cantigas de escárnio e maldizer

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SÁTIRA TROVADORESCA

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Page 1: Cantigas de escárnio e maldizer

S Á T I R A T R O VA D O R E S C A

Page 2: Cantigas de escárnio e maldizer

CANTIGAS

LÍRICAS

DEAMIGO

Origem lusitanaEu lírico feminino

Amor real / concretoAmbiente popular

Estr. Paralelismo e refrão

DEAMOR

Origem provençalEu lírico masculinoCoita / amor cortêsAmbiente palacianoEstrutura de mestria

SATÍRICAS

DE ESCÁRNIOCrítica indirecta

Ironia e ambiguidade

DE MALDIZERCrítica directa

Temática e/ou linguagem fescenina

Page 3: Cantigas de escárnio e maldizer

A par das cantigas de amigo e das cantigas de amor, as cantigas de escárnio e

maldizer constituem um dos três grandes géneros em que se divide a lírica galego-

portuguesa.

Cantigas de Maldizer son aquelas que fazê os trobadores mais descubertamente; en

elas entrã palavras que queren dizer mal e nõ aueran outro entendimento senõ aquel

que queren dizer chaãmente e cantigas descarneo son aquelas que os trobadores fazê

querendo dizer mal dalguen en elas e dizem-lho per palavras cubertas que aiam dous

entendymentos para lhe lo non entenderen ...ligeyramente (CBN, Arte de Trovar, Tit.

III, C.VI).

Page 4: Cantigas de escárnio e maldizer

A alusão mais ou menos directa ao destinatário do ataque constitui, pois, o elemento

que diferencia os dois tipos de cantiga.

A intenção destas cantigas é satirizar certos aspectos da vida da corte, visando com

frequência certas personagens como jograis, soldadeiras, clérigos, fidalgos, plebeus

nobilitados.

Ao mesmo tempo, as cantigas de escárnio e maldizer recriam situações anedóticas e

picarescas e apresentam uma ridicularização do amor cortês.

O repertório linguístico da sátira pessoal, social, moral, religiosa e política,

surpreende pela sua amplitude e recorrente obscenidade, transmitindo

involuntariamente informações ímpares sobre a mentalidade e cultura laica

medievais.

Page 5: Cantigas de escárnio e maldizer

São mais antigas do que a própria nacionalidade e ter-se-iam desenvolvido

paralelamente com as cantigas de amigo.

Mais tarde foram influenciadas pela literatura provençal.

As composições satíricas da Provença tinham o nome de sirventês. (imitação servil do

tema ou da forma ou ainda por terem o propósito de servir um senhor)

sirventês moral

sirventês político

sirventês pessoal

Page 6: Cantigas de escárnio e maldizer

A Arte de Trovar distingue duas modalidades de sátira:

Cantigas de Escárnio

(ridiculariza-se alguém com palavras simuladas; o processo estilístico é

basicamente a ironia)

Cantigas de Maldizer

(ridiculariza-se alguém com palavras claras e directamente ofensivas)

cf. Arte de Trovar

Page 7: Cantigas de escárnio e maldizer

É concreta e particular;

fundamentalmente de carácter social;

é, por vezes muito obscena.

A poesia satírica galego-portuguesa oferece-nos um precioso

testemunho sobre a Idade Média portuguesa e peninsular na

medida em que documenta os seus costumes, sem a

idealização da cantiga de amor, e nos informa sobre os factos

históricos e sociais mais relevantes.

Page 8: Cantigas de escárnio e maldizer

a cruzada da Balteira;

o escândalo das amas e tecedeiras;

a decadência e a sovinice dos infanções;

a deposição de D. Sancho II e a entrega dos castelos ao Conde de Bolonha, futuro D.

Afonso III;

as disputas entre jograis;

a traição dos fidalgos na guerra de Granada;

o desconcerto do mundo;

a vida duvidosa das soldadeiras;

amores entre fidalgos e plebeias;

as mentiras do amor.

