................................... 129

IV — Direito do Trabalho como instrumento de civilização......................................... 133

V — Adendo: a inclusão socioeconômica deflagrada no século xxI, no Brasil, pelo caminho da relação de emprego e do Direito do Trabalho ................................ 136

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFIAS .............................................................................. 139

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iNTroDuÇÃo

I — O presente livro busca investigar um dos grandes enigmas do mundo contemporâneo, com reflexos em todos os países ocidentais, especialmente aqueles que, como o Brasil e demais latino-americanos, ainda não superaram os impasses e desafios para a construção de uma sociedade realmente desenvolvida, livre, justa e solidária.

Trata-se de estudar como a ideia do valor do trabalho, que se mostrou fundamental para a grande maioria das populações despossuídas de riqueza dos países capitalistas ocidentais, passou a ser cuidadosamente fustigada e desconstruída nas últimas décadas, sem que aparentemente se aperceba da lógica fria desse processo de destruição.

Ora, é sabido que o trabalho e especialmente o emprego tornaram-se o mais importante instrumento de afirmação individual, social e econômica da larga maio-ria das pessoas na sociedade capitalista, a partir da segunda metade do século xIx e mais acentuadamente no século xx. Em torno deles, construíram-se as ideias--arquétipos da democracia social — inovação singular da contemporaneidade —, fazendo girar a economia, a sociedade e as políticas públicas em função da valori-zação do trabalho, do trabalhador e do pleno emprego.

Nas décadas finais do século xx e no início deste, entretanto, generalizou--se o diagnóstico do fim do trabalho e do emprego no mundo ocidental, sempre atado a supostas razões estruturais intransponíveis pela inteligência humana. Elabo-rou-se verdadeiro paradigma de destruição do emprego e do próprio trabalho na sociedade capitalista.

Mais do que isso: por impressionante que pareça, muitas vezes esse novo e sombrio suposto paradigma foi incorporado pelos próprios segmentos sociais que mais iriam sofrer (e têm sofrido) os deletérios efeitos da destruição da cultura do trabalho e do emprego na desigual sociedade capitalista.

Enigmas dessa magnitude evidenciam, sem dúvida, precedentes nos registros históricos ou nas referências culturais da criatividade humana. Afinal, o que explicaria, milênios atrás, a incrivelmente ingênua internalização pelo monarca Príamo, no coração da cidade-estado de Troia, do engenho mortífero (mal) dissimulado dos inimigos gregos? Não importa se, para os historiadores, o fato não se deu; o mesmo enigma perpassa a historia, em vários momentos.

O que explica, então, liderança política tão consagrada e corajosa, como a de Montezuma, imperador dos astecas, povo que construiu civilização notável,

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12 Mauricio Godinho delGado

ter simplesmente se mantido estupefata, inerte e resignada ante a violência e a destruição provocadas pelo singular invasor Fernando Cortez e suas tropas no início do século xVI?

O que explica centenas de pessoas se internarem nas selvas e dramaticamente se imolarem em insensato sacrifício coletivo, como evidenciado no chocante experimento liderado por Jim Jones, na década de 1970?

Campos sistematizados de investigação e conhecimento, como Ciência Política, Antropologia, Geografia, História, Sociologia e Biologia, além de outras ciências que lidam com a experiência humana consolidada em locais, regiões e países na Terra, têm se debruçado sobre situações enigmáticas congêneres, em distintas fases históricas, demarcadas por irracional perseverança societária em direção à desagregação ou até mesmo à derruição. Leiam-se, ilustrativamente, A marcha da insensatez — de Troia ao Vietnã, da historiadora Barbara Wertheim Tuchman (Rio de Janeiro: BestBolso, 2012; edição original em inglês: 1984), ou Colapso — como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, do Biólogo e Geógrafo Jared Diamond (2. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005; edição original em inglês: 2005).

II — Capitalismo, trabalho e emprego — entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução, é formado de quatro capítulos, estreitamente conectados.

