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Capelas de Aveiro José Morais Pinturas e Texto

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Capelas de Aveiro

José MoraisPinturas e Texto

Capelas de Aveirono fim do século XX

José MoraisPinturas e Texto

Preâmbulo

Pode dizer-se que não há local de encontro que mais perdure ao longo dos

tempos, como aquele que decorre do facto das pessoas se reunirem à volta de uma

capela, em dia de festa anual.

E se isso é concreto em qualquer circunstância, particularmente poético é,

quando esse encontro acontece à volta de uma ermida, qual ponto branco que não

cessa de brilhar e rebrilhar lá no alto da serra, dando nas vistas e nos corações,

suscitando entusiasmos e anseios nas gentes de longínquas redondezas.

Enfim, eis o lugar em que, vivências e folguedos de velhos e novos se

harmonizam numa só alma, em dia de festa à volta de uma capela, até que tudo

termina, mais uma vez, num delicioso cansaço. Depois, tudo recomeça conforme a

tradição, ano após ano, a caminho do futuro.

Mas as CAPELAS, e é do seu simbolismo que se pretende falar, são por si

mesmas, preciosos marcos, verdadeiros relicários da humanidade, testemunhas vivas

da História, como é o caso da grande maioria das capelas de Aveiro, estas mesmas,

que existem no espaço urbano da cidade, no fim do século XX.

Na verdade, se um simples cruzeiro (por vezes umas simples alminhas à beira

dum caminho), tem a força de perpetuar remotas lembranças, algumas delas

carregadas não só de comovente humanismo, mas também de elevado valor histórico,

como foi o caso do simples Cruzeiro do Senhor das Barrocas, tão escondido que 1estava, a dado momento, quase submerso no meio dos frondosos silvados , que dizer

então do valor histórico que nos sugere a Capela de Nossa Senhora da Alegria, em Sá,

enquanto testemunha viva da célebre Confraria dos Pescadores e Mareantes de Aveiro?

Mas, enfim, se a Capela da Sr.ª da Alegria é lembrada como sede social desses

obreiros aveirenses, dinâmicos e crentes, * pois ali se reuniram por mais de 600 anos,

já as capelas de São Gonçalinho e S. Bartolomeu, sitas no bairro da Beira -Mar,

recordam envolvimentos porventura mais populares, contudo igualmente importantes;

basta recordar que, à sua volta, foram escutadas as mais violentas dores do povo

aveirense, enquanto sucumbia, a torto e a direito, à morte, vítima de pestes e outras

doenças, conjugadas com os efeitos desastrosos do mar sobre barras incertas, as quais

escangalhava, sucessivamente, alheado da podridão que provocava na planura .

Bom mas isto são apenas exemplos que justificam o meu ponto de partida para

este trabalho que, como disse, visa reunir as Capelas de Aveiro neste espaço,

invocando-as numa perspectiva puramente humanista, coisa que pouco tem a ver com

descrições sábias, devidamente fundamentadas dos nossos credenciados

historiógrafos, que delas falam amplamente, realçando juntamente o seu valor

estrutural e arquitectónico.

Sucedeu que num primeiro passo decidi pintá-las em acrílico sobre papel, e,

posteriormente, achei por bem agrupá-las neste pequeno livro, juntamente breves

apontamentos históricos alusivos a cada uma delas que, ao fim e ao cabo, são

pequenos fragmentos da maravilhosa história da cidade de Aveiro.

Aveiro, 1999

J. Morais

1 Bom; importa dizer que o cruzeiro do Senhor das Barrocas não é menos importante que qualquer outro marco histórico, não só pela força da sua influência espiritual e humanista, (chegou a ser designado por povos distantes, ( “O Senhor de Aveiro” ) mas também porque que foi esse humilde cruzeiro, que deu origem ao belo templo, a obra de arte que hoje admiramos, a Capela do Senhor das Barrocas.

2 Essas extraordinárias e valorosas figuras do passado, esteios que foram de uma grande parte da história desta cidade, do ponto de vista socioeconómico, “uma das mais belas e prósperas Vilas do Reino”.

Capela de S. Gonçalinho

Capela de S. Gonçalinho

Edificada em data incerta a Capela de S. Gonçalinho (no início uma ermida situada

no bairro piscatório da Beira Mar), passou por várias transformações ao longo dos

tempos e, o edifício que hoje apreciamos, é a transformação que resultou da sua última

reforma, a qual teve lugar no ano de 1714.

S. Gonçalo terá falecido a 10 de Janeiro de 1262.

Como se lê em Mons. João Gonçalves Gaspar, no seu livro intitulado São Gonçalo 1de Amarante , o santo é “particularmente invocado para a causa de doenças ósseas”

mas, o mesmo autor, faz também referência uma outra bem específica valência, que o

povo, insistentemente atribui a S. Gonçalo: “Dizem que o querido Santo também não

recusa o seu valimento na resolução das dificuldades matrimoniais”.

Independentemente da troça que as pessoas do povo em geral, costumam fazer

das solteironas (em Aveiro essa valência é de há longos anos tida em muito boa conta,

posto que alguns dos milhares de cavacas que voam nos céus do Bairro durante os dias

da sua festa, são exactamente a prova clara do pagamento de promessas cumpridas,

naturalmente coroadas de êxito. Mas não só; obviamente outros milhares voam também,

destinadas a outros fins. Para quem não sabe, as referidas cavacas são atiradas, por

largas centenas de devotos, lá do alto da platibanda da capela sobre a multidão, que no

adro se acotovela, tentando apanhá-las, se possível, ainda no ar.

