cap 15 - visão geral da circulação

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Geral da 0 sistema circulat6rio trans porta e distribui subs- Uincias essenciais, bern como remove subprodu- tos metab6licos. Esse sistema participa tam bern, em mecanismos homeostaticos, como regula<;:ao da temperatura corporal, manuten<;:ao do balan<;:o de flui- dos e ajuste do fornecimento de 0 2 e nutrientes sob varios estados fisiol6gicos. 0 sistema cardiovascular, que realiza essas tarefas, e composto por uma bomba (o cora<;:ao ), por uma serie de tubos coletores e distri- buidores (vasos sanguineos) e por extensa rede de va- sos finos (capilares), que permitem 0 transporte rapido entre os tecidos e os canais vasculares. Os vasos san- guineas, presentes em todo o corpo, sao cheios por urn fluido heterogeneo (sangue), essencial para os proces- sos de transporte realizados pelo cora<;:ao e por esses vasos. Este capitulo apresenta a visao geral do funcio- namento do cora<;:ao e dos vasos sanguineos, cujas fun<;:6es serao analisadas em detalhes nos capitulos subsequentes. 0 CORA9'0 0 cora<;:ao e composto por duas bombas em serie: uma propele sangue pelos pulm6es, para as trocas de 0 2 e C0 2 (a circula<;ao pulmonar) e a outra propele sangue para todos os outros tecidos do corpo (a circula<;ao sistemica). 0 sangue flui pelo cora<;:ao em apenas uma dire<;:ao (unidirecional). 0 fluxo unidirecional ocorre em razao do posicionamento apropriado de valvulas. Embora o cora<;:ao trabalhe de forma intermitente, o fluxo continuo para os tecidos corporais (periferia) ocorre gra<;:as a distensao da aorta e de suas ramifica- <;:6es, durante a contra<;:ao ventricular (sistole) e pela retra<;:ao elastica das paredes de grandes arterias, pro- movendo propulsao adicional ao sangue, durante o re- laxamento ventricular (diastole). 0 CIRCUITO CARDIOVASCULAR Na circula<;:ao normal, o volume total de sangue e cons- tante e o aumento do volume sanguineo em uma area deve ser acompanhado pela redu<;:ao em outra. Entre- tanto, a distribui<;:ao do sangue circulante pelas diferen- tes regioes do corpo e determinada pela for<;:a da contra<;:ao do ventriculo esquerdo e pelo estado contra- til dos vasos de resistencia (arteriolas) nessas regioes. 0 sistema circulat6rio e composto por canais organiza- dos em serie e em paralelo (Fig. 15-1). Essa disposi<;:ao, discutida nos capitulos subsequentes, apresenta impli- ca<;:6es importantes em termos de resistencia, fluxo e pressao nos vasos sanguineos. 0 sangue entra no ventriculo direito via atrio direito e e bombeado para o sistema arterial pulmonar sob pressao media correspondente a urn setimo da medida nas arterias sistemicas. Em seguida, passa pelos capi- lares pulmonares, onde o C0 2 e eliminado e o 0 2 absor- vido. Rico em 0 2 retorna via veias pulmonares, para o atrio esquerdo, de onde e bombeado pelo ventriculo para a periferia, completando o ciclo. VASOS SANGUiNEOS 0 sangue flui, rapidamente, pela aorta e por suas rami- fica<;:6es arteriais. Essas ramifica<;:6es vao ficando cada vez mais delgadas e suas paredes mais finas, a medida que se aproximam da periferia. Histologicamente, elas tambem mudam . A aorta e estrutura predominante- mente elastica, mas as arterias perifericas tornam-se mais musculares, ate que, nas arteriolas, a camada muscular predomina (Fig. 15-2). Nas grandes arterias, a resistencia ao atrito e relati- vamente pequena e as press6es sao apenas ligeiramen- te menores que as da aorta. As pequenas arterias, por outro !ado, oferecem resistencia moderada ao fluxo sanguineo. A resistencia atinge seu nivel maximo nas arteriolas, que sao, tam bern, conhecidas como valvulas do sistema vascular . Por esse motivo, ha grande queda de pressao no segmento terminal das pequenas arte- rias e das arteriolas (Fig. 15-3). Ajustes no grau de con- tra<;:ao desses pequenos vasos permitem a regula<;:ao do fluxo sanguineo pelos tecidos e ajudam a controlar a pressao arterial. Alem da redu<;:ao na pressao ao Iongo das arteriolas, o fluxo sanguineo passa de pulsatil a continuo (Fig. 15-3). 0 fluxo arterial pulsatil, causado pela eje<;:ao in- termitente de sangue pelo cora<;:ao, e moderado no nivel capilar, em razao da combina<;:ao de dois fatores: dis- tensibilidade das grandes arterias e resistencia ao atri- to, nas pequenas arterias e arteriolas. Cada arteriola da origem a varios capilares. A area transversal total da rede capilar e muito grande, apesar de a area transversal de cada capilar ser menor que a da arteriola . Como resultado, o fluxo sanguineo fica mais Iento nos capilares (Fig. 15-3), de forma analoga ao que ocorre nas regi6es mais largas de urn rio. As condi<;:6es nos capilares sao ideais para a troca de subs- tancias capazes de se difundir entre sangue e tecidos, ja que os capilares consistem em tubos curtos, com paredes da espessura de uma celula, e a velocidade do fluxo e baixa. Ao retornar para o cora<;:ao, vindo dos capilares, o sangue passa pelas venulas e, em seguida, por veias de calibres cada vez maiores. A pressao nesses vasos cai progressivamente ate o sangue atingir o atrio direito (Fig. 15-3) . Proximo ao cora<;:ao, o numero de veias dimi- nui e a espessura e composi<;:ao de suas paredes muda (Fig. 15-2), a area transversal total diminui e o fluxo 289

