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BRASÍLIA – 2012 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SESSÃO SOLENE DE INSTALAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO DE 2012 SESSÃO DE 1º DE FEVEREIRO DE 2012

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Page 1: Capa Abertura do Ano Judiciário 2012 - stf.jus.br · Poder judiciário, Brasil. 2. Tribunal supremo, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF), sessão solene. II. Título

BRASÍLIA – 2012

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SESSÃO SOLENEDE INSTALAÇÃODO ANO JUDICIÁRIODE 2012SESSÃO DE 1º DE FEVEREIRO DE 2012

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Presidente

Ministro Carlos Augusto AYRES de Freitas BRITTO (25-6-2003), Vice-Presidente

Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)

Ministro LUIZ FUX (3-3-2011)

Ministra ROSA Maria WEBER Candiota da Rosa (19-12-2011)

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Diretoria-Geral Alcides Diniz da Silva

Secretaria de Documentação Janeth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Andreia Fernandes de Siqueira

Fotografias Carlos Humberto Lins, Fellipe Bryan Sampaio Gervásio Carlos Baptista e Nelson Gontijo Resende Júnior

Capa Jorge Luis Villar Peres

Projeto gráfico e diagramação Eduardo Franco Dias

Revisão Patrícia Keico Honda Daher Rochelle Quito

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).Sessão solene de instalação do Ano Judiciário de 2012 [recurso eletrônico]  :

(1º-2-2012) / Supremo Tribunal Federal.  – Brasília : Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2012.

Modo de acesso: World Wide Web: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=publicacaoPublicacaoInstitucionalAberturaAno>

1. Poder judiciário, Brasil. 2.  Tribunal supremo, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF), sessão solene. II. Título.

CDD-341.419104

Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal

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Plenário do Supremo Tribunal Federal, durante a celebração do Hino Nacional.

Ministro Cezar Peluso,

Presidente do Supremo Tribunal Federal.

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Da esquerda para a direita: Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal; Michel

Temer, Presidente da República em exercício; Ministro Cezar Peluso, Presidente do

Supremo Tribunal Federal; e Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados.

Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados; Michel Temer, Presidente

da República em exercício; Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal

Federal; e Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal. Ao fundo, Doutor

Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República.

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SUMÁRIO

Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal ............................ 7

Discurso do Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal ............................ 9

Discurso do Excelentíssimo Senhor Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados .............................. 22

Discurso do Excelentíssimo Senhor Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal .......................................... 25

Discurso do Excelentíssimo Senhor Michel Temer, Presidente da República em exercício .............................. 31

Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal .......................... 37

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Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro CEZAR PELUSO,

Presidente do Supremo Tribunal Federal

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O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente) — Esta sessão especial destina-se à aber-tura do Ano Judiciário de 2012.

Convido os senhores presentes a celebrarem o Hino Nacional.

(Execução do Hino Nacional.)

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Discurso do Excelentíssimo Senhor Ministro CEZAR PELUSO,

Presidente do Supremo Tribunal Federal

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O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente) — Cumprimento e agradeço a pre-sença do Excelentíssimo Senhor Presidente da República em exercício, Michel Temer; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney; do Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Marco Maia; dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, de ontem e de sempre; dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Ari Pargendler, em nome de quem agradeço a presença dos Ministros dos Tribunais Superiores; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Superior Tribunal Militar, Ministro Almirante de Esquadra Álvaro Luiz Pinto; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro João Oreste Dalazen, na pes-soa de quem saúdo todos os membros da Justiça do Trabalho; do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo, na pessoa de quem cumprimento os demais Ministros de Estado aqui presentes; do Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, Ministro Luís Inácio Lucena Adams; do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, em nome de quem cumprimento os demais membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas da União, Ministro Benjamim Zimler, em nome de quem cumprimento os demais Ministros daquele Tribunal; do Excelentíssimo Senhor Defensor Público-Geral Federal, Doutor Haman Tabosa de Moraes e Córdova; do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, em nome de quem agradeço a presença dos Senhores Advogados; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Desembargador Otávio Augusto Barbosa, em nome de quem cumprimento todos os mem-bros dos Tribunais de Justiça; da Excelentíssima Senhora Presidente do Tribunal Regional

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Federal da 2ª Região, Desembargadora Maria Helena Cisne, em nome de quem cumprimento os demais membros dos Tribunais Regionais Federais; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Colégio Permanente e Presidente dos Tribunais de Justiça, Desembargador Marcus Faver, em nome de quem agradeço aos demais presidentes de Tribunais de Justiça do País; do Senhor Presidente das Associações da Magistratura e dos demais representantes da classe, demais autoridades, servidores desta Casa e de outras Cortes, dos Senhores intercambistas do Programa de Intercâmbio da Presidência da República e do Ministério da Justiça, das Senhoras e dos Senhores.

Em nome da Corte, relembro e lamento o falecimento, no dia 26 do mês último, do Excelentíssimo Senhor Ministro Djaci Alves Falcão, aos noventa e dois anos de idade, na cidade de Recife, em Pernambuco.

O saudoso Ministro Djaci Falcão foi nomeado Ministro do Supremo pelo Presidente Castello Branco, em decreto datado em 1º de fevereiro de 1967. Assumiu vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Antônio Martins Vilas Boas, no dia 22 do mesmo mês. Exerceu a presidência do Supremo Tribunal Federal pelo biênio 1975 a 1977; permaneceu na Corte por quase vinte e dois anos, aposentando-se no dia 30 de janeiro de 1989.

Registro que, na sessão jurisdicional da tarde de hoje, a Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa do Doutor Pedro Gordilho, prestará uma homenagem ao Senhor Ministro Djaci Falcão.

Como é da praxe deste Supremo Tribunal Federal, e não podia deixar de ser, será designada uma sessão especial em homenagem à memória do saudoso Ministro, que honrou esta Corte e a Magistratura.

Pelo segundo ano consecutivo, tenho a honra de, nesta sessão solene de abertura dos trabalhos institucionais, dirigir-me à Nação, em nome do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário, perante os dignos representantes dos Poderes Legislativo e Executivo e do Senhor Procurador-Geral da República, em celebração tipicamente republicana, que se renova há oito anos.

Otimista por convicção e agora detentor de alguma maturidade e experiência profis-sional que, a cada década, o tempo insiste em acrescer-nos à vida, submeto, antes que re-sultados, algumas reflexões à consideração, sobretudo, de todas as pessoas que, destituídas de preconceitos e dotadas de perspectiva histórica, guardam espírito crítico e objetivo para, na lição de Bobbio, compreender antes de julgar e julgar antes de criticar fatos e instituições.

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Temos ouvido, com surpresa, que o Poder Judiciário está em crise. Os mais alarmis-tas não excepcionam sequer os outros dois Poderes da República.