O primeiro capítulo traça o cenário característico da contemporaneidade, com os fenômenos da globalização e a atual hegemonia política e cultural que tem caracterizado grande parte do Ocidente. Daí seu título: “Globalização e hegemonia: cenários para a desconstrução do primado do trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo”.

O segundo capítulo enfrenta os principais argumentos brandidos, nas últimas quatro décadas, acerca do suposto ocaso do emprego e até mesmo do trabalho no sistema econômico dominante. Daí seu título: “O fim do trabalho e do emprego no capitalismo atual: realidade ou mito?”

O terceiro capítulo trata dos argumentos não brandidos pela atual vertente hegemônica e sua vasta literatura de suporte: a aplicação de uma política pública que, de modo direto ou indireto, solapa inapelavelmente o emprego. Nessa linha desponta seu título: “Capitalismo sem reciprocidade: a política pública de destruição do emprego.”

O quarto capítulo traz o debate para o Brasil, com sua singularidade perversa, ou seja, a recusa tradicional da ordem jurídica, política e institucional brasileira de buscar a generalização, no País, do Direito do Trabalho e seus instrumentos civilizatórios. Nesse quadro, assim se demarca seu respectivo título: “Direito do Trabalho e inclusão social: o desafio brasileiro.

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13Capitalismo, trabalho e emprego

No quarto capítulo, a propósito, desponta uma peculiaridade: como o presente livro foi escrito em torno de 2004/2005 (a primeira edição é de janeiro de 2006), tornou-se necessário registrar, nesta 2ª edição, ao final do capítulo IV, um item próprio (V – Adendo), tratando do início de reversão dessa perversa singularidade na história política, social e econômica brasileira. Trata-se, a saber, do significativo impulso conferido ao emprego e ao Direito do Trabalho no período de 2003/2013, com substancial elevação do número de empregos, efetivo aumento dos valores do salário mínimo e importante inclusão social e econômica à base da relação de emprego e do Direito do Trabalho.

III — A 2ª edição desta obra foi largamente revista, atualizada e ampliada. Onde necessário, foram feitas referências também à recente crise econômica deflagrada nos EUA a partir de 2007/2008, cujos efeitos ainda se fazem sentir em diversos países ocidentais.

Entretanto preferiu-se manter o formato originalmente pensado para o livro, no suposto de que, nessa moldura, ainda cumpre objetivo relevante, qual seja, o de sumarização de pesquisa científica sobre tema que preserva indiscutível atualidade.

Mauricio Godinho Delgado

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CAPÍTULO I

GLOBALIZAÇÃO E HEGEMONIA:Cenários para a desconstrução do

primado do trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo(*)

i — iNTroDuÇÃo

O primado do trabalho e do emprego na vida social constitui uma das maiores conquistas da Democracia no mundo ocidental capitalista.

Tal conquista sedimentou-se na gestão pública do chamado Es tado de Bem--Estar Social, característico de boa parte do século xx no Ocidente, incrustando-se, desde então, no Direito.

Mesmo em países que não tiveram real experiência de Welfare State, como no Brasil, esse primado incorporou-se à cultura jurídica, alcançando grande relevância nos princípios e regras da Constitui ção da República de 1988.

Entretanto, tem-se assistido, desde as últimas décadas do sé culo passado, ao iniludível processo de desconstrução cultural do pri mado do trabalho e do emprego no sistema capitalista.

A compreensão desse processo passa pela nova modalidade de hegemonia gestada no sistema econômico-social dominante, que envolve, inclusive, o fenômeno apelidado de globalização.

Esse cenário, em que se gesta a desconstrução do primado do trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo, com o significa do dessa desconstrução, será aqui analisado.

ii — GLoBALiZAÇÃo: CoNCEiTo

Globalização ou globalismo corresponde à fase do sistema ca pitalista, despontada no último quartel do século xx, que se carac teriza por uma vinculação especialmente estreita entre os diversos subsistemas nacionais, regionais ou

(*) A primeira versão deste texto foi originalmente publicada na Revista LTr, São Paulo: LTr, ano 69, n. 5, p. 539-548, maio de 2005. Também na Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre: Síntese, ano xVII, n. 194, p. 5-24, agosto de 2005.

