capez, embriaguês

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DIREITO CIVIL Negócio Jurídico no novo Código Civil Texto de Cassio M. C. Penteado Júnior - Advogado A vigência da nova codificação civil, depois de longa tramitação no Congresso, já demandou em termos doutrinários, particularmente, na divulgação de inúmeros textos opinativos, realçando as modificações mais relevantes no âmbito do direito privado. Nesta oportunidade, examinaremos as prescrições do “ codex ”sobre o negócio jurídico, que, em certa medida, guarda correspondência com a clássica conceituação de ato jurídico no Código Civil de 1916. A consolidação de 1916, obra prima de Clóvis Bevilaqua, conceitua o ato jurídico sob uma perspectiva finalista, enunciando no art. 81 que constituía, desde que lícito, o meio de se alcançar, imediatamente, a aquisição, resguardo, transferência, modificação ou extinção de direitos para, sem seguida, o art. 82, determinar os seus requisitos de validade, observada a conhecida tricotomia da capacidade, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, Já agora a codificação vigente prefere a denominação de “negócio jurídico” (art. 104) ao se reportar ao ato jurídico do diploma anterior, mas, sem embargo dessa alteração, mantém-se uma “equivalência”, no dizer do douto Arruda Alvim, na disciplina no “negócio jurídico” e do “ ato jurídico”. No entanto e, afirma, ainda Arruda Alvim, a opção do Código pela designação “negócio jurídico”, mantendo – em linhas gerais as estipulações que se encartam na consolidação de 1916, implicou em se dar uma distinção importante, caracterizando, primeiro, os atos negociais no âmbito civil e no âmbito comercial e, adiante os atos não negociais, estritamente considerados, porém, com a clareza de atos jurídicos, aos quais se aplicam, “no que couber”, as normas próprias do negócios jurídico, Nesse diapasão, o reconhecido Moreira Alves remetendo-se aos pandectistas alemães do século XIX, pontua que já se divisa, então, embora ainda imprecisamente, distinções entre negócio jurídico e os atos os quais, sobretudo não negociais, se aproximavam por similitude ou se afastavam por dessemelhança dos atos de negócio, mas, de toda sorte, explicitavam a validade de uns e de outros, solvendo perplexidades como as que advinham, no exemplo de Arruda Alvim, de uma compra e venda efetivada por um menor

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Doutrina Penal

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Page 1: CAPEZ, Embriaguês

DIREITO CIVIL

Negócio Jurídico no novo Código Civil

Texto de Cassio M. C. Penteado Júnior - Advogado

A vigência da nova codificação civil, depois de longa tramitação no Congresso, já demandou em termos doutrinários, particularmente, na divulgação de inúmeros textos opinativos, realçando as modificações mais relevantes no âmbito  do  direito  privado.  Nesta  oportunidade,  examinaremos  as  prescrições  do    “  codex   ”sobre   o   negócio   jurídico,   que,   em   certa   medida, guarda correspondência com a clássica conceituação de ato jurídico no Código Civil de 1916.

A consolidação de 1916, obra prima de Clóvis Bevilaqua, conceitua o ato jurídico sob uma perspectiva finalista, enunciando no art. 81 que constituía, desde que lícito, o meio de se alcançar, imediatamente, a aquisição, resguardo, transferência, modificação ou extinção de direitos para, sem seguida, o art. 82, determinar os seus requisitos de validade, observada a conhecida tricotomia da capacidade, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei,

Já  agora  a  codificação  vigente  prefere  a  denominação  de  “negócio  jurídico” (art. 104) ao se reportar ao ato jurídico do diploma anterior, mas, sem embargo dessa alteração, mantém-se  uma  “equivalência”,  no  dizer do douto Arruda Alvim, na  disciplina  no    “negócio  jurídico”  e  do  “  ato  jurídico”.