Mas porquê, São Gonçalinho, “Casamenteiro das Velhas”?

Conta o mesmo autor que esta crendice terá surgido a partir de uma situação

concreta em que o Santo, fazendo as suas pregações numa ermida sobre o Rio Tâmega

“pregação sempre moralizante”, às quais acorria muita gente, entre esta os habitantes

de uma freguesia de nome Aboadela do Marão, e que, em tempo esta se chamou de

Ovelha. “Como o bondoso Apóstolo – continua o autor – conseguisse legalizar,

religiosamente, muitos casais daquela terra, que viviam em relações imorais,

começaram a apelidar S. Gonçalo de casamenteiro dos de Ovelha... alcunha que

estropiada, chegou aos nossos dias”: “casamenteiro das velhas”

Bom mas para além dos já referidos valimentos, S. Gonçalinho, em Aveiro, é

solicitado com grande fé, e particular familiaridade, pelas gentes do Bairro da Beira

Mar.

Por vezes, ao falarmos com alguns dos habitantes do característico bairro,

quase se fica com a ideia de que S. Gonçalinho vive realmente ali com eles, porta

com porta.

Muitos destes sentimentos de fé e familiaridade com o seu santo querido, estão

bem expressos, aqui e ali, na nas obras do poeta aveirense, Amadeu de Sousa,

também ele, filho brioso daquele bairro.

A propósito da festa de S. Gonçalinho que se realiza a 10 de Janeiro, ou no

domingo seguinte, diz Amadeu de Sousa nos seus versos, em jeito de anúncio:

Toca o sino, foguetório,

Bandeiras em desalinho.

- É no bairro piscatório2A festa de S. Gonçalinho

E para que todos saibam e... anotem, diz:

Dos Santos todos de Aveiro,

Desta Terra, deste Céu,

S. Gonçalinho é sem dúvida3O Santo mais cagaréu

Falando, como falam todas as pessoas do bairro ao seu amigo, protector e

confidente de todas as horas, o poeta chama-lhe a atenção para o seguinte:

S. Gonçalinho não deixe

Desaparecer do mar

A farturinha de peixe4Sustento do nosso lar

E por certo na ideia de prevenir algum devasso ou brincalhão, vai dizendo:

S. Gonçalinho é lugar

De entranhada devoção

Do bairro da Beira-Mar5Que o traz no coração .

Mas o poeta, brincando também, não se inibe de lembrar ao bondoso santo,

naturalmente integrado no comportamento geral das gentes do seu bairro, a

importância e mesmo a necessidade dos valimentos, enquanto “casamenteiro das

velhas”:

Diz ele nos seus versos, a propósito de uma “velha” menos feliz:

Atentai S. Gonçalinho

Na cavaca que já sou

Nem lançada com jeitinho6O fulano me agarrou .

Meu rico S. Gonçalinho

Tem pena desta donzela

Que promete ao pé coxinho7Dar cem voltas à capela .

Reunidas em comício

As velhas da Beira-Mar

Exigiram por ofício8Um prazo para casar .

Uma velha já cansada

De esperar pelo parceiro

Ameaçou o santinho9Com um pau marmeleiro .

Porém, falando muito a sério, diz:

S. Gonçalinho só quer

Junto ao altar, bem ao pé

Seja homem ou mulher,10Quem tenha amor, tenha fé .

Capela de S. Gonçalinho(Reformada em 1714)

Cúpula da Capela de S. Gonçalinho(Vista do Canal da Praça do Peixe, Cais dos Mercantéis)

Capela do Senhor das Barrocas

Segundo descrições de historiógrafos aveirenses, a zona onde se situa a

Capela do Senhor das Barrocas - hoje um amplo airoso espaço urbanizado - foi, em

tempos remotos, um local “medonho e perigoso”.

Fundos barrancos e enormes silvados a ensombrar o estreito caminho, e o

ribeiro que por ali passava, eram elementos naturais daquele cenário, deveras

inquietante

Mas tal cenário, tornado ainda mais misterioso devido às crendices populares,

era realmente muito perigoso, isso sim, devido à presença de salteadores que ali

faziam as suas investidas.

Era aquele o único caminho que havia entre a Vila de Aveiro e Esgueira, no

qual, pelo ano de 1707, foi levantado o famoso Cruzeiro do Senhor das Barrocas.

Tempos se terão passado depois da sua implantação, visto que já altas

ramagens e musgos o cobriam, desprezado portanto, quando, devido a várias

curas milagrosas atribuídas ao Cruzeiro do Senhor das Barrocas, o curso dos

acontecimentos mudou como sabemos. Isto é, a afluência dos crentes foi tão

grande e os seus contributos tão avultados que, em quinze anos apenas, foi

possível proceder ao lançamento da primeira pedra e, em dez anos mais - em 16 de

Novembro de 1732 - foi inaugurado o templo maravilhoso que hoje podemos

contemplar.

Em Amaro Neves, na sua obra AVEIRO HISTÓRIA E ARTE lê-se: “Patenteia-

se, na verdade, no edifício, um acentuado cunho italianizante, que levou Dieulafoy a

considerá-lo uma transcrição portuguesa muito elegante, dos baptistérios de Pisa e

Florença”. É na verdade um tempo maravilhoso e diferente, que vale a pena 11contemplar .

Capela do Senhor das Barrocas

Capela do Senhor das Barrocas(inaugurada em 1732)

Portal da Capela do Senhor das Barrocas

Capela dos Santos Mártires

12Segundo escreve António Christo , os santos, que deram nome à quinta e à

capela, são os chamados Santos Mártires de Lisboa, os nobres irmãos Veríssimo,

Máxima e Júlia.

