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ASSISTÊNCIA SOCIAL: POLÍTICA DE DIREITOS À SEGURIDADE SOCIAL Dezembro de 2013 CADERNO 1 CAPACITASUAS SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

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  • ASSISTNCIA SOCIAL:POLTICA DE DIREITOS

    SEGURIDADE SOCIAL

    Dezembro de 2013

    CADERNO 1

    CApACITASUASSISTemA NICO De ASSISTNCIA SOCIAL

  • EXPEDIENTE

    Presidenta da Repblica Federativa do BrasilDilma Rousseff

    Vice-Presidente da Repblica Federativa do BrasilMichel Temer

    Ministra do Desenvolvimento Social e Combate FomeTereza Campello

    Secretrio ExecutivoMarcelo Cardona Rocha

    Secretria Nacional de Assistncia SocialDenise Ratmann Arruda Colin

    Secretria Nacional de Segurana Alimentar e NutricionalArnoldo Anacleto de Campos

    Secretrio Nacional de Renda e CidadaniaLuis Henrique da Silva de Paiva

    Secretrio Nacional de Avaliao e Gesto da InformaoPaulo de Martino Jannuzzi

    Secretrio Extraordinrio de Superao da Extrema PobrezaTiago Falco Silva

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    SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTNCIA SOCIAL

    Secretria AdjuntaValria Maria de Massarani Gonelli

    Diretora de Gesto do Sistema nico de Assistncia SocialSimone Aparecida Albuquerque

    Diretora de Proteo Social BsicaLa Lucia Ceclio Braga

    Diretora de Proteo Social EspecialTelma Maranho Gomes

    Diretora de Benefcios AssistenciaisMaria Jos de Freitas

    Diretora de Rede Socioassistencial Privada do SUASCarolina Gabas Stuchi

    Diretor Executivo do Fundo Nacional de Assistncia SocialAntonio Jos Gonalves Henriques

  • Esta uma publicao da Secretaria Nacional de Assistncia Social SNAS. O presente caderno foi produzido como objeto do contrato n BRA10-20776/2012 Projeto PNUD BRA/04/046 Fortalecimento Institucional para a Avaliao e Gesto da Informao do MDS, celebrado com a Fundao So Paulo FUNDASP.

  • CApACITASUAS

    Todos os direitos reservados. Qualquer parte desta publicao pode ser reproduzida, deste que citada a fonte.

    FICHA TCNICA

    Fundao So Paulo FUNDASP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP

    Reitora: Anna Maria Marques CintraCoordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos

    Especiais CEDEPE/PUCSPCoordenadora: Maringela Belfiore Wanderley

    Coordenao tcnica: Raquel RaichelisEquipe de pesquisa e elaborao: Aldaza Sposati, Lus Eduardo Regules

    COLABORAO TCNICA

    Antnio Santos Barbosa de CastroDenise Ratmann Arruda Colin

    Jos Ferreira da Crus

    Luciana de Barros JaccoudLuis Otvio Pires de Farias Simone Aparecida Albuquerque

    REVISO

    Denise Ratmann Arruda Colin Jos Ferreira Da Crus

    Luis Otvio Pires De Farias Simone Aparecida Albuquerque

    PROJETO GRFICO E DIAGRAMAO

    Hugo Pereira - ASCOM/MDSTiragem: 5.000

    Impresso: Grfica Brasil

  • ASSISTNCIA SOCIAL:POLTICA DE DIREITOS

    SEGURIDADE SOCIAL

    Dezembro de 2013

    CADERNO 1

    CApACITASUASSISTemA NICO De ASSISTNCIA SOCIAL

  • 2013 Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome.

    BRASIL, CapacitaSUAS Caderno 1 (2013)

    Assistncia Social: Poltica de Direitos Seguridade Social / Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome,

    Centro de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais da Pontif-cia Universidade Catlica de So Paulo 1 ed. Braslia: MDS, 2013,

    144 p. : il.

    Secretaria Nacional de Assistncia Social SNASEdifcio mega, SEPN W3, Bloco B, 2 Andar, Sala 229 CEP: 70.770-502 Braslia DF.Telefone: (61) 2030-3119/3124www.mds.gov.brFale com o MDS: 0800 707-2003

    Solicite exemplares desta publicao pelo e-mail: [email protected]

  • SUMRIO

    APRESENTAO 11

    INTRODUO 13

    I ASSISTNCIA SOCIAL: POLTICA DE DIREITOS SEGURIDADE SOCIAL 27

    A. Direitos Socioassistenciais e a Afirmao da Poltica de Assistncia Social nos Entes Federativos. 38 B. Campo De Responsabilidade Da Assistncia Social na Seguridade Social 39

    II SEGURANAS SOCIAIS COMO RESPONSABILIDADE PBLICA DA ASSISTNCIA SOCIAL 53

    A. Compromissos ticos com os Direitos Socioassistenciais 75 B. Novas Construes do Direito dos Usurios no Campo da Assistncia Social. 80 C. Direito como igualdade, fraternidade e solidariedade 85

    III. DIREITOS SOCIOASSISTENCIAIS. 90

    A. Direitos Socioassistenciais na Perspectiva dos Direitos Fundamentais 91 B. Significados Dos Direitos Scio Assistenciais Nos Textos Legais. 102 C. Consolidao De Direitos Socioassistenciais 106

  • IV. FUNO DE DEFESA DE DIREITOS 111

    A. Direitos sociais e padres de qualidade na ateno 111 a.1) breves ponderaes sobre a regulamentao dos direitos

    socioassistenciais e as parcerias com as organizaes da sociedade civil: o caso do Municpio de So Paulo; 111

    a.2) reconhecimento do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo dos direitos da populao em situao de rua (Acrdo Des. Lineu Peinado; 29/06/99). 116 B. Instncias Recursais e de Defesa. 119 b.1) SUAS e o Sistema de Garantia de Direitos. 119 b.2) Defensorias Pblicas e o Ministrio Pblico: alguns caminhos, o extrajudicial e o judicial. 123 C. Exemplo de Acesso ao Bpc: Entre Necessidades e o Limite de Renda. 128 D. Exemplos De Participao Popular: As Ouvidorias, A Lei De Acesso Informao. A Assistncia Social em Movimento. 129

    NOTAS CONCLUSIVAS 133

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 140

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    APRESENTAO

    Assistncia Social: Poltica de Direitos Seguridade Social

    O Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) pauta-se no Pacto Federativo, com competncias e responsabilidades entre os trs nveis de governo, e ma-terializa os princpios, diretrizes e os eixos estruturantes da Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004, estabelecendo um novo modelo de ges-to, com enfoque na proteo social, organizado por nveis de complexidade: proteo social bsica e especial, de mdia e alta complexidade.

    O Sistema parte do reconhecimento da Assistncia Social como direito social, responsabilidade do Estado e da compreenso da complexidade da realidade e estruturas sociais. A Constituio Federativa de 1988 afirma essa concepo, ao preconizar a Assistncia Social como dever do Estado e direito do cidado, pblico e reclamvel.

    Aps oito anos de implantao do Sistema, percebe-se rapidamente o rompi-mento na rea com as aes pontuais, segmentadas, fragmentadas, desarticu-ladas e de carter emergencial, que sempre perpetuou na Assistncia Social. A oferta de servios, benefcios e transferncia de renda passa a ser com-preendida na sociedade como de carter continuado, regular e obrigatrio reafirmado na Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS).

    Historicamente o trabalho no campo socioassistencial brasileiro foi marcado pela precariedade de vnculos, de estrutura e de recursos. Essa precariedade se reflete na descontinuidade e fragmentao das aes, na cultura do volun-tariado, na precarizao dos vnculos trabalhistas que acabam por fragilizar a relao com os usurios, na insuficiente formao e capacitao dos trabalha-dores e, ainda, na ausncia de compreenso da especificidade de atuao e das atribuies prprias de cada esfera de governo no mbito da Assistncia Social.

    Este caderno 1, intitulado Assistncia Social: Poltica de Direitos Seguridade Social constitui um marco importante para a Poltica Pblica de Assistncia

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    Social, ao materializar e disseminar contedos referentes funo de defesa de direitos, no campo socioassistencial, no mbito de proteo social brasileira.

    Importante ressaltar que a concepo de direito nesta rea ainda requer aes estruturantes de todos os gestores e profissionais na perspectiva da conti-nuidade e certeza de proteo social para os usurios desta poltica pblica. Vivemos em tempos de efetivao do Sistema, uma gesto compartilhada entre os entes federativos, momentos de firmar todas as conquistas advindas desta ltima dcada de sua implantao. Todavia, esse caderno nos convida, em especial, aos operadores desse direito, reafirmar nossos compromissos ticos, tcnicos e polticos para e com os usurios visando construir a esfera pblica e superar o assistencialismo ainda presente em nossa sociedade.

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    INTRODUO

    A perspectiva de uma poltica social, que construa identidade nacional no Brasil por meio de um sistema nico, precisa ter em conta uma caracterstica que , ao mesmo tempo, um desafio. Vivemos em um pas com mais de 5500 municpios, muitos dos quais se localizam em regies aonde s se chega com o uso de barcos, balsas, entre outras formas alternativas de locomoo, para alm de pneus ou trilhos, formas mais usuais de transporte coletivo.

    O sentido de sistema nico supe forte referncia a significados e responsabili-dades comuns entre os entes federativos. Embora unidade no signifique homo-geneidade isto , ausncia de flexibilidade face s diversidades sociais, culturais, territoriais ela exige que traos comuns sejam possveis na identidade de campo e na ao dessa poltica social. Aqui, um desafio principal. A identidade social da poltica de assistncia social, para alm de um movimento interno, supe seu reconhecimento externo, isto , ela depende de como os outros captam seu con-tedo, atribuem significados, formam sua percepo e concepo. Nesse sentido trata-se de, ao mesmo tempo construir sua identidade e seu reconhecimento social. Esse processo conjuga o modo como aqueles que vivenciam internamente essa poltica a entendem, com a forma com os que lhe so externos, lhe do sentido e entendimento.

    Nessa identidade social, os direitos socioassistenciais so parte inerente e nela devem estar inscritos, respondendo de pronto a questo: a poltica pblica de assistncia social assegura determinados direitos de proteo social inscritos no mbito da seguridade social brasileira cuja declinao se sustenta e se orienta pela declinao de seguranas sociais pelas quais a poltica de assistncia social responsvel com a responsabilidade de superar incertezas e desprotees sociais que impedem ou fragilizam a seguridade social dos cidados e cidads indepen-dente de seu ciclo etrio.