No entanto e, afirma, ainda Arruda Alvim, a opção do Código pela designação  “negócio  jurídico”,  mantendo  – em linhas gerais – as estipulações que se encartam na consolidação de 1916, implicou em se dar uma distinção importante, caracterizando, primeiro, os atos negociais no âmbito civil e no âmbito comercial e, adiante os atos não negociais, estritamente considerados, porém, com a clareza de atos jurídicos, aos quais se aplicam,   “no   que   couber”,   as   normas  próprias do negócios jurídico,

Nesse diapasão, o reconhecido Moreira Alves remetendo-se aos pandectistas alemães do século XIX, pontua que já se divisa, então, embora ainda imprecisamente, distinções entre negócio jurídico e os atos os quais, sobretudo não negociais, se aproximavam por similitude ou se afastavam por dessemelhança dos atos de negócio, mas, de toda sorte, explicitavam a validade de uns e de outros, solvendo perplexidades como as que advinham, no exemplo de Arruda Alvim, de uma compra e venda efetivada por um menor

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DIREITO PENAL

4º) Embriaguez Conceito: causa capaz de levar à exclusão da capacidade de

entendimento e vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico). Quadro das substâncias psicotrópicas: as substâncias que provocam alterações psíquicas denominam-se drogas psicotrópicas e encontram-se subdivididas em três espécies: a) psicolépticos, que são os tranquilizantes, os narcóticos, os entorpecentes, como, por exemplo, a morfina, o ópio, os barbitúricos e os calmantes; b) psicoanalépticos, os estimulantes, como as anfetaminas   (as   chamadas   “bolinhas”),  a   cocaína  etc.;   c) psicodislépticos, ou seja, os alucinógenos, substâncias que causam alucinação, como é o caso do ácido lisérgico, a heroína e o álcool. Como se nota, o Código Penal não aborda apenas a embriaguez alcoólica, mas a decorrente do uso de qualquer outra droga. Fases:

a) Excitação: estado eufórico inicial provocado pela inibição dos mecanismos de autocensura. O agente torna-se inconveniente, perde a acuidade visual e tem seu equilíbrio afetado. Em virtude de sua maior extroversão, esta fase denomina-se “fase  do  macaco”.

b) Depressão: passada a excitação inicial, estabelece-se uma confusão mental e há irritabilidade, que deixam o sujeito mais agressivo. Por isso, denomina-se  “fase  do  leão”.

c) Sono: na sua última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas, o agente fica em um estado de dormência profunda, com perda do controle sobre as funções fisiológicas. Nesta fase, conhecida como “fase   do   porco”,   evidentemente,   o   ébrio   só   pode   cometer   delitos omissivos.

Espécies:

a) Embriaguez não acidental: subdivide-se em voluntária (dolosa ou intencional) e culposa.

Voluntária, dolosa ou intencional: o agente ingere a substância alcoólica ou de efeitos análogos com a intenção de embriagar-se. Há, portanto, um desejo de ingressar em um estado de alteração psíquica, daí falar-se em embriaguez dolosa. No jargão dos drogados, diz-se  “vou  tomar  um  porre”  ou  “vou  fazer  uma  viagem”.

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Culposa: o agente quer ingerir a substância, mas sem a intenção de embriagar-se, contudo, isso vem a acontecer em virtude da imprudência de consumir doses excessivas. A alteração psíquica não decorre de um comportamento  doloso,   intencional,  de  quem  quer  “tomar  um  porre”  ou  “fazer   uma   viagem”,   mas   de   um   descuido,   de   uma   conduta   culposa, imprudente, excessiva.

Completa: a embriaguez voluntária e a culposa podem ter como consequência a retirada total da capacidade de entendimento e vontade do agente, que perde integralmente a noção sobre o que está acontecendo.

