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julho 2010 canal.com Capa corel draw.

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Revista laboratorio do Jornalismo da UFMA

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julho 2010 canal.com

Capa corel draw.

Chegamos ao quarto número da revista Canal.com. Esta vem trazer uma proposta diferente, fruto da discussão com os alunos do 5º, 6º e 7º períodos: trabalhar uma publicação voltada para a cultura, abrangendo manifestações que sobrevivem de forma

independente, muitas vezes sem visibilidade na mídia tradicional.A Canal.com procurou retratar a cultura não apenas como diversão

e entretenimento, mas mostrar o trabalho árduo e, ao mesmo tempo, gratificante de artistas que atuam de forma competente mesmo sem reconhecimento público.

Destaque para a produção do documentário da cineasta |Eliane Ca-ffé sobre os conflitos entre as comunidades quilombolas de Alcântara e a Base Espacial. O filme está sendo gravado sob a forma de oficinas com a colaboração de personagens que fazem a história de três povoados locais e alunos bolsistas do curso de Comunicação Social.

Outros aspectos abordados são os programas de incentivo à cultura, as artes do mangá e do grafite e a produção artística independente des-de a música, passando pela dança até o cinema maranhense.

O mais importante é acompanhar o processo de confecção da revista que vai desde a elaboração da pauta, redação, edição e revisão final e até mesmo a distribuirão, para que ela alcance o maior número de lei-tores possível.

Uma revista –laboratório tem um duplo compromisso, preparar os alunos para o exercício do jornalismo e, ao mesmo tempo, primar por uma qualidade semelhante à que se encontra em publicações já reco-nhecidas.

A coordenação desse processo é mais do que gratificante, é ver nas-cer talentos, trabalhar a criatividade e mostrar a realidade através de novos olhares. Esperamos que a continuidade dessa prática laborato-rial seja um testemunho da capacidade de professores e alunos de jor-nalismo da UFMA.

Profa. Dra. Vera Lucia Rolim Salles

E D I T O R I A LÍ N D I C E3 LEIS DE INCENTIVO

4 MÚSICA

5 LITERATURA

6 TEATRO

7 DANÇA

8 CIDADE

9 INFLUÊNCIA CULTURAL

10 CINEMA NO MARANHÃO

12 MARANHÃO NO CINEMA

13 GRAFITE

14 ARTES VISUAIS

15 SEM FRONTEIRAS

16 ENTREVISTA

18 BLOCOS TRADICIONAIS

19 ENSAIO FOTOGRÁFICO

Detalhe da obra “Cidadão Quem”,

do artista plástico Marcio Marques, selecionada para 1º Salão de Artes

Plásticas de São Luís

CAPA

Revista Laboratório do Curso de Comu-nicação Social, habilitação Jornalismo, Universidade federal do Maranhão, Cam-pus Universitário do Bacanga, Av. dos Portugueses, s/n, CEP 65085-580, São Luis, MA.

Reitor Natalino SalgadoVice-ReitorAntonio OliveiraChefe do Departamento de Comunica-ção SocialFrancisco GonçalvesCoordenador do CursoEsnel FagundesCoordenação EditorialProfa. Dra. Vera Lucia SallesProjeto Gráfico

Jonilson BruzacaEdiçãoProfa. Dra. Vera Lucia SallesPablo Habibe FigueiredoMaycon Rangel Abreu FerreiraLeonardo Ferreira CostaAnissa Ayala Rocha da Silva CavalcanteRayssa de Souza Oliveira Amy LorenRedaçãoAlunos do 5º, 6º e 7º períodos de 2010, Disciplina Jornalismo de Revista

RevisãoProfa. Dra. Vera Lucia SallesPablo Habibe FigueiredoLeonardo Ferreira CostaFotosAlunos do 5º, 6º e 7º períodos de 2010, Disciplina Jornalismo de RevistaImpressãoUnigrafTiragem1.000 exemplares

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julho 2010 canal.com

A cultura é um dos campos sociais mais prósperos de articulação, unificação e inclusão em todos os seg-

mentos. No Maranhão, existe uma diversidade folclórica vasta e rica ainda não justamente valorizada e reconhecida, porém, enquanto política de estado percebe-se que, proporcionalmente, os recursos não são suficientes para atender a essa demanda cultural.

O incentivo à cultura se faz em âmbito federal, estadual e munici-pal. São diversos estímulos que se popularizaram com a edição da Lei Rouanet. Por 18 anos, esta legisla-ção atuou junto ao empresariado, que se beneficiava com investimen-tos em cultura, através da liberação de recursos a serem descontados no imposto de renda.

Pressionado pela comunidade ar-tística, o governo federal percebeu os inúmeros equívocos que a acom-panhavam, como a própria política de mecenato, a promoção de marcas e não, necessariamente, por uma democratização cultural por parte das grandes empresas. Com isso, foi elaborado um anteprojeto que circula pelos estados, onde recebe sugestões, para a criação da nova Lei de Fomento a Cultura – o PRO-CULTURA.

A nova Lei tem por objetivo am-pliar e descentralizar os recursos,

promovendo uma maior partici-pação da sociedade e acesso igua-litário ao financiamento cultural, com a criação de fundos setoriais e a transformação do FNC (Fundo Nacional de Cultura) em um único financiador. O dinheiro passa a ser fiscalizado e gerido diretamente pelo governo, sem intermédio de empresas.

“Não há verba que cubra a deman-da cultural do estado, da pluralidade que aqui se encontra, que nem mes-mo os maranhenses possuem o real entendimento”, afirma a chefe da assessoria de planejamento e ações estratégicas de cultura do estado, Rozenir Mesquita.

Segundo Rozenir, enquanto políti-ca estadual foi iniciado um processo de apoio que está sendo implantado, com ações específicas voltadas para o estímulo e reconhecimento das tradições regionais, “mesmo com um dos menores orçamentos, dentre todas as secretarias, o governo vem aumentando a verba para o setor”.

Em termos de participação na-cional, ainda é ínfima a atuação do nordeste, sobretudo, o Maranhão, afirma a produtora cultural e atriz Elizandra Rocha, “dentro dos pro-jetos inscritos do Nordeste nos edi-tais a maior concentração está nos estados de Pernambuco e Bahia. Os motivos são vários, mas a questão da informação e, principalmente,

formação são dois importantes fa-tores”. Para ela, é fundamental que todas as atividades culturais te-nham uma noção de gerenciamento e administração, para uma cultura popular reconhecida. “O poder pú-blico deve construir uma identidade coletiva a partir da diversidade cul-tural, respeitando-a sempre”, ressal-ta Elizandra.