Confesso que, alheio ao hábito da só visão catastrófica dos homens e das coisas, não é assim que percebo o País, nem o Poder Judiciário.

O grande magistrado e jurista Eugênio Raúl Zaffaroni1, já no final da década de 1990, advertia com absoluta clareza a necessidade de nos livrarmos da superstição difusa da crise judiciária, porque, “dentro da relatividade do mundo, o ideal não legitima a perversão do real ”. Sábias palavras, essas.

Não somos um povo sem memória, nem olhos para ver. Dentro de poucos dias, co-memoram-se vinte anos da apresentação, no Congresso Nacional, da emenda conhecida como Reforma do Judiciário (PEC 96-A/1992).

Desde sua aprovação e promulgação (EC 45, de 2004), não foram raras as ocasiões em que aplaudimos todos, com entusiasmo, os notáveis avanços que propiciou. No seu tra-çado, o trajeto tem sido longo e pedregoso. Do tempo em que, como bordão de uso eleitoral, depreciou-se o sistema tachando-o de caixa preta, conquanto historicamente sempre mais translúcido e fiscalizado que seus congêneres, passando pelo colapso da demanda, quando atingimos a insólita proporção de um processo para cada dois brasileiros, transpusemos grandes incertezas e começamos a construir o futuro.

Nessas duas décadas, transformou-se o Judiciário. É  hoje visível serviço público presente na sociedade brasileira, tão presente, ou, decerto, mais que os serviços da saúde pública, da educação e da segurança, como não o podem desmentir os índices disponíveis de atendimento. E nenhum outro serviço público evoluiu tanto em todos os sentidos.

Lembro-me bem de, para não ser longo, ter relevado no ano findo, na abertura do ano judiciário, dois importantes aspectos dessa vultosa empresa que chamei de a revolução silenciosa do Judiciário.

Qualifiquei como inegáveis, não só o esforço extraordinário de que deram prova ju-ízes e tribunais, mas, acima de tudo, o empenho e a sinergia que os comprometeram a todos na prestação da tutela jurisdicional, sob as múltiplas dimensões em que essa tarefa

1 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário : crise, acertos e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

p. 23 e 25.

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se desdobra. Asseverei que foi preciso boa dose de coragem para reconhecer fragilidades, confessar desacertos, confrontar carências e propor-lhes remédios viáveis, calcados em ex-periências controladas e possibilidades não temerárias, nem aventureiras.

Acima de tudo, porém, dei-lhes testemunho de que, durante a Conferência Mundial sobre Justiça Constitucional, que, realizada no Rio de Janeiro, no primeiro mês daquele ano, contou com a presença de mais de 350 pessoas na condição de presidentes e representantes de cortes constitucionais de todo o mundo, traços peculiares da nossa Justiça provocaram declarações públicas do mais vivo reconhecimento estrangeiro, como a transparência dos julgamentos transmitidos, em tempo real, pela TV Justiça, o desempenho extraordinário da Justiça Eleitoral, a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a celebração dos Pactos Republicanos. E nem cogitei, então, de sublinhar que também somos o único Judiciário que, para além da tevê, expõe seus atos e números na internet, produzindo o mais elevado nível de legitimidade e transparência que se possa exigir a um ente público.

Aos Pactos referiram-se os presidentes de outras cortes constitucionais como ex-pressão maiúscula do amadurecimento do nosso Estado Democrático de Direito, da demo-cracia representativa e da consciência política dos chefes dos Poderes. E prestigiosos cons-titucionalistas e analistas internacionais já haviam apontado nosso Judiciário como objeto da mais larga demanda, observada no mundo, para solução dos conflitos intersubjetivos.

Nem custa rememorar, como exercício de reconhecimento das significativas con-quistas e avanços, alguns benefícios concretos que a reforma do Judiciário e, ao depois, esses expressivos arranjos institucionais entre os Poderes da República trouxeram à Nação.

Com a promulgação da EC 45/2004, tivemos, entre outros: a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público; a introdução dos institutos da súmula vinculante e da repercussão geral; a federalização dos crimes contra os direitos humanos; a ampliação das prerrogativas do Ministério Público; e a autonomia funcional e administrativa das defensorias públicas.

Seguiram-se-lhes os Pactos.

O primeiro, assinado em 2004, teve por objetivo fundante a construção de um Judiciário mais rápido e mais sensível às demandas da cidadania.

Dele advieram, para combater a morosidade dos processos judiciais, prevenir a mul-tiplicação de demandas em torno do mesmo tema e aperfeiçoar procedimentos, as seguintes

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inovações e alterações legislativas: a previsão de racionalização de processos repetitivos no STJ; a regulamentação dos institutos da súmula vinculante e da repercussão geral; a vedação aos órgãos da Justiça do Trabalho para conhecer de questões já decididas, salvos os casos expressamente previstos na CLT e a ação rescisória; e a regulamentação do uso do meio eletrônico na tramitação de processos.

A segunda edição foi assinada em abril de 2009 e tinha por fim viabilizar sistema de Justiça mais acessível e efetivo.

Apenas no decorrer de 2010, foram aprovadas doze leis e uma emenda constitu-cional. Em matéria penal, foi aprovada a realização de interrogatório por meio do sistema de videoconferência; foi criminalizado o ingresso de aparelhos de comunicação móvel em penitenciárias; foi criado, no CNJ, o departamento que monitora e fiscaliza, agora em caráter permanente e sistemático, o cumprimento das resoluções e recomendações relativas às prisões provisórias e definitivas, às medidas de segurança e à internação de adolescentes.

E, aqui, abro parêntese para sobrelevar o fato singular de o programa do chamado Mutirão Carcerário, realizado por juízes do CNJ e convocados ad hoc, ter, só nos últimos 20 meses, libertado 21 mil cidadãos presos ilegalmente, sem prejuízo da concessão de incon-táveis benefícios legais a que outros encarcerados faziam jus. Não será demasia compará-lo à libertação de prisioneiros em condições inóspitas de campos de concentração. Tal obra do Judiciário, insólita no concerto dos países estruturados sob a supremacia da ordem jurídico--constitucional, é, na sua vertente positiva de libertação, motivo permanente de orgulho e de celebração cívica e sintoma exuberante de saúde democrática.

Entre outros temas regulados, estão, ainda: a participação de defensores públicos em atos extrajudiciais; a organização da Defensoria Pública da União; a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e Municípios; e a criação de 230 novas Varas Federais, destinadas à interiorização da Justiça Federal de primeiro grau e à implan-tação dos Juizados Especiais Federais, no interior do Brasil, medida esta de extrema impor-tância para a população carente.