Incompleta: ocorre quando a embriaguez voluntária ou a culposa retiram apenas parcialmente a capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, que ainda consegue manter um resíduo de compreensão e vontade. Consequência: actio libera in causa. A embriaguez não acidental jamais exclui a imputabilidade do agente, seja voluntária, culposa, completa ou incompleta. Isso porque ele, no momento em que ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não o fazer. A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando tinha possibilidade de não o fazer. A ação foi livre na sua causa, devendo o agente, por essa razão, ser responsabilizado. É a teoria da actio libera in causa (ações livres na causa). Considera-se, portanto, o momento da ingestão da substância e não o da prática delituosa. Essa teoria ainda configura resquício da responsabilidade objetiva em nosso sistema penal, sendo admitida excepcionalmente quando for de todo necessário para não deixar o bem jurídico sem proteção. Exemplo: um estudante, após ingerir grande quantidade de álcool, vai participar de uma festividade, na qual, completamente embriagado, desfere um disparo de arma de fogo na cabeça de seu colega, matando-o. Passada a bebedeira, desesperado, chora a morte do amigo, sem se lembrar de nada. Neste caso, responde pelo crime, pois, embora tivesse perdido a capacidade de compreensão, no momento da conduta delituosa, não pode invocar tal incapacidade momentânea a seu favor, pois, no momento em que ingeria a substância psicotrópica, era plenamente livre para decidir se devia ou não fazê-lo. Pela teoria da actio libera in causa, responderá por homicídio doloso, presumindo-se, sem admissão de prova em contrário, que estava sóbrio no momento em que praticou a conduta.

Responsabilidade objetiva na embriaguez não acidental: em sentido contrário, Damásio E. de Jesus, afastando completamente a responsabilidade objetiva do sistema penal moderno, lembra que, no caso

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da embriaguez completa, o agente não pode ser responsabilizado se não tinha, no momento em que se embriagava, condições de prever o surgimento da situação que o levou à prática do crime. A responsabilidade objetiva não mais se justifica diante do princípio constitucional   do   estado   de   inocência:   “A   moderna   doutrina penal não aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez completa, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não possui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o sujeito se embriaga, prevendo a possibilidade de praticar o crime e aceitando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se ele se embriaga prevendo a produção do resultado e esperando que não se produza, ou não prevendo, mas devendo prevê-lo, responde pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa. Diferente é o primeiro caso, em que o sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da ocorrência do resultado. Quando ainda imputável o sujeito, não agiu com dolo ou culpa em relação ao resultado do crime determinado. A embriaguez não pode ser considerada ato de execução do crime que o agente não previu... Para que haja responsabilidade penal no caso da actio libera in causa, é necessário que, no instante da imputabilidade, o sujeito tenha querido o resultado ou assumido o risco de produzi-lo, ou o tenha previsto sem aceitar o risco de causá-lo ou que, no mínimo, tenha sido previsível. Na hipótese de imprevisibilidade, que estamos cuidando, não há falar em responsabilidade penal ou em aplicação da actio libera in causa. Assim, afirmando que não há exclusão da imputabilidade, o Código admite  responsabilidade  objetiva”.

Com o advento   da   Constituição   de   1988,   “o   art.   28,   II,   do   Código  Penal, na parte em que ainda consagrava a responsabilidade objetiva, uma vez que permitia a condenação por crime doloso ou culposo sem que o ébrio tivesse agido com dolo ou culpa, foi revogado pelo princípio constitucional   do   estado   de   inocência   (CF,   art.   5º,   LVII)”.   Pode-se citar, como exemplo, a namorada que, frustrada com o fim do romance, aluga um helicóptero e vai embriagar-se   (“afogar   as   mágoas”)   em   uma  choupana, no alto de uma montanha. Após sugar quinze doses de uísque, recebe a inesperada visita do seu amado, o qual logrou, sabe-se lá como, chegar ao local. Após passional discussão, o rapaz coloca uma arma de fogo na mão da moça e dramaticamente   lhe   diz:   “não   quero  mais   você,  mas se você não suportar  isso,  que  me  mate”,  e  a  donzela,  completamente  embriagada, dispara e mata a imprudente vítima. De acordo com essa posição, como o evento foi absolutamente imprevisível no momento em que a autora se embriagava, não teria incidência a actio libera in causa. Tal posição, a ser aplicada somente em casos excepcionais, nos quais, no