Page 9: Cantigas de escárnio e maldizer

A Sátira Trovadoresca visa ainda outras entidades, como:

- os fidalgos prepotentes; os reis e outros nobres que viajam muito; os

peregrinos e as suas gabarolices de aventura; os fidalgos pelintras; os membros

do clero, as abadessas e freiras e os cavaleiros das ordens militares; os

trovadores e os jograis; os médicos, os juízes e os juristas; os ladrões, os

linguareiros, os avarentos…

Assim, na sátira do primeiro período medieval podemos ver duas espécies de crítica:

A social (religiosa, política e moral)A individual (jogralesca) – de muito mais largas proporções

Page 10: Cantigas de escárnio e maldizer

ESCÁRNIO MALDIZER

Crítica indirecta: a pessoa satirizada

não é identificada

Crítica directa: a pessoa satirizada é

identificada; Citação nominal

Ironia Zombaria, Difamação

Comicidade Comicidade

Linguagem trabalhada, com subtilezas,

trocadilhos

Linguagem agressiva

Ambiguidade – vocabulário de duplo

sentidos

Uso de palavras obscenas ou de conteúdo erótico.

Page 11: Cantigas de escárnio e maldizer

Cantigas de Escárnio

Apresentam críticas subtis e bem-humoradas sobre uma pessoa que, sem ter

nome citado, é facilmente reconhecível pelos demais elementos da sociedade.

Ai, dona fea, fostes-vos queixar / que vos nunca louv' en [o] meu cantar; / mais

ora quero fazer um cantar / en que vos loarei toda via; / e vedes como vos quero

loar; / dona fea, velha e sandia!

Page 12: Cantigas de escárnio e maldizer

Cantigas de Maldizer

Neste tipo de cantiga é feita uma crítica pesada, com intenção de ofender a

pessoa ridicularizada. Há o uso de palavras grosseiras (palavrões, inclusive) e cita-

se o nome ou o cargo da pessoa sobre quem se faz a sátira:

Maria Peres se mãefestou (confessou) / noutro dia, ca por pecador (pois

pecadora) / se sentiu, e log' a Nostro Senhor / pormeteu, pelo mal em que andou,

/ que tevess' um clérig' a seu poder, (um clérigo em seu poder) / polos pecados

que lhi faz fazer / o demo, com que x'ela sempr'andou. (O demónio, com quem

sempre andou)

Page 13: Cantigas de escárnio e maldizer

Quanto ao fundo, são conhecidas as seguintes variedades de cantigas satíricas:

— Joguete de arteiro — é a cantiga de escárnio propriamente dita. Feria com

delicadeza.

— Risadilha ou risabelha — é a cantiga de maldizer propriamente dita. Era obscena.

Quanto à forma, podemos distinguir:

— Cantigas de mestria

— Cantigas de refrão

— Cantigas de seguir ou paródias — chamadas assim por arremedarem outra cantiga e,

segundo a Poética Fragmentária, «porque dan ao rrefran outro entendimento per

aquellas palauras meesmas e tragen as palauras da cobra a concordaren con el». Feriam

com delicadeza também.

— Tenções de briga — equivalentes ao jocz partitz provençais — consistiam num

diálogo em verso entre dois ou mais trovadores com a particularidade da resposta de

cada um dos contendores ser iniciada com as rimas do anterior.

Page 14: Cantigas de escárnio e maldizer

Cantigas de Escárnio e Maldizer

Page 15: Cantigas de escárnio e maldizer

Um exemplo da cantiga de maldizer:

"Martim Gil, um omen vil se quer de vós querelar; que o mandaste atar cruamente a um esteodando-lhe açoutes bem mil; aquesto, Martim Gil, parece a todos mui feo."

Page 16: Cantigas de escárnio e maldizer

Um exemplo de cantiga de escárnio bastante citado

“Ai dona fea! Foste-vos queixarporque vos nunca louv'en meu trobarmais ora quero fazer um cantaren que vos loarei todaviae vedes como vos quero loar:dona fea, velha e sandia.”

Essa cantiga não fornece o nome do criticado (cantiga de escárnio), mas faz umareferência directa e sem ambiguidade ao que deseja criticar: velhice e feiura dadestinatária da mensagem, por isso, não podemos classificá-la como uma cantigade escárnio ou de maldizer.