    H clareza de que a poltica um processo histrico no linear. sempre um movimento. Nesse sentido sofre mutaes, escolhas, coerncias e incoe-rncias, consistncia e inconsistncias, interferncias. um processo aberto

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    historicamente, principalmente, se o considerarmos resultante de relaes democrticas. Mas, essa mutabilidade no significa subjetividade, interpre-taes pessoais ou individuais, pois se est tratando de uma poltica pblica, portanto, de um conjunto de decises e aes ancoradas na prevalncia do interesse pblico. O interesse pblico em nossa sociedade se constitui na conflitante relao entre estado, sociedade e mercado isto , na disputa entre interesses econmicos, quase sempre privados, e interesse sociais fundados em pressupostos da tica pblica e social.

    O conjunto de reflexes dos cadernos Capacita SUAS, em sua segunda edi-o, tem por inteno fazer avanar, no que for possvel, a unidade do SUAS no pas, a partir do significado, concepo, estratgia que seus gestores e trabalhadores a ele atribuem.

    Este Caderno se dedica discusso de direitos sociais no campo da poltica p-blica de assistncia social, isto os direitos socioassistenciais. Ele d centralidade aos direitos socioassistenciais no SUAS - Sistema nico de Assistncia Social.

    CULTURA DE DIREITOS E POLTICA PBLICA DE ASSISTNCIA SOCIAL.

    fundamental ter presente que a identidade atribuda assistncia social pela Constituio de 1988 rompe com seu reconhecimento no campo de prticas e aes pblicas ou privadas de carter eventual, personalista e des-contnuo no submetida a tica pblica ou a tica do direito coletivo e social.

    Considerar a assistncia social sob o estatuto de poltica pblica gera mltiplos impactos. O primeiro deles o provocar o confronto com a cultura conserva-dora e liberal predominante na prtica histrica dessa rea, na medida em que essa compreenso se ope, desde a gnese, ao estatuto da proteo social como poltica pblica regulada pelo Estado e direito do cidado.

    O exame do percurso histrico das prticas de assistncia social so provas factuais de que sua mutao para o campo de poltica pblica significa intro-

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    duzir uma ciso na cultura dos agentes pblicos que operam essa poltica. Mas paradoxalmente a proposta a de caminhar para consolidar um sistema nico de mbito nacional o que significa superar a diferena e a fragmentao. Tem- se nessa tempo desejado e rejeitado pelos vrios gestores de rgos federativos.

    Construir historicamente e na forma de um sistema nico a identidade social da poltica de assistncia social , sem dvida, um processo de objetivao dos valores que orientam a ao pblica no mbito dessa poltica. Esses valo-res dizem respeito, sobretudo, relao do estado com o cidado. Ao remeter essa compreenso a um sistema nico reitera-se que ela significa alcanar a unidade entre os entes federativos, quanto a identidade social da poltica.

    Trata-se de uma situao muito nova na histria brasileira, pois os demandatrios de atenes no campo da assistncia social ainda so marcados pela estigmatiza-o e pelo moralismo e no pelo reconhecimento enquanto sujeitos de direitos. A alterao da cultura dos agentes institucionais dessa rea, incorporando seus usurios como sujeitos de direitos, exige muitas alteraes em procedimentos institucionais e profissionais que a orientaram ao longo dos anos.

    Operar novas perspectivas na poltica pblica de assistncia social exige res-gatar a historicidade desse campo de ao que chega a se manifestar at mes-mo nos processos de ocupao dos territrios das cidades e nas possibilidades efetivas que esses territrios oferecem a quem neles vive.

    A responsabilidade pblica que esse fato traz para a gesto e para o enten-dimento de cada trabalhador desse campo exige romper com caractersticas (aparentemente genticas) que se interpe a cultura de direitos. A velha viso da assistncia social composta por aes sociais fragmentadas, mutveis, iso-lada precisa ser alterada significativamente a fim de que se possa at mesmo falar em acesso a direitos socioassistenciais atravs da rede de servios e da incluso em benefcios.

    A base de um sistema nico de gesto a partir dessas ponderaes ultrapas-sa a racionalidade de procedimentos institucionais, em geral pautados pelo

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    cunho jurdico-administrativo e contbilfinanceiro. Seus resultados so por hbito, declarados em mtricas de atendimentos sem exigir a racionalidade tica fundada na disposio em ofertar acesso e resultados ao cidado na condio de um direito social.

    preciso ter presente que a assistncia social em sua trajetria de iniciativas governamentais marcada pelo pragmatismo, pelo improviso, pela descon-tinuidade entre gestes, pela urgncia em atuar depois do ocorrido, por ser refratria ao planejamento e um tanto descrente no investimento na profis-sionalizao de seus agentes institucionais. Esta uma das frentes de ao principais que o SUAS vem atuando. Romper o imediato pelo planejado, introduzir a preveno e no s a ateno a vitimizao. Esta perspectiva que a conota com as exigncias de uma poltica pblica passam a requerer que sua gesto se faa por meio de formulao de metas, analise e fixao de custos, previso oramentria, condies de trabalho e meios institucionais para sua realizao e investimento nas aes de formao e de capacitao dos trabalhadores.

    A partir dessas consideraes pode-se afirmar que as seguranas sociais e os direitos socioassistenciais delas resultantes, so os pilares ticos para constituir a unidade de um sistema nico de gesto em todo o territrio nacional.

    A GESTO POR SISTEMA NICO FEDERATIVO

    O sentido de sistema nico supe forte referncia a significados e responsa-bilidades comuns entre os entes federativos, isto , so quase 5.600 unidades decisrias em todo o pas, pois os entes federados, alm dos municpios, incluem os 26 Governos Estaduais, o Distrito Federal e o Governo Federal e, isto, considerando somente o Executivo. Essas unidades federativas possuem histrico institucional bastante diferenciado no que se refere presena da gesto da assistncia social em sua diviso de trabalho institucional, bem como, quanto a direo e contedo que foi recebendo ao longo das gestes.

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    Para a configurao do reconhecimento de direitos h uma questo central que precisa ser entendida e superada. Uma poltica social do ponto de vista do direito do cidado no pode ser flutuante, descontnua, ou resultante simblica da obra de um gestor para que usufrua de vantagens pessoais. Sem dvida, algumas gestes podem ser mais eficazes, mais impulsionadoras do que outras, mas isto no pode significar que cada gesto desenvolva uma inventividade de nomenclaturas, programas, atenes que simplesmente acabam ao findar o perodo daquela gesto.

    A concepo de direito supe continuidade, certeza. Isto muito novo no campo da gesto da assistncia social dado as marcas histricas de trato subjetivo que recebeu ao longo dos anos. Em um sistema nico de gesto a unidade na ateno ao cidado ancorada no direito baseada na isonomia, na igualdade, na permanncia.

    Um dos elementos explicativos do histrico diversificado da assistncia social entre os entes federativos brasileiros decorre da prpria diferenciao dessas unidades entre si, pois de acordo com os dados do ltimo censo do IBGE 2010, 70% desses municpios tm at 20 mil habitantes e neles esto 17% da populao do pas; 19% tm mais de 20 mil at 50 mil habitantes correspon-dendo a 16% da populao; 6% conhecidos como municpios mdios, tm mais de 50 mil at 100 mil habitantes, com 12% da populao. Os grandes municpios com mais de 100 mil at 900 mil habitantes so somente 266 unidades, ou 5%, mas concentram 33% dos habitantes do pas e, somente, 17 municpios, ou 0,31% so aqueles que tm mais de 900 mil habitantes. Todavia mesmo a concentrao populacional entre estes bastante diferen-ciada. Nesses 17 municpios vivem 22% da populao brasileira. So Paulo, o maior, conta com 12 milhes de habitantes.

    preciso entender que cidades mais populosas tendem a apresentar comple-xidades e demandas diferenciadas, bem como, a exigncia do trato territorial intraurbano e de suas fronteiras. Cidades pequenas tendem a maior presena da distino do trato rural-urbano bem como as demandas intermunicipais.

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    O tempo histrico de existncia dos municpios diferenciado e nem sem-pre atentamos para isso. Grande parte deles foi crescendo paulatinamente, e muitos se tornaram novos municpios pelos desdobramentos de outros municpios em pocas bem recentes, isto aps a CF-88.

    Ao longo da histria varia no s o contingente populacional como o nme-ro de municpios. de se lembrar que sob a capa da nominao municpios esto cidades, com sua dinmica, velocidade, aceleramento do tempo, entre muitas outras coisas. Algumas poucas cidades tm tempo de existncia con-vergente com os 500 anos da nossa nao, todavia, boa parte no chega a 50 anos de vida face luta pela emancipao de pedaos de antigas cidades como novos municpios. H, portanto, cidades brasileiras que esto viven-ciando nova forma de poder e de representao poltico-social que vem se identificando para um novo conjunto de habitantes.

    A realidade dos mais de 5.500 municpios brasileiros marcada por identi-dades territoriais bastante diferenciadas o que influi fortemente, na dinmica das suas relaes, na preponderncia maior ou menor de foras mais conser-vadoras. Nesse conjunto cabe distinguir a preponderncia da vida em meio rural ou no meio urbano. Claro que aqui as cidades iro se diferenciar pela densidade agrria, industrial, mercantil, financeira das foras polticas.

    preciso ter clareza que os municpios guardam grande diversidade no s em seu tamanho populacional quanto em sua histria e sua cultura em geral, e em especfico, no campo da assistncia social. A histria da institucionali-zao da assistncia social precisa estar presente para os trabalhadores dessa rea de cada ente federativo. Efetivar o sistema nico com base em direitos sociais implica em forte mudana cultural a ser impregnada no modo de entender a assistncia social como poltica, e no mais como prtica.

    Este um grande desafio para a instncias estaduais e federal de gesto, pois podem tender a fazer um amalgama plasmando diferenas em uma homoge-neidade que se pe mais alm do real.

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    UNIDADE, UNIFORMIDADE, HETEROGENEIDADE, COMANDO NICO: ELEMENTOS DE GESTO

    Construir unidade em face de tanta diversidade sem dvida, um grande desafio, e esses fatores precisam ser levados em conta quando se pretende construir um sistema nico nacional. Em outras palavras, ser nico no quer dizer ser uniforme ou desrespeitar a diversidade, embora cada parte dessa unidade deva conter os elementos que constroem a identidade comum.

    essa identidade que ganha centralidade na reflexo de um sistema nico e do consenso sobre o campo de resposta e os resultados especficos que esto em seus propsitos de alcanar enquanto uma forma de articulao de partes e de pares para o todo, de modo a efetivar as responsabilidades dessa poltica como efetivamente pblica. Entendemos que o compromisso com a efetivao de direitos parte essencial dessa identidade nacional.