É uma capela do século XVII mandada construir por Simão da Costa Almeida

da qual foi o primeiro administrador.

Após o seu falecimento no ano de 1673, a quinta e a capela tiveram

sucessivos administradores do vínculo, até que no ano de 1822 Miguel Rangel de

Quadros da Costa Monteiro deu a quinta de arrendamento a uma criada do

desembargador Francisco Lourenço de Almeida.

A partir daí, passaram a reunir-se, no interior da quinta, os elementos de uma

loja maçónica, cuja associação acabou por ser desagregada durante o absolutismo

miguelista.

A quinta passou a ser olhada com horror pelo povo e odiada pelos partidários

do absolutismo.

Um pouco mais voltados para as motivações espirituais do fundador, importa,

talvez, dizer quem foram os santos a quem ele dedicou a capela.

Veríssimo, Máxima e Júlia eram filhos de nobres abastados e, pela fé cristã,

sofreram cruéis martírios sob as ordens de um legado do imperador Diocleciano, de

nome Públio Daciano.

Foram presos e flagelados, torturados em ecúleos e por fim decapitados.

Os corpos foram lançados ao mar e, segundo a tradição, apareceram numa

praia do Tejo - Praia de Santos, em Lisboa - no dia 1 de Outubro do ano 307.

No interior da capela figuram os três santos com roupagens de romeiro,

lembrando a penosa viagem que fizeram aos sepulcros de S. Pedro e S. Paulo.

Capela dos Santos Mártires

Capela dos Santos MártiresConstruida na segunda metade do Século XVII

O portão da Quinta foi Construido após o restauro de 1882

Capela de São Sebastião

A capelinha dedicada ao Mártir S. Sebastião fica situada na Rua Aires

Barbosa. Foi construída em 1896.

De pequenina que é, faz lembrar uma miniatura que alguém ali construiu por

graça, ainda mais se a relacionarmos com as casas modernas que ultimamente se

construíram à sua beira.

Ao depararmos com ela, arranjada como está neste momento, somos

tocados por um sentimento de especial carinho, talvez tão-somente por ser

pequenina - é mesmo uma capela e não um nicho – mas também por nos vir à ideia

de como foi possível a minúscula capelinha satisfazer às necessidades das pessoas

daquele tempo, naquele lugar.

No seu interior cabem apenas cinco ou seis pessoas mais ou menos

apertadas, mas é comovedor saber que a capelinha possuiu ainda artefactos e

paramentos, basicamente necessários às celebrações e actos litúrgicos.

Importa dizer que não é esta, a primeira capela que, neste local, foi erigida e

dedicada ao Mártir S. Sebastião.

A primeira, junto à qual havia uma fonte com o mesmo nome, foi demolida, já 13em ruínas, no ano de 1839 .

Das transformações ocorridas com o desaparecimento da capela, a dita fonte

foi refeita e, por inspiração numa lenda que se perdeu, passou a chamar-se Fonte 14dos Amores

O que aconteceu foi que, cinquenta e sete anos passaram sobre a demolição

da primeira capela, quando o povo entendeu que não podia passar sem repor,

naquele local, um sinal da fé de outrora, no santo Mártir S. Sebastião.

Capela de São Sebastião

Capela de S. SebastiãoConstruida em 1896

Capela da Senhora da Ajuda

A “Capela de Santiago”, igualmente dedicada a Nossa Senhora da Ajuda tal

como duas outras edificadas antes, inclui, na sua construção, materiais que vieram

da capela anterior.

A ruína da primeira capela deveu-se ao terramoto de 1755, e a segunda, foi

demolida em 1915.

Da lenda consta que, a imagem de Nossa Senhora da Ajuda apareceu dentro

de um caixão, na praia do mar, no qual estava também um papel a dizer que se

colocasse a imagem em capela de Aveiro, fora da vila.

A imagem tinha pendentes “duas contas, a que chamavam leitores e que

vinham dentro do mesmo caixão da Senhora, e por serem prendas suas, têm as

mulheres sua devoção e fé, de que pondo-as ao pescoço recuperarão abundância 15.de leite para alimentarem os filhos”

Capela da Senhora da Ajuda

Capela da Nossa Senhora da AjudaSéculo XX

Capela de São Bartolomeu

Tal como S. Gonçalinho, S. Bartolomeu é também um santo muito querido das

gentes do Bairro da Beira-Mar.

A sua capela situa-se na Rua de S. Bartolomeu em frente à Rua do Norte, e foi

mandada construir por André Dias Caldeira, no ano de 1568.

Por razões totalmente desconhecidas, passou para o povo, de geração em

geração, a ideia de que a capela foi mandada edificar por mareantes que, de Aveiro,

navegavam para a Terra Nova. Segundo pesquisa de António Christo in Capelas de

Aveiro (16)

Esta atribuição transparece claramente numa informação paroquial de 26 de

Março de 1721, em que Frei Manuel Coelho de Oliveira - decorriam já 153 anos

sobre a edificação do templo - escreve o seguinte:

“ Como também há outra capela, intitulada Sant Bartholomeu; a qual foi

edificada pelos Mareantes desta Villa, q navegavão para a Terra Nova, de cuja hera,

não achei notícia certa; São administradores os mesmos fregueses”.

Mais adiante o mesmo prior tem a oportunidade de escrever que a capela não

“contem Letereyo algun”.

Ora nada disto corresponde à verdade, e o que se depreende é que, já nessa

altura, as pessoas nada conheciam sobre o passado da capela.