Page 17: Cantigas de escárnio e maldizer

"Tem uma dona, eu não vou dizer qualque queria ouvir a missa, pelas oitavas de natalmas veio um corvo carnaçal (que gosta de carne)e ela não pôde de casa sair.Bem que ela queria ouvir o sermãomas veio um corvo acaron (que nem ácaro, carrapato, que gruda e não larga)e ela não pôde de casa sair.Bem que ela queria ir rezarmas o corvo disse: 'Quá, vem cá!‘e ela não pôde de casa sair.Bem que ela queria sua missa ouvirmas o corvo veio sobre sie ela não pôde de casa sair."

Trata-se de uma típica cantiga de escárnio, em que além de não mencionar o nome da pessoacriticada, o poeta também é ambíguo sobre o assunto criticado.

Ao que tudo indica, a indirecta do compositor sugere que certa mulher daquele tempo andoudando desculpas que teria ido à missa, mas faltou porque apareceu um corvo preto, sinal deazar, e ela ficou em casa. No entanto, ao mesmo tempo, ele vai pontuando as acções do corvode tal maneira que chegamos à conclusão de que se trata de um padre (corvo = batina preta)que, aproveitando-se de estar outro padre ocupado com a missa, foi à casa da beata e teve comela um caso (veio sobre si).

Page 18: Cantigas de escárnio e maldizer

Ai dona fea! Foste-vos queixar

Que vos nunca louv'en meu trobar

Mais ora quero fazer un cantar

En que vos loarei toda via;

E vedes como vos quero loar:

Dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea! Se Deus mi pardon!

E pois havedes tan gran coraçon

Que vos eu loe en esta razon,

Vos quero já loar toda via;

E vedes qual será a loaçon:

Dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei

En meu trobar, pero muito trobei;

Mais ora já en bom cantar farei

En que vos loarei toda via;

E direi-vos como vos loarei:

Dona fea, velha e sandia!

Ai, dona feia, foste-vos queixar

que nunca vos louvo em meu cantar;

mas agora quero fazer um cantar

em que vos louvares de qualquer modo;

e vede como quero vos louvar

dona feia, velha e maluca!

Dona feia, que Deus me perdoe,

pois tendes tão grande desejo

de que eu vos louve, por este motivo

quero vos louvar já de qualquer modo;

e vede qual será a louvação:

dona feia, velha e maluca!

Dona feia, eu nunca vos louvei

em meu trovar, embora tenha trovado muito;

mas agora já farei um bom cantar;

em que vos louvarei de qualquer modo;

e vos direi como vos louvarei:

dona feia, velha e maluca!

João Garcia de Guilhade

Page 19: Cantigas de escárnio e maldizer

Quen a as filha quiser dar

mester1, con que sábia guarir2

a Maria Doming´á-d´ir3,

que a saberá ben mostrar;

e direi-vos que lhi fará:

ante dun mês lh´amostrará

como sábia mui bem ambrar4.

Ca me lhi vej´eu ensinar

ua sa filha e nodrir5;

e quen sas manhas ben cousir6

aquesto pode ben jurar:

que, des Paris atees acá,

molher de seus dias non á

que tan ben s´acorde d´ambrar.

E quén d´aver ouver sabor7

non ponha sa filh´a tecer

nen a cordas nen a coser,

mentr´esta meestr´aqui for8,

que lhi mostrará tal mester,

por que seja rica molher,

ergo se lhi minguar lavor.

E será en mais sabedor,

por estas artes aprender;

de mais, quanto quiser saber

sabê-lo pode mui melhor;

e, pois tod´esto ben souber,

guarrá assi como poder;

de mais, guarrá per seu lavor.

Cantiga de maldizer de Pero da Ponte

1 mester: profissão. 2 guarir: prosperar. 3 á-d´ir: há de ir. 4 ambrar: rebolar, fornicar.5 nodrir: sustentar. 6 cousir: considerar. 7 e quén d´aver ouver sabor: e quem tem o desejo de

enriquecer. 8 mentr´esta meestr´aqui for: enquanto esta mestra aqui estiver.