    Um sistema nico, para alm de uma forma de articulao, significa um sistema de gesto que opera sob parmetros mutuamente reconhecidos. preciso entender que gesto no um conjunto de atos burocrticos, mas um processo estratgico e poltico, que pode adquirir variadas formas desde as autoritrias, em geral centralizadoras, s descentralizadas, nem sempre democrticas e participativas. Nesse sentido o movimento de um sistema nico, sobretudo entre pares, os entes federativos, tambm um processo poltico de reconhecimento de sujeitos e a expresso de suas ideias e con-cepes. Isto vale, no s para a relao entre os entes federativos, mas para cada ente em si mesmo, pois se est tratando de um complexo processo de gesto que possui diversos nveis desde a ao de trabalhadores de ponta, at os dirigentes maiores. Mas, sobretudo, um sistema que se instala na relao entre Estado, Sociedade, acrescida do Mercado, principalmente sob a relao internacional de globalizao econmica.

    preciso ter sempre presente que poltica pblica social significa obter acesso a uma ateno fora da relao de compra e venda, isto , da relao de mercado. essa condio de no ser desmercadorizada, isto , uma no

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    mercadoria, ou um acesso a um bem por compra e venda que d o sentido de pblico, diverso do privado. Com essa compreenso inadequado atribuir-se a nominao assistncia social de poltica pblica gratuita ou no lucrativa. Ao usar categorias do mbito privado, ainda que pela negativa, permanece o entendimento de que a assistncia social um campo necessariamente da alada privada e que no cabe seu trnsito para a esfera pblica.

    Outro desdobramento da dimenso pblico privado nas polticas sociais, est na aplicao de prticas de ativao junto a usurios de atenes da assistncia social, pela introduo compulsria de contrapartidas, at mes-mo, pela contratualizao do compromisso em tomar uma dada conduta, sob pena de lhe ser negado ou suspenso seu acesso. Neste caso, ocorre o revs. a gesto pblica que empurra a resolutividade para o indivduo e para o campo do privado. Desfaz-se o carter pblico da poltica na medida em que ela pas-sa a exigir determinado comportamento no campo privado para o cidado para que possa permanecer usurio da ateno pblica, h uma exigncia no mbito privado para obter a ateno pblica. A ao nessa configurao aproxima como fossem idnticas a ao de polcia com a ao da poltica.

    A previdncia social pblica tem particularidade diversa da assistncia social, seu financiamento na forma de seguro, recolhe contribuio mensal do em-pregado e do patro mas sua operao pblica. A assistncia social, e com ela outras polticas, ao operar com as Organizaoes no Governamentais (ONGs) em seus servios e aes, ainda que sob convnio, aplica o recurso financeiro pblico em uma organizao privada.

    equivocado reduzir o sentido de gesto a uma forma de organizar um sis-tema de tramitao de papis, enquadramento de procedimentos, exigncias de apresentao de documentos, comprovao de responsabilidade, como comprovar necessidade ou renda. Compreenso do processo de gesto res-trito a linguagem institucional isola o rgo estatal de suas relaes sociais, e termina por considerar que o sistema s um arranjo interno de um rgo ou entre rgos governamentais e no entre Estado e sociedade. Essa forma de entendimento caso seja atribuda a um sistema nico, parece considerar

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    que ele funciona como um processo que opera da porta para dentro e no, um processo relacional e societrio. Esse modo de leitura e operao pode resultar em equvoco, pois com ele ocorre um afastamento do fundamento e do objetivo do sistema nico que o de: consolidar direitos de cidadania, direitos esses que no se limitam a esfera de direitos individuais e polticos, mas revelam preocupao com os direitos fundamentais em toda sua mag-nitude, ou seja, se voltam para os direitos sociais (integrados pelos direitos socioassistenciais).

    Caso nosso olhar e ao estejam unilateralmente dirigidos e enraizados para o interior dos mecanismos do Estado, em que espao o cidado ser ouvido ou falar? Como consolidaremos os processos de controle social e de repre-sentao?

    A condio de existncia de um sistema nico no excludente da di-menso relacional da cidadania pelo contrrio, seu sentido deve ser o de afirm-la.

    Cidadania, enquanto condio de existncia do sujeito de direitos, tem fun-damento democrtico na liberdade de expresso, na autonomia dos sujeitos e na participao social. Por isso, incompatvel com o sentido de cidadania a designao de usurios desse sistema como destinatrios, isto , aquele que recebe algo, e no um cidado que tem direito a ter acesso a um bem ou servio. incompatvel ainda que no modelo de gesto adotado, no lhe seja garantido espao de escuta, de manifestao, de participao no processo de gesto da poltica alm de outras instncias recursais.

    A noo de direito no significa que o Estado esteja doando/concedendo algo para algum receber, mas sim, de que a ao do Estado est fazendo jus, justia, direito em face de suas responsabilidades socais com os cidados. completamente inadequada a substituio da nominao de cidados para a de carentes ou necessitados como se pertencesse a outra espcie. Tais deno-minaes, de cunho discriminatrio, so de trato individual, isto , partem do julgamento de um indivduo, ou de um grupo de indivduos e no do

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    reconhecimento da necessidade que estes cidados manifestam ou possuem. A poltica de assistncia social torna-se pblica, no por que realizada por um rgo pblico ou estatal, mas por reconhecer que superar uma dada necessidade do mbito do dever do Estado e no uma concesso de mrito eventual face a uma fragilidade de um indivduo. Temos aqui uma questo bastante complexa para a compreenso e significado da assistncia social como poltica pblica.

    Sua materializao no o necessitado, mas sim, a necessidade de prote-o social. Percebe-se que pelos usos e costumes a operao da poltica ficou impregnada da categorizao do necessitado, preocupando-se logo a sua entrada em saber: quanto ganha? qual a renda familiar? qual o per capita? Este ritual de relao monetria contraponto com a relao de proteo social. Pior ainda que confunde proteo social com capa-cidade de consumo.

    bastante diverso quando o da ateno se volta para a necessidade, ou para a demanda de proteo social, ou para objetivao da desproteo social vi-vida. Essa desproteo social como uma expresso da questo social no uma particularidade de um dado sujeito ou caractersticas de alguns sujeitos em sua particularidade, as determinantes sociais, polticas, econmicas da sociedade ultrapassam a conformao histrico temporal da condio indi-vidual. Ao entender que uma poltica pblica trata de necessidades sociais, individuais e coletivas, ainda que essas se manifestem concretamente em si-tuaes e pessoas, preciso que a gesto ganhe competncia e conhecimento na ateno, superao e at mesmo preveno dessas necessidades.

    Esse movimento, sem dvida, implica em um processo social que segu-ramente no descarta confrontos ou negociaes entre interesses confli-tantes que exigiro a defesa tica da dignidade humana. De outro modo, no se estaria tratando de uma poltica pblica e social, mas sim de aes sociais direcionadas a indivduos, por muitas vezes nominadas de operao enxuga gelo ou de aes-piloto ou, exemplares, que fogem ao compromisso com a totalidade da expresso da situao de desproteo

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    social em face da proteo social a ser assegurada como direito. H um carter preventivo no direito, assim como o h nas polticas pblicas. No se coloca a perspectiva do direito to s na ocorrncia de uma viola-o. A proteo social bsica, conforme se desdobra nas normas e dispo-sitivos, indica que a poltica de assistncia social deve atuar tambm, no sentido de evitar que o direito seja violado, esta noo est estampada na Constituio Federal como diretriz geral para todos os direitos (artigo 5, inciso XXX)1.

    No h nenhuma condio especial ou inerente assistncia social pe-rante as demais polticas que a distinga no sentido de assumir a condio de arbitro para com a outra poltica quando um direito no tenha sido cumprido ou tenha sido violado. Essa situao comum operao de todas as polticas sociais sobretudo. Os usurios perversamente iro reve-lar alguma situao de violao de direitos humanos e sociais.

    Alguns entendem que o exerccio da funo de defesa de direitos na assis-tncia social deve ser considerada sob o que se poderia chamar de leitura alargada. Sob essa leitura a assistncia social no teria direitos a se respon-sabilizar, mas exerceria to s, uma advocacia social em defesa de acesso aos direitos sociais a serem providos pelas demais polticas pblicas. Essa leitura desconsidera que a assistncia social possa assegurar direitos espe-cficos. Sob essa compreenso, ela nem seria propriamente uma poltica de direitos sociais, mas uma mediao ao acesso a direitos humanos e sociais. Nesse entendimento geraria tenses no acesso a direitos de outras polticas sociais, mas a assistncia social em si mesma, no teria propria-

    1 Tanto isto verdadeiro que a prpria Carta de 1988 se preocupa expressamente com o cidado ao declarar, como clusula ptrea, que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito (inciso XXXV, artigo 5), logo a ordem jurdica como um todo, inclusive no campo dos direitos sociais, no se ocupa (e preocupa) apenas com a leso a direito, mas tambm com sua ameaa, o que inclui claramente um conjunto de iniciativas de cunho preventivo. Alis, seria abso-lutamente desarrazoado que a ordem constitucional, voltada para regular a conduta humana em todos os seus nveis, deitasse interesse somente nas situaes de violao consumada a direitos e, parale-lamente, renegasse ao segundo plano os meios disponveis na sociedade e no Estado para evitar a violao a direitos dos cidados.

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    mente uma responsabilidade pblica, ou at mesmo, no seria propria-mente uma poltica, mas uma ao mediadora.2

    bom ter claro que no acesso a qualquer uma das polticas sociais, h sempre necessidades dos usurios a serem respondidas por outras polticas sociais ou econmicas. Isto se d na sade, na educao, na habitao. Esta no uma situao privativa dos usurios da assistncia social. A introduo de formas de gesto intersetoriais ainda se fazem necessrias de modo a aproximar linguagens institucionais e setoriais, abrir campo para a complementariedade de conhecimentos, para a lei-tura em comum da realidade dos que atuam em territrios de abrangn-cia similar, da operao complementar entre os servios das diferentes polticas e seus modos de operao.

    O carter pblico da poltica implica em isonomia, isto , que sejam reco-nhecidos como iguais todos os que tm similitude de uma dada necessidade.

    Embora o SUAS seja um sistema de gesto, bom ter claro que a gesto uma estratgia institucional para o alcance de um dado objetivo. Portanto a nfase no SUAS, um processo de gesto pblica interinstitucional, no significa, e no pode significar, separar fins e meios, mas sim uma forma de objetiv-los, caracteriz-los e articul-los, como partes de uma mesma realidade.

    O esforo analtico aqui empreendido visa exatamente desdobrar a concre-tude da poltica de assistncia social, tendo sempre presente que essa concre-tude uma construo que est a depender muito dos seus trabalhadores e gestores, bem como, do crescimento do processo democrtico de controle social no qual os usurios sejam fora central.