Afinal a sua identificação estava patente na própria capela, sobre a porta de

entrada, mas totalmente escondida debaixo de cal.

"Esta caza mandou fazer Andre Dyas Caldeira No Ano de 1568 “

Acresce a tudo isto que o nome de André Dias Caldeira, que até poderia ter

sido um desses mareantes, jamais se encontrou em qualquer outro documento.

Capela de São Bartolomeu

A capela está pois devidamente identificada, contudo ficamos sem saber quais

foram as motivações que levaram à sua edificação, e quem foi Andre Dyas Caldeira.

Pelo que sabemos, São Bartolomeu não esteve ligado a actividades marítimas;

e como as pessoas elegem normalmente para seus patronos santos que nesta vida

tiveram actividades semelhantes às suas, nada sugeria, portanto, que esta

invocação fosse feita por homens do mar.17São Bartolomeu é identificado por S. João Evangelista pelo nome de

Natanael ou dom de Deus, e também dava pelo nome de Bar-Tomai.

Era um homem culto que acreditava piamente na vinda do Messias e gostava

de ler e meditar na Sagrada Escritura ao ar livre, debaixo das árvores.

Dele disse Jesus ao vê-lo pela primeira vez: “Eis aqui um verdadeiro israelita

em que não há fingimento”.

Mas para além do diálogo que teve com Jesus Cristo, nesse momento, nada

mais se soube ao certo da sua vida!

No século XIII nasceu a lenda de que o santo foi degolado por um rei

misterioso da Arménia; muitos continuaram a falar de decapitação, mas os artistas

preferiram representá-lo com a pele de rastos e na mão uma faca. Daí o ter

prevalecido em todo o mundo a crença de que o seu martírio consistiu em ser

esfolado. Contudo nada pode ser comprovado.

Entretanto S. Bartolomeu é considerado padroeiro dos que trabalham com

peles - curtidores, carniceiros e até encadernadores.

Bom, S. Bartolomeu é como se sabe um dos doze Apóstolos e é nessa

qualidade que, a ele recorrem, aliás de um modo muito especial, as gentes da

Beira-Mar.

Um exemplo:

Há anos atrás, foi atribuída a um certo homem desta cidade, a autoria de um

crime de desvio de uma quantia bastante avultada.

O acusado sofreu não só o incomodo da desconfiança que sobre ele e a

família recaiu, mas também, mais concretamente ainda, sofreu, na pele, o amargo

das penosas diligências policiais, ao tentarem arrancar-lhe palavras de uma

eventual “confissão”. Mas porque o processo decorria já longo e sem fim à vista,

três mulheres da Beira-Mar, certas da sua inocência, decidiram recorrer a S.

Bartolomeu, solicitando a sua intercepção, em favor do pobre homem.

É interessante o modo como são feitas estas orações pelas gentes da Beira-

Mar.

Tal como em outros casos difíceis, as três mulheres foram à meia noite à porta

da capela, isto durante uns dias, e, dando as três pancadinhas habituais na porta

fechada - em jeito de quem solicita uma atenção muito especial em favor de alguém

aflito – segredaram de seguida para dentro, através do postigo, as suas fervorosas

súplicas.

Quanto a estes rogos das gentes da Beira-Mar junto à porta da Capela de S.

Bartolomeu em momentos de aflição, decerto que os mais compungentes terão sido

aquelas que tiveram lugar no tempo da pneumónica, quando se supunha que o

vento infectado - contaminado pelos lamaçais putrificados ao longo da extensa *laguna - trazia nele o próprio diabo

Na verdade muita gente morreu em Aveiro, nesse tempo, vítima da peste,

principalmente porque o mar, impedido por um imenso cordão de areia que se

formou na costa, ao longo de muitos anos, deixou de purificar a imensa planura

aveirense.

*Na capela há uma estatueta de um diabo preso por uma corrente para que, uma vez preso, não possa fazer mal às pessoas.

Capela de S. BartolomeuConstrução do Século XVI

Capela da Senhora das Febres

Edificada no século XVI.

Segundo António Christo “não se conseguiu apurar quando passou a ser

dedicada a Nª. Senhora das Febres. Entretanto, os fiéis, principalmente os da Beira-

Mar, nunca deixaram de recorrer a São Roque em suas doenças, constituindo-o

advogado contra a peste”.

Desconhecendo-se pois os motivos que houve para, em dado momento,

dedicar a capela a Nª. Senhora, sabe-se, isso sim, que esta foi construída e

dedicada a S. Roque, tido como padroeiro dos mestres construtores de naus -

carpinteiros e afins.

“Justificava-se esta devoção desde Quatrocentos com uma colónia de

calafates, carpinteiros e tanoeiros a laborarem pelo canal central, nos Botirões e 18sobretudo no canal de S. Roque”

Capela da Senhora das Febres

Capela da Senhora das FebresEdificada no Século XVI

Capela da Madre de Deus

“Em 1687, escreveu Cristóvão de Pinho Queimado que a população do

burgo, notavelmente diminuída por motivo de múltiplas causas, pouco excederia

então 2700 vizinhos, que se encontravam repartidos pelas freguesias de S. Miguel,

Espírito Santo, Vera Cruz e N.ª Sr.ª da Apresentação”.

Nessa altura havia 14 ermidas ou capelas não contíguas às igrejas e entre

elas, a da Madre de Deus, no Seixal.

No seu interior está uma escultura de S. João Baptista da autoria de um

artista local, Joaquim dos Santos, que alcançou renome entre os barristas

portugueses. Faleceu em 1801.19É uma capela elegante e o seu pequeno interior merece ser visitado .

