Sob ameaa, Cantareira precisa de 30 mi de rvoresPor Lourival Sant'anna, enviado especial | Estado Contedodom, 22 de fev de 2015

Vista do alto, a paisagem desoladora: veleiros encalhados muito longe de qualquer sinal de gua, rampas de peres terminando em barrancos secos, condomnios luxuosos no meio do nada, represas reduzidas a rios estreitos, o gado pastando na vegetao rasteira de reas antes submersas. O sonho de ter casa de fim de semana em um cenrio espetacular de montanhas e lagos, e praticar esportes nuticos, a 90 km de So Paulo, ou uma fazenda com gua abundante para o gado, parece distante do pesadelo dos 6,5 milhes de moradores da Regio Metropolitana que dependem da gua do Cantareira.Mas, segundo especialistas, h uma ligao causal entre a ocupao nos 12 municpios do Cantareira, e destruio da mata ciliar de seus 8.171 km de rios, e o esgotamento do sistema. Choveu menos no ltimo ano, mas, se a mata nativa ainda estivesse l, os reservatrios poderiam ter mais gua - e de melhor qualidade. A chuva no cairia sobre um solo to seco, com o consequente efeito "esponja". A vegetao funcionaria como uma vlvula, controlando a vazo e evitando inundaes como a de 2011 - quando as comportas tiveram de ser abertas - e falta de gua, como a de agora.

Tcnicos da Embrapa Informtica e da GV Agro propem o plantio de 30 milhes de mudas para recompor a mata ciliar em 34 mil hectares, de modo a obedecer a faixa prevista pelo novo Cdigo Florestal - que a reduziu, porque passou a medir a rea de Preservao Permanente (APP) a partir do leito regular do rio, e no mais de sua largura mxima. Para chegar a esses nmeros, eles analisaram as imagens do satlite Rapid Eyes, que registra objetos de no mnimo 5 metros, explica Eduardo Assad, autor da proposta.A mata ciliar evita o deslocamento do solo, chamado de eroso, seu transporte pelos rios e depsito nos reservatrios, ou assoreamento. Segundo a Sabesp, estudo de 2009 mostrou que no havia assoreamento no Cantareira. A mata ciliar filtra os sedimentos trazidos pelas enxurradas, evitando que poluentes, como os agrotxicos usados nas fazendas, comprometam a qualidade da gua. E mantm a infiltrao do solo pela gua, que desce para o lenol fretico, e aflora novamente. O solo sem vegetao, s vezes compactado por tratores ou pelo pisoteio de animais, deixa a gua evaporar.

OrvalhoEntretanto, explica o especialista Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp, a vegetao exerce esse papel no tanto na beira dos rios, onde o solo j est encharcado, mas um pouco mais longe, at mesmo nos topos de morros, onde ela tambm intercepta a umidade trazida pelas nuvens, que condensa na forma de orvalho e desce subterraneamente at as nascentes. Ser preciso ir alm da mata ciliar. Zuffo prope, por exemplo, o plantio direto, em vez do arado, como forma de evitar a compactao.

Ricardo Rodrigues, da Esalq, a Escola de Agronomia da USP, acha que no necessrio plantar 30 milhes de mudas. Onde houver vegetao por perto, possvel induzir a regenerao natural. Com base em sua experincia com recomposio de florestas, Rodrigues estima que 50% da rea precisaria de plantio total, com custo mdio de R$ 9 mil por hectare; 25% se regeneraria sozinha, ao custo de R$ 2 mil/ha.; os restantes 25% requereriam enriquecimento com espcies, o que custa R$ 3 mil/ha. Caberia aos fazendeiros cercar o gado.

Por esse clculo aproximado, o projeto custaria R$ 195,5 milhes. Bilhes de reais devem ser gastos nas obras de engenharia anunciadas pelo governo. S a transposio entre as Represas Jaguari, da Bacia do Paraba do Sul, e Atibainha, do Sistema Cantareira, est estimada em R$ 830,5 milhes. Para Assad e Rodrigues, a recuperao da mata nativa comearia a ter efeitos sobre o Cantareira em cinco anos.

A relao entre a vegetao e as chuvas em regies de Mata Atlntica, como a do Cantareira, ainda est sendo estudada cientificamente, afirma o meteorologista Carlos Nobre. Na Amaznia, j foi provado o efeito da transpirao das rvores. Ontem, mesmo sem chuva, o manancial teve a 16. alta e chegou a 10,2% da capacidade.

A Sabesp incentiva o plantio de mata nativa no entorno das represas, por empresas que precisam fazer compensao ambiental. A Dersa plantou 1,13 milho de mudas em 554 hectares. O governo paulista lanou no ms passado o programa Mata Ciliar, que pretende recuperar 20 mil hectares, com recursos de empreendedores em busca de licena ambiental, ou de proprietrios que precisem se regularizar.

Em Bragana Paulista, onde restam apenas 11% de cobertura vegetal, o prefeito Ferno Dias (PT) criou um programa no qual os infratores ambientais regularizam sua situao bancando o plantio de rvores. "Em menos de dois anos, j fizemos mais de 30 mil plantios." O prefeito acha provvel que haja resistncia dos condomnios e fazendeiros a um eventual programa de recomposio da mata ciliar. "Eles perdero boa parte de sua rea, mas se trata de um momento emergencial, em que o Brasil no pode manter um benefcio individual em detrimento do coletivo." As informaes so do jornal O Estado de S. Paulo.