No ano passado, ainda por ocasião da abertura do ano judiciário, tomei a iniciativa de lançar, de modo formal, a ideia de firmarmos o III Pacto Republicano, para, em substância, dar continuidade ao processo de aprimoramento da ordem jurídica e consolidar a modernização da máquina judiciária. Reprisei tal proposta também na cerimônia de abertura do ano legisla-tivo de 2011.

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E, embora não tenhamos assinado a terceira edição, o que, espero, ainda possamos fazer em breve, em 2011 várias medidas já idealizadas foram implementadas: instituição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, cuja apresentação tem que anteceder a contratação com o Poder Público; a regulamentação do chamado teletrabalho; a possibilida-de de troca de parte da pena dos detentos por estudo ou trabalho; a instituição de medidas cautelares que reconhecem os mecanismos usados pelo juiz durante o processo para ga-rantir a condução da investigação criminal e a preservação da ordem pública, tais como o monitoramento eletrônico e o recolhimento domiciliar no período noturno; a lei que dispõe sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal; e a lei que disciplina o acesso à informação.

À luz desse breve relato, circunscrito à modernização do arcabouço normativo, é, pois, quando menos, exigência de justiça primária reconhecer que os Poderes da República avançaram, a passos largos, em menos de uma década e especialmente nos dois últimos anos, no aprimoramento do Judiciário.

Mas não foi só.

Como todos sabemos, ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao lado do exercício do controle administrativo, financeiro e disciplinar dos órgãos e membros da magistratura, compete o planejamento político e estratégico de todo o Judiciário.

Embora as tarefas fiscalizatórias chamem mais a atenção da sociedade, a atuação do CNJ como orientador da política nacional tem sido decisiva para os progressos do Poder Judiciário, especialmente num país continental como o nosso, com tantas diferenças regionais.

Foi o que não me escapou como relator, que fui, da ADI 3.367/DF, interposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.

Em meu voto, que afirmou a constitucionalidade do CNJ, anotei:

(...) sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu

dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao

Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administra-

tivas e financeiras daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle,

o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do

Judiciário cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estra-

tégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade

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pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas

construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades consti-

tucionais, deem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns (...)

Criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, é inegável que, nestes quase sete anos de atuação, com gestores e colaboradores de diferentes perfis, o CNJ tem sido propulsor do desenvolvimento do Poder Judiciário.

A abrangência de seus programas, projetos, ações e campanhas fala por si. Cito alguns já bem conhecidos:

Programas: Justiça ao Jovem; Justiça nas Escolas; Advocacia Voluntária; Casas de Justiça e Cidadania; Justiça Aqui (instalado na Comunidade do Complexo do Alemão e da Penha); Gestão Documental – Proname; Espaço Livre; Começar de Novo;

Campanhas: Conciliar é a forma mais rápida de resolver conflitos e Maria da Penha;

Cadastros Nacionais: de Condenações Cíveis por Atos de Improbidade Administrativa; de Adoção; de Crianças e Adolescentes Acolhidos e de Entes Públicos;

Projeto: Cidadania – Direito de Todos;

Mutirões: Judiciário em Dia; Mutirão da Cidadania; Mutirão da Conciliação;

Projetos e Ações: Calculadora de Execução Penal; Geopresídeos  – Radiografia do Sistema Carcerário; Justiça em Números  – Indicadores do Poder Judiciário; Numeração Processual Única; Tabelas Processuais Unificadas e PJe – Processo Judicial eletrônico.

Ainda há muito por avançar. Este fato, porém, não deve obscurecer os progressos já alcançados.

Como escreveu o poeta espanhol António Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar ”. E, para a construção do caminho do Judiciário, o debate público é mais do que bem-vindo. É  fundamental. Saliento, contudo, um aspecto que me parece ausente no presente contexto: o debate atual é resultado dos progressos obtidos pelo Judiciário, e não, sintoma de crise ou deficiência do sistema. O aumento da transparência e a abertura do Judiciário às contribuições dos outros Poderes e da sociedade é que estão à raiz do debate sobre a modernização já em curso.

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A verdade é que o Poder Judiciário – tido por muitos, antes da reforma, como perifé-rico e opaco – assumiu grandiosa dimensão político-institucional, entrando a ocupar espaço substantivo nos debates nacionais e a inquestionável condição de fiador da consolidação do processo democrático.

A explosão de demandas, havida nos últimos vinte anos, de um lado revela uma socie-dade mais consciente de seus direitos e, de outro, deixa transparecer que o Judiciário ainda é percebido como a instância extrema de que dispõe o cidadão para ver assegurados, entre outros, direitos fundamentais mínimos, como saúde e educação. A magistratura deu vida aos direitos dos consumidores, das crianças, dos adolescentes, das mulheres, do meio ambiente, da cidadania. Com isso, aumentou a segurança jurídica, gerando confiança aos investimentos estrangeiros e ao empresariado nacional, como fator importante no processo de desenvolvi-mento socioeconômico, e tornou-se mais racional o sistema a serviço do jurisdicionado.

É, como se fora contradição, neste âmbito aparentemente acanhado da rotina, que o Poder Judiciário revela seu papel essencial na garantia e no desenvolvimento do projeto de convivência ética, em que se traduz e resume a extraordinária experiência da vida humana em sociedade. Ao propósito, muitos anos atrás, em discurso de saudação a novos magistra-dos paulistas, em nome da banca examinadora, ponderei com atualidade:

Disseram alhures que é medíocre e inofensivo vosso poder, como delegados do

povo e defensores das liberdades públicas. De fato o é, se sois tentados a embria-

gar-vos com um prestígio desproporcional. Mas é grande e insubstituível, se tendes

consciência viva de que, no seu exercício modesto e cotidiano, esquecido pelas te-

máticas retumbantes da sociologia do poder, renovais o milagre quase imperceptível

da concretização histórica do Estado Democrático de Direito, cuja característica básica

está em submeter a todos, governantes e governados, sem distinção de classes ou

estamentos, cargos ou posições, ao império soberano do ordenamento jurídico, con-

cebido como emanação regrada e estável da vontade popular. Infeliz do povo que o

não percebe nem defende. Desventurado o juiz que o não compreende nem observa.

Obrigar a pagar a quem deva, livrar o inocente, dividir o acervo aos herdeiros dis-

cordantes, reparar a honra violada, reempossar o esbulhado, condenar o criminoso, é

esse poder, medíocre e inofensivo, se quiserem, que nos salva do arbítrio, garantindo-

-nos a certeza de uma ação fiel a si mesma e sem a qual a vontade humana se torna

errática e dispersa, e cada pessoa se degrada em objeto da ação alheia.2

2 Uma palavra aos novos juízes. São Paulo: Apamagis, 1994. p. 9.

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É, para além da grave tarefa de contenção do poder legal instituído, essa função or-dinária, diuturna, quase oculta, mas insubstituível em termos democráticos, desempenhada com independência e coragem, que o assassinato de quatro magistrados em passado pró-ximo, em razão de seu exercício, não arrefeceu nem intimidou, que a magistratura reafirma, quotidiana e silenciosamente, os valores supremos da vocação e da vivência democráticas, assegurando a cada homem, qualquer que seja a condição social ou econômica, as condi-ções mínimas de realização de seu projeto histórico pessoal e, pois, da consciência de sua dignidade como ser humano.