    2 Aassistnciasocialaoassegurardireitosespecficosaindivduosefamlias,quenotiveramacessoaosdireitoshumanosdeprimeira,segunda,terceiraequartageraesincorporanosadefesademanifestaesdeviolncia,comooabusosexual,aviolnciacontraasmulheres,comooconjuntodedireitos que expressam o respeito dignidade humana.

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    O incio do ano de 2012 conquistou uma nova realidade, a Lei 12.435/2011, reconhecida como a LOAS do SUAS que introduziu alteraes significativas na redao da lei e, que de fato, se constitui na referncia da gesto da pol-tica de assistncia social pelo sistema nico, o SUAS. Nesse sentido preciso que tudo o que se avanou desde 2005 (ano de aprovao da NOB-SUAS) na experincia de construo desse sistema nico realimente de fora o en-fretamento de desafios presentes e futuros.

    PERSPECTIVAS DESTE CADERNO

    A discusso deste caderno versa sobre uma das funes da poltica de assis-tncia social, a defesa de direitos. Espera-se que o dilogo que possa nascer do contedo deste Caderno se coloque o mais prximo possvel da realidade dos trabalhadores responsveis pela implementao do SUAS, apresentando no s conceitos, ou perspectivas, mas trazendo discusso questes presen-tes na efetivao do SUAS entre os entes federativos. Ser motivo de imensa completude se o dilogo posto neste texto possa vir a ser acessvel, em conte-do e forma, aos usurios da poltica de assistncia social.

    A perspectiva que este Caderno desenvolve parte da anlise da assistncia social como poltica de direito seguridade social e, como tal, deve garan-tir determinadas seguranas sociais. Estas seguranas sociais so entendidas como fonte de emanao da particularidade de direitos socioassistenciais no mbito da proteo social.

    Por se tratar essa discusso, de direitos no campo da proteo social, por vezes o enunciado de direitos socioassistenciais parecem revelar a afirmao de garantia, respeito e ateno que j deveriam estar sendo observados como trato social. Todavia as condutas que no raras vezes eles enunciam na sociedade brasileira ainda permanecem como opcio-nais, campo de vontade individual, ou de escolha pessoal e no, de uma obrigao, fruto do respeito dignidade do outro e do exerccio da res-ponsabilidade pblica.

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    Ao se propor particularizar uma reflexo sobre direitos socioassistenciais, se est bastante distante de uma forma de apartao social como alguns pode-ro contestar considerando que esse caminho significa separ-los do conjun-to dos direitos sociais como se fossem de outra natureza. O movimento desta particularizao, pelo contrrio, ao discutir direitos, na particularidade de socioassistenciais, tem a perspectiva estratgica de reforar e ampliar o siste-ma de garantia de direitos sociais e humanos com os quais dialoga e interage.

    Este texto se desenvolve em quatro movimentos. Parte do entendimento pelo qual a assistncia social foi instituda pela Carta Magna de 1988, como um dos direitos da seguridade social brasileira, e enquanto tal, lhe cabe respon-sabilidade por um conjunto de desprotees sociais advindas desde as fragili-dades inerentes ao ciclo de vida humano at aquelas socialmente construdas nas relaes sociais. Fragilidade essas que se constituem em desprotees ou demandas de proteo social que exigem a cobertura por seguranas sociais a serem providas pela assistncia social.

    Aps essa reflexo fundante este Caderno1, se ocupa da particularidade dos direitos socioassistenciais e da funo de defesa de direitos que compem o trip da poltica juntamente com a materializao da proteo social, tratada no Caderno 3 e a Vigilncia Social da qual se ocupa o Caderno2.

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    I ASSISTNCIA SOCIAL: POLTICA DE DIREITOS SEGURIDADE SOCIAL.

    Na sociedade em geral, na sociedade brasileira, nas reas de poltica social, entre cientistas polticos, politiclogos, economistas, socilogos, assistentes sociais, psiclogos, gestores, partidos polticos, igrejas, entre outros tantos segmentos ocorrem mltiplos modos de ver, entender, verbalizar o sentido poltico da poltica de assistncia social. Em geral, esses diversos modos de conceber a assistncia social no so compatveis com a perspectiva do que est na CF-88, na LOAS, at porque sua concepo como direito posta na Carta Constitucional de 1988 , como tantas outras reas um vir a ser, e no uma condio j instituda, pois era incompatvel com o estado de exceo que se vivia e de no direito.

    No Brasil ocorreu um descompasso entre as formas e o tempo histrico em que a assistncia social incorporou a agenda da ao estatal na Unio, nos Governos Estaduais e do Distrito Federal, e nas Prefeituras. Raramente essa incorporao o foi como poltica e quase sempre como uma ao social, com nomenclatura diferenciada, sem continuidade intensificada, principalmente em grandes cen-tros urbanos, ao longo de dcadas. Outra caracterstica a da lateralidade dessa incorporao, isto , essa ao social, por vezes nominada de Servio Social, se integrava a outra unidade da hierarquia municipal, a um conselho ou a um gru-po ligado esposa do governante. Como referncia ao tempo histrico demarca-se, pelos dados conhecidos, a presena da assistncia social na gesto estatal, ao ps Primeira Republica, ou ps anos 30, e mais particularmente no interior do perodo ditatorial do Estado Novo Varguista, aps a Primeira Guerra Mundial. Mas, mesmo nesse contexto aparentemente pblico e estatal, o espao de poder e direo na assistncia social foi ocupada sobretudo como campo de presena e resposta da Democracia Crist assentada nos compromissos da Encclica Rerum Novarum.

    A presena da assistncia social no aparato estatal , como a de outras po-lticas sociais uma construo do sculo XX, acompanhando o processo de

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    industrializao, as condies dos contratos de trabalho, a legislao regula-dora, a formao do operariado, ou seja, as particulares manifestaes das ex-presses da questo social no Brasil. A Previdncia Social reconhecida como primeira poltica social no pas data de 1923. Algumas formas anteriores legislao foram introduzidas por empresrios, como concesso aos prprios trabalhadores, isto , anteciparam a legislao na aplicao, por exemplo, do direito ao auxilio doena, todavia em carter pontual, isto , no extensvel a todos os trabalhadores.

    O primeiro rgo federal componente da gesto estatal direta foi a Secretaria de Assistncia Social instituda em 1974, durante a ditadura militar, no Mi-nistrio da Previdncia e Assistncia Social. Todavia esse rgo no chegava a operar uma vez que a Fundao LBA, instalada em 1942, era quem aambar-cava os recursos para as aes sociais do governo federal. At a Constituio Federal de 1988, mais especificamente, at a promulgao da Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS) em 1993, que estabeleceu e regulou a primeira organizao estatal da assistncia social nos rgos federativos, nem todos os entes incluam a assistncia social em sua organizao administrativa ou no a incluam como campo de poltica social mas de atividades e aes.3

    Em face desse histrico de institucionalizao no s diversificado, como tendente a expressar o convvio aquecido com o pensamento conservador, moralizador de prticas de ajuda pontuais e emergenciais, foi atribuda assistncia social uma identidade que a conforma no campo da tutela, do conformismo, do no direito.

    O vir a ser, apontado nos textos legais da Ps CF-88 termina por sofrer uma lentido e um rebaixamento no s face ao conjunto das experincias reais, de predomnio conservador, mas pela lentido em que ocorreram as medidas ps

    3 bom lembrarqueessamudanademarcadapelaCartade1988paraaassistnciasocialno foiincorporada com solidez similar pelos gestores municipais, do DF ou estaduais. Uma passada de olhar sobre o contedo das constituies estaduais nesse campo mostra a incrvel diversidade em que suas interpretaestrafegammesmonoambientedagestopblica.

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    88 que deveriam dar forma e aplicabilidade ao texto constitucional. Movimen-tos de luta em torno da assistncia social como direito, de fato s ganharam visibilidade ps CF-88 e partiram mais acentuadamente de grupos sindicais, corporativos e no amplamente da populao. Para alguns movimentos mais combativos o horizonte /seria o de extino da assistncia social e no, sua afirmao como direito social.

    O retardo na regulao do disposto constitucional para essa rea como cam-po da seguridade social fez perdurar no ps CF-88 as velhas experincias que mostravam o real bem distante da nova possibilidade legal. A leitura de um difcil processo em construo no chegou a provocar a necessria unidade de luta. Construir direitos luta histrica e sabemos que mesmo que eles es-tejam inscritos em lei isto no significa de imediato, uma alterao no modo de entender e produzir as aes.

    Muito dessas interpretaes sobre a assistncia social tem a ver com as alte-raes que a direo da proteo social vem assumindo em contexto global, ou mais especificamente atravs das agncias internacionais. A Poltica Na-cional de Assistncia Social PNAS/2004, interpreta a CF-88 e a LOAS/93 conferindo ao campo da assistncia social a caracterstica de uma ampliao do escopo da proteo social dos brasileiros, ampliao de alcance do direito de cidadania, superando a leitura da proteo social adstrita to somente ao campo da legislao do trabalho. Considera ainda, que essa ampliao delimitada a algumas seguranas sociais no mbito da poltica de assistncia social uma vez que o processo de proteo social mais amplo do que uma s poltica social. Interpreta, que a poltica se organiza em unidade nacional na forma de sistema que deve assegurar direitos atravs de proteo social bsica e especial.

    Analistas nacionais e internacionais, em face da crise econmica de 2008, vm insistindo na permanncia, e por vezes extenso, da proteo social e no em sua restrio como forma de enfrentamento da crise econmica do capital, com menores impacto sociais, como o aumento da misria e da pobreza. Mas de forma paradoxal a essa compreenso em muitos pases vem

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    adotando propostas restritivas que retiram o carter universal da proteo social e da seguridade social e os delimitam a grupos focalizados e em padres considerados mnimos de proteo.

    A concepo vigente para a assistncia social no Brasil, firmada pela PNAS/2004, no corresponde plenamente ao proposto na atualidade pelas agncias internacionais financiadoras. Ela mais abrangente do que essas agncias tm propugnado, para a nova conjuntura econmica dos pases sob crise do capital. Na prtica vm adotando polticas restritivas aos direitos de proteo social j adquiridos.

    Essas agncias tambm vm direcionando sua ao ao combate pobreza, principalmente pela alternativa de programas condicionados de transferncia de renda e no propriamente a uma extenso de servios de proteo social. H uma tendncia mundial em favorecer a aplicao de recursos financeiros nesse escopo de ao, embora sem a chancela de um direito social.

    A forte presena de programas sociais de combate pobreza, imprime lugar secundrio ao financiamento internacional de polticas sociais de direitos socioassistenciais. Esta priorizao refora a concepo daqueles que consi-deram que a assistncia social no campo de direitos ou de poltica pblica, mas s de ajuda humanitria.