Capela da Madre de Deus

Capela da Madre de DeusEdificada em meados do Século XVII

Capela de Nossa Senhora da Alegria

Se as capelas são testemunhas vivas de acontecimentos do passado, e se

elas são também, locais privilegiados da convivência humana que mais perdura no

desenrolar do tempo, a capela de Nossa Senhora da Alegria é disso o exemplo mais

significativo.

Pode dizer-se que falar da Capela de N. S. da Alegria é falar da prestimosa

Confraria dos Pescadores e Mareantes de Aveiro, instituição que reuniu e

acompanhou gerações sucessivas, ao longo dos 650 anos!

Segundo se lê em Francisco Ferreira Neves20, a Confraria de Nossa

Senhora de Sá (da Alegria mais tarde) dedicava-se à realização de obras pias e de

caridade, para o que possuía, entre outros meios, um hospital na Vila de Aveiro

“com 10 ou 12 camas de roupa, para agasalhar os pobres ou quem delas

precisasse”. Refere-se também que, a certa altura, havia na instituição cerca de 400

confrades.

A maioria dos pescadores vivia num arrabalde da Vila de Aveiro, uma

pequena povoação chamada Vila Nova, hoje lugar de Sá. Situava-se a norte do

Esteiro da Ribeira e do paul chamado Cojo. O caminho chamou-se Rua Torta,

depois Rua da Vila Nova, hoje Rua de Manuel Firmino. Pelo ano de 1572, a Vila de

Aveiro tinha somente uma freguesia: a de S. Miguel.

Sá, em latim é sala.

Já existia no século IX e, em 1835 foi incorporada no Concelho de Aveiro.

Foi no século XIII, mais precisamente no ano de 1200, que, os pescadores e

mareantes de Aveiro, desfrutando de uma certa abundância fundaram esta Confraria

com sede na pequena igreja daquele local.

Capela de Nossa Senhora da Alegria

A pesca do Bacalhau:

Para além da pesca que se exercia nos canais ou rios salgados, deu-se início

à pesca do bacalhau na Terra Nova, para onde começaram a partir os pescadores

aveirenses e vianenses, isto por volta do ano de 1500.

Sabe-se que mo ano de 1552, conforme uma comunicação que o Juíz de

Fora Jorge Afonso enviou ao Rei D. João III, havia em Aveiro 36 naus e navios e 34

caravelas; ao todo 70 embarcações.

O porto de Aveiro tornou-se muito importante e a Vila adquiriu riqueza que

nunca tivera.

Também, sobre a referida comunicação, os navios rotavam para a Terra

Nova, Irlanda, Inglaterra, Flandres e Ilhas.

O progresso de Aveiro continuou por muito tempo, até que o constante

assoreamento da barra acabou por ensombrar tremendamente a sua existência.21Cristóvão de Pinho Queimado , depois de referir que Aveiro declinava na sua

grandeza no início do século XV, escreveu, em 1687, o seguinte:

“Esta Vila padece o achaque de maleitas que, na quadra da Primavera e do

Outono, fazem adoecer muita gente, e em alguns anos morrem muitas pessoas, o

que é atribuído às águas encharcadas nas salinas e outros lugares plainos, onde

morrem as águas do Inverno. Se não fosse este mal que ainda se não pode afastar,

seria esta Vila a mais famosa, e talvez a mais rica de quantas vilas marítimas tem o

reino, e as epidemias têm sido a principal razão das pessoas se afastarem”.

Por todos esses contratempos, e segundo o mesmo historiógrafo, a certa

altura, a população de Aveiro ficou reduzida a cerca de 1700 vizinhos!

Mas, Aveiro, como se sabe, sobreviveu da tremenda ferida e livre se tornou,

talvez como nunca; sem muralhas e dispondo de uma bela barra, sem

impedimentos de espécie alguma.

O seu progresso é famoso em todo o País, toda uma região em franca

expansão, no final do século XX.

Ainda quanto à Confraria dos Pescadores e Mareantes de Aveiro, importa

talvez referir que, já em grande decadência no princípio do século XIX, foi declarada

extinta pelo Governo Civil de Aveiro, em 9 de Março de 1855.

Por sua vez, a Capela de Nossa Senhora da Alegria continua lá a desafiar os

séculos.

A sua festa anual realiza-se a 15 de Agosto.

Capela da Nossa Senhora da AlegriaEdificada no Século XII

O Cruzeiro foi edificado em 1554

Capela da Ordem Terceira de São Francisco

22Como se lê em Amaro Neves , a Ordem Terceira de São Francisco terá

surgido em Aveiro no ano de 1670 e, em 16 de Janeiro de 1677, foi feito o

lançamento da primeira pedra desta construção.

Actualmente, talvez por a capela ter ligação lateral com a igreja de Santo

António, na qual se realizam todos os actos litúrgicos, o templo é apenas utilizado

como espaço mortuário.

Mas a capela de S. Francisco merece ser visitada pelo seu conjunto artístico,

como refere também o mesmo autor: “O conjunto artístico encanta pelo casamento

plástico resultante das talhas, azulejos e decorações murais, principalmente o

tecto.”

Capela da Ordem Terceira de São Francisco

Capela da Ordem Terceira de S. FranciscoConjunto com a Igreja e Convento de Santo António.

Lançada a primeira pedra em 16/1/1677

Capela da Senhora do Álamo

23Como refere João Evangelista de Campos , “a Senhora do Álamo é

advogada das parturientes: é a ela que recorrem as mulheres que se vêem

atrapalhadas ao aproximar-se a ocasião de serem mães”.