Esse mister não tem preço, nem sucedâneo.

Fomos alçados à posição estratégica de árbitro efetivo entre os outros dois Poderes e entre estes e a sociedade.

E o que nos legitima a ocupar esse papel é a sujeição incondicional dos juízes à Constituição. Porque os direitos fundamentais são garantidos a todos e a cada um, ainda contra as expectativas ou pretensões da maioria, a independência do Poder Judiciário tanto mais se afirma quanto seja maior sua capacidade de atuar contramajoritariamente.

Não é por outra razão que, em tempos de tão profundas transformações políticas, sociais e econômicas, o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, tem sido acionado para o julgamento de variados assuntos de relevância para o País: demarca-ção de terras indígenas, importação de pneus, realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, sistema de cotas no âmbito do ensino, manifestações em favor da descrimi-nalização do consumo de drogas, união homoafetiva, voto impresso, a chamada “lei da ficha limpa”, entre outros.

Li com muita satisfação, que ora divido com os Senhores, a análise dos renomados constitucionalista e professores, Luis Roberto Barroso e Eduardo Mendonça, sobre a atuação desta Corte em 2011. Em artigo intitulado “STF foi permeável à opinião pública, sem ser subserviente”, assinalaram:

O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva

ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo

à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do

Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manche-

tes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais

de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e

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dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como mo-

mentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária.

(...)

Por outro lado, o STF teve a firmeza necessária para, em diversos momentos,

atuar de forma genuinamente contramajoritária, e isso em questões de grande re-

percussão. Foi o caso da decisão histórica que reconheceu as uniões estáveis entre

pessoas do mesmo sexo, em que a Corte se posicionou de maneira enfática a favor da

tese que desagradava cerca de metade da população brasileira, em diferentes graus

de intensidade. E mais ainda no julgamento em que se decidiu pela inaplicabilidade da

chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 por conta da anterioridade eleitoral

prevista no art. 16 da Constituição.

O papel dito antimajoritário ou contramajoritário, em especial, das cortes constitucio-nais, não significa apenas dever de tutelar direitos das minorias perante risco de opressão da maioria, mas também de enfrentar, não críticas ditadas pelo interesse público, mas pressões impróprias tendentes a constranger juízes e ministros a adotarem interpretações que lhes repugnam à consciência. O dissenso hermenêutico faz parte da discutibilidade das questões jurídicas, na vida republicana. Pressões, todavia, são manifestação de autoritarismo e des-respeito à con vi vência democrática.

Pois bem. O Poder Judiciário ganhou estatura, enfrentou reformas, aproximou-se da sociedade, mas não é perfeito. Ainda que uma vida exemplar e irrepreensível em todos os aspectos constitua, para os magistrados, como faz muitos anos o apregoo, um horizonte ou ideal permanente, a perfeição não é predicado inato de nenhum segmento da sociedade, composta por seres todos irremediavelmente falíveis. É desta matéria-prima comum, grava-da por tendência filogenética perversa, que certa concepção religiosa denomina de pecado original, que é formada a magistratura, tão imperfeita, nos ingredientes humanos, quanto todos os demais estratos da sociedade, sem exceção alguma, mas cuja assombrosa maioria guarda, com fidelidade, os princípios morais na profissão.

Não surpreende, pois, se ressinta de defeitos, alguns arraigados, e não seja invulnerável à corrupção. Mas esta, a corrupção, não é objeto de geração espontânea, nem o resultado de forças estranhas à dinâmica social, senão que é produto mesmo das sociedades cuja cultura está em privilegiar, como objetivo primordial da vida, a conquista e o acúmulo, por qualquer mé-todo, de bens materiais, em dano do cultivo dos valores da ética e da decência pública e privada.

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Deve, no entanto, como ninguém discorda, ser combatida sem tréguas, segundo os padrões e os limites da ética e do ordenamento jurídico. E é o que, desde as origens, tem feito a magistratura como instituição, a qual foi a primeira a criar, há séculos, na vigência ainda das Ordenações Afonsinas, as corregedorias ou os juízes corregedores, com o propósito es-pecífico de velar pela integridade de uma função indispensável do Estado. A Controladoria-Geral da União data de poucos anos e, a despeito de ser hoje comandada por impoluto juiz de direito aposentado, que nela continua a honrar sua toga, dispõe de competência curta e ação limitada. As corregedorias do Congresso não são muito mais antigas, nem mais poderosas. Nenhum dos Poderes da República se reveste do portentoso aparato de controle que, ao lado da ação dos patronos das partes e dos representantes do Ministério Público, no âmbito dos processos, cerca o Judiciário mediante as corregedorias locais e dos tribunais superiores e do CNJ, que é, à margem do contexto teórico do equilíbrio constitucional, o único órgão integrado por agentes externos a exercer contínua e rigorosa fiscalização do próprio Poder.

E, no debate apaixonado em que se converteu questão jurídica submetida ao juízo desta Corte, acerca do alcance e limites das competências constitucionais do CNJ, perde--se de vista que seu âmago não está em discutir a necessidade de punição de abusos, mas apenas em saber que órgão ou órgãos deve puni-los. Entre uma e outra coisas vai uma distância considerável.

Convém chamar a atenção para um segundo aspecto que ressalta a artificialidade da propalada crise corrente do Judiciário. A despeito de suas deficiências reais que, consoante dados irretorquíveis, vem logrando superar no ritmo de suas forças e recursos morais e ma-teriais, o sistema judicial não perdeu a credibilidade no desempenho da função jurisdicional e do seu papel de pacificador dos conflitos sociais, como o demonstra a já mencionada explosão de demandas judiciais. Para não ser ainda mais prolixo, limito-me a registrar que, segundo as estatísticas provisórias do programa Justiça em Números, cujas informações só se completarão em fins do corrente mês (artigo 3º da Resolução 76/2009), as sentenças proferidas só no primeiro semestre do ano passado atingiram, como reflexo da inacreditável e crescente quantidade de causas pendentes, a cifra de 11.660.237, que, por estimativa, deve superar as 22.788.773 prolatadas no ano anterior. Em 2010, havia 60.178.413 causas pendentes, tendo-se observado, em 2011, um aumento aproximado de 4.000.000 de proces-sos em curso. O povo confia, pois, na Justiça brasileira. Se não confiasse, não acorreria ao Judiciário em escala tão descomunal.