    Um grupo de crticos aponta que a assistncia social uma ao governamen-tal que interdita, e no, um campo que constri direitos sociais, isto , ela seria estigmatizadora, subalternizadora, e se reduz a prestar atenes focalizadas a grupos de miserveis de forma subalternizadora. Com isto ela provocaria a quebra da universalidade das polticas sociais nominando esse processo de assistencializao das polticas sociais.

    Outros crticos, que no aceitam a assistncia social como poltica pblica de direitos sociais consideram que a difuso da poltica de assistncia social provoca uma reiterao do messianismo, na medida em que, de forma ufa-nista, seus trabalhadores ou gestores a entendem de forma acrtica como

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    uma poltica salvadora, isto , com capacidade em dar resposta a todas as necessidades e males sociais.

    Para alm dessas consideraes alguns ainda asseguram que a assistncia social uma poltica de desmanche de polticas universais e no, uma poltica que agrega novos direitos a seguridade social tornando seu alcance mais universal.

    Em face desse conjunto de crticas, refletir sobre direitos socioassistenciais fica com um aroma de uma questo de f ou religiosidade, e no, uma questo com base cientfica de deciso poltica e scio jurdica. Antes de qualquer coisa, bom lem-brar que no se est tratando de profecias, mas de um dispositivo que, votado, estabeleceu na Constituio Brasileira um modelo de proteo social aos brasileiros que inclui a assistncia social como um direito de seguridade social reclamvel ju-ridicamente e traduzvel em proteo social no contributiva devida ao cidado.

    Mas h que se pr em debate uma questo de fundo: ser que a cultura dos brasileiros, dos gestores, dos agentes ou dos trabalhadores nessa poltica, das organizaes sociais que nela se envolvem, incorpora e produz sua ao na perspectiva de convalidar os direitos de cidadania de quem atende, os ci-dados usurios? Ser que tratam e consideram os usurios dos servios ou dos benefcios sociais como sujeitos de direitos, como cidados, fazem valer o que pensam, o que pleiteiam, incluem nas responsabilidades do Estado a cobertura de suas necessidades na condio de direito?

    A assistncia social herdou a prtica secular da ajuda ao prximo transitvel entre o campo religioso e o secular. Com isto apresenta resqucios da natura-lizao de um valor religioso pelo qual qualquer ajuda ao outro um bem em si. Com isto, a ao da poltica pblica ou da responsabilidade institucional de um rgo estatal fica equivocadamente identificada como exerccio de amor, de caridade, de doao, do no egosmo humano ou da solidariedade. E ainda, no se exige dela um padro de qualidade da ateno como deter-mina a lei, opera-se muitas vezes como se a presena em si, j fosse a resposta adequada, posto que tratada como se fosse uma ajuda descomprometida com a resolutividade, ou o direito socioassistencial.

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    Trazer essa discusso para o campo da poltica social tem outro significado, pois implica em instituir um bem pblico, algo para todos os que o deman-dam. A ateno provem da condio de igualdade, de cidadania, do direito a ter direitos. Na ao de benemerncia o que est em relevncia a boa conduta moral e individual de um homem ou uma mulher que ao prestar um auxlio, ao realizar uma ao social considerado aos olhos dos outros, algum de bem, por praticar benemerncia. Este modo de pensar e agir nada tem a ver com direitos e, por consequncia, com poltica pblica.

    Do ponto de vista do direito de cidadania qualquer ajuda no um bem em si. Pelo contrrio, pode ser a negao do outro como sujeito, como ser de di-reitos, de ideias, de propostas, de iniciativas, de protagonismo. Um cidado de direito se relaciona com seus pares e diz o que quer de si, para si, para sua famlia, para seus relacionados e para a sociedade a que pertence.

    A ajuda pode ser um meio de seduzir o outro a ficar subordinado, sentir-se fraco, dependente de um favor e agradecido, tendo um dbito a saldar com o doador ou com a sociedade qui divina ou poltica enquanto protagoni-za o processo de ajuda. A noo de ajuda no fundada na igualdade e, sim, na diferena, em geral de classe, um tem o que o outro no tem e com isto pode facilmente tornar-se prepotncia e sujeio.

    A noo de direito tem por base a igualdade e a equidade. Estas duas dimen-ses mudam completamente a natureza de uma relao estabelecida em um servio ou ateno de proteo social como campo de direito. A igualdade, de um lado, se prope a tratar a todos do mesmo modo ela que inspira a concepo de universalizao. Esta noo quase inexistente na produo de proteo na assistncia social. Via de regra a orientao que precedia suas aes era de atender a quem chegasse, isto uma poltica de atendimento e no, de cobertura de demandas. H aqui enorme dificuldade dos agente da poltica terem o domnio da intensidade e da localizao da demanda. A equidade por outro lado, um campo profcuo na assistncia social pois ela se ocupa da diversidade, trata-se do respeito a diferena e no s da igualda-de. A preocupao com idosos, jovens, mulheres, populao em situao de

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    rua, enfim uma srie de situaes, no particularizadas necessariamente, por outras polticas, ganham centralidade na assistncia social.

    No caso da seguridade social e da assistncia social, que de acordo com a CF-88 uma das polticas que a compem, o campo de responsabilidades estatal est dirigido ao direito proteo social fundado na cidadania, e no como paralelo ao direito trabalhista.

    Em sociedades de mercado4 como a nossa h quase uma identidade de percep-o na avaliao de indivduos entre manifestao de fraqueza ou de ser frgil e de no ter capacidade de consumir. Isto , ter dinheiro no bolso para comprar smbolo de fora ou ao contrrio de fraqueza. Troca-se a noo de direito em ter acesso, pela noo de ter renda para consumir ou de ter capacidade de compra. Essa viso, baseada em tornar tudo uma mercadoria, nominada mercadorizao (tudo se deve comprar e vender) considera que o mercado o grande agente que regula as condies de vida e de viver.

    Quem partilha da defesa de polticas sociais pblicas, defende a legislao pblica na assistncia social, considera que o Estado deve prover, executar, financiar e manter o acesso a um conjunto de servios sociais, que supram necessidades comuns a um conjunto da populao.

    Todavia, essa ideia/perspectiva social do Estado em financiar e desenvolver a proteo social no contributiva no to simples e sofre severos ataques. A cultura da permanncia da concesso para terceiros da operao dessas aes persiste em vrios segmentos rejeitando que ela seja assumida como responsa-bilidade pblica. Considera esse entendimento uma forma de estatizao e no de fazer valer o dever de Estado e o direito do cidado.

    4 bomqueseesclareaqueousodarefernciasociedadedemercado,noseestpondoalargoo carter intrinsecamente capitalista dessa sociedade pautado no lucro, acumulao, desigualdade, mercadorizao, que reproduzem as desigualdades sociais e obstaculizam a redistribuio da riqueza social coletivamente produzida.

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    Nesse modo de ver e agir o Estado no assume plenamente as atenes so-ciais, somente passa meios, em geral insuficientes, para organizaes sociais operarem como se fosse da iniciativa da sociedade e no do Estado garantir tal ateno. O trnsito pela esfera pblica fica invisvel aos olhos da socieda-de, pois tramita pelo circuito jurdico-contbil, infelizmente ao gosto e cos-tumes de alguns; no ocorre o transito do servio, do contrato, do convnio pela esfera pblica, de forma publicizada. Como deciso que se ocupa do interesse de uma ou outra organizao no chega a se constituir direito aos olhos do Estado. A ateno tanto pode existir como no existir, pode atender um, e no atender a outro, ou outra. No h responsabilidades ou obrigaes claras com todos/as.

    Os agentes institucionais, de certo modo, se acostumaram a no enxergar a to-talidade das atenes prestadas uma vez que predomina o trabalho social caso a caso, grupo a grupo, entidade a entidade, sem compromisso de direito com todos os cidados em igual situao. O trabalho social no precedido de uma anlise da demanda de uma dada necessidade ou proteo social existente na populao de um territrio, ou de uma cidade, estado ou Unio.

    Construir a perspectiva de direitos supe conhecer, identificar a totalidade da demanda e identificar o quanto dela est sendo atendida e em que padres. Eis aqui um servio da funo vigilncia social que inclusive deve subsidiar o planejamento da gesto. Cabe lembrar que o Caderno 3 trata, a fundo, as questes referentes a Vigilncia Social, uma das funes da poltica de assis-tncia social.

    Todas as polticas sociais tm que prover atenes ao cidado. Ocorre que face desigualdade social instalada entre os brasileiros, esta proviso deve ocorrer a partir das condies concretas diferenciadas e desiguais dos cida-dos e no do que seria suposto como adequado a que ele devesse dispor. Cobrar das polticas sociais a ateno a todos os cidados significa que cada uma delas inclua as condies reais de vida dos brasileiros independente da precariedade em que estejam vivendo.

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    Ocorre, no raras vezes, uma lgica ilgica de gesto que toma a assistncia social como um lcus onde diferentes polticas sociais buscam a supresso das privaes causadas pela desigualdade social. Essa identidade difusa fez da assistncia social o lugar da fralda (infantil ou geritrica), do remdio, da pr-tese, da cadeira de rodas, da dentadura, dos culos, do documento, do trans-porte, do alimento, do teto emprestado, do contra turno escolar, enfim de um sem nmero de coberturas pontuais, no equacionadas pelas polticas de sade, educao, habitao, transporte entre tantas outras.5

    No momento em que a assistncia social torna-se poltica pblica, preci-so que sua identidade social seja construda a partir de compromissos com resultados e direitos que vo muito alm de um elemento processante das outras polticas ao se darem face a face com as desigualdades sociais que mar-cam a vida dos usurios de seus servios. No cabe a ela remdio de sade, uniformes de escola, etc. Cada poltica social deve dar conta das pr-condi-es efetivas para sua realizao.

    Alguns analistas sociais, como j assinalados anteriormente, consideram que a poltica de assistncia social deve ser defensora de alguns interesses e no de direitos. Nesse sentido ela consistiria em uma advocacia social ou defen-soria social contestando o processo de incluso dos cidados nas polticas universais. Sabemos que a incluso nos direitos ou o acesso justia um dos programas do Judicirio, sabemos tambm, que a assistncia social deve ser responsvel por direitos socioassistenciais e no s, apontar o direito a ser alcanado em outras polticas sociais.