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Page 1: Cap 15 - Visão Geral da Circulação

Visa~ Geral da Circula~ao

0 sistema circulat6rio trans porta e distribui subs­Uincias essenciais, bern como remove subprodu­tos metab6licos. Esse sistema participa tam bern,

em mecanismos homeostaticos, como regula<;:ao da temperatura corporal, manuten<;:ao do balan<;:o de flui­dos e ajuste do fornecimento de 0 2 e nutrientes sob varios estados fisiol6gicos. 0 sistema cardiovascular, que realiza essas tarefas, e composto por uma bomba ( o cora<;:ao ), por uma serie de tubos coletores e distri­buidores (vasos sanguineos) e por extensa rede de va­sos finos (capilares), que permitem 0 transporte rapido entre os tecidos e os canais vasculares. Os vasos san­guineas, presentes em todo o corpo, sao cheios por urn fluido heterogeneo (sangue), essencial para os proces­sos de transporte realizados pelo cora<;:ao e por esses vasos. Este capitulo apresenta a visao geral do funcio­namento do cora<;:ao e dos vasos sanguineos, cujas fun<;:6es serao analisadas em detalhes nos capitulos subsequentes.

0 CORA9'0 0 cora<;:ao e composto por duas bombas em serie: uma propele sangue pelos pulm6es, para as trocas de 0 2 e C02 (a circula<;ao pulmonar) e a outra propele sangue para todos os outros tecidos do corpo (a circula<;ao sistemica). 0 sangue flui pelo cora<;:ao em apenas uma dire<;:ao (unidirecional). 0 fluxo unidirecional ocorre em razao do posicionamento apropriado de valvulas. Embora o cora<;:ao trabalhe de forma intermitente, o fluxo continuo para os tecidos corporais (periferia) ocorre gra<;:as a distensao da aorta e de suas ramifica­<;:6es, durante a contra<;:ao ventricular (sistole) e pela retra<;:ao elastica das paredes de grandes arterias, pro­movendo propulsao adicional ao sangue, durante o re­laxamento ventricular (diastole).

0 CIRCUITO CARDIOVASCULAR Na circula<;:ao normal, o volume total de sangue e cons­tante e o aumento do volume sanguineo em uma area deve ser acompanhado pela redu<;:ao em outra. Entre­tanto, a distribui<;:ao do sangue circulante pelas diferen­tes regioes do corpo e determinada pela for<;:a da contra<;:ao do ventriculo esquerdo e pelo estado contra­til dos vasos de resistencia (arteriolas) nessas regioes. 0 sistema circulat6rio e composto por canais organiza­dos em serie e em paralelo (Fig. 15-1). Essa disposi<;:ao, discutida nos capitulos subsequentes, apresenta impli­ca<;:6es importantes em termos de resistencia, fluxo e pressao nos vasos sanguineos.