Sobre a questão da valorização das manifestações culturais, o mem-bro da ONG “Cem Modos”, Raimundo Muniz, que atua com a elaboração de projetos e captação de recursos, enfatiza a necessidade de habilitar e informar a população, uma vez que a ausência de divulgação impede o envio de muitos projetos. “Com o PROCULTURA, existe a esperança de termos uma regionalização, uma distribuição por parte dos fundos criados pelo governo, que atingirão até mesmo as comunidades mais ca-rentes, acesso igualitário ao direito à cultura”.

O amplo entendimento do aspecto cultural do Maranhão desenvolvido em sua totalidade é algo que está em construção. Dentro desse processo deve-se perceber que a vida cultural de um território depende do muni-cípio, do estado, e, principalmente, da sociedade civil, além de visões estratégicas que tornem o fazer cul-tural presente no cotidiano de toda população.

NOVA LEI VISA ACABAR COM MECENATO NA CULTURA

Janice Maria da Silva Lima Milú [email protected]

Anissa Ayala Cavalcante [email protected]

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Rock O DESENVOLVIMENTO

DA PRODUÇÃO

LOCAL

O rock tem uma história curiosa em São Luis. Até os anos 80 e 90 era mais um passatempo de inicia-

dos que se conheciam pelo nome, o público era basicamente formado pelas próprias bandas que compare-ciam aos shows umas das outras. To-dos se conheciam e tudo contribuía para que ficasse por isso mesmo.

A ausência de espectadores, so-mada à distancia que separava a ci-dade de centros com uma indústria cultural mais desenvolvida, faziam do rock local uma espécie de carro sem combustível. Levá-lo para qual-quer lugar exigia um esforço injus-tificável, melhor pegar um ônibus, não?

Pode-se traçar um paralelo in-teressante com o reggae, um ritmo igualmente alienígena, mas que encontrou um terreno mais fértil e compatível com o seu estereótipo. Um dos fatores de sucesso desta música jamaicana está na sua in-corporação pelos bailes. As raízes caribenhas desse ritmo eram me-nos distantes do que se ouvia lo-calmente. Foi um pulo para que as semelhanças étnicas e sociais entre Kingston e São Luis se traduzissem na adoção de “dreadlocks” e outros reflexos visuais.

A iconografia do rock era por de-mais exótica para não parecer des-

locada na Ilha do Maranhão. Seus grandes ídolos (ainda que não seus fundadores) eram brancos que vi-nham do frio anglo-saxão que, aqui, se identificavam mais com os viaja-dos filhos de uma pequena elite.

Acontece que o mundo tomou a cidade de assalto com a internet e a MTV. Já não é estranho ver gente com cabelos compridos e camisas ostentando logos de bandas famo-sas. “Punks”, “emos” e “metaleiros” (entre outros) saltaram dos monito-res de TV e PCs para fazer parte da paisagem urbana. Um público que não se conhece pessoalmente, mas se reconhece e cria seus próprios espaços aqui e ali.

É bom que se entenda “aqui e ali” por praças, teatros, bares e pelas redes sociais virtuais que pululam na internet. A oferta de informação gerou interesse e consumo, um com-bustível necessário para este tipo de produção cultural. O terreno ficou fértil não só para shows, mas para a propagação de estúdios de grava-ção, designers de material publici-tário e estabelecimentos comerciais temáticos.

Talvez uma das supostas distor-ções da pós-modernidade, o rock aqui ganha força num momento em que a indústria cultural passa por transformações ainda inconclusi-vas. Gravar um disco agora é mais

uma satisfação pessoal do que um passaporte para o sucesso. O con-texto local está inserido em um muito maior, afetado pela pirataria e o consumo individual de músicas isoladas pelo download.

Bandas locais como a “Pedra Po-lida” e a “Megazines” se divulgam e marcam shows virtualmente, apre-sentando material produzido lo-calmente. Adnon Soares, produtor musical e dono do Estúdio CasaLou-ca, insiste que, gravar hoje em dia é muito mais fácil que na época do analógico (uso de fitas, antes da di-gitalização).

Jorge Mondego, produtor de sho-ws e bandas, coloca que muitos es-cutam rádio pela internet, que a cena rock de São Luis está crescendo e que tem um público diversificado e exigente. Mondego também afir-ma que a iniciativa privada é uma boa opção para se conseguir patro-cínios, mas ainda falta incentivo do governo que, segundo ele, ainda de-pende do “QI” do interessado (quem indica).

O fato é que existem oferta e de-manda. O rock é parte da realidade cultural contemporânea em São Luis mesmo sem a infra-estrutura de uma indústria cultural economi-camente madura para profissionali-zar a “linha de produção”.

Pablo Habibe [email protected]

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Cultura viva em alto e bom som

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A divertida descrição do livro “Breganejo Blues – Novela Tre-zoitão”, lançado no final do ano passado pela editora virtual

Mojo Books, traduz perfeitamente o que é a obra, “uma novela policial que mistura bangue-bangue, anún-cios pitorescos, quadrinhos, músi-ca brega e histórias de corno”. Com um layout moderno, a publicação de Bruno Azevêdo foge completamente do clichê literário maranhense, eru-dito e saudosista.

Antes de Breganejo, Bruno publi-cou vários quadrinhos em fanzines e revistas, o áudio-livro “A Bailarina no Espelho”, na voz de Celso Boaes, um livro de contos chamado “He-móstase” e as foto-tiras “3x4”, em parceria com sua esposa Karla Frei-

re. Em outubro, deve sair também de forma independente o inédito “O Monstro Souza”, a história de um cachorro-quente de 1,80m que tra-balha como prostituto e serial killer na Praia Grande.

“São Luís é uma cidade onde só se publica via oficial ou de maneira in-dependente, não há mercado, não há iniciativa privada, mal há livrarias. Me entristece ver a fila de escritores esperando o edital do prêmio cidade de São Luís porque é a única chan-ce que se tem de publicar”, contou o escritor, que gosta do fato de não botar a logomarca do governo nos seus livros.

Ele alega que a publicação inde-pendente dá liberdade total para o escritor dominar todos os processos de produção de sua obra, mas só ser-ve para quem não visa lucro nem es-pera algo a curto prazo. “Vale mais à pena trabalhar de maneira indepen-dente e poder chegar a quem você precisa que leia”, completou.

“Breganejo Blues – Novela Trezoi-tão” foi publicado como e-book para download gratuito e lançado no Fes-tival Internacional de Quadrinhos, que acontece a cada dois anos em Belo Horizonte. A história é sobre um taxista que investiga casos de maridos traídos e se formou nos cursos por correspondência do araponga brasilei-ro Bechara Jalkh, anunciados em antigos gi-

bis de faroeste.Em seus textos, Bruno é fiel à filo-

sofia de tratar o que seria descartá-vel no mesmo nível das coisas con-sagradas. No “Breganejo”, ele abusa da licença poética e “perverte” cer-tas regras gramaticais “a favor do efeito e da narrativa”. A presença de regionalismos como “discunjuro”, “ééééguas!” e “rampeira”, tornam o texto divertido e familiar, prin-cipalmente para o leitor mara-nhense.