O autor diz que a romaria anual que ali se realizava no Domingo de

Pascoela, era “pretexto para a realização de merendolas, e justificava, também, o

convite que as raparigas faziam aos seus compadres para irem comer juntos, o folar

da Páscoa”.

“O local prestava-se à descontracção e à convivência dos romeiros ao longo

da linha do caminho de ferro e nos pinhais que orlavam Esgueira; hoje, porém,

devido ao crescimento e às grandes transformações que Aveiro tem tido em tão

pouco tempo, esses “recantos” desapareceram.”

Contudo, é preciso dizê-lo, essa alegria, e tudo o mais, não esmoreceu;

apenas se transferiu para a Senhora da Alumieira, ainda que um pouco mais longe,

lugar de Mataduços.

Capela da Senhora do Álamo

Capela da Senhora do Álamo

Capela de São Tomás de Aquino

Embora apostado em reunir neste trabalho a representação de todas as

capelas de Aveiro existentes no espaço urbano, no fim do séc. XX, hesitei em

incluir escombros e uma frontaria arruinada, que restam de um pequeno templo,

outrora edificado (pelos dominicanos?) na Agra dos Frades, em honra de S.

Tomás de Aquino.

Acabei por incluí-lo, primeiro, porque alguém me disse que a fachada da

“capela”é um resto que dá ainda uma ideia do que foi a sua bela arquitectura no

conjunto das capelas de Aveiro; segundo, porque motivado pelo desvelo com que o

ilustre historiógrafo aveirense António Christo falou da capela no seu livro intitulado

“Capelas de Aveiro”. Diz ele:

“O genial doutor S. Tomás de Aquino foi e será sempre mestre dos sábios e

modelo de santos.

O seu nome glorioso não sofre limites de espaço ou de tempo: é universal e 24eterno, enche de clarões o mundo e os séculos” .

Seguidamente o historiógrafo, defendendo valores universais, naturalmente

atribuídos também à clarividência dos aveirenses, diz ainda:

“Compreende-se, assim que também os aveirenses de antanho, presos do

encantamento da sua ciência profundíssima ou das suas virtudes excelsas, lhe

atribuíssem a sua maior admiração, erguendo na cidade dois templos, ainda que

modestos, em sua honra”. Não sei qual foi o outro templo aqui referido, mas esta

capela é a que António Christo foca com particular interesse.

Capela de São Tomás de Aquino

Tenho a firme certeza que os aveirenses, todos os aveirenses,

nomeadamente os mais instruídos e por isso mesmo mais responsáveis, jamais

desprezaram os valores destes intelectuais de antanho, mas somente estão a

cometer um pecado chamado “desleixo” e talvez falta de atenção, pela capelinha

que tão bem ficaria na encosta, sem provocar qualquer estorvo, nem no presente e

decerto, nem no futuro.

Capela de S. Tomás de Aquino

Capela de Santo António do Mudo

Não tendo encontrado na Biblioteca Municipal qualquer referência à Capela

de Santo António do Mudo situada na Forca, resolvi ir ao local na mira de encontrar

alguém que me falasse da referida capelinha.

Foi até fácil encontrar um casal; a senhora Rosa e o Sr. Manuel Maria Freire

Lagoncha, pessoas de há muito responsáveis pelo arranjo da pequena capela.

A história que me contou o Sr. Lagoncha, já com setenta e dois anos de

idade, ouviu-a ele da boca do Sr. António Canhoto, já falecido há muito.

Pelo que diz o Sr. Lagoncha a existência da capelita pode rondar os 130 ou

mesmo os 150 anos.

Foi mandada construir por um Senhor de nome Saramago o qual tinha um

filho mudo.

Este deu por sua vez continuidade à festa andando a pedir pelas redondezas,

com o “Santo António” no braço e sempre com as calças arregaçadas até ao joelho.

Daí que a capela passasse a ser designada por Santo António do Mudo.

Digna de referência é também a “iluminação” da festa que nesses tempos

usavam: eram pinhas a arder, juntamente com vasos cheios de resina e um pavio

pendurados nos arcos sobre a rua.

Assim aconteceu ano após ano, até que comissões espontâneas apareceram

dando à festa relevo cada vez maior.

No dizer do Sr. Lagoncha, é uma grande festa.

Capela de Santo António do Mudo

Capela de Santo António do Mudo

Capela de Santo Amaro

Como diz João P. Lemos na sua obra intitulada “Vilar Doce e Poético

Cantinho”, “o limite geográfico de Vilar ninguém o saberá definir, permanecendo no 25abstracto duma vaga memória” .

Diz ainda:- “Hoje Vilar está inserida na parte rural da cidade e limitada por

novas freguesias que nos seus limites “roubaram” um pedaço a Vilar, a saber,

Aradas, São Bernardo, Santa Joana e Esgueira! “

Ora, ainda que Vilar se situe na parte rural da cidade, e este trabalho visa

focar apenas as capelas, existentes no espaço urbano no fim do século XX, importa

referir que Vilar, e naturalmente, a Capela de Santo Amaro (capela de Vilar), são

parte integrante desse espaço. Vilar faz parte da freguesia de Nª. Srª da Glória.

De Rangel de Quadros, na sua obra “Aveiro – Apontamentos Históricos”, e 26aqui referido também por João Lemos , diz-se que: “...Vilar com a sua capela, já

existia no meado do século XV, e é de tradição, que não só existia muito antes

d'esse tempo, mas muito antes do lugar de S. Bernardo. Mas a capella estava n'um

sítio baixo, quasi um valle, próximo da povoação. E por isso e pelo decorrer dos

anos, foi mister substituila pela capella actual, que é de maiores dimensões...”