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momento em que o agente ingere a substância, for absolutamente imprevisível o desfecho trágico, está de acordo com a moderna concepção constitucionalista do Direito Penal.

b) Embriaguez acidental: pode decorrer de caso fortuito ou força

maior. Caso fortuito: é toda ocorrência episódica, ocasional, rara, de

difícil verificação, como o clássico exemplo fornecido pela doutrina, de alguém que tropeça e cai de cabeça em um tonel de vinho, embriagando-se. É também o caso de alguém que ingere bebida na ignorância de que tem conteúdo alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que provoca. É ainda o caso do agente que, após tomar antibiótico para tratamento de uma gripe, consome álcool sem saber que isso o fará perder completamente o poder de compreensão. Nessas hipóteses, o sujeito não se embriagou porque quis, nem porque agiu com culpa.

Força maior: deriva de uma força externa ao agente, que o obriga a consumir a droga. É o caso do sujeito obrigado a ingerir álcool por coação física ou moral irresistível, perdendo, em seguida, o controle sobre suas ações.

Frederico Marques também adota tal distinção, afirmando  que,  “na  embriaguez fortuita, a alcoolização decorre de fatores imprevistos, enquanto na derivada de força maior a intoxicação provém de força externa que opera contra a vontade de uma pessoa, compelindo-a a ingerir  a  bebida”.

Completa ou incompleta: tanto uma quanto outra podem retirar total ou parcialmente a capacidade de entender e querer.

Consequência da embriaguez acidental: quando completa, exclui a imputabilidade, e o agente fica isento de pena; quando incompleta, não exclui, mas permite a diminuição da pena de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação. Não há que se falar da actio libera in causa, uma vez que durante a embriaguez o agente não teve livre-arbítrio para decidir se consumia ou não a substância. A ação em sua origem não foi nem voluntária, nem culposa. Obs.: na hipótese de embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, fica totalmente excluída a imputabilidade, porque o agente perdeu a capacidade de compreensão e vontade, devendo ser absolvido. Entretanto, ao contrário do que ocorre na doença mental e no desenvolvimento incompleto ou retardado, não haverá imposição de medida de segurança (absolvição imprópria): a absolvição será própria, pois não há necessidade de submeter o sujeito a tratamento médico.

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c) Patológica: é o caso dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez em virtude de uma vontade invencível de continuar a consumir a droga. Trata-se de verdadeira doença mental, recebendo, por conseguinte, o mesmo tratamento desta. Basileu Garcia não considera   justa   essa   solução,   pois,   “no   mecanismo   do   Código,   o  indivíduo que cometa um crime por estar completamente embriagado, embora tenha bebido pela primeira vez na vida, será responsabilizado penalmente, desde que a embriaguez não seja fortuita, mas voluntária ou culposa. Esse mesmo indivíduo, porém, vem a delinquir em consequência de perturbações mentais ocasionadas por contínuas libações alcoólicas... e será considerado irresponsável”.

d) Preordenada: o agente embriaga-se já com a finalidade de vir a delinquir nesse estado. Não se confunde com a embriaguez voluntária, em que o agente quer embriagar-se, mas não tem a intenção de cometer crimes nesse estado. Na preordenada, a conduta de ingerir a bebida alcoólica já constitui ato inicial do comportamento típico, já se vislumbrando desenha- do o objetivo delituoso que almeja atingir, ou que assume o risco de conseguir. É o caso de pessoas que ingerem álcool para liberar instintos baixos e cometer crimes de violência sexual ou de assaltantes que consomem substâncias estimulantes para operações ousadas.

Consequência: além de não excluir a imputabilidade, constitui causa agravante genérica (art. 61, II, l, do CP).

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral.

São Paulo: Saraiva, 2012, p. 338-343.