Quem quiser adquirir um exemplar pode baixá-lo do site da editora Mojo Books ou solicitar um impres-so com o próprio autor pelo e-mail [email protected], “que ven-de por quanto quiser e para quem ele quiser”.

LiterAturA

BregAnejAClarissa Raposo [email protected]

“Meu objetivo ao escrever é contar piadas divertidas para mim”

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UM AUTOR “TREzOITÃO”

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Essa descrição pode ser aplicada ao cotidiano de vários grupos de tea-tro, independentemente do segmen-to em que se encaixe: seja o teatro independente ou o mercadológico. A diferença entre ambos, sem querer reduzir muito o assunto, está rela-cionada às concepções de arte e aos financiamentos dos espetáculos.

O mercadológico, conhecido tam-bém por “teatrão”, está ligado à ló-gica capitalista, uma peça de suces-so pode ficar anos em cartaz. Esse teatro ainda tem o apoio de médias e grandes empresas de entreteni-mento. Já o teatro independente é o oposto, busca pela originalidade, e “não é apadrinhado por ninguém, nem atende também às exigências do mercado”, afirma a aluna do cur-so de teatro da UFMA, Darcyleia Sousa, componente do Núcleo de Pesquisas Teatrais Rascunho. Esse grupo está formado há apenas cinco meses, mas já sente na pele as difi-culdades de quem optou pelos cami-nhos da independência.

A rotina dos independentes é dura. As dificuldades começam logo

depois de decidido o espetáculo a ser encenado. O teatro no Brasil é uma arte muito cara, os custos vão desde o aluguel do teatro até com o transporte. Muitos são os gastos e poucos os recursos. Às vezes se con-segue alguma ajuda, mas geralmen-te o dinheiro é pouco e não atende às necessidades de uma companhia, as despesas acabam sendo divididas entre os componentes do grupo.

O ritmo dos ensaios às vésperas das apresentações é intenso. Os atores ensaiam todos os dias e até mesmo nas madrugadas, para apre-sentar o melhor espetáculo possí-vel. Esse esforço todo vale a pena, quando o público reconhece o tra-balho das companhias independen-tes, eventualmente até ajudando na construção do espetáculo.

Essas dificuldades fazem parte da rotina, mas nem assim impedem que esse tipo de teatro exista. Sem muito apoio e incentivo ele perma-nece vivo, com a dedicação de quem faz arte por prazer. Mesmo sendo notado somente entre o abrir e fe-char das cortinas.

O ÁRDUO CAMINHO DO

TEATRO INDEPENDENTE

Diego Uchoa [email protected]

Aos poucos o público vai chegando e preenchendo os lugares vazios do teatro. Há expectativa no ar, todos querem saber como será o espetáculo. Atrás das cortinas, en-tre os atores e demais profissionais, o sentimento é outro: ansiedade, aquele “friozinho” na barriga. Tudo foi preparado com antecedência e pensado nos mínimos detalhes: ce-nário, luzes e figurinos. Além disso, vários dias de cansativos ensaios. A apresentação vem coroar meses de intensos trabalhos. As cortinas se abrem. Todos ficam em silêncio. O espetáculo começa.

Às vezes se consegue alguma

ajuda, mas geralmente o dinheiro é pouco e não atende

às necessidades de uma companhia

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Batidas, tambores, saias gi-rando ao som das toadas e uma sensualidade latente – características indispen-

sáveis às danças africanas. Ao mes-mo tempo, os elementos compõem uma cena comum das ruelas de São Luís. A cidade reflete o legado afri-cano, tão enraizado na cultura ma-ranhense, presente, tanto no tambor de crioula como no cacuriá, entre outras manifestações.

O período junino apresenta um cenário de celebração. As danças “ti-picamente” maranhenses estão em evidência por toda parte. Com o final dos festejos restam apenas fotogra-fias, que perdem o brilho durante o resto do ano.

Henrique França, coordenador do Grupo de Dança Afro Abanjá, convive diariamente com o dilema, e ressalta que a relação entre cultura afro e mí-

dia é a de um espaço que ainda pre-cisa ser conquistado. A divulgação só acontece em momentos esporádicos, durante o período festivo, relegando as “brincadeiras” e danças ao ostra-cismo no resto do ano.

França afirma, ainda, que é ne-cessário um trabalho de conscien-tização política e cultural, que tra-ga possibilidade de mudanças e enriquecimento, buscando, cada vez mais, a valorização dessa identidade étnica.

Esta mesma busca, aliàs, seria um problema ainda recorrente ao brasileiro. Haveria uma desvalori-zação da cultura popular, posta em segundo plano em relação à cultura européia, segundo Álvaro Santos, idealizador do Curso de Dança Afro Brasileira do Centro de Criatividade Odylo Costa Filho.

Para Álvaro, o problema para as

danças, folguedos e manifestações maranhenses é o preconceito cultu-ral que distorce a influência negra tomando-a por algo pejorativo. Exe-cutar ações que possam trazer uma nova dimensão da potencialidade cultural negra, seria mostrar que ela está inserida em todas as esferas sociais e culturais, constituintes do que é ser brasileiro.

As danças maranhenses são car-regadas de um valor simbólico, tanto por sua beleza, encanto, diversidade e tradição quanto pela catarse em que se é mergulhado.

Vivenciar esta africanidade ine-rente ao Maranhão é tornar viva uma herança, fazer com que nossa riqueza cultural não exista apenas como recheio de álbuns nas diver-sas páginas de redes sociais ou mera atração turística.

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Diego Uchoa [email protected]

DANÇAS AFRO Só BRILHAM SOB A BATUTA DE SÃO JOÃOCaroline Ribeiro [email protected]

Raiza Carvalho raizacarvalhot@hotmail

Ousadia e sensualidade do Grupo de Cacuriá Cacurelê

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FILHA DA PRECISÃO

Cenário romanesco a encan-tar a todos à primeira mira-da. Ruas de paralelepípedo exalando versos e resso-

ando os acordes vindos dos saraus. Azulejos portugueses, assentados de forma minimalista, a cintilarem nas fachadas de um casario nobili-árquico. Quantos paquetes a atra-carem em seu sagrado cais, quantas glórias cantadas por ilustres litera-tos. Essa era a Praia Grande de sé-culos atrás! Hoje, nada mais que um valioso pedaço da memória da cida-de de São Luís corroído pela inope-rância do Poder Público e pelo olhar desatento da sociedade civil.