Das referências que João Lemos faz a algumas datas mais marcantes,

relativamente à Capela de Vilar, anotei uma, particularmente interessante, que diz o

seguinte: “ Em 1574, João Jorge Rolão tendo de ir ao mar fez um testamento em

que deixava cento e cincoenta reis, a S. Amaro de Vilar para as paredes da casa”.

Haveria muito a dizer sobre a Capela de Santo Amaro mas, de acordo com o

objectivo deste trabalho, é forçoso limitar o texto, pelo que termino com as seguintes 27achegas, também elas transcritas desta obra de João Lemos :

Capela de Santo Amaro

Escreveu em 1911 José Reinaldo de Quadros Oudinot: “Esta capela é

actualmente mais conhecida pela invocação da Senhora da Vitória e a festa, em

honra da imagem d'este nome, tem sido a mais aparatosa desde certa época.

Houve para isso um motivo. Quando em 1832 a cholera attacou muitas povoações

do norte do reino, foi Aveiro uma das que mais sofreram e não pouco sofreram os

povos circunvizinhos. Então os habitantes de Vilar recorreram à protecção da

Virgem, sob o título da Senhora da Vitória, promettendo sempre festejá-la”.

Merece referência o cenário antigo que João Lemos descreve no seu livro, ao

relacionar a capela com as transformações ocorridas na paisagem, fora das

muralhas:

“Por razões óbvias a capela é um marco histórico. É de supor no entanto que

no início fosse apenas uma “ermida” isolada mas à vista de Aveiro, pois a um

quilómetro em linha recta e à vista desarmada e antes do aterro que tapou o vale

em 1850 para a instalação do caminho de ferro (inaugurado em 1863), devia ver-se

de cima das muralhas construídas em 1422 e destruídas em 1806 para obras da 28barra” .

Santo Amaro morreu a 15 de Janeiro, de 567. “O primeiro milagre que lhe é

atribuído refere que caminhando sobre as águas salvou o jovem Plácido que caíra 29ao açude de Subiaco” .

Capela de Santo Amaro

Capela do Espírito Santo

Não tendo encontrado referências mais antigas sobre a história

desta capela, transcrevo, o que se lê em José Gonçalves Venâncio, no seu 30livro intitulado, Esgueira - Aldeia Medieval .

“... foi em tempo renovada e está em bom estado de conservação.

Tornou-se na casa mortuária da Freguesia...”

“ É bastante antiga. A sua porta principal, apesar de modificada

conserva ainda o carácter do século XVII...”

“Conserva-se o antigo e singelo arco cruzeiro, mas alterado. A

escultura de calcário da Trindade pertence à segunda metade do século

XV...”

Capela do Espírito Santo

Capela do Espirito Santo(Esgueira)

Capela de São Geraldo

31Segundo se lê na obra Santos de Cada Dia de José Leite, S.J., São Geraldo

“ faleceu no dia 5 de Dezembro de 1108”. Trata-se de uma das grandes figuras da

Igreja naquele tempo. Tal como refere aquele autor, S. Geraldo é “mais um antístite

bracarense vindo do estrangeiro, nascido de família nobre e altamente religiosa, na

diocese de Cahors na França”.

Por força da sua grande actividade consegue de Pascal II várias bulas, a

partir das quais efectuou reformas importantes e se tornaram “sufragâneas da

arquidiocese de Braga: Astorga, Lugo, Tui, Mondonhedo e Orense, mais Porto e

Coimbra, com Viseu e Lamego”.

Pelo que se lê, decerto conduzido pela sua elevada instrução e muito saber,

além do sentido espiritual do seu múnus, o seu objectivo predominante era a

formação do clero e a instrução religiosa do povo.

Capela de São Geraldo

Capela de São Geraldo

Igreja das Carmelitas

De acordo com uma última revisão da Igreja Católica no que respeita a

classificação dos templos por igrejas ou capelas, a Igreja das Carmelitas é de facto

Igreja, tal como são afinal todas as outras, exceptuando as capelas particulares.

Este trabalho foi feito antes desta nova postura, pelo que, por agora, estas

são as capelas da cidade que existem no seu espaço urbano, ao fim do século.

Quanto às Carmelitas, sendo igreja, alguns lhe chamaram capela do

convento etc. – para quem se interessar procure tirar isso a limpo nas obras bem

documentadas — e, por mim, se a coloco neste livro – em separata – é a pensar

que daí não vem nenhum mal ao mundo.

Contudo, a Igreja das Carmelitas é também um ponto de referência, de algum

vulto, na história de Aveiro, devido a ocorrências passadas em tempos relativamente

recentes (ano de 1905).

O caso é que quando entramos, por exemplo, na Biblioteca Municipal de

Aveiro cujo objectivo é como se fosse chegarmos a uma janela para olhar dali para

o passado, somos surpreendidos por acontecimentos e atitudes humanas que nos

interpelam, principalmente quando conhecemos os lugares referidos nas descrições,

e estes nos mostraram vezes sem conta à evidência algo de errado, mas que de tal

incongruência não sabíamos a causa.

Estou a referir-me, obviamente, ao meio claustro, um verdadeiro disparate

arquitectónico, virado para a Praça Marquês do Pombal, onde hoje está instalada a

Polícia de Segurança Pública.