E, como vimos brevemente, tem razões de sobra para confiar neste que é, conforme com todos os dados estatísticos e os notórios avanços institucionais, o melhor Judiciário que

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já teve o País, sobretudo com a responsabilidade de resolver conflitos de uma sociedade ainda desigual, cuja ansiedade acumulada a leva a cobrar injustiças de tempos passados, a título de reparação. Nenhum, nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasilei-ra pode ser imputado ao Poder Judiciário. Nem sequer o sentimento legítimo de impunidade, que se deve menos à inércia natural dos órgãos jurisdicionais que a um conjunto de fatores e atores independentes. Juiz não faz inquérito, nem produz prova de acusação. Nem a Justiça criminal foi inventada só para punir, senão para julgar segundo a lei.

Após mais de 44 anos de magistratura e já próximo de, com a fronte erguida, deixar esta Corte, quero assegurar a todos os cidadãos brasileiros, que, servindo-lhes aos projetos de uma vida digna de ser vivida, os juízes continuaremos a cumprir nossa função com inde-pendência, altivez e sobranceria, guardando a Constituição e o ordenamento jurídico, sem prescindir da humildade e da coragem necessárias às correções de percurso e ao aperfeiço-amento da Justiça, mas também sem temor de defender, com a compostura que nos pede o cargo, a honradez de nossos quadros e o prestígio da instituição.

Só uma nação suicida ingressaria voluntariamente em um processo de degradação do Poder Judiciário. Esse caminho nefasto, sequer imaginável na realidade brasileira, con-duziria a uma situação inconcebível de quebra da autoridade ética e jurídica das decisões judiciais que, aniquilando a segurança jurídica, incentivando violência contra os juízes e exa-cerbando a conflitualidade social em grau insuportável, significaria retorno à massa informe da barbárie. Não é esse o nosso destino.

Com estas palavras, dou por aberto o ano judiciário de 2012. Bom trabalho a todos.

Concedo a palavra ao Excelentíssimo Senhor Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados.

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Discurso do Excelentíssimo Senhor Deputado MARCO MAIA,

Presidente da Câmara dos Deputados

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O Senhor Deputado Marco Maia (Presidente da Câmara dos Deputados)  — Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Senhoras e Senhores, esta solenidade reveste-se de especial simbolismo, ao congregar, na abertura dos trabalhos do Judiciário, os três Poderes da República, por meio de seus representantes.

Trata-se da celebração do compromisso com o mandamento constitucional de har-monia e independência entre esses mesmos Poderes, base do funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Com o objetivo de assegurar o aprofundamento da democracia em nosso País, tal compromisso deve também estar em sintonia com as demandas originadas do aumento da participação popular e da conquista de novos espaços de cidadania.

São demandas por um Executivo rápido e eficaz nos mais variados campos de ativi-dade; por um Legislativo capaz de produzir normas compatíveis com os anseios da socieda-de; e, enfim, por um Judiciário pronto a garantir a efetividade dos direitos assegurados pelo nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, é fundamental que os três Poderes continuem a trabalhar em conjun-to, como vêm fazendo, por exemplo, desde as discussões em torno da Reforma do Judiciário, aprovada em 2004, e da fixação dos Pactos Republicanos de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.

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O I Pacto, assinado no mesmo ano da Reforma, já redundou na adoção de institutos como a Repercussão Geral, a Súmula Vinculante e o rito de Recursos Repetitivos, além de mudanças nos Códigos de Processo Penal e Civil.

O II Pacto, assinado em 2009, por sua vez, adotou como diretrizes a proteção dos direitos humanos e fundamentais, a agilidade e a efetividade na prestação jurisdicional, e o acesso universal à Justiça.

Na condição de Presidente da Câmara dos Deputados, manifesto o desejo de que, neste ano, possamos dar continuidade à nossa profícua atuação conjunta, com harmonia e independência, ao mesmo tempo em que expresso a homenagem daquela Casa Legislativa ao Poder Judiciário e especialmente ao Supremo Tribunal Federal.

Ao longo de trajetória mais que secular, o Supremo Tribunal Federal zela pelo cum-primento dos preceitos constitucionais, pela manutenção do Estado de Direito e pelo equi-líbrio entre os Poderes. Missão árdua, à qual gerações de Ministros vêm se dedicando, com prudência e serenidade, para exercer suas atribuições, mesmo nos momentos mais difíceis.

Iniciando-se o Ano Judiciário de 2012, faço votos de que essa tradição siga inspiran-do a atividade de nossa Suprema Corte, bem como a realização do sublime encargo de que está investido o Poder Judiciário.

Muito obrigado.

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Discurso do Excelentíssimo Senhor Senador JOSÉ SARNEY,

Presidente do Senado Federal

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O Senhor Senador José Sarney (Presidente do Senado Federal) — Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, na pessoa de quem cumprimento também aos demais Ministros desta Casa – quero também, Senhor Presidente, cumprimentá-lo pelas brilhantes palavras com que abriu esse ano judiciário, sábias e que nos oferecem oportunidades para profundas reflexões sobre o Poder Judiciário e também sobre o relacionamento com nossas instituições –; Excelentíssimo Senhor Presidente da República em exercício, Michel Temer; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Marco Maia; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos; Excelentíssimo Senhor Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Ari Pargendler; Excelentíssimo Senhor Presidente do Superior Tribunal Militar, Ministro Álvaro Luiz Pinto; Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro João Oreste Dalazen; Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; Excelentíssimo Senhor Ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams; Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas da União, Benjamim Zimler; Excelentíssimos Senhores ex-Ministros do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Junior; Senhores magistrados, advogados, servidores do Tribunal, Senhoras e Senhores, e que-ro na pessoa do Desembargador Luís Carlos, do Tribunal de Justiça do Amapá, saudar os Presidentes dos Tribunais dos Estados que aqui se encontram.

É com imensa honra que compareço, como Presidente do Congresso Nacional, a esta sessão do Supremo Tribunal Federal no início de mais um ano de atividades do Poder Judiciário, solenidade que se repete ao longo dos anos, e reúne os Poderes da República. Esta rotina é um sinal da estabilidade da democracia brasileira e da harmonia dos três Poderes.

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A história do Supremo Tribunal Federal é a história da República. Elas se interligam e se integram nas grandezas e vicissitudes, nos dias de glória e nos instantes de sombra.

Nada melhor para comparar o Supremo Tribunal Federal com a Corte a que sucedeu, o Supremo Tribunal de Justiça do Império, que as mensagens que lhes justificavam a criação. O Rei D. João VI argumentava a necessidade de proteger os “sagrados direitos de proprieda-de que muito desejo manter como a mais segura base da sociedade civil”.