Diferentemente do que se veicula pelas campanhas publicitárias país afora, o conjunto arquitetônico in-serido no bairro, formado em sua maioria por traçados característicos dos séculos XVIII e XIX, encontra-se em precário estado de conservação. Levantamento feito pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no ano de 2008,

acusou 133 imóveis com estruturas dani-ficadas e 35 com risco de desabamento ou em ruínas. Por tal razão, a cidade foi ameaçada de perder o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, con-

cedido pela UNESCO em 1997.O fato de grande parte dos pré-

dios tombados ser de propriedade particular dificulta os merecidos cuidados em relação a esse verda-deiro acervo material a céu aberto. “Os proprietários aproveitam os dias em que há pouca movimenta-ção nas ruas para empreenderem reformas arbitrárias nos casarões [sem a prévia autorização das ins-tituições de preservação do patri-mônio], principalmente internas, tendo como perspectiva o lucro, em especial por meio da construção de estacionamentos ou da especulação imobiliária”, explica Antônio José Oliveira, chefe da seção de fiscaliza-ção do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP), órgão estadual responsável pela tutela de algumas áreas do Centro Histórico da capital.

Quem trabalha ou convive dia-riamente na Praia Grande acredita que a população não reconhece a

relevância histórica da qual o local é dotado. Para Elisângela Lopes, se-cretária da Morada das Artes (esta-belecimento onde artistas plásticos residem, expõem e vendem suas obras), a juventude ainda não se deu conta de que sua ancestralidade está em meio àqueles monumentos er-guidos com o sangue da escravidão negra a mando de uma aristocracia agrário-comercial. “A nova geração não consegue ver a importância que este bairro traz. Meu medo é que to-das essas belas construções desapa-reçam um dia”, desabafa.

Especialistas estão se debru-çando no estudo de medidas que possam equacionar o dilema vivido pelo bairro, que ora tenta manter o peso da tradição colonial, ora entre-ga-se aos estilos mais modernos. O arquiteto Rodrigo Freitas destaca a conjunção de três fatores capazes de garantir esse intento: programas habitacionais, políticas de educação patrimonial e transformação do es-paço em centro de referência eco-nômico-tecnológica. Restam a cons-ciência dos ludovicenses e atitudes mais enérgicas das três esferas de poder para que um exemplo palpá-vel de nosso passado não venha a se tornar uma simples miragem.

Leonardo Costa [email protected]

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A cultura japonesa é reple-ta de simbologias, dentre elas o mangá: histórias em quadrinhos que surgi-

ram na época feudal. Inicialmente contadas por meio de fantoches, ganharam o mundo na década de 40 e mais tarde, foram parar na te-levisão, iniciando assim a era dos animes, como Cavaleiros do Zodía-co e Dragon Ball Z.

Em São Luís, a influência da cul-tura japonesa se faz sentir princi-palmente entre os jovens. Prova disso é que há quatro anos, a cida-de sedia um dos mais significativos eventos do gênero: o Matsuri (ou festival, em japonês). “O Matsuri começou a partir de um trabalho acadêmico com amigos que tinham gostos em comum. Então, resolve-mos fazer algo que trouxesse o que sentíamos falta dentro dos eventos que acompanhávamos, como boa organização e outras vertentes.”, afirma Miguel Braga, um dos orga-nizadores do evento.

A estudante de Direito da UNDB, Ilane Jucá, tornou-se fã dos man-gás no início de 2003. Hoje, ela se divide entre os livros jurídicos e os quadrinhos. “A coisa mais engraça-da de ler um mangá é começar a ler de trás para frente, mas a gente se acostuma rápido”, declara.

Afinal, o que torna o mangá uma arte tão atrativa? Segundo o pro-fessor de Antropologia da UFMA e coordenador do mestrado Cultu-ra e Sociedade, Norton Correa, o jovem, como indivíduo que busca

uma identidade, se aproxima de pessoas e grupos que comparti-lhem interesses em comum. “Mes-mo sendo grupos fluidos, o jovem sente a necessidade de estar ali e ‘encontrar-se’. Nesse sentido, o mangá funciona como um elemen-to aglutinador, de partilhamento de idéias e preferências.”

O nordeste é a segunda região do país com o maior número de otakus (fãs de mangás e animes no Brasil). “Os HQ’s japoneses influen-ciaram muitos qua-drinhos no Brasil, in-clusive as histórias de Maurício de Sousa.”, afirma Robert da Silva, organizador do Matsu-ri 2010 e estudioso do tema. Ele acrescenta tam-bém que uma das caracte-rísticas mais marcantes do mangá é a expressividade, com ênfase para os olhos das personagens, que são sempre grandes e refletem a carga emotiva dos enredos.

Os eventos do gê-nero reúnem diversas manifestações, como concursos de cos-players (otakus que costumam se vestir como suas personagens favorit as), pa lest ras e shows embalados

pela J-Music, sigla utilizada para denominar a música japonesa em todos os seus gêneros.

O crescimento dos festivais e do consumo da cultura japonesa indica que os otakus não se restringem à imitação de modelos culturais vin-dos de fora, mas, sobretudo, a uma expressão da interculturalidade, pa-lavra que traduz bem o que é Brasil.

Maycon Rangel Abreu Ferreira [email protected]

Sônia Raquel Soares [email protected]

A FORÇA ESTÁ COM OS OTAKUS

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Poltronas alinhadas, uma grande tela à frente. O es-curinho do cinema faz com que a gente viaje aos mais

variados lugares, experimentando os mais incríveis sentimentos. Re-almente, a sétima-arte é admirável. Mas, por que será que há tanta resis-tência dos maranhenses em relação à sua própria produção audiovisual?

Fato é que as películas mais di-fundidas mundialmente são as hollywoodianas, baseadas em seus grandes astros e altíssimos investi-mentos. Muitos brasileiros limitam-se em importar esse modelo cine-matográfico e desconhecem aquilo que é feito em solo verde e amarelo. Ainda que, nos últimos anos, as pro-duções nacionais tenham aparecido com maior destaque no cenário in-ternacional e fugido, em parte, do tripé temático da violência, favela e sexo, o público não se distanciou das influências do cinema estrangeiro. No Maranhão, essa situação não é diferente.

A produção audiovisual local não tem o apoio e investimentos de gran-

des produtoras, como a Globo Filmes, por exemplo, que alavancou imensa-mente o cinema comercial brasileiro nos últimos anos, e diminuiu o que aqui chamamos de ‘desconhecimen-to’. Esse fator, aliado à ineficiência da distribuição dos filmes e vídeos, que incrivelmente, são exibidos apenas no Cinema Praia Grande, focado nas artes menos comerciais, corrobora

o argumento da não valorização do audiovisual maranhense.