Pelo que se lê a propósito, foram momentos de grande impacto na vida e na

história da cidade e, para os que nada sabem sobre a arquitectura daquela fachada,

Igreja das Carmelitas

vale a pena resumir algo do que se lê no Arquivo Distrital de Aveiro e no Inventário

Artístico de Portugal da Academia Nacional de Belas Artes – Distrito de Aveiro, por

A. Nogueira Gonçalves; pág. 130: “O convento e a igreja foram inutilmente

mutilados para se regularizar uma praça e destacar a modesta arquitectura do

edifício do poente; eliminaram a ala norte daquele e todo o coro alto, o fundo da

igreja”.

A propósito dessa mutilação, escreveu Jaime de Magalhães Lima, em 1905

— pág. 130 da mesma obra acima referida: — “Pensa o governo em mutilar o

convento das carmelitas d`Aveiro, antigo passo ducal n`esta cidade uma das poucas

relíquias das suas grandezas. A comissão dos monumentos nacionais, tendo

conhecimento do facto, encarregou o Sr. Ramalho Ortigão de examinar o assunpto

e apresentar o seu parecer...”

E Jaime Magalhães Lima, conclui:

“ De nada valeu, que a mutilação deu-se. As obras de Arte só se conservam

quando não incomodam ou não se fazem lembranças”.

Ramalho Ortigão – crítico de arte – dizia, mostrando-se contra a mutilação do

convento — Escreve Francisco Ferreira Neves, Arq. Dist. Aveiro, pág. 232, vol.

XXVI: — “O edifício do convento das Carmelitas primitivamente palácio da

residência dos duques de Aveiro, sem ser uma obra monumental, é uma curiosa

construção típica, bastante característica dos usos sociais e do sentimento artístico

do século dezassete”.

Também em Francisco Ferreira Neves, Arq. Dist. Aveiro, Vol XXVI, pag. 313,

se encontra o texto do Parecer de Ramalho Ortigão. Este depois de se mostrar

contra a destruição de parte do convento - diz a certa altura – pág. 314: — “É claro

que nenhuma argumentação de conveniência higiénica ou de utilidade urbana

determinaria jamais que, sob qualquer pretexto, se fizesse desaparecer Notre-Dame

ou a Saint Chapelle em Paris, Westminster em Londres, o Palácio da Justiça em

Bruxelas, ou o Vaticano em Roma...”

Diz ainda: “independentemente de qualquer intervenção da arqueologia, da

crítica, ou da lei, perante a simples consciência pública dos países civilizados, os

altos interesses da arte predominam absolutamente sobre todos os demais

interesses da civilização”.

“... É como que uma amputação dolorida e saudosa do seu próprio ser.” –

disse ainda a propósito do corte que decidiram fazer ao convento.

Por sua vez os liberais argumentavam que a “capela” — expressão sua – se

tornaria mais visível “...e portanto mais atraente ao culto divino”

“Mas, quando mesmo se entenda que este templo, depois de restaurado e

mais aformoseado ainda, não baste para perpetuar a singela tradição histórica que

está ligada aquele convento, qual é a do duque de Aveiro, o regicida, lá fica ainda

intacta a maior parte daquela grande mole, onde os inimigos do progresso poderão

ir chorar as lágrimas de sentida saudade por um passado iníquo...”. Ver pág. 238,

Vol. XXVI do Arq. De Aveiro, de Francisco Ferreira Neves

Eis pois questões de fundo, certamente como muitas outras dolorosas por

que a cidade passou ao longo da sua história, e também as razões porque hoje

deparamos com aquele enigmático conjunto arquitectónico: -Fachada da Igreja das

Carmelitas, parte de um claustro cortado ao meio, mais a parte do todo, hoje

instalações da Polícia de Segurança Pública.

Igreja das Carmelitas(Outrora Capela do Convento)

1. Gonçalves Gaspar, João; in São Gonçalo de Amarante, pág. 14, 16 e 20.

2. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 45.

3. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 10.

4. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 58.

5. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas.

6. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 23.

7. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 11.

8. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 50.

9. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 22.

10. Teixeira de Sousa, Amadeu; in S. Gonçalinho em redondilhas, pág. 29.

11. Neves, Amaro; in Aveiro – História e Arte, pág. 70.

12. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 68.

13. Gomes, Marques; in Memórias de Aveiro, Arq. Distr. Aveiro, pág 145.

14. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 97.

15. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 27.

16. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 56.

17. Leite, José; in Santos de cada dia, Vol. II, pág. 491.

18. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 85.

Notas Bibliográficas

19. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág.51.

20. Ferreira Neves, Francisco; in Confraria dos Pescadores e Mareantes de Aveiro, Arq. Ditr.

Aveiro, vol. XXXIX, pág. 241 a 271.

21. Pinho Queimado, Cristóvão de; in Memórias sobre Aveiro, Arq. Distr. De Aveiro, pág. 99.

22. Neves, Amaro; in Aveiro – História e Arte, pág. 114.

23. Evangelista de Campo, João; in Achegas para a Historiografia Aveirense, pág. 25.

24. Christo, António; in Capelas de Aveiro, pág. 79.

25. Pereira Lemos, João; in Vilar Doce e Poético Cantinho, pág. 25.

26. Pereira Lemos, João; in Vilar Doce e Poético Cantinho, pág. 123.

27. Pereira Lemos, João; in Vilar Doce e Poético Cantinho, pág.132.

28. Pereira Lemos, João; in Vilar Doce e Poético Cantinho, pág. 115.

29. Pereira Lemos, João; in Vilar Doce e Poético Cantinho, pág. 135.

30. Venâncio, José Gonçalves; in Esgueira – Aldeia Medieval.

31. Leite, José; in Santos de cada dia, Vol. II, pág. 404.