    H aqui, alguns sinais trocados. So as polticas consideradas universais que no chegam a toda populao, principalmente quela parcela que vive em

    5 Parece por vezes que, embora o acesso sade seja direito universal, o insumo necessrio sua manuteno fica subordinado condio financeira de ser consumidor nomercadodosprodutosnecessrios ao cuidados de sade. Caso o demandatrio no disponha de tal poder aquisitivo a sade para ele, justamente, deixa de ser universal e sua necessidade se transmuta, passa a ser uma questo dedisporderendasuficienteparatratar-se,epelailogicidadedonotratouniversalencaminhadoassistncia social.

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    condio mais espoliada. So os protocolos dessas polticas que no incluem o conjunto de necessidades, de cuidados e meios, que a populao, sem po-der de consumo no mercado, necessita. Faltam vagas, faltam remdios, ter acesso a uma consulta mdica especializada, um exame laboratorial, uma cirurgia pode significar meses de espera.

    No a assistncia social que precariza as polticas sociais ao estimular que a populao frequente a oferta de servios socioassistenciais. Universalidade significa incluir todo o brasileiro independentemente da situao em que esteja. Trata-se aqui, de criar efetivos mecanismos de vigilncia e mediao da presena/ausncia de recursos com que conta a populao atendida e no, simplesmente, de saber de sua renda.

    Para alguns, se a polticas bsica universal passar a incluir em sua ateno: alimentao, material escolar, prteses, fraldas, entre outros meios para rea-lizar por completo sua ateno, essa ao redundaria em assistencializar essa poltica social. Perceba-se que nessa afirmao est contida a ideia de que a assistncia social no uma poltica bsica. Alis esta uma questo que advm do prprio Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) quando afir-ma, no seu art. n 87, que a assistncia social opera por polticas, no plural, e programas, em carter supletivo queles que deles necessitem. Ocorre aqui um paradoxo. Muitos dos servios para crianas, adolescentes e jovens so do mbito da gesto da poltica de assistncia social. Abrigos, aplicao de medidas socioeducativas em meio aberto so exemplos desses servios. Por-tanto do ponto de vista da proteo integral da criana e do adolescente no compatvel enquadr-la em um campo supletivo, reduzindo o patamar de direitos sociais que esses servios devem afianar.

    Essa noo de poltica complementar atribuda pelo ECA no reconhece as protees que a assistncia social deve afianar como direito social. Claro que se deve considerar que o ECA ao ser promulgado no contava ainda, com a presena da LOAS, da Poltica Nacional de Assistncia Social ou e da NOB- SUAS. Estas foram formuladas e aprovadas posteriormente. Todavia, aqueles que leem o ECA sem essa noo histrica, ou de forma dogmtica atribuem

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    o lugar a assistncia social que a isola do contexto legal de poltica relativa ao direito de seguridade social ou de proteo social.

    A assistncia social poderia estimular pactos intersetoriais, desde a Unio para que fosse dado incio a uma nova forma de relao, baseada na com-plementariedade entre as atenes dos diferentes servios sociais pblicos bsicos que operam em uma mesma regio ou bairro, para que inclua em suas respostas a completude da ateno.

    preciso ter claro que h que se travar uma luta pela compreenso contnua quanto a responsabilidade pelos direitos socioassistenciais. No basta a ex-presso do texto legal; preciso criar protocolos, padres, equipamentos para que o direito transite de expresso de papel para acesso de fato. A forma com que a poltica operada nos rgos pblicos que far com que ganhe, na sociedade, o estatuto de direito social.

    H uma dificuldade em objetivar a distino entre uma ao humanitria entre pessoas, servidores, entidades sociais e o compromisso com os direitos sociais e humanos a serem afianados.

    Afinal a assistncia social tem direitos prprios ou quem os promove so s as demais polticas sociais? Como poltica de direitos, a assistncia social deve produzir resultados como condio de direitos para alm de se relacionar com outras polticas pblicas. Seu propsito o de manter relaes intersetoriais e nestas mostrar e exigir a incluso de algum nas demais polticas ou lhe cabe construir acessos aos usurios para efetivar suas seguranas sociais? A assistncia social opera como advocacia social ou tem, de fato, direitos afetos a seu campo de ao? S algumas polticas sociais, que pela tradio so consideradas bsicas, tipo sade e educao, que so polticas de direito e cidadania? Esse modo de ver exclui a assis-tncia social dessa condio?

    H um lugar de tenso entre essas afirmaes essa tenso que precisa ganhar luz, clareza, debate. Sintetiza se em uma pergunta: O que a assistncia social

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    faz, ou tem compromisso em garantir como direito, que a especifica como rea de ao governamental? Afinal, sade, educao, habitao tambm constroem atenes, por que elas no se confundem com caridade ou com intersetoriali-dade? Porque a assistncia social to referida intersetorialidade? Ela no tem nenhuma finalidade prpria a qual deve dar resolutividade e ser garantida como direito? Sua resolutividade o encaminhamento? disso de que ela se ocupa?

    De fato a assistncia social traz esfera pblica um conjunto de necessidades cuja ateno sob responsabilidade pblica ainda negada a fraes da popula-o fraes estas, onde preponderam os cidados vinculados s classes popu-lares, marcados pelo trato subalterno e pela expropriao - que no tem sido considerada como cidados, isto , com direito a ter direitos.

    Ateno! A assistncia social no ter condies de realizar essa constatao das privaes, se de fato, no desenvolver a funo de vigilncia social. A resolutividade de todas essas privaes no campo isolado e nico da assistncia social. O propsito de tensionar as demais polticas superao dessas privaes no significa ser este o objeto ou objetivo exclusivo e nico da poltica de assistncia social.

    A . DIREITOS SOCIOASSISTENCIAIS E A AFIRMAO DA POLTICA DE ASSISTNCIA SOCIAL NOS ENTES FEDERATIVOS.

    O fato da CF-88 ter instalado a concepo da assistncia social como dever de Estado e direito do cidado seguridade social, no significa que todas as Constituies dos 26 Estados brasileiros, a do Distrito federal e as Leis Or-gnicas dos Municpios tenham reconhecido, em sua redao, a assistncia social como direito social.

    Os direitos humanos so inspiradores de interpretaes do que devem ser os direitos socioassistenciais para efetivar cada uma das seguranas sociais. Caso no se explicitem os contedos dessas seguranas, em suas expresses at mes-mo cotidianas, de modo a permitir antever a qualidade esperada na ateno a

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    ser prestada, vamos permanecer sem referncias ou padres sendo subordina-dos s interpretaes subjetivas deste ou daquele dirigente.

    Um primeiro resultado para afirmao unitria do SUAS o de desenvolver um esforo para inscreve-lo nas leis maiores dos entes federativos. Todas as leis maiores de cada um dos nossos 5593 entes federativos (exceo da Unio que j o fez) precisam afianar a unidade legal de concepo da poltica de assistncia social. No dispomos ainda de um levantamento de como a poltica de assistncia social se configura em cada Lei Orgnica Mu-nicipal, em cada Constituio Estadual ou do Distrito Federal. esta uma tarefa urgente em ser empreendida!

    Qualquer direito precisa ser inscrito em lei e isto comea com o reconhecimen-to da poltica de assistncia social como direito de cidadania na lei que rege o ente federativo. Assim cada Cmara Legislativa, cada Assembleia Legislativa e cada gestor deveriam resgatar a leitura do modo como a assistncia social aparece em sua legislao maior e o quanto do que ali est escrito est prximo ou distante na nova LOAS, alterada pela Lei 12.435/2011. H aqui uma demanda que o legislativo de cada cidade e de cada Estado da federao ainda tm a cumprir.

    B. CAMPO DE RESPONSABILIDADE DA ASSISTNCIA SOCIAL NA SEGURIDADE SOCIAL

    A configurao da assistncia social como poltica pblica lhe atribui um campo especifico de ao, no caso, a proteo social no contributiva como direito de cidadania e no mbito da seguridade social. Esta leitura ainda, um processo em construo do ponto de vista do SUAS, dos trabalhadores, da sociedade, da academia. Inclui inmeros desafios desde a produo de conhecimentos tericos e tcnico-operativos at a avalio dos resultados e impactos que produz. Tudo isso para alm do seguro social contributivo que pertence previdncia social e diz respeito aos direitos do trabalhador em regime celetista como auxilio doena, regime de aposentadorias, penses, seguro-desemprego, salrio famlia.

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    na definio sobre quais protees sociais devem ser garantidas pela assistncia social que se fundamentam os direitos socioassistenciais. O al-cance dessas protees um debate que se coloca dentro e fora do ambiente da assistncia social.

    Uma das confuses aquela que superdimensiona, ou potenca, a capaci-dade da poltica de assistncia social como se ela fosse identificada com a proteo social, em si mesma. Entender a assistncia social no mbito da seguridade social e no campo da proteo social no a torna a nica a ter ao nesse campo. H aqui uma confuso entre o poder de uma poltica e o seu campo especfico de ao. Essa distino fundamental ao se tratar de di-reitos socioassistenciais. Estes devem ser especficos, responder por algumas das desprotees no campo da proteo social, e garantir acesso a algumas seguranas sociais.

    um equvoco colocar a assistncia social como responsvel pelos direitos sociais. Ainda que ela particularize o trabalho social com famlias, e sua fun-o protetiva para com seus membros, no conjunto das polticas sociais preciso ter presente que cada poltica social efetiva um conjunto de direitos; ao no realiz-los cabe a outras instncias de defesa de direitos humanos e sociais interpelar o no cumprimento de suas responsabilidades e no, po-ltica de assistncia social. Isto no significa conformismo, mas significa que a assistncia social no pode abrir mo de efetivar as seguranas sociais que esto sob sua responsabilidade, das seguranas sociais que deve afianar face s desprotees sociais.

    Com certeza no raro acontecer que a ateno a essas desprotees termina por demandar o concurso de servios de outras polticas sociais. Nessa direo a que se pensar e propor a realizao de pactos interinstitucionais, desde a esfera local at a nacional. Os operadores dessa poltica devem ter clara definio de suas possibilidades mas tambm de seus limites, como qualquer outra poltica pblica; ao mesmo tempo, ao reconhecer que esta concepo de assistncia social est em disputa na sociedade colaborar no seu mbito para o alcance de objetivos comuns a vrias polticas, na perspectiva da luta por um projeto hegemnico.

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    So as garantias prprias da assistncia social que precisamos ter claro no de-sempenho dessa poltica. Por vezes, o padro de precariedade da vida das fa-mlias e das pessoas to grave, que provoca o sentimento de isolamento ou pequenez do que a assistncia social possa responder, diante do conjunto de ausncias de atenes sociais da populao. Tambm ocorre o oposto, super-dimensionar suas possiblidades de poltica setorial, atribuindo-lhe tarefas que no lhe cabem. Isto sem dvida nos faz transitar no mbito especifico das po-lticas de seguridade social e destas para outras polticas sociais.