O cineasta maranhense Francisco Colombo, diretor de filmes premia-dos como ‘Reverso’ e ‘ O Incompreen-dido’, acha que a recepção de filmes estrangeiros é mais calorosa devido

à própria educação dos brasileiros. “O brasileiro foi muito mal educado pela TV. As pessoas não querem ser incomodadas, então buscam no ci-nema aquilo que vêem na televisão”, diz o cineasta.

Em relação à distribuição, Colom-bo é categórico: “A dificuldade na concorrência é discrepante, você vê que o filme internacional fica mais tempo nas salas de cinema e tam-bém têm mais cópias e trailers. Os filmes brasileiros acabam ficando com uma, duas salas, no máximo, exibidos em poucas semanas. Os ma-ranhenses, em nenhuma”.

Apesar dessa ‘desvalorização’, há várias produções locais vencedoras de festivais da sétima arte em todo o Brasil, inclusive internacionalmente. Um exemplo é o filme ‘Pelo Ouvido’, escrito e dirigido por Joaquim Hai-ckel e que ganhou importantes pre-miações no Brasil e no exterior, como melhor filme no Concurso Iberoamericano de Cortometrajes de Cartagena, na Colômbia; melhor filme internacional no FirstGlance Film Festival Philadelphia;

BUSCANDO FORA O qUE SE TEM PERTO Martha Jackson

[email protected]

Rayssa Oliveira [email protected]

Por que os

maranhenses não valorizam sua produção audiovisual?

Pelo Ouvido é um dos filmes mais premiados no Brasil e internacionalmente

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melhor direção no Boston Interna-tional Film Festival; melhor filme no VI Ibero Brasil Cine Festival de Valência e prêmio especial do júri na Mostra de Cinema Latinoamerica de Catalunya, na Espanha, entre muitos outros, inclusive no Festival Guarni-cê de Cinema.

Mas não são somente as grandes produções que têm espaço nos festi-vais. Hoje, com pouco dinheiro e uma câmera fotográfica comum, que todos têm em casa, é possível produzir vídeos interessantes, capa-zes de concorrer nas mais diversas modalidades de produção, das mais altas tecnologias às mais baixas. Essa facilidade vem possibilitando um crescimento do cinema indepen-dente no Maranhão. Independente não necessariamente por falta de investimentos do governo, mas por

opção, na busca de uma produção mais livre, em que a idéia do autor/produtor será realizada na íntegra, sem sofrer interferência de patroci-nadores ou render-se a sua censura implícita.

Um bom exemplo de curta-metra-gem independente é o recente filme ‘O Destruidor de Ilhas’ de Denis Car-los, que retrata o cotidiano dos di-versos tipos humanos encontrados na Ilha de São Luís. Outro cineasta que merece destaque na atual pro-dução cinematográfica de São Luís é Frederico Machado, engajado em dar maior visibilidade à produção e festivais maranhenses direcionados no cinema-arte.

Uma de suas principais realiza-ções é o curta ‘Infernos’, que ganhou vários prêmios como o de melhor filme no Festival Hispano- Brasilei-

ro de Valença. A obra ‘Vela ao Cruci-ficado’ também rendeu ao cineasta maranhense nove premiações em festivais nacionais. Percebe-se que há produções de qualidade em São Luís; o que falta, na verdade, não são bons temas, mas, muitas vezes, público para prestigiar as obras dos produtores locais.

Dar mais valor ao que é de fora já é marca cultural do brasileiro; no Maranhão, isso parece ser ainda mais evidente. Não é à toa que fra-ses depreciativas, como ‘Filme ma-ranhense? Não deve ser bom!’, são repetidas exaustivamente por estas terras. Está na hora dos maranhen-ses mudarem seus conceitos e abri-rem a mente para uma produção au-diovisual riquíssima, que está bem próxima.

O festival Guarnicê busca difundir a produ-ção audiovisual no Brasil e é importantís-simo como vitrine das produções locais.

Além disso, é um dos mais antigos festivais de cinema nacional, datado de 1977, quando ainda se chamava Jornada Maranhense de Super-8.

Os grandes realizadores do evento são figuras importantes no audiovisual maranhense como o cineasta Murilo Santos e Euclides Moreira Neto,

que, em parceria com a Universidade Federal do Maranhão, deram início ao projeto.

Outros festivais, como o Vídeo de Bolso e o Maranhão na Tela, também tem grande reper-cussão no estado. Focados nos benefícios das novas tecnologias para a produção atual, são bons exemplos de que o audiovisual não se res-tringe aos grandes estúdios.

Martha Jackson [email protected]

Rayssa Oliveira [email protected]

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Vela ao Crucificado é destaque na produção cinematográfica maranhense

Amy Loren [email protected]

Rúbia Oliota [email protected]

A cineasta paulistana Eliane Caffé, reconhecida pela produção do filme “Narradores de Javé”, está em terras maranhenses para de-senvolver seu mais novo trabalho, o doc-ficção “O Céu Sem Eternidade”. A diretora chegou a Alcântara em maio desse ano, e o término das fil-magens está previsto para o final de julho. O enredo do longa-metragem traz o fervoroso conflito de terras vivenciado pelas comunidades re-manescentes de quilombo, localiza-das no município, e a empresa es-tatal binacional Alcântara Cyclone Space (ACS).

Tomando como pano de fundo as problemáticas desse contexto, o projeto de Eliane Caffé, inicialmen-te, estaria focado na criação de uma polifonia. Um “diálogo” entre a lei-tura que os quilombolas (de Trajano, Pepital e Mamuna) e os cientistas da base espacial fazem do céu.

Na prática, a cineasta conta que a realidade produtiva tem sido di-ferente e que, devido às circunstân-cias, ela está se adaptando: “Ao lon-go do caminho vamos encontrando resistências, adversidades que pre-cisamos respeitar, no sentido que temos que saber ler para reconfigu-rar nossa idéia inicial sem perder o interesse”.

O mais interessante da produção é a metodologia inovadora utiliza-da. A idéia é fazer um filme que seja fruto da experiência coletiva. Ao contrário da produção tradicional, a direção não estará concentrada em Eliane, mas todos aqueles que estão envolvidos plenamente na emprei-tada participarão do núcleo dirigen-te. A intenção era criar um núcleo de dez pessoas das comunidades, que estariam à frente desta produção, além de cinco estudantes do projeto de extensão de Comunicação Social

da UFMA, criado para a oportunidade.

Porém, por motivos circunstanciais, esse plano foi se alterando. “Começamos como um grupo, que foi se modificando na prá-tica. Muitas pessoas que se interessaram pelo projeto não pu-deram se engajar por conta de compromis-

sos diversos”, afirma Caffé. Somente no final do processo, os participantes que assumiram a condução diária do longa assinarão a direção da obra.