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16 Mauricio Godinho delGado

comunitários, de modo a criar, como parâmetro relevante para o mercado, a noção de globo terres tre, e não mais, exclusivamente, nação ou região.

A globalização traduz-se não somente como fase do capitalis mo, mas, também, como processo, na medida em que tende a afetar, hoje, de maneira direta ou indireta, as realidades econômicas (e, ainda, sociais, políticas e culturais) nos diversos segmentos da terra. Fase e processo que demarcam significativamente o presente pe ríodo vivido pelo sistema econômico-social gestado nos séculos xVII e xVIII na Europa ocidental, atingindo, de um modo ou de outro, as diversas sociedades e economias nacional ou regionalmente estru turadas ao longo do mundo.

Contudo, é preciso que fique claro que o nível (isto é, a inten sidade) e o tipo (ou seja, a qualidade) de integração econômico-so cial de certo país ao quadro do sistema capitalista podem aprofundar ou restringir tais reflexos do processo globalizante. E o nível e o tipo de inserção desse país no conjunto do processo po-dem deter minar sua aptidão de dele receber maiores ou menores vantagens ou restrições.

Registre-se, ainda, que a fase e processos globalizantes não traduzem efetiva ruptura com fases e processos anteriores, mas, essencialmente, transformação e/ou aprofundamento. Sabe-se, afi nal, que o sistema capitalista sempre teve como característica a tendência à sua própria generalização, do que resulta sua tendência à exteriorização e ao estabelecimento de laços com economias exter nas aos centros hegemônicos. Nesse sentido, o globalismo não seria mais do que um aprofundamento de uma tradicional tendência pri mitiva do sistema em qualquer de suas fases.

Contudo, inegavelmente, é também algo mais do que isso, na medida em que a intensidade e a amplitude atuais das tendências gene ralizantes e de exteriorização e a estreiteza dos laços formados entre os diversos sistemas econômico-sociais são características que, em sua unidade, traduzem, ao mesmo tempo, certa transformação no modo operativo de todo o sistema.

O fenômeno tem sido conhecido por distintos epítetos. Os mais utilizados são globalização, globalismo, mundialização, mundialismo. Embora existam intentos de enquadramento diferenciado de mode los segundo as denominações ora refe-ridas, na verdade correspon dem, em suas linhas essenciais, a uma mesma fase e processo vivenciados pelo sistema capitalista.

iii — GLoBALiZAÇÃo: PrESSuPoSToS E rEQuiSiToS

O globalismo, enquanto fase e processo do sistema econômi co-social circundante, tem pressupostos e requisitos viabilizadores de sua realização.

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17Capitalismo, trabalho e emprego

São seus pressupostos certas transformações significativas na estrutura e na dinâmica do capitalismo, que permitiram o ingresso do sistema na fase generalizante e abrangente ora vivenciada.

São seus requisitos certos fatores, preponderantemente de ca ráter superestrutu-ral, que incrementaram as tendências estruturais surgidas no sistema, demarcando a face atual que caracteriza o fe nômeno globalista.

1. Pressupostos da Globalização

São pressupostos da globalização as seguintes modificações verificadas, nas últimas décadas do século xx, na estrutura e dinâ mica do sistema capitalista: generalização ampliada do sistema eco nômico; nova revolução tecnológica, em especial vinculada aos meios de comunicação; hegemonia do capital financeiro--especulativo.

A) Generalização do Sistema Capitalista

A generalização do sistema econômico, enquanto produção e circulação de mercadorias, a par do próprio capital monetário, a di versificados pontos relevantes do globo, por além do núcleo original (Europa) e hegemônico (EUA), é traço estrutural marcante da nova fase capitalista (e do processo a ela inerente). Nesse quadro, inscre vem-se Ásia (com Japão, Coreia do Sul, Formosa e demais países apelidados de “tigres asiáticos”, além dos algo singulares China e Índia), Oceania e América Latina, além da nova inserção da Europa Oriental.