Já na República a exposição de motivos que acompanhou o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, assinada pelo Ministro Campos Salles, tem uma visão liberal na qual ele ressalta:

(…) o que principalmente deve caracterizar a necessidade da imediata orga-

nização da Justiça Federal é o papel de alta preponderância que ela se destina a

representar, como órgão de um poder, no corpo social.

Não se trata de tribunais ordinários de justiça, com uma jurisdição pura e simples-

mente restrita à aplicação das leis nas múltiplas relações do direito privado.

Essa missão histórica incumbe, sem dúvida, ao poder judiciário, tal como o ar-

quitetam poucos povos contemporâneos e se acha consagrado no presente decreto.

E concluía:

O ponto de partida para um sólido regime de liberdade está na garantia dos

direitos individuais.

Hoje a Justiça tem sob sua guarda também os direitos sociais. Esta evolução mostra o avanço de nossa sociedade: patrimônio, direitos individuais e direitos sociais.

Ruy Barbosa, principal autor da primeira Cons ti tui ção republicana, em que se institui o Supremo Tribunal Federal, disse ao atuar pela primeira vez como advogado nesta Corte:

Nós, os fundadores da Constituição, não queríamos que a liberdade individual pu-

desse ser diminuída pela força, nem mesmo da lei. E por isso fizemos deste Tribunal o

sacrário da Constituição, demos-lhe a guarda de sua hermenêutica, pusemo-lo como

um veto permanente aos sofismas da razão do Estado, resumindo-lhe a função espe-

cífica nesta ideia.

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Com este mesmo espírito o Supremo Tribunal Federal permaneceu através das di-versas constituições. O povo brasileiro, através dos constituintes de 1988, deu a esta Corte o papel de guardião da Constituição. Portanto entregou-lhe ser a depositária de nossas liberdades.

O Poder Judiciário vela, assim, pelo Estado de Direito e pelas garantias e direitos de cada um dos brasileiros. Está na mão de Vossas Excelências, Senhoras Ministras e Senhores Ministros, a vida de cada brasileiro, sua liberdade, patrimônio, o direito de ir e vir e todas as relações protegidas pelas leis para assegurar a paz, a convivência e o funcionamento das instituições, contra o arbítrio e o abuso no exercício de funções públicas. É uma missão sublime e de alta responsabilidade. Sem o Poder Judiciário as leis seriam uma construção abstrata que não teria aplicação na realidade.

Esta é a mais importante e mais responsável de todas as funções públicas. Desde que, no século XIII, os ingleses começaram a construir o Estado democrático moderno, viram que ele era impossível sem uma justiça sólida. Percorremos um longo caminho até podermos usar a expressão Estado de Direito, ou, nas palavras ainda de Ruy Barbosa, “fora da lei não há salvação”. Quando afirmamos que o Supremo Tribunal Federal guarda a Constituição, esta guarda não é de um arquivo morto, mas de um organismo vivo, que necessita da tarefa permanente de interpretação, saber o seu espírito, preencher suas lacunas, descobrir sua verdadeira missão e inspirar segurança e zelar para ser respeitada, até mesmo procurar aqueles pontos mais obscuros da nossa Constituição.

As cortes supremas, nas democracias modernas, ocupam o lugar de poder estabiliza-dor – esse é um ponto muito importante que temos que verificar nos tempos atuais –, tendo uma função política das mais essenciais dentro do arcabouço do Estado. Quando ele falha ou se omite, rompe-se o tecido social, as instituições sofrem e surgem outras tentações. Na  formação de nossa democracia tivemos o Poder Moderador como árbitro das grandes questões nacionais. Esse poder estudado ao longo do tempo fez com que Aliomar Baleeiro o chamasse de estabilizador, na expressão de, e foi sobre os ombros do Supremo Tribunal Federal que ele ficou.

O Supremo assegura assim a perenidade das instituições. A Justiça representa a sua continuidade, base da coesão do País. Poucas atividades são tão difíceis e impõem tantos sacrifícios quanto a de juiz. É um sacerdócio onde não há lugar para ideologia, paixões ou vozes que não sejam a do direito e as da lei.

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Não me custa repetir, pois o Brasil todo conhece meu ponto de vista, que não con-sidero a Constituição um documento brilhante. Fui seu crítico durante sua elaboração, mas, uma vez votada, jurei cumpri-la e tive a difícil missão de viabilizá-la. Cumpri meu dever e sou seu maior defensor, porque é melhor ter uma lei ruim do que nenhuma lei. Ainda mais porque ela autoriza o poder de reforma para adaptá-la ao tempo e melhorá-la. De 1988 até agora nós já tivemos 3.500 emendas constitucionais em tramitação no Congresso Nacional e hoje temos ainda cerca de 1.500, o que mostra a dinâmica e a necessidade da sociedade em termos uma Constituição viva que seja adaptada às necessidades do tempo em que vivemos.

Mas as falhas e omissões da Constituição e das leis não podem levar a uma judiciali-zação da política, palavra essa que ouvi pela primeira vez nesta Corte pelo Presidente Nelson Jobim quando abria também um ano judiciário. É o próprio Poder Legislativo que tem que evitar trazer ao Supremo Tribunal Federal questões que podem e devem ser resolvidas interna corpo-ris, que dizem respeito ao processo legislativo e ao sistema político. A judicialização da política é um dos maiores desserviços à harmonia entre os Poderes e sem dúvida alguma deforma o sistema republicano.

Temos sempre trabalhado no sentido de prestigiar o Supremo Tribunal Federal. Ele não deve ser objeto de ataques e contestações, que visam, sem dúvida, o enfraquecimento de sua autoridade. Os demais Poderes, Executivo e Legislativo, a estrutura do Poder Judiciário, juízes, advogados, procuradores, sofrem quando o Supremo sofre. Ele tem, segundo a ex-pressão de Nelson Hungria – a quem tive a honra de conhecer –, o direito de errar por último.

O Congresso Nacional tem trabalhado, especialmente nos últimos anos, como disse o nosso Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, em estreita consonância com o Poder Judiciário. Desde a aprovação da Reforma do Judiciário, em 2005, com os sucessivos Pactos Republicanos, temos empreendido uma atualização constante de nossa legislação, visando acelerar e otimizar o processo judiciário. Temos trabalhado na reforma de vários códigos, entre eles os do Processo Civil e do Processo Penal e o próprio Código Penal – temos o Ministro Luiz Fux que colaborou e o Ministro Toffoli que está também contribuindo para o aprimoramento da legislação.