A realidade antes imaginada e a realidade hoje vivida obrigam a cineasta a pensar uma nova angu-lação para o filme: “Cada dia é uma descoberta! Uma coisa interessante que percebi é que há uma diferença entre o grupo coeso das lideranças (Movimentos dos Atingidos pela Base Espacial) e o que encontramos nos povoados. A maneira de enfo-car essa luta tem vários níveis. O desafio é fazer com que esses dis-cursos se cruzem sem cair no jor-nalismo”.

Concluído o trabalho, todo o material coletado se tornará pa-trimônio para Alcântara. Todas as gravações serão convertidas em acervo disponível para livre exi-bição, além de aproveitamentos futuros.

Apesar do filme não ser comer-cial, seu processo de distribuição pretende alcançar espaço no mun-do cinematográfico. Com seu reno-me internacional, a cineasta Eliane Caffé promete trazer visibilidade à produção maranhense.

Confira mais informações sobre o filme no site: www.oceusemeternidade.blogspot.com

UM NOVO JEITO DE FAzER CINEMA

Lentes que capturam diferentes olhares: Eliane Caffé (centro) com os membros do projeto

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A arte, considerada por muitos, é qual-quer produção hu-mana que tenha a

intenção de transmitir alguma emo-ção. “Eu considero o grafite uma fonte artística legítima. Numa cida-de monocromática, as formas, cores e as idéias fazem toda a diferença”, afirma a estudante de comunica-ção social, Stephannie Lee. Porém, a maioria não reflete acerca da men-sagem passada.

A marginalização dessa arte se dá quando as pessoas consideram o grafite o mesmo que pichação, con-tudo não é bem assim. “Por causa do uso de spray, as pessoas nos confun-dem com marginais e por isso nos-sa arte acaba ficando à margem da sociedade e, muitas vezes, discrimi-nada”, lamenta o grafiteiro Joelson, grafiteiro há mais ou menos oito anos na Vila Embratel.

Este segmento também sofre com a falta de apoio. Todo financiamen-

to para compra de tintas vêm do próprio bolso e, às vezes de outras pessoas. “Às vezes recebemos tinta ou spray dos donos dos muros onde pedimos para grafitar, mas não é sempre”, afirma Joelson. “Há alguns anos atrás a prefeitura da capital fez uma campanha divulgando o grafite, mas não durou muito e ficou por isso mesmo. Desde então não houve mais nada. O que fazemos vem do nosso bolso e por puro amor”, completa.

O grafite não é só a expressão de sentimentos como a transmite em cores e símbolos o contexto social e político em que vivemos. Em São Luis, onde o crescimento popula-cional é grande, a concentração das pessoas acontece principalmente nas periferias, não falta sobre o que protestar. “O grafite é um pouco de tudo, nele falamos de política e cul-tura maranhense. Protestamos”, en-fatiza Joelson.

PELOS MUROS DA CIDADE Aline Alencar

[email protected]

Dados concretos a cerca da aparição do movimento em São Luis são incertos bem como o surgimento do grafite. Acredita-se que o mesmo co-meçou a ser praticado no final da década de 80.

No mundo em geral, sabe-se que esse tipo de arte se envol-ve com a história do homem das cavernas, que pintavam as paredes como forma de se comunicar e expressar. Muitos se dedicam a esta arte, com-param essa prática com a do grafite .

Como parte do hip hop, o grafite transmite esse movi-mento bem como as demais ra-mificações: o rap, a dança e o skate são alguns deles. O gra-fite difere da pichação porque se utiliza não só do spray como também de tinta, rolinhos para pintura, tinta látex básica e lá-tex branco com pigmentos.

Como tudo começou

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A n e c e s s i d a d e de espaço para produzir, en-saiar, expor

seu trabalho, a falta de reconhecimento e, além disso, de entendimento do público a respeito das Artes Plásticas, aliadas à ausência de recursos materiais e financei-ros para produção do trabalho artístico, são as maiores dificulda-des encontradas pelos artistas. A causa maior parece ser a falta da promoção de políticas culturais que insiram as comunidades no âmbito da arte.

Para Miguel Veiga, professor, Mestre em Pedagogia Profissional, especialista em Educação Artísti-ca e Artes Visuais, ator, diretor e figurinista, quando nos voltamos especificamente para o Maranhão, a produção artística é quase que totalmente independente, visto que investimento é coisa ainda rara. “Uma das provas disso foi o 1º Sa-lão de Artes Plásticas de São Luís, que há mais de 14 anos não realiza-va uma exposição de grande porte, não por falta de bons artistas, mas,

principalmente, devido a falta de interesse em políticas culturais que alguns governantes vêem como su-pérfluas”.

Um dos fatores que se somam às dificuldades dos artistas plásticos maranhenses é a ausência de uma formação acadêmica e de recursos para desenvolver seus trabalhos. “Somos carentes de conhecimento, não dispomos de cursos que aten-dam a demanda de interessados em Artes Visuais. Somente o SENAC, oferece um curso à distância para atender a região Norte”, afirma Mi-guel Veiga. Ele também destaca a importância de novas políticas que atendam à necessidade de formação profissional.

Outra questão é a dos artistas se

manterem através do seu trabalho. Muitos se dedicam a outras ati-vidades para obtenção de renda fixa e conti-nuam produzindo por satisfação pessoal. A artista plástica e ad-vogada Eliza Coelho Anchieta, por exem-plo, trabalha como assessora jurídica e também consegue se manter como produ-

tora artística independente. Dulce Maria é outra que se for-

mou em Educação Artística, mas nunca se dedicou exclusivamente para as artes. Atualmente é coorde-nadora dos eventos relacionados à área no Ministério Público e, de vez em quando, participa de algumas exposições coletivas.

O que se percebe, de maneira geral, e ainda mais no âmbito lo-cal, é a escassez de financiamento e investimento na produção artís-tica e cultural, o que faz com que muitos artistas plásticos deixem de se dedicar à arte e invistam em outros trabalhos, já que sobrevi-ver do que mais gostam de fazer lhes é negado.

A DUPLA JORNADA DE ARTISTAS INDEPENDENTES Wyllyane Rayana

[email protected]

Elizabeth Bezerra [email protected]

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Há uma máxima no meio cultural maranhense que diz que para fazer su-cesso aqui, você precisa

primeiro fazer sucesso lá fora. Em busca deste tão sonhado reconhe-cimento, profissionais das mais di-versas linguagens artísticas saem de nossa terra para se aventurar nos grandes centros. São notórios os casos daqueles que conseguiram êxito. A sambista Alcione, o cantor e compositor Zeca Baleiro e o car-navalesco Joãozinho Trinta são os exemplos mais famosos. Mas, além deles, muitos outros artistas saem do Maranhão em busca de novas oportunidades.