0 sangue entra no ventriculo direito via atrio direito e e bombeado para o sistema arterial pulmonar sob

pressao media correspondente a urn setimo da medida nas arterias sistemicas. Em seguida, passa pelos capi­lares pulmonares, onde o C02 e eliminado e o 0 2 absor­vido. Rico em 0 2 retorna via veias pulmonares, para o atrio esquerdo, de onde e bombeado pelo ventriculo para a periferia, completando o ciclo.

VASOS SANGUiNEOS 0 sangue flui, rapidamente, pela aorta e por suas rami­fica<;:6es arteriais. Essas ramifica<;:6es vao ficando cada vez mais delgadas e suas paredes mais finas, a medida que se aproximam da periferia. Histologicamente, elas tambem mudam. A aorta e estrutura predominante­mente elastica, mas as arterias perifericas tornam-se mais musculares, ate que, nas arteriolas, a camada muscular predomina (Fig. 15-2).

Nas grandes arterias, a resistencia ao atrito e relati­vamente pequena e as press6es sao apenas ligeiramen­te menores que as da aorta. As pequenas arterias, por outro !ado, oferecem resistencia moderada ao fluxo sanguineo. A resistencia atinge seu nivel maximo nas arteriolas , que sao, tam bern, conhecidas como valvulas do sistema vascular. Por esse motivo, ha grande queda de pressao no segmento terminal das pequenas arte­rias e das arteriolas (Fig. 15-3). Ajustes no grau de con­tra<;:ao desses pequenos vasos permitem a regula<;:ao do fluxo sanguineo pelos tecidos e ajudam a controlar a pressao arterial.

Alem da redu<;:ao na pressao ao Iongo das arteriolas, o fluxo sanguineo passa de pulsatil a continuo (Fig. 15-3). 0 fluxo arterial pulsatil, causado pela eje<;:ao in­termitente de sangue pelo cora<;:ao, e moderado no nivel capilar, em razao da combina<;:ao de dois fatores : dis­tensibilidade das grandes arterias e resistencia ao atri­to, nas pequenas arterias e arteriolas.

Cada arteriola da origem a varios capilares. A area transversal total da rede capilar e muito grande, apesar de a area transversal de cada capilar ser menor que a da arteriola. Como resultado, o fluxo sanguineo fica mais Iento nos capilares (Fig. 15-3), de forma analoga ao que ocorre nas regi6es mais largas de urn rio. As condi<;:6es nos capilares sao ideais para a troca de subs­tancias capazes de se difundir entre sangue e tecidos, ja que os capilares consistem em tubos curtos, com paredes da espessura de uma celula, e a velocidade do fluxo e baixa.

Ao retornar para o cora<;:ao, vindo dos capilares, o sangue passa pelas venulas e, em seguida, por veias de calibres cada vez maiores. A pressao nesses vasos cai progressivamente ate o sangue atingir o atrio direito (Fig. 15-3). Proximo ao cora<;:ao, o numero de veias dimi­nui e a espessura e composi<;:ao de suas paredes muda (Fig. 15-2), a area transversal total diminui e o fluxo

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Page 2: Cap 15 - Visão Geral da Circulação

290 Berne e levy Fisiologia

Veias -Venulas/ Arteriolas Arterias da cabe9a

Capilares e do pesco9o

Arterias dos bracos

Veias pulmonares

e Figura 15-1. Diagrama esquematico do arranjo paralelo em serie dos vasos componentes do sistema circulat6rio . As redes capilares estao representadas por finas linhas conec­tando arterias (a direita) as veias (a esquerda) . As estruturas mais grossas, em forma concava, pr6ximas as redes capila res, representam as arterfolas (vasos de resistencia). (Redesenhado de Green HD: In Glasser 0 [ed] : Medical Physics, vol1. Chicago, Year Book, 1944.)

l------l10 mm

Em pacientes com hipertiroidismo (doen~a de Gra­ves), o metabolismo basal e elevado e, frequentemen­te, associado a vasodilata<:;ao arteriolar. Essa redu<:;ao na resistencia arterial diminui o efeito amortecedor na pressao arterial pulsatil e manifesta-se como fluxo pulsatil nos capilares, como observado na raiz das unhas de pacientes com essa doen<:;a .

sanguineo aumenta (Fig. 15-3). Observe que o perfil da velocidade do fluxo sanguineo e a area transversal, em cada nivel da vasculatura, sao essencialmente a ima­gem especular uma da outra (Fig. 15-3).