Comungamos com o Poder Judiciário da necessidade de uma justiça rápida e efi-ciente, que sempre esteve na preocupação da magistratura e do legislativo brasileiro desde a Independência. Cito, como paradigma dos homens que nunca deixaram de pensar em soluções, o Conselheiro Nabuco de Araújo, que esteve com esse problema envolvido – peço aqui o testemunho do Ministro Celso de Mello, que é um historiador também das relações

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do Senado Federal com o Supremo Tribunal Federal – como parlamentar, como juiz e como ministro da Justiça, num trabalho que consumiu toda a sua longa carreira.

O Poder Judiciário é procurado em momentos difíceis do cidadão, quase sempre em instantes de fragilidade. Há que atendê-lo com presteza e segurança, evitando os caminhos da demora, sabendo que a Justiça é uma coluna base da sociedade.

O Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal estão ligados por várias responsabi-lidades comuns, no funcionamento das instituições.

Às Senhoras Ministras e aos Senhores Ministros dessa Suprema Corte quero terminar essas palavras reiterando a minha homenagem por sua alta qualificação – jurídica e mo-ral – que os tornam dignos do respeito e da reverência do País. Homenageando o Supremo Tribunal Federal estamos homenageando a Justiça brasileira na sua totalidade.

O Presidente desta Corte, Ministro Cezar Peluso, firmou-se ao longo dos anos como um dos mais destacados membros deste colegiado, com excepcional saber jurídico e lucidez na exposição de seus votos que formam algumas das mais iluminadoras páginas de nossa jurisprudência. Quero ressaltar o seu papel na Presidência do Supremo e nele quero prestar a homenagem do Congresso Nacional a todos os Ministros desta mais alta Corte de Justiça do País e a toda a magistratura brasileira no início deste novo ano de trabalho.

Muito obrigado.

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Discurso do Excelentíssimo Senhor MICHEL TEMER,

Presidente da República em exercício

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O Senhor Michel Temer (Presidente da República em exercício) — Peço licença ao Ministro Cezar Peluso, ao Senador José Sarney, ao Deputado Marco Maia, ao Pro cura dor--Ge ral da República, Doutor Roberto Gurgel, para saudar a todos que já foram nominados, para não ser repetitivo, além das outras tantas autoridades presentes. Aliás, impressiono-me, Presidente Peluso, com o número de autoridades presentes a esta sessão de abertura do Ano Judiciário. De modo que, a todos saúdo em nome do Poder Executivo, em face da minha interinidade.

E quero começar dizendo, Presidente Peluso, como já o fizeram o Presidente Marco Maia e o Presidente José Sarney, da excelência e da grandeza do seu discurso.

Presidente Peluso, sua manifestação é uma manifestação da democracia. Porque democracia é precisamente – permitam-me a obviedade – um sistema da controvérsia, da contrariedade, da contestação e, quando há um fato que vem a público, todos temos a opor-tunidade de contestá-lo. Tenho dito com frequência que nós, da área jurídica, temos uma capacidade extraordinária de conviver com muita facilidade na democracia. Porque nós, ad-vogados, juízes, promotores, delegados, procuradores, vivemos a contestação. O advogado, quando peticiona, a primeira coisa que recebe é exatamente uma contestação, para dizer que está tudo errado. O juiz de primeiro grau, quando recebe o recurso, o advogado delicadamen-te coloca um “data venia” e, quando é em relação ao Supremo, um “data maxima venia” e, depois, tenta naturalmente destruir os argumentos da sentença ou do acórdão.

De modo que, digo com muita tranquilidade a Vossas Excelências, encaro com muita frieza, dentro do espírito democrático, as críticas que muitas vezes vêm aos vários setores públicos. Não é apenas o Judiciário que fica muitas vezes sob o vergastamento da opinião

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pública ou publicada. Mas, especialmente, maiormente e majoritariamente até, convenha-mos, o Poder Legislativo, em face até da circunstância de, no Legislativo, estarem – Ministro José Eduardo Cardozo, as várias correntes de opinião e, de igual maneira, o Executivo. Então, temos que encarar, penso eu, com muita frieza, porque temos sempre a oportunida-de da contestação.

Mas quero registrar que a contestação feita por Vossa Excelência é daquelas que se costuma dizer uma contestação de mão sobre mão, porque perfeita, uma contestação de quem examinou todos os aspectos das eventuais preocupações que existem em relação aos vários temas. Vossa Excelência fez um relato, não apenas da produção desta Corte Suprema e do Judiciário brasileiro, mas fez uma coisa que aos nossos ouvidos agrada muitíssimo, que é o fato de o Direito resolver-se e a democracia resolver-se pela interpretação. As disputas que existem, quando chegam ao Judiciário, se resolvem pela interpretação e, no particular, pela interpretação principiológica, dos princípios.

Eu me recordo, Presidente Peluso, que, quando modestamente dava aulas no mestra-do e doutorado da PUC de São Paulo, ao lado de outros professores, estávamos sob o império de uma Constituição que, nos seus dizeres, era uma Constituição autoritária, mas que como toda Constituição autoritária – e os Senhores podem examinar – todas as Constituições nos períodos autoritários no Brasil não deixam de ressaltar os aspectos da democracia. A regra fundante do sistema, que é a regra de que todo poder emana do povo, existe nas Constituições democráticas e nas Constituições autoritárias. Então, o que fazíamos, ao longo das nossas au-las, era revelar, naquela Constituição autoritária, os princípios democráticos que eram as suas vigas mestras, para lembrar uma expressão do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello.

Com essa principiologia, recordo-me que as decisões de juízes federais, especial-mente naquela época, alguns deles até frequentadores do mestrado e doutorado da PUC, começaram a dar sentenças baseadas nos princípios constitucionais e, com isso, fizeram – e aqui uma homenagem ao Poder Judiciário – uma verdadeira revolução dentro de um sistema jurídico pretensamente ou supostamente autoritário. Fizeram uma revolução democrática, permitindo que outros setores da nacionalidade, advogados, políticos etc., viessem a público, em congressos os mais variados, para pleitear o restabelecimento do sistema democrático no nosso País, que culminou com a Constituinte de 1987/1988.

Já estive aqui uma ocasião, Presidente Marco Maia, como Presidente da Câmara dos Deputados, portanto, falando em seu nome, em nome da Câmara dos Deputados, quando ressaltei esta missão importantíssima do Judiciário, que é uma trivialidade, mas convém

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repeti-la. Eu dizia que o Legislativo faz a lei, muitas vezes proposta pelo Executivo, mas quem diz o que é lei e o que não é lei é o Poder Judiciário.