É evidente que diversos desses países e regiões já se integra vam ao sistema capitalista mundial, no período anterior; nesse sen tido, não ocorreu efetiva inovação nas últimas décadas do século xx. Contudo, a distinção reside no fato de se terem aprofundado os laços entre tais economias e regiões, inclusive com a significativa participação no mercado internacional das economias asiáticas, quer no plano da produção e circulação de bens e serviços, quer no plano da própria dinâmica financeira.

A intensificação do processo generalizante do sistema capi talista passa, em certos casos, pela formação institucionalizada de grandes blocos econômicos, por além dos clássicos marcos na cionais. O exemplo mais bem acabado dessa linha de organização e atuação do sistema encontra-se na União Europeia, instituída em 1992 por meio do Tratado de Maastricht, em sucessão à Comu nidade Econômica Europeia (CEE), criada pelo Tratado de Roma em 1957. A União Europeia viabiliza não só o livre trânsito de capi tais, bens e serviços dentro de seu espaço geográfico, como tam bém dos indivíduos comunitários, passando a assegurar, desde 1º de janeiro de 2002, o pioneiro curso de uma moeda única comuni tária (euro)(1). A

(1) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, p. 51.

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18 Mauricio Godinho delGado

singularidade dessa união chega a ultrapassar os próprios marcos de um mero instrumento econômico de agregação de países.

De todo modo, outros blocos estruturam-se, em maior ou me nor grau, em distintas partes do globo. Ilustrativamente, na América, há o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), ini ciado na década de 1980 entre EUA e Canadá, recebendo a adesão do México em 1993. No mesmo continente, há o MERCOSUL (Mer cado Comum do Sul), criado em 1991 por Brasil, Argentina, Para guai e Uruguai. Ainda neste continente há o projeto da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), capitaneado pelos EUA a partir de 1994, com a pretensão de envolver 34 países da região(2).

Outros blocos econômicos (ou com objetivos mais diversifica dos) surgiram na mesma época. Por exemplo, a Associação das Na ções do Sudeste Asiático (ASEAN), criada em 1967, envolvendo Cingapura, Indonésia, Filipinas e Tailândia. Há ainda a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC), surgida em 1989, envol vendo cerca de duas dezenas de países, sendo diversos da Ásia, além de EUA, Canadá, México e outros. No continente africano, por sua vez, foi criada em 1992 a Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento (SADC), formada por 14 países(3).

Essa generalização do sistema capitalista a, praticamente, todo o globo terrestre, com o aprofundamento dos laços entre as distin tas economias nacionais, propicia um incremento inusitado no co mércio mundial. Ilustrativamente, o volume das transações comer ciais totais do mundo contemporâneo cresceu cerca de 100 vezes no último meio século, saltando de US$ 61 bilhões em 1950 para US$ 6,16 trilhões em 2001(4).

É claro que tais generalização e aprofundamento do capitalismo não importam, necessariamente, o alcance de efetiva interdepen dência entre países e regiões. Ao revés, muitas vezes — como claro no exemplo latino-americano —, terminam, preferentemente, por acentuar antigas dependências e debilidades de certas economias nacionais.

B) Nova Revolução Tecnológica

Os avanços tecnológicos das últimas décadas, permitindo in tercomunicação imediata (e a custo muito mais reduzido do que anteriormente) entre os inúmeros pontos do globo e as diversas di nâmicas econômicas, representam outro traço estrutural importante da nova fase do sistema econômico dominante.

(2) Idem, p. 48-52.(3) Idem, p. 49-56.(4) Idem, p. 64.