Dados obtidos em cao de 20 kg (Tabela 15-1) indicam que, entre a aorta e os capilares, o numero de vasos aumenta cerca de 3 bilh6es de vezes e a area transver­sal total aproximadamente 500 vezes. 0 volume de san­gue, na circula<;ao vascular sistemica, e maior nas veias e venulas (67%). Apenas 5% do sangue total e encontra­do nos capilares e 11 % na aorta, arterias e arteriolas. Em contraste, o volume sanguineo, na rede vascular pulmonar, dividi-se de maneira aproximadamente equi­valente entre vasos arteriais, capilares e venosos. A area transversal das veias cavas e maior que ada aorta. Por essa razao, a velocidade do fluxo e menor nessas veias (Fig. 15-3) .

• CONCEITOS·CHAVE

1. 0 sistema circulat6rio e composto por uma bomba ( o cora<;ao ) , por uma serie de tubos coletores e distribuidores (vasos sanguineos) e por extensa rede de vasos finos ( capilares ), que permit em a rapida troca de subsUincias entre tecidos e sangue.

2. A pressao pulsatil reduz-se, progressivamente, em razao da elasticidade das paredes arteriais e da resistencia friccional de pequenas arterias e arte­riolas, de modo que o fluxo sanguineo capilar e em essencia nao-pulsatil. A maior resistencia ao fluxo sanguineo e, por conseguinte, a maior queda de

Microvasos 1------l 20 ~m

Aorta

Diametro ;;J 255 m mmm } Arteria 4mm

Veia Veia cava Arterfola Arterfola terminal

1 0~m

Capilar B~m

Venula 20~m

e Figura 15-2. Diametro interno, espessura das paredes e quantidades relativas dos principais componentes de va­rios vasos sangufneos que compoem o sistema circulat6-rio. As sec;oes transversais nao foram desenhadas em escala, em decorrencia da diferen c;a bastante significativa entre a aorta e as ve ias cavas com relac;ao aos capilares. (Redese­nhado de Burton AC: Physiol Rev 34:619, 1945.)

Espessura 2 ~ da parede

5 mm 301:m )) 30 ~m

1mm aRmy Q © 0 2~m

0 0 O,S~m 1 ~m

~ . ~ E ~~ r r ~ ~ ~ ~ 7~ ~~ ·:.'' :-~i .~: -~; ~-~:t~ :-~::; -- - ~r; ·.'1

Endotelio

Tecido elastica

Musculo liso

Tecido fibrosa

·.

Page 3: Cap 15 - Visão Geral da Circulação

Capitulo 15 Visao Geral da Circu!ac;ao 291

e Figura 15-3. Pressao fasica, velocidade de fluxo e area transversa l da circula<;ao sistemica. As caracterfsticas impor­tantes sao a rela<;ao inversa entre ve locidade e area transversa, a grande queda de pressao nas pequenas arterias e arterfolas e a area transversal maxima com velocidade minima do fluxo nos capilares. AO, aorta; ART, arterfolas; CAP, capilares; GA, grandes arterias; GV, grandes ve ias; PA, pequenas arterias; PV, pequenas veias; VC, veias cavas; VEN, venulas.

pressfw no sistema arterial, ocorre no nfvel das pequenas arterias e arterfolas.

3. A velocidade do fluxo sangufneo e inversamente proporcional a area transversal de qualquer ponto do sistema vascular.

e Tabela 15-1. Dimensoes Vasculares em um Cao de 20 kg

Area Volume Vasos Numero Transversal Sanguineo

Sistemicos

Aorta

Arterias 40.000 a 110.000

Arteriolas 2,8 X 106

Capilares 2,7 X 109

Venulas 1 X 107

Ve ias 11 0.000a 660.000

Veias cavas 2

Pulmonares

Arterias e arteriolas 1-1,5 X 106

Capilares 2,7 X 109

Venulas e veias 2 x 106 a 4 X 106

Cora~ao

A trios 2

Ventricu los 2

Total (cm 2) Total (%)

2,8

40

55

1.357

785

631

3,1

137

1.357

210

11

67

3

4

Dados extraidos de Milnor WR: Hemodynamics, Williams & Wilkins, 1982.