O músico Mano Borges morou cerca de dez anos em outros esta-dos. Foi ao Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e fez viagens para os EUA e Europa a trabalho. Segundo ele, um dos motivos de Rio-São Paulo ser considerado o grande eixo artístico do país é a “grande mídia” dos dois

estados. “Tem gente que vai para o Rio ou São Paulo porque vislumbra seguir uma carreira nacional, apa-recer no Faustão, no Jô...”, brinca.

Para quem trabalha no ramo, a produção cultural do Maranhão é tão vasta e rica quanto a de outros estados. A diferença está na difusão destas produções e no apoio dado aos artistas. “Enquanto o Maranhão vende sua história e suas belezas naturais para o Brasil, a Bahia e ou-tros estados do nordeste vendem e exportam sua música, dança, teatro e lucram com isso”, afirma o consul-tor e produtor cultural André Lo-bão. A proliferação de faculdades, teatros, casas de show é maior nos estados mais ricos, onde o público e os recursos investidos são maiores, o que faz com que muitos artistas busquem oportunidades nesses lu-gares.

“A migração para os grandes cen-tros, o velho caso do nordestino que vai ganhar a vida em São Paulo é

algo cultural e não acontece somen-te no meio artístico”, ressalta André Lobão. Para ele, os artistas têm difi-culdade em se reconhecerem como parte do processo econômico de seu local. Muitos deles lutam entre si pelas escassas verbas públicas, que faz com que artistas e político esta-beleçam uma relação personalista e clientelista.

O premiado cineasta maranhense Francisco Colombo afirma que, no caso do cinema, diferentemente do que acontece em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia, não há mercado independente para a produção de audiovisual local. Isso dificulta a fixação do artista nativo. Para o autor do curta metragem Re-verso, a produção artística, no Ma-ranhão, é quase que exclusivamente financiada pelos órgãos governa-mentais. “É preciso dar uma chaco-alhada, principalmente nas mentes das pessoas para que algo de novo surja”, desabafa.

VIDA DE VIAJANTE: A MIGRAÇÃO NO MEIO ARTíSTICO MARANHENSE

Francisco Bezerra [email protected]

Wyllyane Rayana [email protected]

Artistas maranhenses, como Mano Borges, foram buscar o sucesso lá fora

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ção

Como você se tornou o cartu-nista que é hoje?

Essa escolha se deu de forma mui-to natural. O meu pai já gostava de rabiscar papel e depois ele me disse que herdei aquilo sem nem mesmo vê-lo desenhar. Então comecei a me apaixonar pela história em quadri-nho, eu via aquilo e dizia: é isso que quero fazer. Eu sou um autodidata,

por onde passei aqui no Maranhão nunca tinha visto nenhum cartu-nista, nem sabia que isso era uma profissão. Depois de um tempo pas-sei a ter mais contato com a mídia impressa aí fui desenhando e foram aparecendo convites para publicar. O cartunista que mais me influen-ciou foi Carlos Estevão que desenha-va para a revista “O Cruzeiro”. Até

hoje ele é meu desenhista preferido. Comecei tentando copiar outros: Tio Patinhas, Pato Donald, o próprio Carlos Estevão e Ziraldo, mas depois adquiri minha própria identidade gráfica que faz a pessoa olhar e di-zer: aquele desenho é do Érico. Essa minha característica é perceptível por meio dos traços e da escrita.

Yasser Arafat “Prix de Caricature” XIV Festival Du Dessin Humoristique D’Anglet/ França - 1992

O cartum é uma linguagem universal. Os meus desenhos eu faço para me comunicar com o resto de mundo”. É com essa frase que Érico Junqueira Ayres demonstra o seu amor e de-

dicação pelo cartum, pela caricatura e pela charge.Cartunista profissional, formado em Engenharia Ci-

vil, Érico é professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Estadual do Maranhão, de Desenho Industrial na Universidade Federal do Mara-nhão e ainda compositor. O artista nasceu em Salvador, em 1948, e vive no Maranhão desde 1955. Considerado

um dos maiores cartunistas brasileiros, com vários prê-mios recebidos em salões de humor do Brasil e do exte-rior, suas obras já foram expostas na França, na China, na Itália, em Cuba e em muitos outros países. Mas, mes-mo com tantas premiações, Érico conservou seu jeito de ser, que demonstra uma simplicidade tão grande quanto o seu talento.

Nesta entrevista, ele expressa sua modéstia, mesmo tendo sido laureado inúmeras vezes com prêmios nacio-nais e internacionais, e revela seu compromisso com a arte.

Jessica Wernz [email protected]

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ARTE CULTURA E COMUNICAÇÃO

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Você encontrou algum obstá-culo no início da sua carreira?

Tinha políticos que não gostavam de cartunistas, alguns gostavam, outros não. Na escola também mui-ta gente não gostava, eu tocava nos pontos negativos das pessoas e por isso havia aquele medo, muitas pes-soas queriam revidar.

Você é um cartunista muito premiado. Quantos prêmios você já ganhou? Algum tem maior im-portância para você?

Até hoje tenho mais ou menos 112 prêmios. O mais importante para mim foi a caricatura que fiz de Yasser Arafat. Ela proporcionou que eu fosse até a França receber o prê-mio, lá fui tratado como um “paxá”, não gastei um tostão durante os dias que passei lá. Foi meu primeiro grande prêmio.

Você já ganhou algum prêmio Maranhense?

Não. Aqui já nem participo, eu evito porque vejo que só ganham determinadas pessoas. Os prêmios que ganhei aqui foram na época que estava começando, prêmio de elabo-ração de cartaz, a logo do Banco do Estado do Maranhão, essas coisas.

O que falta para que essa arte

se desenvolva no Maranhão?O número de pessoas que pesqui-

sa sobre cartum aqui é muito peque-no, até porque não é da cultura. A gente não tem uma mídia forte que gere emprego e renda para as pes-soas que trabalham com isso. Infe-lizmente as pessoas aqui não podem dizer que vivem só do que ganham desenhando; lá na França, os car-tunistas ficavam admirados e me perguntavam como eu tinha tempo para fazer cartum e fazer outras ati-vidades. Lá eles vivem só do salário que ganham para fazer revistas em quadrinhos ou ilustrar editoriais de grandes jornais.

Você é muito conhecido fora do estado e até do país. Você acha que falta reconhecimento aqui no Maranhão?

O interesse pelo desenho é uni-versal, em todo lugar tem crianças e adultos interessados. Aqui, não fal-ta reconhecimento. O que falta é o mercado, porque o Maranhão ainda é o estado que tem mais analfabe-tos no Brasil, assim fica difícil para editar um livro porque o número de pessoas que vai comprar é mui-to pequeno. As pessoas estão mais preocupadas em comer do que em

comprar livro de arte ou consumir jornais. O que falta aqui é dinheiro, é elevar as classes sociais, diminuir a distância entre ricos e pobres para que as pessoas tenham acesso à cultura. O certo seria fazer com que a renda das pes-soas aumentasse para que elas pudessem consumir essa arte.