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19Capitalismo, trabalho e emprego

Tais avanços tecnológicos não se limitam apenas ao aperfei çoamento e à dis-seminação de instrumentos de comunicação relati vamente antigos da sociedade capitalista, como o rádio e, principal mente, a telefonia — esta, além de se genera-lizar, ingressa em novo nível, por meio das conexões sem fio.

Passam esses avanços também pela potenciação do novo ins trumento revolucionário do imediato pós-II Guerra Mundial, que é a televisão, com suas redes nacionais e mundiais, a par dos distintos meios comunicantes a ela vinculados. Em torno da televisão dissemina-se a via de comunicação por satélite, que propicia impressionante visibilidade, segurança, rapidez e simultaneidade à trans missão de dados, fatos e opiniões ao longo de toda a Terra.

No período final do século xx, atinge-se o ápice de tais avan ços tecnológicos, com a microinformática e a rede internacional de informação e comunicação, internet, de acesso barato e generaliza do a organizações e indivíduos.

Toda essa tecnologia direcionada à comunicação viabiliza análi ses simultâneas e imediatas sobre a dinâmica do sistema econômico em diferenciadas partes da Terra, permitindo também a realização de operações econômicas, pelos mesmos agentes, a partir do mes mo ponto de atuação, em inúmeras localidades. Em consequência, acentua-se a interinfluência entre as diversas regiões e economias ou, em grande parte dos casos (como, regra geral, verificou-se na América Latina), aprofunda-se a tradicional influência de certas eco nomias e regiões sobre outras.

Por decorrência do mesmo processo, tornam-se, de certo modo, anacrônicas as tradicionais noções muito demarcadas de espaço e de tempo — ao menos no tocante àqueles segmentos e ações forte mente dependentes de tais novas vias céleres de comunicação(5).

C) Hegemonia Financeiro-Especulativa

A absoluta liderança do capital financeiro-especulativo sobre os demais segmentos do próprio capitalismo é outro pressuposto importante da atual conformação assumida por esse sistema econô mico-social.

Não se trata, aqui, do tradicional capital financeiro, da virada do século xIx para o século xx, que, no conceito de Hilferding, tra duzia uma articulação específica entre o segmento financeiro e o industrial, sob o domínio do primeiro(6).

(5) A revolução tecnológica da segunda metade do século xx é, obviamente, mais ampla. Nela se englobam também os importantes avanços relacionados à micro eletrônica, robótica e microinformática, todos com profunda influência na área do trabalho, em especial. Entretanto, com respeito à ideia e ao processo da chamada globalização, a revolução tecnológica vinculada às comunicações é que foi mais relevante.(6) HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro. São Paulo: Zahar, 1985. A obra data do início do século xx (1910), examinando o processo de desenvolvimento do capitalis mo na época.

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20 Mauricio Godinho delGado

Ao revés, trata-se, agora, do capital substantivamente especu lativo, que gera sua reprodução essencialmente com o próprio jogo de inversões financeiras, sem compromisso relevante com a noção de produção, tão cara às fases anteriores do capitalismo.

Goran Therborn descreve essa impressionante ascensão e do mínio do setor financeiro-especulativo nas últimas décadas: “Para dar somente um exemplo, durante um dia em Londres, é negocia do um montante de divisas correspondente ao PIB mexicano de um ano inteiro. Em um dia e meio, os traficantes de divisas vendem e compram o equivalente ao PIB anual do Brasil. (...) na Alemanha, um dos países mais importantes do capitalismo avançado, por vol ta de 1985, as transações externas de capital representavam 80% do comércio externo do país. Em 1993, estas transações foram cinco vezes mais importantes do que o negócio de mercadorias naquele país. Se considerarmos todos os mercados internacionais de moedas, divisas, ações, etc., veremos que estes têm uma di mensão 19 vezes maior do que todo o comércio mundial de merca dorias e serviços”.(7)

Luiz Gonzaga Belluzzo demonstraria, por sua vez, que o “valor da massa de ativos financeiros transacionáveis nos mercados de capitais de todo o mundo saltou de cerca de US$ 5 trilhões no início de 80 para US$ 35 trilhões em 1995, segundo estimativas do BIS”.(8)

Compõe também esse quadro a generalização do sistema de financiamento entre as economias nacionais, aprofundando-se os laços de endividamento das regiões periféricas em face das domi nantes do sistema global.