    Embora a seguridade social se encontre no captulo II do Ttulo VII Da ordem Social da CF-88 a correta percepo a de que todos os oito captulos da Ordem Social e mesmo o Ttulo II da CF-88 a Dos Direitos e Garantias Fundamentais, esto sendo descumpridos. No caso, estamos face a face com uma situao de excluso do conjunto de garantias que todos os brasileiros deveriam ter.6

    Com certeza esta uma situao de indignao para a qual temos que cons-truir estratgias coletivas de enfrentamento que chegam a ultrapassar os limi-tes da ao institucional do rgo gestor.

    Aprofundar essas complexas discusses exige resgatar alguns pontos polmicos:

    a. Assistncia Social e Servio Social so duas construes histricas diversas, embora alguns unifiquem uma e outro pela presena do profissional assistente social e por, equivocadamente, considerar que ambos nascem da filantropia, da prestao de ajuda aos frgeis, caren-tes e pobres. Embora ambos tenham regncia pela justia social no faz qualquer sentido igualar uma rea de formao de conhecimentos profissionais com um campo de poltica social. Com certeza o projeto tico poltico profissional do Servio Social influencia o trabalhador de

    6 Aviolaodosdireitosegarantiasfundamentaisexpressoclaradeviolnciaumdoselementosque produz a necessidade de garantia dos direitos socioassistenciais pela Assistncia Social.

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    uma poltica pblica, mas profisso e poltica pblica so construes de natureza diversa e no subordinadas. O mbito da poltica abrange profissionais de mltiplas formaes e o processo de uma poltica e de sua gesto no significa que se est operando o Servio Social, e sim, o trabalho profissional via de regra em equipe, para atingir as seguranas sociais. Sem dvida, muitos assistentes sociais trabalham nessa polti-ca e so profissionais preparados para desenvolver muitas das atenes que a eles cabem. Ainda mais que inegvel ser a assistncia social, historicamente, a principal mediao profissional do servio social, bem como a identificao do assistente social como profissional de referncia desta rea, dada a contribuio histrica de profissionais e organizaes do servio social sua construo como poltica de di-reito no campo da seguridade social, tal qual est definida na CF-88. Da sua grande responsabilidade terica, tica e poltica com os rumos e a direo social do trabalho coletivo e interdisciplinar no mbito do SUAS, cuja colaborao e construo deve estar em consonncia com as diretrizes e compromissos do projeto tico-poltico profissional do Servio Social.

    b. A poltica de assistncia social no uma particularidade brasileira. Enquanto poltica social est presente em vrios outros pases, todavia nosso modo de articulao da assistncia social no mbito da seguridade social, ao lado da previdncia social e da sade, organizada atravs de um sistema nico que define responsabilidades desde o nvel local at o nacional parece ser original. Os modelos europeus desde os escandi-navos, Europa central ou do sul, em sua concepo primeira a partir do modelo fordista de trabalho e pleno emprego, configuraram um lugar supletivo a assistncia social. Cada um dos pesquisadores parte de pontos diversos, alguns comparam a assistncia social no mbito dos modelos do welfare state, outros com regimes de pobreza, outros com o alcance dos seguros sociais. Para LEISERING7 a agenda da assistncia

    7 Tratam-sedos trabalhosdeLeiseringeLeibfriedsobo ttulo:TimeandPoverty inWesternWelfareStates,da.CambridgeUniversityPress(1999)eosegundodeLeiseringsobottuloTheDynamicsofModernSociety,TheLondon:Routledge,1999,quepodemseralcanadosem:INWERHLE,B,-From

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    social tende a entrar cada vez mais na agenda global por decorrncia da ampliao dos direitos sociais, mas tambm, por conta da presso das agncias internacionais quanto temtica da pobreza. H a leitura de que essa entrada da assistncia social na agenda global venha tensionada em duas direes quase opostas. Uma pela perspectiva de um horizon-te amplo, enquanto efetivao de direitos de cidadania e outra, numa perspectiva restrita, como estratgia de alivio das situaes mais graves de misria e pobreza, aplicando a focalizao e os testes de meios.

    De fato h na discusso internacional dois movimentos relativos proteo social no contributiva que se aceleram em funo da crise fi-nanceira europeia, um com centralidade na Organizao Internacional do Trabalho (OIT), coordenado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachellet, nominado de piso bsico de proteo social que tende, ao mesmo tempo, a estender a proteo social, todavia reduzindo-a a nveis precrios e focalizados no apresentando os procedimentos e garantias da passagem par o segundo nvel de proteo social como alude8. Um dos ltimos documentos do Banco Mundial nominado: Estratgias de Proteo Social e Trabalho-2012 (SPL) destaca a: Resilincia, Equidade e Oportunidade, e se prope a ajudar os pases a abandonar enfoques fragmentados em favor de sistemas mais coerentes de proteo social e trabalho, contribuindo para mais sensveis, produtivos e includentes que se tornem. A CEPAL apresentou em 2011 a alternativa de proteo social inclusiva em que considera como provedores de proteo social: o Estado, as Famlias, o Mercado e as organizaes sociais e comunit-rias. Embora quase todas essas alternativas vinculem proteo social a novas formas de trabalho(precrio) algumas acentuam a necessidade da proteo social ser garantia cidad de acesso a um conjunto de atenes sociais. As concluses da CEPAL procuram maior aproximao com

    welfaretoworkfare:amodernizaodahegemoniacapitalista.AnlisedaAssistnciaSocialnaSua.Dissertao de mestrado. Programa de Estudos Ps- Graduados em Servio Social da PUCSP.2011

    8 Estegrupofoiconstitudoemagostode2010pelaOITemcolaboraocomaOMSeaindaaFAO,oFMI,comissesdaONUcomoUNESCO,PNUD,ONUHABITATeBancoMundial.http://www.social-securityextension.Org/gini/gess//showtheme.do?tid=1321

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    a situao da Amrica Latina. Como se percebe trata-se de agncias internacionais que levantam alternativas para operar a proteo social de modo globalizado, isto , em todas as naes de traos similares. Mas tem ainda agncias como o BM que condicionam o acesso a seus emprstimos a efetiva aplicao pelo pais auxiliado, em adotar suas con-cepes de poltica social.

    c. A presena da assistncia social nos pases latino americanos bas-tante diferenciada, assim como o a densidade de presena das po-lticas sociais para os habitantes de cada pas. Pases como o Uruguai que j significou uma das maiores coberturas em educao, sade, previdncia, vem reconstruindo suas possibilidades e hoje, tem uma das menores taxas de analfabetismo, mortalidade infantil, pobreza, quase a semelhana da Costa Rica. A terminologia assistncia social no comum dentre os pases latino-americanos, sendo mais uti-lizadas nomenclaturas de desenvolvimento social, alcance-cidado, seguridade cidad entre outras. H um predomnio de programas de transferncia de renda com grande influncia dos modelos desenvol-vidos no Mxico e no Chile.

    d. H muita diferena entre considerar a assistncia social uma prtica e uma poltica pblica. Na condio de prtica ela pode ter mltiplas expresses, ser realizada em direes e abrangncias diferentes, desen-volver experincias, fazer uma ou outra ateno, ser mais ou menos profissional. Mas, como poltica pblica h uma mudana substantiva em sua responsabilidade, pois qualquer ateno prestada no se refere ao escopo de um indivduo, ou uma famlia mas deve ter presente que sua responsabilidade exige que se organize para que a ela tenham acesso todos aqueles que esto na mesma situao. Portanto, para desencadear um servio ou um benefcio preciso ter claro quantos so, onde esto os que demandam tal tipo de ateno. A isonomia uma caracterstica fundamental a ser impregnada na ao da poltica pblica, e s ela que constri o sentido de garantia de ateno e do direito ao acesso. Nesse sentido, a poltica pblica no se limita a uma pessoa mas sempre, a um coletivo, isto aos cidados que no esto includos em polticas que se propem a ser universais. Portanto te-

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    mos aqui trs categorias que se somam: a poltica de direitos pblica, coletiva e social.

    e. A cultura brasileira no campo da assistncia social foi quase sempre in-dividualista, pessoa a pessoa, caso a caso. Mais do que isso, sua histria marcada mais pela defesa da honra do doador, ou de quem a pratica, do que do direito de quem a recebe. quase sempre reconhecida como ato de entrega de um bem, em dinheiro ou em objeto, a algum que se mostra sem condies de obt-lo por seus prprios meios isto , ter capacidade de consumo para compra no mercado lucrativo. A subalternizao, o estigma, o sentimento de ter que ser ajudado e submetido a algum se reproduz tornando esse campo como o da ma-nifestao do assistencialismo em contraponto ao direito. Quem rece-be em geral, submetido a provas em vrios sentidos, pois aqueles que partilham de uma viso liberal e ou conservadora, tm muita desconfiana quanto efetiva necessidade daquele que demanda a ateno da assistncia social, e no raras vezes, atribuem necessidade mais a uma atitude de vadiagem ou de pouco trabalho do requerente. O grande pecado a efetiva incapacidade de compra, uma vez que a virtude, reside na lucratividade e no na necessidade. A associao entre disciplinar pessoas, ao mesmo tempo em que lhe oferece algo, extremamente frequente, vem de sculos, at por que o condiciona-mento aplicado como forma de educao. H sempre uma troca em questo, a exigncia da demonstrao que tem boa vontade, ou que vai se redimir como se tivesse cometido uma transgresso. Aqui se repete a mxima exausto como se fosse auto explicativa sem impli-car em contestao: no de o peixe mas ensine a pescar.

    f. O campo de trabalho da assistncia social tem dificuldade em cons-truir sua referncia no mbito pblico e estatal. Sua trajetria foi sempre de omisso do Estado repassando tais responsabilidades para organizaes sociais, irmandades religiosas e nunca as assumindo como responsabilidades pblicas. Muitos dos servios socioassis-tenciais so desenvolvidos por entidades sociais, sendo que o po-der pblico no lhes transfere recursos que cubram a totalidade da ateno dentro de padres de qualidades necessrios. As entidades

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    por sua vez entendem esses recursos como uma espcie de auxilio ou subveno e no acatam o carter pblico dessa ao. Temos que encontrar uma forma de relao em que o carter pbico se desta-que para que de fato os usurios desses servios possam us-los e acess-los como direitos e no como misses de entidades privadas. H aqui a necessidade de que os trabalhadores da assistncia social se entendam enquanto agentes pblicos e tenham sua ao parame-trada pelos princpios da tica pblica.

    g. Afirmar a assistncia social como poltica focalista, que deturpa o sentido de alcance universal, isto , para todos, bastante frequente, todavia o revs tambm verdadeiro. As polticas que se conceituam como universais no chegam a todos e, principalmente, so mais difceis de chegar queles que esto em condies mais precrias de vida e por vrios motivos. Direta ou indiretamente, as polticas sociais pblicas exigem certa capacidade de consumo no mercado: o medicamento, a prtese, a fralda geritrica, parte do material esco-lar, condies de que os pais orientem seus filhos em lies de casa, distncia ou dificuldade para frequentar servios especializados, o tempo de espera para ser atendido em confronto com o horrio de trabalho, entre outras tantas condies que no so garantidas a to-dos brasileiros. Essas distncias so expresses da forte desigualdade social a que submetida a populao brasileira, e que terminam por serem apresentadas como demandas no campo da assistncia social

    Com certeza a assistncia social tem escuta para o conjunto das desprotees, privaes e necessidades. Essa escuta tem um potencial na direo da justia social se de fato for registrada, com a qualidade de um observatrio que produz elementos do real vivido pela populao de um determinado terri-trio. H que se introduzir um procedimento institucional para o registro e publicizao dessa escuta a fim de que ela possa ser meio de configurar aes de justia social.