Como funciona a pro-dução de cartuns aqui no Estado? Há alguma política de incentivo à produção?

Não tem incentivo para nada. As pessoas fazem por gostar, eu sempre fiz não para viver disso, mas porque gosto, faço dese-

nhos até de graça. Às vezes pessoas no exterior pedem desenhos e avi-sam logo que não vão pagar (risos) que é só para colocar em exposição no museu.

Com tantos prêmios fora do Estado e até do Brasil você nunca quis morar em outro lugar?

Já tive oportunidades de sair da-qui, mas me identifico com o Mara-nhão. Eu gosto dessa ilha, aqui estão meus amigos e minha família. É um lugar que me agrada, aqui tem tudo o que eu gosto. Para mim a cidade do tamanho de São Luís é ideal por-que gosto de sossego quando estou desenhando, não sei desenhar com alguém mexendo, batendo o pé ou cantarolando, gosto de me trancar e ficar sossegado.

Como as pessoas podem ter acesso às suas produções?

Só vindo aqui no meu ateliê. Eu não divulgo, não gosto de lançar livros, lancei só uns três e nunca mais. Então edito, guardo, às vezes ponho em uma livraria ou outra, e vou guardando para permutar ou doar para as pessoas que pedem e estão interessadas, porque muita gente compra livro e guarda, nem abre. Quero que esses livros meus fiquem nas mãos de alguém que es-teja interessado de verdade.Madre Teresa de Calcutá “Primer Premio”

IX Bienal Internacional de Humorismo/ Cuba - 1995

Autocaricatura

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A cada carnaval, os blocos tradicionais de São Luís se reúnem para brincar e mostrar seu brilho e suas

cores. Para que o espetáculo se con-cretize, são necessários, no mínimo, seis meses intensos de preparação. O processo é extenso e exige de to-dos os integrantes, trabalho árduo e cuidadoso para serem impecáveis na passarela e ruas da capital.

Cada bloco se esforça do jeito que pode e corre contra o tempo de estar pronto para a grande festa. Os inte-grantes participam de cada etapa.

Geylson Paiva, ex-brincante do bloco Os Guerreiros fundado há quatro anos conta como participava deste processo: “Existem os trei-nos durante a semana e no final da mesma. Há também apresentações prévias em clubes e nas ruas para arrecadar dinheiro e possibilitar o acabamento das roupas, pois exis-tem peças que são montadas na sede do bloco com a ajuda dos brincantes como colagem do chapéu, botas e manto.” Esse penoso trabalho é co-mum a todos os blocos.

No quesito apoio e finanças, a re-alidade é disforme. Muitos passam dificuldades na hora de comprar mate-riais, pagar músicos, conseguir trans-porte, entre outros afazeres necessá-rios para a composição do bloco.

Os grupos recebem um cachê por cada apresentação. Esse dinheiro é dividido em duas partes: uma an-tes do carnaval e a outra depois. O problema, como alegam brincantes e organizadores, é que, além do di-nheiro ser diferenciado de agremia-ção para agremiação (mesmo que permaneçam nos mesmos grupos, A ou B), a primeira parte do cachê é dada em ‘cima da hora’. “Cada bloco recebe um valor diferente e numa data diferente, ao contrário do que estipula o governo. É usual o dinheiro chegar as nossas mãos duas semanas antes do carnaval. Assim não dá tempo de se organi-zar por isso temos que recorrer a patrocínio de políticos e empresas privadas”, comenta o organizador e fundador do bloco “Arlequim de Ouro”, Soares Filho.

Apesar de tudo, é consenso en-

tre os participantes que o esforço é compensado na hora em que o públi-co se deixa envolver pela cadência do samba e pelas fantasias luxuosas. “Não gosto muito do desfile em si. O melhor mesmo é fazer o circuito de rua, as pessoas interagem com os brincantes do bloco, não é uma brin-cadeira onde as pessoas ficam dis-tante apenas assistindo, você sente e o brincante e participa da festa. As músicas são pura poesia, contam histórias do estado e das nossas ori-gens”, completa Soares.

Por trás dessa tradição rítmica, existe toda uma cadeia produtiva. “São contratados músicos, costu-reiras, sapateiros, enfim toda uma mão-de-obra para que o desejo de contar a história e belezas do nosso estado se realize a cada ano. Porém, falta mais união dos blocos e maior investimento por igual nos mesmo por parte do poder público. Inves-timento que encontramos mais em outros estados como Pernambuco”, afirma Soares.

O BRILHO qUE VEM DO ESFORÇO

Aline Alencar [email protected]

Neilson Viana [email protected]

Origem dos Blocos TradicionaisOs blocos surgiram pouco depois do ano de 1920,

como alternativa encontrada pela elite maranhense para brincar um carnaval diferente dos modos das ca-madas populares: os Blocos de Sujos, os Tambores de Crioula, Grupos de Fofões.

Também conhecidos como Blocos de Ritmo, possuí-am uma característica singular que era sair com suas batucadas pelas ruas, antes dos três dias de carnaval. No intuito de conseguirem a simpatia popular, utiliza-vam a vestimenta de fofão sem máscara, com um chapéu cônico confeccionado de cartolina e um batuque bem

ritmado, formado por tambores pequenos. Porém, em meados de 1930, para melhorar a qualida-

de do som e da harmonia, surgiram caixas cilíndricas de madeiras com aproximadamente 80 cm de altura por 40 cm de largura, confeccionadas com compensados e cobertas com couro de bode, chamadas de contratem-po, por serem tocadas na marcação do tempo da música, proporcionando um som mais harmônico e forte. Além do contratempo, outros instrumentos de percussão compõem a bateria dos Blocos Tradicionais, tais como: retintas, cabaças, reco-recos, agogôs e ganzás.

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TUDO qUE EXISTE TEM COR

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Amálgama de sabores nativos, espelho

de nossa gente. Popularmente chamada

de “Mercado da Praia Grande”, Casa das

Tulhas, vivenda dos hábitos seculares numa

São Luís que respira a fugacidade dos tempos modernos.

Laureada pela prosa agradável de tipos populares, esculpe

valores singelos na alma de quem a freqüenta.

Em meio à labuta diária de argutos vendedores,

um estuário de iguarias é revelado. Mariscos se

amontoam nos artesanais entrelaçados de palha,

aguardentes insaciáveis reluzem cores atraentes,

frutas diversas despertam os mais qualificados

paladares.

Fotos:Amy Loren e Rayssa OliveiraTexto:

Leonardo Costa

olfato

tato

paladar

visão