Por isso a sua importância e, hoje, em face das palavras do Presidente Marco Maia e das palavras do Presidente Sarney, digo que quem define o que é o Estado é precisamente o Poder Judiciário. A  matéria referente ao controle da constitucionalidade das leis visa a permitir que um órgão máximo do Judiciário diga o que é consonante ou não consonante com o Estado, com a estrutura do Estado. E, convenhamos, nós na Constituinte de 87/88, avançamos muito mais, entregando ao Poder Judiciário uma outra tarefa importantíssima. Não bastava dizer o que é constitucional ou inconstitucional, mas, como a Constituição de 88 quer-se plenamente aplicável, portanto num dado momento fazer com que todos os seus dis-positivos tenham eficácia plena, nós criamos o fenômeno do controle da inconstitucionalidade por omissão e, sobre criarmos esse instrumento genérico entregue a certas instituições do nosso País, ao seu lado, com o mesmo objetivo, criamos o mandado de injunção, para permitir que cada indivíduo pudesse vir a esta Corte e dizer: o meu direito não está sendo atendido, em face de uma inércia do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, quando se trata de ato administrativo. E o Judiciário tem se manifestado nessa direção e até avançou bastante.

Confesso, para a minha alegria, que, eu que tenho um modestíssimo compêndio de Direito Constitucional, já sustentava há muito tempo, Ministro Gilmar Mendes e Ministro Celso de Mello, que, mesmo nos mandados de injunção, em face de o mandado de injunção os princípios constitucionais autorizarem a concessão daquele pleito, daquele direito, ele deve ser concedido, porque isso que é efetividade da ação do Supremo, que é tornar efetivo o texto constitucional. E o Supremo Tribunal Federal, Presidente Peluso, tem feito isso com uma sabe-doria extraordinária, porque muitas e muitas vezes diz-se que o Supremo está se substituindo ao Poder Legislativo, mas não é bem assim. Tenho a mais absoluta convicção, posso estar equivocado, de que o Supremo, quando decide, o faz com base nos princípios constitucionais, portanto aplicando o Direito, aplicando mais do que a literalidade do texto, a sua expressão mais forte, que é a expressão principiológica.

Vossa Excelência refere-se, com muita adequação, à EC 45, que introduziu a Reforma do Judiciário. Tive o prazer de, numa das vezes em que fui Presidente da Câmara, lá atrás, instalar a Comissão que cuidava da Reforma do Judiciário. Quando veio à luz a Reforma do Judiciário, não foi para desarmonizar os Poderes do Estado, nem desarmonizar as funções internas de cada Poder e nem mesmo para agredir a Federação. Se assim ocorresse, todos aqui já disseram, haveria uma inconstitucionalidade, porque, afinal, a harmonia entre os

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Poderes não é uma recomendação constitucional, é uma determinação constitucional, a qual nós todos devemos prestar reverência e obediência.

Portanto, Ministro Celso, Ministro Peluso, eminentes Ministros desta Corte, Senhoras e Senhores, quando eu vejo, primeiro o conteúdo da afirmação do Presidente Peluso, em nome desta Corte Suprema e naturalmente em nome de todo o Poder Judiciário Nacional, quando vejo até a candência das suas palavras ao sustentar a independência e o trabalho excepcional que o Judiciário faz ao País, digo como são importantes estas vozes, porque são vozes que revelam que as instituições hão de ser criticadas, porém preservadas e enalte-cidas, pautadas estas minhas palavras precisamente por aquelas minhas palavras iniciais, segundo a qual nós temos a dita e a contradita. Nós temos essa possibilidade na demo-cracia, nos regimes autoritários nós não a temos. E tudo se resume, como registrou bem o Presidente Peluso, a uma questão interpretativa. Então não devemos nunca nos impressionar, nem com as críticas nem com as contra críticas; nós devemos combatê-las quando equivo-cadas, como se fez, com muita propriedade, na fala do Ministro Cezar Peluso.

Presidente Peluso, venho aqui, honrosamente, como Chefe interino do Poder Executivo, mas veja Vossa Excelência que, até por vício profissional, detenho-me mais nas questões con-ceituais do que nas questões pontuais. Aliás, o que há muito no Brasil, hoje, é que as pessoas vivem muito das pontuações e não das conceituações. Fizessem as conceituações, todos, os órgãos do Poder e todos os que criticam os órgãos do Poder, se utilizassem conceitos e não pontos, nós cresceríamos enormemente no nosso País. Até permito-me dizer – peço desculpas por ter me alongado um pouquinho, que, às vezes, as pessoas usam palavras inadvertidamente, sem conceituá-las. Veja que, nos últimos tempos, a palavra mais usada é a palavra “crise”. Tem crise no Judiciário, tem crise no Legislativo, tem crise no Executivo, sem se incomodarem sequer com a graduação das crises. Porque, quando se fala em crise, do que estamos falando? A crise, afinal, é uma crise administrativa? É uma crise, vamos dizer, nessa graduação que indico? É uma crise econômica? É uma crise política? É uma crise institucional, que é a mais grave das crises? As pessoas usam indiscriminadamente a palavra “crise”. Vejo muito isso no Executivo, quando um ou outro Ministro sai: o Executivo está em crise. Digo: meu caro, não há crise nenhuma; um Ministro sai, entra outro e o Governo continua. Há crise no Judiciário? Absolutamente. Há muitas vezes dificuldades interpretativas que se resolvem pela palavra última do Supremo. E, convenhamos, aqui mesmo no Supremo, quando há uma decisão do Plenário, ainda se abrem as portas para embargos declaratórios, agravo regimental, etc., os mais variados recursos. Portanto, acho que a própria tramitação das questões dentro do Supremo Tribunal Federal e dentro do Poder Judiciário revela a força democrática no nosso país.

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Presidente Peluso, em nome do Poder Executivo e, naturalmente tomo a liberdade de fazê-lo em nome também da Presidente Dilma Rousseff, quero cumprimentar o Supremo Tribunal Federal, dizendo até, se me permitem, que o Judiciário não fecha as suas portas du-rante o chamado recesso, porque há, aqui, um plantão a partir da Presidência, ou de quem faça as suas vezes. Como não fecha as suas portas o Poder Legislativo. O Poder Legislativo mantém uma comissão representativa, porque os Poderes não podem parar, e realmente não podem.

Portanto, esta solenidade de reabertura ou de abertura do Ano Judiciário é para re-velar, mais uma vez, que as portas do Judiciário agora se escancaram para a prática demo-crática do nosso País.

Muito obrigado.

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Palavras do Excelentíssimo Senhor Ministro CEZAR PELUSO,

Presidente do Supremo Tribunal Federal

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O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente)  — Os discursos proferidos pelos ilustres representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, aos quais eu agradeço em nome do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário, que honram o Poder Judiciário, integrarão a história e os anais desta Corte.

Antes de declarar encerrada a sessão, peço aos Senhores presentes que perma-neçam em seus lugares até que os Ministros da Corte e todas as demais autoridades que compõem a mesa se retirem.

Com isso, declaro encerrada esta sessão.

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