    Uma das consequncias desse conjunto de necessidades tem trazido para o mbito da poltica de assistncia social um forte impacto: em geral a assis-

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    tncia social uma poltica cujos servios se dispem escuta do cidado, mas seu campo de resolues limitado ao seu mbito de ao na proteo social. Assim, no raras vezes as necessidades apresentadas pelos usurios da assistncia social so muito maiores do que o mbito dessa poltica.

    Do ponto de vista terico-conceitual explica-se essa ocorrncia no s pela multifatorialidade das necessidades decorrentes da privao, como pela ausente universalidade de presena de vrios dos servios sociais urbanos nos lugares onde vive a populao. Pode-se afirmar que os agentes da poltica de assistncia social terminam por realizar uma escuta de mbito amplo, isto os usurios relatam privaes que vo alm do mbito da ao da poltica.

    Alguns consideram que constituir a unidade do SUAS algo externo que se passa nas relaes entre os entes federativos e que no alcana as relaes internas do rgo gestor, que no atinge as unidades coordenadoras de um mesmo rgo gestor ou entre seus agentes institucionais. como se fosse entendido que a unidade do sistema parece estar s na relao entre os entes federativos e no entre as funes, unidades, servios, benefcios da poltica operada por um mesmo ente gestor. O SUAS s ser um sistema de ateno se tiver efetividade na ateno ao usurio.

    Por vezes deve-se pr a pergunta: ser que o BPC em cada agncia do INSS operado dentro das mximas que orientam a PNAS/2004 e o SUAS? Ser que o gestor municipal, os agentes institucionais se ocupam dessa anlise ou mesmo o Conselho Municipal pelo controle social? Portanto o que se quer salientar que para o controle social voltado para os direitos e os usurios como sujeitos de direitos cabe indagar e verificar tanto uma organizao pri-vada conveniada prestadora de servios socioassistenciais como uma agncia pblica tambm conveniada.

    O sentido de unidade fortalecedor da proteo social e deve constituir sua direo unitria. Preveno e restaurao so partes de um todo. No h razo objetiva na concepo da PNAS/2004 que proponha a apartao entre a proteo bsica da especial. A ausncia dessa leitura tem levado

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    a um enquistamento de equipes como se cada CRAS fosse uma unidade em si, o que ocorre no raras vezes. Tcnicos de um CRAS se digladiam com os de outros CRAS, ou de outros CREAS. Por vezes a presena da energia de luta por mudanas termina orientada para o poder pessoal in-terno, forma corporativista e restritiva da gesto na perspectiva de alcance de direitos socioassistenciais. Ocorre ainda, a ausncia de unidade entre as funes da poltica de assistncia social tais como proteo, vigilncia social e defesa de direitos. No se pode afirmar que j esteja articulado o intercmbio de experincias ou de leituras do real sobre como essas trs dimenses estejam operando em cada ente federativo.

    A complexidade das demandas sociais, geradas e reproduzidas pelo circuito da desigualdade socioeconmica, traz uma forte necessidade de que o pro-cesso de gesto da poltica pblica de assistncia social seja unitrio entre os entes federativos que operam essa poltica bem como territorialmente pactuados entre os vrios agentes pblicos que operam nas cidades. Com certeza este processo exige que se estabeleam vnculos organizativos com a populao para que vocalizem as demandas que se colocam em suas vidas. H aqui uma questo a ser colocada bem claramente. A possibilidade do reconhecimento da totalidade da demanda fundamental para a aproxi-mao dos direitos socioassistenciais.

    A assistncia social conforme posto na CF-88 no um governo paralelo da pobreza. Qualquer problema que algum com baixa renda apresente no campo da sade, moradia, educao, entre outros tantos no de resoluo da alada da assistncia social. Nesse caso ela se transforma em um gover-no paralelo dos mais pobres. Pior que como no tem (e nem deveria ter) profissionais ou organizao tcnica para enfrentar as mais diferentes neces-sidades, essa demanda polimorfa funciona como uma convocao para que profissionais de uma determinada rea sejam capazes de cumprir mil e uma outras atividades (bem para alm da competncia em que se formaram) e o campo da assistncia social passa a correr o risco de ser aquele que d um jeitinho, em geral, com reduo do padro tcnico e da qualidade, uma vez que no so atribuies de suas especificidades.

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    ATENO! Se a assistncia social j desempenhou (ou ainda vem desempenhando) esse papel polimorfo em algum lugar, em algum momento, no isso que dela se espera como proteo social. Pelo contrrio, cada poltica social deve incluir cada cidado a partir de suas condies objetivas geradas pela profunda desigualdade socioeconmi-ca. preciso combater a concepo de que a assistncia social auxiliar da educao, da sade, para conseguir obter remdios, fraldas, todo tipo de material e da para frente.

    Por tudo isso, muito importante a realizao de pactos intersetoriais, de preferncia contratualizados, que possam readequar tais situaes. Uma delas , por exemplo, a situao em que famlias se apresentam em servios de assistncia social solicitando benefcio eventual para cobrir o pagamento de conta de luz ou de gua. Nessa situao a assistncia social estaria aplicando seus recursos para pagar o prprio Estado que precisaria praticar tarifas mais acessveis populao de menor renda. H em movimento a perspectiva de reduo do custo da energia eltrica. A assistncia social tem o que dizer sobre o impacto do pagamento de contas de energia eltrica na vida das pessoas que ganham um salrio mnimo ou menos do que isso.9

    Temos nos defrontado com formas de pensar to conservadoras que so ca-pazes de afirmar que o SUAS no altera nada, s muda nome. Restringem a compreenso de um CRAS ao mero e velho planto e o princpio da territo-rializao abordagem da comunidade. A compreenso da poltica pblica e sua perspectiva de universalidade, sua responsabilidade pela necessidade, sua exigncia de prover cobertura, sua exigncia de garantir direitos, so esqueci-dos ou meramente subordinados a procedimentos ou nomenclaturas.

    9 Quandodoexamedasatenesembenefcioseventuaispromovidasoanode2011pelosmunic-piosbrasileiros32.5%dassolicitaesforamparaobterrecursosparapagamentodecontasdeluzouguaatrasadas.Istomostraqueprecisoreveracontratualizaoentreasempresaspromotorasdessesserviosnosestadosecidadesbrasileirasdastarifassociais,poisnofazsentidoaassistnciasocial despender recursos com esse pagamento que volta para o prprio Tesouro, sobretudo sabendo que so servios essenciais populao.

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    Alis, muito frequente essa operao que pode ser chamada de batizado de nomenclaturas e que ocorre com frequncia no ambiente da assistn-cia social. Ocorre pela prtica do personalismo do gestor. Para marcar uma diferena poltico-partidria entre nveis de gesto. Ocorre porque alguns discordam em adotar a nomenclatura assistncia social apesar da CF-88 atribuir-lhe a conotao de poltica pblica no campo dos direitos sociais. Consideram que essa nomenclatura lhes faz lembrar do assistencialismo.

    A troca de nomenclaturas cria um efeito maquiagem, onde uma velha pro-posta recebe nova roupagem ou um efeito customizado pelo novo gestor deixando sua marca pessoal. O gestor seguinte por sua vez retira aquela nominao, e j no se sabe se , ou no, o mesmo servio que ser prestado. Outros resistem ao fato de que a poltica pblica est sendo normatizada no momento em que um dado partido est no governo, assim usar a nomen-clatura oficial da poltica assume o significado poltico de reforar o gover-no federal. Outros, simplesmente no gostam da nomenclatura assistncia social; preferem nominar de ao social, promoo social, desenvolvimento social, incluso social, entre outros tantos nomes. H em curso uma nova viso adotada pelo governo federal. Caso um programa de dada nomen-clatura, financiado pelo governo federal, receba nova nominao local ou regional sem meno ao programa a que se filia isto ser tomado como fator a dificultar prximos acessos a financiamentos. De fato o uso de nomen-claturas nacionais no que compem as atenes bsicas necessrio. Mas na assistncia social, principalmente quando opera com vagas em entidades sociais registra que o ttulo do servio que est na Tipologia Nacional de Servios Socioassistenciais recebe as mais diversas nominaes.

    O entendimento de uma poltica de proteo social e suas finalidades no ainda de pleno sentido para gestores e operadores. Nem sempre os gestores tem relao real com a rea ou o momento histrico da poltica de assistncia social; por vezes so lideranas significativas, populares, poltico partidrias, de coligaes, mas sem domnio do processo de transformao que precisa ser enfrentado e levado adiante no Estado ou no municpio.

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    muito importante a existncia de bons Planos de Gesto da Assistncia Social na cidade ou no Estado, validados nos Conselhos, nas Conferncias, divulgados em Dirios Oficiais e outras formas de acesso ao seu contedo. De fato, superar o personalismo uma das questes polticas mais candentes na gesto da assistncia social e ela no se esgota em romper com o enten-dimento e a prtica de que o campo de gesto da assistncia social assunto de primeira dama. A forma de enfrentamento ao personalismo a de esta-belecer e publicizar, at mesmo na forma de lei, as atenes de cada servio socioassistencial, tornar pblico seu padro de operao, os resultados espe-rados e o que o usurio pode esperar do servio. Na Tipificao Nacional dos Servios Socioassistenciais, j h muito posto nesse sentido. Um dos cadernos Capacita SUAS trata exclusivamente dessa questo.

    Temos frente uma questo de princpio: um Sistema nico de gesto da Poltica de Assistncia Social, o SUAS, ganha pleno sentido quando se con-figurar, pela sua ao, em fora mobilizadora da extenso dos direitos de proteo social a toda populao brasileira. Enfatizar a participao social e o controle social uma