2. requisitos da Globalização

O globalismo, na contextura apresentada no mundo ocidental no último quartel do século xx, teve também requisitos específicos, os quais, reunidos, viabilizaram sua realização nos moldes que apre sentou. Note-se que, enquanto os pressupostos são fatores estruturais verificados no sistema capitalista, que criaram condições para seu ingresso na fase generalizante e abrangente ora vivenciada, os re quisitos são fatores de caráter mais circunstancial, fatores essencial mente político-culturais, que, reunidos, propiciaram o aprofundamento das tendências despontadas no sistema, conferindo ao fenômeno globalizante a face assumida nas últimas décadas.

São quatro os principais requisitos da atual realidade globalizan te. Em primeiro plano, o alcance de larga hegemonia por certo tipo de pensamento econômico,

(7) THERBORN, Goran. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoli-beralismo — as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Ja neiro: Paz e Terra, 1998. p. 44-45.(8) BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. In: FIORI, José Luís (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 105.

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21Capitalismo, trabalho e emprego

orientador das estratégias de atuação dos Estados nacionais — o chamado neoliberalismo (ou ultraliberalismo).

A seu lado, o domínio político de longo prazo, em Estados -chave do Ocidente, de importantes lideranças políticas neoliberais, universalizando e acentuando a influência desse pensamento eco nômico e de seus reflexos políticos e culturais.

O terceiro requisito, eminentemente político-cultural, desdobra -se em duas dimensões, externa e interna.

No plano externo, trata-se da ausência, no quadro comparativo internacional, de qualquer experiência sociopolítica consistente que traduzisse antítese ou, pelo menos, eficaz contraponto ao formulá rio ideológico ultraliberal — aquilo que Hobsbawm chama de “amea ça política digna de crédito ao sistema”.(9) Com a derrocada da URSS, desaparece o mais forte contraponto capitalista do século xx.

No plano interno (embora Hobsbawm centre-se, essencialmente, no aspecto internacional do problema), a ausência desse contraponto eficaz configura-se pelo enfraquecimento dos distintos projetos de hegemonia popular no Ocidente (socialistas, social-democratas, traba lhistas etc.), com a perda de consistência político-programática de certos partidos de algum modo vinculados a esses projetos. A esse quadro agrega-se o enfraquecimento do sindicalismo nas últimas décadas (em bora se trate de fenômeno resultante de fatores nem sempre comuns, segundo as distintas experiências históricas nacionais).

O plano interno de ausência ou atenuação de um contraponto eficaz ao ideário ultraliberal passa também por certa derruição do pensamento crítico, o qual comumente passa a acolher, com apa rente ingenuidade, a proposição teórica do fim do primado do traba lho e do emprego na sociedade capitalista contemporânea.

O quarto requisito é reflexo dos anteriores — ou resultado da afirmação dos requisitos precedentes. Trata-se da incorporação, pe los Estados nacionais responsáveis pelas economias periféricas ao sistema capitalista central, do pensamento econômico hegemônico, reproduzindo-o internamente sem maiores adequações — ou, até mesmo, com franco entusiasmo (vide experiências argentina e brasileira da década de 1990). Ou seja, a oficialização de um pensa mento único nos distintos países integrantes do sistema global, com a uniformização de práticas políticas e econômicas que favorecem o próprio processo globalizante, com a supressão ou atenuação de barreiras ou restrições nacionais à ideia de uma economia mundial(10).

(9) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século xx — 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 552.(10) O historiador e cientista político Francisco Fonseca prefere o termo “ultraliberal, em vez de neoliberal”, não só diante da vulgarização do segundo, como pelo fato de que “[...] a ideia de um